Atualização – Update

Fatores de risco para suicídio e tentativa de suicídio: incidência,

eventos estressores e transtornos mentais
Risk factors for suicide and suicide attempt: incidence, stressful events and
mental disorders

Daniela Prieto e Marcelo Tavares

Resumo
A morte por suicídio ocupa a terceira posição entre as causas mais fre-
qüentes de falecimento na população de 14 a 44 anos em alguns países.
Estima-se que as tentativas sejam 20 vezes mais freqüentes que os
suicídios consumados. Os homens cometem mais suicídio, e as mulheres
fazem mais tentativas. Os transtornos mentais estão associados com cerca
de 90% dos casos de suicídio, sendo de maior incidência os transtornos
do humor, relacionados a substâncias, da personalidade e esquizofrêni-
cos. Histórias de violência física e/ou sexual, negligência, rejeição e luto
são eventos adversos de vida muito associados ao suicídio. Os eventos
precipitadores do comportamento suicida mais comuns são a existência de
graves conflitos relacionais e perdas interpessoais significativas. A decisão
de tirar a própria vida é, em muitos casos, tomada pouco tempo antes da
tentativa, sugerindo impulsividade. Há evidências de que a restrição do
acesso a métodos letais diminui a incidência do suicídio.
Palavras-chave: tentativa de suicídio, fatores de risco, eventos estres-
sores, transtornos mentais.
Abstract
Suicide ranks third amongst the most frequent causes of death in the
population aged 14 to 44 in some countries. It is estimated that suicide
attempts are 20 times more frequent than completed suicides. Men
commit suicide more frequently, while women present higher incidence
of attempts. Mental disorders are associated in about 90% of the cases,
with the most common being: mood and personality disorders, drug
addiction and schizophrenia. Histories of physical and sexual violence,
negligence, rejection and grief are stressful factors often associated with
suicide. The most common triggering events of a suicidal behavior are
the existence of serious relational conflicts and significant interpersonal
losses. The decision to take away one’s own life is usually taken shortly
before the attempt suggesting impulsivity. There is evidence supporting
that restricting the access to lethal methods reduces the incidence of
suicide.
Key words: suicide attempt, risk factors, adverse life events, mental
disorders.

Universidade de Brasília (Prieto D, Tavares M) U.F.

Recebido
15-02-05
Aprovado
10-05-05
Correspondência para: Marcelo Tavares
UnB – Colina – Bloco H/apto. 106 – 70910-900 – Brasília-DF – Tel.: (61) 9971-1888 – e-mail: mtavares@unb.br

Introdução
O conhecimento das taxas de incidência do suicídio
e da tentativa de suicídio nas diversas populações, além dos
fatores considerados de risco, possibilita o delineamento de
estratégias preventivas e clínicas, envolvendo a identificação
precoce do risco e a intervenção em crise. O presente artigo
aborda a incidência do suicídio e da tentativa de suicídio no
Brasil e em outros países. Examina evidências que apontam
elevada correlação do suicídio consumado e da tentativa de
suicídio com a presença de transtornos mentais, experiências
fortemente estressoras e alguns indicadores clínicos. Finalmen-
te, discute a contribuição da acessibilidade ao método suicida
como importante fator de risco.
Os estudos relativos às populações mais jovens, na
faixa etária entre 15 e 35 anos de idade, recebem maior ênfase
no presente artigo. O risco de suicídio e o suicídio consumado
entre idosos guardam especificidades que se distinguem das
questões priorizadas neste trabalho.
Taxas de incidência na esfera mundial
Há algum tempo, a Organização Mundial da Saúde
(OMS, 1975) já ressaltava a possibilidade de que as diferen-
ças entre as taxas de incidência de suicídio entre os diversos
países se devessem, em grande parte, à falta de uniformidade
nos procedimentos de notificação. Segundo a OMS, poderia
se assegurar, com confiança, que as diferenças dos índices
refletiam variações da incidência do fenômeno se os mesmos
métodos e regras para verificar se uma morte ocorreu por sui-
cídio ou não fossem aplicados em todos os países.
A taxa mundial de suicídio, segundo dados da OMS
(2000a), é estimada em torno de 16 por 100 mil habitantes,
com variações conforme sexo, idade e país. Estima-se que as
tentativas de suicídio sejam 20 vezes mais freqüentes do que os
suicídios consumados. Observou-se um aumento de 60% nos
índices de suicídio nas últimas cinco décadas, considerando-
se os dados do mundo inteiro. A morte por suicídio passou a
ocupar a terceira posição entre as causas mais freqüentes de
falecimento na população de 15 a 44 anos de idade em alguns
países. O grupo de maior risco, tradicionalmente, é o idoso do
sexo masculino. Contudo, os índices de suicídio têm aumentado
entre pessoas jovens. Atualmente, os jovens representam o
grupo de maior risco em 30 países (WHO, 2000a).
