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TEATRO INCOMPLEXO

textos teatrais (e outras coisas) de Rynaldo Papoy

papoy3@gmail.com

INTRODUÇÃO

Estas são minhas peças de teatro e alguns roteiros de filmes. Não são todos os textos, são os
principais.
Eu não fazia a menor ideia de como escrever uma peça de teatro até 1992, quando li o primeiro
texto de Samuel Beckett. A partir daquele momento, desembestei. Naquele ano, escrevi alguns textos,
mas eles não estão aqui, ou porque se perderam, ou porque eu não considero lá grande coisa. O
primeiro texto que incluo aqui foi transformado em roteiro de cinema por sugestão de uma diretora.
“Pregos de Ouro”, escrito em 1993, quando eu tinha 22 anos. O segundo texto também está aqui, “O
cérebro na bandeja e o horrendo do futuro duvidoso”, que escrevi ao mesmo tempo.
Pulamos para 1998, quando escrevi o que considerei por muito tempo o meu melhor texto,
“Lívio Nicolau e a Morte”.
Em seguida, temos “O deserto”, que meus fãs consideram como sendo meu minha melhor peça,
já tendo recebido propostas para ser tanto encenada como transformada em filme. E foi transformada
em filme.
Alguns textos foram escritos sob encomenda. Caso de “O corpo da minha mãe”, que o ator que
me encomendou renegou depois, por ter ficado horrorizado, e “A mata”, roteiro de filme que não foi
feito porque o diretor, que havia adaptado “O deserto”, desistiu do cinema e se tornou religioso.
Se o leitor quiser conversar sobre algum texto, basta me escrever.

PREGOS DE OURO

1 - BLACKOUT. NARRAÇÃO.
Virei rapé, onde errei, pela filha da casa só. Seu céu vê vilipêndio, pela testa da bobeira.
CLOSE ROSTO DE MENINA. NARRAÇÃO.
Por quê? Porque eu gosto, eu acho legal, me sinto bem.
ELA DÁ UM SORRISINHO INOCENTE. NARRAÇÃO.
E um sorriso que sela meu tesão por seu rosto.
2 - BLACKOUT.
CLOSE VAGINA. NARRAÇÃO.
Ei, abre as pernas, me deixa ver seu bocetão envolto por um monte de pêlos. Já bati mil bronhas, só
falta te comer. É quando?
CORTE PARA CORPO INTEIRO NU DA MESMA GAROTA, DEITADA NO CHÃO, COM AS
PERNAS ABERTAS E CARA DE TESÃO.
3 - EXT. CÉU NUBLADO. CLOSE PÉS ANDANDO NUMA CALÇADA. NARRAÇÃO.
Sábado de janeiro. Tenho 22 anos. Trabalho? Acho que está chegando. Mas hoje é noite de festa. "Eia!
Que é noite de gala!" Mas é só uma festa e tenho que levar um come ou um bebe. Descola 50 paus?
Meu tio descola. Compro uma cerveja e vou.
4 - INT. CLOSE DOS MESMOS PÉS. SOM E LUZES DE FESTA. ELE ESTÁ ENCOSTADO
NUMA PAREDE, COMO SE INTIMIDADO. NARRAÇÃO.
Nada de mulheres. Nada de uma mulher. Ou meninas. Ou garotas. Rola a zona. E sou um dos
responsáveis por ela.
PUNK ROCK. GAROTOS DANÇAM.
5 - BLACKOUT.
INT. ENSAIO DE BANDA PUNK. NARRAÇÃO.
Botei um lenço verde. Botei óculos escuros. Botei meu chaveiro. Fui para o ensaio. Vi meninas
gostosas. Queria comer todas. Voltei, com minha porra fumegante.
6 - INT. RAPAZ DEITADO NA CAMA. CLOSE PÊNIS ERETO. MASTURBAÇÃO. NARRAÇÃO.
Bati uma punheta, mesmo angustiado. Queria te comer, monstro. Montei um monstro. Eram todas elas.
Bato uma punheta, olhando, literalmente, seu jovem corpo, sua pele arrepiada, sua gordinha bundinha.
Sei sua idade. Meu pau, não. Vem transar comigo, vem. Deixe cair as alças de seu vestido. Não gosto
de falar sobre isto. Mas você se olhou no espelho, antes de sair de casa? Ou olhou-se no espelho, para
ver se estaria adequada para mim? Já que é assim... Entre, no meu quarto, com este seu sorrisinho
especialista e, simplesmente, apenas... deixe cair as alças de seu vestido. Não é o melhor que posso falar
sobre você, mas vem aí uma das boas bronhas.
EJACULAÇÃO.
7 - EXT. PÔR-DO-SOL. NARRAÇÃO.
Vocês pensam que eu sou o quê? Um corpo? Eu também pensava. Uma alma? Eu també pensava.
9 - EXT. ÁRVORE CUJAS FOLHAS MOVEM-SE AO VENTO. NARRAÇÃO.
Mas esperei pacientemente por esse dia, quando eu teria a prova de minha existência enão a tive.
10 - EXT. JOVEM CAMINHANDO NA MULTIDÃO, CABISBAIXO.. SLOW. NARRAÇÃO.
Eu cultivei simpatia. Eu cultivei palavras. Eu cultivei aromas. Eu cultivei sêmen. E joguei tudo fora.
Não. Tive que carregar tudo em minhas costas, voltando para casa, cabisbaixo. Não é a primeira vez.
Gostaria que fosse a última. Gostaria que um dia desse certo ou que eu não precisasse mais me
preocupar com esssas futilidades sexuais, quando não haveria mais corpo para sofrer, quando não
haveria mais alma para esperar ansiosamente pelas fêmeas tão lindas e tão cheirosas, com cheiro de
creme rinse, no cabelo, proprietárias das carnes macias que pulam sobre nós. Seus corpos se confundem
em meu cérebro.
11 - INT. JOVEM DEITADO NA CAMA. NARRAÇÃO.
E quando deito em minha cama, cansado, abatido, com a luz apagada, minhas mãos movem-se
desesperadamente e o falso êxtase vem acompanhado de um gemido de agonia. Faz tempo que não sou
mais criançaa. Mas quem é sabe disso? E como as pessoas vão saber? E quando vão saber? E quando as
fêmeas vão conhecer meu lado antropofágico? A que feitiços devo recorrer? Que inteligência devo
usar? Para qual deus devo rezar? Talvez esta noite eu alugue alguma. E quando chegar o dia... Quando
meu nariz for acariciado novamente pelo creme rinse... vou ficar parado, olhando para o vazio. Vazio...
vazio... vazio... vazio...
CÂMERA APROXIMA-SE DA JANELA. QUASE AMANHECER. NARRAÇÃO.
Está quase amanhecendo e já tem gente saindo para trabalhar.
12 - EXT. PESSOAS CAMINHANDO PARA O TRABALHO, PEGANDO ÔNIBUS, ETC.
NARRAÇÃO.
Eu os admiro. Vão, companheiros! Já que é só isso que temos. Inveje as entidades com sua força, sua
capacidade, sua vontade de tentar descobrir, na dor de sua rotina, o prazer final e recompensatório de
tanta vida e tanta miséria e tanta violência e tanta loucura. Não quero dormir. Quero esquecer as
tragédias, quero esquecer os orgasmos, planejar as vitórias e esperar as virtudes. Já viu o lindo som de
cada quarto de hora de um bom carrilhão? Não sei para que serve, só sei que deve lavar minha'alma,
meu corpo.
Amigos! Parentes! Meninas que quero amar! Meninas que quero foder!
13 - INT. BAILARINA MUITO JOVEM NUA DANÇA. SLOW. NARRAÇÃO.
E aí, bailarina tão doce, sabe do futuro? O que seu olhar é, o que seu sorriso é? Talvez queria o que
quero, um beijo, na boca, passeamos sob nossas invejadas árvores e meu corpo é quase todo seu, exceto
o que vai sobrar para continuar sendo seu. Acho que vou entregar meu corpo a você ou a qualquer uma
que passar por aqui. Necessidade biológica. Hormômios invadiram meus ventrículos - porradas.
14 - EXT. ÁRVORE, NUM BOSQUE OU PARQUE, AO VENTO.
15 - INT. CLOSE BEIJO NA BOCA. NARRAÇÃO.
Oh! Universo! Oh! Existência! Sejam bonzinhos conosco; pelo menos, só durante nosso beijo ou alguns
beijos. Não tenham inveja. Eu é que invejo vocês. Tão poetas absolutos!
Manhã de quarta. AInda está escuro. Eu estou contente - viva! Meu braço doía pacas, fiz compressas,
bem devagarzinho, melhorou, antitetânica - furei o pé. Em dois meses, volto à agulha. Foda-se a agulha,
não é nada, perto das manias e dos obtusos - ha, ha!
Que paradoxo antagônico contraditório besta!
Santo Deus!
16 - INT. VELÓRIO DE CRIANÇA. NARRAÇÃO. CÂMERA SE APROXIMA DO CAIXÃO.
NARRAÇÃO.
Ei, santo Deus, há tempos não troco uma idéia com ele. Bem, se tudo é sob sua jurisdição, inclusive a
morte do garotinho, não sou eu que descuto. Se ele não me deixou exterminar metade das pessoas com
meu sobrenome, obrigado, não sou eu que discuto, mas vou fazendo a minha parte. É o cérebro, é o
cérebro. E o cerebelo. E o bulbo. E o córtex. E o hipotálamo. E o sono paradoxal (que nome bonito,
serve numa banda de rock).
17 - INT. JOVEM RECORTA REVISTAS DE MULHER PELADA COM RAIVA. NARRAÇÃO.
Decidi cumprir minhas palavras e, depois, esperem as funções tesourais. Esperem que algumas não
venham! Pela manhã, até que tive impulsos tesourais, mas fui só nas mulheres artificiais que vão fazer
os amigos derrubarem porra, só porra.
18 - BLACKOUT. NARRAÇÃO.
Não tenho pressa.
JOVEM TOMA UM COMPRIMIDO. NARRAÇÃO.
Já tomei remédio.
COME PÃO COM MORTADELA. NARRAÇÃO.
Já comi pão-com-mortadela. Quero chegar em casa só de madrugada, fingir que trabalho, para os
vizinhos não olharem feio a minha mãe. Já dormi e já acordei. Já andei e já andei. Já cansei e bebi água.
Não estou maiúsculo, nem minúsculo; talvez por não estar preocupado com isto. Só sei que dormi
pouco. Amanhã, tenho muita coisa a discutir, como hoje. Só espero não ter que voar sobre um rio
poluído, sabe Deus o que isso tem a haver.
CÂMERA APROXIMA-SE DA JANELA DA COZINHA. NARRAÇÃO.
Novamente, está quase amanhecendo, já saem para o trabalho.
PREPARA CAFÉ NARRAÇÃO.
Estou fabricando um café e vejo que a não vida só se combate com a vida.
Uma vida fodida,cara! Sudorente, uma guerra sem sangue, mas com muito sangue, fodida! Hoje, vi
meninas, mais meninas que quero foder, ou, ao menos, beijar
BLACKOUT. NARRAÇÃO.
Fiquei de pau duro.
CLOSE QUADRIL. ELE BAIXA A CUECA, DEIXANDO PULAR O PÊNIS ERETO. ACARICIA-O.
NARRAÇÃO.
Estou com vontade de amar. Só por culpa dumas musiquinhas? Que merda!
Quanto tempo continuarei andando para esquecer que vivo com vontade de amar? Pelo menos a
vontade de amar me faz esquecer a vontade de matar. Sõ que de tanta falta de amor, tenho vontade,
novamente, de matar a mim mesmo.
Já pensou, eu, aos 95 anos de idade, falando das mesmas coisas? Fazendo os mesmos tipos de poemas?
Outro dia, por acaso, arranjei uma namorada. Passei os trinta dias sem entender. Isto nunca tinha
acontecido, antes. E pensei que nunca aconteceria, até comprar meu primeiro BMW.
19 - EXT. BMW EM CÂMERA LENTA. NARRAÇÃO.
Quando eu teria que resolver este problema: ela namora comigo ou com meu Fábrica de Carros da
Bavária? Ela me deixou, exatamente por isto. Ou quase isto. O cara não tinha um BMW. Mas tinha um
Ômega.
20 - INT. MESMA CENA DA EREÇÃO. MAS AGORA UMA MÃO FEMININA COMEÇA A
ACARICIAR O PÊNIS ERETO. NARRAÇÃO.
Tenho saudades dela. Claro. Tenho vontade de falar com ela. Claro! Eu ainda a amo, porra! Claro. Já
fazem 30 meses e não encostei o dedo em outra mina. Mas uma cáustica dúvida assola meu coração: Já
existia o Ômega 30 meses atrás?
Não é em todo lugar que posso tirar a roupa. Eu tirei na frente dela. Acho que ela achou bacana.
Mudando de assunto porque mudou a música, minha cabeça e pescoço doem. No final, eu deveria
vomitar na cabeça dos animais, meus discípulos, mas vou apenas embora. Caso, interesse, tenho um
grampeador made in USA.
FADE OUT.
21 - BLACKOUT. NARRAÇÃO.
É tão gostoso... ter vontade de cometer suicídio.
22 - INT. CLOSE TESOURA PASSANDO SOBRE UM PULSO. NARRAÇÃO.
Ficar treinando com a tesoura, sobre minhas veias, que depois os legistas examinarão, cuidadosamente.
Não gosto de me inspirar no cheiro do ácido. Gosto de mastigar, sem engolir, chicletes esperançosos
Valda. Desespero? Meter minha cabeça na areia. Ou meter-me num espaço-táxi para Plutão. Vergonha
ou síndrome de abstinência. Fiquei mais preocupado em não ter convulsões ou ataque cardíaco e acabei
encerrando a bronha, bem no meio. Como disse o Nirvana, nem sempre a magia dos verdadeiros deuses
dá certo.
23 - EXT. NOITE. PRAIA. O JOVEM ESTÁ SENTADO NUM SOFÁ, ENTORPECIDO,
ASSISTINDO TV. NARRAÇÃO.
Madrugada de domingo para segunda, tenho sono. Assisto Cine Clube, entorpecido por Rivotril, uma
estranha tranquilidade. Penso... Penso em você... que sabe quem é...
24 - INT. O MESMO ROSTO DA CENA 1. NARRAÇÃO.
Já declarei minha paixão por você. E você nada respondeu... nada respondeu...
25 - EXT. PRAIA. DIA. A GAROTA SE AFASTA. USA UM VESTIDO CURTINHO BRANCO.
NARRAÇÃO.
Não sou louco!
Não sou louco!
Não sou louco!
Não sou louco!
Não sou louco!
Não sou louco!
Não sou louco!
Não sou louco!
Não sou louco!
ELA DESAPARECE NO HORIZONTE. NARRAÇÃO.
Existe amanhã. Existem amanhãs. Deus existe. De tanto que imploro por sua existência.
Não quero mover objetos. Não quero prever o futuro. Não quero falar com espíritos.
26 - EXT. NOITE. MATAGAL. CÂMERA SUBJETIVA. ALGUÉM ANDANDO NO MATAGAL.
NARRAÇÃO.
Quero ter coragem para me embrenhar nesse mato, nessa escuridão, nessa lama, nesses sons
apavorantes, para descobrir você - meu amor.
Estou feliz! Preciso mentalizar isto, até lobotomizar todo o resto. Com sua ajuda, é claro! Porque eu sou
você, apesar das avalanches de neuroses e psicoses, entre nós.
Neuroses e psicoses! Chapéu preto! Óculos pretos! Capa preta! Calças pretas! Bota preta! Ando, no
escuro, tão escuro! Perdi-me e não me achei, nunca mais...
Sol... eu... nuvens... Lua... eu... nuvens... Acordado!
Esta é a oração ou apelo pela existência de Deus.
Quem sabe o Deus de Israel ou o Deus dos cristãos.
O Deus que me apresentaram quando eu era criança.
Deus, se está dormindo, acorde!
Mas como minha voz vai te acordar
Se o som das bombas não te acorda?
Se a voz das crianças agonizando não te acorda?
Se a voz das crianças fuziladas não te acorda?
Bem a como a voz cansada de seus pais?
Esta é a oração ou apelo pela inteligência.
Por sua própria inteligência caso não tenha decifrado a si próprio.
Pela inteligência dos homens, para que não cometam mais crimes, para que exterminem o crime, não os
criminosos.
Ou exterminem os verdadeiros criminossos, empresários,
politicos, já suficientemente ignorantes,
carentes de inteligência, tanto quanto nós.
Mas se eu estiver debaixo de um vulcão em erupção, mesmo tendo cumprido toda minha missão, quem
vai me salvar?
Se meu corpo se perder, entre as lavas,
Serei premiado com o nada ou com a explicação do objetivo da existência?
Sobreviverei eternamente, pelo menos, através de minhas palavras.
Que sejam úteis!
Que sejam úteis até para o Deus de Israel ou o Deus dos cristãos.
Que sejam úteis para os Deuses, caso estas não sejam as verdadeiras palavras dos Deuses!
27 - BLACKOUT. NARRAÇÃO.
Agora deverei falar sobre a vida ou a morte?
28 - INT. BANHEIRO. JOVEM SENTADO NA PRIVADA, EVACUANDO, COM A CABEÇA
APOIADA NAS MÃOS. NARRAÇÃO.
Existe vínculo, entre os substantivos? Oh, Deus, Deuses, seres das estrelas, trancar-me no banheiro,
cagar, tomar banho quente, vir a minha mente a mesma escatologia que exalo e lavo, rotina mórbida,
rotina incansável, cansaço mórbido. Não, meus amigos poetas, náo sou urbano. A Rua São Januário é a
morte e suas faces inoxidáveis e envenenadas. Poderoso fio brilhante, fatiando a um mícron de
milímetro este talvez único cérebro. Minha alma na centrífuga, milhões de tonaladas de pressão, a
filosofia do impossível, numa camisa-de-força. Sobreviverei, eternamente. Construções levarão meu
nome. Quero ser uma delas. Fodida vida! Estou cheio do mais adrenalínico amor em meu coração ou
ele é quem produz testosterona. Se já não bastasse um diferente amor, tenho dores e vou para o
trabalho, daqui a pouco e na verdade é um angustiante amor.
(IMAGEM DO ROSTO DA CENA 1)
Pensei que ela iria perguntar quem eu amava e responder quem ela amava. Eu repondi, sem que ela
tivesse me perguntado. Ela nada respondeu. Nada respondeu.
(IMAGEM DA PRAIA VAZIA)
BLACKOUT. NARRAÇÃO.
EU SOU UMA GOIABA CAINDO NUM POÇO CHEIO DE GROSELHA!
29 - EXT. NOITE. JOVEM SUBINDO UMA AVENIDA. NARRAÇÃO.
Perdeu a caixa de comprimidos que garantia a sua sobrevivência e a dos outros. SERES HUMANOS
NÃO VALORIZAM SUA PRÓPRIA VIDA OU A DE SEUS SEMELHANTES, POR QUE EU
VALORIZARIA? Como resposta, os psiquiatras resolveram derreter seu cérebro. Mas ele perdeu a
caixa de comprimidos! Em pleno Inverno, estrelas congelando sua pele, sua carne, seus ossos, em plena
rua, caminha em direção ao primeiro plantonista, nesta madrugada infernal... QUE TAL UM
TRANSPLANTE DE ALMA? De chinelo, camiseta e bermuda.
(A NARRAÇÃO DESCREVE A CENA. SLOW)
Um BMW encosta ao seu lado. Dentro dele, luzes piscantes e a sugestão: NÃO ESTÁ FRIO, AÍ
FORA? - ESTÁ MUITO MAIS, DENTRO DE MIM. - ENTRE, SEJA BEM VINDO, VAMOS NOS
ESQUENTAR. Banco recostado, com os olhos fechados, seus ossos devastados pela alma perdida, não
fazia a menor id[eia do lugar para onde estava sendo levado, mas sabia muito bem onde chegaria.
VOCÊ QUER MINHAS MÃOS ÁSPERAS, MASSAGEANDO, ACARICIANDO SEU PEITO? Só
ganhou suas unhas como garras, arrancando artérias e veias de seu pescoço. VOCÊ QUER MINHA
LÍNGUA TE ENLOUQUECENDO? Com seus dentes enlouquecidos, comeu um quilo de carne fresca
do corpo quente, matando sua sede psicótica com um litro de sangue... JÁ NÃO SOU MAIS NADA
OU NINGUÉM. Duas horas, numa banheira quente... como a surpresa da inexistência. Deu-se o direito
à última refeição e não era mais importante o desaconselhável álcool do último vinho. AFIEI A
MELHOR FACA, TOMEI SEI LÁ QUANTAS DOSES DO MELHOR UÍSQUE E GARGALHANDO
DE UMA RIDÍCULA DOR, LOCALIZEI MEU CORAÇÃO E RETIREI-O, CUIDADOSAMENTE.
(IMAGEM DO ROSTO DA CENA 1)
(IMAGEM DA GAROTA NUA DE PERNAS ABERTAS)
(IMAGEM DA PRAIA)
Requintes... de requintes... de requinte...
FIM
ROTEIRO CONCLUÍDO EM 04 DE SETEMBRO DE 2004

O DESERTO

Rynaldo Papoy

Escrita entre 17 e 24 de abril e entre 02 e 08 de agosto de 2002

PARTE I

Jesus e Satanás.

Jesus caminha cansado, pois andou dias. Cai, ofegante.

Entra o Diabo, rindo.

SATANÁS - O filho de Deus... abandonado... cansado... faminto... talvez... perdido...

JESUS - Também é o filho de Deus.

SATANÁS - Quem disse?

JESUS - Deus criou tudo.


SATANÁS - Não a mim.

JESUS - Como você é iludido.

SATANÁS - Se ele tivesse me criado, já teria me destruído.

JESUS - Chegará o momento.

SATANÁS - Acho que serei derrotado um dia. Mas não por Deus. Nem por você. Mas antes ainda serei
mais forte.

JESUS - você vive de fantasias, Satanás.

SATANÁS - E quais foram as fantasias que você teve ao caminhar pelo deserto? O que esperava
encontrar aqui?

JESUS - Encontrar você.

SATANÁS - Sou uma péssima tentação. Espere.

(Sai e traz uma cumbuca e um caneco)

SATANÁS - Sede?

(Satanás enche o caneco e bebe água)

SATANÁS - Água?

(Jesus olha com inveja).

SATANÁS - Se me adorar, eu lhe darei um copo d'água. Ou pode transformar essa água em vinho.

JESUS - Muito banal esta tentação. Posso fazer chover se quiser.

SATANÁS - Se me adorar por um segundo eu irei embora da Terra. Não incomodarei mais os
humanos. E não voltarei nunca mais. E tudo o que eu quero é uma palavra, uma reverência. Um
segundo de adoração sua. Apenas um segundo. Ora, Jesus. O que é um segundo perto da eternidade?

JESUS - Eu não serviria para ser um diabo.

SATANÁS - Para ser eu?

JESUS - Ou qualquer diabo.

SATANÁS - Quantos diabos você acha que existem? Diga-me, Jesus: quantas pessoas no mundo
acreditarão que você existiu?

JESUS - Todos os judeus.


SATANÁS - (ri) Pois justamente os judeus não acreditarão em você. Acho que você não serve para
nada.

JESUS - Todos os seres vivos servem para alguma coisa.

SATANÁS - Ah, então você é tão importante quanto o joio, quanto o trigo. Quanto as pérolas, quanto
os porcos. Quanto os paralíticos e cegos?

