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GUIÃO DE EDUCAÇÃO conhecimento, Género e cidadania no Ensino Secundário

1.7.

Que relações entre


género e cidadania?

S
ob a influência do pensamento Falar de pluralismo e diversidade mesmo entre o
pós-moderno, o estudo das grupo de mulheres e ao mesmo tempo assumir a
questões de género e da cidadania desigualdade persistente, leva-nos de imediato à
tem-se desenvolvido através de uma questão fundamental do feminismo contemporâneo,
série de fases diferentes, centrando-se grande central nos debates sobre cidadania: o debate entre
parte da dinâmica do debate na controvérsia a igualdade e a diferença.
igualdade/diferença. Inicialmente, as críticas
baseavam-se no carácter excludente da No cerne deste impasse prevalecem duas
evolução de direitos (conforme preconizada por questões: (1) será que a diversidade implica
Thomas Marshall, por exemplo), criticando-se uma cidadania diferenciada, já não universal?
a pretensa universalidade de direitos e (2) a reivindicação de políticas de diferença é
referindo-se a existência de desigualdades emancipatória (i. e., libertadora)?
(ainda no presente) entre homens e mulheres Na sua forma liberal, o conceito de cidadania apela
no que diz respeito a direitos de cidadania. à incorporação do ideal do universalismo. Neste
Esta constatação da exclusão das mulheres âmbito, é suposto que todos os indivíduos que
da cidadania tem sido abordada por duas podem legitimamente assumir-se como sendo
vias distintas: uma que reclama a inclusão cidadãos de um Estado partilhem uma igualdade
nos mesmos termos que os homens estão de direitos e responsabilidades de cidadania.
incluídos e outra que reclama que a cidadania No entanto, este universalismo gera graves
deve ter em conta os interesses particulares situações de exclusão, pois há pessoas que, pelo
das mulheres. No primeiro caso, as teóricas da facto de partilharem determinadas características,
igualdade reclamam uma cidadania neutra em são continuamente vítimas de exclusão. É o caso,
termos de género, na qual as mulheres estejam por exemplo, da desigualdade associada ao
incluídas e possam participar com os homens sexo, à etnia, a emigrantes, a pessoas de classes
como cidadãs iguais, especialmente na esfera sociais economicamente desfavorecidas ou de
pública. No segundo caso, para as teóricas orientações sexuais minoritárias. É importante
da diferença, o objetivo é uma cidadania assegurar que pessoas e grupos não sejam
diferenciada, onde as responsabilidades e excluídos dos benefícios da cidadania devido a
as competências da esfera privada – esfera qualquer aspeto (global, particular ou singular)
habitualmente associada às mulheres – sejam da sua identidade. Por isso, há quem reclame para
reconhecidas, valorizadas e recompensadas. as mulheres uma política de identidade e uma
Falam por exemplo da valorização do espaço cidadania diferenciada, isto é, de reivindicação
privado e das competências associados ao de direitos especiais e construída sobre direitos
cuidado. grupais.

046 CIG
ENQUADRAMENTO TEÓRICO l Género e Cidadania

Para as perspetivas que


advogam a cidadania
diferenciada só será possível “ (…) o voto das mulheres é obtido de modo mais precoce nos Esta-
dos Unidos, na Grã-Bretanha e em muitos outros países, por razões
alcançar a igualdade ligadas aos fundamentos filosóficos e políticos do direito de sufrágio.
através de mecanismos que Na abordagem utilitarista da democracia dominante nos países anglo-
reconheçam as vozes distintas -saxónicos, as mulheres conquistam direitos políticos em razão da sua
e as perspetivas dos grupos especificidade. Considera-se que introduzem na esfera política preocu-
pações e uma competência próprias. É, portanto, enquanto membros de
oprimidos. Assim, a promoção
um grupo, representando interesses particulares, que as mulheres têm
de uma cidadania sem carácter acesso ao voto. O voto das mulheres inscreve-se assim numa perspec-
de exclusão implica que tiva da representação das especificidades: é enquanto mulheres, e não
se reconheça a identidade enquanto indivíduos, que são chamadas às urnas. Em França, o direito
particular dos grupos sociais de sufrágio tem outras raízes, sendo derivado do princípio da igualdade
e, consequentemente, a política entre indivíduos.
necessidade de construção O universalismo à francesa constitui neste caso um obstáculo ao sufrágio
de uma política da diferença. feminino: a mulher é privada do direito de voto em razão da sua parti-
Uma política da diferença cularidade, porque não é um verdadeiro indivíduo abstracto, porque
caracterizar-se-ia: 1) pela continua a ser demasiado marcada pelas determinações do seu sexo.
Ao mesmo tempo que podem ser muito próximas, as representações do
incorporação das identidades
papel da mulher na família e na sociedade induzem assim efeitos rigo-
grupais envolvidas, 2) pela rosamente inversos em França e na maior parte dos outros países. Em
representação grupal nas França, os preconceitos funcionam negativamente: impedem a mulher
instituições, 3) pela produção de ser percebida enquanto indivíduo social, remetendo-a permanente-
de políticas que indicassem de mente para o seu papel doméstico que a isola e a encerra numa relação
que forma foram tomadas em com os homens que é de tipo natural.
consideração as perspetivas Nos países onde reina uma abordagem utilitarista da democracia, os
dos grupos e, finalmente, preconceitos sobre a natureza feminina contribuem, pelo contrário, para
4) pelo poder de veto do grupo instaurar as mulheres como grupo social bem distinto podendo aspirar
em relação a políticas que a integrar-se na esfera política precisamente em razão da sua função
social própria. Há assim dois modelos de acesso à cidadania política
especialmente lhe dissessem
para as mulheres. Por um lado, o modelo francês que se inscreve numa
respeito – por exemplo, o veto economia geral do processo de individualização e no qual a obtenção
das mulheres para as políticas do sufrágio se liga ao reconhecimento do estatuto de indivíduo autó-
relacionadas com os direitos nomo. Por outro lado, o modelo anglo-saxónico que inscreve o voto das
reprodutivos. mulheres numa perspectiva sociológica global de representação dos
interesses. ”
Preenchidas estas condições, Pierre Rosanvallon, 1995: 73-77
a cidadania diferenciada
quebraria com o carácter
universal da cidadania liberal A reivindicação de uma algumas características são
possibilitando a aspiração a política da diferença e de imutáveis e necessárias) atribuído
uma política mais justa, para cidadania diferenciada cria a um ou mais grupos, implica
as sociedades cada vez mais sérios problemas, porque a negar ou pelo menos subvalorizar
pluralistas. Apesar do interesse sua adoção poderia levar a fortemente a natureza construída
desta perspetiva – sendo uma situações que colocam em das suas características
tentativa válida de ultrapassar causa o potencial emancipador diferenciadoras e, por isso,
os problemas da modernidade do próprio conceito de impedir as possibilidades de
e da cidadania liberal – ela cidadania. O facto da teoria emancipação desse grupo.
acarreta também algumas se basear no essencialismo Por exemplo: reivindicar uma
questões que interessa discutir. (perspetiva segundo a qual cidadania diferenciada para as

