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Sob a influência da lua: António Nobre

Pedro Marques
Doutor em Teoria e História Literária - UNICAMP
Professor da Faculdade Comunitária de Campinas - Unidade 3
Editor do site Crítica & Companhia
e-mail: pedro_marques77@hotmail.com

Resumo Abstract

“Da Influência da Lua” auxilia a compreensão da curta e “About Moon’s Influence” helps to understand the short
pujante obra de António Nobre. Além de proporcionar a reflexão and powerfull work by António Nobre. The poem provides
sobre pontos específicos da estética simbolista delineados na readers to think about the specifics components that this poetry
poética nobreana, o poema re-elabora de maneira particular um admits on the simbolist aesthetic. Its verses still develop with
dos grandes lugares-comuns da lírica, para não dizer do originality a large cliché of occidental lyric: the Moon. The
imaginário, ocidental: a Lua. Mais que a observação pessoal poet uses it to codify the poetic creation, more than a personal
do satélite natural da Terra, o poeta utiliza a lua para cifrar as look about the natural satellite of Earth. In this way, he operates
tensões da criação poética e, operando técnicas características some typhical technics of Mallarmé and Cruz e Souza styles, to
de um Mallarmé ou um de Cruz e Souza, para sobrepor várias propose several possibilities of readings that don’t need to be
sugestões de leituras que não necessariamente se harmonizam. harmonious among themselves.

Palavras-chave: análise e interpretação de poesia, Key-words: analysis and interpretation of the poetry,
António Nobre, simbolismo, literatura portuguesa. António Nobre, simbolism, portuguese literature.

I intrínseca, foco e ponto de partida da boa interpretação


literária, infiltrada por dados exteriores mas relevantes
Este artigo foi pensado como exercício circunscrito no texto. Para introduzir e complementar a exegese
de análise literária. Começando pela relevância do texto poética relevo, em princípio, alguma notícia biográfica
comentado, trata-se de ventilar um poema aparentemente de António Nobre o qual, poeta subjetivo de ascendência
secundário de um poeta cuja posição é imprescindível romântica, não se furtou a espalhar pela obra fragmentos
para a compreensão de sua contemporaneidade literária. da vida. Em seguida, rastreio os elementos que justificam
António Nobre (1867-1900), como se sabe, sua inserção e contribuição ao que hoje entendemos
sedimentou-se como um dos pilares da poesia portuguesa como técnica ou estética simbolista.
que desfecha o século XIX. Seu único volume de versos Não se espere, porém, a conexão determinista
(Só, 1892) embora reunindo pouco mais de cinco entre obra, indivíduo criador e contexto histórico. Apenas
dezenas de peças, animou toda uma geração em Portugal para lembrar um clássico da teoria literária, lançado nos
e, também, no Brasil. Os sensíveis e às vezes confessados finais dos anos de 1940, “os verdadeiros problemas
influxos que exerceu por estas paragens sobre um Manuel começarão (...) quando valoramos, comparamos e
Bandeira, e além mar sobre um Camilo Pessanha e um isolamos os fatores individuais que se considera
Fernando Pessoa, bastariam para demonstrar a presença determinarem a obra de arte”. (WELLEK; WARREN,
marcante em alguns dos principais agentes que, inclusive, 1976, p. 85.) Eis uma afirmação típica das principais
iriam esboçar novos rumos para a poesia do idioma a correntes teóricas do século XX, e que exemplifica com
partir das primeiras décadas do XX. clareza a mudança de enfoque nos estudo literários, da
Sobre o método de análise, procuro conciliar duas individualidade criadora (homem ou autor) para a
práticas apenas aparentemente conflitantes: a sondagem individualidade expressiva (obra).

