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CAPITULO I A ECONOMIA POLITICA DA SOCIOLOGIA: MARX ENCONTRA BOURDIEU A agenda dos encontros 0s tolos correm por onde até os anjos temem pisar. Ocupar-se criticamente dos trabalhos de Pierre Bourdieu & dessas tarefas intimidantes ou, quem sabe, temersrias. Pierre Bourdieu foi e é o maior socislogo de nossa época. Ele € ‘0 tinico a ser considerado o pai fundador contempordneo da sociologia, com ceavergadura comparével a Durkheim, Weber ¢ Marx. Como estes, Bourdieu cra versado em flosofia, historia e metodologia; e, como eles, Bourdieu possufa teoria prépria e bastante desenvolvida sobre a sociedade contemporinea, sua reprodugfo e sua dinamica. Além disso, assim como aqueles autores, seus trabalhos so ineansdvel ¢ simultaneamente tedricos e empiricos, estenden- do-se desde a obras sobre fotografia ¢ literatura, pintura e esportes até & andlise da estratificago social contemporinea, da educacio, da linguagem ce do Estado, Seus escritos transpdem as fronteiras da sociologia e da antro- pologia — sobretudo com sua abordagem das estratégias sociais das familias ‘camponesas do Béarn*, onde ele nasceu. Incluem-se aqui seus livsos a res peito da Argélia, escritos durante o perfodo das lutas anticoloniais, época cm gue cle iniciava sua carrera de sociélogo. Os métodos utilizados por Bourdieu "Béaon, Regio doe Pironeus a sudoste da Franga a fronteira com a Espanha,pertencene 0 deparamento de Aqua (N. do) 2s vao desde sofisticadas andlises estatisticas até entrevistas aprofundadas € observagdes participantes, Suas inovagdes metateGricas, aplicadas de manei- ‘a incansvel a diferentes contextos hist6rioos ¢ a varias esferas da socieda- de, giram em torno do desenvolvimento da teoria dos campos sociais, da nogtio de capital e de habitus. Nao houve outro socidlogo com sua origina, Jidade © amplitude; nem com sua influéneia sobre tal variedade de disciplinas nas cigncias sociais ¢ humanidades, ‘Sc existe algume questo que perpasse toda a sua obra, esta é 0 tema do desmascaramento da dominagao, sobretudo @ anélise da dominagio simbs- ica ~ a dominagao que no é reconhecida como tal, Porque, quando os in- telectuais denunciam a violéneia fisica pelo mundo afora, cles ndo percebem {Que sto, também eles préprios, os perpetradores de outra forma de violént @ violéncia simbélica que dissimula a dominagao tomada como dada (d6xica) ¢ incorporada aos corpos e A linguagem dos individuos. Eis uma violéncia enjo uso € monopolizado pelo Estado tanto quanto & forca fisica, Ao exami- nar os dominantes ¢ os dominados, Bourdieu direcionou seus holofotes nZo apenas para os camponeses ¢ trabalhadores, mas também para diferentes camadas da classe dominante e da pequena burguesia; e ndo apenes para os Pintores ¢ eseritores, mas também para os académicos que perpetuam essa violéncia simbéliea, Bourdieu revela-nos quem somos por tras do biombo da objetividade cientfica: ele aponta para as formas pelas quais nds enganamos ‘nds mesmos ¢ ds outras pessoas com nossas ilusbes. Dessa fortna, a socio Jogia que aplicamos ans demais objetos precisa ser aplicada — igualmente « justamente — a nés mesmos, Sua insisténcia na reflexividade fot incansé- vel, afirmando que sue proposta nfo era denunciar ov incriminat os colegas Cientistas, mas liberté-los das ilusdes escoldsticas que suryem das condigdes ‘especiais nas quais eles produzem o conhecimento, a saber, a liberdade pe- ante as necessidades materiais imediatas, Para Bourdieu, conhecer melhor 48 condigdes de produso do conhecimento & a condigio para a produgdo de ‘um conkecimento melhor, Contudo, Bourdieu nfo se voltou apenas para dentro do mundo scadémico; se também se dirigin para fora dele, Com efeito, @ momento da autoandlise académica foi sua preparagio para o momento da anslise social*, Ao mesmo ‘empo que defendia obstinadamente a sociologia como ciéncia — uma ciéacia "No orginal indeed, he tuned inward ln onder beer turn outward, (Com fet, ee fo ara doco pars melhor i para fora) (N. do T) 26 que rompia com o senso comum, uma ciéncia que se tornava frequentemente inacessivel —, Bourdieu também foi o maior sociélogo publica da nossa épo- ‘ea; foi o porta-voz de diversas questdes importantes, tanto na Franga como no ‘mundo afora, Ele se tornon mais e