Levi et al. (2003) destacam que há tendências mistas no
mundo em relação às taxas de suicídio, ocorrendo diminuição
nos índices em alguns países e aumento em outros. Observou-
se aumento dos índices de suicídio entre homens idosos norte-
americanos e entre homens jovens no Japão e em países do
Leste Europeu entre 1970 e 1980. Posteriormente, até o final da
década de 1990, ocorreu uma diminuição das taxas de suicídio
entre mulheres nos Estados Unidos (- 25%). O Japão também
registrou diminuição nos índices de suicídio em 15% para os
homens e 25% para as mulheres. Nesse mesmo período, as
taxas russas de suicídio aumentaram cerca de 55%, passando
de 37,7/100.000 para 58,3/100.000. O índice de suicídio entre
os homens jovens da Rússia chegou a 66/100.000. Ainda se-
gundo Levi et al., o tratamento dos transtornos psiquiátricos –
J Bras Psiquiatr 54(2): 146-154, 2005 147
Fatores de risco para suicídio
principalmente da depressão – teve grande influência na
redução das taxas de suicídio em alguns países, entre eles
Estados Unidos e Suécia. Aspectos econômicos e sociocultu-
rais, como desemprego, crises financeiras e abuso de álcool,
têm importante repercussão nos índices de suicídio. Os autores
apontam que outro fator com influência nas taxas de suicídio é
a acessibilidade aos métodos suicidas.
Gould et al. (2003) destacam que na última década ob-
servou-se uma diminuição das taxas de suicídio entre os jovens
em alguns países. Tais autores apontam como principais fatores
que contribuíram para o decréscimo na incidência do suicídio o
aumento da prescrição de antidepressivos para adolescentes
e jovens e a diminuição da acessibilidade a alguns métodos
suicidas, como, por exemplo, a restrição do porte de armas.
Phillips et al. (2002) apresentam dados de que o suicí-
dio é a quarta causa mais freqüente de morte entre mulheres
da área rural da China. A média anual de mortes por suicídio
é de 23 por 100 mil na população chinesa. Essas mortes são
particularmente freqüentes entre 15 e 34 anos, representando
18,9% das mortes nessa faixa etária.
Taxas de incidência no Brasil
A taxa oficial de mortalidade por suicídio no Brasil é
estimada em 4,1 por 100 mil para a população como um todo,
estando, para o sexo masculino, em torno de 6,6 por 100 mil e
para o sexo feminino, em 1,8 por 100 mil (WHO, 2000a).
Barros (1991) ressalta que os estudos epidemiológicos
do suicídio no país mostram-se muito deficitários. Denuncia um
sub-registro desse tipo de morte, decorrente principalmente
do forte estigma que envolve o suicídio. Outro fator associado
ao sub-registro é a dificuldade de avaliar se o episódio foi aci-
dental ou se houve uma intenção suicida. Barros ressalta que
a falta de qualidade e cobertura das estatísticas no país é um
dos problemas que prejudicam a validade das taxas oficiais de
mortalidade por suicídio no Brasil.
Souza et al. (2002) pesquisaram as taxas de suicídio
de pessoas jovens nas principais capitais brasileiras utilizando
o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da
Saúde. A faixa etária selecionada foi de 15 a 24 anos, no período
de 1979 a 1998. Observaram uma progressiva elevação das
taxas, que passaram de 3,5 em 1979 para 5 em 1998, por 100
mil habitantes. A grande maioria dos jovens que cometeu sui-
cídio tinha somente a escolarização primária, o que dificultava
o acesso ao mercado de trabalho. A proporção de suicídios foi
de três homens para cada mulher.
Marín-León e Barros (2003) analisaram as taxas de
suicídio entre os anos de 1976 e 2001 utilizando o Banco
de Dados de Óbitos de Campinas. Observaram uma taxa de
suicídio inferior a 5 óbitos por 100 mil habitantes, associada
a uma sobremortalidade masculina em relação à mortalidade
feminina (2,7:1). Os meios mais utilizados pelos homens fo-
ram o enforcamento e a arma de fogo. As mulheres utilizaram
principalmente o envenenamento como método suicida. As
mortes por causas externas consideradas evento cuja intenção
é indeterminada representaram 8,8% das mortes por esse tipo
de causa. Os autores não apresentaram no referido artigo uma
definição operacional para intenção indeterminada.
Prieto D & Tavares M
Grossi e Vansan (2002) realizaram estudo sobre a mor-
talidade por suicídio no município de Maringá (PR), conside-
rando os anos de 1978 a 1998, através dos laudos de exames
de óbito do Instituto Médico Legal e dos atestados de óbito
dos cartórios de registro civil. Detectaram a ocorrência de 197
óbitos registrados como suicídio no período, caracterizando
um coeficiente médio anual em torno de 4,2 suicídios por 100
mil habitantes. O enforcamento foi o método mais empregado
por ambos os sexos, conforme os registros.
No que se refere às taxas de tentativa de suicídio,
Vansan (1999) destaca que muitas tentativas podem não
chegar ao atendimento hospitalar por serem de baixo grau de
letalidade. Esse autor salienta que, nos casos de intoxicação
medicamentosa, a intenção suicida pode ser difícil de estabe-
lecer ou ser até mesmo omitida por aquele que se intoxicou.
