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Revista Geográfica Venezolana, Vol.

53(1) 2012, 147-164

A teoria dos circuitos da economia urbana de Milton


Santos: de seu surgimento à sua atualização
Milton Santos’ theory of the circuits of urban economy:
from its appearance to its update

Regitz Montenegro Marina1


Recibido: abril 2011 / Aceptado: octubre 2011

Resumen
El fuerte avance de la urbanización y sus consecuencias en el Tercer Mundo, en la segunda
mitad del siglo XX, fueron acompañados por la aparición de diferentes interpretaciones
teóricas, entre las cuales se destaca la teoría de los dos circuitos de la economía urbana en los
países subdesarrollados propuesta por Milton Santos en la década de 1970. Con este trabajo
se quiere reflexionar sobre esta teoría. En primer lugar, se analiza el contexto de aparición
de esta teoría, así como las interpretaciones teóricas con las que dialogó. En un segundo
momento, nos fijamos en las diferentes reflexiones sobre la teoría de los circuitos y en sus
varias aplicaciones. Por último, destacamos los esfuerzos de su actualización hechos en el
Brasil contemporáneo.
Palabras clave: Circuitos de la economía urbana; países subdesarrollados; urbanización;
aplicación; actualización.

Abstract
The strong advance of urbanization and its consequences on the Third World, in the
second half of the Twentieth century, were accompanied by the appearance of different
theoretical interpretations, among which is the theory of two circuits of urban economy in
underdeveloped countries proposed by Milton Santos 1970s. The aim of this work is to reflect
on this theory. First of all, the context of the emergence of this theory is analyzed, as well as
the theoretical interpretations with which it was discussed. Second, the different reflections
about the theory of the two circuits and its applications were considered. At last, the efforts
to their update made in contemporary Brazil were highlighted.
Key words: Circuits of urban economy; underdeveloped countries; urbanization;
application; update.

1 Universidade de São Paulo (USP), Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana, São Paulo (SP)-
-Brasil. Correo electrónico: montenegromarina@hotmail.com
Regitz Montenegro M.

1. Introdução mesma, observa-se atualmente um esfor-


ço em retomar e atualizar a teoria face
A partir de meados do século XX, a inten- aos novos processos que permeiam os
sificação do processo de urbanização dos circuitos da economia urbana no período
países subdesenvolvidos, caracterizou- da globalização.
-se, dentre outros fatores, pelas grandes Pretendemos, neste trabalho, anali-
limitações na capacidade empregatícia sar o contexto de surgimento da teoria
por parte de setores intensivos em capital dos dois circuitos da economia urbana,
e pela proliferação da pobreza e de uma atentando, ao mesmo passo, às diferen-
gama de atividades urbanas de baixa pro- tes interpretações teóricas com as quais
dutividade que acolhiam grande parte da dialogava neste período de intensificação
força de trabalho que se multiplicava nas do processo de urbanização dos países
cidades desses países. subdesenvolvidos. Visamos ainda desta-
A conformação dessa nova realidade car as diferentes operacionalizações deri-
urbana e social suscitou o surgimento de vadas desta teoria e os recentes esforços
diferentes interpretações teóricas sobre realizados no Brasil para sua atualização.
o processo de urbanização do Terceiro
Mundo e suas características. Neste con-
texto, emergiu a teoria da modernização 2. O contexto de surgimento da
que postulava a diferenciação entre dois teoria dos circuitos da economia
setores distintos nos países periféricos: urbana: O processo de urbanização do
de um lado um setor moderno e, de outro Terceiro Mundo e suas implicações
lado, um setor tradicional. Tal modelo
dualista, no qual reside a origem da ca- Em meados do século XX, grande parte
tegoria de setor informal, assumiu pro- dos países periféricos passou por uma
gressivamente o valor de paradigma para forte aceleração do processo de urbani-
pensar as realidades urbanas dos países zação que, em muitos casos, foi acom-
subdesenvolvidos e foi contraposto por panhado também do processo de metro-
diferentes abordagens, dentre as quais polização. Entre 1950 e 1960, a taxa de
se destacou a teoria dos dois circuitos da crescimento urbano nos países pobres foi
economia urbana nos países subdesen- 4,8%, enquanto nos países ricos foi 2,3%
volvidos de Milton Santos (1975). no mesmo período; entre 1970 e 1980 a
Tal teoria, que propunha uma aná- taxa de crescimento urbano continuava
lise da urbanização do Terceiro Mundo bastante elevada no primeiro conjunto
levando em conta tanto sua dimensão de países: 4,1%; ao passo que nos países
histórica como a especificidade de seu desenvolvidos já havia declinado para
espaço, foi objeto de diversas reflexões e 1,3% (Silveira, 2008). Esse processo de
operacionalizações de pesquisadores de avanço da urbanização nos países do Ter-
diferentes países desde a década de 1970. ceiro Mundo durante as décadas de 1960
Face ao potencial analítico abrigado pela e 1970 não pode ser compreendido sem

