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GUIÃO DE EDUCAÇÃO conhecimento, Género e cidadania no Ensino Secundário

2.2.

O que se ensina e o
que não se ensina na escola

N
ão havendo aqui lugar para nos vigentes, havendo diretivas definidas pela
determos nas várias aceções tutela quanto à forma de operacionalização
de currículo, concordamos do currículo, em termos de conteúdos,
com a ideia básica de que metodologias e avaliação das aprendizagens.
ele deve traduzir uma teoria e uma prática
que seja útil para a vida de quem aprende, Numa lógica de equidade, para usar as
que represente um cenário da realidade e palavras de Maria Ivone Gaspar e de Maria
que não deixe de fora assuntos que são do Céu Roldão (2007), o currículo deverá
fundamentais para a vida de todos os dias. visar sempre a aquisição de saberes e o
Mais do que perspetivá-lo como o plano de desenvolvimento de competências em alunos
estudos oficial ou o leque dos programas e alunas, qualquer que seja o seu ponto de
das disciplinas oferecidas pela escola (visão partida, de forma a garantir-lhes o acesso a
restrita), entendemos, tal como Maria da trajetórias sociais que são certificadas pela
Piedade Ramos e Jorge Adelino Costa (2004), escola. No entanto, a sua aplicação terá
que ele traduz, num entendimento mais lato, necessariamente de abandonar a defesa de um
“o conjunto de aprendizagens ou experiências modelo de currículo uniforme, pronto-a-vestir
formativas realmente acontecidas” (p. 81). e de tamanho único, seguindo a expressão
cunhada em 1987 por João Formosinho,
Como afirmam os especialistas portugueses porque as distintas pertenças identitárias das
Joaquim Machado e João Formosinho crianças e jovens que convivem no mesmo
(2012), ao definir o currículo escolar o Estado espaço escolar apelam a uma atuação
determina de maneira uniforme para todo pedagógica diferenciada que esbata eventuais
o território nacional, e para os alunos de diferenças condicionadoras de desempenhos e
ambos os sexos, o que estes e estas devem crie condições de sucesso para todas e todos.
aprender e que, por conseguinte, lhes deve
ser ensinado, traduzindo isso opções de Sabe-se que o “sexo afigura-se como
fundo quanto às finalidades e conceções de o primeiro e mais estruturante fator de
educação defendidas centralmente. Ainda desigualdade. Sempre que se colocam em
na linha dos mesmos autores, a definição do evidência as várias situações e privações que
corpus curricular acaba por outorgar à escola configuram uma situação de exclusão social
a responsabilidade de ser não apenas um local e os grupos a esta associados, verifica-se
de educação formal, mas também um espaço que, neles, as mulheres se encontram em
por excelência de formação de cidadãs e de particular desvantagem. (…) A exclusão social
cidadãos, de acordo com os valores sociais e a pobreza, bem como a desigualdade de

068 CIG
ENQUADRAMENTO TEÓRICO l Género e Currículo

“ Do documento que traduz o pensamento da sociedade sobre as aprendizagens a desenvolver, corres-


pondendo às suas exigências e expectativas, até às aprendizagens realmente conseguidas pelos/as
estudantes (às vezes, independentemente da ação da escola e dos/as professores/as), valoradas e certifica-
das socialmente, constroem-se e reconstroem-se intenções, significados, práticas e resultados, nos muitos
níveis em que a implementação do currículo é realizada. Podemos seguir a proposta de José G. Sacristán
(1991) que distingue seis níveis ou fases na objetivação do currículo, a saber:

- Currículo prescrito, geralmente traduzido em texto fundador que define as orientações e


justificações fundamentais relativamente às finalidades visadas. É um guia basilar, com um
nível de generalidade que lhe permite servir tanto para a elaboração de materiais de ensino,
nomeadamente manuais, como para a avaliação global do sistema.
- Currículo apresentado aos/às professores/as, correspondendo a textos que pretendem tornar
mais claro ou explícito o sentido do prescrito para os/as professores/as. Não sendo ainda
indicações diretamente ligadas à atividade em sala de aula, constituem apoios para o/a
professor/a e podem ter origem em entidades tão diversas como os serviços do Ministério
da Educação [e Ciência], especialistas das áreas científicas de ensino ou de educação, ou das
editoras produtoras de manuais e outros materiais de ensino.
- Currículo percebido pelo/a professor/a, principal agente da sua concretização, equivale ao cur-
rículo moldado pela cultura profissional dos/as professores/as, num plano coletivo e individual.
Para ilustrar este nível podemos relembrar, como é referido na literatura de investigação, o facto
de os/as professores/as, em momentos de reforma ou revisão curricular, independentemente do
texto curricular prescrito, tenderem a dar continuidade ao currículo anteriormente em vigor, de
alguma forma retraduzindo o novo à luz do já praticado.
- Currículo em ação, ou seja, a prática realmente executada em contexto de sala de aula, numa
dada escola, numa dada comunidade. Importa salientar que esta prática sofre os efeitos
da tradução sucessiva de sentidos que assinalámos e que se configura num espaço de
constrangimentos vários, nomeadamente os que correspondem às condições de trabalho do/a
professor/a (tempos letivos, materiais e recursos disponíveis, expectativas e modalidades de
avaliação de desempenho…). Num certo sentido, é à revelia do agente principal da concretização
do currículo, por efeito de dispositivos de organização, que agora se transforma o currículo
prescrito em currículo em ação.
- Currículo realizado, correspondendo aos resultados da prática e das experiências de alunos/as e
de professores/as, nos planos cognitivo, afectivo, moral e social. Estes resultados são observáveis
ou ocultados e/ou ocultos, valorizados ou menosprezados… mas, sem dúvida, constituem uma
parte significativa do currículo.
- Currículo avaliado, muitas vezes esquecido ou ocultado, mas definidor de critérios sobre o
que é importante nos planos do ensino e da aprendizagem, retraduzindo mais uma vez (não
necessariamente de forma coerente e convergente) o currículo prescrito. Como forma de
ilustração poder-se-iam referir as diferenças entre as propostas sustentadas no currículo do
ensino secundário e as práticas de alunos/as e de professores/as mais condicionadas pelos
resultados em pauta. ”
Ângela Rodrigues, 2009 [texto inédito publicado em Pinto, Teresa (Coord.) et al. (2009),
Guião de Educação Género e Cidadania. 3º ciclo, Lisboa, CIG, p. 63.]

por: Cristina C. Vieira (coord.), Maria Helena Loureiro e Lina Coelho 069
GUIÃO DE EDUCAÇÃO conhecimento, Género e cidadania no Ensino Secundário