Esse é mais um fator que dificulta a avaliação adequada da
incidência das tentativas de suicídio. Vansan realizou estudo
comparativo entre tentativa de suicídio e suicídio consumado
no município de Ribeirão Preto, interior do estado de São
Paulo, durante os anos de 1990 a 1992. Observou, em rela-
ção ao sexo, uma freqüência mais elevada de suicídios no
sexo masculino (73,9%) em comparação com o sexo feminino
(26,1%), revelando uma proporção de 2,8:1. No que se re-
fere à tentativa de suicídio, as mulheres apresentaram uma
freqüência mais elevada (67,6%) em comparação à do sexo
masculino (32,4%), atingindo uma proporção de 2:1. Vansan
observou ainda que a tendência à mortalidade por suicídio
tem se deslocado para as faixas etárias mais jovens entre a
população masculina, predominando a faixa etária de 20 a
29 anos (coeficiente médio de 21,3 por 100 mil habitantes).
Vansan (1986) havia observado, em estudo anterior relativo
ao período de 1953 e 1976, que a faixa etária de maior risco
para o suicídio consumado era de 50 a 59 anos (coeficiente
médio de 22,62 por 100 mil habitantes).
Schmitz et al. (1992) investigaram cerca de 700 casos
de tentativa de suicídio por envenenamento. As tentativas
de suicídio com desfecho favorável foram 24 vezes mais
freqüentes do que a evolução para o óbito. As mulheres
tentaram suicídio por envenenamento 2,4 vezes mais do que
os homens, e estes chegaram 2,7 vezes mais ao óbito. A
porcentagem de 75% dos óbitos envolvia o envenenamento
com agrotóxicos.
Rapeli e Botega (1998) realizaram estudo em um
hospital universitário da cidade de Campinas com pacientes
que precisaram de internação após tentativa de suicídio, tendo
sido considerado o período de um ano para a coleta de dados.
O grupo constitui-se de 53 sujeitos, sendo majoritariamente
do sexo masculino, na faixa etária de adolescentes e adultos
jovens com menos de 30 anos de idade. Os pacientes do sexo
masculino utilizaram métodos com maior potencial letal, como
envenenamento com produtos tóxicos, enforcamento, armas
de fogo e jogar-se diante de veículos. Rapeli e Botega obser-
varam a subnotificação tanto das tentativas de suicídio quanto
dos casos que evoluíram para o óbito. O sistema de registro e
de estatística do hospital em que a pesquisa foi realizada apon-
tava apenas três casos de internação decorrente de tentativa
de suicídio e apenas uma morte por essa causa no período,
sendo que os autores detectaram cinco mortes por suicídio
148 J Bras Psiquiatr 54(2): 146-154, 2005
e 55 internações em função de tentativas de suicídio. Esse
dado é uma evidência do grave problema de subnotificação
das tentativas e do suicídio consumado no Brasil.
Botega et al. (1995) elaboraram estudo com uma
amostra consecutiva de 156 casos de tentativa de suicídio
atendidos em um pronto-socorro de um hospital geral univer-
sitário ao longo de cinco meses. Observaram que os casos
foram majoritariamente de adolescentes e jovens adultos,
predominantemente do sexo feminino. O comportamento de
tentativa de suicídio caracterizou-se pela baixa intencionalida-
de e pela impulsividade, em que ficava evidente a inexistência
de planejamento. Os métodos suicidas mais utilizados foram
ingestão excessiva de medicamentos (60%) e ingestão de
venenos (20%).
Nunes (1988) analisou o atendimento dado às ten-
tativas de suicídio no pronto-socorro de um hospital geral
através do levantamento de 623 prontuários médicos entre
os anos de 1979 e 1986. Observou uma média de 78 casos
por ano registrados como tentativa de suicídio. Detectou que
a maioria dos casos era de jovens abaixo dos 24 anos e do
sexo feminino. A maioria das pessoas atendidas por tentativa
de suicídio não era avaliada quanto à existência de quadro
psicopatológico associado ao comportamento suicida e não
recebia encaminhamento para tratamento de saúde mental.
Teixeira e Luís (1997) realizaram estudo na emergência
psiquiátrica de um hospital-escola no período de 1988 a 1993.
Observaram que os adolescentes e jovens representavam
45% dos casos de tentativa de suicídio, de lesão auto-in-
fligida e de lesão em que se ignorava ter sido acidental ou
intencionalmente infligida. A faixa etária predominante foi de
15 a 19 anos.
Feijó et al. (1996) descreveram o perfil dos jovens que
fazem tentativa de suicídio. Observaram um predomínio do
sexo feminino, na etapa intermediária da adolescência (15-17
anos), sendo a intoxicação o método mais freqüentemente
utilizado.
Freitas e Botega (2002) realizaram estudo com ado-
lescentes grávidas e detectaram uma elevada prevalência
de ideação suicida e história de tentativa de suicídio anterior
nessa população. Cerca de 14% dessas adolescentes tinham
tentado suicídio anteriormente, e 17% apresentavam ideação
suicida no momento em que foram avaliadas. A ideação suicida
associou-se estatisticamente com a presença de depressão,
ansiedade, pouco apoio social e estado civil solteiro.
Miranda e Queiroz (1991) avaliaram a prevalência
de pensamentos e comportamentos suicidas, utilizando um
questionário de múltipla escolha, em uma amostra de cerca de
900 estudantes de medicina. O estudo revelou que por volta
de 37% dos alunos já haviam tido pensamentos suicidas, e
2,3% tinham feito pelo menos uma tentativa de suicídio.