mais franco e direto & medida que sua car- tein resto aang, desemlvondo sv Sp est ees curopca sobre livose uma se dca sete ppl le er vio som Petra nce plea, mols yrs, stacando a pps mesh. tots dave ene eco ao bio ls oncou poleia coma tenta fandamenttsmo de mec que iva dion sien dos campos depres nls ata, Embor grande tec 8 oa tr be acompabar ecompreener, pore Bondi presi com owersecm rr sdf cs ests ds anes 99, tnt oie ‘cramer mre a enor flg0 dap, Se iors en Sido A modi do mand fu ere peo copeav escon newl que dsr sfimento das clases domindat n igsage ot rvs toe Tara fo sacs qe eu lcimento om 20 caps apres do onal Ze Mond Ec havin eto srens un soioge bli lobe mas tb um insect pie excl oa pot uns fdanetsd soto crn pb, que de ssp iar egrs dings com Boi, Mas gu sgt oem ae comin a socio eticn epics Como tera dt) a Ses domes to en capead de compre soso fase tue pri opesto aes mint Ho ips menage de volaiasimblica? Como pero ox pblios da sociologist senda pa alm os oilogose nels alias msn mss tnt: Sonate tetestaa exe qe Bourdiaerava, O parton ah San condi ene waa de ovr ue supra ue madrid coil fesedscamente eure — ows pa plica ng — cov colcn Bure ene asics idea plc creas de nesso Temp. ato pre es ua qa sia els ene ncaa apn, cn on nels seus rents plo isa questo qu daminad todos os nots enon om Bourd, * Bouries falesen devide ao clncerem 23 de anero de 2002. (N. dT) a7 Relendo Bourdieu com éculos marxistas E simplesmente impossivel abordar o trabalho de Bourdieu diretamente. A sbordagem precisa comosar pelas bordas*. Ele proprio sempre defendeu que Jer um autor ou uma autora era, antes de tudo, localizé-lo ou localizé-la dentro de um campo de produsao intelectual —com seus antagonistas, competidores € aliados que sto assumidos como dados e que invisivelmente conformam as Dréticas dele ou dela. Bm As regras da arte”, Boardiew mostra-nos como Gus- {ave Flaubert** possufa certa percepeao misteriosa de um campo litertio ainda incipionte. E claro que Bourdieu (secretamente ou mesmo de forma incons- lente) se identificava com Flaubert em seu préprio projeto de fazer nascer um verdadeiro campo sociol6gico — primeiro nacional e depois global ‘Mas Bourdicu munca se empenhiou no exame daquele campo dentro do qual ele talvez £0580 0 principal representante: o campo académico francés. O'mais r6ximo que ele chegou disso foi com seu Homo academicus? «le e propés a fazer uma anélise do campo académico francés em bloco, quer dizer, ele examinou as relagdes entre as disciplinas académicas mas no exa- ‘minou o préprio campo disciplinar, Nao obstante sua insistEncia na “hetoron- nilise” do campo ndo obstante sua breve “autoanélise” do proprio divércio com a flosofia, existem claros limites 2 reflexividade em Bourdieu. Em sua concepgdo do campo sociolégico francés, ele pds a si mesmo no centro. todos s demais competidores foram simplesmente rejeitados ou relegados « meras notas de rodapé, Mula tarefa aqut é ressuscitar alguns desses {dolos mortos ¢ ‘estitair suas vozes para poderem responder a Bourdieu. Essas conversagdes ‘sto uma reconstituigdo imagindria sobre como essa sétie de te6ricos sociais —livro no qual * No rigs: The appouch hast becca ean) Guar te (8-18 rs as alia € preciosismo estlistico. O primeiro e mais lide romance de Flaubert, Maz (08510 bseaco emis da Fi ctidianaepovcuy rane impo open ne, {lcs de pce, pr sua devastadora rita ds convencéeshipertas da sciedae brgwee, Segundo Fb nie devia aver oma pedo aes tears stinceee ate gern Fate psenciosipanivl on rene plc ea Frge (aloe se omar, como fia mas eG aa tet). Pre spon abort fl ec pr Boutin como tend campo ttrecar sees fe erate tla em gue agra pla artes contest dears nee Coan Ie end io tia in ee compose is pole) Ver Pe Bone, Arges dean gine eee oon iterério, 1996, pp. 63-132. (N. do T.) i eliaeaeaee ‘ous. (A sbondager tem de ser perimetral), famoto pr sus objeivi- 26 | falecidos poderia confrontar as alegages de Bourdieu. Por isso, eu trago-os de volte & vida para se encontrarem com ele e conosco. Bu no desejo e nfo posse recriar aqui todo 0 campo dentro do qual Bour- dion estava inserido. Essa tarefa estaria muito além das minhas capacidades cos artisti- documentais, porque incluiia af os fl6sofos, os linguistas, osc 05 ¢literérios, assim como os socislogos ¢ os