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II importantes poetas portugueses do final do século XIX,
nasceu em 1867, às cinco horas da manhã do dia 7 de
Da influência da lua agosto. A segunda, considerada verídica, foi anotada por
seu pai: “nasceu o menino António em 16 de Agosto de
Outono. O Sol, qual brigue em chamas, morre 1867, pelas cinco da manhã”. A informação é importante
Nos longes d’água... Ó tardes de novena! porque o único livro de Nobre – Só – privilegia o
Tardes de sonho em que a poesia escorre movimento de exploração criativa do material biográfico.
E os bardos, a cismar, molham a pena! Na apreciação de Maria Ema Tarracha Ferreira
(1998, p, 7), cujo rico estudo de cerca de setenta páginas
05 Ao longe, os rios de águas prateadas
introduz uma das edições atuais de Só, António Nobre
Por entre os verdes canaviais, esguios,
São como estradas líquidas, e as estradas, explora as circunstâncias de seu nascimento
Ao luar, parecem verdadeiros rios! metaforizando-as a partir de duas instâncias que se
tornaram símbolos de sua poesia: a terça-feira e a lua,
Os choupos nus, tremendo, arrepiadinhos, sobretudo quando desaparecida. No poema “António”
10 O xale pedem a quem vai passando... enuncia-se: “Ao mundo vim, em terça-feira / Um sino
E nos seus leitos nupciais, os ninhos, ouvia-se dobrar”. E no poema “Memória”: “Debaixo dum
As lavandiscas noivam piando, piando! signo mofino, / Pela lua-nova, nasceu um menino”. O
trabalho com esses dois temas gerais, mesmo que não
O orvalho cai do Céu, como um ungüento. necessariamente num mesmo poema, recebe uma
Abrem as bocas, aparando-o, os goivos;
tradução bastante específica sendo, a um só tempo,
15 E a laranjeira, aos repelões do Vento,
distintivo dessa produção que sempre coloca em pauta
Deixa cair por terra a flor dos noivos.
“o fatalismo e a Morte”.
E o orvalho cai... E, à falta d’água, rega De fato, a terça-feira é tradicionalmente
O vale sem fruto, a terra árida e nua! desafortunada para os portugueses. É como se o mau
E o Padre Oceano, lá de longe, prega agouro desse dia da semana tivesse malfadado o destino
20 O seu Sermão de Lágrimas, à Lua! do menino que, tuberculoso, morreria jovem. A ocultação
da lua, por seu turno, tende a representar morte em
A Lua! Ela não tarda aí, espera! inúmeras cosmogonias, inclusive tribais. A noite escura
O mágico poder que ela possui! despojada de seu grande farol, propicia a melancolia, a
Sobre as sementes, sobre o Oceano impera, falta de iluminação criativa e todo um mergulhar em si
Sobre as mulheres grávidas influi...
comum em mais de um poema de Nobre. Daí o
comparecimento do corpo celeste em “Da Influência da
25 Ai os meus nervos, quando a Lua é cheia!
Da Arte novas concepções descubro, Lua” desenhar, dentre outros, o desejo de reverter a má
Todo me aflijo, fazem lá idéia! sorte original de um eu lírico baseado no homem António
Ai a ascensão da Lua, pelo Outubro! Nobre.
Longe de ocorrer de maneira estrita ou
Tardes de Outubro! ó tardes de novenas! simplesmente como referência ilustrativa, tal estratégia
30 Outono! Mês de Maio, na lareira! desenrola uma técnica apurada, e que procura antes
Tardes... transfigurar a realidade que descrevê-la. Ou seja, “muita
Lá vem a Lua, gratiae plena, da referência nobreana não tem a ver com o real mas
Do convento dos Céus, a eterna freira! com um efeito de real ardilosamente montado” (VOUGA,
1993, p. 98). As experiências de vida não aparecem
Porto, 1886.
como confissões, ao entrarem para a construção artística
(NOBRE, 1998, pp. 146-147)
como mais um material são absolutamente transformadas,
recebem tratamento literário particular constituindo um
Antes de avançar a análise imanente, por assim
suporte poético que, aí sim, caracteriza aquilo que
dizer, alguns dados biográficos do escritor e a razão pela
chamamos de autoria ou personalidade textual de
qual escolhi a composição acima. Há duas datas
António Nobre.
possíveis para o nascimento de António Pereira Nobre.