Eventos estressores
As pesquisas, principalmente com adolescentes e jovens,
que focalizam a presença de fatores estressores na história de
vida de pessoas que tentam ou cometem suicídio são convergen-
tes em apontar uma elevada incidência de experiências adversas
(adverse life events) durante o desenvolvimento emocional.

Cassorla (1984) realizou um estudo comparativo, sobre
características demográficas e sociais, de jovens normais e
jovens com problemas mentais que haviam tentado suicídio. O
autor observou maior incidência de desemprego, de múltiplas
migrações e de problemas na escola durante a infância na
população de jovens com história de tentativa de suicídio. Cas-
sorla compreendeu a maior incidência de tais fatos como uma
expressão de características de personalidade desses jovens
que acabam dificultando a sua adaptação ao contexto escolar
e, posteriormente, ao trabalho, sendo as migrações entendidas
por Cassorla como estratégias para fugir de relações familiares
insatisfatórias.
Wilde et al. (1992) realizaram estudo com adolescentes
que tentaram suicídio comparando-os com um grupo controle e
um grupo de adolescentes deprimidos, em relação aos eventos de
vida durante a infância e a adolescência. Os autores observaram
que os adolescentes que tentaram suicídio haviam tido uma longa
história de problemas durante a infância, caracterizando um maior
número de eventos de vida adversos. O grupo dos adolescentes
que tentaram suicídio relatou, com maior freqüência: separação
dos pais antes de completar 12 anos de idade; violência física
durante a infância; violência sexual; mudanças nas suas condi-
ções de vida; freqüentes trocas em relação à pessoa responsável
por seus cuidados; reprovações escolares.
Gould et al. (1996), em estudo comparativo entre ado-
lescentes que cometeram suicídio e um grupo controle, apon-
taram diferenças entre esses grupos. Os adolescentes suicidas
mostraram indícios de uma comunicação pouco freqüente e
pouco satisfatória com seus pais e haviam vivenciado um maior
número de eventos estressores negativos recentes como crises
disciplinares ligadas à escola ou à justiça e perdas interpessoais
significativas (rompimento de relações amorosas ou separação
dos pais).
Feijó et al. (1999), em artigo de revisão, destacaram que
a presença de eventos estressores é um importante fator de risco
para a tentativa de suicídio em adolescentes. Brent et al. (1996)
realizaram um estudo comparando famílias de adolescentes que
cometeram suicídio com famílias sem tal problemática. Os auto-
res observaram maior incidência de problemas de saúde mental
entre os familiares dos adolescentes que cometeram suicídio.
Os diagnósticos mais freqüentes entre os familiares envolviam:
transtornos do humor; abuso de substâncias; transtornos de
ansiedade; transtornos de personalidade borderline, anti-social
e esquiva. Esses dados sugerem a importância do apoio psico-
lógico para famílias de pessoas com transtornos mentais como
estratégia preventiva.
Holmes et al. (1998) realizaram um estudo com marinhei-
ros norte-americanos, entre os quais a incidência de suicídios
era de 13,65 por 100 mil. Compararam três grupos de indivíduos:
aqueles que vieram a falecer por suicídio, pessoas que sobrevi-
veram a tentativa de suicídio e indivíduos que nunca atentaram
contra a própria vida. Eles apreenderam, entre 137 variáveis de
um questionário, que os indivíduos que consumaram o suicídio
e os que tentaram o suicídio diferiam apenas em duas variáveis,
a saber: o local em que empreenderam o ato suicida (os que
morreram estavam em casa, e os sobreviventes, no local de
trabalho) e o método utilizado (ingestão de substâncias entre
os sobreviventes e armas de fogo no grupo que perdeu a vida).
J Bras Psiquiatr 54(2): 146-154, 2005 149
Fatores de risco para suicídio
Esses dois grupos foram reunidos em um único e comparados
com o grupo controle. Sete variáveis diferenciaram com muito
sucesso marinheiros que tentavam ou cometiam suicídio do grupo
sem história de comportamento suicida. O grupo com história de
comportamento suicida caracterizava-se por: 1) homem jovem,
com história de abuso, negligência ou rejeição na infância; 2)
sintomas de depressão; 3) desesperança; 4) consumo abusivo
de álcool; 5) baixa performance em avaliações; 6) problemas com
o corpo militar ou com a lei; 7) ausência de história de engaja-
mento em jogos de azar. Os autores consideram que a variável
baixa performance em avaliações poderia estar refletindo uma
diminuição global do nível de funcionamento. Holmes et al. (1998)
ressaltam que indivíduos que experienciaram abuso estão de
muitas maneiras mais psiquicamente debilitados, portanto mais
vulneráveis ao estresse e menos resistentes aos pensamentos
e impulsos suicidas. A ausência de história de envolvimento em
jogos de azar foi entendida pelos pesquisadores como denotando
dificuldades em assumir riscos, já que participar desses jogos
exige grande tolerância a situações de perda.