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levarmos em conta o forte crescimento de 1960 e 1970, assumiram a forma de


demográfico e o aumento da população enormes conurbações. Não obstante, essa
economicamente ativa em suas áreas ru- intensa expansão urbana não foi acom-
rais e urbanas, os quais, combinados a panhada da provisão de bens e serviços
outros fatores, contribuíram para o avan- universais; as maiores cidades passaram
ço dos fluxos migratórios para as cidades. a abrigar grandes distorções na esfera do
Nas áreas urbanas de alguns desses consumo coletivo e no bem-estar público,
países, verificava-se nesse período a che- criaram-se disparidades extremas e pro-
gada da indústria e a conseqüente mo- blemas de acesso desigual para os pobres
dernização de determinadas parcelas de urbanos e para a classe trabalhadora.
sua atividade econômica. Todavia, não Ao mesmo passo conformava-se um
devemos associar completamente o pro- modelo econômico mundial entre os pa-
cesso de urbanização dos países subde- íses desenvolvidos e subdesenvolvidos
senvolvidos à sua industrialização posto sustentado, por um lado, em padrões de
que a urbanização da sociedade e do ter- convergência no consumo e na circulação
ritório antecedeu em muito a industria- e, por outro lado, em padrões de diver-
lização desses países e, ademais, muitas gência na esfera da produção expressa na
de suas cidades nem foram atingidas divisão internacional do trabalho (Arms-
pelo processo de industrialização (Silvei- trong e McGee, 1985). No caso brasilei-
ra, 2008). De todo modo, a evolução da ro, desde a década de 1930 já se assistia
urbanização e a instalação das moderni- à aceleração do processo de urbanização,
zações nos países subdesenvolvidos não combinado ao avanço das correntes mi-
foram acompanhadas por um aumento gratórias e a uma política de industriali-
na demanda de mão-de-obra. zação por parte do Estado nacional. No
As populações urbanas em ascensão fim da década de 1970, a porcentagem
dos países periféricos deparavam-se en- da população urbana no país já alcança-
tão com grandes limitações na capacida- va 70%, o que implicou paralelamente o
de de absorção da força de trabalho por agravamento das contradições nas cida-
parte de setores intensivos em capital, des, mas também no meio rural.
como a grande indústria no caso dos paí- O contexto em questão suscitou o iní-
ses em que esta se fazia presente. Este ce- cio das reflexões teóricas sobre o proces-
nário provocou, por sua vez, por um lado, so de urbanização do Terceiro Mundo e
uma forte ‘crise do emprego’ e, por outro, suas características, especialmente no
a proliferação de uma gama de atividades que diz respeito ao mercado de trabalho
urbanas de baixa produtividade que aco- e ao desenvolvimento econômico. Face à
lhiam grande parte da força de trabalho combinação do crescimento da força de
(McGee, 1977). trabalho nas áreas urbanas com uma ver-
Logo, as grandes cidades dos países dadeira ‘crise do emprego’, emergiu cer-
periféricos, que foram se tornando cada ta inquietação no debate internacional a
vez mais populosas a partir das décadas respeito do ‘problema do emprego’ nos

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países subdesenvolvidos (McGee, 1977). Dentre as últimas, destacou-se, sobretu-


Conformou-se, na realidade, uma con- do a proposta das etapas de desenvolvi-
juntura de preocupação com a incapaci- mento de Rostow (1974) como solução
dade de geração de oportunidades sala- para os países pobres. Inicialmente res-
riais nesses países e com o fato de muitas trita à análise do sítio e da situação na re-
pessoas encontrarem-se empregadas flexão sobre o urbano, a Geografia aden-
essencialmente em atividades familia- tra mais propriamente o debate sobre as
res ou de pequena escala. A este quadro relações entre os processos de urbaniza-
somava-se a tomada de consciência do ção e o subdesenvolvimento nas décadas
fracasso do modelo de integração apoia- de 1950 e 1960, época em que a prosperi-
do no desenvolvimento industrial, diante dade dos países industrializados contras-
do forte aumento da pobreza urbana e do tava crescentemente com a pobreza do
sub-emprego massivo nos países do Ter- Terceiro Mundo (Claval, 1995).
ceiro Mundo. Segundo Santos (1975), as primeiras
Conforme assevera Slater (1982), a abordagens teóricas sobre a urbaniza-
introdução da tecnologia intensiva em ção e sobre a economia urbana dos paí-
capital nos países do Terceiro Mundo en- ses subdesenvolvidos datam da década
tre 1950 e 1960 contribuiu mais propria- de 1950, com os trabalhos de Redfield e
mente ao crescimento do desemprego e Singer (1954), Sjoberg (1960) e Hoselitz
do sub-emprego urbano do que para o (1960). Estes autores elaboraram con-
incremento da força de trabalho ocupada ceitos como o de primazia urbana, over
na indústria, a qual decresceu ou se man- urbanization e cidade pré-industrial; os
teve estática no período. quais logo assumiram um valor de para-
digma na reflexão sobre a urbanização
dos países subdesenvolvidos. Contu-
3. Estado da arte da reflexão no do, as pesquisas efetuadas nas décadas
período: das interpretações do de 1960 e 1970 já evidenciavam o baixo
processo de urbanização dos países poder explicativo dessas teorias, muitas
subdesenvolvidos ao modelo dualista vezes sustentadas em comparações entre
países desenvolvidos e subdesenvolvidos,
Diante da nova realidade urbana e social e a ausência de conhecimento efetivo so-
dos países periféricos que se configurava bre os processos específicos do Terceiro
já no início da segunda metade do século Mundo (Santos, 1978). Destaca-se nesse
XX, impôs-se crescentemente a necessi- período o trabalho de McGee (1967), uma
dade de formulação de teorias para in- vez que o autor que propôs o termo ‘pseu-
terpretar a especificidade do processo em do-urbanização’ para descrever os pro-
andamento, assim como para fazer frente cessos de urbanização das cidades asiáti-
à transposição de teorias elaboradas para cas. Em obra do início da década de 1970,
o mundo desenvolvido às realidades dos intitulada The Urbanization Process in
países subdesenvolvidos (Silveira, 2008). the Third World: Explorations in Search