JESUS - Não, estes são mais importantes.

SATANÁS - Então por que você os cura? Deveria deixá-los pelos cantos, cumprindo seu papel.

JESUS - Sigo a determinação de meu pai.

SATANÁS - Sem questioná-la?

JESUS - Este é o seu papel.

SATANÁS - Ah, Jesus, está me adorando. Está dizendo que meu papel é ser inteligente!

JESUS - A inteligência de Deus não pode ser contestada. Nem pelos homens, nem por Satanás, nem por
Jesus.

SATANÁS - Que maneira simples de resolver um problema. Dizer que não tem solução.

JESUS - Por que criar um problema onde ele não existe?

SATANÁS - Jesus, aqui não há humanos. Somos dois seres alienígenas. Essas duas formigas que
passam perto do seu pé têm mais o direito de estar aqui do que nós. No entanto, somos parecidos com
os homens num ponto: somos dois seres que esperam. Eu espero o dia em que derrotarei a Deus ou serei
derrotado pelos humanos.

JESUS - Você acredita que os humanos têm mais poder do que Deus?

SATANÁS - Sobre mim têm. E é esse o equívoco deles. Esperam que Deus me derrote. Talvez, Deus
tenha me criado para isto: para fortalecer os homens que acabarão me destruindo. E um dia destruirão a
Deus.

JESUS - Isto é impossível.

SATANÁS - E você também espera. Espera a crucificação. Sei o quanto você teme esse momento.

JESUS - Você não tem medo de nada, Satanás?

SATANÁS - Sim. Da solidão. Vivo só desde o início. Por isso quero te conquistar, Jesus. Apenas por
um segundo de sua adoração. E eu desaparecerei do Universo.

JESUS - Esqueça essa fantasia. Esta ilusão.


SATANÁS - Jesus... quantas crianças morrerão queimadas. Esmagadas. Violentadas. Assassinadas.
Milhares, milhões. Porque Jesus recusou adorar Satanás por apenas um segundo. Você já amou, Jesus?
Amou como um homem?

JESUS - Sim.

SATANÁS - Amou uma mulher?

JESUS - Mais de uma.

SATANÁS - (Satisfeito) - Ah! Jesus! Fazendo confidências! O filho de Deus tem desejos carnais!

JESUS - Eu precisaria me sentir como homem. Do contrário, como os alertaria?

SATANÁS - Jesus, eu já o vi caído de bêbado de tomar vinho. Por que as mulheres lhe dão tanto
medo?

JESUS - Eu não tenho medo das mulheres. Minha mãe ainda é virgem E meu pai a ama.

SATANÁS - Está explicado. Você pensa que todas as mulheres são como a sua mãe. Vou lhe fazer
outra proposta, Jesus: Se desposar uma mulher, apenas uma vez, deixarei de ser mau. Libertarei os
humanos de meu sofrimento. Não é difícil para quem vive bêbado de binho e como como porco.

JESUS - Suas tentações são as tentações de minha consciência.

SATANÁS - Às vezes, eu compreendo o que há em seu peito. Também é um ser solitário, Jesus.

JESUS - Eu tenho a meu Deus.

SATANÁS - Mesmo considerando o destino que lhe espera?

JESUS - São muitas perguntas para quem está há tanto tempo no deserto.

SATANÁS - Tome um copo d'água e relaxe.

JESUS - Não quero nada de suas mãos.

SATANÁS - Jesus, você parece não ter personalidade.

JESUS - Por que diz isto?

SATANÁS - Eu não lhe vejo tendo desejos ou atitudes, só sabe ficar xingando seus amigos, "raça de
víboras!", "hipócritas!". Não os orienta de maneira objetiva, não dá explicações racionais.

JESUS - Falo da maneira que entendem.

SATANÁS - Subestimando seus pares, Jesus? Ora, são judeus. São o povo mais inteligente desde os
egípcios. Tão inteligentes quanto os gregos ou romanos. Aqui nesse lugar ninguém sabe ler ou escrever.
Os judeus falam três idiomas!
JESUS - Falo sobre o reino dos céus. Sobre a importância de renascer e deixar os pecados para trás.

SATANÁS - Os judeus querem se livrar do domínio romano. A sua raça não é tão mística, embora um
dia será. Quando você começa a falar, para cada pessoa que pára para lhe ouvir, duas se afastam.
Ninguém nem se importa com seus milagres pois os judeus desprezam doentes e paralíticos.

JESUS - Quero ir embora daqui.

SATANÁS - De onde? Da Terra?

JESUS - Não , do deserto. Só perdi tempo aqui.

SATANÁS - Eu estou perdendo tempo com você.

JESUS - Tem alguém por aí que preciso salvar. E vai valer a pena. Se nos próximos um milhão de anos
apenas uma pessoa cometer um ato de justiçpa inspirada em mim, então terá valido a pena. Eu não peço
muito. Quero que dêem água para quem tem sede. Dêem comida para quem tem fome. Dêem roupas
para quem não tem o que vestir. Dêem abrigo para quem não tem onde dormir.

SATANÁS - Mesmo aqueles intitulados "cristãos" não farão isto. Cristãos fanáticos negarão comida e
abrigo a seus próprios parentes. A seus próprios irmãos. A seus filhos. A seus pais... A Natureza
humana é cruel, Jesus. O homem veio ao mundo para destruir o homem. A alma humana é formada por
cobiça, vaidade, ira, preguiça, inveja, gula e luxúria. Se eliminar estes pílares, o homem desaparecerá da
Terra. Sobrarão apenas animais, como eram antes. Mas Deus deu ao homem a Ciência do mundo. E o
homem achou que era o dono do mundo. E eu nunca precisei fazer nada. Só me diverti às custas da
criação divina. Como me divirto às suas custas, Jesus. Como sempre vou me divertir.

JESUS - Por que você deseja que eu o adore?

SATANÁS - Por vaidade. Por inveja. Por ira. Por cobiça. Por preguiça. Por gula. Por luxúria. Para eu
me sentir humano.

JESUS - Arrepende-se, Satanás?

SATANÁS - Não. Apenas estou cansado.

(Jesus vai saindo)

SATANÁS - Jesus?

(Jesus para e volta-se)

SATANÁS - Eu te amo.

PARTE 2

Momento da crucificação.
Jesus está crucificado no meio do palco. Mas não há cruz.

Satanás entra assobiando.

SATANÁS - Está doendo?

JESUS - Claro.

SATANÁS - Então sai daí.

JESUS - Não posso.

SATANÁS - Não pode ou não quer?

JESUS - Não posso e não quero.

SATANÁS - Por que?

JESUS - Tenho medo.

SATANÁS - Eu sei...

JESUS - Tenho medo de não resistir.

SATANÁS - Jesus, eu tenho um concorrente. Aliás, uma concorrente: a mulher.

JESUS - O problema não é a mulher. É a paixão.

SATANÁS - Ele te conquistou.

JESUS - Cale a boca.

SATANÁS - Jesus apaixonado por um adolescente.

JESUS - A paixão é o fogo do inferno em meu peito.

SATANÁS - Ei, eu não tenho nada a haver com isto. Só sei que João sofre mais do que você. Eu vi a
dor em seus olhos lacrimejantes, quando ele deitou a cabeça em seu peito.

JESUS - Ainda posso sentir o chei o de seus cabelos. (Pausa) Eu queria sentir mais dor. ( Pausa) Eu
vejo nuvens... se aproximando.

SATANÁS - Eu não sei se eu deveria contar isto, mas... eu me disfarcei de homem, uma hora atrás e fui
ao encontro de Maria Madalena. Esta mulher realmente te amava, Jesus. Você sabe muito bem isto. Eu
nunca vi um coração sofrer tanto.

JESUS - O meu.

STANÁS - Ela pensou que eu era você. Eu falei para ela: "Não vou subir aos céus sem te fazer feliz,
Madalena.
JESUS - Por que você fez isto?

SATANÁS - Porque eu sou Satanás. Eu fiz por você o que você sonhou ter feito. Quando acabei eu
disse: "Madalena, você não passa de uma cadela vagabunda!". E joguei para ela, como pagamento, uma
cabeça de porco.

JESUS - É mentira.

SATANÁS - Não é mentira. Sabe qual a resposta de Madalena? "Jesus, eu te amo mesmo assim".

JESUS - (Ri) Agora eu entendo: era você quem gostaria de estar aqui, no meu lugar.

SATANÁS - Posso experimentar?

JESUS - Você quer ser crucificado um pouco?

SATANÁS - Sim. Só um pouquinho.

JESUS - Venha.

Jesus sai da cruz e Satanás fica em seu lugar.

SATANÁS - É terrível. Dói muito. Não dá para respirar. Mas é maravilhoso.

JESUS - Agora saia.

Satanás é expulso da cruz. Jesus volta.

Jesus começa a rir.

SATANÁS - Qual é a graça agora?

JESUS - Eu poderia sair daqui. Mas eu não quero.

SATANÁS - Preguiça? Estamos ficando parecidos com os humanos. Tenho inveja de sua crucificação.
E você tem preguiça de sair da cruz.

JESUS - Não é preguiça. É medo. De repente, perto do fim, eu comecei a me sentir humano. Fui vítima
de paixões.

SATANÁS - Luxúria.

JESUS - Eu estava pensando. Será que eu cometi algum erro?

SATANÁS - Sim. Você achou que estava acima dos humanos quando estava abaixo. Depois, quando
ficou por cima, achou que estava por baixo.

JESUS - Foi quando ela descobriu que me amava.


SATANÁS - Saia daí e permita que ela cuide de você.

JESUS - Eu cuidei de tanta gente e o que eu ganhei em troca...

SATANÁS - Pode ter certeza que nesse ponto você terá seguidores. O que você queria em troca, Jesus?

JESUS - Eu pensei que mais pessoas viriam a minha crucificação. Até agora não apareceu ninguém.

SATANÁS - Vaidade. Como não apareceu ninguém? Eu sou o quê?

JESUS - Queria que viesse ao menos alguém de minha família.

SATANÁS - Jesus, eu sou toda sua família. Aliás, eu sou o primogênito.

JESUS - Então você admite que Deus o criou?

SATANÁS - É mas é pior. É pior um filho rebelde que um invasor. E com sua crucificação, eu vou
herdar tudo isso. Como eu imaginava antes.

JESUS - Nignuém vai herdar isso. Deus não vai morrer nunca.

SATANÁS - Pois eu tenho certeza que vai.

JESUS - Quando você comeu Madalena, você se sentiu humano?

SATANÁS - Não. Fazer sexo com uma prostituta vagabunda através do logro não tem a menor graça.
Eu deveria era seduzir a sua mãe. Virgem. Santa. Pura. Não sei nem para que Deus mandou um filho
seu a Terra se ele tinha Maria para resolver tudo. E sendo ela mulher e judia, muito mais pessoas a
ouviriam. Uma vez eu visitei sua mãe.

JESUS - Ela me contou. Ela imadiatamente te reconheceu e ofereceu um pão e uma xícara de chá.

JESUS - Minha mãe é demais.

SATANÁS - É a segunda vez que sou derrotado. Tobias queria que eu casasse com a filha dele.

JESUS - (Ri) "Jesus, eu te amo mesmo assim". (Ri). As nuvens estão cada vez mais próximas.

SATANÁS - Posso ficar na cruz mais um pouquinho?

JESUS - Não.

SATANÁS - Por favor, só mais um minutinho.

JESUS - Se me adorar, eu deixo você ser crucificado em meu lugar.

SATANÁS - Mas eu já disse que eu te amo, porra.


JESUS - Você disse que me ama com o objetivo de eu te adorar. Eu quero que você me adore e fique do
meu lado.

SATANÁS -Tá, eu fico do seu lado. Cai fora daí.

JESUS - Por que eu não acredito que você esteja sendo sincero?

SATANÁS - Você não tem escolha. Eu sou Satanás. Eu não sei o que é dizer a verdade.

JESUS - Você já reparou que tem gente que nunca fala a verdade?

SATANÁS - É mais fácil mentir. Mas a verdade é como um lava vulcânica. Por exemplo, você é a
verdade mas eu também sou. E sendo o homem a mentira... (repara nas nuvens) veja só as nuvens!

JESUS - Estão carregadas de energia. Será uma tempestade cruel, devastadora.

SATANÁS - Estou sentindo o cheiro de chuva. Enquanto você se lembra de paixões não realizadas.
Saia daí.

(Jesus é expulso da cruz e Satanás toma seu lugar)

SATANÁS - Correspondidas mas não realizadas. Aproveite. Vá atrás deles. Vá atrás de Madalena e de
João. Enquanto é tempo. Vá agradecer sua mãe. Diga que você não seria nada sem ela. Vá agradecer
seu pai. Agradeça toda instrução que ele te deu.

(Jesus sai)

SATANÁS - Deus! Eu te ajudei a criar o Universo. Te ajudei a criar a Terra. Te ajudei a criar os
animais. E você não me ajudou a criar o homem. O homem foi feito a minha imagem e semelhança. E
você roubou a minha criação.

(Jesus volta e toma o lugar de Satanás)

SATANÁS - E aí?

JESUS - Eu encontrei Madalena. Depois, João.

SATANÁS - (Ri) Ah! Eu pensei que você encontraria João primeiro. O que aconteceu?

JESUS - Você jamais saberá.

SATANÁS - Jesus, me conte, por favor.

JESUS - Não.

SATANÁS - Eu sinto o cheiro dos dois.

JESUS - Eu também.

SATANÁS - Eu sinto um terceiro perfume. Que eu desconheço.


JESUS - É meu próprio perfume, imbecil.

SATANÁS - Não entendo. Não, na verdade, eu entendo. Você se tornou humano!

JESUS - Agora eu posso morrer.

SATANÁS - Não! Jesus, não morra!

Jesus morre.

Satanás ajoelha-se a seus pés.

fim

O CÉREBRO NA BANDEJA E O HORRENDO DO FUTURO DUVIDOSO

Você está me vendo? Eu estou te vendo. Estou vendo sua carne, que vai morrer. De que vale sua
vida? Qual o sentido de sua vida? Você é um animal.
Um simples animal,
Sem a menor importância.
Somente sua espécie vai ser catalogada.
Seu macaco!
Você só nasce,
Só cresce,
Só se reproduz,
Só envelhece
E morre.
Talvez, não cresça.
Talvez, não se reproduza,
Talvez, não envelheça,
Com certeza, vai morrer.
E vai apodrecer.
E pode nascer
E já começar a apodrecer.
Você gostaria que eu exterminasse sua podridão,
Agora mesmo?
Seria tão simples,
Tão singelo,
Tão banal,
Tão prático.
Bastariam minhas mãos.
Seus excrementos escorreriam por meus dedos...
Ou uma faca afiada
Retirando seu coração
Ou meus dentes afiados
Devorando seu rosto.
Por que você não merece?
Você não é a favor da pena de morte?
Quantos abortos você fez?
Quantos insetos você mata, todos os dias?
Você se acha mais relevante que eles?
Como você é medíocre!
Como você é estúpido!
Como você é animal!
Animal!
Animal, como eu!
Nossa defesa é a própria morte!
Quero defender-me da escatologia de sua existência!
Eu cago coisas parecidas com você, todos os dias.
Depois, eu limpo a bunda, suas reminiscências,
E olho para seu retrato.
Ele me pergunta:
- E aí, rapaz, cadê a mulher de sua vida?
Não deveria estar te acariciando, a esta hora?

II

Vamos levantar de nossos caixões?


Vamos levantar de nossas cinzas?
Alguma dor de cabeça?
Os caras me meteram a serra elétrica,
Não se importaram nem um pouco.
Não se importaram em saber se eu era irmão deles?
Não se importaram que eu era igual a eles?
Vocês tratam igual às minas com quem transam?
Vocês vão meter as serras em seus próprios crânios?
Entrei na salinha,
Na revelação das fotos dos cômicos corpos.
Os cômicos corpos que esqueceram de descobrir a origem do Universo.
Que esqueceram de descobrir como evitar a destruição do mesmo.
Suas razões transmigraram para os insetos adequados?
Morrer... morrer...
Matar... matar...
Matar-se... matar-se...
Perguntemo-nos e debatamos
Sobre o assunto?
Ou vamos entrevistar
Os fluídos divinos,
Vagando pelo corpo,
Após acharmo-os,
Dificultosamente?
Alguém sente a labareda ainda?
Alguém massageia seus DNAs?
Tem psiquiatra para o DNA?
Tem remedinho para o DNA?
Porra!
Meu coração voou pela chaminé do crematório!
Vai se apaixonar por quem, agora?
Pelo ozônio?
E depois que o ozônio se foder também?
Meu coração vai se dividir em bilhões de partículas,
Vai cada uma para uma estrela,
Vou, despercivamente,
Amar o Universo todo,
Até que as partículas se
Multipliquem e eu atinja,
Diretamente, os buracos negros...
Não vão ser páreo?!
Não vão nem se atrever!
Levantarão os braços,
Lembrar-me-ão dos braços da mulher que eu amava,
Que deveria agora estar me acariciando.

III
Amarrado, no leito de um hospital.
Também... nem quero sair daqui.
Estou todo podre.
Mas gosto que venham as enfermeiras e médicas e me arrebentam todo,
Me abrem todo,
Me furam todo,
Me costuram todo
E me enfaixam todo.
Suas mãos em mim é só e é tudo o que quero.
Mesmo profissionais e frias,
Elas treinaram em mortos
E têm, diante de si,
Esse indigente existencial para cuidar.
Será que duro?
Quantas horas,
Ou minutos ou segundos?
Parece que não está sobrando nada.
Pera aí, meu,
Não descobri o segredo do Universo, nem o método de como evitar sua destruição...
Não tenho filhos,
Não vou transmitir-lhes o legado da miséria
De minha esquizofrenia.
Oh, que ótimo!
Há uma possibilidade.
Meus órgãos vão para outros animais
E alguns vermes vão comer as moelas.
Antes que reclamem, isto não é
Plágio, é citação.
Ou, homenagem,
Porra, estou querendo que os humanos desistam
E estou homenageando nêgo.
Sou ou não sou um psicopata?
Ah... Tem um meio-comprimidinho
Fazendo playcenter no meu tutano.
Não é só isso, não.
Estou vendo os nadas repetitivos.
Batendo porradas de punhetas.
Ainda bem que estou no biombo.
Os outros felizardos não me vêem
Com a mão no meu pau,
Em busca do jato da porra
Para o alto, embelezando tudo,
Aqui, em volta.
Deixo para vocês, pobres imortais,
A parte mais útil e inútil de meu corpo.
O quê? Corpo!
Ora, corpo! Reflexão sobre essa partícula infinitesimal que a mulher da minha vida não mais
acaricia.

IV

Não me deixaram matá-la.


Não me deixaram trucidá-la.
Não me deixaram comer sua carne.
Não envenena, não. É ótima para a saúde.
O gosto eu sei.
Quantas vezes bebi meu próprio sangue?
É só morder os lábios.
Morder a língua.
Sinto meu próprio gosto.
É o gosto de todo mundo.
Maior delícia!
Da mulher da minha vida...
Ela cortou o dedo e eu fiz a assepsia com minha própria saliva.
Ou fui eu que não me deixei comer sua carne?
Porque eu a considerei importante, perante o Universo.
Porque ela merece ser, diariamente, condecorada com a plenitude da existência efêmera.
Não é efêmera! Não é efêmera!
Se fosse, não seria!
Não estamos aqui? Então, estamos! Vou fazer o que tiver que fazer.
O comprimidinho está dizendo que não como sua carne porque não quero que comam a minha.
Será mesmo? Será que não está à disposição?
A dor ou o prazer? Cadê o prazer?
Que venha a dor!
Porra, meu, comecei falando de homicídio psicopata e já estou na antropofagia cósmica.
Depois disto, vem o quê?
Estou no meio da podridão.
Podridão! Que, meu! É uma vida niilista! Anti-vida. Já falei isto trocentas vezes.
Tem uma que não é mais humana. É um inseto que não tenho coragem de exterminar, apesar do
impulso, e tenho pena! Minha missão é torná-la um general.
Morrer, por uma boa causa. Defendendo seu país, sua anti-família.
Morrer por desistência... acho que se não fossem os mils volts, já teria apressado o processo.
Se é que ela quer. Eu e você também não estamos na mesma jangada, ou seja, aquela merda de
paralelepípedo?
Só queria mesmo era a mulher de minha vida, acariciando-me com seu atencioso corpo,
cumprindo sua tarefa tão bonita.

Matar.
E aí? Matar.
É uma vontade.
Naturalmente. E por que a vontade? Sei lá. É o que os comprimidinhos, no tutano, tentam
decifrar.
Um distúrbio neurológico?
Uma lesão cerebral?
Uma célula alienígena, em meu cérebro, tipo vírus de computador, fazendo carnaval em meu
mega-poderoso cérebro?
Psicopata escreve a melhor peça de teatro de sua vida, o monólogo terapêutico, catártico, que
talvez chama-se “O Cérebro na Bandeja”?
Eu só faço perguntas? Vou falar um pouco.
Um dia, perto do fim de minha carreira, eu estava com a mulher de minha vida, no Parque
Ibirapuera, ela me acariciou o tempo todo. Fiquei viciado. O remedinho é ridículo, perto do Ibirapuera.
Depois, subi uma rua, perto da represa de Guarapiranga. Tinha uns eucaliptos e vi a represa.
Meu, que coisa fenomenal.
Um segundo de vida é suficiente. Sonho com isso.
Desde que a represa não fique ácida, nem os eucaliptos, cáusticos.
Pensarei: uma vida por uma visão refrescante?
Você está entendendo essa porra dessa peça? Será capaz de explicar a seus amigos?
E a morte? Veio aqui para entendê-la?
Bem, eu poderia dizer que, hoje, não há nada além. Não há como evitá-la.
Por menor que seja a vida, tente gozá-la. Se tiver um grão de arroz, coma!
E se vamos ver o dia da imortalidade? Vamos! Assim como vimos o que foi feito, até agora. O
que eu vi, o que você viu. O que eu sofri e gozei e você, idem.
Você está aqui para entender a psicopatia? A mania pelo homicídio?
Ô, cara, nem eu consigo.
Deve será guerra entre a razão e os impulsos animais.
Que tal a razão pura? Já pensou? Que tal o elogio da razão pura? E o animal? Faça-o esquecer a
agressividade, chame alguém como a mulher da minha vida, que me acariciava, acariciava, acariciava...

VI

Parece que meu animal não tem mais nada a dizer.