Fawcett et al. (1987) observaram, entre os pacientes com
depressão maior que cometeram suicídio, uma elevada incidên-
cia de história de não ter vivido com outra criança antes dos 18
anos. Esse dado destaca a importância da convivência intensa
e permanente com pares durante a fase de desenvolvimento que
compreende a infância e a adolescência e sugere uma relação
entre isolamento e suicídio. Heikkinen et al. (1997) observaram
que as redes sociais e o suporte social eram deteriorados entre
os indivíduos com comportamento suicida quando comparados
com sujeitos sem história de comportamento suicida. Hall et al.
(1999) pontuaram que a presença de um relacionamento grave-
mente conflituoso revelou-se um dos mais úteis indicadores de
risco de suicídio.
Prieto (2002) realizou estudos de casos clínicos de ado-
lescentes e jovens com história de tentativa de suicídio recente
e detectou a elevada importância dos eventos estressores na
história de desenvolvimento desses indivíduos. As experiências
estressoras caracterizavam-se por uma infância marcada pela
presença de indicadores de negligência emocional, violência
física, violência verbal e violência sexual intrafamiliar. Os eventos
que assumiram a função de precipitadores das tentativas foram
conflitos relacionais graves e separações recentes.
Gaspari e Botega (2002) realizaram estudo com o objetivo
de avaliar a percepção da rede de apoio social dos pacientes
que tentaram suicídio e foram atendidos em pronto-socorro, em
comparação com a percepção das redes de acompanhantes de
outros pacientes atendidos no mesmo serviço. Os resultados
apontaram que os pacientes que haviam tentado suicídio relata-
vam receber menos apoio de sua rede, não se sentiam neces-
sários ou importantes para seus amigos e familiares, viviam em
família mais disfuncionais e apresentavam maiores dificuldades
no desempenho de funções sociais.
Transtornos mentais associados ao
suicídio e à tentativa de suicídio
Os estudos sobre fatores de risco para suicídio ou ten-
tativa de suicídio têm apontado uma elevada correlação desses
fenômenos com a presença de alguma desordem psiquiátrica
Prieto D & Tavares M
como transtorno do humor, transtorno relacionado a substân-
cias, esquizofrenia e transtorno da personalidade.
Dados da OMS (WHO, 2000b) mostram que os trans-
tornos mentais estão associados com mais de 90% dos casos
de suicídio, destacando-se os transtornos do humor, a esqui-
zofrenia e os transtornos da personalidade e relacionados a
substâncias entre os mais freqüentes. Geralmente, mais de um
transtorno é detectado entre as pessoas que tentam suicídio.
Os dados da OMS ressaltam que, entre os jovens que cometem
suicídio, há elevada incidência de transtornos da personalida-
de, sendo os mais freqüentes o transtorno da personalidade
borderline e o transtorno da personalidade anti-social. Os
traços de personalidade mais freqüentemente associados com
o suicídio são a impulsividade e a agressividade, segundo a
OMS (WHO, 2000b).
Um estudo de metanálise realizado por Bertolote et al.
(2004) revelou que mais de 90% dos pacientes que cometem
suicídio apresentam uma desordem psiquiátrica no momento
da morte. Os transtornos do humor representaram 30,2% dos
casos, seguidos pelos transtornos relacionados a substâncias
(17,6%), pela esquizofrenia (14,1%) e pelos transtornos da
personalidade (13%).
Pokorny (1983) observou uma representação de pacien-
tes com desordens afetivas ou esquizofrênicas muito acima da
média da população entre os indivíduos que cometeram suicídio.
O autor ressalta que os indivíduos que cometem suicídio e os
que tentam suicídio guardam similaridades. Contudo, detectou
maior incidência do diagnóstico de transtorno da personalidade
entre os que tentaram suicídio do que entre os que cometeram
suicídio. Pokorny enfatizou ainda a combinação de alguns
aspectos que revelaram elevada correlação com suicídio con-
sumado, como: ter um diagnóstico de desordem afetiva ou de
esquizofrenia; história de tentativa de suicídio anterior; evidên-
cia de depressão; queixa de insônia; presença de sentimentos
de culpa; e pouco interesse social.
Fawcett et al. (1987) ressaltaram que a taxa de suicídio
entre depressivos é maior do que entre outros grupos diagnós-
ticos psiquiátricos (3,5-4,5 vezes) e muito superior à incidência
na população geral (22-36 vezes). Os autores afirmam que
pacientes com distúrbio afetivo maior que cometem suicídio
mostram características clínicas significativamente diferen-
tes de pacientes com o mesmo diagnóstico que não tiram a
própria vida. Destacam-se, entre tais características, intensos
sentimentos de desesperança, perda da reatividade do humor
e história de poucas amizades na adolescência. Há evidências
de que a população de pacientes deprimidos que tenta suicídio
teve poucos episódios anteriores de depressão maior (menos
de três episódios). Fawcett et al. (1987) interpretam esse dado
como sugestivo de uma diminuição do risco de suicídio com o
aumento do número de episódios depressivos, em decorrência
do que entendem como um processo de acomodação do pa-
ciente ao estado. Wulsin et al. (1999) postulam que a incidência
de suicídio entre pacientes com desordens depressivas graves
é de 15%.
BlairWest et al. (1997) demonstraram que, se 15% dos
pacientes com transtorno depressivo maior cometessem sui-
*Tradução livre.