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of a Theory (1971), McGee se aprofunda de dois setores diferenciados nos países


na reflexão sobre as diferenças e especi- subdesenvolvidos: a presença de orga-
ficidades do processo de urbanização do nizações capitalistas ocidentais ‘impor-
Terceiro Mundo1. tadas’ (minas, campos de petróleo e re-
De todo modo, no fim dos anos 1960, finarias, grandes indústrias e atividades
já se reconhecia o fracasso da aplicação de transporte e comércio associadas a
dos modelos de desenvolvimento no Ter- essas operações) em contraposição às or-
ceiro Mundo, como o modelo ‘etapista’ ganizações ‘pré-capitalistas’ locais, como
de Rostow, e evidenciava-se que a indus- a pequena agricultura camponesa, o ar-
trialização da periferia não garantiria a tesanato e a micro indústria. Para Boeke,
superação das desigualdades. Tomava-se os níveis de técnica, produtividade e ren-
consciência nesse período que a combina- da seriam reduzidos no primeiro setor e
ção de elementos do processo de urbani- altos no segundo.
zação no Terceiro Mundo distanciava-se Já as origens da vertente econômi-
bastante dos modelos de desenvolvimen- ca do modelo dual remontam à obra de
to ortodoxos: a proliferação das ativida- Lewis (1954) que elaborou um modelo
des de baixa produtividade nas cidades e no qual se tem, por um lado, um setor
a persistência da pobreza questionavam moderno composto geralmente por plan-
o savoir-faire do desenvolvimento con- tações e/ou minas, e ao qual é inerente
vencional (Armstrong e McGee, 1985). o dinamismo para o desenvolvimento, e
Nesse contexto, emerge uma teoria da por outro lado, um setor tradicional es-
modernização, nascida em realidade na tagnado, caracterizado pelo sub-emprego
sociologia, que postulava a diferenciação de uma mão-de-obra excedente.
entre dois setores distintos nos países pe- Geertz (1963), por sua vez, inspirado
riféricos: de um lado um setor moderno por sua pesquisa em Java, traz a idéia
e, de outro lado, um setor tradicional. A de uma firm centred economic sector
partir desta abordagem, configurou-se em contraposição a bazar economy. Já
um modelo dualista que logo assumiu o Edwards (1979) propõe uma teoria da
valor de paradigma (Kuhn, 1962) para segmentação do mercado de trabalho ur-
pensar as realidades urbanas dos países bano fundamentada na distinção entre
subdesenvolvidos, no qual encontramos um mercado primário e um mercado se-
a origem da categoria de setor informal, cundário. No primeiro, os trabalhadores
como veremos a seguir. seriam bem-pagos, teriam estabilidade
As teorias dualistas fundaram-se, em e possibilidade de ascensão social; en-
sua origem, tanto em explicações socio- quanto no segundo predominariam con-
lógicas como em termos econômicos. dições opostas.
Dentre os estudos que se apoiaram em Armstrong e McGee (1968) propõem
abordagens dualistas, destaca-se a pes- no fim da década de 1960 um linkage
quisa de Boeke (1953) na Indonésia, a entre dois sistemas – denominados ‘capi-
partir da qual o autor propõe a presença talismo’ e ‘não-capitalismo’ – em coexis-

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tência nos países do Terceiro Mundo. diante do baixo nível dos salários, dos
Estes seriam definidos, respectivamente, limites da solidariedade familiar e do
ou pelo emprego assalariado ou pelo self- recurso ao crédito nos países subdesen-
-employment. Em obra posterior (1985), volvidos. Desde então, distinguem-se
os próprios autores reconhecem que essa duas linhas de pesquisa constantemente
abordagem apresenta problemas teóricos presentes nos diferentes estudos sobre o
e empíricos, uma vez que não capta a in- setor informal: a análise ao nível da uni-
teração entre os dois sistemas que, em re- dade de produção e a análise ao nível da
alidade, são partes de uma única relação. unidade familiar. A primeira, adotada
Contudo, dentre as propostas de pela OIT, passa a ser utilizada por go-
análise da economia urbana dos países vernos e instituições internacionais para
subdesenvolvidos, aquela que encontrou ‘medir’ e planejar a evolução do setor
maior destaque, maior visibilidade e uma identificado como informal nos países
ampla adesão no plano internacional foi subdesenvolvidos.
incontestavelmente a abordagem do se- Na análise dos problemas estruturais
tor informal. A noção de setor informal de absorção da mão-de-obra nas cidades
emergiu desta tradição dos modelos dua- do Terceiro Mundo, adotou-se assim pro-
listas de análises das estruturas das eco- gressivamente um modelo dualista que
nomias do Terceiro Mundo, desenvolvida fazia a distinção entre um ‘setor formal’
por autores como Boeke (1953) e Lewis e um ‘setor informal’. Destarte, o setor
(1954). O aparecimento da expressão ‘se- informal tornar-se-ia um objeto legíti-
tor informal’ é geralmente atribuído ao mo’ de políticas e de pesquisas (Lautier,
relatório, do início da década de 1970, da 1994). Consolidou-se progressivamente,
Organização Internacional do Trabalho deste modo, uma vertente que conside-
(OIT) sobre o Quênia (‘Rapport Kenya’, rava que o problema dos países subde-
ILO, 1972). Neste são definidas as se- senvolvidos não era o desemprego, mas
guintes características para o setor in- o setor informal. Conforme questiona
formal: facilidade de acesso à atividade; Silveira (2008: 23), não “(...) estará aqui
utilização de recursos locais; propriedade o início de uma distorção de método?”.
familiar da empresa; escala de atividade De todo modo, o paradigma do setor
reduzida; uso de técnicas que privilegiam informal se impôs e para defini-lo sur-
o recurso à mão-de-obra; qualificações giram duas grandes linhas de análise
adquiridas fora do sistema oficial de for- apoiadas em critérios distintos: o critério
mação; e presença de mercados concor- do tamanho da unidade de produção e
renciais e sem regulamentação. o critério do não-respeito à lei (Lautier,
Ainda no início da década de 1970, 1994). No que diz respeito à visão do
Hart (1973) emprega o adjetivo ‘infor- setor informal promovida pelas institui-
mal’ de forma distinta, definindo a ren- ções internacionais, em especial pela OIT
da informal como a renda complementar e pelo Banco Mundial, pode-se destacar
tornada necessária à unidade doméstica dois momentos. Em uma primeira fase,