antcop6logos, enfim, todo o ‘campo intelectual francés. Alids, « prova do estatuto olimpico atingido por Bourdieu dentre os deuses da teoria social é que podemos escolher quase qualquer grande pensador da sociologia — a comegar por Weber e Durkheim, ‘Marx e Simmel — e introduzi-1o em um diélogo proveitoso com Bourdieu, Por isso, eu escolhi um conjunto especial de te6ricos da sociedade que peram- bulam feito fantasmas por toda a obra do autor. Diferentes de Bourdieu, cles acreditavam que 0s dominados (talvez alguma parte destes) pudessem sob certas condigdes perceber avaliar a natureza da sua propria opressio. Com feito, aqui eu me refiro a tradigdo marxista que Bourdieu empregava mesmo ‘sem admitir isso, chegando inclusive ao ponto de recusar &tradigdo marxista ‘algum lugar no campo intelectual descrito por ele. Para iniciar nossos encon- twos com Bourdieu, escolhi te6ricos marxistas com perspectivas diferenciadas acerca do papel e do lugar dos intelectuais na teoria social ¢ na vida publica politica, a saber, Antonio Gramsci, Frantz Fanon e Simone de Beauvoir. Eu comegarei entdo com Karl Marx, cujo calcanhar de aquiles ¢, sem duvida, a austncia de uma teoria dos intelectuais; terminarei ento com Wright Mills, ‘cuja arquitetura tedrica ¢ similar Aquela erguida por Bourdieu. Embora Marx nunca tenha devotado séria atengio & questiio dos intelee- tuais — 0 luger deles na sociedade e seu processo de trabalho —, sua teoria do capitalismo como sistema de produeo autorreprodutivo e autodestrutivo est, todavia, inserida profundamente no tratamento que Bourdieu dé aos campos de produgdo intelectual ¢ cultural. A estrutura subjacente em Bour- dieu 6 similar a0 compromisso de Marx e de Engels com o pensamento he- geliano, tal como esborado em A ideologia alemat. Contudo, Bourdieu des- ‘via isso para outra dirego — mais rumo ao estudo dos campos culturais do que no sentido do campo econdmico. A partir de Marx, nds iremos para Gramsci e sua teoria sobre os intelectuais, que traz 3 tona a ideia da hegemo- ria —esse conceito & primeira vista tdo similar, porém, em uma andlise final, bastante diferente do conceito bourdievsiano de dominagao simbélica. O segundo encontro é, portanto, a tentativa de “acertar as contas” entre Bourdieu © Gramsci. Ali n6s examinaremos a agio estratégica dentro dos campos cul turais, concebida nos termos da metéfora do jogo — amplamente utilizada 29 or Bourdicn, No tcrceiro enconta, eu evocarei minha propria expericia 3a andlise dos jogos em ambientes de trabalho no capitalise no socal ‘mo, fim de me perguntar em que eondigdes os irabalhadores poderiany ‘energar através dos jogos e para alémn dos jogos — possiblidade em relopto 8 quel Bourdieu teve apenas uma remota suspeita Tremos da para 0 quarto encontto¢ os primeitos wabalhos de Bourdien Sobre questo ageing, aos quas Se antagonist silencosoera Fant Fanon « sua teoria sobre o papel eo lugar dos intelectuis nas lntasanicoloniss, em aue estes podiam ser encontrados apoiando tanto a burguesa nacional coro 0 campesinatorevluciondrio.Curiosamente, em oposigde& Fanon, abs encom, ‘ramos Bouidiew sendo 0 mais ortodoxo marxista,proclamando 6 poteseal ‘evolucionério da classe tabalhadora argelin, Embora alguns comentadores ‘enham wagado cera linha de continuidade ou de estabilizagio ns escrito de Bourdieu da sua fase argelina em diante, o tratamento dado por ele as classes twabalhadora argetinas parece sec bastante diferente do tatamento dispensade A cles trabaladora francesa, como vemos em sua obra métimma, A disineto, E cfc ceacionar aqui as does aboréagens pati de Fanon, ns iemoe so quint encontro, dese fete, ent Bourdieu e Beauvoir em tomo dh questio 4a dominagdo baseada no género, Ali abs veremos &espantosa convergsncia dos dois em tormo da importtacia do poder simbélico. Contado, Beauvois opbe-se a Bourdiev ao confers mulheres intelectuais a capacidade de emer sae através de submissio de um género a outro ede lutar conse Port, 16s encontraremos Weight Mills, cujs tcorias da estuineagdo, da poltion 4os pibicose dos intslectuals se aproximam intimamente daguele proposes or Bourdieu. Como o titulo do dtimo capitulo sugere, Wright Mil fo! umn Bourdieu estadunidenseantos mesmo do Bourdieu orginal. com efeito,néa Podemos encontrar varias refertaces fevorveis elogoaas