exames nacionais, a não


preparação científica e/ou
“ Há hoje um consenso alargado de rejeição quanto a uma conce-
ção estática de currículo, sinónima de um conjunto de programas
técnica dos e das docentes
para lidarem com determinados
das diversas disciplinas que compõem um dado plano de estudos. Se
assuntos, e a necessidade
entendermos o currículo como apenas circunscrito às indicações admi-
nistrativamente estabelecidas pela sociedade para um dado sistema de concentrar esforços no
escolar, estamos a excluir, por exemplo, o currículo com que trabalham equilíbrio entre as avaliações
alunos/as e professores/as na sala de aula ou aquele que resulta das internas e externas das escolas.
experiências efetivamente vividas pelos/as alunos/as durante o percurso
escolar. Assim, sugere-se que, na análise curricular, o uso do conceito de
A dinâmica da atividade
currículo explicite o nível em que se situa essa análise: cada nível gera
sentidos, problemas e práticas que estão muito longe de ser coerentes e educativa não se
convergentes. Do prescrito ao realizado e avaliado podemos encontrar esgota no currículo
contradições muito relevantes tanto no que se refere a princípios como
no que diz respeito a resultados. Assim, e como mero exemplo, o facto
expresso e visível dos
de o currículo Nacional defender uma perspetiva de currículo enquanto programas oficiais
projeto, aberto e flexível (…), não significa que a prática docente, cons- mas integra também,
trangida pela forma tradicional de organização do tempo escolar, pela
presença ou ausência de uma formação capaz de dotar o/a professor/a interativamente, todos
de meios de exercício autónomo e contextualizado, pela existência ou aqueles aspetos que,
ausência de meios e recursos variados e de fácil acesso para o exercí- inadvertidamente e
cio da docência, não continue a ser tradicionalmente organizada pela
inconscientemente, se
matriz das disciplinas.”
Adaptado de Ângela Rodrigues, 2009 [texto inédito publicado transmitem também
em Pinto, Teresa (Coord.) et al. (2009), Guião de Educação Género através daquilo que
e Cidadania. 3º ciclo, Lisboa, CIG, pp. 61-62].
se ensina, da forma
como se ensina e até
mesmo daquilo que se
género, são multidimensionais a esse nível; ou se entende
e intercomunicantes” que o importante é lecionar omite dos conteúdos de
(V PNI, 2013, p. 7041). as ‘matérias ditas duras’, ensino. Estes valores e
Por essa razão, o currículo associadas às competências normas são aprendidos e
oficial adotado pela escola, básicas de literacia, não
interiorizados por alunos
também chamado currículo havendo tempo/espaço para
formal, não pode deixar de fora as ‘matérias ditas mais sociais’; e alunas de uma forma
do debate as discriminações e ou se depreende que os tácita, regulando as
desigualdades derivadas desta alunos e as alunas já sabem suas vidas, no contexto
ordem social de género e as tudo sobre ‘isso’ e que, dada escolar e fora dele, com
razões que estão a montante a idade cronológica, já têm
das mesmas. autonomia crítica para lidarem
implicações bastante
com as diferentes formas de importantes, a longo
Se o fizer, a interpretação se ser e estar em sociedade. prazo, nos seus papéis
pode ser diversa: ou se parte Há ainda outras possíveis sociais e no exercício da
do princípio de que esses razões que costumam
cidadania
problemas não existem; ou aduzir-se, como a falta de
se considera que a escola horas letivas disponíveis, (Adaptado de Clarinda pomar,
não tem responsabilidades a pressão colocada pelos 2012:69).