Parece que estou com sono. Não! Eu estou com sono.
Estou com vontade de ler “Grande Sertão: Veredas”. Mas tenho medo, pois o livro é medonho.
“Eu queria ser mais do que eu”.
Queria dormir, ouvindo, suavemente, uma música clássica, bem gostosa e relaxante, ou
relaxante, ao contrário. Estimulante a minha tranqüilidade.
Estou sempre escrevendo, morrendo de sono.
Nesta interpretação, não posso ter sono.
Serpa que está melhor ou pior que o começo da peça?
Você gosta de monólogos? Nunca vi um satisfatório. Deve ser melhor para quem escreve do que
para quem lê ou vê.
O problema é que o animal já dormiu.
Posso imitar um cachorro. Daqueles pastores alemães que localizam cadáveres. Fiz uma cena
assim, outro dia, como laboratório.
Posso ler um poema. Daqueles bem bobinhos.
Depois, vou fazer xixi. Não terminei de bater a punheta que eu iniciei, vendo a sacanagem do
Carnaval.
Resolvi gostar de Carnaval. Para ter o quefazer, no Carnaval. Claro. Não tenho dinheiro para
viajar. E é uma chance de conhecer o lixo cultural do povo. Os limites pré-instintivos da cultura.
Fiz até uns desenhos. Vou montar uma exposição. Não será aquela puta exposição, mas eu
nunca fui puta porra nenhuma.
Ah! Você quer ouvir falar em morte, hein? Em homicídio! Em psicose! Em sangue. Em ossos,
saindo fora do corpo, com vida ainda! Mais mórbido, impossível!
Eu sou palhaço, cara? Funibrismo é difícil, aqui. Talvez, amanhã. Ou daqui há pouco. Ou na
hora em que eu matar alguém por aqui; aparentemente sem motivo nenhum.
Assim como a mulher de minha vida, que se mandou, não me acariciou mais, não me bateu mais
punheta, não me beijou mais. Eu dormia sem fantasmas, só com suas mãos, no decorrer de meu corpo,
carícias!

VII

Os remedinhos estão acalmando o animal.


O animal que estava a fim de devorar toda sua família.
Puta merda, porque os órgãos humanos para mim, não são simples flores?
Flores do campo. Uma aqui, outra ali, outra, acolá. Eu olho para elas, acaricio, beijo. Só toco.
Nem tenho vontade ou coragem de movê-las ou amarrá-las.
Tem uma pessoa aqui, ao lado. Já pensou se eu cato uma faca afiada ou meus dentes afiados e
transformo-a em, absolutamente, nada? E nem é.
O remedinho está me acalmando. E minha razão também, quebrando o pau com o animal.
É outra que deverá ser um general. Mas não, agora. Não há nada a fazer. Só estou escrevendo e
vomitando o absurdo sentimento.
Ódio, sempre houve. Mas, até aí... Se fosse assim, não sobraria ninguém, no planeta.
E depois, amanhã, tem mais remedinhos.
Não tenho mais medo. Sou forte pra caralho!
Lavei minha casa. Ficou mais bonita que as células de meu cérebro. As alienígenas ficaram com
medo.
Tem muita gente morrendo, por aí, cara. Quer aumentar o extermínio?
Quer ser um vírus da AIDS humanos? Lute!
Lute! Lute! Lute!
Seu nome vai ficar gravado, nem que seja na lápide ou na árvore ou nos livros.
Não pode negar que está melhor que antes. Bem, você ao médico ontem-ontem.
Amanhã tem mais...
É tão emocionante. Me metem na tomografia, na ressonância magnética. Mils caras falam
comigo.
E você nem sabe o que sente. Vá pegar agora uma faca, a melhor de todas, meta no coração
delas!
Que nada, você, na verdade, não tem a menor vontade. Você só queria fazer algo, agora.
Cadê o anarquismo? Você não era anarquista? Anarquista não vê o ser humanos como o
elemento principal da existência? Você se lembra.
Mesmo que a mulher de sua vida não esteja mais aqui, te acariciando, vão pintar outras! Você
sabe que sim.

VIII

Que chance tenho de ser eu mesmo?


Meus pés: vários pares de meias bonitas, alguns tênis e sapatos bacanas e massagens gostosas.
Minhas pernas: calças bonitas ou banhadas de Sol ou de água, numa praia gostosa. E massagens
gostosas.
Meus quadris: cuecas novas e bonitas ou sungas bonitas ou mesmo, se nada, numa paradisíaca
praia naturista e até na água e uma mulher me massageando, acariciando e o resto que vocês já sabem.
Minha barriga e tórax. Camisetas e blusas bonitas, um estômago agasalhado por uma boa
comida, uma boa ginástica, um bom esporte, pulmões limpíssimos e as carícias, os beijos dela.
Meus braços: quase tudo igual. Mas eu não teria interesse em apertá-los em seu pescoço ou
enterrar em sua barriga. Só gostaria de retribuir tudo o que fez por mim.
Eu sou capaz. Sempre. Só estou passando por uma fase incompreensível, com esse ridículo
cérebro provisório. Não tem muita coisa a ver comigo, só está metendo pau nesse monólogo, me
irritando.
Confio no remedinho. Já que correntes, correias, cadeados, nada disto é suficiente para mim.
E o poder pavoroso de minhas palavras?
E o poder pavoroso de meus ossos e minha carne e minha pele?
E meu olhar horrendo?
E o horrendo do futuro duvidoso?
Até mesmo eu tenho medo. E é o que me dá medo. O que mais me dá medo.
O horrendo do futuro duvidoso. Que tal mudar o nome para “O Horrendo do Futuro Duvidoso”?
Ou usar os dois nomes.
Deixei por último meu crânio. O que vai ser serrado, quando eu morrer. Vou estar morto
mesmo.
Vão ter o privilégio de analisar meus cérebros, meus múltiplos cérebros, quem sabe não jogam
futebol com ele ou vôlei ou peteca ou vão esfregar no pau e na boceta e no cu vão jantá-lo. Tudo bem.
Foi útil. Será útil.
A mulher de minha vida não quis ser legista para brincar também.

IX

Tinha um menino. Um menino que era meio mais ou menos. Ele tinha dúvidas testiculares.
Um dia, me arrastou para o fundo da casa onde eu morava.
Era uma casa onde eu morava, não sei se isso tem a ver.
Fiquei amedrontado, mas fui. O que ele fez?
Baixou a cueca e virou de costas. E baixou de novo e disse: “Vem, Dinho”, falou.
Tinha um ano a mais que eu e eu só tinha nove.
E, acredite, por meses, acho que passou de um ano, ele não deixava de se encostar em mim e um
dia tive de ir à casa dele , dar um recado para sua avó, a mando da minha.
No meio do caminho, peguei uma chuva.
A chuva ou tempestade veio intensificar meus não-pensamentos sobre o moleque. Ele queria dar
a bunda para mim e eu ficava de pau duro. Mas era só ele.
E sempre foi só ele. E atravessei o campo enlameado de seu quintal, nervoso. Eu estava sentindo
que tinha chegado o dia, não sei porquê.
Acho que pela excitação da chuva.
Eu cheguei na casa e sua avó me mandou ao chuveiro. Só que ele já estava lá.
Comecei a ficar calmo porque não havia nenhuma sombra de veadagem ali, só estávamos
tomando banho.
- Não tem medo de tomar banho, quando chove? – perguntou.
- Eu não. – respondi.
Só me lembro disso. E qual não foi nossa surpresa, principalmente a sua, quando ele olhou para
meu pipi.
Meu pipi estava duro.
Era duro de excitação, mas estava carregado, lotado, abarrotado, caindo pelas bordas de
nervosismo.
Meu coleguinha virou as costas e dançou a bunda sobre mim. Me sentou na privada e dançou e
dançou. Estava até doendo.
Foi só isso.
Brinquei muito mais com outras meninas. Lembrei disso porque um dia vivi a mesma coisa com
a mulher da minha vida. Só que introduzi todo meu pau no cu dela e gozei. Nunca a amei tanto!

Você continua me vendo?


Tenho dificuldade em vê-lo.
Tenho dificuldade em ver sua carne, mas vejo e sei que vai morrer, como a minha, como a de
qualquer ser vivo. Como a do planeta Terra e o Universo, talvez.
De que vale sua vida?
Sua vida vale sua vida, se você fizer valer. Se valer a vida dos outros. Se eu valer a sua vida.
Qual o sentido de sua vida? Sua vida, apenas? Um dia a humanidade vai ser alguma coisa. Acho
que aliás sempre foi.
Às vezes dá preguiça. Às vezes quero que se foda. Às vezes tenho ódio mortal. Às vezes, quero
assumir sua alma, à moda do Drácula e outros personagens vampirescos.
Ela se mexe, vigorosamente e extremamente ruidosamente. Tem gente que não agüenta. Eu
pouco me fodo. Não agüento sua anti-existência. Precisa de um band-aid, mertiolate, sei lá.
Um simples animal.
Quer mais que isso? Quer ser Deus o quê?
Sem a menor importância?
Leia Henry Thoreau, meu.
Tome comprimidinhos, meu!
Tire um ano de férias, em Itaparica, saia todo dia, na praia, nade, vai que tem uma gostosa que
sai de dentro d‟água e vocês fodem.
Quando – se - eu sair daqui, depois de amanhã, vou ligar para uma mina e tentarei, por uns
segundos, a arte da conquista, se é que existe, no meu caso. Alguns segundos.
Depois, é só dizer: então, que se foda!
Peraí, é só isso, meu? Nessa idade, se comporta como um psicopata?
Psicopata! Psicopata! Seu ridículo!
É tão bom ser macaco! Qual a espécie mais divertida? Gorila? Orangotango? Homem?
Nascer, crescer, reproduzir-se, envelhecer, morrer... Amanhã ou daqui há pouco, estou
preocupado. Hoje acho engraçado. Ou pelo menos, estou pouco me fodendo para esta merda toda.
Te ajudou? Eu tentei.
XI

Mil anos se passaram. Dominamos as dimensões e criamos outras.


A Federação da Via Láctea sempre esteve em paz.
A previsão de que duas inteligências no Universo entrariam em guerra, como entraram em
guerra todos os planetas onde surgiram mais de uma inteligência, não foi realizada.
O homem espalhou-se pela galáxia e está espalhando-se pelo Universo.
Hoje em dia, essa é a única coisa que posso dizer. Não sou capaz de me deter sobre nenhum
outro assunto.
Fiz uma viagem ao passado.
Encontrei nossos ancestrais pré-históricos, digladiando-se pelo domínio do planeta.
Homo sapiens contra Neanderthais.
Como se sabe, o Homo sapiens venceu.
Saí à rua atrás de um carro de churros.
Os churros brasileiros são bem melhores que os mexicanos.
Aqui, há setecentos recheios diferentes e oitocentas coberturas diversas.
Mas ainda vou para o México, se vou.
Não para comer churros.
Talvez coma.
Vou para conhecer mesmo, deve ser um país muito interessante.
Subirei nas pirâmides, se subirei.
Antes cuidarei de meus dentes. À noite, os mais podres incham e me tiram do sério.
Pela manhã, quando me preparo para extraí-los no posto de saúde da prefeitura mais próximo,
param de doer.
Então desisto.
Pois já tirei dentes demais da minha boca e queria salvar os últimos.
Mudando de assunto, faz tempo que não vejo minhocas ao vivo.
Vocês sabiam que as minhocas têm quatro testículos?
Ao lado da rodovia, há um reflorestamento.
Parei meu carro, desci e caminhei por entre os eucaliptos.
Um quilômetro adentro, detive-me frente a um cristal brilhante, suspenso e girando no ar.
Tinha uns dez centímetros de diâmetro.
Lembrei-me que alguém havia me contado uma história semelhante certa ocasião, mas não
acreditei.
Eu não sabia o que fazer com o cristal.
Como aquele cara contou, eu deveria pegá-lo em enfiar na minha testa?
Minha hesitação deve tê-lo deixado impaciente, pois subiu e desapareceu no céu azul.
Sentei-me no chão, encostado a uma das árvores.
Esperei o tempo passar.
Eu não tinha pensamento algum.
Um velho cão vira-lata aproximou-se, sem me dar atenção e fez um cocô fedorento. Depois, o
cão também subiu e desapareceu no céu.
Mas nesse momento, o céu já estava nublado.
A tarde caía e o vento frio aumentava.
Escureceu totalmente e começou a chover.
Caminhei de volta para meu carro.
Entrei nele e continuei a viagem.
Pensei: toda estrada é sem fim.
Pois após uma estrada, há outra estrada.
No fim das contas, todas as estradas do planeta são uma só.
Cheguei a meu destino, a máquina do tempo da Universidade, escondida em local secreto a qual
só uns poucos têm acesso.
Eu tenho por ter sido o co-autor da teoria que a criou.
Serei o voluntário da nova experiência, o vírus espaço-temporal, que tentará mudar a história.
Serei o voluntário para mudar a minha própria história, sem alterar o restante da história da
humanidade, exceto daqueles com quem convivi e que tiveram suas vidas afetadas por mim,
obviamente.
Antes de entrar na máquina, vou comer um churro.

FIM

LÍVIO NICOLAU E A MORTE

Um rapaz de 27 anos sentado à mesa. Uma vela acesa.