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que vai do início da década de 1970 até diferentes tecnologias. Já segundo Slater
meados da década de 1980, o setor infor- (1982), as objeções ao modelo dual resi-
mal era visto tanto como um obstáculo ao dem em diferentes fatores: abordado em
desenvolvimento, como um campo de es- termos sociológicos ou econômicos, esse
tratégias de sobrevivência, estando uma modelo é estático e a-histórico, uma vez
fração das empresas que o compunham que não outorga história ao chamado
destinada a ser formalizada. Já em uma ‘setor tradicional’; além disso, o modelo
segunda fase, a partir da década de 1980, falha ao não examinar as interações entre
o setor informal passa a ser visto como os ditos setores da sociedade, reduzindo-
uma fonte de renda e de empregos gra- -os ao fluxo de mão-de-obra de um para
ças ao seu dinamismo e flexibilidade em outro, e estabelecendo duas sociedades
períodos de crise e frente ao aumento da separadas com leis de movimento com-
pobreza. pletamente distintas. Ademais, conforme
No início da década de 1970, Quijano coloca Slater (1982), o modelo dualista se
(1972) propõe outra linha teórica, ao afir- ausenta de uma análise das próprias cau-
mar que a reestruturação das classes so- sas das desigualdades.
ciais urbanas em situação de desenvolvi- Assim como McGee e Slater, Santos já
mento dependente implicaria o aumento havia manifestado sua insatisfação com
de uma população marginal. A teoria da os modelos dualistas e com o par formal-
marginalidade emerge assim como uma -informal em algumas obras (1971, 1975,
alternativa ao paradigma do setor infor- 1976) da década de 1970. Para Santos
mal que se afirmava crescentemente na (1976), a noção de organização informal,
época2. enquanto oposição à organização formal,
No entanto, desde o fim década de fundamenta-se no conceito de racionali-
1970, certos autores, como Slater (1982) dade de Weber, segundo o qual, apenas
e McGee (1977), passaram a questionar uma organização formal disporia de ra-
efetivamente o uso da categoria de setor cionalidade e eficácia. Logo, conforme a
informal. Ao analisar as características matriz teórica inspirada nesta distinção,
de uma porção da população das cidades a economia urbana dos países subdesen-
do Terceiro Mundo engajada em ativida- volvidos seria composta por um conjunto
des familiares e em pequenos negócios, de ações racionais e eficazes em oposição
definida como protoproletariado, McGee a um conjunto desarticulado de ações ir-
(1977) atenta para as limitações da abor- racionais, ineficazes e arcaicas (Santos,
dagem dualista fundamentada na dicoto- 1976). No entanto, Santos adverte para
mia tradicional – moderno. Para o autor, o fato de que a economia pobre também
esta abordagem tende a associar a socie- funciona lógica e racionalmente, e que,
dade ‘tradicional’ a uma cultura estática ademais, as racionalidades econômicas
e homogênea em oposição à sociedade são sempre múltiplas.
‘moderna’; ainda que a primeira envolva
os mais criativos usos e adaptações de

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4. Do surgimento da teoria dos desenvolvidos. Segundo Santos (1978), a