070 CIG
ENQUADRAMENTO TEÓRICO l Género e Currículo

Ao referir-se aos grandes tipos de currículos


que todas as escolas ensinam, Elliot Eisner
(1985) divide-os em três: o currículo explícito; o
currículo implícito; o currículo nulo. O primeiro
refere-se ao que consta dos programas de
estudo correspondentes aos diferentes anos
letivos e que a escola adota, seguindo as
diretrizes dos órgãos da tutela. O currículo
implícito (também chamado de currículo
oculto), por seu turno, inclui valores, crenças
e expetativas, habitualmente não incluídas no
currículo explícito, mas que as e os estudantes
aprendem e partilham como parte da sua Figura 1
participação na vida escolar, ainda que nem Representação metafórica do
sempre estejam conscientes das regras de conceito de ‘currículo nulo’.
Fonte: http://educacion.laguia2000.com/wp-content/
conduta tácitas que adotam na sua atuação
uploads/2012/06/curriculum-nulo-263x300.png
individual e para com outros/as.
aquilo que não é explicitamente ensinado pode
De acordo com Luísa Saavedra e Paula Silva, ser tão significativo, em termos de implicações
“o currículo oculto pode reforçar os educacionais, como os conteúdos ensinados,
estereótipos de género que operam já que “a ignorância não é simplesmente um
vazio neutral; ela tem importantes efeitos no
subtilmente sobre os processos
tipo de opções que cada um/a é capaz de levar
de socialização das alunas e dos em conta, nas alternativas que conseguem
alunos de forma tão ou mais eficaz antever-se, e nas perspetivas a partir das quais
quanto o currículo formal; e fá-lo cada pessoa encara uma situação ou problema”
(1985, p. 97).
pelas interações pessoais, pela forma
como se estruturam e organizam
o currículo nulo consiste no leque de
as aulas, pelas expetativas dos/as
opções que não são proporcionadas
docentes quanto ao comportamento
aos alunos e alunas, nas perspetivas
e aproveitamento/rendimento de
que eles e elas nunca conhecerão,
alunos e alunas, pelas características e muito menos conseguirão utilizar,
das tarefas de aprendizagem, pelo nos conceitos e competências
que se avalia e como, pela seleção que não fazem parte do seu
e organização das atividades reportório intelectual. Certamente,
curriculares e das não curriculares e na deliberação individual do que
pela linguagem” (2012:53). constituirá o curso da vida de cada
uma e de cada um, a sua ausência
O currículo nulo (ver Figura 1) abrange tudo
terá importantes consequências
aquilo que a escola não ensina e que tem
também um valor fundamental para a promoção
para o tipo de existência que as
da igualdade de oportunidades entre todos e e os estudantes escolherem viver
todas. Seguindo o entendimento de Elliot Eisner, (Adaptado de Elliot Eisner, 1985: 106-107).

por: Cristina C. Vieira (coord.), Maria Helena Loureiro e Lina Coelho 071
GUIÃO DE EDUCAÇÃO conhecimento, Género e cidadania no Ensino Secundário

Uma análise aprofundada das dimensões deste


conceito de currículo nulo proposto por Elliot
Eisner leva-nos a identificar as dimensões que
são consideradas principais: os processos
cognitivos que não são estimulados pela
escola; os objetos de conhecimento
(assuntos) que não são debatidos. A estas
duas junta-se a dimensão afetiva, que reúne
os valores, as atitudes e as emoções que
não são apreendidos e experienciados por
alunas e alunos, não sendo consensual que
esta seja uma dimensão secundária às duas
primeiras5. Elliot Eisner considerava esta terceira
dimensão uma subdivisão da primeira, pois
em seu entender não poderia separar-se de
forma dicotómica a cognição da emoção.
Figura 2
As omissões ligadas aos processos Desenho de uma partida de futebol
cognitivos recaem sobretudo no facto de se feminino no final do século XIX.
considerarem as competências de análise Fonte: http://spartacus-educational.com/Fbritishladies.htm

lógica e de raciocínio dedutivo como centrais


para a aprendizagem escolar, relegando para contrário. No exemplo da Figura 2, podemos
um papel pouco preponderante modos de observar um desenho relativo a uma partida
processamento da informação metafóricos, oficial de futebol feminino que aconteceu
visuais, indutivos ou ilógicos, os quais são na localidade de Crouch End, Inglaterra,
sobretudo de natureza não verbal, como nos no dia 23 de março de 1895, sendo
dizem David Flinders e colegas (1986). que as jogadoras estavam organizadas
em duas equipas que representavam
Os exemplos ligados à omissão dos as zonas norte e sul de Londres6.
conteúdos a aprender podem retirar-se
de área específicas, como veremos na Além disso, as mulheres também foram
segunda parte deste Guião, em disciplinas proeminentes em áreas como a matemática,
consideradas fundamentais para a promoção, e isso não é abordado no ensino desta
junto de alunos e alunas, de uma cultura de disciplina (nos diferentes níveis em que ela é
rigor e de excelência. É comum pensar-se, lecionada) – a quase totalidade dos cientistas
por exemplo, que o futebol feminino é um mencionados é do sexo masculino –, tendo feito
desporto pelo qual o sexo feminino apenas descobertas que revolucionaram esta ciência,
se interessou nas últimas décadas, fruto como foi o caso da alemã Emmy Noether, que
da relevância social e económica que o viveu entre 1882 e 1935 (ver Figura 3). Ela foi
futebol masculino ganhou progressivamente considerada por Albert Einstein, por exemplo,
durante o séc. XX, mas há desenhos com como a mulher mais importante na história da
mais de um século que documentam o matemática, tendo revolucionado as teorias