150 J Bras Psiquiatr 54(2): 146-154, 2005
cídio, como propõem alguns estudos, a taxa geral de suicídio
seria cinco vezes maior, passando de 12 para 60 por 100 mil
habitantes. Os autores estimam que 3,5% das pessoas com
transtorno depressivo maior cometerão suicídio. Destacam que
o suicídio de jovens não pode ser entendido e prevenido focali-
zando-se o transtorno depressivo maior, que é mais freqüente
em meados da terceira década de vida.
Pilkonis e Frank (1988) realizaram estudos com 119
pacientes com transtorno de humor do tipo depressivo que
apresentavam episódios recorrentes de depressão. Procederam
a uma avaliação sistemática da personalidade desses pacientes
e observaram que cerca da metade da população com episódios
depressivos recorrentes (48%) apresentava um transtorno de
personalidade diagnosticável.
Heikkinen et al. (1997) salientam que os estudos utilizan-
do o método da autópsia psicológica – entrevistas retrospectivas
realizadas com familiares e outras pessoas próximas – têm
apontado a presença de transtornos de personalidade em mais
de 57% das vítimas, principalmente entre jovens e quando uma
avaliação diagnóstica multiaxial é empregada.
Turecki (1999), em artigo de revisão da literatura, defen-
de que o denominador comum entre a maioria dos sujeitos que
cometem suicídio é a presença de comportamento impulsivo e
impulsivo-agressivo. Ressalta que a maioria dos que cometem
suicídio preenche os critérios diagnósticos para transtornos da
personalidade do tipo B, principalmente transtornos de perso-
nalidade anti-social e borderline, caracterizados pela presença
de traços de impulsividade e agressividade.
A quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos
Transtornos Mentais (DSM-IV-TR, 2000) define o transtorno da
personalidade como “um padrão persistente de vivência íntima
ou comportamento que se desvia acentuadamente das expec-
tativas da cultura do indivíduo, é generalizado e inflexível, tem
início na adolescência ou no começo da vida adulta, é estável
ao longo do tempo e provoca sofrimento ou prejuízo” (p. 641).
O transtorno de personalidade borderline, muito citado como
apresentando uma elevada incidência entre as pessoas que
cometem ou tentam suicídio, é definido como “um padrão de
instabilidade nos relacionamentos interpessoais, auto-imagem
e afetos, bem como de acentuada impulsividade” (p. 593). Ou-
tros transtornos da personalidade do tipo B relacionados com
suicídio são o transtorno da personalidade narcisista, definido
como “um padrão de grandiosidade, necessidade por admiração
e falta de empatia”, e o transtorno anti-social, caracterizado
por “um padrão de desconsideração e violação dos direitos
dos outros” (p. 593).
Widiger et al. (1989/1991) têm contribuições importantes
para a compreensão dos transtornos de personalidade. Esses
autores ressaltam que os pacientes com transtorno de persona-
lidade revelam incapacidade “de responder de modo flexível e
adaptável às mudanças e exigências da vida. Ao contrário, eles
criam e exacerbam o estresse ao provocar reações aversivas
nos outros, ao falhar em tomar decisões adequadas em sua
vida social, ocupacional ou em outras situações de vida e ao
criar situações problemáticas e patogênicas” (p. 282)*.
Murphy et al. (1992) afirmam que o alcoolismo tem estado
correlacionado com aproximadamente 37% dos suicídios (diag-
nóstico principal ou múltiplo) nos Estados Unidos. Os autores

salientam características clínicas dos suicidas alcoólatras que
são marcantes no período anterior ao ato em que tiram suas
vidas: têm pouco ou nenhum suporte psicossocial; apresentam
sérios problemas de saúde; bebem demasiadamente nos últimos
dias ou meses de suas vidas; moram sozinhos; perderam uma
relação interpessoal íntima no período das últimas seis semanas;
estão desempregados; e preenchem os critérios para depressão
maior. Conforme apontam Murphy et al. (1992), a incidência de
pensamentos suicidas e a revelação destes é muito acentuada
entre os pacientes alcoólatras (86%). A perda do suporte social
nessa população mostrou-se correlacionada com conflitos ma-
trimoniais ou a dissolução do casamento. O elevado risco de
suicídio mostra-se muito associado ao acúmulo de problemas
crônicos na vida dessas pessoas.
Os resultados de pesquisas sobre suicídio entre pessoas
com diagnóstico de esquizofrenia sugerem que os fatores de risco
incluem: sexo masculino, evolução crônica da doença, elevado ní-
vel de funcionamento pré-mórbido, história de tentativa de suicídio
anterior, presença de sintomas afetivos e paranóides (Marcinko et
al., 2003; De-Hert et al., 2001). Pensamentos suicidas e história
de tentativa anterior, além de intensos sentimentos depressivos,
são indicadores presentes na história da doença de esquizofrêni-
cos que cometem suicídio, segundo Kelly et al. (2004).
Valença et al. (1998) apresentaram um artigo de revisão
sobre a incidência de tentativa de suicídio entre pessoas que so-
frem de transtorno do pânico. Concluíram que os indivíduos com
esse transtorno têm um maior risco para tentativas de suicídio
quando apresentam co-morbidade com depressão, alcoolismo,
abuso de substâncias ou transtornos da personalidade.