a Wrgst Mille nos escrtos de Boureu, Tanto Mills como Bourdieu tiveram rlagdes ambiguas com Marx ¢-0 ‘arxismo, Assim como Mills, Bourdieu tomara muitos empréstimos de Kee Marx, tal como ele &s vezes admits; mas ndo houve ali nent sigloge aberto ou consistente com o marxism, Aléi disso, Bourdieu detaou pare trés um concito que foi deveras central pra Mar, a sabe, o concer dees ploragdo. Ainda ssa, como procurrei mostrar a segui, a etatua do eave Vimonto de Bourdieu com o universe da filosofia« das citnctas seciaie€ sndloga uta corpo a corp fwrestling] ravada por Marx e Engels contra os ovens hegelianes, 30 4 ECONOMIA POLITICA Da S0CrOLOGIA: MARK ECONTAG BOURDIEY Bourdieu e A ideologia alema No coragao do projeto teérico de Bourdieu encontraremos & tentativa de superagdo das falsas oposigdes e de earacterizagdo de uma distingo em par- ticular: aquela entre a Idgica da teoria e a légica da pratica, ov, como ele ‘com frequéncia denominou referindo-se & critica de Marx a Hegel, a distingao. centre as “coisas da Idgica” e a “I6gica das coisas”. Coneretamente, isso sig- nifica que as condigdes socialmente necessdrias para a produgBo do conhe- cimento cientifico (e academia e suas liberdades de competigo) sio pro- fundamente diferentes das condigdes nas qusis o conhecimento é cotidianamente produzido. Existc, assim, certa ruptura entre o conhecimen- todo dia a dia, os saberes populares, e 0 conhecimento cientifice ou escolds- tico, Com bastante frequéncia, essa distingto se desfaz pelos dois lados ¢ & propria ruptora é novamente partida: de um lado, por aqueles que projetarm a cigncia sobre a vida cotidiana (Lévi-Strauss, os economistas), como se as pessoas de alguma maneira seguissem no dia a dia os princfpios deseobertos, rna acedemia; e, do outro lado, por aqueles que reduzem a ci€ncia a0 conhe- cimento cotidiano (0s interacionistas simbélicos, a etnometodologia), como, se nada existisse além das tcorias populares e o conhecimento de si. Bourdieu retoma e aprofunda a distinglo entre a teoria ¢ a pritiea, a comegar por seu Esboco de wma teoria da prética’ — obra revisada algumes vezes depois da primeira edigdo francesa (1972) ¢ antes da versio em inglés (1977) — pros- seguindo com A ldgica da pratica, de 1980, e culminando nas Meditarées ascalianas, de 1997" — sua tltima elaboragio teériea geral ‘Essa distinglo entre teoriae prética é « mesma feita por Marx e Engels n'A ideologia alemd e seu opisculo acessbrio: As teses sobre Feverback. Com feito, a arquitetura das Meditardes pascalianas de Bourdiew mantém certa semelhanga misteriosa com esses primeiros trabalhos de Marx ¢ de Engels, fem que ambos acertam as contas com sua consciéncia filoséfica anterior: 0 ‘dealismo alemido. Na tradigdo hegelians, a Histéria € a historia das ideias, & ‘a manifestag&o da consciéncia, é a autocelebragdo do intelecto do intelectual, Em relagio a isso, Marx e Engels manifestam sua desaprovagio: ‘Como temos ouvido dos idedtogos alemes, a Alemanha nestes Wlkimos anos ps sou por ume revolugio sem precedentes nem paralelos. A decomposigto da filosotia ‘egetiana (.] tem tevado a cera fermentapao universal dentro da qual todos 08 “po- eres do pasado" foram solapades (... Essa foi uma revolugdo diante éa qual a Revolugio Francesa parecia brincadeira de crianga foi uma batalha mundial diante a ‘da qual ab batalhas dos disdocos® pareceriam insignificantes. Os prineipios desloca ramvse uns dos outros; 0s herdis do pensamento rebelaram-se uns contra os outros com inaudita coleridade; © em um prazo de trés anos (1842-1845) 0 passado alemtio havia sido varrdo para longe, o que noutas épocas] Tevaria rs sécalos para ocorter. ‘Supée-se porémn que tudo isso tenha ocorrido no eampo do pensamento pure Bourdieu escreve de uma forma semelhante: “Essa € a ilusio tipica do lector, o qual é capaz de tomar um comentério académico como se fosse um ataque politico ou de tomar critica dos textos por uma faganha de resistencia, experimentando assim revolugdes ne ordem das palavras como se fossem re- volugdies na ordem das coisas”. 