circuitos da economia urbana segmentação presente na sociedade ur-
bana em relação às possibilidades de sa-
Santos elabora suas primeiras contribui- tisfação das necessidades cria diferenças
ções teóricas sobre a temática da urba- quantitativas e qualitativas no consumo,
nização nos países subdesenvolvidos no as quais, por sua vez, são a causa e o efei-
início da década de 1970. Em Les Villes to da existência de diferentes circuitos de
Du Tiers Monde (1971), já busca definir produção, de distribuição e consumo nas
as realidades urbanas do Terceiro Mun- cidades desses países.
do, distinguindo-as daquelas vigentes As atividades urbanas e a popula-
nos países desenvolvidos. ção a elas associadas são distinguidas,
A teoria dos dois circuitos da econo- assim, em função dos diversos graus de
mia urbana aparece primeiramente no tecnologia, capital e organização que uti-
último capítulo desta obra, aí o autor já lizam. Quando estes são altos, trata-se do
distingue a co-existência de dois circui- circuito superior, incluindo sua porção
tos da economia urbana nos países sub- marginal; quando são baixos, trata-se do
desenvolvidos resultantes da penetração circuito inferior3.
das inovações nesses países: de um lado, O circuito superior -composto pelos
um circuito superior composto por ativi- bancos, comércio e indústria de exporta-
dades tecnologicamente modernas; e, de ção, indústria moderna, serviços moder-
outro lado, um circuito inferior compos- nos, atacadistas e transportadores- é o
to pelas atividades que adotam soluções resultado direto das modernizações que
tecnológicas não modernas, recentes ou atingem o território. O circuito inferior,
passadas (Santos, 1971). Neste momen- por sua vez, compreende o resultado in-
to, o autor atenta também para o fato de direto da modernização e constituí-se de
que os circuitos não constituem sistemas formas de fabricação não-capital intensi-
fechados, mas sub-sistemas interdepen- vo, serviços não modernos fornecidos a
dentes entre os quais estabelecem-se re- varejo, comércio não moderno e de pe-
lações de complementaridade e competi- quena dimensão, voltados sobretudo ao
ção (Santos, 1971). consumo dos mais pobres.
Contudo, é em L’Espace Partagé Em L’Espace Partagé (1975), Santos
(1975) que Santos elabora propriamente aprofunda a idéia de que os circuitos da
o modelo teórico em questão. A partir dos economia urbana devem ser vistos como
esforços de compreensão da urbanização subsistemas do sistema urbano, no qual
e do impacto da modernização tecnoló- todas as formas de trabalho estão inte-
gica sobre o espaço do Terceiro Mundo, gradas; de que eles têm a mesma origem,
elabora uma ‘teoria do desenvolvimento ainda que compreendam resultados dire-
econômico em sua dimensão espacial’ tos e indiretos da modernização. O autor
(1978), através da teoria dos dois circui- insiste também no fato de que os circui-
tos da economia urbana em países sub- tos não constituem sistemas fechados em

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si mesmos, mas estabelecem entre eles sultando das condições históricas de in-
relações de complementaridade e con- trodução das modernizações nos países
corrência. As atividades de um circuito periféricos.
comandam inputs do outro e utilizam Conforme afirma Sposito (2000:
algumas de suas atividades e produtos 52), a teoria dos circuitos da economia
como economias externas. Adverte, con- urbana pretende ser “uma abordagem
tudo, que as complementaridades não principalmente a partir de e para os
eliminam a concorrência e as hierar- países subdesenvolvidos”. Destarte, em
quias, sobretudo do circuito inferior que, sua análise da urbanização do Terceiro
em realidade, é dependente do circuito Mundo, na qual leva em conta tanto sua
superior. dimensão histórica como a especificida-
De acordo com Santos (1978), o tema de de seu espaço, Santos (1978) inovou
dos circuitos da economia urbana é her- ao sugerir a existência do circuito infe-
deiro do tema do dualismo, sendo este rior. Ao considerar este circuito como um
último mais antigo. Tal herança exempli- “(...) elemento indispensável à apreen-
fica o processo de edificação da história são da realidade urbana” (Santos, 1978:
das idéias, o qual se caracteriza, segun- 23), questiona as análises geográficas
do Berdoulay (2003), pela constante que priorizam o circuito superior e que
mudança dos sistemas de pensamento, tendem a confundi-lo com a totalidade
mas também pela continuidade de deter- da cidade. Propõe, por conseguinte, um
minadas idéias. No entanto, a teoria dos novo instrumento metodológico, ou ain-
circuitos se propõe justamente a romper da um novo paradigma. “Trata-se de um
com o paradigma dicotômico da oposição novo paradigma no sentido que é enten-
entre moderno e tradicional4, capitalista dido por Kuhn (1962), quando diz que
e não-capitalista, assim como da consi- as ciências não evoluem pelo acúmulo
deração exclusiva do aspecto da produ- de experiências baseadas em realidades
ção, que não leva em conta as esferas da historicamente ultrapassadas, mas pela
distribuição, do consumo e do emprego. descoberta de novas formas de aborda-
Segundo McGee (1996: 454), a teoria dos gem em função das realidades do pre-
circuitos da economia urbana dos países sente” (Santos, 1978: 23).
subdesenvolvidos “(...) rompeu com a Por fim, vale destacar que em L’Espace
esterilidade do modelo dualista da es- Partagé (1975), Santos aborda ainda di-
trutura econômica das cidades terceiro- versos temas. Questiona, por exemplo, as
-mundistas e reconheceu a realidade dos interpretações das teorias dos pólos de
circuitos de interação de capital, infor- desenvolvimento e dos lugares centrais
mação, bens e pessoas”, revelando ainda aplicadas aos países subdesenvolvidos,
como os dois subsistemas conformam revelando como tais modelos, não cor-
uma estrutura urbana global. Os dois respondem à realidade existente no Ter-
circuitos possuem, com efeito, a mesma ceiro Mundo.
origem, o mesmo conjunto de causas, re-

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5. Reflexões e operacionalizações de bazaar economy de Geertz (1963), de