LÍVIO NICOLAU – Boa noite. Meu nome é Lívio Nicolau. Nenhum de vocês viu até hoje alguém
chamado Lívio. Já viram Lívia. Mas Lívia é derivado de Lívio. Assim como Tito Lívio, historiador
romano que escreveu “História de Roma”. Já leram? Eu ainda não. Más já vi a obra completa, lá no
Sebo do Messias, na Praça João Mendes. Vocês já foram lá? É legal. Tem milhões de livros
interessantes. Comprei vários livros lá. Jack London, Álvares de Azevedo, Tomaz Antônio Gonzaga,
Bocage, Gore Vidal, Vinícius de Moraes, Charles Buckowiski, Ovídio, John Milton, Castro Alves,
Mary Shelley, Érico Veríssimo, Will Durant, Umberto Eco, João Ubaldo Ribeiro, Thomas Mann,
Guimarães Rosa, Rubem Fonseca, Esopo, Cruz e Souza, Stephen King, Dorothy Parker, Carlos
Gerbase, Franz Kafka, Patrick Süskind, Gabriel Garcia Marques, Carl Sagan, Lima Barreto, Edgar
Wallace, T.S. Elliot e – ufa! – Ralph Ellison.
Entra a Morte.
MORTE – Boa noite, com licença, posso entrar?
LÍVIO – Quem é você?
MORTE – Sou a Morte, tudo bem?
Morte cumprimenta Lívio.
LÍVIO – Morte? Esse é seu nome?
MORTE – Sim. Por que está achando estranho?
LÍVIO – Mas é seu nome mesmo ou é apelido?
MORTE – É meu nome. Qual é o problema?
LÍVIO – Que estranho. Nunca vi ninguém com esse nome.
MORTE – Por que só existe uma pessoa chamada Morte, que sou eu mesma.
LÍVIO – O que deseja?
MORTE – Vim te buscar.
LÍVIO – Tem mandado?
MORTE – Quer mandado? Vou buscar. Não vai fugir, hein?
Morte sai.
LÍVIO – Era só o que faltava. Chega qualquer um, fala que é a Morte e já quer ir me levando. Bem,
como eu estava dizendo, comprei vários livros no Sebo do messias. Muitos outros além desses. É que
vendi todos os meus livros até uns anos atrás. Acho que foi em 1992. Vendi todos os meus livros e
todos os meus discos. De lá para cá. Venho recomprando, mas raramente compro um cd, por exemplo,
de algum disco que já tive. Um exemplo foi o cisco “Closer”, do Joy Division. O disco foi gravado em
1980. Eu tinha nove anos, mas só comprei o LP em 1990. Vendi em 1992 e comprei o cd em 1997. Só
que o cd não tem a música “Love Will Tear Us Apart”. E é a música que mais gosto. Eu e todo mundo.
Morte volta.
MORTE – Com licença. Aqui está o mandado.
LÍVIO – Você conseguiu mesmo hein?
MORTE – Pode se aprontar? Você tem quinze minutos.
LÍVIO – Não tenho nada para pegar. Senta aí. Já que temos quinze minutos.
MORTE – Ah, obrigada. Com licença.
LÍVIO – Você é tão educada.
MORTE – Educação não ocupa espaço. Posso tomar um copo d‟água?
LÍVIO – À vontade.
Morte serve-se de água.
LÍVIO – Mas então, Morte? Há quanto tempo você é a Morte?
MORTE – Há quinze bilhões de anos.
LÍVIO – Nossa, mas você parece tão jovem.
MORTE – Sempre apareço na mesma idade da pessoa que vou levar. Você gosta de comida chinesa?
LÍVIO – Gosto.
MORTE – Então espere aí. Eu vou comprar um frango xadrez. E um yakisoba. Você gosta?
LÍVIO – Adoro.
MORTE – Já volto.
Morte sai.
LÍVIO – Voltando aos discos, eu comprei mais um do Joy Division. “Still”. Metade são músicas que
parecem de fita demo e metade são ao vivo. Interessante. Principalmente a primeira músicva, “Exercise
One”. Mas eu também já tive muito discos de bandas brasileiras.
Morte volta com duas caixas de comida chinesa.
MORTE – Aqui está.
LÍVIO – Ah, que beleza. Como a Morte pode proporcionar um momento tão gostoso numa noite
destas?
MORTE – Não vai achar que é alucinação, hein?
LÍVIO – Mesmo se for, eu estou adorando.
MORTE – Eu ouvi você falando de bandas brasileiras.
LÍVIO – É. Eu estava dizendo que já tive vários discos de bandas brasileiras.
MORTE – Por exemplo?
LÍVIO – Bem, já tive do Raul Seixas. Uns três discos. Talvez quatro. Tive até aquele com o Marcelo
Nova. Depois comprei discos do Paralamas do Sucesso. Não muitos. Só uns dois. D Legião Urbana tive
vários. Só deixei de comprar uns dois ou três.
MORTE – Você aguardaria um minutinho que eu vou fazer xixi?
LÍVIO – Aguardo.
MORTE – Você quer que eu traga meu xixi para você.
LÍVIO – Você pode trazer?
MORTE – Posso.
LÍVIO – Quero. Quero sim.
MORTE – Tá. Só um minutinho.
Morte sai.
LÍVIO – Bem, Enquanto aguardamos o xixi da Morte, vou continuar falando sobre livros. Gosto muito
do Jack London. Jack London, Henry Thoreau e Walt Whitman e também Herman Melville foram os
precursores da literatura beat. Só que Herman melville era muito chato e os beats são sempre simples,
espontâneos. Mas eles conheciam bem Herman Melville, Jack London, Walt Whitman, Henry
Thoreau…
Morte volta com um copo de xixi.
MORTE – Aqui iestá. Enchi um copo de xixi para você. Bem amarelinho.
LÍVIO – Oba. Joa aqui no frango xadrez.
Morte joga o xixi na caixinha.
MORTE – Pronto.
LÍVIO – Hum, que delícia. Totalmente ácido.
MORTE – E não é só isto. Eu não limepei a xoxota. Quer passar a mão?
LÍVIO – Posso?
MORTE – Claro.
Morte levanta o vestido e Lívio passa a mão em sua xoxota.
LÍVIO – Obrigado.
MORTE – Eu que agradeço.
LÍVIO – Você tem uma xoxota tão gostosa.
MORTE – Gentileza sua. Quer saber de uma coisa? Eu gostei de você. Vou deixar você aqui mais um
pouquinho. E volto depois, está bem?
LÍVIO – Ah, não precisa se incomodar comigo.
MORTE – Não, não é incômodo nenhum. Mais tarde eu volto, tchau.
LÍVIO – Tchau.
Morte sai.
LÍVIO – Quem imaginou quea Morte seria tão gentil e até me pagaria um frango xadrez e não apenas
isso. Me daria seu xixi paracolocar no frango. Alguém aceita o frango xadrez? Ah, quepena! Já acabou.
O yakisoba também. Voltando ao Jack London, parece que só dois livros foram publicados, no Brasil.
O “Chamado da Floresta”, que também foi traduzido como “Grito da Selva” ou “O Chamado
Selvagem”, entre outros títulos. É que o título em ingl~es tem o sentido de “grito”, por culpa do último
capítulo do romance. “Call of the wind” tem múltiplos significados. “Wild” pode ser selva ou selvagem,
mas também pode ser o aspecto selvagem do próprio ser. Acho que a tradução mais correta seria
“chamamento Selvagem”, mas parece meio estranho em português.
Morte volta.
MORTE – Oi, cheguei.
LÍVIO – Já?
MORTE – “Já”? Eu demorei horas.
LÍVIO – Que estranho. Pareceu um minuto.
MORTE – É assim mesmo. Quando se espera a Morte, horas parecem minutos. Às vezes.
LÍVIO – Gracinha. Tá pensando que é o Gil Vicente?
MORTE – Eu vou chamar um táxi e já venho.
LÍVIO – Essa Morte não para quieta. Entra e sai toda hora. Bom. O outro livro publicado no Brasil foi
“Caninos Brancos”. Acho qe é uma coletânea de contos. Mas Jack London escreveu mais um monte de
contos. Só de romances foram 22. A Daughter of the Snow, The Cruise of the Cazzler, The Sea-Wolf,
The Game, White Fang, Bewfore Adam, The Iron Feeel, Martin Eden, Burning Daylight, Adventure,
John Barlycorn, The Abysmal Brute, The Valley of the Moon, The Mutiny of the Elsimor, The Scarlet
Plague, The Star Roven, The Little Lady of the Big House, Hearts of Three, Chemy [The Eyes of
Asia]. O primeiro é de 1902, quando o autor tinha 26 anos. Quase a minha idade. E o último foi
publicado dez anos depois que morreu, 1926. Ficou incompleto. Foi terminado por sua mulher,
Charmine London. Além desse, houve outros três romances póstumos. Jack London escreveu muito
contos. Publicou vinte livros. Os três últimos são póstumos.
Morte volta.
MORTE – Caramba, aqui não passa táxi.
LÍVIO – Eu tenho aqui o telefone de um ponto de táxi, você quer?
MORTE – Quero. Mas agora eu vou esperar um pouco. Cansei de ficar de pé lá fora. É... você estava
falando sobre bandas de rock brasileiras.
LÍVIO – Ah, sim... onde eu parei? Bem, depois eu comprei vários discos dos Titãs. Comprei dois dos
Ratos de Porão, dois dos Garotos Podres, dois dos Replicantes, um do Sepultura. Um do DeFalla.
MORTE – DeFalla?
LÍVIO – É. O primeiro disco. Bem legal. “Sobre amanhã ainda nem pensei/Sobre amanhã ainda nem
pensei...”
MORTE – Essa música é legal. Cadê o cartão do taxista?
LÍVIO – Está aqui.
Lívio retira o cartão do bolso.
MORTE – Tem orelhão aqui perto?
LÍVIO – Tem um aí na esquina.
Morte sai.
LÍVIO – Acho que ele está perdendo a paciência. Do que eu falo agora? Passsou-se quase uma semana
e eu não escrevi nada. Esta peça está tão estranha. Vamos ver se a partir de agora fica mais interessante.
Alguns de vocês ou todos vocês devem estar se perguntando porquê o cenário dessa peça é uma mesa
com uma vela. Meus amigos já sabem, porque assistiram o ensaio. O problema é o seguinte: cortaram a
luz. E a água. E acabou o gás. E não tenho comida, nem dinheiro nem nada. E fui abandonado por
todos. Será que é por isso que a Morteveio me buscar? Mas por que a Morte é tão educada, tão polida?
Jamais alguém imaginou que a Morte fosse uma pessoa tão gentil. Outra coisa engraçada é que não
apareceu nenhuma luz. Nem meus avós ou meus tios. E depois que a Morte me levar? Quando algum
parente meu morrer eu também aparecerei: “Oi, parabéns, como você se sente? Morto? Você está
morto, é claro. Que pretende fazer agora? Reencarnar, ficar vagando pelo bosque ou ditar mensagens a
nossos outros parentes no cérebro do Chico Xavier? “Ah, mas que besteira. Acho que a Morte não é
nada. Quando eu atravessar por essa porta acho que vou desaparecer do Universo para sempre.
MORTE - Lívio. O táxi já está esperando.
LÍVIO – É mesmo?
MORTE – É, vamos. Ele já ligou o taxímetro.
Morte pega na mão de Lívio.
LÍVIO – Não, eu não vou não.
MORTE – Vamos, a corrida vai ficar muito cara.
LÍVIO – Não, não, não, não. Eu não vou não. Vai vocÊ.
Morte – Não posso ir sozinha. Eu posso ser demitida.
LÍVIO - Ah, depois de quinze bilhões de anos?
MORTE – É, é assim mesmo. Nós trabalhamos quinze bilhões de anos e eles nos mandam embora sem
mais nem menos.
LÍVIO - E quem é o seu chefe?
MORTE – Lívio, o táxi não vai esperar mais, você vai ver.
Morte vai olhar o táxi. Volta.
MORTE – Olhaí. O motorista não esperou. Viu o que você fez?
Morte senta à mesa.
MORTE – O que vou fazer agora?
Morte chora.
LÍVIO – É mentira. Você é a Morte mas é uma mulher. Está chorando só para me comover. Ah, não
fica assim, Morte.
Lívio chega perto da Morte e a acaricia.
LÍVIO – Está bem. Eu vou com você.
MORTE – Ainda chorando. – Não adianta mais. Já passou da hora.
LÍVIO – Passou da hora? Como?
MORTE – Hoje não dá mais tempo. Agora só amanhã.
LÍVIO – Por quê?
MORTE – O Veleiro de Cristal já foi embora.
LÍVIO – Ah, então é verdade? Quando morremos, vamos para o céu num Veleiro de Cristal?
MORTE – É.
LÍVIO – E as velas são de quê?
MORTE – Hein?
LÍVIO – As velas do veleiro de cristal são feitas de quê?
MORTE – Não sei... Acho que de cristal também.
LÍVIO – Que conversa fiada. Você só fala besteira. Pensei que você, na qualidade de Morte, fosse uma
pessoa sensata, erudita, arquiloquente.
MORTE – Arqui... o quê?
LÍVIO – Não, nada não. Você já levou pessoas tão importantes, tão inteligentes, teve a chance de
enriquecer seus conhecimentos mas não aproveitou.
MORTE – É que toda vez que eu levo alguém, a pessoa fica falando besteira.
LÍVIO – Igual a clientes de cervejarias?
MORTE – Mesma coisa.
LÍVIO – Eu estou sendo diferente, não?
MORTE – Não.
LÍVIO – Bom, eu não sou o Voltaire ou o Albert Einstein, eu não tenho nada interessante para falar
mesmo. Ah! Faz tempo que eu queria te perguntar. Lá no céu ou sei lá como você chama o lugar para
onde leva os mortos, tem Enseada FM?
MORTE – Tem o quê?
LÍVIO – ENSEADA FM?
MORTE – Não, por quê?
LÍVIO – Porque eu me sentiria menos morto se tivesse.
MORTE – Não, sinto muito.
Lívio – Está mais calma.
MORTE – Um pouco.
LÍVIO – Você não quer fazer xixi de novo?
MORTE – Ainda não, por quê?
LÍVIO – Porque eu queria passar a mão na sua xoxota cheia de xixi.
MORTE – Só serve cheia de xixi?
LÍVIO – De preferência.
MORTE – Olha. Põe a mão. Vou tentar fazer um pouquinho de xixi.
Lívio põe a mão e Morte faz força.
MORTE – Pronto.
LÍVIO – Bem quentinho. Delícia.
MORTE – Por que será que todo mundo que eu vou levar gosta do meu xixi e passar a mão na minha
xoxota cheia de xixi?
LÍVIO – Acho que é porque retornamos à infância.
MORTE – E daí?
LÍVIO – E daí que... sei lá.
MORTE – Porque você não faz xixi e me dá? Ninguém nunca fez isso comigo.
LÍVIO – Tá bom. Espere aí. Por que você não faz um monólogo?
Lívio sai.
MORTE – Ser não ser ou não ser não ser. Eis a questão número um. Alternativa a: ser. Alternativa b:
não ser. Alternativa c: torcer pelo Corinthians. Alternativa d: assistir “Chiquititas”. Alternativa e:
montar um grupo de pagode. Vamos refletir sobre as alternativas. A: ser. Por que ser? Por que pergunta-
se se ser é uma alternativa? Ser é a única possibilidade? Como não sou filósofo, vou resumir.
[Lembrem-se que levei todos os filósofos e eles só falaram besteira. Mesmo que falassem suas
filosofias, para mim seria só besteira. Como pode uma profissão que só interessa aos mesmos
profissionais? Afinal, a filosofia só interessa aos filósofos]. Como eu dizia, não há alternativa a ser.
Alternativa b: não ser. Não ser é diferente de recusar ser. Tá dando para entender? É que não ser só é
possível depois de ser. É inclusive o único destino para o ser. Mas os humanos ainda debatem se deve
ser ou não ser. E alguns desejam não ser, muitos porque têm baixíssimo colesterol no sangue, de acordo
com a Revista Superinteressante. Agora, vamos às alternativas mais importantes. Alternativa c: torcer
pelo Corinthians. Difícil. A torcida do Corinthians deve ser a que menos cresce no Brasil. Pelo Brasil
inteiro eu vejo torcedores de tudo que é time, Flamengo, Vasco, Cruzeiro, Atlético, Palmeiras, São
Paulo, Grêmio, Internacional, Santos, Portuguesa. Menos Corinthians. É um time que não empolga, mal
administrado, sem craques. Saudade do Corinthians de Sócrates, Casagrande. E mais recentemente,
tivemos o time que venceu a Copa do Brasil e o Paulista. 1995. Viola, Elivelton, Ronaldo, Silvinhio,
Souza, Marcelinho, Henrique. O que é o Corinthians hoje? Temos eleições esse ano e parece que nada
vai mudar. Mais uma alternativa: letra d. Assistir “Chiquititas”. Eu até assistiria, não fosse a Flávia
Monteiro. Alternativa e: montar um grupo de pagode. É aparentemente fácil. Junte seus amigos. Invente
musiquinhas de corno. Fique no palco balançando para lá e para cá. Ou pode chamar uma garota com
cabelo descolorido, bunda grande e que goste de mostrar o cu. A vida anda bem reduzida, não?
Uma carta voa no palco.
MORTE – O que é isso?
Morte lê a carta:
MORTE – “Querida Morte. Estou numa praia muito gostosa e sossegada. Apesar de ser inverno,
quando faz um solzinho eu vou a praia. Sim, sou eu mesmo. Lívio Nicolau as suas ordens. Aproveitei
que fui ao banheiro e fugi. Acho que aqui você não vai me achar. Portanto, estou livre da Morte”. Ah é?
Ele vai ver.
Morte sai.
Lívio entra.
LÍVIO – Tudo o que faltava era não ter luz aqui também. Estou livre da Morte. Graças a Deus. Serpa
que Deus é o chefe dela? Já fazem seis dias que estou aqui. Às vezes, é bom estar longe da Morte. Mas
às vezes eu sinto sua falta. Sinto vontade de estar com ela novamente. Essa praia no inverno e sem
dinheiro é tyão deprimente. Não há nda a fazer. De dia, quase ninguém vai à praia. À Noite escra,
silenciosa e fria, ninguém sai à rua. E quando está mais frio e com uma garoa, é a desolação total.
Parece o Inferno congelado da “Divina Comédia” de Dante Alighieri. Eu queria que hoje não fosse
hoje. Não sei se eu queria que eu fosse eu. Eu já tenho 27 anos e até agora o que eu tenho? A grande
imprensa nunca falou de meus livros. Uma nota sequer? Nem isto. Eles falam de Eric Hobsbaum e não
falam de mim por quê? Porque não publico por uma grande editora? Ou talvez porque eu não seja tão
bom quanto Eric Hobsbaum. Mas eu sou escritor. Pela primeira vez estou decididio a, quando
perguntado sobre minha profissão , dizer, escritor. Vou falar o quê? Que eu sou garçom desempregado?
Não, é melhor falar que sou escritor mas não tenho tido muito lucro. Chique isso, não?
MORTE – Oi.
LÍVIO – Assusta-se. – Meu Deus!
MORTE – Desculpa. Eu não queria assustar você.
LÍVIO – Como foi que me descobriu?
MORTE – O selo do Correio.
LÍVIO – Ah, como sou burro! Puta que pariu!
MORTE – Freud explica. Inconscientemente, você queria que eu aparecesse.
LÍVIO – Eu sei.
MORTE – A casa na praia é igualzinha a sua casa em São Paulo.
LÍVIO – Cortaram a luz aqui também.
MORTE – Já descolou uma paquera.
LÍVIO – Já. A menina tinha uns 200 kg e uma boca do tamanho da boca de uma baleia.
MORTE – Que horror. Como você é preconceituoso.
LÍVIO – Ué? A vida inteira, quando eu andei na praia, as garotas me analisaram, me dissecaram na
areia. “Olha o cabelo dele, olha a corcunda dele, olha como é branquelo. Olha a bermuda, que ridícula.
Que chinelo de débil mental que ele usa”. Aqui mesmo , nessa praia, uma garota me disse uma coisa
que eu não vou nem repetir porque vão me chamar de convencido.
MORTE – Por que não foi para Caraguatatuba?
LÍVIO – Não é Carnaval.
MORTE – É verdade.
LÍVIO – Nunca é Carnaval. E nunca será o mesmo Carnaval. Mas a pior coisa que eu ouvi foi da minha
própria mulher. Ela disse que eu não era bonito e tinha o pinto pequeno. Isto não foi terrível. Terrível é
que eu nunca falei o que eu realmente pensava dela.
MORTE – Por que duas pessoas que não se curtem vivem juntas?
LÍVIO – É uma pergunta interessante.
MORTE – Responda.
LÍVIO – Não. Deixe para lá.
MORTE – Vai. Responde. Todo mundo quer saber.
Lívio diz algo ininteligível.
MORTE – O quê? Fale mais alto.
LÍVIO – Ela punha perfuminho na cama.
MORTE – E você?
LÍVIO – Levava-a para comer sushi.
MORTE – Resumindo: você gostava dela porque ela colocava perfume na cama. E ela gostava de você
porque a levava a restaurantes japoneses.
LÍVIO – Isso. Está correto.
MORTE – Sabe. Acho que a Morte é mais interessante.
LÍVIO – Mas tudo mudou quando nasceu minha filha.
MORTE – Mais especificamente, ela mudou. Foi morar com a filha na casa dos pais, em Minas Gerais.
E você saiu do emprego, teve a luz, o gás e a água cortados. E logo será despejado.
LÍVIO – Como sabe tudo isto?
MORTE – Eu sou a Morte, esqueceu? Cadê meu xixi?
LÍVIO – Espere aí.
MORTE – Não. Vai ter que fazer xixi aqui mesmo.
LÍVIO – Eu tenho vergonha.
MORTE – Vergonha? Eu deixei você passar a mão na minha xoxota.
LÍVIO – Olha para lá, então.
MORTE – Não. Eu quero olhar.
LÍVIO – Droga.
Lívio tenta fazer xixi num copo.
LÍVIO – Não consigo.
MORTE – Faz uma força.
LÍVIO – Impossível. Não sai nada.
MORTE – Você depilou os pelinhos?
LÍVIO – Ei. Está olhando o quê?
MORTE – Responde. Depilou ou não depilou?
LÍVIO - Não. Eu só aparei um pouco.
MORTE – Para quê?
LÍVIO – Não sei. Para ficar mais bonito.
MORTE – Que besteira.
LÍVIO – Você nunca depilou sua xoxota?
MORTE – Já. Mas mulher é diferente. Pêlo é anti-higiênico. E é feio também.
LÍVIO – É feio quando começa a crescer nas pernas e chega até o umbigo.
MORTE – Você não gosta de uma xoxota bem depiladinha, não?
LÍVIO – Adoro.
MORTE – Mas homem depilado é ridículo. Coisa de travesti.
LÍVIO – E aí? Já que você viu o meu pipi, acha que ele é pequeno?
MORTE – Mole não dá para saber.
LÍVIO – Ah, não?
MORTE – Não. Às vezes, pinto pequeno mole é maior do que pinto grande mole.
LÍVIO – Orra, você entende de pinto, hein?
MORTE – Entendo. Eu tenho uma grande afeição por pintos. Eu já fui pintomântica.
LÍVIO – Pintomântica?
MORTE – Sim. Eu lia o futuro no pinto. Naquelas artérias que tem na pele do pinto. Eu lia o futuro ali.
Mas eu desisti. O futuro dos homens era sempre o mesmo.
LÍVIO – Qual?
MORTE – A Morte.
LÍVIO – Eu já ia pedir para você ler o meu pinto. Existe xoxotamancia?
MORTE – Não. Clitorismancia.
LÍVIO – É mesmo? Eu queria ser um clitorimântico. Ginecologista e clitorismântico. Depois de
examinar a mulher, eu leria o futuro em seu clitóris.
MORTE – Os homens têm essa fantasia de ser ginecologistas. Mas depois de um tempo acabam
acostumando e não aguentam mais ver xoxotas.
LÍVIO – Será que as meninas ficam mais nervosas ao ir em ginecologista homem ou mulher?
MORTE – Homem.
LÍVIO – É que uma vez eu fui em um dermatologista porque eu estava com micose na virilha. O
médico ficou pegando no meu pinto e a sensação foi terrível. Mas se fosse mulher, será que eu ficaria
com o pinto duro na mão dela?
MORTE – Fantasias, fantasias, fantasias...
LÍVIO – Já chegamos à metade da peça. E agora?
MORTE – Não sei. Só sei que você tem que vir comigo. Vamos?
Morte segura em sua mão.
Lívio a puxa e a abraça.
MORTE – Que foi?
LÍVIO – Preciso te contar uma coisa.
MORTE – O quê?
LÍVIO – Você sabe que meu nome é Lívio Nicolau.
MORTE – Sei.
LÍVIO – Bem, é só isso.
MORTE – Até parece. O que você quer falar?
LÍVIO – Eu vi aqui duas estrelas-do-mar.
MORTE – Sim?
LÍVIO – Iguais a Cecília.
MORTE – Cecília?
LÍVIO – Sim. Aquela que era uma estrela-do-mar. No Carnaval do ano passado.
MORTE – Ah, sei. Eu lembro.
LÍVIO – Uma delas está dormindo no quarto. Venha ver.
Vão ao canto do palco.
MORTE – Mas é tão novinha. Tem até espinhas. É uma estrela-do-mar adolescente.
LÍVIO – É. Poderia ter trazido aquele cd do Radiohead mas eu acho que ela esqueceu. E depois, até
agora ela só quis assistir desenhos.
MORTE – Mas você está pensando o quê? Você tem 27 anos e ela? Nem 17.
LÍVIO – E daí? Quando minha mãe conheceu meu pai, ele tinha a idade dela e meu pai, 37 anos.
MORTE – E deu no que deu.
LÍVIO – Mas eu não estou pensando em casar com ela. Nem ter filhos. Ainda não.
MORTE – Mas que recaída. Você estava mais durão até ontem.
LÍVIO – Estou solitário e carente agora.
MORTE – Não é só isso. Você se diminui frente a estrelas-do-mar bonitas. Por isso que só corre atrás
de estrelas-do-mar feias e gordas.
LÍVIO – Qual é a origem disso?
MORTE – Sua irmã e seus amigos destruiram sua alto-estima quando você entrou na adolescência. E
você não se acha interessante por não ter carro nem telefone nem casa própria e nem sente orgulho de
seu pai. Na escola, os pais de seus amigos eram engenheiros, advogados, médicos, empresários...
LÍVIO – O pai do César Utimura era produtor de comerciais.
MORTE - ...e seu pai era o quê?
LÍVIO – Ele não dizia. Ele não gostava de dizer sua profissão. E às vezes, não declarava ter filhos.
MORTE – Você acha que tem alguma chance com a estrela-do-mar?
LÍVIO – Não sei. Tanto faz. Você vai me levar mesmo.
MORTE – Você não deixa. Toda vez que eu vou te levar, você recusa.
LÍVIO – Eu até queria ir, mas eu tenho receio.
MORTE – Do quê?
LÍVIO – Do que existe depois da Morte.
MORTE – Eu não sei, mas...
LÍVIO – Como não sabe?
MORTE – Não sei, porque eu coloco as pessoas numa repartição e as deixo lá. Não sei o que acontece
depois. Mas não deve ser tão ruim. Lá não tem o Paulo Maluf nem o Celso Pitta, por exemplo.
LÍVIO – Por enquanto.
MORTE – Depois que os humanos morrem, ficam todos iguais. Igual antes. O que você acha da idéia
de que você, o Maluf e o Celso Pitta são descendentes dos mesmos organismos eucariontes?
LÍVIO – Pelo amor de Deus! Pelo menos eu evoluí. Se você atriz, você faria campanha para o Paulo
Maluf?
MORTE – Igual a Helen Helena?
LÍVIO – Sim. “Eu não apenas trabalho para Paulo Maluf. Eu voto em Paulo Maluf. Com muito
orgulho!”
MORTE – Não. Eu sou a Morte, mas eu tenho ética.
LÍVIO – Sei, sei. Eu vi as pessoas que você leva.
MORTE – Eu recebo o nome da pessoa e levo. Não sou eu que defino quem deve morrer.
LÍVIO – Olha. Vamos embora. Isto aqui está muito chato.
Saem.
Entram.
MORTE – Chegamos.
LÍVIO – Aqui é igual a minha casa e a casa na praia.
MORTE- Esqueci de tirar a mesa. Espere aí.
Morte retira a mesa.
MORTE – Agora é só esperar que o seu pai vem falar com você.
LÍVIO – Meu pai?
Morte sai.
Lívio anda.
LÍVIO – Que lugar será esse? O céu, o purgatório, o inferno? Não estou me sentindo leve. Estou me
sentindo igual a antes. Parece que estou morto?
Morte volta e beija Lívio na boca.
MORTE – Deu vontade.
Morte sai.
LÍVIO – Ela poderia ter vontade de fazer outras coisas.
Morte volta com um papel.
MORTE – Lívio Nicolau. Lívio Nicolau.
LÍVIO – Aqui.
MORTE – Você é Lívio Nicolau? RG 29.150.328-9?
LÍVIO – Sim.
MORTE – Qual o nome de sua mãe?
LÍVIO – Morte, para que tudo isso?
MORTE – Qual o nome de sua mãe?
LÍVIO – Marcélia Nicolau.
MORTE – Pode assinar aqui?
Lívio assina em dez vias.
LÍVIO – Cadê meu pai?
MORTE – Não sei não.
LÍVIO – Morte, para que eu assinei em dez vias?
MORTE – Ah, esqueci de falar. Você vai reencarnar num pastor evangélico.
Sistema de som: “Agora,com vocês, na Rede Cospel de Televisão, Pastor Jeroboão Rubinstein”.
LÍVIO – Com uma Bíblia.Boa noite! Muito obrigado pela audiência. Nós já somos a maior rede Cospel
do Brasil. Está bem. Eu sei que é a única Rede Cospel do país, mas mesmo assim, a audiência está bem
alta. Está maior que a Rede Morte, maior que a Rede Saravá, maior que a Rede Nirvana e estamos
quase perto do canal do Jóquei. Só mais um pouquinho e vamos bater o Jóquei. Hoje vamos falar de um
assunto que eu quase nunca falo aqui: Deus. Deus, o nosso Deus. Nosso único Deus. Porque Deus é o
nosso Deus. E não há nenhum outro Deus. Deus, o Divino Deus. Deus, na qualidade divina de sua
divindade, é o Deus todo-poderoso. O nosso Deus. O único Deus. O Deus dos Deuses. O maior entre
todos os Deuses. Deus: aquele que está lá em cima e é nosso Deus. É o Deus que nos olha quando
precisamos de Deus. Este é o nosso Deus. E é o que eu tenho a dizer sobre nosso Deus, que é Deus.
Agora, vamos falar sobre o mandamento divino mais importante: Não usar o nome de Deus em vão.
Não usar o nome de Deus em vão. Repete várias vezes. E não usando o nome de Deus em vão, não
estaremos usando o nome de Deus em vão. Porque é um grande pecado, o maior de todos, usar o nome
de Deus em vão. Não usar o nome de Deus em vão, não usar o nome de Deus em vão [várias vezes].
Repete primeiro parágrafo.
SISTEMA DE SOM: E agora, com vocês, num oferecimento de Chinelos Deus, “Fala que eu dou um
jeito”, com o pastor das multidões famintas, Jeroboão Rubinstein.
LÍVIO – Boa noite! Aqui estamos nós em mais um campeão de audiência das madrugadas frias e
geladas, no programa de maior sucesso da televisão brasileira, depois do Chaves, eu sei, “Fala que eu
dou um jeito”.
O telefone para você ligar está no vídeo: 0900 0900 0900. A ligação custa apenas R$ 7,50 a cada trinta
segundos e no final do programa você vai participar do incrível sorteio desse saleiro. Não é qualquer
saleiro, é um saleiro da marca Deus, das Indústrias Deus, aquela que patrocina esse programa.
Indústrias Deus – Aquela que não usa o nome de Deus em vão.
0900 0900 0900 – Ligue Djá!
Temos alguém na linha. Aloluia!
SOM – Aloluia, Pastor.
LÍVIO – Quem está falando, em nome de Deus?
SOM – Pastor, meu nome é Maria Joaquina da Silva. Eu estou com o carnê em dia.
LÍVIO – Não, dona Maria, esse é outro programa. Você ligou para o programa “Fala que eu dou um
jeito”.
SOM – Eu sei, Pastor. É que a mulher que atendeu falou que só pode participar quem estiver com o
carnê em dia.
LÍVIO – Tudo bem. Qual é o seu problema, dona Maria, em nome de Deus, fala que eu dou um jeito.
SOM – O problema, pastor, é que eu acho que o meu marido está possuído pelo demônio. Todo o dia
ele chega em casa, tira a roupa, quer fazer sexo comigo em qualquer lugar da casa. Até na hora que eu
estou dormindo ele acorda e quer fazer sexo. Antes de trabalhar de manhã ele também quer fazer sexo.
LÍVIO – O dona Maria, pelo amor de Deus. Se isso é estar possuído pelo demônio, você deveria dar
graças a Deus por seu marido estar possuído pelo demônio. Vamos à próxima ligação. Aloluia, quem
está falando, em nome Deus, fala que eu dou um jeito.
SOM – Aloluia, Pastor. Meu nome é José Serafim de Oliveira. O problema é o seguinte, já fazem oito
meses que eu estou desempregado e até agora não arrumei nenhum serviço.
LÍVIO – Me diz uma coisa, José, você já saiu para procurar emprego?
SOM – Não... ainda não.
LÍVIO – Olha, seu mané, primeiro você vai procurar emprego e depois me procura, tá bom? Cada uma!
Aloluia...
SOM – Aloluia, Pastor. Deus te abençoe, em nome de Deus.
LÍVIO – Desembucha, em nome de Deus.
SOM – Pastor Jeroboão, eu vou falar para o senhor. Eu não sei o que há comigo. Eu tenho muita
vontade de fazer sexo com outro homem. Desde criança eu tenho esse desejo. Eu não posso ver outro
homem que eu sinto uma vontade de tirar roupa dele, chupar seu corpo todinho. Serpa que é um
problema espiritual, pastor? Agora tem um novo vizinho que vive me olhando, me comendo com os
olhos, eu nem consigo dormir mais. Eu passo o dia inteiro pensando neste homem. O que eu faço,
pastor? Me ajuda por favor.
LÍVIO – Quer saber, rapaz? Vai dar o cu logo e pára de me encher o saco!
Morte entra.
MORTE – Sr. Lívio Nicolau. Lívio Nicolau.
LÍVIO – Não, eu era Lívio Nicolau na outra vida, agora eu sou o pastor Jeroboão Rubinstein.
MORTE – Houve um engano. Você não deveria ter ressuscitado como pastor evangélico.
LÍVIO – Mas por quê? Eu já comprei até um carro importado.
MORTE – Não senhor, pode voltar para a repartição e aguardar chamada.
LÍVIO - Ah, saco!
Lívio sai e volta.
LÍVIO – Eu estava achando tão legal ser um pastor evangélico. Eu iria explicar para vocês o que
significa a frase “O homem se tornou como um de nós”.
Morte entra.
MORTE – Senhor Lívio Nicolau. Lívio Nicolau.
LÍVIO – 29.150.328-9 e minha mãe se chama Marcélia Nicolau. Onde eu assino?
MORTE – Trouxe o DARF?
LÍVIO – DARF? Para quê?
MORTE – Para reencarnar.
LÍVIO – Eu nem sabia disso.
MORTE – É, sem o DARF não dá para reencarnar outra vez. Próximo!
LÍVIO – Que próximo? Não tem ninguém aqui. Não dá para dar um jeito? Não que eu esteja louco para
reencarnar, mas se de repente você me faz reencarnar num jogador de futebol muito famoso, até vai ser
legal.
MORTE – É, dá para dar um jeito sim.
LÍVIO – Quando morre?
MORTE – Quanto você tem aí?
LÍVIO – Deixa eu ver... Seis reais e trinta e cinco centavos, três passes de ônibus de Guarulhos, um vale
refeição, duas fichas telefônicas e uma camisinha.
MORTE – Tá bom. Pode reencarnar.
LÍVIO – É foda, pagar para reencarnar. E eu vou reencarnar no quê?
MORTE – Deixe-me ver. No seu pai.
Morte sai.
LÍVIO – No meu pai? Putz. Não acredito.
Lívio sai.
A partir desse ponto, a atriz que interpreta a Morte passa fazer o papel de Lívio Nicolau, enquanto o
ator de Lívio Nicolau faz o papel de seu próprio pai.
MORTE – Pela primeira na minha vida cheguei primeiro que meu pai. Enquanto ele não chega, vou ler
um poema para vocês que acabei de escrever.
“Eu sonhei que encontrava no México
Uma garota que conheci em Ribeirão Preto.
E no mesmo dia
Sonhei que a Estrela-do-Mar
Enfim queria me beijar
E depois pensei:
„Lívio Nicolau e a Morte‟
Será considerada obra de um gênio?
Quando acordei, procurei a meu redor
A menina de Ribeirão
E também pensei:
Não é assim que meus amigos
Fazem poesia.