5 Ver a este respeito o artigo de David Flinders e colaboradores (1986), no qual estes autores parecem defender a ideia de que a
dimensão afetiva é a mais importante, pois sem ela as restantes duas ficam esvaziadas de sentido em termos de aprendizagem.
Disponível em: http://www.jstor.org/stable/1179551 (consultado a 10 de março de 2015).
6 Fonte: http://spartacus-educational.com/Fbritishladies.htm (consultado a 12 de março de 2015).

072 CIG
ENQUADRAMENTO TEÓRICO l Género e Currículo

Kay McNulty, Betty Snyder


Holberton, Betty Jennings,
Marlyn Wescoff, Ruth Lichterman
são alguns dos nomes que a
história deveria ter retido. Betty
Snyder Holberton, por exemplo,
esteve também ligada ao
UNIVAC, o primeiro computador
comercial, e escreveu a
primeira rotina de software
alguma vez desenvolvida para
a programação automática.
Também colaborou na escrita
Figura 3 das linguagens COBOL e
Emmy Noether (1882-1935) FORTRAN com Grace Hopper.
Fonte: http://www.tsantiri.gr/wp-content/uploads/2015/03/emmy-noether-600x350.jpg Como forma de estímulo à
participação das mulheres no
sobre anéis, corpos e álgebra7, do trabalho de programação trabalho científico neste campo
depois de ultrapassar enormes (a “outra” componente de um a associação norte-americana
obstáculos para se tornar computador) e elaborou o Women in Computing instituiu o
uma das mais proeminentes único manual de programação prémio anual Grace Hopper.
estudiosas deste ramo da do ENIAC foi Adele Golstine,
matemática do século XIX. Na coadjuvada por um grupo As únicas duas mulheres
área da física, o teorema com de mulheres na altura habitualmente referidas são
o seu nome explica a conexão deixadas na penumbra sob Ada Lovelace e Grace Hooper.
fundamental entre a simetria e designações coletivas como A primeira surge identificada
as leis de conservação. “Moore School”, ou a ainda como colaboradora de Charles
mais desqualificante “ENIAC Babbage, habitualmente referido
Outro exemplo provém das girls”, que lhes negavam a como o único construtor de um
ciências da computação, visibilidade e lhes diluíam a dos primeiros computadores
campo científico totalmente individualidade. Fran Bilas, analíticos, e dela é dito que foi
identificado como masculino.
Como mostra Virgínia
Ferreira (2007), na história da “ Em 1935, no ano em que faleceu Emmy Noether, Albert Einstein
escreveu uma carta ao jornal New York Times, onde afirmou: “Fazendo
programação do ENIAC, o
uma apreciação da mais competente matemática que já alguma vez
computador que inaugurou a
viveu, considero que a Senhora Noether foi o esplendor máximo da
moderna era da computação,
genialidade criativa da matemática, que surgiu desde que as mulheres
sempre se ignora quem
inventou as ligações funcionais
tiveram acesso ao ensino superior. ”
para uma máquina que utilizava Fonte: Association of Women in Mathematics (AWM)8
18.000 tubos de vácuo. Quem (tradução adaptada).
na verdade fez a maior parte

7 Fonte: Association of Women in Mathematics (AWM).


Disponível em: http://www.awm-math.org/noetherbrochure/AboutNoether.html (consultado a 10 de março de 2015).
8 Fonte: http://www.awm-math.org/noetherbrochure/AboutNoether.html (consultado a 15 de março de 2015).