a partir da teoria dos circuitos da setor informal (Hart, 1973), na interde-
economia urbana pendência entre os circuitos da economia
urbana (Santos, 1971) e nos debates sobre
A teoria dos circuitos da economia urba- os modos de produção; McGee propõe
na de Santos (1975) foi debatida e ado- combinar essas diferentes abordagens
tada por diversos autores em diferentes para definir o proto-proletariado como
contextos. O início das reflexões susci- a população urbana do Terceiro Mundo
tadas pela teoria data já da década de engajada em um sistema de produção
1970. Vale ressaltar que abordamos aqui peasant cujas rendas provêm de opor-
apenas algumas das análises inspiradas tunidades de trabalho tanto legais como
na teoria às quais tivemos acesso ou co- ilegais (McGee, 1977).
nhecimento, destarte, não pretendemos, Em artigo de 1975, Coutsinas retoma
assim, abarcar todas as reflexões e opera- o debate sobre a imprescindibilidade do
cionalizações derivadas da teoria dos cir- estudo das pequenas atividades, nor-
cuitos, pois imaginamos que as mesmas malmente negligenciadas, na análise do
sejam em número bem maior. modo de organização do espaço urbano
Fundamentados na teoria dos cir- nos países periféricos. Para tanto, o autor
cuitos, Missen e Logan (1977) buscam se apóia na teoria dos circuitos da econo-
compreender as dinâmicas específicas do mia urbana de Santos (Coutinas, 1975).
circuito inferior de Kelantan (Malásia) e Dando continuidade aos propósitos de
suas implicações para o desenvolvimento Coutsinas, Mignon e Romann (1983),
regional. Destacam o papel fundamental realizam um estudo sobre os circuitos
do fracionamento das atividades neste da economia urbana nas cidades argeli-
circuito, assim como suas relações com nas de Tlemcen e Saïda. Os autores ava-
o circuito superior. A partir daí, propõe liam a participação do emprego em cada
uma distinção dos circuitos em Kelantan circuito segundo os diferentes setores,
em função da direção do movimento das abordam aspectos relativos ao financia-
mercadorias, de sua destinação final e da mento, à localização e à composição das
localização dos intermediários. Apresen- atividades em ambos os circuitos, além
tam ainda um importante quadro para de analisar os diferentes tipos de relações
avaliar os efeitos provocados por diferen- estabelecidas entre os circuito inferior e
tes políticas regionais sobre os circuitos superior em Tlemcen e Saïda (Mignon e
da economia urbana na região em ques- Romann, 1983).
tão. A teoria dos circuitos da economia ur-
Ao propor a categoria de proto-prole- bana foi também evocada por Armstrong
tariado, McGee (1977) também se inspira e McGee em debate de meados da déca-
na teoria dos circuitos da economia urba- da de 1980 (Armstrong e McGee, 1985).
na, mais especificamente no circuito in- Em análise sobre a modernização e o
ferior (Santos, 1971). Inspirado nas idéias consumo nas cidades latino-americanas,

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atentam para o fato de que as políticas produtores, transportadores e vendedo-


modernizadoras nesses países deveriam res. Destaca-se também, entre outras, a
privilegiar uma reorganização produtiva investigação realizada por Santos para a
que permitisse um aumento da produti- OIT, na qual o autor aplica seus concei-
vidade e melhores condições de vida dos tos dos circuitos da economia em Dar-es-
agentes do circuito inferior. Os autores -Salaam e na Tanzânia (1980).
aprofundam também o debate, já adian- No Brasil, a teoria dos circuitos da
tado por Santos (1975), sobre o efeito- economia urbana foi especialmente tra-
-padrão dos hábitos de consumo das po- balhada por Corrêa (1988; 1996). No fim
pulações do Terceiro Mundo e sobre sua da década de 1980, Corrêa (1988) pro-
difusão para além principais centros des- põe que as redes de localidades centrais
tes países (Armstrong e McGee, 1985). nos países subdesenvolvidos apresentam
Em diferentes ocasiões, Santos refle- principalmente três modos de organiza-
tiu sobre sua teoria dos circuitos da eco- ção: ‘rede dentrítica de localidades cen-
nomia urbana (Santos, 1977; 1979; 1982). trais’, ‘mercados periódicos’ e ‘desdobra-
No início da década de 1970, já emprega mento da rede em dois circuitos’. A partir
a teoria em investigação sobre o funcio- dos conceitos de alcance espacial máximo
namento da economia urbana e regional e alcance espacial mínimo, busca mostrar
argelina, ao analisar as relações intra e como as cidades locais atuam sobretudo
interurbanas a partir do comportamen- através do circuito inferior, como a cen-
to econômico das diferentes camadas da tralidade das cidades intermediárias está
população. Ao fim desta mesma década, atrelada à presença dos dois circuitos e,
Santos (1979) elabora uma análise so- por fim, como a metrópole tem sua cen-
bre o circuito inferior em Lima, em um tralidade determinada pelo circuito su-
contexto de modernização da economia perior. Destaca ainda o fato de que a hie-
peruana e de agravamento dos desequi- rarquia de localidades centrais só existe,
líbrios espaciais. O autor destaca sobre- efetivamente, para as populações de alto
tudo a força de atração da grande cidade e médio status, e não para população po-
e o papel auto-inflacionário da economia bre cuja mobilidade espacial é limitada.
pobre, constantemente alimentada pelo Para Corrêa, a teoria dos circuitos da eco-
fluxo migratório, ressaltando a impor- nomia combina o modelo de Christaller
tância de atividades como o pequeno co- com a idéia de duas áreas de influência
mércio, o artesanato, a pequena indústria distintas de cada circuito em cada centro;
e o comércio ambulante. Em obra poste- “(...) sem excluir a teoria das localidades
rior (1982), Santos debruça-se sobre as centrais, a contribuição de Santos, na
articulações econômicas e espaciais entre realidade, ultrapassa-a, enriquecendo-
os dois circuitos da economia urbana em -a” (Corrêa, 1996: 77).
Lima a partir da apreciação do papel dos Sposito foi outro geógrafo brasilei-
intermediários e da análise da divisão do ro que buscou debater e aplicar a teoria
trabalho estabelecida entre atacadistas, dos circuitos (1983; 2000). Em artigo de

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Regitz Montenegro M.

