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Resumo
Este artigo tem por objetivo a demonstração da problemática do corpo
estranho, não-branco, não-masculino e não-heteronormativo, como uma
estratégia projetual para constituição do espaço urbano e arquitetônico da
contemporaneidade. Desde os anos 60 com o advento da contracultura e da
arte performática, diversos artistas exploraram seus corpos na constituição
da identidade de diversos grupos minoritários politicamente, tais como as
mulheres, os negros e os LGBT. O projeto moderno, conforme descreve
Aaron Betsky e Diana Agrest, se manteve em crise identitária: um discurso
hegemônico para uma diversidade de corpos que não comporta dogmas tais
como Modulor, Homem Vitruviano ou Carta de Atenas. Para a realização de
um discurso diversificado, deve se propor o Corpo Ativo: sujeitos que fogem
do normativo padrão e subvertem o espaço genérico. Donna Haraway utiliza
como metáfora de corpo ativo o ciborgue: um corpo transformado pelo uso
das tecnologias que toma para si a biopolítica e questiona a ideia de gênero,
proporção, medida e geometria do ideário cartesiano que fora investido por
personagens como Robert Moses e Ayn Rand. Da revisão bibliográfica
sobre o corpo e espaço, os autores exemplificam estratégias políticas da
construção de corpos ativos como constituição da noção de espaço urbano
do séc. XXI.
Abstract
This article demonstrates the problem of the strange body, non-white, non-
male, non-heteronormative as a design strategy for urban and architectural
spaces in the contemporary times. Since the 60s with the advent of
counterculture and performance art, various artists have explored their
bodies in the constitution of the identity of various minority political groups
such as women, blacks and LGBT people. The modern project, as described
by Aaron Betsky and Diana Agrest, has remained in a crisis of identity:
conservative discourse for a diversity of bodies that doesn’t include dogmas
such as Modulor, Vitruvian Man or the Athens Charter. For an effective
diversified discourse, the Active Body must be proposed: subjects that
escapes from the normative standard and subvert from the generic space.
Donna Haraway uses an active body metaphor the cyborg: a body
transformed by the use of technologies that take biopolitics for itself and
questioning the idea of gender, proportion, measure and geometry of the
ideary invested by characters such as Robert Moses and Ayn Rand. From
the literature review on the body and space, the authors exemplify the
policies of building acitve bodies as a constitution of the notion of urban
space of the 21st century.
Corpo Estranho
Corpo Urbano
Corpo Ativo
Para Bourdieu, o espaço socialmente construído é resultante da distribuição
dos agentes em posições que carregam disputas e capitais. A disputa é
expressada não apenas na padronização dos corpos por exemplo, mas
também nas distinções legitimadas pela necessidade de desvalorização do
capital do outro, resultando em segregação. É observável uma hierarquia na
ocupação das cidades e arquiteturas, construídas por meios de estratégias
de distinção e padronização, dicotomias estas promovidas pelos agentes
dominantes em seu favor – criadores do corpo aristotélico – na medida que
detém maior poder simbólico, promovendo manutenção da contenção da
constituição destes espaços e das interações sociais que ocorrem neles.
A importância social do sujeito sempre foi analisada e atribuída mediante a
a sociedade de consumo (BOURDIEU, 2004), pelas interações sociais e das
classificações feitas pelos corpos dominantes, assim como o se enquandrou
ser os estereótipos de corpos. Constituir-se enquanto corpo frente a todos
os mecanismos sociais de imposição regulatória sempre se torna desafiador
para aceitabilidade ou exclusão. Comumente, corpos estranhos apresentam
um significativo desvio, representando no coletivo social uma contraposição
ao modelo econômico e social imposto. Entretanto, corpos estranhos são
desobedientes, reivindicam sua existência enquanto fractais sociais e
podem se tornar corpos ativos que subvertem a lógica da interação social e
espacial, se constituindo como potencial agente de mudança e da disputa
pelos espaços e pelo projeto de cidade que a sociedade pode ter.
Quando Haraway se entende enquanto ciborgue, ela não está afirmando ser
diferente, mas demonstrar que as realidades da contemporaneidade, do ato
performático do ser, implicam relações íntimas entre pessoas e tecnologias,
não sendo assim possível dicernir onde nós acabamos e onde as máquinas
começam. Ela é famosa pela sua afirmação “prefiro ser uma ciborgue a ser
uma deusa” (1997), desafiando a tradicional concepção feminista de que a
ciência e tecnologia são pragas patriarcais que assolam a superfície da
natureza. Como ciborgues, Haraway e artistas digitais como Josephine
Starrs, Virginia Barratt e Julianne Pierce do VNS Matrix, são produto da
ciência e tecnologia. Tais feministas não vêem sentido no assim chamado
“feminismo de deusa” dos anos 1960, se em conjunto ao movimento negro e
LGBT é preciso reflexão e mudança, sendo necessário o vislumbre científico
e tecnológico sobre o que são corpos: construções espaciais e simbólicas,
assim arquitetura inclusa.