Ritmicamente, Nobre foi um craque em manejar
A primeira, que consta do registro paroquial da igreja
e enriquecer a metrificação tradicional. Era capaz de
de Santo Ildefonso, no Porto, relata que um dos mais
versificar bem por dentro da convenção, como o
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comprovam seus sonetos, mas também de praticar uma
polimetria (emprego de mais de um metro numa mesma Da literatura de Almeida Garrett (1799-1854), os
peça poética) moderna à beira da prosa poética. Leia- versos de “Da influência da Lua” recuperam a
se, por exemplo, a mistura inusitada - sobretudo entre ambientação campestre, tão difundida num dos romances
decassílabos, hendecassílabos e alexandrinos - que dá que inauguram o romantismo português e para o qual,
aos versos de “Purinha” um traçado rítmico nunca não por acaso, António Nobre escreveu um poema
arriscado na lírica lusitana. homônimo: Viagens na Minha Terra (1846). O Portugal
Já ao abraçar os conteúdos, mesmo os pessoais, do interior rural, das vindimas, da pesca, da vida de
era movido por aquela imaginação ficcional que conduz trabalho em contato com a natureza, sem a complexidade
os melhores poetas a refundir os dados da realidade e as etiquetas urbanas entendidas, em geral, como
perceptível. Assim, num poema como “Lusitânia do nocivas, esse país aqui mostrado sob as cores quentes
Bairro Latino”, em que prevalece o tom memorialista, do entardecer e depois sob as frias do luar. O próprio
assistimos não a uma biografia objetiva, mas a uma lirismo romântico, a linguagem literária permeada por usos
insinuação quase misteriosa do que teria sido a infância coloquiais que Garrett imprimiu aos poemas de Folhas
do poeta. Ora, são justamente essas técnicas que Caídas (1853) germina nos versos de Nobre. Leia-se:
justificam o enquadramento de António Nobre na estética “Tardes de sonho em que a poesia escorre / E os bardos,
simbolista. Primeira, a de conseguir ritmos insólitos mesmo a cismar, molham a pena!” Ou a face popular frisada,
a partir de metros tradicionais. Segunda, a de simbolizar sobretudo, no uso do diminutivo: “Os choupos nus,
qualquer conteúdo ainda que simples, ou seja, prefere- tremendo, arrepiadinhos”.
se sempre sugerir a relatar. Conseguimos imaginar o espaço físico narrado,
De entrada, “Da influência da Lua” prende a mas o compromisso da linguagem é pouco linear. Não
atenção por sua linguagem fluente. Seus decassílabos se exibe a precisão espetacular da poesia parnasiana,
oscilam quase musicalmente entre sáficos (acentos fortes que, aliás, nunca fez escola em Portugal, tampouco a
na 4ª., 8ª. e 10ª. sílabas métricas) e heróicos (acentos nitidez cotidiana esbanjada nas estrofes de “O
fostes da 6ª. e 10ª.) Colaboram para tanto, as repetições Sentimento dum Ocidental”, de Cesário Verde (1855-
de algumas palavras e estruturas frasais, como a 1886). Ao contrário, sobrepõe-se a sugestão musical
reincidência da conjunção coordenativa [e], a qual das palavras, isto é, ante de remeter ou compor um
fornece ao poema um colorido oral de quem conta uma quadro literário, o desenho sonoro das palavras tendem
história. a jogar nossa atenção para si próprias.