Indicadores clínicos associados ao
aumento do potencial suicida
Além dos eventos de vida adversos e dos transtornos
mentais associados ao risco de suicídio, alguns indicadores
clínicos destacam-se como preditores do risco de suicídio.
Diekstra (1989) ressalta que o melhor preditor para sui-
cídio é história de uma ou mais tentativas de suicídio não-fatais.
Beck et al. (1985) percebem a intensidade dos sentimentos de
desesperança como um dos mais importantes indicadores de
risco nas pessoas com ideação suicida. A desesperança é defi-
nida por esses autores como uma crença de que não há solução
para os sérios problemas de vida que enfrentam. Tal percepção
é apontada pelos autores como uma característica central da
depressão e serve de ligação entre depressão e suicídio.
Tavares (2000) ressalta alguns aspectos para os quais
deve-se estar atento no momento de avaliar o potencial suicida
de uma pessoa: história passada de tentativa de suicídio; grau
de intenção suicida; letalidade do método escolhido e acessi-
bilidade a este; freqüência de pensamentos suicidas; qualidade
dos controles internos do paciente; presença de suporte social;
história familiar positiva para suicídio; e depressão.
Phillips et al. (2002) afirmam que os fatores de risco
associados ao suicídio na China não diferem grandemente
daqueles na população ocidental. Os pesquisadores observa-
ram como fatores de risco para suicídio na população chinesa:
elevado grau de sintomas depressivos; tentativa de suicídio
anterior; estresse agudo na época da morte; baixo nível de
J Bras Psiquiatr 54(2): 146-154, 2005 151
Fatores de risco para suicídio
qualidade de vida; elevado nível de estresse crônico; conflito
interpessoal severo dois dias antes da tentativa; familiar com
história de comportamento suicida e amigo ou parceiro amoroso
com história de comportamento suicida.
Hall et al. (1999) argumentam que somente 14% dos
indivíduos de uma amostra que estudaram, em que tentativas
graves de suicídio tinham sido perpetradas, apresentaram
planos previamente estruturados antes de atentarem contra a
própria vida. Esse dado sugere um alto grau de impulsividade
envolvido nas tentativas de suicídio.
Peterson et al. (1985) estudaram 30 pacientes que
sobreviveram a uma tentativa de suicídio que teve como mé-
todo o uso de arma de fogo. Esses pacientes teriam falecido
se não recebessem o tratamento de emergência. A maioria
relatou ter tido pensamentos suicidas menos de 24 horas antes
da tentativa, o que é indicativo do alto grau de impulsividade.
Eles não fizeram preparativos nem escreveram cartas antes
de perpetrarem a tentativa de suicídio. Um conflito interpes-
soal desempenhou o papel de evento precipitador em mais da
metade dos casos.
Disponibilidade e escolha do método
suicida
Kellermann et al. (1992) observaram que a incidência de
suicídio é maior em lares em que está presente uma arma de
fogo, sendo o método mais escolhido (86%) nesse contexto.
Marzuk et al. (1992) estudaram o efeito da disponibilida-
de dos métodos letais, retomando duas hipóteses muito discuti-
das na literatura. A primeira é de que diferenças na incidência de
suicídio entre comunidades devem-se, em parte, à diferença na
facilidade de acesso da população a métodos letais. A segunda
hipótese é a da substituição, que sugere que pessoas suicidas
usarão métodos alternativos mais disponíveis, se um ou mais
meios estão restritos ou inacessíveis naquela comunidade.
Esses autores estudaram cinco bairros da cidade de Nova York,
entre eles Manhattan, Bronx, Queens, Staten Island, Brooklyn.
Tais localidades apresentavam taxas semelhantes de suicídio
associadas a métodos que eram igualmente acessíveis para
todos, como enforcamento e sufocamento com plástico. No que
se refere a armas de fogo e afogamento, o estudo considerou
que a proporção da população que tem acesso a esses é similar
nas cinco localidades. Não foram observadas diferenças nas
taxas de suicídio entre os cinco bairros quanto ao método de
afogamento e uso de armas de fogo. A diferença significativa
nas taxas de suicídio como um todo mostrou-se altamente
correlacionada com a diferença entre os cinco bairros no que se
refere à acessibilidade da população a alguns métodos, como
cair de altos edifícios ou garagens privativas. A acessibilidade
a vários métodos letais em Manhattan, particularmente salto
de alturas, não suprime as taxas de suicídio envolvendo o uso
de métodos como enforcamento, afogamento e arma de fogo.
Similarmente, a limitação das escolhas dos métodos em Staten
Island não está associada ao aumento nas taxas de suicídio
envolvendo armas de fogo, afogamento, enforcamento, cortes e
sufocação. Esses dados são divergentes em relação à hipótese
de substituição dos métodos letais. Conclui-se que o aumento do
acesso a diferentes métodos em cada localidade contribui para
Prieto D & Tavares M
aumentar a taxa final de suicídio naquela comunidade. O estudo
revelou que a diferença entre comunidades no que se refere
à acessibilidade a métodos suicidas responde, em boa parte,
por diferenças nas taxas de suicídio entre essas populações.