As novas tecnologias de comunicação possibilitaram uma renovação e
redimensionamento dos modos de organização de inúmeros movimentos
sociais, tornando-os mais acessíveis e popularizados, permitindo uma
ampliação dos seus mecanismos de inserção na sociedade e de seus
espaços, produzindo novas construções de discursos, novas linguagens e
concepções. Atualmente a tecnologia se torna ferramenta do ciberativismo,
utilizada não só para problematizar e colocar em pauta as questões e
ditames sociais, como também para sua organização política, por meio de
textos, blogs e vídeos, sendo a arte uma de suas principais formas de
expressão, vindo a ser a ser mais uma ferramenta para a consquista de
espaço pelos corpos estranhos. Muitos artistas estão contribuindo para uma
eclosão da arte corporal na rede.
No que tange as questões da atuação do corpo da mulher e do feminismo,
Marina Lemos (2009) assevera que a criatividade artística é um importante
elemento do ativismo feminista cibernético, e também sua característica
mais intrínseca: “(...) o feminismo e a arte feminista, insistiram na
importância do gênero como uma ordem absolutamente social e como uma
política de dominação em todas as camadas da sociedade, camadas
públicas ou pessoais” (LEMOS, 2009). Isto é, a arte se tornaria uma de suas
primeiras formas de comunicação, e muito significante para uma fácil
assimilação dessas críticas e ao entendimento das complexas estruturas de
opressão de gênero.
Conclusão
Os corpos estranhos, desde o advento do feminismo, do movimento negro e
LGBT, já demonstrou clarezas de ocupação de atividade na ocupação do
espaço. O espaço enquanto produção política, sejam de grandes grupos
sociais ou de indivíduos dominantes na sociedade, não condiz com as
estratégias projetivas atuais. É necessário pregar que corpos estranho
poderão encontrar a liberdade apenas na medida que se desprenderem do
mundo moderno e descobrirem sua suposta conexão espiritual com a Mãe
Terra (KUNZRU, 2009). E isto se traduz muito no que vemos quanto às
mobilizações sociais estarem definitivamente atreladas não mais à ação dos
corpos nos espaços da cidade, mas também ao ciberespaço, sendo a
internet sua maior ferramenta, temos não só a existência do corpo ativo
físico, mas também de um corpo ativo cibernético.
O ciborgue é um corpo híbrido de máquina e organismo vivo, criatura de
realidade social e também uma criatura de ficção. Realidade social significa
relações sociais vividas, significa construção política importante e significa
uma ficção capaz de modificar a sociedade. A libertação de um corpo ativo,
depende da construção da consciência da opressão, depende da
imaginativa apreensão e, portanto, da consciência da possibilidade. O
ciborgue é uma matéria de ficção e também de experiência vivida – uma
experiência que muda aquilo que conta como experiência feminina no final
do século XX. Trata-se de uma luta de vida e morte, mas a fronteira entre
ficção científica e realidade social é ilusão ótica. (HARAWAY, 1991)
É necessário mais do que ser um corpo estranho, é necessário ser um
corpo ativo e mostrar sua distinção no espaço, sendo também uma maneira
de se distinguir no mesmo e não mais permitir a sua segregação. Ocupar a
cidade em sua totalidade é também objeto de disputa e de promoção de
espaços inclusivos do corpo na medida do exercício projetivo. Entretanto, ao
falarmos destas propostas, devemos compreender que espaço físico possui
uma transformação muito mais lenta diante das transformações do corpo,
pois o espaço físico possui certa rugosidade em sua morfologia, de forma
que ele continua refletindo e ecoando posições anteriores, mesmo diante
das mudanças do corpo. Contudo, ambos possuem uma menor velocidade
de transformação diante das mudanças e dinâmicas promovidas no
ciberespaço, o espaço construído coletivamente por ciborgues, que se
constituem como catalizadores das transformações nos demais espaços,
sendo local de integração dos corpos ativos, atendendo assim, a premissa
de Haraway de que para a nossa construção política, nos constituiríamos
enquanto ciborgues, como corpos híbridos da máquina, assim como a
nossa realidade social também estaria atrelada às suas transformações.
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