México. Que lugar louco.


Mas tinha um perfume cítrico.
Era uma rodoviária
E eu quase só falei em espanhol.
Logo encontrei quem?
A menina de Ribeirão.
Que me acolhei a seu apartamento.
E voltamos a viver uma incrível história de amor.
Hoje tive só o nada desta praia.
A Estrela-do-Mar é uma visão caótica e apoteótica.

Não gosto de escrever poesia em dois dias.


Porque num dia é paixão total,
No outro, agonia deprimente e ódio
Mortal.
Hoje é o que outra vez?
Parque Continental I.
Parque Continental Zero.
E a menina de Lower Saxony
Escreve uma carta azul.
Como será que ela é?
E sou poeta novamente
E deverei ser pela terceira vez
E depois pela quarta vez.

A prece do silêncio é sábia.


Fiz o certo.
Continuarei fazendo.
Como se minha caixa craniana
Fosse um mosteiro zen-budista.
[Este poderia ser meu fim
E também amanhã,
Quinta feira].

Que mais? Que mais?”

Lívio entra.
LÍVIO – O que está fazendo aí?
MORTE – Já cheguei. Pode aguardar um minuto? Lembrei o verso que ficou faltando.
“Às 7 da manhã
Andei pela rua
Sob o breve Sol
E pensei:
Queria perdoar a todos,
Como se eu vivesse a
Vida após a morte
Antes da morte.”

Mais ou menos isso. Pode continuar.


Por não gostar da proximidade do filho, o pai de Lívio [interpretado pelo mesmo ator que faz o Lívio]
vai se afastando, enquanto Lívio [interpretado pela atriz que faz a Morte] vai se aproximando.
Chegará um momento em que o pai de Lívio cairá do palco.
LÍVIO – Por que está com o cabelo preso?
MORTE – Acabei de lavar. Se eu soltar, vai ficar deste tamanho.
LÍVIO – Mas pega mal, vão falar o quê? Que me filho usa cabelo preso?
MORTE – Deixa assim mesmo. Da próxima vez, eu venho com o cabelo solto. Recebeu meu livro?
Recebi mas pelo amor de Deus. O primeiro poema acabou com o livro.
MORTE – É verdade. O poema. O poema é só a verdade.
LÍVIO – Não é a verdade. É uma nojeira. Tive vontade de vomitar. E ainda fez poema com nome de
homem.
MORTE – Não é nome de anjo. É um nome de um anjo ou nome bíblico.
LÍVIO – Mas você deve convir que estas coisas pegam mal.
MORTE – Para mim ou para você?
LÍVIO – Não tem outro tênis?
MORTE – Tenho, mas eu gosto deste.
LÍVIO – Que é isto. Está parecendo um estivador. Deste jeito vai arrumar emprego numa carvoaria.
MORTE – Não estou desempregado. Engraçado que há tempos sinto cheiro de mato queimado. Mato
queimado mesmo, não maconha. Aliás, era outro verso que ficou faltando no poema. Eu passei no
concurso da Prefeitura. Vou ser funcionário público.

LÍVIO – Como você conseguiu?


MORTE – Eu prestei o concurso e passei em primeiro lugar.
LÍVIO – Mas como? Impossível.
MORTE – Por que você não acredita?
LÍVIO – Você nunca foi inteligente.
MORTE – Por que diz isso?
LÍVIO – Quando você estava na primeira série, escreveu uma redação sobre seu pai, dizendo que era
moreno e tinha olhos pretos. Com certeza, mas com certeza, copiou de algum colega porque não era
capaz de fazer uma simples redação sobre uma coisa tão simples.
MORTE – Pô, eu estava na primeira série. E depois, se eu não sabia como era meu pai, é porque você
só aparecia em casa duas vezes por ano. E eu conseguia ficar contente. E eu também entrei na faculdade
de publicidade.
LÍVIO – Para quê? Você não tem talento para ser publicitário. Inclusive eu tinha conseguido uma carta
para você se candidatar a vendedor numa loja de sapatos. Fica com a carta. Pode ser que você não passe
no teste psicotécnico da prefeitura.
MORTE – Ah, pai, que coisa deprimente.
LÍVIO – Está deprimido? Eu vou levar você na Igreja de São Judas Tadeu.
MORTE – Preciso contar uma coisa. Você vai ser avô.
LÍVIO – Você vai ser pai?
MORTE – Não. Minha irmã.
LÍVIO – Eu não quero nem saber. Um dia em cheguei em casa e as irmã estava saindo à noite com um
rapaz.
MORTE – Ele não é o pai. É outro rapaz.
LÍVIO – Vamos processá-lo por sedução de menores.
MORTE – Pai, o rapaz tem 17 anos e a minha irmã, 19. E ela está precisando de emprego.
LÍVIO – Eu poderia indicá-la para o escritório mas se ela não se casar não vai dar. Eu não vou sair por
aí dizendo que minha filha é mãe solteira.
Vão se afastando até que Lívio [seu pai] cai do palco.
MORTE – É possível dizer algo positivo para os filhos?
LÍVIO – Só o que sei é que você só me procura quando precisa de dinheiro. Você é igual sua mãe.
MORTE – Que dinheiro? Você acha muito este dinheiro que me dá?
LÍVIO – Sua irmã ainda mantém amizade com aquela japonesinha lésbica?
Morte sai.
LÍVIO – E a sua irmã não é minha filha. É filha do gerente do supermercado onde sua mãe trabalhava.
E quando eu conheci sua mãe, eu estava interessado na amiga dela. Eu não tenho 67 anos, eu tenho 57.
E meu aniversário não é 12 de outubro, é 29 de setembro. Você deve falar um nome diferente para cada
mulher que encontrar. Para que pagar plano de saúde? É só chegar cedo na Santa Casa e esperar ser
atendido. Demétrio Nicolau não é meu filho, é meu sobrinho. Quando você for no meu serviço apenas
me cumprimente com a mão. Ninguém sabe que eu tenho filho. Como é que você vai chegar, um
marmanjo desse tamanho e me dar beijo? Não esqueça de devolver o dinheiro que te emprestei. Será
que eu ainda tenho solução?
Pausa.
LÍVIO – Gosto muito dos poemas de Álvares de Azevedo mas o seu “Noite na Taverna” é uma
bobagem, imitação barata de Edgar Allan Poe.
Morte traz a mesa de volta.
MORTE – Quem mandou voltar a ser Lívio Nicolau?
LÍVIO – Eu faço o que eu quiser de minha existência. Eu penso em desistir mas não desisto porque a
vida é como um ponto de ônibus. Eu penso nisto desde os catorze anos.
MORTE – O que você vai fazer amanhã?
LÍVIO – Vou para a casa de minha mãe.
MORTE – Quais as expectativas?
LÍVIO – Bem, minha mãe briga comigo dia e noite e não me deixa dormir. Minha irmã está ganhando
mil reais por mês e comprou um telefone celular. Está agindo como se fosse a Caroline de Mônaco.
MORTE – Exagero. Paranóia sua.
LÍVIO – é. Deve ser paranóia. Tudo o que eu disse aqui até agora foi simplesmente paranóia.
[Trecho do final original]
LÍVIO – Telefonei a cobrar para minha mulher. Era Lua Cheia. Eu perguntei se ela estava olhando para
a Lua e ela disse e não. Uma pena. Estaríamos olhando para a mesma coisa. Quer saber de uma coisa?
MORTE – O quê?
LÍVIO – A peça acabou. Esta música eu está tocado eu estava ouvindo quando terminei de escrever esta
peça. [Ray Charles - Smack that in the middle?] Sai.
MORTE – Exibido. Ele queria dizer a última palavra da peça. Mas eu é que vou
dizer. Pensa. Espectroscopia!
LÍVIO –Volta. Morte, a peça acabou!
FIM
[Final alternativo]
MORTE – E agora?
LÍVIO – É, agora, fodeu.
MORTE – Vocês nem sabem. O autor da peça, Rynaldo Papoy, perdeu o desfecho da história e a gente
não sabe o que deve fazer agora.
LÍVIO – Papoy, você está por aí?
SOM – Estou.
MORTE – O que a gente faz agora?
SOM – Ué? Vão embora.
MORTE – Assim, sem mais nem menos?
LÍVIO – Que final de peça mais besta.
SOM – Vamos fazer o seguinte. Tá ligado este boteco que tem aí perto do teatro. Vou estar esperando
vocês para tomar uma brejinha. Beleza?
LÍVIO – Pô, podicrê.
Morte – Você paga?
SOM – Tá bom. Vou quebrar o seu galho. Só porque você é uma gatinha.
LÍVIO – Então, vamos embora.
MORTE – É. Quem sai primeiro do palco?
LÍVIO – Eu saio. Você encerra a peça.
Lívio sai.
MORTE – Então, é isso. Tchau.
Morte sai.
Lívio volta.
LÍVIO – Arrá! Enganei a Morte. Eu vou encerrar a peça.
Morte volta.
MORTE – Te peguei, canalha!
LÍVIO – Oi, o que você está fazendo aí?
MORTE – Eu que pergunto.
LÍVIO – Tá, ta. Pode encerrar a peça, então.
Lívio sai.
MORTE – Agora sim, é o fim. Adeusinho!
Morte e Lívio podem repetir a maluquice mais algumas vezes.
SOM – Vocês podem ter certeza que agora é o final da peça. A não ser que vocês queiram que eu
declame uns poemas.
MORTE E LÍVIO – Não!!!!!!!!!!!!!!!!!
[final]

LÍVIO NICOLAU E A MORTE – PARTE 2

MORTE – Não acredito. Pensei que estivesse livre de Rynaldo Papoy. Agora ele resolveu escrever
outra peça comigo e com Lívio Nicolau outra vez, que é ele mesmo. E mais uma vez a treta é uma
mulher e não ter o que fazer. É sábado à noite e como ele não tem dinheiro para sair, resolveu escrever
uma peça. Sábado à noite é um pé no saco mesmo. Se ele ainda tivesse amigos para visitar. Mas todos
casaram ou moram fora. E morando no Limbo, Papoy não poderia visitá-los mesmo. Enquanto ele
escreve, ainda está tentando montar a primeira “Lívio Nicolau e a Morte”, três anos depois de escrita.
LÍVIO NICOLAU – Entra falando ao celular – Oi, Sueli, como vai? Cheguei tarde ontem. Estou
cansado. Trabalhei a semana inteira. Vou sim. Outro. Tchau. Para a Morte. Era Sueli, minha ex-
psicóloga, me convidando para sair, acredita?
MORTE – Dormiu comigo?
LÍVIO – Não... Infelizmente. Cumprimentam-se com beijo.
MORTE – Está bem, hein? Até sua ex-psicóloga te convidando para sair. Por que não quis ir?
LÍVIO – Não tenho grana. E mesmo que tivesse. Eu não queria ficar com ela.
MORTE – Por que não?
LÍVIO – Porque sempre que eu me envolvo com mulher que dá em cima de mim, eu tomo no cu.
MORTE – Que vai ficar fazendo neste sábado à noite?
LÍVIO – Nada. Vou ler um livro. Ouvir um pouco de música. Aliás você veio aqui para me levar?
MORTE – Só se você quiser.
LÍVIO – Agora eu não estou a fim.
MORTE – Mas eu vim.
LÍVIO – Gostosa como sempre.
MORTE – Preferia um corvo?
LÍVIO – Não. Eu preferia que você não fosse a Morte.
MORTE – Queria que eu fosse o quê? A vida?
LÍVIO – Sim. A vida.
MORTE – Mas eu faço parte da vida.
LÍVIO – Mas você parece a parte mais importante.
MORTE – Por culpa sua.
LÍVIO – Escuta. Da última vez você me deu um beijo. O que você vai me dar desta vez?
MORTE – Você vai ver. Morte traz um cadeira. Senta.
LÍVIO – Vai chupar meu pau?
MORTE – Ainda não. Massageia as costas dele. Está gostando?
LÍVIO – Ô.
Morte venda os olhos de Lívio e o amarra na cadeira.
LÍVIO – Vai chupar meu pau agora?
MORTE – Vou.
LÍVIO – Oba!
Morte ajoelha-se frente a ele e chupa seu pau.
LÍVIO – Esqueci de te avisar. Eu estou com micose.
MORTE – Não posso ficar doente.
LÍVIO – Você chupa muito bem.
MORTE – Eu gostei da sua porra. Tem sabor de anis.
LÍVIO – Anis?
MORTE – É. Queria que tivesse sabor de aipo? Morte desamarra Lívio.
LÍVIO – Por que você me amarrou e me vendou?
MORTE – Deu vontade. Queria ver você apavorado.
LÍVIO – Mas eu não fiquei.
MORTE – E se eu tivesse cortado seu pau fora?
LÍVIO – Aí eu iria pedir para você me levar.
MORTE – E se eu não quisesse te levar?
LÍVIO – Eu me mataria.
MORTE – Mas eu iria decidir te levar ou não.
LÍVIO – Vai comprar comida chinesa desta vez?
MORTE – Eu já chupei seu pau e você quer comida chinesa?
LÍVIO – Eu estou com fome.
MORTE – Eu só tenho um repolho. Dá um repolho para Lívio.
LÍVIO – Eu gosto.
Ficam em silêncio.
LÍVIO – Fala alguma coisa.
MORTE – Você namoraria comigo se eu fosse uma pessoa?
LÍVIO – Claro.
MORTE – Mesmo se eu chupasse os paus de outros caras?
LÍVIO – Se escovasse os dentes.
MORTE – Não iria ficar com ciúmes?
LÍVIO – Iria. Mas eu não sou seu dono.
MORTE – Não acredito.
LÍVIO – Ela chupava meu pau muito bem.
MORTE – Quem?
LÍVIO – A dona da quitanda.
MORTE – Você deu o pau para a dona da quitanda chupar?
LÍVIO – Isso é jeito de falar? É, ela me chupou sim. E foi muito bom. E logo, logo vai chupar de novo.
MORTE – Que ilusão.
LÍVIO – Eu tenho certeza que vai.
MORTE – Por que você acha isto?
LÍVIO – Eu não acho, eu tenho certeza. Eu estou colocando minha inteligência e minha intuição para a
dona da quitanda chupar meu pau de novo. E sempre que eu uso a minha inteligência e minha intuição,
as coisas funcionam. O problema é que eu nunca uso.
MORTE – Mas hoje é sábado à noite e você está sozinho. E a dona da quitanda estará chupando outro
pau a noite toda.
LÍVIO – Em primeiro lugar, eu não acredito nisso. Em segundo: e daí que a dona da quitanda esteja
chupando outro pau? Isso significa que ela não vai chupar o meu nunca mais?
MORTE – O que te salva é que você não é possessivo.
LÍVIO – Mais ou menos. Eu gosto é que me dêem valor. Mas é difícil.
MORTE – Vamos falar de outro assunto: disenteria.
LÍVIO – Não, eu quero continuar falando de sexo oral. Eu não estou esperando a dona da quitanda
chupar meu pau. Se aparecer outra gata que queria chupar meu pau, eu dou meu pau para ela chupar.
MORTE – Não acredito.
LÍVIO – Nem eu.
MORTE – Você curte é uma dona de quitanda, isso sim.
LÍVIO – Eu sei.
MORTE – Eu acabei de chupar seu pau. Você parou de desejar que a dona da quitanda chupe seu pau
de novo?
LÍVIO – Não, mas fiquei mais aliviado.
MORTE – E se ela chupar outro pau, vai parar de desejar o seu?
LÍVIO – Talvez. Talvez aí que ela resolva chupar o meu mesmo. Quantas pessoas, no mundo, têm porra
sabor de anis?
MORTE – Você não é mais orgulhoso?
LÍVIO – Não. E, terça, vou ligar a ela para lhe desejar feliz aniversário.
MORTE - O que vai dizer a ela?
LÍVIO – “Feliz aniversário, meu amor.”
MORTE – “Meu amor”?
LÍVIO – “Desejo que nesse novo ano que começa em sua vida, você seja muito feliz, todos os sonhos
se realizem você só encontre pessoas que queiram o seu bem, além de encontrar a liberdade que você
também almeja..
Eu mesmo torço diariamente por sua felicidade e por sua segurança. Sempre peço a Deus para te
proteger. Porque você é uma pessoa muito, muito, muito especial na minha vida.
Também quero pedir desculpas se algum dia eu te magoei e dizer eu prometo que nunca te magoaria
novamente.
Esta mensagem é de alguém que tem você num lugar de destaque em seu pensamento e em seu coração.
Você é a pessoa mais bacana que conheci em minha vida.” Lívio.
MORTE – Tudo isso só porque ela chupou seu pau?
LÍVIO – Acha pouco? Considerando quem eu sou?
MORTE – Ela vai querer chupar seu pau imediatamente.
LÍVIO – Por isso eu digo: tenho que aprender a usar sempre a minha inteligência.
MORTE – Com essa mensagem, você conquistaria até a princesa Victoria, da Suécia.
LÍVIO – É mesmo? Qual o dia do aniversário dela?
Morte – Afinal, você quer ter seu pau chupado pela dona da quitanda ou está cansado de bater punheta?
LÍVIO – Os dois.
MORTE – Você se lembra daquele anjo que viu dentro de um ônibus, no Limbo?
LÍVIO – Lembro. Mas me responda uma coisa: a dona da quitanda pensa em mim todos os dias?
MORTE – Há sete semanas. E o anjo que você viu no ônibus também.
LÍVIO – Mas aí faz tempo. Mais de cinqüenta semanas.
MORTE – Mais.
LÍVIO – Meu Deus.
MORTE- Mas você também é um anjo.
LÍVIO – Você também. Beijam-se. Não foi só no ônibus que eu vi um anjo. Vi numa madrugada em
Amsterdã também.
MORTE – Amsterdã?
LÍVIO – Tá bom, foi no Tucuruvi mesmo.
MORTE – Espere aí. Vou comprar uma coisa para você.
LÍVIO – Comida chinesa?
MORTE – Não, pomada para micose. Sai.
LÍVIO – Enquanto isso, declamo um poema:
Minha musa do Limbo
É bela como o luar
Mas ela não olha na minha cara,
Como se a Lua
Recusasse-se a olhar para o Sol.
Mas que posso fazer,
Se ela é a Musa do Limbo
E no Limbo só tem meninas chatas?
Ela que vá tomar no cu.
MORTE – Aqui está.
LÍVIO – Passando pomada nas virilhas. Você não imagina como sinto falta da dona da quitanda.
MORTE – Ela também sente a sua.
LÍVIO – Será?
MORTE - É. E desta vez ela não quer só chupar seu pau. Quer dar o cu para você também.
LÍVIO – E no dia em que eu ficar famoso, todas as musas do Limbo vão se suicidar.
MORTE – Lívio, seja mais tolerante. Elas são crianças, imaturas, tímidas. E você não é coisa nenhuma.
Para essas garotas, o sonho é ir embora daqui. Se dessem bola para você, continuariam aqui mesmo. Na
cabeça delas.
LÍVIO – Mas por que a dona da quitanda me parece tão distante?
MORTE – Ela sempre pareceu. É o jeito dela. Mas pode ter certeza que ela sempre pensou muito em
você continua pensando. Você é importantíssimo na vida dela. Cara, a mina enfrenta, sempre enfrentou
e sempre enfrentará barras pesadíssimas por sua causa.
LÍVIO – E as coisas desagradáveis que ela me disse?
MORTE – Ela queria te ferir como você a feriu. Mas a mensagem que você vai lhe deixar vai
reconquistá-la, definitivamente, como você já ensaiou, ao ligar para ela e lhe mandar e-mail algumas
vezes.
LÍVIO – Até que esse sábado à noite não está tão desagradável.
MORTE – Calma. Os diabinhos vão passar já, já.
LÍVIO – Por que tenho sempre que enfrentar os diabinhos?
MORTE – Há na vida de todos. Uns têm mais habilidade de enfrentá-los que os outros. Você fica
extremamente sensibilizado com os seus, mas até que os enfrenta bem.
LÍVIO – Enfrento-os afastando-me deles.
MORTE – Ótimo. Tenho uma boa notícia para você. A dona da quitanda está preocupada que você
pode estar sendo chupado pela dona da mercearia.
LÍVIO – Ela quis. Mas eu recusei.
MORTE – Foi ela mesma quem lhe incitou. Incentivou a dona da mercearia a dar em cima de você só
para te testar. Como a dona da mercearia não conseguiu nada, a dona da quitanda ficou contente. Viu
que você é sério e não dá seu pau par qualquer mulher chupar.
LÍVIO – A dona da quitanda é biruta.
MORTE – Ela busca um amor verdadeiro. Alguém para quem ela possa dar o cu. Este amor será você.
Vai dar muito o cu para você. Você está com a faca e o queijo nas mãos.
LÍVIO – Minha micose melhorou. O problema agora é minha dor de dente. Tá foda.
MORTE – Agora não posso fazer nada. Vá ao dentista.
LÍVIO – Só segunda de manhã. Ah, meu Deus, até que dia essa vida?
MORTE – Calma! A vida é uma batalha diária. Busque a satisfação em saber que você está lutando,
está no caminho certo. Além disso, você saudável e tem muitos talentos. Agradeça a Deus.
LÍVIO – Obrigado, Deus!
MORTE – Veja o caso da dona da quitanda. Ela também tem muitas preocupações e sofrimentos e não
tem as armas que você tem. Ela é só alguém que deu mais sorte na vida que você não teria a sua
capacidade de resolver problemas.
LÍVIO – Não quero ser superior a ela. Só quero novamente ter a felicidade de ter meu pau chupado por
ela novamente.
MORTE – Mas por que a pressa? Eu não falei que ela ainda via te dar o cu? Você é muito ansioso.
Lembra do que ela dizia: “Você se grila muito”? Já sei. São os diabinhos que te enlouquecem. Passe por
cima deles, Lívio. Seja firme! E quem passa trinta anos na prisão? Você é livre e tem a paz a seu redor.
Tenha orgulho da prosperidade de sua alma.
LÍVIO – Me dá outro beijo.
Beijam-se.
LÍVIO – Estou pensando. Será que a mensagem que vou deixar vai degringolar tudo? Será que não é
exagerada?
MORTE – Lívio, vou te dizer uma coisa: a dona da quitanda ficará felicíssima com sua mensagem.
Porque ela está sofrendo neste instante, por sua causa, já que há tempos você não fala com ela. Ela está
com medo que te perdeu. E vai delirar com sua mensagem.
LÍVIO – Deus te ouça.
MORTE – Se você põe Deus no meio, por que está louco para se apaixonar por outra dona de
estabelecimento comercial?
LÍVIO – Tenho medo. A dona da quitanda me faz sofrer!
MORTE – Você sofre por vontade própria.
LÍVIO – Ah... já pensou aquele cuzinho no meu pau?
MORTE – Eu acho que ela vai te dar o cu muitas vezes.
LÍVIO – Eu te conto.
MORTE – Não precisa, eu vou saber. Escua. Precisamos refletir sobre a primeira “Lívio Nicolau e A
Morte”.
LÍVIO – Eu vou reencarnar em alguma coisa dessa vez?
MORTE – Tá a fim?
LÍVIO – Ô.
MORTE – Então vou vai reencarnar... caso eu te leve... no profeta Ezequiel.
LÍVIO – Mas...
MORTE – Não me questione!
LÍVIO – Pô! Vira e mexe estou metido com religião. Primeiro reencarnei num pastor evangélico. Pastor
Jeroboão Rubinstein. Agora vou reencarnar no profeta Ezequiel. E depois? Na outra peça? Quando
houver “Lívio Nicolau e A Morte – parte 3”?
MORTE – Já está pensando na parte 3? Deixa eu ver... acho que você deve reencarnar no Papa
Inocêncio VIII. Sei lá, alguma coisa católica.
LÍVIO – Eu dei um cd de presente a ela... Toca o celular. Alô. Oi, gata, como vai? Que surpresa. Não
sei... ela não me convidou. Beleza. Tchau.
MORTE – Novidades?
LÍVIO – Uma amiga minha disse que a dona da quitanda vendeu a quitanda e comprou uma granja, em
sociedade com outra amiga. Vai ter uma festa de inauguração. Ela queria saber se eu ia, mas a dona da
quitanda... agora, a sócia da granja, não me convidou, então eu não vou.
MORTE – Talvez ela ainda te convide. Ou talvez ela não queira que você vá. Mas talvez isto não
signifique que ela não te curta. Pode ser que haja uma encrenca dela lá e ela não queira que vocês se
encontrem. Não importa.
LÍVIO – Depois que eu desejar feliz aniversário a ela e ela gostar muito, devo convidá-la para sair ou
esperar que ela convide?
MORTE – Nem uma coisa nem outra. Continue batendo papo com ela. Mais cedo ou mais tarde rola.
Não haverá mais nada que você poderia fazer. Só deixar rolar. Essa é a lei. E é o que ela quer também.
Aliás, você tem ido muito bem, Lívio.
LÍVIO – Claro, tenho quase 31 anos.
MORTE – 31? Nossa, passaram-se três anos desde a primeira peça? O tempo passa e eu nem percebo.
LÍVIO – Tenho medo.
MORTE – De quê?
LÍVIO – Do futuro. De mim. Das mulheres. Passei a vida toda me fodendo.
MORTE – Antigamente qual era seu maior medo?
LÍVIO – Barata.
MORTE – Hoje você ainda tem medo de barata?
LÍVIO – Não. Tenho até uma simpatia por elas. Tão evoluídas. Capazes de sobreviver em qualquer
lugar.
MORTE – Pois um dia você não terá medo do futuro, de você, das mulheres. Por que você não tem
medo das baratas mais?
LÍVIO – Porque eu as compreendo.
MORTE – Quanto mais você compreender o futuro, como decorrência do presente, lógico, você mesmo
e as mulheres, menos terá medo.
LÍVIO – Ah, é! O medo é incompreensão! Há tempos eu sei disso. Mas há muitas coisas que eu sei e
sempre esqueço.
MORTE – Mas eu estava pensando, Lívio. Tem algo não previsto na sua estratégia. A reação da dona
da quitanda. Ela pode se enlouquecer com você. Além disso, ela é insegura demais.
LÍVIO – Ela não é mais a dona da quitanda, é a sócia da granja.
MORTE – Tem a haver com a insegurança dela. O que ela sente por você não é forte o suficiente para
passar por cima das neuroses dela. E tenho uma coisa que preciso contar. Está preparado?
LÍVIO – Mais ou menos.
MORTE – Você vai gostar de saber. Ela assumiu o lesbianismo.
LÍVIO – Não acredito...
MORTE – Também tem a haver com a insegurança dela. Ela pensa que não sofrerá ao se envolver com
mulheres.
LÍVIO – Bem, vamos esquecer a sócia da granja. Vamos falar sobre mim. Cara, vão fazer quatro anos
que estou fodido. Sem me firmar num trampo, nada. Queria saber o que eu fiz para merecer isso.
MORTE – Isso acontece. Tem gente que se fode mais que você.
LÍVIO – Ah! Sábado à noite! Maldito sábado à noite! Por que existe sábado à noite?
MORTE – Não esqueça das palavras de sua mãe: se você tivesse dinheiro, não estaria praguejando
contra o sábado à noite. Talvez isso lhe sirva de alento: eu estou aqui.
LÍVIO – Mas você é a Morte!
MORTE – E nos bolsos do meu casaco tem muitas coisas interessantes. Morte lhe entrega um bilhete.
LÍVIO – O que é isso?
MORTE – O celular do anjo.
LÍVIO – Não acredito... Se o meu celular tivesse créditos eu telefonava para o anjo.
MORTE – Use o meu.
LÍVIO – Obrigado. Tecla o número. Alô? Oi? É você, anjo? Morte sai. Como vai, anjinho? Estou muito
bem... eu não acredito que estou falando com você. Você vai vir aqui? Jura? Tá. Estou te esperando.
Morte volta como Anjo.
MORTE – Oi, Lívio!
LÍVIO – Anjo, que saudades!
MORTE – Meu e aí cara?
LÍVIO – E aí, Anjo, tudo certo?
MORTE – Tudo. E com você?
LÍVIO – Meu, esse sábado à noite está um lixo. Ainda bem que você veio. Posso te pedir uma coisa?
Vai embora só amanhã?
MORTE – Hoje eu estou a sua disposição. Desde que você não me toque.
LÍVIO – Por quê?
MORTE – Ainda não chegou a hora.
LÍVIO – Eu só penso em você.
MORTE – Mentira. Eu penso em você. Penso há muito tempo. Cara: eu sou um Anjo. Você prefere o
demônio, por quê?
LÍVIO – Porque os Anjos e os Demônios são indecifráveis!
MORTE – Eu...
LÍVIO – Fala...
MORTE – Eu sofro por você.
LÍVIO – Tenta se aproximar. Anjo...
MORTE – Já falei: você não pode me tocar. Ainda não.
LÍVIO – Esses seus olhos... tristes e carentes e sedentos de amor.
MORTE – Do seu amor... que você apenas ameaçou...
Lívio tenta se aproximar novamente.
MORTE – Recuando.Por favor...
LÍVIO – Se eu não te tocar eu vou morrer...
MORTE – Se você me tocar, você vai morrer. Você ensaiou um amor... e não apresentou. Como um
ator que ensaia uma peça e não apresenta.
LÍVIO – Você fugiu de mim.
MORTE – Eu não fugi de você. Eu estava te testando.
LÍVIO – Para quê?
MORTE – Lívio, não questione as razões femininas.
LÍVIO – Não. Eu quero questionar. De preferência com trilha sonora do Aerosmith.
Começa a tocar Aerosmith.
LÍVIO – Por que as mulheres não agem de maneira natural?
MORTE – Porque se estrepam.
LÍVIO – Mas agindo de maneira não-natural, se estrepam mais ainda. Vou te falar uma coisa: o grande
medo das mulheres é sofrer. As mulheres morrem de medo de sofrer.
MORTE – Claro. É horrível sofrer.
LÍVIO – Mas elas morrem de medo de sofrer porque gostam de sofrer. Algumas não gostam, mas a
maioria gosta.
MORTE – Não, só a metade gosta.
LÍVIO – Tá. Então umas têm medo de sofrer porque a sensação é horrível e outras têm medo de sofrer
porque gostam de sofrer. E aí começam a agir como malucas. Começam a enlouquecer os homens. E
algumas se tornam lésbicas.
MORTE – Mas você não está feliz que eu esteja aqui?
LÍVIO – Não, porque eu não posso te tocar. Tá bom, eu estou feliz, apesar de não poder te tocar.
MORTE – Você vai tocar, em breve.
LÍVIO – Só olhar para você já me deixa feliz. Mas até os anjos morrem...
MORTE – Porque são mortos.
Lívio fica muito triste.

