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Todo falante nativo de uma língua é um usuário competente dessa língua. Não existe erro de português.
“A ortografia é artificial, ao contrário da língua, que é natural. A ortografia é uma decisão política, é
imposta por decreto, por isso ela pode mudar, e muda, de uma época para outra.” Essas idéias são do
lingüista Marcos Bagno, da Universidade Federal de Pernambuco. Em seus estudos sobre o preconceito
lingüístico, concluiu que os gramáticos tradicionalistas tratam a língua como uma coisa morta, sem
considerar as pessoas que a falam. Verificou também que a língua é um tema político muito
importante, pois mantém relações com determinadas formas de discriminação e exclusão.
Na segunda edição de seu livro Preconceito lingüístico – o que é, como se faz, lançado pela Loyola,
Bagno faz uma análise de vários mitos sobre a língua, para depois apresentar os meios para combatê-
los. Segundo ele, o preconceito está ligado à confusão entre língua e gramática normativa. “Nossa tarefa
mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não
é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo… Também a gramática não é a língua”, alerta o autor na
abertura do livro.
Marcos Bagno explica que o preconceito lingüístico é mantido por programas de rádio e TV, jornais,
revistas e livros didáticos, junto com uma série de afirmações, apresentadas e analisadas no livro. O
primeiro tema examinado é sobre a unidade da língua. Bagno apresenta suas ocorrências, seu contexto
e caráter prejudicial à educação. Ele ressalta que “ao não reconhecer a verdadeira diversidade do
português falado no Brasil, a escola tenta impor sua norma lingüística como se fosse, de fato, a língua
comum a todos os 160 milhões de brasileiros, independentemente de sua idade, de sua origem
geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização etc.”
E sobre esse mito, envolvendo a idéia de unidade, Bagno explica que “o reconhecimento da existência
de muitas normas lingüísticas diferentes é fundamental para que o ensino em nossas escolas seja
conseqüente com o fato comprovado de que a norma lingüística ensinada em sala de aula é, em muitas
situações, uma verdadeira “língua estrangeira” para o aluno que chega à escola proveniente de
ambientes sociais onde a norma lingüística empregada no quotidiano é uma variedade de português
não-padrão”.
São analisados oito mitos, dentro daquilo que o autor entende como preconceito lingüístico. Por
exemplo, ele investiga as origens das afirmações “Português é muito difícil”, “As pessoas sem instrução
falam tudo errado”, “O certo é falar assim porque se escreve assim”, dentre outras.
Na segunda parte do livro, Marcos Bagno mostra como os mitos identificados são transmitidos e
perpetuados na sociedade por um mecanismo de “círculo vicioso do preconceito lingüístico”, formado
pela gramática tradicional, pelos métodos tradicionais de ensino e, finalmente, pelos livros didáticos.
Nas últimas palavras de seu livro, em que propõe dez cisões para um ensino de língua não
preconceituoso, o autor fala sobre o ensino e de sua importância para o aprendiz. “Ensinar bem é
ensinar para o bem. Ensinar para o bem significa respeitar o conhecimento intuitivo do aluno, valorizar
o que ele já sabe do mundo, da vida, reconhecer na língua que ele fala a sua própria identidade como
ser humano. Ensinar para o bem é acrescentar e não suprimir, é elevar e não rebaixar a auto-estima do
indivíduo. Somente assim, no início de cada ano letivo este indivíduo poderá comemorar a volta às
aulas, em vez de lamentar a volta às jaulas.”
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