1983, propõe a análise de alguns aspec- superior como o circuito inferior. Desta-
tos da obra ‘O Espaço Dividido’ (Santos, camos a seguir alguns autores brasileiros
1978), a partir dos quais busca identificá- que vêm pensando os circuitos da econo-
-la com as correntes estruturalista e dia- mia urbana hoje no Brasil. Ressaltamos,
lética. O autor destaca também as noções contudo, que essa linha de investigação
de escala, de tempo e de espaço traba- não se restringe aos mesmos e que outras
lhadas conjuntamente na contribuição pesquisas, não citadas aqui, também têm
de Santos (1978) e as relações dialéticas adotado esse partido de método proposto
entre os dois circuitos. Já em artigo mais por Santos na década de 1970.
recente (2000), ressalta o caráter pros- No Brasil, os principais esforços nesse
pectivo da teoria dos circuitos ao adian- sentido vêm sendo realizados por Silveira
tar questões como o papel do desenvol- (2004; 2007a; 2007b). Em suas investi-
vimento e da dependência tecnológica no gações recentes, a autora analisa as no-
Terceiro Mundo, a importância do siste- vas composições e as novas dinâmicas
ma bancário, a segregação e a dependên- dos circuitos superior, superior marginal
cia do setor externo. e inferior em diferentes cidades brasilei-
As reflexões e operacionalizações de- ras. Segundo Silveira (2007b), podemos
rivadas da teoria dos circuitos da econo- reconhecer no circuito superior os pró-
mia urbana elencadas acima demons- prios motores da mais nova divisão ter-
tram alguns dos caminhos teóricos e ritorial do trabalho que se pauta sobre
empíricos abertos por ela já explorados conteúdos intensivos em técnica, ciência,
aos quais tivemos conhecimento até o informação e finanças, ou seja, sobre as
momento presente. variáveis determinantes da globalização.
Contudo, no período atual essas mesmas
variáveis tornam-se também dominantes
6. Do esforço de atualização da na medida em que atingem e remodelam
teoria: os circuitos da economia as demais divisões territoriais do traba-
urbana pensados no Brasil lho, ou seja, os circuitos inferior e supe-
contemporâneo rior marginal. Diante de um contexto de
intensa modernização e urbanização do
Diante do potencial analítico abrigado território brasileiro durante as últimas
pela teoria dos circuitos da economia três décadas, o país se transforma cada
urbana, diversos autores vêm buscando vez mais em uma arena de produções
analisar os circuitos, em seus diversos modernas e globalizadas, abrigando um
aspectos, à luz das dinâmicas do perí- denso circuito superior, o qual, todavia,
odo atual, ou seja, da globalização. Ao não deixa de estar acompanhado de um
mesmo passo em que retomam a teoria, profuso circuito inferior também em
esses autores vêm buscando atualizá- expansão (Silveira, 2007a). Neste novo
-la, repensá-la, ‘ajustá-la’ face aos novos cenário, estabelecem-se, segundo a au-
processos que permeiam tanto o circuito tora, entrecruzamentos e invasões entre

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os circuitos, tornando-os crescentemente gro, 2009), buscamos entender como


complexos face às mais diferentes combi- o território constitui um abrigo para os
nações de conteúdos de capital, tecnolo- atores não-hegemônicos, na medida em
gia e organização abrigados pelas ativida- que comporta atividades tão distintas em
des urbanas atualmente. termos de graus de organização e de ca-
Nesta mesma linha de investigação pital.
encontram-se os trabalhos de Almeida A partir da análise da produção de
(2000), Montenegro (2006, 2009), Bicu- medicamentos em pequenos laborató-
do Jr. (2006), Oliveira (2010), Di Nucci rios nas cidades brasileiras, Bicudo Jr.
(2010), entre outros. Em sua investigação (2006), por sua vez, explora o conceito
sobre a metropolização e a periferização de circuito superior marginal para exa-
das grandes cidades brasileiras, Almeida minar um subsistema da indústria far-
(2000) revela como o processo de peri- macêutica composto de ações ligadas às
ferização do tecido urbano deriva de um lógicas da modernização mas dotadas de
uso corporativo das metrópoles brasilei- menor conteúdo em técnica, ciência e in-
ras que privilegia as atividades modernas formação. Já Oliveira (2010) discute as
e uma minoria da população; enquanto transformações da economia urbana de
as demandas e a sobrevivência de gran- Londrina (Paraná) e a dinâmica de seu
de parte de seus habitantes dependem meio construído a partir do aprofunda-
da proliferação das atividades do circui- mento da análise de três atividades do
to inferior. Em pesquisa realizada na ci- circuito inferior da economia urbana: o
dade de São Paulo (Montenegro, 2006), pequeno comércio estabelecido de came-
buscamos realizar uma análise sobre as lôs, o serviço de mototáxi e o serviço de
dinâmicas que perpassam e definem o entregas realizado por motoboys. Embo-
circuito inferior da economia urbana na ra a pesquisa de Di Nucci (2010) não seja
cidade de São Paulo no período atual, ou realizada no território brasileiro, a mes-
seja, no período da globalização. A par- ma encontra-se nesta mesma linha de in-
tir da seleção de determinadas áreas da vestigação. A autora examina a existência
cidade de São Paulo que aparecem como dos dois circuitos da economia urbana no
verdadeiros‘focos de concentração’ do processo de fabricação de refrigerantes
circuito inferior, procuramos compreen- na Argentina, destacando como as possi-
der como se caracteriza este circuito hoje bilidades técnicas do período atual per-
e, também, como este se relaciona com mitem o surgimento e a reprodução de
as variáveis centrais do período atual, ou um circuito inferior na etapa de produção
seja, a técnica, a informação, o consumo, dessas bebidas.
a publicidade e as finanças. Orientados Esforços importantes na aplicação da
pela preocupação de ver a cidade como teoria dos circuitos da economia aos dias
uma totalidade interconectada por diver- de hoje também vêm sendo realizados
sas divisões do trabalho, em diferentes por L. Santos e Serpa (2000) e Serpa e
pedaços do meio construído (Montene- Porto (2007). Em análise sobre as peri-