LÍVIO NICOLAU E A MORTE – PARTE 3

Lívio está deitado numa cama de hospital. Aliás é um leito. Tem um soro no braço. Usa aquele
aventalzinho ridículo com o logotipo do hospital.
LÍVIO – Tomei uma decisão. Nunca mais vou me masturbar. Já estou há três meses sem me
masturbar e estou louco, em ponto de bala.
MORTE – Entra como uma enfermeira sensual. – Você é Lívio Nicolau? Vim te dar banho. Meu
nome é Enfermeira-Chefe Jennifer Parker.
LÍVIO – Que mané Jennifer Parker. Você é a Morte.
MORTE – Põe o dedo nos lábios. Shhhhhhhh... Isso é um hospital. Faça silêncio. Vou te dar
banho agora. Você fez cocozinho?
LÍVIO – Fiz, no banheiro.
MORTE – Que pena. Eu ia limpar seu cocozinho.
Morte começa a dar banho em Lívio, como fazem os enfermeiros.
MORTE – Quem mandou ficar de pinto duro?
LÍVIO – Como eu não ficaria? Você está me masturbando.
MORTE – Não estou te masturbando, estou te dando banho.
LÍVIO – Desculpa.
MORTE – Quem mandou gozar na minha mão?
LÍVIO – Desculpe, eu não me masturbava há três meses.
MORTE – Vou ter que te lavar de novo. Escuta. Por que você veio parar aqui?
LÍVIO – Tentei me suicidar.
MORTE – Pára de gritar nos meus ouvidos.
LÍVIO – Não estou gritando nos seus ouvidos. É que eu tenho que ser ouvido na última fileira.
MORTE – Você tem que aprender a projetar a voz.
LÍVIO – E daí? Quem estiver na última fila não vai ouvir nada do mesmo jeito.
MORTE – O público tem que aprender a prestar atenção no que nós falamos. Já estamos fazendo
um favor de fazer esta peça.
LÍVIO – Que fazendo favor. Eles que nos fazem o favor de vir até aqui e ainda são obrigados a
prestar atenção no que falamos?
MORTE – Eu acho que o artista não pode ser escravo do público. O público tem que implorar
para ser prestigiado pelo artista.
LÍVIO – Sai daqui, você não sabe nem o que tá falando. Você é sustentada pelo seu pai, que é
fazendeiro em Bebedouro. Por isso acha que não precisa do público. Aliás você gosta de disfarçar
o seu sotaque do interior e seu maior sonho é fazer novela na Globo.
MORTE – Deus me livre.
LÍVIO – Deus me livre o quê? Você resolveu ser atriz por quê?
MORTE – Eu sempre sonhei ser atriz.
LÍVIO – Você sempre sonhou ser famosa. Principalmente depois que sua irmã mais nova se casou
com aquele cara que você gosta.
MORTE – Vou embora daqui. Tomara que você apodreça!
LÍVIO – Você não agüenta a verdade, é?
MORTE – Que verdade? Você só fala besteira! Eu não aceito críticas de um suicida.
LÍVIO – Por quê?
MORTE – Porque... um suicida é um ignorante e covarde que não gosta de freqüentar
psiquiatras nem tomar remedinhos.
LÍVIO – Mas eu já tomei tanto remedinho que nem agüento mais. Estou cansado de tomar
remedinhos e essa peça de teatro está uma chatice.
MORTE – Esse Rynaldo Papoy é engraçado. Vive dizendo que uma história precisa de começo,
meio e fim, mas as peças de teatro dele não tem começo, nem meio, nem fim.
LÍVIO – Ele acha que é surrealista ou absurdo.
Morte beija sua testa.
LÍVIO – Não, eu quero um beijo de língua. Eu não dou um beijo há dez meses.
MORTE – Problema seu. Não me responsabilize por suas frustrações amorosas e pessoais.
LÍVIO – Olha! Ela vai cobrar direitos autorais.
MORTE – Você tem mais medo de se envolver com evangélica ou com advogada?
LÍVIO – Ambas são prepotentes mas eu não tenho medo de me envolver com ninguém. Elas é que
fogem de mim. As mulheres, hoje em dia, são extremamente inseguras. Morrem de medo de
sofrer. E como eu não transmito segurança para nenhuma e não me comporto mais como
adolescente, há dez meses não dou um beijo numa mulher.
MORTE – E sexo?
LÍVIO – Há dez meses também.
Lívio deita a cabeça nas mãos.
LÍVIO – Eu fiz tantas promessas. E não cumpri nenhuma.
MORTE – Você não teve culpa.
LÍVIO – Mas eu prometi. Promessa é promessa. Teria sido melhor eu não prometer nda. Agora
tem gente rindo da minha cara.
MORTE – Como ela disse, é melhor não falar nada, por uma questão de “energia”.
LÍVIO – Eu não sou supersticioso, mas eu acho isso incrível. É só a gente contar um projeto para
alguém que a coisa não dá certo. Mas o pior é quando o projeto é realizado: 97,82% dos nossos
parentes e amigos não dão a menor bola.
MORTE – O que mais tem no mundo é invejoso.
LÍVIO – Mas inveja na própria família? Inveja entre os amigos? Inveja da namorada ou do
namorado?
MORTE – Quem mais poderia ter inveja? Você acha que alguém que nem te conhece iria ter
inveja de você? Só as pessoas do seu círculo íntimo poderiam ter inveja de você.
LÍVIO – O jeito é iniciar os monólogos.
MORTE – Que monólogos?
LÍVIO – Aqueles que combinamos. “Lívio Nicolau e a Morte” sem monólogos não é “Lívio
Nicolau e a Morte”.
MORTE – Quem começa?
LÍVIO – Você mesma.
Lívio sai.
MORTE – Um quilo de tomates. Um pé de alface. Uma bacia de pepinos. Meio quilo de cebola.
Cem gramas de alho. Dois quilos de batatas. Uma dúzia e meia de laranjas. Uma dúzia de limões.
Um quilo de maçãs. Um quilo de peras. Duas dúzias de bananas. Um abacaxi.
Lívio volta.
LÍVIO – Esse foi o pior monólogo que vi em minha vida.
MORTE – Mas foi útil para demonstrar minha capacidade de ser atriz.
LÍVIO – Sim! Você tem razão. Se um ator ou atriz tem que fazer um monólogo shakespeariano,
não vai poder demonstrar seu talento, pois às vezes o texto se resolve por conta própria.
MORTE – Principalmente num curso de teatro. Os alunos endeusam Shakespeare e outros
dramaturgos clássicos e morrem de medo de desrespeitá-los.
LÍVIO – E quem diria que passaríamos fome novamente?
MORTE – Essa mania de não pensar no dia de amanhã.
LÍVIO – Jesus disse: “Para que se preocupar com o dia de amanhã? O que vamos comer, o que
vamos vestir? O amanhã tem suas próprias preocupações”.
MORTE – Mas quando sentiu fome, colheu milho em pleno sábado.
LÍVIO – Milho? Tinha milho na Palestina?
MORTE – Tá na Bíblia. Rute também colhia milho.
LÍVIO – Você parece evangélica. Nem sabe o que está falando. Rute colhia cevada e Jesus colhia
trigo.
MORTE – Como você persegue os evangélicos, não?
LÍVIO – Eles não perseguem os não-evangélicos? Não perseguem os umbandistas, os católicos?
Por que eles não podem ser perseguidos também? Você não vai me dar um beijo?
MORTE – Esqueça. Eu já te beijei, já chupei seu pau, já transei com você, já te masturbei. Eu,
que sou a Morte. Que há quatro anos tento te levar embora e não consigo.
LÍVIO – O Paulo Autran disse que a maior peça de teatro brasileira é “Morte e Vida Severina”.
E ele detesta Oswald de Andrade.
MORTE – Minha favorita é “O Anjo Negro”, de Nelson Rodrigues.
LÍVIO – Escrever à caneta é que é um saco.
MORTE – É, nenhum assunto se resolve.
LÍVIO – Você sabia que eu vou fazer chocolates?
MORTE – Não. Jura?
LÍVIO – É. Me ajuda?
MORTE – Só se você esperar eu colocar um aventalzinho.
LÍVIO – Coloca só o avental, hein?
MORTE – Já venho.
LÍVIO – Traga o equipamento.
MORTE – Fala o seu monólogo agora.
LÍVIO – Não há absolutamente nada para comer. Tentei inventar algo com aveia em flocos mas
não deu em nada. Não havia açúcar. Poderia fritar cebolas ou fazer sopa. Mas não estou com
fome. É que não ter o que comer é desesperador. Tomo chá de hortelã, mas sem açúcar não tem
gosto de nada. A fome é um pesadelo eterno. A desilusão amorosa é um pesadelo eterno. Mas vou
fazer chocolates.
Enquanto o monólogo, Morte, vestindo unicamente um aventalzinho, montou o equipamento de
fazer chocolate, sem Lívio perceber.
LÍVIO – Uau! Você levou a sério aquele papo de colocar um aventalzinho.
MORTE – É. Gostou? Morte dá uma voltinha.
LÍVIO – Sabe, Morte, eu estava pensando...
Começam a fazer chocolates.
...há muito tempo eu queria te fazer uma pergunta...
MORTE – Faça que depois te faço uma.
LÍVIO – Tá. Alguma vez você fez cocô e esqueceu de limpar a bunda?
MORTE – Eu não faço cocô. Não sou um ser humano.
LÍVIO – Ah...
MORTE – Posso fazer minha pergunta agora?
LÍVIO – Sim.
MORTE – Você já leu Heidegger?
LÍVIO – Não me lembro.
MORTE – Se eu te pedir para fazer uma coisa, você faz?
LÍVIO – Depende.
MORTE – Primeiro diga se faz...
LÍVIO – O que eu ganho em troca?
MORTE – Um passe de ônibus de Guarulhos.
LÍVIO – Tá tirando sarro da minha cara.
MORTE – Ãhn... além do passe, eu te pago uma tapioca.
LÍVIO – Doce?
MORTE – Se quiser.
LÍVIO – Tá bom.
MORTE – Lambe meu cuzinho?
LÍVIO – Agora?
MORTE – É...
LÍVIO – Moleza. Sobe na mesa.
Morte sobe na mesa e Lívio começa a lamber o ânus da Morte.
MORTE – Enquanto é lambida. – Dá vontade... de repetir o monólogo... um quilo de tomates... um
pé de alface... uma bacia de pepino... meio quilo de cebolas... cem gramas de alho... dois quilos de
batatas... uma dúzia e meia de laranjas... uma dúzia de limões... um quilo de maçãs... um quilo de
peras... duas dúzias de bananas... um abacaxi...
LÍVIO – E uma língua!
MORTE – Lívio, sabia que o Rynaldo Papoy há chegou na página oito e não se lembra porquê
começou a escrever essa peça?
LÍVIO – É que ele pensou que ia ficar famoso em 2002 e já é agosto e até agora não aconteceu
nada. Quer que eu lamba mais?
MORTE – Não, já ta muito bom. Brigada. Se recompõe.
LÍVIO – E meu beijo na boca?
MORTE – Tá doido? Você lambeu meu cu meia hora e quer me beijar na boca?
LÍVIO – Mas era seu próprio cu.
MORTE – E daí? Cu é cu.
LÍVIO – Que cu!
MORTE – Pois é. E vossa senhoria, alter ego de Rynaldo Papoy, como sou alter ego dele também,
quer morrer porque não ficou famoso?
LÍVIO – Eu não quero morrer porque não fiquei famoso. Que se foda que eu não fiquei famoso. É
que eu não agüento mais ser garçom nem morar com a minha mãe. E não agüento mais ficar
sozinho.
MORTE – Porque você não compra um carro? Nunca mais vai ficar sozinho.
LÍVIO – Vou sair só com Maria Gasolina? Aí não vai ter graça. Mas eu compraria um carro, se
tivesse dinheiro. Porque eu estou de saco cheio de andar de ônibus, de metrô e a pé.
MORTE – Então você é o único garçom pobre de São Paulo?
LÍVIO – E sou o único garçom paulista também.
MORTE – Mas afinal se você é igualzinho o Rynaldo Papoy, porque ele não faz uma peça
totalmente autobiográfica e muda o nome para “Rynaldo Papoy e a Morte”?
LÍVIO – Não, você também é ele. A peça deveria ser “Rynaldo Papoy e Rynaldo Papoy”. Mas eu
não sou to-tal-men-te igual ao Rynaldo Papoy. Você acha que ele tem uma vida sexual tão ativa e
intensa quanto a minha? Você acha que uma mina chega e oferece o cu para ele lamber?
MORTE – Que mina? Eu sou a Morte, diabo!
LÍVIO – Eu sempre esqueço.
MORTE – Além de esquecido, é burro. Hoje eu vi o Rynaldo Papoy e uma vizinha dele trocando
olhares. E do jeito que ele está carente, como você, já está planejando chupar o cu dela.
LÍVIO – Chupar cu é muito bom.
MORTE – O Glauco Mattoso gosta de chupar cu sujo.
LÍVIO – Eca!
MORTE – Aliás, to achando que a tal vizinha para dar o cu ao Rynaldo Papoy ou a qualquer um
é dois tapas. Ela está mais carente ainda.
LÍVIO – Será que ela daria para mim também?
MORTE – Tenta.
LÍVIO – Que merda.
MORTE – Que foi?
LÍVIO – Quanta coisa errada. E o caderno acabou!
MORTE – A primeira coisa que temos que fazer é resolver os problemas dessa peça. Primeiro:
como você tirou o soro do seu braço?
LÍVIO – Com a mão. Na hora em que levei a maca para a coxia da esquerda.
MORTE – Segundo: qual o tema dessa peça?
LÍVIO – A vergonha. Pensei que eu ia ficar famoso, avisei para todo mundo e não fiquei.
MORTE – Você admite então sua decepção e vergonha por não ter ficado famoso?
LÍVIO – É.
MORTE – Por que você não voltou ao Rio?

