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TEXTO 1:
(Texto elaborado a partir de recortes dos artigos: “O desenvolvimento humano na teoria de Piaget”
de Márcia Regina Terra; “Desenvolvimento moral: de Piaget a Kohlberg”, de Lucila Diehl Tolaine Fini,
publicado na revista Perspectiva, Florianópolis, 9 (16): 58-78, Jan/Dez. 1991; “Piaget: que diabo de
autonomia é essa?”, de Wilson Correia, UNICAMP - Campinas, Brasil, publicado em Currículo sem
Fronteiras, v.3, n.2, p.126-145, Jul/Dez 2003)
a) ANOMIA (crianças até 3-4 anos), em que a moral não se coloca, ou seja, as regras são
seguidas, porém o indivíduo ainda não está mobilizado pelas relações bem x mal e sim
pelo sentido de hábito, de dever.
Expondo a linha de raciocínio piagetiana, Freitag (1992, p. 180-181) assinala que o estágio da
pré-moralidade, entre zero e cinco anos de idade, é aquele no qual a criança não manifesta
noção de regra ou consciência moral (por isso “anomia” - sem regras) O que predomina
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b) HETERONOMIA (crianças até 9-10 anos de idade), em que a moral é igual à autoridade,
ou seja, as regras não correspondem a um acordo mútuo firmado entre os jogadores, mas
sim como algo imposto pela tradição e, portanto, imutável (regra coercitiva e respeito
unilateral).
Na fase de heteronomia moral a criança percebe as regras como absolutas, imutáveis,
intangíveis. As regras têm um caráter místico podendo ser consideradas como de origem
divina. Nessa fase a criança julga a ação como boa ou não com base nas consequências dos
atos, sem uma análise mais ampla e sem considerar as intenções do autor da ação.
Considera que se um indivíduo foi punido por uma determinada ação, esta ação é errada.
A criança tende a considerar que sempre que alguém é punido esse alguém deve ter feito
algo de errado, assumindo uma conexão absoluta entre a punição e o erro. Para uma criança
de seis anos, se um menino deixar seu doce cair em um lago ele é culpado por ser bobo e
não deve ganhar outro doce. A criança de seis anos dirá provavelmente que um menino que
quebrou cinco copos enquanto ajudava a mãe é mais culpado do que aquele que quebrou
um copo enquanto roubava geleia.
Piaget percebeu que a criança pequena tem dificuldades para levar em conta as
circunstâncias atenuantes enquanto um adolescente já faz julgamentos com base na
equidade, sendo capaz de pensar em termos de possibilidades e de um número maior de al-
ternativas.
Assim, o estágio da heteronomia, dos cinco aos oito anos de idade, é caracterizado pelo
REALISMO MORAL, em que a regra tem uma validade absoluta por vir de Deus, pais,
professores, amigos e outros adultos, merecendo respeito absoluto. Aí a regra tem um valor
em si mesmo, é permanente, inflexível, sagrada, fixa, imutável. Por isso, os detalhes da
regra não são compreendidos, muito menos analisados pela criança. Nesse sentido, embora
saiba o que é começo e fim do jogo, por exemplo, bem como quem é o perdedor e o
ganhador, dado o realismo moral de que está tomada, a criança ainda não é capaz de
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É só depois, após os treze anos de idade, que há uma maior conscientização e um maior
detalhamento da regra (e aí entra-se na fase da autonomia moral propriamente dita). É o
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Os estágios por que deve passar a consciência do sujeito são necessários à tomada de
consciência da regra, à internalização e à codificação da mesma. Sobre a consciência da
regra, podemos expressá-la, como vimos, sob a forma de três estágios:
Referências bibliográficas:
FREITAG, B. (1992) Itinerários de Antígona: a questão da moralidade. 2. ed. Campinas: Papirus.
FREITAS, L. (2003) A moral na obra de Jean Piaget: um projeto inacabado. São Paulo: Cortez.
HOUAISS, A. & VILLAR, M. de S. (2001) Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva.
LA TAILLE., Y. O lugar da interação social na concepção de Jean Piaget. In LA TAILLE; OLIVEIRA, M.K;
DANTAS,H. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. 13.ed. São Paulo:
Summus, 1992, p.11-22
________Desenvolvimento do juízo moral e afetividade na teoria de Jean Piaget. In LA TAILLE;
OLIVEIRA, M.K; DANTAS,H. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. 13.ed.
São Paulo: Summus, 1992. p.47-74
PIAGET, J. (1994) O julgamento moral na criança. 2. ed. Trad. E. Lenardon. São Paulo: Summus.
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TEXTO 2:
O DESENVOLVIMENTO DO JUÍZO MORAL SEGUNDO JEAN PIAGET
(texto elaborado a partir de “O juízo moral na criança” de Piaget)
A regra motora
O bebê, no estágio da Inteligência Sensório-Motora, cuja estrutura de pensamento é
pré-verbal e associal, vivencia o hábito, construído da generalização dos esquemas motores. A
criança tem uma necessidade de exercício, de experimentar sob várias formas, o objeto que
lhe é apresentado, até que o inclua num esquema de assimilação já conhecido. Depois
também acomoda-se ao objeto, modificando sua ação, testando novas possibilidades. É o
caso do jogo de bolinhas de gude, relatado por Piaget (1932-1977).