por: Cristina C. Vieira (coord.), Maria Helena Loureiro e Lina Coelho 073
GUIÃO DE EDUCAÇÃO conhecimento, Género e cidadania no Ensino Secundário

uma matemática, a “primeira programadora” áreas STEM é claramente superior à da


da História, tendo definido o princípio de grande maioria dos países da Europa, no
iterações sucessivas na execução de uma que concerne à frequência e conclusão de
operação. Grace Hooper é mencionada pelos cursos no ensino superior em particular nas
seus trabalhos de programação do ENIAC, pela áreas da Matemáticas e Ciências onde são a
definição de bug (parasita). Ora, a condessa maioria. Porém, quando se trata da passagem
Ada Lovelace foi uma matemática brilhante que para o mercado de trabalho e da ascensão
desde cedo se deixou fascinar pela máquina pelos patamares hierárquicos profissionais,
analítica de Babbage, da qual foi a programadora tal cenário favorável desvanece-se por razões
e principal divulgadora e sobre a qual escreveu que importa desocultar. Algumas delas foram
textos interessantíssimos e muito avançados para já abordadas na publicação portuguesa da
a época. No entanto, a máquina foi batizada com Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas
o nome de Babbage. Quanto a Grace Hopper, (AMONET), organizada por Isabel Lousada e
ela foi de tal modo brilhante, que foi a primeira Maria José Gonçalves (2012)10, onde é traçada
pessoa a receber o prémio em ciências da uma ligação entre estas disparidades que
computação no ano da sua criação. nada têm a ver com competências relativas ao
exercício profissional por parte das mulheres
Talvez esta falta de visibilidade dos contributos mais qualificadas nestas áreas, mas sim
das mulheres para o desenvolvimento de com desigualdades de poder legitimadas
áreas consideradas tipicamente masculinas socialmente, que depois se estendem a outros
– as chamadas STEM (Science, Technology, domínios como a participação política.
Engeneering, Mathematics), que traduzindo para
a língua portuguesa, envolvem respetivamente A manter-se esta sub-representação do sexo
as ciências (‘exatas’), a tecnologia, a engenharia feminino em áreas melhor pagas e com maior
e a matemática –, advenha também da estatuto socioprofissional, será de esperar
incompreensível ausência, nos curricula oficiais, que se mantenha a desigualdade salarial entre
de personagens femininas que ajudaram a mulheres e homens – que é maior em domínios
escrever a sua história. que exigem patamares de escolaridade mais
elevados11 – e que, por razões meramente
Entre outros efeitos, isto poderá levar as ligadas a conceções tradicionais de
adolescentes a acreditar que talvez estas sejam organização social, neste caso baseadas em
áreas em que elas terão menos hipóteses de expetativas (de)formadas pelo género, certas
sucesso ao nível profissional, como mostrou mulheres jovens venham a preterir uma carreira
um projeto português desenvolvido por Luísa profissional em áreas onde poderiam atingir a
Saavedra e colaboradoras (2011), ainda que excelência e ganhar o mesmo salário que os
as suas notas em todas as áreas superem seus congéneres do sexo masculino. O mesmo
as dos rapazes9. No caso de Portugal, a parece também acontecer no caso dos jovens
representatividade das jovens raparigas nas rapazes, os quais continuam em minoria em

9 Para uma consulta atenta dos resultados disponíveis para Portugal da comparação internacional PISA 2015, consultar: http://
gpseducation.oecd.org/CountryProfile?plotter=h5&primaryCountry=PRT&treshold=10&topic=PI
10 A referida publicação, com o título Women, Science and Globalisation: What´s UP?, encontra-se disponível em: http://www.
qrandgo.com/AMONET_ebook.html (consultado a 12 de agosto de 2015).
11 Segundo o I Relatório sobre Diferenciações Salariais por Ramos de Atividade, relativo à situação portuguesa e publicado em
2014, “no que respeita aos níveis de qualificação, constata-se que o diferencial salarial entre mulheres e homens, desfavorável
às mulheres, é diretamente proporcional aos níveis de qualificação, ou seja, quanto mais elevado é o nível de qualificação
maior é o diferencial salarial, sendo, portanto, particularmente elevado entre os quadros superiores” (p. 13). Disponível em:
http://www.cite.gov.pt/pt/destaques/complementosDestqs/I_Rel_Dif_Sal.pdf (consultado a 20 de março de 2015).