LÍVIO – Tenho medo de ser chamado e não passar no teste. Tenho medo de passar no teste e ser
um péssimo ator. Não estou preparando para ser ator famoso. De qualquer forma, ser famoso é
menos importante do que ser respeitado e considerado um bom ator. Por isso, a TV deixou de ser
prioridade. Mas eu sei que mais cedo ou mais tarde chego lá. Vou entrar pela porta dos fundos.
MORTE – Então a peça acaba aqui?
LÍVIO – Não. O problema é que eu não tenho vida afetiva. Na minha idade é foda. Sou um poço
de hormônios. Eu não sei até que ponto a culpa é minha ou delas. Eu não sei se eu tenho mais
medo de sofrer ou de fazer alguém sofrer.
MORTE – Não vai continuar a peça? Olha, se “Lívio Nicolau e a Morte” começa a ficar essa
bobagem, é melhor não aparecermos mais. Vou te levar de vez ou vou te abandonar de vez e
procurarei outra pessoa para levar.
LÍVIO – Ih, Morte, como você está chata. Está com cólicas?
MORTE – Eu n ao sou uma mulher, eu não fico menstruada.
LÍVIO – Mas por que você pediu para eu chupar seu cu?
MORTE – Você não gosta dessas incoerências surrealistas?
LÍVIO – Por falar nisso, eu sei o que significa “Godot”. Da “Esperando Godot”, de Samuel
Beckett. “Godot” é a junção de duas palavras: “God”, eu significa “Deus” e “OT”, que é a
abreviatura de “Old Testment”, “Velho Testamento”, em inglês. No Velho Testamento, às vezes
Deus aparece como uma árvore. Por isso os mendigos esperam um Deus, “Godot”, que está no
palco o tempo todo, representado por uma árvore.
MORTE – Só que hoje em dia, “Esperando Godot” parece um episódio do Chaves. Como dizia
Miroel Silveira, o Teatro de vanguarda às vezes nascia velho, enquanto alguns grandes clássicos
continuam joviais.
LÍVIO – Mas “Esperando Godot” é uma ótima peça para fazer em escola de teatro. Você sabia
que a primeira montagem de “Esperando Godot” feita no Brasil foi realizada pela Escola de Arte
Dramática da USP?
MORTE – Sabia. Eu estava na primeira fila. Justo em São Paulo, que demorou a aceitar um
teatro mais provocativo.
LÍVIO – Pois a revolução começou exatamente na EAD. Faz tempo que não vou ao teatro.
MORTE – Quantas semanas?
LÍVIO – Semanas? Eu não vou ao teatro há catorze anos! Isto é, a última vez em que paguei um
ingresso de teatro foi em 1988. Aliás, foi a única vez. “Teledeum”, com o grupo Ornitorrinco.
Depois disto, só assisti teatro de graça ou depois de receber convites.
MORTE – Por que esse descaso com o teatro?
LÍVIO – Porque existe uma preocupação exagerada com o visual, deixando-se para segundo
plano o texto e a interpretação. E as peças que eu queria assistir são caras demais. E corre-se o
risco de gastar a maior grana e a peça ser uma porcaria.
MORTE – Pois é. Chegamos à metade da peça. Agora podemos fazer novos monólogos ou você
vai ressuscitar em alguém ou algum parente seu. Ou inventar alguma coisa diferente, que não foi
feita nem no “Lívio Nicolau e a Morte – Parte 1” nem em “Lívio Nicolau e a Morte – Parte 2”.
LÍVIO – Já sei! Vamos investigar um assassinato!
MORTE – Boa! Seremos uma dupla de investigadores, como nas séries de TV.
LÍVIO – Mas eu estou com medo.
MORTE – Do quê?
LÍVIO – De ficar na pindaíba de novo.
MORTE – Esse é o tema da peça!
LÍVIO – Não é pedofilia. Não é pedofilia lésbica! Não é sobre mulheres que tem a obsessão de
fazer sexo oral em menininhas de dez anos. Não é sobre mulheres que gostam de chupar
bocetinhas sem pelos. Não é sobre mulheres que gostam de meter suas línguas no interior de
xoxotinhas inocentes. Não é sobre mulheres que adoram passar a pontinha da língua em
pequenos clitóris e pequenos lábios vaginais com sabor de xixi!
MORTE – Pára, Lívio, estou ficando excitada!
LÍVIO – Deixa para lá essa história de fazer uma investigação.
MORTE – Por quê?
LÍVIO – Estou deprimido.
MORTE – Novidade...
LÍVIO – Estou trabalhando agora.
MORTE – Eu sei.
LÍVIO – E se eu ficar desempregado de novo?
MORTE – Stress pós-traumático.
LÍVIO – A luz pode ser cortada de novo.
MORTE – De novo? Não foi três meses atrás ou quatro?
LÍVIO – Sim, mas a desordem impera nessa casa. A discórdia. A confusão. O ódio. A neurose. Eu
poderia me transformar no homem da casa. Mas eu quero casar e ter filhos. Quero ter minha
própria família.
MORTE – Será uma segunda tentativa.
LÍVIO – Minha vida é feita de tentativas. Erros e acertos. E caminho para os 32 anos. 32 anos.
Sabe o que é isso? 32 anos? Sou mais do que um adulto. Na minha idade, ninguém mais me dá
nenhuma chance. Na minha idade, os meus entes queridos são meus maiores inimigos. E tudo
porquê? Sou alcoólatra? Sou um criminoso? Sou viciado em drogas? Não: eu sou apenas pobre!
Sou apenas pobre! Minha família me odeia.,. simplesmente porque sou pobre! Porque às vezes eu
fico desempregado! Eu não arranjo emprego sabe por quê? Porque eu sou paulista, branco, de
olhos azuis! Sou discriminado na própria cidade onde eu nasci!
MORTE – E banheiros começam a se infestar de baratas assim que o verão se aproxima.
LÍVIO – E nem é primavera. Eu me lembrei de uma coisa: eu dei um beijo no seu cu em “Lívio
Nicolau e a Morte – Parte 2”.
MORTE – Eu me lembro muito bem de “Lívio Nicolau e a Morte – Parte 2”. A peça foi escrita
nove meses atrás.
LÍVIO – Você sabia que “Lívio Nicolau e a Morte – Parte 1” não foi encenada até hoje?
MORTE – Sabia. Papoy desistiu da peça em março, por aí. Ele encontrou a atriz Danielle Avylla,
que não deu a menor bola a ele. E Valdir Medori disse que não tinha tempo. Você sabia que em
onze anos de teatro, Rynaldo Papoy só fez duas peças?
LÍVIO – Dois monólogos. Escritos, produzidos e dirigidos por ele mesmo. Porém, ele iniciou uma
divulgação em massa de suas peças de teatro. Em breve, as quinze peças serão encenadas por
grandes grupos. Daí todos os manes inúteis que o esnobam até hoje vão se contorcer de inveja.
Toca o celular da Morte.
MORTE – Alô? Oi, tudo bem, gatinho? Sussurra para Lívio. É Deus. Normal. Como vai, fofo?
LÍVIO – Que intimidade.
MORTE – Não acredito. Como você implica comigo, hein? Tá, ta. Beijinho.
LÍVIO – O que o Todo-Poderoso queria?
MORTE – Que eu colocasse minha roupa de Morte. Espera aí que já venho. Vai fazendo um
monologuinho que não seja bíblico. Sai.
LÍVIO – Quero andar de bicicleta pelo deserto. Por planaltos sem dono e sem destino. Quero
subir em jequitibás e tornar-me peixe-voador. Voar até o Estreito de Dardanellos e caçar noviças
com arpões envenenados. Quero fazer carpaccio com língua de búfalo. Quero tomar vitamina de
testículos de tigre com leite e tequila. Quero me casar com uma neurocirurgiã. Quero esquecer
todas as vergonhas pelas quais passei em minha vida. Quero esquecer todos os vexames. Quero
esquecer todos aqueles e aquelas que me fizeram sofrer. Quero me preparar para os próximos
sofrimentos.
MORTE – Volta. Lívio, preciso te dizer uma coisa muito importante. Tenho que te levar por
ordem do Maluco.
LÍVIO – Maluco?
MORTE – É, aquele que você chama “Todo-Poderoso”.
LÍVIO – Adiantaria eu tentar fugir ou tentar conversar com ele ou sei lá...?
MORTE – Não, dessa vez não adianta mais. É definitivo. Mas você vai reencarnar como o Papa
Inocêncio VIII, lembra?
LÍVIO – Que bosta! Que bosta!
Saem.
Lívio volta como o Papa Inocêncio VIII, totalmente bêbado.
LÍVIO – Olá. Eu sou um Papa. Inocêncio VIII. Não sei quem foram os outros Inocêncios. Nem o
I, nem o II, nem o III, nem o IV, nem o V, nem o VI, nem o VII, nem o VIII... ops. O oitavo sou
eu. Sabem quem eu sou? Inocêncio VIII. Foi o que eu disse. Eu mandei o monge dominicano
Johann Sprenger escrever um manual de caça às bruxas. Ele botou o nome de “O Martelo das
Feiticeiras”. Eu aprovei em 1484. E dei aos inquisidores poderes absolutos. Podem julgar quem
quiser e condenar quem quiser . À fogueira. Podem pegar as feiticeiras e tacar na fogueira. Morte
às mulheres. Quero que as mulheres se fodam.
Sai.
MORTE – Entra. E assim chegamos ao fim de mais uma peça “Lívio Nicolau e a Morte”. Essa
peça não teve a menor graça, não?

FIM
LÍVIO NICOLAU E A MORTE – PARTE 4
Lívio está sentado à uma mesa, cabisbaixo.
Morte entra.
MORTE – O que está fazendo aqui?
LÍVIO – Te esperando.
MORTE- Lívio, não é sua hora. Você precisa se cuidar, ir num psicólogo ou psiquiatra. Sua depressão
não tem motivo.
LÍVIO – Eu não tiro aquela mulher da cabeça.
MORTE – É porque você vive à noite e não produz serotonina.
LÍVIO – Será que ela ainda pensa em mim?
MORTE – Todo dia.
LÍVIO – Ela teve um ano maravilhoso. E o meu foi uma merda.
MORTE – Logo você vai deixá-la para trás. Você nem gosta mais dela.
LÍVIO – Este é o problema. Ficar pensando numa pessoa que eu não queria pensar. Que não merece
meus pensamentos. E não ficar com ninguém nunca. Eu não dou um beijo sequer numa mina há mais de
um ano.
MORTE – Calma, Lívio. Isso vai acabar. Em questão de semanas, você volta a ser alguém. E lembre-se
daquela música da Zélica Duncan: “Na Cidade de São Paulo/o amor é imprevisível/como você e eu”.
LÍVIO – Bem, tenho que viajar agora.
MORTE – Para onde você vai?
LÍVIO – Para Minas Gerais, ver minha filha.
MORTE – Ônibus de viagem. Isso não te lembra nada?
LÍVIO – A morena dando de mamar para o filho. Belos seios de mamilos gigantescos.
MORTE – Talvez a gente se encontre na estrada.

Fim.

O CORPO DE MINHA MÃE

[Escrito entre 18 de julho e 08 de agosto de 2003]

Boa noite.
Vou lhes contar minha história.
Espero que consigam dormir após ouvi-la.
Muitas pessoas, depois que ouvem minha história, não cconseguem mais dormir.
Alguns acabam recorrendo a auxílio terapêutico.
E teve gente que foi internada em sanatórios. E nunca mais saiu de lá.
Como meu ex-sócio. Oduvaldo. Oduvaldo torcia pelo União Barbarense.
Não perdia nenhum jogo. E gostava de ir ao estádio.
Era aquele que de tanto xingar o juiz, aparecia na televisão, nos jornais.
Um dos juízes que ele xingou, o Germano Pereira Telles, de Andradina, ficou tão puto que abandounou
o jogo, pulou o alambrado e só não arrebentou meu ex-sócio Oduvaldo porque foi bem no dia dos
ataques terroristas de 11 de setembro.
Eu não entendi muito bem. Pois os ataques foram de manhã. Tem jogo de manhã?
Só se os jogos da segundona são de manhã.
Mas o União Barbarense não é da primeira divisão?
E se meu ex-sócio Oduvaldo estava não assistindo a um jogo de futebol, mas a um jogo de volley?
Ah, vamos voltar a minha história...
É uma hoistória macabra.
Muito macabra.
Coisa de filme de terror.
Não sei nem se eu deveria estar contando.
Vou até tomar um copo d'água. Se eu fosse vocês, tomaria também.
E quem sofre de vertigem, claustrofobia, epilepsia, deveria nem ficar aqui, ouvindo.
E espero que não tenha ninguém com menos de 18 anos aqui.
Ah, meus 18 anos... Lembro da primeira vez que eu fui num cinema pornô.
Fui assistir a um filme da Cicciolina. Cicciolina era uma política italiana que gostava de fazer filmes
pornôs. Dizem que o que ela gostava mesmo era tomar caldo de cana. Cicciolina era parecida com a
minha mãe.
Ah, isso me lembra que tenho que contar uma história.
Agora estou hesitante pois essa história é terrível.
Não sei porque resolvi contá-la.
Mas já que disse que iria contar, vou contar.
tudo começou... olha, eu não me responsabilizo, hein? Tudo começou de manhã.
Acho que era inverno. Não já era primavera. Isso não importa. Importa que era de manhã.
Eu tinha um escritório de representação comercial. Vendia utensílios de cozinha.
Naquela manhã, por algum motivo que não me lembro, usava sapatos vermelhos que havia comprado
no Largo da Batata.
E ela dizia que eu não sabia o que era o amor. Por que as mulheres ficam tão horrorizadas quando
dizemos que a amamos?
Nenhuma mulher me disse até hoje que me amava. E no entanto, acho que todas me amaram.
E eu disse que amava todas elas. Mas acho que nunca amei nenhuma.
Eu só queria me reproduzir.
E foi naquele mesma linha de trem, ao lado dos mesmos trilhos, no mesmo kilômetro 30, que eu me
reproduzi pela primeira vez. Com uma japonezinha de 13 anos. Renata Koga era o nome dela.
Falei para ela dar pa luz naquele mesmo lugar. Ela não queria. Eu a arrastei até lá.
E às 4h35m, nasceu nosso filhinho. Eu o amarrei no trilho e vi o trem passando em cima dele.
Renata Koga ficou chorando. Eu fui embora. Mas hoje de manhã me ligaram e mandaram ir de novo até
lá.
Fiquei preocupado com a chuva.
Pois todas as vezes em que fui traído foi em dias de chuva.
Não posso me esquecer da história que eu iria contar.
Pensei em não ir. Estava com medo do que eu iria ver, do que eu seria obrigado a ver naquele lugar.
Quantas dores um homem aguenta? Quantos foras um homem aguenta? Vale a pena ser fiel?
Num relacionamento afetivo, devemos ser mais racionais ou emocionais?
Acho que devemos ser inteligentes. Fazer a coisa certa. E não nos deixar dominar pelas emoções.
O problema é enfrentar os preconceitos diários e os urubus.
Suicídio pode ser considerado crime serial? Não, não era isso o que eu queria dizer. Suicídio pode ser
considerado crime passional?
Meu ex-sócio Oduvaldo suicidou-se quando sua 12ª esposa pediu o divóricio para se casar com o
mototista de um caminhão de lixo.
Sabem quem era o motorista? O juiz Germano Pereira Telles. Que além de juiz era motorista de
caminhão de lixo.
Chofer de lixo e juiz de lixo. Pois todos os jogadores de futebol são um lixo. E as maria-chuteiras os
adoram. E as mulheres que gostam de motoristas de caminhão de lixo são o quê? Maria Lixeiras?
Esqueci o que eu iria falar. Hoje o dia não está muito bom para contar histórias. Acho que tenho câncer
no pulmão. Nos pulmões.
Osama Bin Laden está escondido na Park Avenue. Sadam Hussein morreu no primeiro dia dos ataques
americanos.
E a população da Libéria está se matando. Deixem que teminem de se matar.
Nunca vendi utensílios de cozinha na Libéria, embora tenha vendido em outros países africanos.
Caramba, que capacidade que tenho de falar de coisas que não tem nada a haver.
Você sabe qual é o impacto causado nas mulheres ao usarmos sapatos vermelhos?
Minha mãe sabia. Ela se apaixonou pelo meu pai por culpa de seus sapatos vermelhos.
Esta história que estou tentando contar... é sobre a minha mãe.
Minha mãe havia abortado seis crianças até resolver me dar à luz.
Perguntei a ela o porquê de ter permitido meu nascimento. Ela disse que queria me matar quando bebê.
Fazer um picadinho de mim e mandar meu pai comer.
Mas ela desistiu quando viu que eu tinha olhos azuis. Quem mataria um bebê de olhos azuis? Melhor
deixá-lo vivo, pois ele sofrerá por toda a vida.
E minha mãe parecia tão distante. Eu estava com ela e ao mesmo tempo não estava.
Fui amamentado com leite de cadela misturado com sangue de menstruação.
Acho que por isso sou o que sou.
Será que foi Deus quem criou os bichinhos do amendoim?
Não sei porquê isso me lembra daquela música da Martinha.

(Toca "Foi Deus quem fez você", com a Amelinha. Como é um forró, o ator pode tirar alguém da
platéia para dançar.)

Intro: A C#m Bm/E4/7 E7

A C#m A7
Foi Deus que fez o céu, o rancho das estrelas
D C#m A7
Fez também o seresteiro para conversar com elas
D C#m B4/7 B7
Fez a lua que prateia minha estrada de sorrisos
C#m D C#m B7 E
E a serpente que explusou mais de um milhão do paraíso
A
Foi Deus quem fez você
C#m A7
Foi Deus que fez o amor
D C#m A7
Fez nascer a eternidade num momento de carinho
D C#m B4/7 B7
Fez até o anonimato dos afetos escondidos
C#m D C#m B7 E7
E a saudade dos amores que já foram destruídos
ADA
Foi Deus
A
Foi Deus que fez o vento
F#m
Que sopra os teus cabelos
C#m
Foi Deus quem fez o orvalho
D E7
Que molha o teu olhar, teu olhar
A
Foi Deus que fez a noite
F#m
E o violão planjente
C#m
Foi Deus que fez a gente
D E7 A F#m Bm E
Somente para amar, só para amar
Bm E A D A
Só para amar

Esta música é de Luís Ramalho. Eu, porém, nunca acreditei em Deus. Nem quando Deus apareceu na
minha frente.
Desceu num carro alado, cheio de luzes, igual aparece na Bíblia.

(Lê o primeiro Capítulo do livro de Ezequiel)

1 E aconteceu, no trigésimo ano, no quarto mês, no dia quinto do mês, que, estando eu no meio dos
cativos, junto ao rio Quebar, se abriram os céus, e eu vi visões de Deus.
2 No quinto dia do mês (no quinto ano do cativeiro do rei Joaquim),
3 veio expressamente a palavra do SENHOR a Ezequiel, filho de Buzi, o sacerdote, na terra dos
caldeus, junto ao rio Quebar, e ali esteve sobre ele a mão do SENHOR.
4 Olhei, e eis que um vento tempestuoso vinha do Norte, e uma grande nuvem, com um fogo a
revolver-se, e um resplendor ao redor dela, e no meio uma coisa como de cor de âmbar, que saía dentre
o fogo.
5 E, do meio dela, saía a semelhança de quatro animais; e esta era a sua aparência: tinham a
semelhança de um homem.
6 E cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles, quatro asas.
7 E os seus pés eram pés direitos; e as plantas dos seus pés, como a planta do pé de uma bezerra, e
luziam como a cor de cobre polido.
8 E tinham mãos de homem debaixo das suas asas, aos quatro lados; e assim todos quatro tinham seus
rostos e suas asas.
9 Uniam-se as suas asas uma à outra; não se viravam quando andavam; cada qual andava diante do seu
rosto.
10 E a semelhança do seu rosto era como o rosto de homem; e, à mão direita, todos os quatro tinham
rosto de leão, e, à mão esquerda, todos os quatro tinham rosto de boi, e também rosto de águia, todos os
quatro.
11 E o seu rosto e as suas asas eram separados em cima; cada qual tinha duas asas juntas uma à outra,
e duas cobriam os corpos deles.
12 E cada qual andava diante do seu rosto; para onde o Espírito havia de ir, iam; não se viravam
quando andavam.
13 E, quanto à semelhança dos animais, o seu parecer era como brasas de fogo ardentes, como uma
aparência de tochas; o fogo corria por entre os animais, e o fogo resplandecia, e do fogo saíam
relâmpagos.
14 E os animais corriam e tornavam, à semelhança dos relâmpagos.
15 E vi os animais; e eis que havia uma roda na terra junto aos animais, para cada um dos seus quatro
rostos.
16 O aspecto das rodas e a obra delas eram como cor de turquesa; e as quatro tinham uma mesma
semelhança; e o seu aspecto e a sua obra eram como se estivera uma roda no meio de outra roda.
17 Andando elas, andavam pelos quatro lados deles; não se viravam quando andavam.
18 Essas rodas eram tão altas, que metiam medo; e as quatro tinham as suas cambas cheias de olhos ao
redor.
19 E, andando os animais, andavam as rodas ao pé deles; e, elevando-se os animais da terra,
elevavam-se também as rodas.
20 Para onde o Espírito queria ir, iam; pois o Espírito os impelia; e as rodas se elevavam defronte
deles, porque o Espírito da criatura vivente estava nas rodas.
21 Andando eles, andavam elas, e, parando eles, paravam elas, e, elevando-se eles da terra, elevavam-
se também as rodas defronte deles, porque o Espírito dos animais estava nas rodas.
22 E, sobre a cabeça dos animais, havia uma semelhança de firmamentos, como um aspecto de cristal
terrível, estendido por cima, sobre a sua cabeça.
23 E, debaixo do firmamento, estavam as suas asas direitas, uma em direção à outra; cada um tinha
duas, que lhe cobriam o corpo de uma banda; e cada um tinha outras duas, que o cobriam da outra
banda.
24 E, andando eles, ouvi o ruído das suas asas, como o ruído de muitas águas, como a voz do
Onipotente, a voz de um estrondo, como o estrépito de um exército; parando eles, abaixavam as suas
asas.
25 E ouviu-se uma voz por cima do firmamento, que estava por cima da sua cabeça; parando eles,
abaixavam as suas asas.
26 E, por cima do firmamento, que estava por cima da sua cabeça, havia uma semelhança de trono
como de uma safira; e, sobre a semelhança do trono, havia como que a semelhança de um homem, no
alto, sobre ele.
27 E vi como a cor de âmbar, como o aspecto do fogo pelo interior dele, desde a semelhança dos seus
lombos e daí para cima; e, desde a semelhança dos seus lombos e daí para baixo, vi como a semelhança
de fogo e um resplendor ao redor dele.
28 Como o aspecto do arco que aparece na nuvem no dia da chuva, assim era o aspecto do resplendor
em redor. Este era o aspecto da semelhança da glória do SENHOR; e, vendo isso, caí sobre o meu rosto
e ouvi a voz de quem falava.