Outras duas características saltam aos olhos e O esforço para aproximar a arte poética da
ajudam a refletir sobre as alternativas de António Nobre. musical, em alguns artífices simbolistas como Mallarmé
Por um lado, a difícil tarefa de medir no texto os possíveis (1842-1898) e Cruz e Souza (1862-1898), avançou
ecos das correntes literárias que rivalizavam em sua época: sobre a fronteira da incomunicabilidade, ofereceu
o romantismo popular e neo-garretista, o simbolismo poemas herméticos e, contraditoriamente, abertos à
melódico à maneira de Verlaine (1844-1896) e Eugênio imaginação de cada leitor. António Nobre jamais chega
de Castro (1869-1944) ou o decadentismo pessimista a tanto, sua musicalidade rara vezes se converte em
e esteticista de J.–K. Huysmans (1848-1907) interdição de leitura, operando muito mais como
consagrado no romance Às Avessas (1884). Por outro oralização da linguagem literária: “...São como estradas
lado, como sugere o título do poema, a presença decisiva líquidas, e as estradas...”. Repare a forte aliteração em
da lua na obra. Poetizada a todo instante, é cartaz em dentais [t,d] e a assonância com a vogal [a] formando
muitas reflexões tecidas sobre a condição humana geral um desenho melódico, caracterizando um artifício da
e pessoal. Espécie de relógio natural marcando a poesia de todas as épocas mas transformada em palavra
passagem da vida, ela figura até numa formidável quadra de ordem apenas pelos simbolistas.
popular, composta em redondilhas maiores e integrante
da série “Para as raparigas de Coimbra”: III
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Nossa Senhora faz meia Olhando o poema em seqüência, todos os versos
Com linha branca de luz: alternam-se entre decassílabos sáficos e heróicos,
O novelo é a Lua cheia, gerando um ritmo nuançado e menos previsível. As rimas
As meias são pra Jesus. são cruzadas e perfeitas, obedecendo em cada estrofe
(NOBRE, 1998, p. 117) ao esquema a / b / a / b. A primeira estrofe mostra o dia
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na hora do lusco-fusco, num ambiente outonal de fim de e influência superam os outros, porque acaba sendo o
tarde: “O Sol, qual brigue em chamas” esmorece abrindo objeto e o meio de inspiração artística por excelência
caminho para a participação decisiva da lua. Cenário do poeta.
propício para a poesia dos “bardos”, isto é, dos poetas A sexta estrofe potencializa a influência tanto
de extração romântica como António Nobre. factível quanto imagética do satélite natural. Dos entes
Sublinha-se o artista da palavra que precisa de miúdos (sementes), passando pelo ser humano adulto e
inspiração, de uma fagulha externa para impulsionar o em estágio fetal (“Sobre as mulheres grávidas influi...”),
processo de concepção artística. Se a lua é capaz de até a força mais incontrolável da natureza (Oceano, que
auxiliar a hora do nascimento do homem, também pode no singular e iniciado com maiúscula pode representar
ser a parteira da idéia poética. Por isso quando a vêem, todos os oceanos do planeta) a lua exerce seu “mágico
“os bardos, a cismar, molham a pena” e começam a poder”. Os conhecimentos lunares que os povos
escrever. Trata-se de um estímulo erótico de escrita, como acumularam secularmente e as constatações da ciência
a mulher nua para o pintor. A voz poética da primeira estão irmanados. É inquestionável a relevância da lua
estrofe começa um pouco sem ânimo, apenas olhando a sobre essas três atividades para as quais o homem teve
paisagem tediosamente, mas vai aumentando a fúria que desenvolver técnicas avançadas para sua melhor
inventiva até chegar ao êxtase final, à conclusão do sobrevivência: a agricultura para poder se alimentar
poema. A lua cheia no desfecho torna-se, assim, um independente da oferta natural do meio; o parto para
emblema do clímax criador. poder se multiplicar em mais mão-de-obra, maiores
A segunda e terceira estrofes vão carregando o exércitos, etc; e, por fim, os grandes oceanos cujas marés
leitor para a noite, que sob a luz da lua faz com que os controladas pela lua os navegantes (sobretudo os
homens redefinam a percepção. Acostumada com a luz portugueses) precisaram domar para encurtar as
do dia ou, se quisermos, também com uma poesia mais distancias e descobrir novos mundos.