074 CIG
ENQUADRAMENTO TEÓRICO l Género e Currículo

domínios com maior presença


de raparigas e de mulheres12,13,
não certamente por vontade “ Espera-se que todos os cidadãos e cidadãs, homens e mulheres, par-
tilhem responsabilidades familiares, à medida que as sociedades se tor-
sua na totalidade dos casos, nam mais diversas. Nas sociedades democráticas, todas as pessoas têm
mas por questões ligadas a o direito à auto-realização pessoal e também têm a responsabilidade de
fatores, identificados em obras contribuírem para a sociedade e comunidades locais de pertença. Os es-
portuguesas como a de Luísa tereótipos de género, com as suas insistentes restrições à auto-imagem,
Saavedra (2005) ou de Maria às expetativas e às oportunidades de vida de cada qual, atuam no sentido
de contrariar a preparação de mulheres e de homens para enfrentarem
do Mar Pereira (2012), como a
os desafios das sociedades modernas. As escolas deverão desempenhar
influência dos pares, dos media
[por isso] um papel ativo na preparação das gerações mais novas para
e dos modelos familiares, e o desempenho das competências necessárias a uma participação plena
em virtude das suas próprias
auto perceções assentes em
em todas as esferas da sociedade moderna. ”
Conselho da Europa, 2014: 1715 (tradução adaptada).
modelos sexistas aprendidos
de masculinidade.

Tendo como objetivo 2014, um abrangendo os profissionais, mas também no


combater a diferente rapazes e outro as raparigas14. desempenho de outros papéis
representatividade de ambos No caso deles, foi fundamentais dentro ou fora do
os sexos em diversas recomendado aos 47 países contexto familiar, como o de
áreas, e abrindo aos e às membros que, de entre progenitores e o de cuidadores,
jovens a possibilidade de as boas práticas a adotar onde tais competências serão
escolhas vocacionais livres e através da educação para o cruciais.
consentâneas com as suas combate aos estereótipos de
reais potencialidades, aptidões género, seja feita a promoção No caso delas, foi aconselhado
e vocação, as instâncias de iniciativas destinadas a que se delineassem políticas
políticas supranacionais têm promover o maior envolvimento e se promovessem incentivos
continuado a recomendar aos dos homens na educação para as encorajar a estudar
países membros que adotem e na prestação de cuidados temáticas ligadas às ciências
estratégias específicas, com à primeira infância. Como é e tecnologias, de forma
públicos-alvo bem definidos. evidente, esta intervenção a permitir-lhes prosseguir
Vejam-se dois exemplos só poderá ter implicações cursos e carreiras de elevada
retirados de Recomendações positivas nas vidas destas exigência nas áreas STEM,
do Conselho da Europa, em pessoas, não apenas enquanto atrás mencionadas. Também