Mas olhei para Deus. No fundo de seus olhos. E disse: Em primeiro lugar, você não é um homem. É
uma mulher. Em segundo lugar, você não passa de uma ET. Uma astronautazinha saída de algum livro
de Erik Von Daniken.
Aliás, parece que você está com uma pneumoniazinha.
E eu estou com dor de cabeça porque eu fiquei respirando fumaça de óleo diesel.
E o que mais me lembro de minha mãe é que ela vivia dizendo que eu não seira nada. Que eu nunca
seria feliz.
Não me matriculou na escola. Não me deixava sair na rua.
Eu não tinha amigos. Não podia usar o telefone.
E tinha que limpar o cocô dos 18 cachorros. Todos vira-latas.
E o meu pai... Só aparecia no Natal. Me dava um panetone daqueles feitos em padaria. E ia embora.
Ele sempre usava sapatos vermelhos.
Então, aos 18 aos, minha mãe me flagou me masturbando. E me expulsou de casa.
Fui à casa do meu tio Egberto e ele me arranjou um emprego de representante comercial. Desde então
eu vendo utensílios de cozinha.
O produto que eu mais vendo é garrafa térmica. O engraçado é que eu não sei para que que garrafa
térmica serve.
Mas ninguém nunca me perguntou. Acho que todo mundo sabe para que que serve.
Peguei meu primeiro salário, fui ao Largo da Batata e comprei meu primeiro par de sapatos vermelhos.
Ah! Então era por isso que eu estava usando sapatos verlelhos! Porque eu só tenho sapatos vermelhos.
E eu moro num quartinho no fundo da casa do meu tio. E nunca mais vi meu pai nem minha mãe. Mas
montei meu próprio escritório e cheguei a ter um sócio, o Oduvaldo.
Um dia, depois do meu aniversário de 30 anos, pela manhã, chovia, coloquei meus sapatos vermelhos e
já ia sair para trabalhar, quando recebo um telefonema. Eu deveria ir ao km 30 e reconhecer o corpo da
minha mãe.
Me disseram que tinha sido estuprada e morta. Ao lado do corpo, só havia minha foto. Também
ensanguentada.
Cheguei lá. Uma gorda de 60 anos. Totalmente nua, suja. Aliás, imunda. Que fedor.
Policiais. Repórteres. Fotógrafos. Cinegrafistas. Curiosos.
Cheguei perto e falei:
- Mãe? É você mesma que está aí, morta?
Minha mãe respondeu:

FINAL 1 -
- Não, eu gosto de ficar pelada, com o cu para cima, ao lado de uma linha de trem.

FINAL 2 -
- Meu filho, vá limpar o cocô dos cachorros.

FINAL 3 -
- Por que você usa esses sapatos vermelhos? Não já falei que você nunca vai ser nada?

FIM

TOIOIOBA

O Presidente, vestido só com um paletó vermelho, uma cartola amarela e segurando um crânio, onde
há uma vela acesa, entra.
PRESIDENTE – O nome desse planeta será Toioioba. Aqui, os mortos serão enterrados com cocadas e
as tartarugas serão ensinadas a fazer equações de primeiro grau.
Entra a Primeira Dama. Tem os seios de fora e leva, no colo, um quati.
PRIMEIRA DAMA – Ai, Presidente. Toioioba! Que nome besta! Este nome não significa nada. Veja só
o meu quati: o nome dele é Solidão. Ah! Eu comprei uma boceta. Olha. Levanta a saia e mostra a
boceta.
PRESIDENTE – Bela! Belíssima boceta! Mas o seu quati é um imbecil. Por isto se chama Solidão. É
um quati, sempre foi e continuará sendo um quati. Vai morrer quati. Estou com inveja do seu quati,
aninhado em seu colo como se fosse um recém-nascido. Está amamentando? Por falar em
“amamentando”: para que serve sua boceta?
PRIMEIRA DAMA – Para me dar prazer. E se eu tiver prazer, darei prazer a quem me der prazer. Não
apenas com minha própria boceta, mas com minha boca também. Enfia o dedo na boceta. Depois,
cheira o dedo. Que cheiro gostoso! Lambe o dedo. Que gostinho gostoso! Tem gosto de quásares.
Solidão, você também quer sentir o gosto de minha boceta?
PRESIDENTE – Toioioba será o maior produtor mundial de ranho de nariz! Melhor dizendo:
corrimento nasal. Espere um pouco: quem foi que te elegeu, escolheu ou nomeou Primeira Dama?
Foram os taxistas? Ou os abreugrafistas?
PRIMEIRA DAMA – Nenhum nem outro. Foram as bactérias cadaverinas. Esqueceu? Se elas saíram
do seu próprio corpo? Você sabia que o meu quati tem dois corações? Um para mantê-lo vivo e outro
para grampear telefones celulares? Você já leu algum livro de Philip K. Dick? Eu te faço muitas
perguntas ao mesmo tempo? Você se incomoda comigo? Solidão, o meu quati, fica possesso! Possesso
de pulgas sãopaulinas.
PRESIDENTE – Não, não me importo. Passa. Não há nada neste planeta. Pausa. Anda em círculos. Só
nós dois e seu quati.
PRIMEIRA DAMA – O importante é fazer cocô. Dá licença. Abaixa-se e começa a fazer cocô. Ah...
Isto é muito bom... Eu sei, não precisa fazer essa cara. Eu sei que eu deveria ir ao banheiro, mas o
problema é que o código genético dos quatis ainda não foi mapeado. Por exemplo, quando chove, as
montanhas, mesmo as mais altas montanhas de Marte, com 27 mil metros, derretem. E você não me dá
sequer um beijo. Observando a Primeira Dama defecar, o Presidente começa a se masturbar. Ei, o que
está fazendo? Por que você perde seu tempo se masturbando? Tá, eu sei, decorar a Tabela Periódica
também PE perda de tempo. Já terminei. Posso limpar a bunda com sua faixa de Presidente? Cadê sua
faixa de Presidente?
PRESIDENTE – Não tenho faixa de presidente. Tenho esse crânio aqui, com essa vela. Sem perceber, o
quati começa a comer o cocô da Primeira Dama] Seu cocô tem cheiro de erva-doce. Percebe o
quati. Não é por nada não mas o seu quati Solidão está comendo seu cocô.
PRIMEIRA DAMA – Ver meu quati comendo meu cocô me deixou tão romântica. Penso em nosso
planeta Toioioba. Nos dois sóis. Nas quatro luas. Naquele outro planeta ali perto. E sabe de uma coisa?
O quati é um mamífero procionídeo que vive em bando. Não me importa que coma meu cocô. Desde
que me ame e não seja viciado em heroína nem em pirulitos de jabuticaba. Ei, Presidente? Até que
horas minha bunda vai ficar suja? Você vai gozar que hora?
PRESIDENTE – Que sono! Minha sobrancelha esquerda dói.
PRIMEIRA DAMA – Ah! Como estou cansada. Meus joelhos doem como porcos-espinhos
dinamarqueses. E o Samuel Beckett? Me disseram que está morando na Lua. Vou te contar um segredo.
Adolf Hitler sonhava que praticava felação em Karl Marx e acordava todo lambuzado de geléia de
amora.
PRESIDENTE – Geléia de amora. Ejacula sobre o quati, que sai correndo. Geléia de amora... geléia de
amora... Você falou a palavra mágica. Gostou do meu gozo? Minha porra te lembrou aquelas noites na
Líbia? E agora que eu terminei de me masturbar, vou comer todo seu cocô. Segura o crânio.
O Presidente se abaixa e come todo o cocô, enquanto a Primeira Dama pega o quati no colo.
PRIMEIRA DAMA – Enquanto você come meu cocô, vou falar sobre cocadas. Presidente, o senhor
precisa construir uma biblioteca. A biblioteca mais próxima fica em Alpha Centauri. Bem, a cocada é
um doce seco, de coco ralado e calda de açúcar. Deve ser fácil fazer cocadas. Eu acho que estamos
mortos. Solidão, você se lembra do campeonato de bolinha de gude de Wladivostoky?
PRESIDENTE – Viu? Comi tudinho. Adorei seu cocô. Tanto que nem precisarei ser enterrado com
cocadas. Hum. Estou sentindo aquele cheirinho de praia. Sabe aquele cheirinho de mariscos, de areia,
de água salada, de protetor solar? Meu nariz só fica entupido na Lua minguante.
PRIMEIRA DAMA – O interessante aqui em Toioioba é que cada Lua tem uma fase. Uma é cheia,
outra, minguante, outra, nova e outra crescente. Que chata a Terra, não? Só tinha uma Lua. E Vênus e
Mercúrio, que não tinham nenhuma? Já Saturno tinha dezesseis Luas. Era lindo, não era? Presidente,
me responda uma coisa – é muito importante para mim: você está vivo ou morto? E não preciso mais
limpar a bunda. O resto de bosta grudada no meu cu já secou.
PRESIDENTE – Vida?
PRIMEIRA DAMA – É. Vida. Ficou bobo? Pega seu crânio. Vou segurar essa porcaria até que
hora? Devolve o crânio.
PRESIDENTE – Há quanto tempo eu não digo que te amo? Um dia, uma semana, um mês, um ano, um
século, um milênio, um milhão de anos, um bilhão de anos? Sinto aroma do DNA do amor. Há pouco
sentia o aroma do DNA das pulgas dinamarquesas.
PRIMEIRA DAMA – As pulgas são corintianas. Quem são dinamarqueses são os porcos-espinhos.
Quanto à vida... o conjunto de qualidades e propriedades graças às quais animais e plantas se mantém
em contínua atividade, segundo o Aurélio. Quanto à vida... você dispõe de tais qualidades e
propriedades? Não estou com isso querendo dizer que você seja um animal ou uma planta.
PRESIDENTE – Não faço a menor idéia se estou vivo ou se estou morto. Também não faz diferença se
sou animal ou planta ou pedra. Não sei nem se as jubartes têm jugular. Se tivessem, seriam o sonho dos
tubarões-vampiros. Não sei nem o que é a vida ou a morte.
PRIMEIRA DAMA – Tudo bem. Mas me responda outra coisa: o que vai acontecer quando eu tiver dor
de dente e precisar de um tratamento de canal? Ou quando eu sentir vontade de comer o meu quati?
O quati pula para o colo do Presidente, apavorado.
PRESIDENTE – Tenho pesadelos em que me lembro do atentado. Acordo com gosto de sangue na
boca. Podem ser meus dentes podres.
PRIMEIRA DAMA – Tenho uma notícia para lhe dar. Eu vou embora. Você é uma ótima pessoa, mas é
melhor eu ir para te preservar e me preservar. E eu tenho o direito de ser feliz e viver minha vida.
PRESIDENTE – No entanto, se fosse eu que estivesse terminando esse relacionamento, você ficaria
arrasadíssima e passaria o resto da vida dizendo que sou um cafajeste.
QUATI – Desinfetante!

FIM
A MATA

PERSONAGENS

Edgar - jovem de 25 anos, foragido da prisão, narra a história em off


Vilma - sua namorada, idade equivalente, irmã de um companheiro de sela de Edgar
Companheiro de sela
Tio de Vilma, pedreiro
Traficante
Policiais num camburão.
Figurantes diversos

1 - BLACKOUT.
OFF

Eu vivi um único amor em minha vida.

2 - FADE IN. CÂMERA PASSEIA PELA MATA E CHEGA A UM CASEBRE VELHO E


PODRE, COM ASPECTO DE ABANDONADO. ENQUANTO ISSO, NARRATIVA EM OFF
CONTINUA.

Eu na verdade achei que jamais viveria nenhuma história de amor.

Achei que jamais amaria alguém.

Ou que jamais alguém iria me amar.

3 - A CÂMERA AGORA ESTÁ DENTRO DA CASA E SEGUE POR DOIS CÔMODOS


IGUALMENTE SUJOS E ABANDONADOS. ALGUNS RATOS E INSETOS PASSEIAM POR
RESTOS DE COMIDA.

Nem acreditava que o amor existisse.

A CÂMERA CHEGA NUM QUARTO ONDE HÁ UM COLCHÃO DE SOLTEIRO VELHO.


SOBRE ELE, UM JOVEM ESFARRAPADO DORME DE BARRIGA. A LUZ DO SOL ENTRA
POR BURACOS ENORMES NA JANELA E NO TELHADO.

Acreditava que as pessoas fingiam que amavam.

Ou que eram loucas em acreditar que amavam.

O JOVEM ACORDA, MAS NÃO ACORDA FELIZ. ACORDA COMO SE ISSO FOSSE UMA
GRANDE DOR.

Eu odiava as mulheres.

Pois desde que nasci fui abandonado por todas.

ELE SE LEVANTA PESADAMENTE E DIRIGE-SE A UMA COISA PARECIDA COM UM


BANHEIRO.

Fui abandonado por minha mãe, que me largou com minha avó.

VAI À "COZINHA" E ABRE A PIA MAS NÃO SAI ÁGUA. PROCURA ALGO PARA COMER
NUMA ESPÉCIE DE ARMÁRIO ONDE HÁ POTES SUJOS.

Minha avó me abandonou e fui entregue a uma tia.

Minha tia me deixou e fui entregue a minha madrinha.


4 - ELE SAI DA CASA SE COÇANDO E INCOMODADO COM A FORTE LUZ DO SOL.
EVIDENTEMENTE É CALOR. TAKES DO CASEBRE DE ÂNGULOS DIFERENTES,
ENQUANTO EDGAR SENTA-SE SOBRE UMA CAIXA E OLHA PARA O NADA.

Minha madrinha também me abandonou, quando eu tinha 15 anos.

Encontrei uma coroa que me levou para casa dela.

Mas aos 18 anos, a coroa me colocou para fora de casa.

5 - A NARRATIVA SE INTERROMPE POR UM MOMENTO. EDGAR LEVANTA-SE E


PASSA A CAMINHAR PELO MATO. VAI CAMINHAR PELO RESTO DO FILME MAS A
PARTIR DESTE MOMENTO, INICIAM-SE CENAS EM FLASH BACK.

Não me pergunte o porque de isso tudo ter acontecido pois eu não me lembro.

Não sei porque fui abandonado por mim mãe, minha avó, minha tia, minha madrinha ou a coroa.

Eu comecei achando que eu tinha alguma coisa que elas abominavam.

Mas depois passei a achar que as mulheres é que não prestavam.

Que elas sugavam seus homens ao máximo que quando não saía mais nada, os abandonavam.

6 - A PARTIR DESSE MOMENTO, TUDO O QUE ELE NARRA É APRESENTADO COMO


CENAS EM FLASH BACK, ENTREMEADAS POR CENAS EM QUE ANDA NO MEIO DA
MATA.

FLASH BACK. EDGAR, JÁ ESFARRAPADO AOS 18 ANOS, PEDE HUMILDEMENTE


COMIDA NUM BOTECO, SEM SER ATENDIDO.

Aos 18 anos, perdido pela rua, fui pedir comida num boteco.

VAI SAINDO DO BOTECO COM AR DE DESGRAÇADO-DESDE-QUE-NASCEU MAS É


ABORDADO POR UM HOMEM RAZOAVELMENTE BEM VESTIDO [PARA QUEM
FREQUENTA UM BOTECO] QUE O CHAMA PARA CONVERSAR DE CANTO.

Um cara me chamou e me ofereceu um serviço.

Fazer um avião de droga.

7 - EDGAR ESTÁ ENTREGANDO UM PACOTE NUMA PRAIA. DEPOIS, SENTA-SE


DESFARÇADAMENTE NUM CANTO ISOLADO DA PRAIA E ACENDE UM BASEADO.

Mas eu comecei a usar as drogas.

E para sustentar o meu vício, fazia aviões em troca de uma parte das drogas.

E era assim que eu ganhava a vida.


8 - NOITE. DORME NUM BANCO DE PRAÇA.

A cada dia dormindo aqui e ali.

Dormindo na praia ou em bancos de praça.

9 - BATIDA POLICIAL. EDGAR É REVISTADO E COLOCADO NO CAMBURÃO.

Até que fui preso e levado para a cadeia.

10 - EDGAR É COLOCADO NUMA CELA DE PRISÃO. FADE OUT.

11 - BLACK OUT.

Lá na cadeia conheci uma moça, Vilma.

12 - UMA MOÇA CUMPRIMENTA UM DOS PRESOS.

Era irmã de um companheiro de cela.

ELA TENTA CUMPRIMENTAR EDGAR, QUE SE AFASTA SEM LHE DAR A MÃO, SOB O
OLHAR INCRÉDULO DO COMPANHEIRO DE CELA.

13 - O IRMÃO DE VILMA CONVERSA COM EDGAR E A CHAMA COM UM GESTO. ELA


SE APROXIMA E DESTA VEZ, EDGAR A CUMPRIMENTA TIMIDAMENTE.

Durante muitas semanas ela tentou falar comigo, sem sucesso.

Mas o irmão dela me convenceu a conversar com ela.

14 - TAKE DAS NUVENS.

E foi assim que começamos a namorar.

Mas nunca tivemos relação sexual.

Eu decidi respeita-la e só ter sexo quando nos casássemos.

15 - BLACK OUT.

Mas houve uma rebelião no presídio e eu fugi.

16 - EDGAR CORRE BUFANTE E COM ROUPAS RASGADAS PELO MATO, ENQUANTO


OUVE-SE UM LOCUTOR DE RÁDIO DIZENDO:

"... cerca de 10 presos ainda não foram recapturados..."

17 - EDGAR, ACABADO DE CANSAÇO, CHEGA NUM CASEBRE ABANDONADO.

Fugi para o mato e achei um casebre abandonado, onde passei a morar.


18 - EDGAR ESTÁ DESESPERADO DENTRO DO CASEBRE, CHORANDO DE DOR, DE
FOME, DE NÓIA.

Alguns dias depois eu estava faminto e na maior nóia.

19 - EDGAR ESTÁ NUM ORELHÃO DE UMA AVENIDA, NUM LUGAR ERMO, À NOITE,
PREOCUPADO EM NÃO SER NOTADO.

Juntei coragem e telefonei para Vilma.

Falei onde eu estava escondido e no dia seguinte, ela me achou.

20 - VILMA ENTRA NO CASEBRE CAUTELOSAMENTE, SEGURANDO UMAS SACOLAS


E FICA MUITO PREOCUPADA COM EDGAR, QUE A ABRAÇA.

Trouxe comida, roupas e maconha.

EDGAR COME DESESPERADO E FICA SATISFEITO AO DESCOBRIR QUE HÁ UM


PACOTE COM MACONHA.

22 - ENQUANTO VILMA TENTA LIMPAR A CASA, JOGANDO PORCARIAS NUMA


SACOLA, OBSERVA COM AR DE REPROVAÇÃO A EDGAR, DO LADO DE FORA,
FUMANDO SEU CIGARRO DE MACONHA.

A maconha ela trouxe a contra-gosto, pois sempre insistiu para que eu parasse com aquilo.

23 - COM SEUS OLHOS CHAPADOS, ELE OLHA PARA VILMA.

Eu não podia acreditar que existia uma mulher daquelas.

Meu companheiro de cela estava certo.

Ela era uma mulher muito decente.

A mais decente que conheci em minha vida.

24 - AGORA A CASA ESTÁ UM POUCO MAIS ARRUMADA E LIMPA. VILMA E EDGAR


ESTÃO SENTADOS NO COLCHÃO PODRE DELE, QUE ELA COBRIU COM UM LENÇOL
LIMPO, ENQUANTO O ENSINA A ESCREVER.

Ela me ensinou a ler e escrever.

25 - EDGAR JOGA AS DROGAS NUMA LATA E PÕE FOGO.

Ela me ensinou a deixar as drogas de lado.

26 - VILMA APRESENTA EDGAR A SEU TIO, QUE MOSTRA O SERVIÇO PARA ELE.

Ela me arrumou um emprego de servente de pedreiro com familiares dela.


Foi o primeiro e único emprego decente da minha vida.

27 - VILMA E EDGAR ESTÃO TROCANDO CARINHOS, SOBRE O COLCHÃO DELE.

Vilma me ensinou o que é o amor.

E aos 25 anos de idade, tive a primeira relação sexual com uma pessoa que eu realmente gostava.

28 - MÉDIO PLANO. VILMA DEITADA NUA SOB O COLCHÃO, ENQUANTO EDGAR


ACARICIA SEU ROSTO E SEUS CABELOS.

Vilma era linda.

Tinha os cabelos mais bem cuidados e cheirosos que vi em minha vida.

Tinha a pele macia e perfumada.

Seu corpo era lindo.

29 - EXTERNA DO CASEBRE.

E fazia comigo coisas que nenhuma mulher jamais havia feito.

Eu queria ter aquela mulher a meu lado para sempre.

Nada iria me afastar dela.

30 - TAKES LONGOS DAS ÁRVORES E OUTROS ELEMENTOS DA MATA. EDGAR


CONTINUA ANDANDO, EM CENA PRESENTE.

FLASH BACK. EDGAR E VILMA ANDAM DE MÃOS DADAS NA MATA.

Então eu a convidei para um pique-nique no meio da floresta.

Ela ficou meio assustada mas foi mesmo assim.

31 - CHEGAM NUMA CLAREIRA E MONTAM UM PIC NIC.

Nós nos sentamos, abrimos uma toalha.

Comemos, tomamos um suco.

32 - DESTA VEZ, A CENA É FILMADA EM PLANO GERAL. MAS HÁ DETALHES DE


EDGAR RETIRANDO AS PEÇAS DE ROUPA DE VILMA. O CASAL ENTÃO FAZ AMOR
DE MANEIRA MAIS PASSIONAL.

Comecei a tirar a roupa dela e fizemos amor.

Fiquei pensando: o que seria de mim se Vilma me abandonasse.


Era difícil imaginar que ela me abandonaria.

Mas e se ela sofresse um acidente ou morresse ou fosse assassinada ou obrigada a se afastar de mim
para sempre?

O que seria de minha vida?

De onde eu tiraria forças para suportar tal sofrimento?

33 - PLANO GERAL. CÂMERA SE APROXIMA DO CASAL REFESTELADO NO LENÇOL.

EDGAR ENTÃO AJOELHA-SE ACIMA DO TRONCO DE VILMA, QUE O OLHA


APAIXONADAMENTE.

SUBJETIVA DE VILMA OLHANDO PARA EDGAR.

Levantei-me, peguei a maior pedra que havia ao lado dela.

PEDRA NA DIREÇÃO DA CÂMERA.

E esmaguei seu crânio.

34 - PLANO GERAL. EDGAR OBSERVA A CABEÇA ENSANGUENTADA DE VILMA,


MORTA. FADE OUT.

35 - BLACKOUT.

Fiquei tranqüilo.

Agora eu sabia que jamais seria abandonado novamente por mulher nenhuma.

36 - EDGAR DESENTERRA VILMA COM AS MÃOS.

Vilma está ali enterrada, naquele lugar que apenas eu conheço.

Eu volto ali de vez em quando.

Eu desenterro seu corpo e mesmo já tendo sido quase consumido pelos vermes, eu sei que ainda é a
mulher que amo.

LEVANTA O CORPO DECOMPOSTO NO AR. ESTÁ SEM ROUPA, COMO O CADÁVER.

Que é a única mulher que me amou de verdade.

BEIJA-O, DEITA-O NO CHÃO E INICIA MOVIMENTOS DE CÓPULA, ENQUANTO A


CÂMERA SE AFASTA, ATÉ FILMAR APENAS AS ÁRVORES.

E que jamais vai me abandonar.


37 - MAIS TAKES DA MATA.

FIM

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