0 problema — afirmavam Engels ¢ Marx — € que os filésofos alemies se hhayiam alienado do mundo e imaginado seus produtos como provenientes de uma terra de avassaladora importinci “No ocorreu a nenhum dessesfil6sofos indagar qual era a conexéo entre a filosofia alema e a realidade alema; e qual cera a relagio entre sua eritica e seu proprio entorno material", A raiz desse autoengano jazia na divisdo entre o trabalho intelectual c 0 trabalho manual, aps a qual “a consciéncia péde realmente se imaginar como algo diferente da conscineia da préxis humana, como se ela realmente representasse algo, som todavia representar algo de real”. Assim nasceu a teoria pura. Os jovens hegelianos nto eram, pois, diferentes do seu mestre Hegel, opondo punhados de frases a outros ponhados de frases, sem a0 menos conironté-las com “o mundo realmente existente”. Dies imaginavam ser tio radicais, trazendo llegel do céa para a terra, enquanto simplesments reproduziam a filosofia hegelians, No lugar do espitito etéreo, eles passaram simplesmente 2 venerar “o homem” né sua forma ideatista — como entidade ou como espécie — em ver do homem na sua existEncia empirica. Marx e Engels propuseram essa quebra epistemol6- ‘pica real, demandando novos pontos de partida. Bles insistiram em partir das remissas reais da histéria: para sobreviverem, homens e mulheres precisam proctiar e produzir os meios necessétios & sus sobrevivencia; ¢ ao realizarem tais atividades, eles entram em relagves uns com os outros, E apenas a partir dessa existéncia prética que a conscigncia emerge. * A puera dos didocos, Referincia as membros do Estado-Maior que ideravam os exéritos {de Alexandre da Macedtnia. Com a morte prematur deste, 0 dddocs eatrarum em conto interno pla dsputa da soberania tertonil das conquistasalexandrnes. A guera duo qus ‘eo eadas (3232260 .C.).O resultado fla tragmeatagdo em viriosreinos do que er até ‘entloo maior impécio do mundo antigo. (N-do™) 32 | | EcONOMI POLITICA ba SOCIOLOGIA: MADE CONTRA BOURDIEU (Qs paralelos com Bourdieu slo assombrosos! Bourdieu enumera entio cer- tas “ilusbes escoldstieas” — visdes do mundo que slo a projeezo das condigoes 4e existéncia privilegiadas dos intelectuais, a saber, sua vida despreocupada © livre das nacessidades materiais imediatas que ele denominou skhol2: condigio {que nada mais € sendo 0 produto da divisio apontada por Marx entre otrabalio intelectual eo trabalho manual. Ignorando as condigGes especiais da sua exis- tncia, os intelectuais tendem a universalizar seu proprio ponto de vista esco- Lstico — tal como ovorre no ideal habermasiano da comunicagio sem distor- ‘es, ou como se dé na teoria da escolha racional. O leitmotif* de toda a obra de Bourdieu pode ser encontrado na primeira tese de Marx contra Feuerbach que também é s epigrafe do seu Esboco de uma teoria da prética: (© principal dfsito de todo materialism até aqui (oclusive o de Feuerbach) € que ‘coisas a realidad ea sensbilidae so concebidas apenas sob a forma de objeras ou Lemon Lenore (motivo condator) No desaro de uns Opera, ate do tema musical ‘lla pars carcteriear um sertiment, em acontecimento ou wn personagem, evocando sua lembranga Esse recurso fo empregtdo com frequénca por Georges Bizet (1838-1875) Richard Wagner (18-1883). 0 autor refere-seaguiconstincia dt nogko de habitus em Boardieo, través da qual eo pretendea combatr tanto @ mosancismo ectutraisa (one (oa sp ive) como o indvidualismo metodolépico (a negaio ds imposgtes do mondo ‘Soci, Ver Piere Bourdieu, Mediagdespascalians, 2001p. 168.(N. 60) 8 Em outras palavras, enquanto Marx reduz a atividade prética datividede cconémica e sobre essa base consti a histéria humana como sucesséo de ‘modos de produglo, Bourdicu estende a ideia da atividade prética 4s esferas de produgio intelectual, Bis 0 ponto em que Bourdieu se aproxima e se dis- tancia de Karl Marx. Em su anélise da economia do ponto de vista da pro- uigio) ¢ a prépria produgko (o processo de trabalho, a divisto do trabalho, as, relagdes produtivas). A anélise feita por Bourdieu dos campos sociais tende a colapsar essas duas relagbes, reduzindo a divislo do trabalho a simples posse de um capital e, com isso, eclipsando a ideia da exploracao que, pelo menos no esquema marxiano, conduzia as lutas de classe. Nos podemos verificar isso mais claramente na notivel descrigho que Bourdieu fez do sistema econdmico em As estruturas sociais da economia’: sua andlise das estruturas de produgao e consumo no mercado imobilidrio, Aqui, 0 campo de produce € apresentado como a luta competitiva entre mercados nacionais e mercados regionais, entre a construgo de mansdes ¢ ‘ construgio de indistrias, apelando a um mercado socialmente estratiticado, ‘A maior parte do livro 6 dedicads & descrigo do modo como o Estado estru- {ura tanto a produgdo cémo o consumo e, assim, cria campos homdlogos que se encaixam com relativa perfeicto. Para Bourdieu, o capital (tanto o econd- mico como o simb6lico) determina a posico do agente no campo: 0 capital € possuito e acumulado pelos agentes durante suas lutas competitivas. Con tudo, Bourdieu nfo revela a relagko desse processo com nenhum conceito que evidencie a explorago, O capital é sim uma relago, porém, nesse caso, € mais uma relagdo entre capitalistas do que uma relagio entre capitalistas ¢ trabalhadores. Claramente, a andlise que Bourdieu faz da economia é destinada a realcar sua dimenséo cultural. Ora, que melhor objeto hé para fazer isso send as casas, Que sto simultaneamente um objeto material e wn objeto cultural? Alguém poderia mesma inserir novamente conceitos de exploragio nos bastidores da 7 produgio imobilidria a0 considerar os detalhes do processo dé trabalho; ¢, com efeito, hd indfcios disso em As estruturas sociais da economia, Mais interessante, porém, é 0 papel da exploracio nos campos cultural e intelec ‘wal. Ao escrever sobre a segunda dimenséo dos campos culturais, Bourdieu concentra-se nos desafios da vanguarda art{stica; ele ndo v8 0 relacionamento entre os dominantes ¢ os dominados em termos de exploragio simbéliea, mas em termos de uma luta para dominar 0 campo e definir seus termes. Como entéo poderfamos incorporar a dualidade marxiana &s relegdes interiores aos campos culturais — com o reconhecimento tanto da domi- nago como da exploragao? Aqui, eu preciso retornar & questo do campo sociolégico, do qual falévamos acima, Isso é importante porque, como dis- se antes, malgrado toda a sua preocupagio com a reflexividade, Bourdieu ‘nunca prestou muita atengio a0 seu préprio campo: 0 campo sociolégice. Seu Homo academicus" compara disciplinas dentro do campo académico francés, indo desde aqueles campos mais heterdnomos, da advocacia ¢ da engenbaria, intimamente conectados a outros campos para além do uni- verso académico, até os campos das artes e das ciéncias. Dentro destas, ele apresenta um ranking de prest{gio das disciplinas, que ele sugeriu ser homélogo ao prostigio e & reputagio das credenciais educacionais — elas Préprias ligadas 2s origens de classe dos estudantes ¢ professores. Mesmo dentro das humanidades e das ciéncias sociais, hd algumas disciplinas que sio mais autOnomas que outras. Esse 6 0 caso da sociologia: como disciplina péria e dotada de posigdes polticas antagOnicas, ela é menos propensa a ser cortejada pelas classes dominantes Se Homo academicus oferece um quacro inicial para a observagio do campo sociolégico, a andlise que Bourdieu fez do campo cientifico oferece- ‘nos um segundo quadro". Aqui, cle advoga que a cigncia avanga por meto da competigto pelo luero simbélico dentro do campo. Em certo irecho das Meditagées pascalianas*, Bourdieu compara a competigho no campo cienti- ‘Sco com os combates de guerrilha, Porém, quando essa competigo se inten sifica, ocorre a concentragio do capital especifico nas maos de um mimero ‘cada vez. menor de individuos dominantes. Contanto que o campo seje rela ‘ivamente aut6nomo, nenhum problema hé nisso. Existem sempre renovago ¢ inovagao na academia, porque os pretendentes ao trono — a juventude & 0s sucessores — certamente desafierdo os titulares do posto. Seje em Homo ‘academicus, seja na anélise do campo cientifico, a problemética da explora ‘gio aparece em Bourdieu, no pior dos casos, como um fendmeno perifrico. | 8 I O campo sociolégico ‘Consideremos agora 0 campo da sociologia estadunidense. Como enti po- deriamos introduzir a distingdo marxista entre a divisaio do trabatho — ou a produgio de diferentes modalidades de conhecimento — ¢ as “relagdes de rodugao" — ow a distribuigio do capital académico sobre a qual elas se de- senvolven? Nés podemos comegar aqui com a disting4o feita por Bourdiew ‘entre 03 polos autnomo e heterénome do campo. Quer dizer: nés precisamos iferenciar a sociologia que & produzida para nossos colegas soci6logos, de um