12 Em Portugal, em 2015, os números divulgados pelo Conselho Nacional de Educação, no Relatório Estado da Educação, re-
velavam que 99,1% dos docentes eram mulheres, diminuindo a percentagem à medida que se avançava nos níveis de ensino.
Nos ciclos seguintes, havia 86,6% de mulheres no 1º CEB, 72,3% no 2º CEB e 71,6% no 3º CEB e secundário. Fonte: http://
www.cnedu.pt/content/noticias/CNE/Estado_da_Educacao_2015_versao_digital.pdf (consultado a 17 de março de 2017).
13 Em 2009, segundo estatísticas oficiais, a percentagem de homens diplomados ou licenciados em Serviço Social em Portugal
representava apenas 9% da totalidade de profissionais, tendo este indicador crescido apenas cinco pontos em treze anos
(desde 1996). Ver a este propósito a publicação de Francisco Branco (2009), com o título A profissão de assistente social em
Portugal, disponível em: http://snas.pt/artigos/aprofiss%C3%A3odeassistentesocialemportugal (consultado a 20 de março de
2015).
14 Documentos disponíveis em: http://www.coe.int/t/DGHL/STANDARDSETTING/EQUALITY/03themes/gender%20
stereotypes%20and%20sexism/Report%202%20NFP%20Conference%20Helsinki%20-%20Education.pdf (consultados a 20
de março de 2015).
15 Documento com o título Combating gender stereotypes in and through education, disponível em: https://rm.coe.int/
CoERMPublicCommonSearchServices/DisplayDCTMContent?documentId=0900001680590fe5 (consultados a 22 de março
de 2015).

por: Cristina C. Vieira (coord.), Maria Helena Loureiro e Lina Coelho 075
GUIÃO DE EDUCAÇÃO conhecimento, Género e cidadania no Ensino Secundário

ainda em relação a este segundo exemplo,


sabe-se que o novo quadro de referência
para os programas de apoio europeus, o
Horizonte 2020, adotado em 2013, tem
como objetivo incluir as questões de género
nas suas linhas orientadoras de política para
os domínios da investigação e inovação, de
forma a corrigir alguns dos défices detetados.
A saber, esta regulamentação europeia
pretende16:
1) Fomentar as carreiras das mulheres na Figura 4
ciência; A importância das áreas STEM
2) Assegurar o equilíbrio entre homens e (Science, Technology, Engeneering,
Mathematics) para profissões emergentes
mulheres na tomada de decisão;
Fonte: https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/236x/
3) Integrar uma análise de género nos d6/31/13/d631132f8219e16f6c5d386288efb76e.jpg

conteúdos e programas ligados à


investigação e à inovação. algumas temáticas indispensáveis à formação
global dos e das adolescentes, não só
Quanto à dimensão emocional envolvida na enquanto seres pensantes, conhecedores do
proposta de Elliot Eisner, a respeito das suas mundo, inteligentes e informados nas suas
reflexões em torno da noção de currículo decisões e avaliações críticas, mas também
oculto, a não criação de condições para que como protagonistas das diversas situações
alunos e alunas experienciem, em contexto do quotidiano, é algo que deve ser objeto de
de turma e fora dela, emoções positivas (e reflexão, e acreditamos ser tão importante falar
outras menos), ligadas à vivência da cidadania, das implicações do currículo nulo como das do
como o respeito por pontos de vista opostos currículo oficial, ou ainda do currículo implícito,
no debate de assuntos controversos, a no debate em torno de que projeto de escola
tomada de consciência de que a sua opinião estamos empenhados/as em promover enquanto
é importante (seja rapariga ou rapaz; seja qual sociedade. É certo que as metodologias de
for o assunto), a aceitação e valorização de ensino poderão contribuir para minimizar
formas de ser e de estar diferentes das suas, eventuais efeitos nefastos relativos à omissão
ou a adoção de estratégias de resolução de de conteúdos na legislação, mas metodologias
conflitos, como a mediação, em situações de pedagógicas e conteúdos curriculares são, como
notória conflituosidade entre partes, podem se sabe, dimensões diferentes (ver caixa atrás,
ser apontados também como exemplos de com um texto inédito de Ângela Rodrigues, onde
omissões inscritas no currículo nulo. é abordado o currículo em ação). Por esta razão,
não se pode deixar ao critério de quem ensina
De facto, a presença pouco expressiva no a decisão de incluir ou não certas temáticas nas
currículo oficial do ensino secundário de prioridades curriculares.

16 Fonte: http://ec.europa.eu/research/swafs/index.cfm?pg=policy&lib=gender (consultado a 30 de março de 2015).

076 CIG

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