Ao receber algumas bolinhas, a criança de três anos faz com elas um ninho, escondê-
as, junta e separa, brinca como costuma brincar com qualquer objeto. Percebe então sua
natureza, sua facilidade em rolar e coloca-as numa cavidade para que fiquem seguras. Este
exemplo permite que se perceba como a criança procura adaptar-se, pelo equilíbrio entre
assimilação e acomodação , pela utilização dos esquemas que possui e a criação de novos,
permitindo a cristalização e ritualização das condutas. Novos esquemas se estabelecem, são
investigados e conservados, como se fossem obrigatórios e eficazes.
É necessário dizer que essa forma de agir sobre os objetos, por tal estrutura de
pensamento, corresponde à primeira forma de relacionar-se com o meio, havendo a cada
estágio de desenvolvimento novas formas, sucedendo-se umas às outras numa gama de graus
sucessivos e cada vez mais abrangentes. Segundo Piaget, a diferença da natureza das
estruturas reduz-se a isto: “Há, na criança, atitudes e crenças que o desenvolvimento
intelectual eliminará, na medida do possível há outras, que assumirão sempre maior
importância“ (Piaget, 1932-1977, p. 73)
Os objetos são fonte de curiosidade e de novas experiências, mas as crianças não
seguem regras, aplicam os esquemas conhecidos para, acomodando-se às peculiaridades
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dos objetos, assimilar novas maneiras de agir sobre eles e, progressivamente, torná-lo
rituais, anunciando sua socialização progressiva.
Segundo Piaget (1932/1977, p.75 ), a regra motora se confunde com o hábito, com
a forma da criança realizar suas atividades de rotina, como a maneira de mamar, dormir,
acordar, pegar um objeto, pedir pela presença da mãe, etc. A criança porém, não possui a
noção do respeito, a consciência da obrigação ou da necessidade da regra que aos poucos
irá construindo.
O respeito mútuo é, por assim dizer, a forma de equilíbrio para a qual tende o
respeito unilateral, como a cooperação constitui a forma de equilíbrio para a
qual tende a coação, nas mesmas circunstâncias. (Piaget, 1932-1977, p. 83)
discute seu ponto de vista comparando-o a outro qualquer, sente-se capaz de se opor às
ideias pré-estabelecidas e propor mudanças. Seguindo as regras pode então sentir-se capaz
de modificá-las, porque essas se interiorizam, tornam-se fatores e produtos de sua
personalidade.
O respeito unilateral, marcante no período anterior, impondo regras completamente
feitas, dá lugar ao respeito mútuo, como um método de controle recíproco e de
justificação do domínio moral. O respeito mútuo constitui-se não pela autoridade, mas
pelas relações entre iguais, embora composto pela afeição e medo, este refere-se ao
temor de decair perante os olhos do parceiro. Substitui a heteronomia intrínseca do
respeito unilateral por uma autonomia necessária a seu próprio funcionamento,
reconhecida pela elaboração da regra pelos próprios indivíduos a ela obrigados.
O respeito mútuo é, portanto, também, fonte de obrigações, mas não prontas e
impostas, e sim geradas pela reciprocidade, que não regula a avaliação final do bem ou do
mal, mas a mútua coordenação dos pontos de vista e das ações. A necessidade de
respeitar equilibra-se com a de ser respeitado.
A criança está preparada agora para a vida em comum, para o grupo, que é sempre
fonte de obrigações e regularidades, sendo capaz de ter consciência de sua ação e da ação
do outro, de perceber as intenções e consequências do que faz. O que não quer dizer que
todos os seus atos serão regidos pelo mais alto estágio da moralidade, o que mesmo nos
adultos não acontece.
A consciência do dever resulta, basicamente, de duas características que se
complementam: a instrução dada de um indivíduo a outro e a aceitação, o respeito por parte
daquele que a recebeu. O respeito que se tem pelo outro é que torna legitimada a regra
fixada por ele.
O respeito mútuo, do ponto de vista intelectual, libertando a criança das opiniões
impostas, em proveito da coerência interna e do autocontrole, substitui as normas da
autoridade pela norma imanente à própria ação, constituindo a possibilidade da
reciprocidade. Como diz Piaget:
A grande diferença entre a coação e a cooperação ou entre o
respeito unilateral e o respeito mútuo, é que a primeira impõe
crenças ou regras completamente feitas, para serem adotadas em
bloco, e a segunda apenas propõe um método de controle recíproco
e de verificação no campo intelectual, de discussão e de justificação
no domínio moral. (Piaget, 1932-1977 p. 84).
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Referências bibliográficas:
PIAGET, J. (1977). O julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou (Original publicado em
1932)