por: Cristina C. Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa-Cláudia Tavares 047


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mulheres, entendidas como são assuntos altamente biologia (ou a socialização) como
um grupo que partilha de desafiadores que estão estabelecendo uma diferença
forma imutável características na ordem do dia de todos essencial?
próprias – que devem ser quantos se preocupam com
valorizadas – não acabará as questões de género, da Mas esta oposição entre
por aumentar os problemas cidadania e, essencialmente, igualdade e diferença também
da desigualdade? Reificar de desigualdade social. pode ser vista como um produto
as diferenças justificando- do individualismo abstrato;
as através de mecanismos O feminismo contemporâneo não parece haver razão para
essencializadores pode ter demonstra uma tensão supor que a igualdade e a
como efeito perverso manter contínua, quer a nível do diferença estão inerentemente
a lógica grupal e a assimetria pensamento e da teoria, quer em oposição. A escolha entre a
simbólica a ela associada. a nível da ação, relativamente igualdade e a diferença pode ser
Resumindo, o essencialismo à ideia de, por um lado, ter um falso problema. A igualdade
e mesmo a legitimação da de construir a identidade e a diferença constituem outra
existência dos próprios grupos mulher/es dando-lhe um falsa dicotomia que devemos
surgem como fortes problemas significado político sólido e, procurar dissolver. A maneira de
para a adoção desta visão por outro, sentir a necessidade isso começar a ser conseguido é
alternativa de cidadania. de desconstruir a categoria através da adoção de uma teoria
mulher. No que respeita ao de cidadania não atomista, mas
As políticas da diferença, exercício pleno da cidadania, relacional.
assim como o debate entre as mulheres querem ser iguais
a igualdade e a diferença, aos homens, ou assumir a Pretender a emancipação e
uma cidadania inclusiva das
diversas identidades deve
implicar a manutenção pela
“ A promoção da igualdade de oportunidades e de resultados faz-se
essencialmente através de programas de acção positiva. Repousa sobre
busca de igualdade de direitos
e oportunidades como um
medidas flexíveis e selectivas segundo objectivos e prioridades previa-
objetivo essencial, sendo a
mente determinados e escolhidos.
Verifica-se igualmente uma modificação das técnicas de implementação metodologia a procura de áreas
utilizadas pelas autoridades e pelos mecanismos institucionais encar- de compromisso, de criação
regados de promover a igualdade. Procura-se mais frequentemente de interesses comuns e de
persuadir, influenciar a opinião e propor fórmulas voluntárias de reali- sistemas de governação capazes
zação dos objectivos fixados e recorre-se menos a meios coercivos. (…) de acomodar as diferenças de
É ilusório pensar que a lei só por si possa ultrapassar a discriminação. forma pacífica.
Quando a discriminação legal desaparece formalmente, a discriminação
social permanece e instala-se sob novas formas, às vezes muito mais
Esta aspiração política face à
subtis. Daí a necessidade de a lei conter princípios de acção positiva.
igualdade não necessita negar a
A acção positiva necessita de uma conjugação de actores, forças,
constrangimentos e incentivos. Deve conseguir atingir todos quantos diferença, já que uma ambição
possam tornar-se culpados de discriminação; associa métodos decor- de igualdade pressupõe as
rentes da auto-assistência colectiva e da intervenção do Estado. A acção diferenças iniciais. A igualdade
positiva necessita igualmente da criação de mecanismos institucionais de direitos e oportunidades
de um novo tipo, que não sejam apenas estruturas de protecção, mas inclui precisamente respeitar
que estejam incumbidos de resolver os problemas da discriminação. ” os direitos de todos os seres
Eliane Vogel-Polsky, 1991: 11. humanos, independentemente
das suas características, crenças
ou identidades.

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