lado, da soctologia produzida para o consumo fora da academia, de ‘outro — nossas audigneias académica ¢ extra-académica, respectivamente. Bourdieu era muitissimo desconfiado desta dltima, por temer sua influéncia, ccortuptora sobre a autonomia do conhecimento, Nao obstante, ele reconhecia que, se a sociologia ndo possuisse nenhuma audiéncia mais empla, nds bem ‘que poderiamos arrumar nosses malas e partir. Ele mesmo jamais perdeu cportunidade de se comunicar com audigneias mais amplas Isso nos leva sogunda dimensio de divisio do trabalho. Bourdieu era um exitco severo e mordaz dos socislogos que ele considerava servos do poser € dos especialistas que viviam a servigo das elites € que produziam aquilo que eu costumo chamar de sociologia para politicas piblicas. Bourdieu, contudo, ra favorével e simpatico Aqueles que se diigiam aos piblicos mais amplos pera tratar de temas de fundamental importincia para ¢sociedade, aavilo que eu costumo chamar de sociologia publica. Trata-se aqui de uma diferenga antiga — central para Weber e para 0s filésofos de Frankfurt* — entre, de um Iado, 0 conhecimento instrumental, que toma como dados 0s fins € 08 meios, preocupando-se simplesmente com os meios mais fieazes para stin- Esco de Frankfurt: movimento fos6fcofundado em 1923 « vineulado & Univeridace de Frankf. Seu primeira expoente fol Max Hokhelmer (195-197) cu Teoria Cie poss Inspiapto marnist efeudlana. Pars essa escola, o marxisme, como quelgacr ont tors, overia se submeter Acrica, Seus membros admitiam qu a revolugo protetéra que havens {Ge herr umanldade ago ers inevitdvel como o postolavam os mrss e que 0 proprio ensumento trio no era completamente independents ds fogas soca. fungo datsria xia seria aalis ereveae a origens dosastearas, sem acet-es de ied, como ¢ faziam os empirstas os posivistas, piss implicana se submatr 4 cndigSe opressras as quaiso pensamanto instrumental 6 expresso e eramenta, Em 1934 oF nasi feeht- ‘am pinata que abrigeva esse movimento flessfio, por suas tendécits esquerdistas pela ‘orgem jucsica da maicia do menos, muitos dos quss se exlaram. Ostia fo rebeno 251 Nova lorque es reorwou a Frankfurt no iniio dos anos 1980. Dente ot filgrofos ce Frankfur, desacamse Theodor Adorn (103-108), Waller Benjamin (1892-1940), esbert, “Marease (195-1979 eisgen Habermas (1923). (N. 60) 2» ‘sir 08 fins, e, do outro lado, o conhecimento reflexivo, que se interroga sobre aqueles mesmos fins e meios de uma mancira mais discursiva — 0 que Weber chamot de discussio valorativa. O conhecimento reflexivo coloca na berlin- a os fundamentos do conhecimento instrumental: ¢ a sociologia publica faz ‘emergir questbes que a sociologia para politicas pblicas costuma ignorar ou rejeitar. A distingSo reftexivo-instrumental aplica-se no apenas & audiéncia cextra-académica, mas também ao hermeticamente fechado mundo acedémico. Aqui, nds distinguimos, de um lado, a resolugdo de quebra-cabegas te6ricos 2no interior de programas de pesquisas divergentes que tomam como dados os pressupostos morais, edricos ¢ téenicos de sociologia profssional, e, de outro lado, a sociologia critica, que examina aqueles mesmos pressupostos morais, te6ricose téenicos, primordialmente, no interior da academia, Nesse quadrante, 1n6s poderfamos encontrar « sociologia critica de Gouldner, Wright Mills, So- rokin, Lind e outros, que forain decerto muito eritieas dos pressupostos técitos 4a sociologia profissional estadunidense. Na tabela a seguir, vetnos a diviso do trabalho socioldgico™, Tabela 1: divisto do trabalho sociol6gico EEL PEE ‘Audlncli académica —_ Audlénca extre-scadémica CConhecimento instrumental Proisonal ara plicas pablcas Conhecimento efexvo citico Publica @ primeiro movimento do argumento mérxiano coatra Bourdieu consiate em distingureseparar a divisto do trabalho socioligico (como parte do cum. 0 académico) de distribuigto do capital espectico desse campo, nesse caso, 0 capital cientifico-académico. Aqulo que estéem dispita no jogo académico 0 reconecimento conferido pelos pares concorrentes e, ncsse aspecto, 0 capital académico depence a) da posigto do deparamento onde se estéempre guido atwalmente¢b) da posicéo do deparamento onde se fra treinado ants. claro que cada agente possu seu proprio capital académico individu, ba- seacdo em