solar e objetiva, é preciso readaptar a visão a fim de A instância sete revela o eu artístico possuído pela
enxergarmos todo o meio físico agora sob tons graves e inspiração. A lua manifesta-se como símbolo da
confusos. E, diga-se de passagem, que à época divagação ou da sanha criativa (“Ai os meus nervos,
praticamente não existia iluminação elétrica, ainda mais quando a Lua é cheia! / Da Arte novas concepções
no interior de um país pobre como Portugal. Daí ser descubro”). De fato, não raro chamamos de aluado ou
proposital a inversão na descrição dos rios e das estradas, lunático aquele que, à maneira de determinados poetas,
atribuindo-se características dos primeiros às segundas caminha por aí dispersivo como se estivesse preste a
e vice-versa. parir uma idéia original, como que sob influência da
As estrofes dois e três sobressaltam a percepção lua. É o retrato do gênio estabelecido a partir do final
visual das paisagens alteradas sob a lua. O mesmo rio do século XVIII e, em certo sentido, incorporado até
cristalino, a mesma estrada empoeirada se fundem numa hoje em nosso imaginário. Veja-se o que escreveu Shelley
imagem embolada, insinuada pela escassa e onírica (1792-1822), um dos expoentes da poesia romântica
luminosidade da lua. Ela também estimula a sexualidade inglesa, num poema em louvor à lua: “Você, irmã eleita
dos seres, frisada agora pelo enlace festivo dos do Espírito” (“Thou chosen sister of the Spirit”) (1988,
passarinhos (lavandiscas). Continuando o movimento pp. 48-49).
ascensional da lua, as duas estrofes seguintes primam Até mesmo a distribuição dos poemas de Só está
pelas estruturas anafóricas que sublinham a ação contínua parcialmente subjugada às fazes da lua. São oito seções,
do orvalho umedecendo e fertilizando tudo, incluindo a e repartindo o livro ao meio, a quarta e a quinta
imaginação do eu lírico: “O orvalho cai do Céu, como respectivamente denominadas “Lua-Cheia” e “Lua
um ungüento / E o orvalho cai... E, à falta d’água, rega”. Quarto-Minguante”. De todo modo, aqui também é
A utilização das reticências reforça um pouco mais o preciso lembrar dos versos de “Plenilúnio”, em que
sentido e o paralelismo da frase “o orvalho cai”. Raimundo Correia (1859-1911) exagera ainda mais
Também é na estrofe quatro que surge o “Vento”. acintosamente o influxo da lua sobre a escrita poética,
Em seguida, na estrofe cinco o “Padre Oceano”. É de chegando a fundir um ao outro: “Um luar amplo me
se notar que várias entidades do universo natural se inunda, e eu ando / Em visionária luz a nadar, / Por toda
iniciam com maiúscula, sem contar a palavra Arte. Em a parte, louco arrastando O largo manto do meu luar”
maiúsculas – Sol, Céu, Vento, Oceano e Lua – reforçam (1922, p. 157).