Os autores observaram também evidências clínicas que suge-
rem que pessoas que declaram intenção de auto-extermínio
poderiam consumar a intenção se tivessem acesso a certos
métodos preferidos, mas não o fariam por outros meios. Desta
forma, a restrição do acesso ao método suicida constitui-se em
um meio importante de prevenção do suicídio.
Vansan (1999) observou que os suicídios consumados
estavam associados ao uso de métodos que ele denominou de
violentos, por deixarem pequena probabilidade de salvamento
(66,7%). São eles: enforcamento, armas de fogo, atear-se fogo,
precipitação de lugares elevados. Já as tentativas de suicídio
eram perpetradas através de métodos menos violentos (92,1%),
a saber: ingestão de medicamentos e de outras substâncias
químicas.
Considerações sobre as pesquisas
epidemiológicas
A revisão dos estudos epidemiológicos sobre o suicídio
é importante para que se possa ter um olhar panorâmico acerca
do problema e das possíveis formas de enfrentá-lo. As taxas
de incidência de suicídio nos países não refletem com precisão
a ocorrência do fenômeno, já que não há uniformidade nos
procedimentos de notificação. Adiciona-se a isso a dificuldade,
em muitos casos, de avaliar se o episódio que levou à morte
foi acidental ou se houve uma intenção suicida.
Diferenças em relação ao sexo apontam que os homens
cometem mais suicídio e que as mulheres fazem mais tentativas
de suicídio. Os métodos mais utilizados pelos homens tendem
a caracterizar-se pelo alto grau de letalidade: enforcamento,
arma de fogo, precipitação de lugares elevados. Os métodos
geralmente usados pelas mulheres tendem a envolver ingestão
de medicamentos e de venenos, deixando maior possibilidade
de salvamento.
As pesquisas epidemiológicas sobre suicídio no Brasil
utilizam como fonte registros oficiais como atestados de óbitos,
prontuários médicos e registros da causa da morte nos cartórios
de registro civil. Contudo, há evidências de sub-registro tanto
dos suicídios consumados como das tentativas de suicídio,
principalmente nos casos de intoxicação medicamentosa e
envenenamento. Os métodos da forca e da arma de fogo pro-
vocam a investigação sobre a autoria, trazendo mais fortemente
a questão da intencionalidade.
A história de desenvolvimento emocional das pessoas
que cometem ou tentam suicídio guardam similaridades,
apontando para a elevada incidência de experiências adver-
sas (adverse life events). Detectou-se história positiva para
situações de violência física, sexual, negligência e rejeição
na infância e na adolescência. Há evidências de elevada in-
cidência, nessa população, de mudanças freqüentes em suas
condições de vida; separações conjugais dos pais; trocas
freqüentes das pessoas responsáveis por seus cuidados; e
comunicação pouco freqüente e pouco satisfatória com os
pais na adolescência. Esses aspectos apontam para uma
152 J Bras Psiquiatr 54(2): 146-154, 2005
relação com os pais marcada por dificuldades, expressas pela
violência, pela instabilidade e pelo conflito. Observa-se também
elevada incidência de problemas de saúde mental entre os
familiares e a presença de um suporte social deteriorado na
população com comportamento suicida. Conflitos relacionais
e perdas interpessoais significativas mostraram-se fortemente
associados ao comportamento suicida, ocupando o papel de
eventos desencadeadores. As experiências infelizes comuns a
essa população comprometem um desenvolvimento emocional
saudável, levando à sobrecarga de estressores, o que eleva o
nível de tensão emocional. Dessa forma, esse processo dificulta
o estabelecimento posterior de relacionamentos positivos com
pessoas significativas, a satisfação do sujeito consigo mesmo
e a constituição de uma auto-imagem positiva.
Outro dado importante que as pesquisas apontam é a
falta de convivência intensa com os pares durante a infância e
a adolescência, caracterizando isolamento afetivo-relacional.
Tal convivência possibilitaria trocas mais igualitárias e o de-
senvolvimento da capacidade de estar com o outro. As trocas
afetivas entre pares na infância e na adolescência podem
representar uma possibilidade de diminuição do impacto de
experiências adversas.
Os dados sugerem que a grande maioria dos que cometem
ou tentam suicídio apresenta um transtorno mental diagnosticável,
principalmente transtornos do humor, transtornos relacionados
a substâncias, esquizofrenia e transtornos da personalidade. A
comorbidade é bastante freqüente, caracterizando um sofrimento
psíquico muito acentuado. Sintomas como sentimentos de triste-
za, desesperança, auto-avaliação negativa, insônia, concentração
pobre, impulsividade, agressividade, anedonia e sentimentos
de culpa são freqüentemente detectados nessa população. A
presença de história anterior positiva para tentativa de suicídio
é um importante preditor de risco de suicídio.
Há evidências de que a decisão de tirar a própria vida
freqüentemente é tomada pouco tempo antes de o ato ser
perpetrado, denotando elevada impulsividade. Esse aspecto
sugere o efeito protetor da restrição do acesso a métodos letais
entre populações com risco.
As pesquisas apresentadas sugerem a necessidade de
desenvolvimento de medidas preventivas e indicam elementos
para avaliação, identificação precoce e intervenção nas situa-
ções de risco de suicídio.

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