publicagdes, em distingSes, em prémios; mas tudo iss est intima. mente elacionado a aflagso desse agent adeterminado departatento. Aém disso, estudos anteriores indicam que aqueles agentes especiazados em co- nhecimento instrumental (profissional e pera politicas publicas) geralmente foram treinados em departamantas de primeira classe elite], enquantoaqueles agentes exjofoco se volta mais para conhecimentorefexvo ertico e publi 0) tendem a lecionar em depariamentos de segunda classe [non-elite, Exis- 40 pe tem, contudo, algumas intersecsdes interessantes: com membros de departa- ‘mentos de primeira classe apoiando e participando ativamente da sociologia piiblica; e com membros de departamentos de segunda classe advogando praticando ativamente a sociologia profssional. Esses dois lados desempenhamm pepéis-chave nas lutas do campo. Na tabela a seguir, vemos a distribuigao do capital acad@mico. ‘Tabela 2:A distibuigao do capital académico Destino: departamentos _Destina: departamentos se primeira classe desegunda classe ‘Origem: departamentos: | ‘Situacionistas Desclassificados de primelra classe Origem: departamentos Aspirantes Biploredos de segunda classe 0 segundo movimento do argumriento marxiano contra Bourdieu € reco- hecere denunciar a distribuiglo desigual do capital académico como sendo 1 base para futuras relagées de exploraedo. Quer dizer: as prerrogativas para fazer pesquisa em departamentos de primeira classe ou para obter remune- rag3o igualmente alta dependem de uma carga extra de trabalho intelectual ‘com baixos salérios naqueles departamentos de segunda classe, incluindo, & claro, © emprego mal romuncrado de trubalhadores tempordtios o estudantes de graduagio empregados como professores, inclusive em departamentos de primeira classe. Essa desigualdade entre o trabalho realizado ¢ 0 pagamento recebido ¢justificada com base em uma meritocracia dos talentos: 0s melho 128 soci6logos estariam alocados nos melhores departamentos e os melhores ‘estudantes seriam contratados como estagiarios. Mas tudo isso mascara as, relagbes de exploracio no interior do campo, assim como as vantagens dife- renciais oferecidas pelo departamento no qual se fora treinado antes. A desva- lorizago das sociologias critica e piblica — quer dizer, as sociologias asso- ciadas aos departamentos periféricos —, como se fossem sociologias inferiores, esconde as relagbes de exploragio entre os departamentos de pr meira linha ¢ os departamentos de segunda linha, bem como a exploragio no interior dos proprios departamentos centrais. 0 terceiro movimento contra Bourdieu consiste em questionar sua nogo ‘be campo cientifico que ele circunsereve apenas 2 sociologia profissional. Sua andlise reduz as lutas no interior do campo & competico entre os pesquisado- a res estabelecidos e &s sucessivas batalhas entre estes e a nova geragio. Bour- diew mio vé que, para além do campo centfico da sociologia profissional, 1é 0 campo disciplinar que inclui no apenas as sociologias profissional ¢ para politicas publicas, mas também as sociologias eritica ¢ piblica, dessa forma, incluindo tanto os departamentos de primeira classe como os depar: tamentos de segunda classe. O que esté em jogo aqui € a propria definigio de campo —o cientffico versus o disciplinar. Bourdieu limita o campo aque. les departamentos lideres onde a pesquisa cientifica esté concentrada, diti= indo terriveis ataques aos colegas que vendem sua pericia téonica ao Estado 20 capital privado. Ele sequer cogita sobre o trabalho das sociologias pi- blica e critica, conduzido pelos departamentos periféricos, Dada sua postura ‘condenatéria as sociologias que sto piblicas, orgénicas, ativistas, ele é mui- to critico om relagio aos departamentos onde estas sto praticadas — justa- mente os departamentos periféricos. Das lutas por classificagao as lutas de classe © quarto movimento contra Bourdieu vem da expanslo do eseopo das hutas: {das lutas sucess6rias as lutas entre dominantes e dominados pela valorizacio de diferentes categorias de sociologia, Nos recentes debates acerea da sociologia piblica, pudemos verificar o chogue entre as estratégias de conservagao © as estratégias de subverslo*. Os grupos dominantes — os sociélogos treinados em

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