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Regitz Montenegro M.

ferias urbanas de Salvador, L. Santos e das variáveis que definem o período da


Serpa (2000) demonstram como estas globalização.
abrigam tanto atividades do circuito in-
ferior como do circuito superior diante
da presença crescente de agências bancá- 7. Notas
rias e redes atacadistas em coexistência
com um intenso comércio de vizinhança. 1 Destaca-se também, neste momento, a
Em pesquisa mais recente, Serpa e Por- emergência dos conceitos ‘setor terciário
to (2007) investigam as características primitivo’ (Beaujeu-Garnier, 1965) e ‘setor
das feiras livres na cidade de Itapetinga terciário refúgio’ (Lambert, 1965) que bus-
(Bahia) e arredores que permitem identi- cavam aproximar-se das especificidades das
ficá-las com o circuito inferior da econo- atividades do setor terciário nas cidades dos
mia urbana. países subdesenvolvidos, nos quais a urba-
Trindade Jr. também se destaca entre nização se caracterizava pela explosão de-
os autores contemporâneos que adotam mográfica e pelo inchaço do terciário.
a teoria dos circuitos em suas pesquisas. 2 No Brasil, a entrada dos temas urbanos nas
Ao analisar a apropriação da orla fluvial ciências sociais se deu com mais força na
de Belém, o autor constrói uma tipologia década de 1970, coincidindo assim com a
de agentes produtores deste espaço, na discussão sobre o chamado ‘desenvolvimen-
qual destaca, entre outros, os agentes do to dependente’ e sobre a constituição do
circuito inferior da economia urbana aos mercado de trabalho nos países subdesen-
quais atribui usos e formas de apropria- volvidos, onde o ‘setor informal’ cumpriria
ção específicas (Trindade Jr., 2005). um papel central. “Segundo a visão então
No período atual, face à aceleração vigente, oriunda da teoria da convergência
dos rebatimentos da globalização nas ci- ou desenvolvimento aplicada às dinâmicas
dades dos países subdesenvolvidos e de urbanas, a existência de intensa pobreza
suas contraditórias implicações, assiste- urbana associada a um enorme mercado
-se tanto ao despertar de novos temas informal de trabalho seria produto, nos
como à persistência de velhas questões países em desenvolvimento, de ritmos de
de método (Silveira, 2008), haja vista, migração do rural ao urbano superiores
por exemplo, a força paradigmática que a ao ritmo de geração de postos de trabalho
noção de setor informal possui ainda nos permanentes promovidos pela industriali-
dias de hoje. zação. Essas populações, qualificadas por
Cabe-nos, contudo, realizar uma re- essa literatura de ‘marginais’ seriam ca-
flexão rigorosa sobre as novas dinâmicas racterizadas por sua inserção incompleta
que caracterizam os circuitos da econo- na estrutura social urbana (...)” (Marques,
mia urbana, explorando o potencial ana- 2005: 21).
lítico abarcado pela teoria dos circuitos 3 As demais variáveis que definem as carac-
elaborada por Santos na década de 1970, terísticas dos circuitos da economia urbana
mas também buscando atualizá-la à luz são: emprego, assalariado, estoques, preços,

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A teoria dos circuitos da economia urbana de Milton Santos..., 147-164

crédito, margem de lucro, relações com a and Latin American Urbanization.


clientela, custos fixos, publicidade, reuti- University Press. Cambridge-United King-
lização dos bens, overhead capital, ajuda dom.
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ticas se articulam conformando um sistema, ce.
por outro lado, cada característica de um BERDOULAY, V. 2003. A Abordagem Contex-
circuito tem sua correspondente oposta no tual. Espaço e Cultura. 16: 47 56.
outro circuito; conformando-se assim uma BICUDO JR, E. C. 2006. O circuito superior
oposição dialética entre ambos (Santos, marginal: produção de medicamentos e o
1976). território brasileiro. Departamento de Geo-
4 Segundo Santos, os termos moderno e tra- grafia. Universidade de São Paulo. São Pau-
dicional seriam bastante controversos para lo Brasil. Dissertação de Mestrado.
definir respectivamente os circuito supe- BOEKE, J. H. 1953. Economics and Econo-
rior e inferior. Por um lado, as atividades mic Policy of Dual Societies, as exem-
do circuito superior não são determinadas plified by Indonesia. Tjeenk Willink.
pela data de sua criação, mas por sua in- Harleem-United Kingdom.
corporação e modo de funcionamento nos CLAVAL, P. 1995. Histoire de la Géogra-
países subdesenvolvidos. Por outro lado, as phie. Presses Universitaires de France.
atividades do circuito inferior são estrutu- Paris-France.
ralmente subordinadas às condições da mo- CORRÊA, R. L. 1988. As redes de localidades
dernização e sofrem um constante processo centrais nos países subdesenvolvidos. Re-
de transformação e adaptação, não poden- vista Brasileira de Geografia. 50 (1): 61
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