a deificação da natureza e sua integração com o eu O estar recluso, trancado no quarto para escrever
poético. A Lua é a última a aparecer porque sua beleza e esperando a ação lunar, que no fundo representa toda
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e qualquer pulsão de vida e de criação, também convento dos Céus, a eterna freira!”. No céu, portanto
caracteriza a melancolia sentida na produção de António perto da divindade que a criou, é através da lua que o
Nobre. Trata-se de uma percepção doentia de si e do poeta, falho porque humano, se comunica com o inventor
mundo tornada lugar-comum em algumas individualidades maior. Mediadora entre o gênio artístico e Deus, sua
poéticas a partir do período romântico. É o nosso tédio, imagem de ternura e piedade surge coerentemente
o spleen inglês ou o ennui francês. É o que Massaud fundida a da Virgem Maria. Assim, para aquela que gerou
Moisés diagnosticaria em Nobre, é verdade que com em seu ventre Jesus Cristo, também ele ponte entre os
certa dose de exagero, como “solipsismo doentio e homens e Deus que fez encarnar seu filho, os cristãos
narcisista”. (MOISÉS, 1964, P. 315) oram: “Ave Maria, cheia de graça” (no latim: Ave Maria,
Num capítulo essencial de O Gênio do gratia plena). Assim, António Nobre roga a sua lua
Cristianismo (1802), Chateaubriand (1969, pp. 50-51) polissêmica e cheia de sugestões: “Lá vem a Lua, gratiae
definiria essa patologia como principal tormento do plena”.
individuo moderno (mal du siécle). Constituído de
aptidões jovens, ativas e altivas – ou seja, em tese Referências Bibliográficas
predisposto para a ação – esse homem não seria capaz Chateaubriand, François-René. “Du Vague des passions”,
de objetivá-las. Sem finalidade, toda essa energia in Le Génie du Christianisme, apud Lagarde, André;
reprimida se voltaria para si mesma, explodindo em Michard, Laurent. Collectoin Littéraire – XIXe Siècle.
angústia desesperadora: “o coração se retorce e se curva Paris – Montréal, Les Éditions Bordas, 1969.
de cem maneiras para empregar as forças que sente lhe Correia, Raimundo. Poesias. Rio de Janeiro / Lisboa /
serem inúteis”. Chateaubriand acreditava que os antigos Porta: Anuário do Brasil / Seara Nova / Renascença
– ocupando o tempo com a política, jogos e disputas do Portuguesa, 4ª. edição, 1922.
Fórum e da praça pública – pouco conheciam desta FERREIRA, Maria Ema Tarracha. “Introdução”, in
“inquietude secreta”, desta acidez de “paixões NOBRE, António. Só. Lisboa: Editora Ulisseia, 2ª. edição
sufocadas”. As máscaras poéticas criadas por Nobre, 1998.
GARRETT, Almeida. Folhas Caídas. Introdução de José
portanto, buscariam em vão alcançar a felicidade e a
Gomes Ferreira. Lisboa: Portugália Editora, 2ª. edição,
tranqüilidade dos antigos, os quais, muito ligados aos 1969.
afazeres externos, “não deixavam nenhum espaço para ___. Viagens na minha terra. Edição dirigida e
o tédio do coração”. apresentada por Antônio Soares Amora. Rio de Janeiro:
As estrofes seis e sete, além de tudo, preparam o Ediouro, s / d.
céu e anunciam a apoteose do luar que ocorrerá na última HUYSMANS, J.-K. Às Avessas. Tradução e estudo
estrofe. Ou seja, o poema se fecha no momento do crítico de José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das
grande fulgor lunar, do plenilúnio, quando a lua redonda Letras, 1987.
atinge o pico do céu. Momento máximo da noite, como MALLARMÉ, Stéphane. Mallarmé. Organização,
o sol a pino durante um dia de verão. Depois de tanto se estudos, seleção de poemas e tradução de Augusto de
inspirar e buscar simbolizá-la, o poeta termina por nos Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Edição
bilíngüe. São Paulo: Editora Perspectiva, 3ª. edição, 2003.
entregar, sugestivamente, a própria lua feita poesia. Por
MOISÉS, Massaud. “António Nobre”, in A Literatura
isso “Da Influência da Lua” inicia, exatamente, a quarta Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 5ª. edição, 1967.
seção de Só, batizada de “Lua-cheia”. Nosso satélite NOBRE, António. Só. Introdução por Maria Ema
natural, propõe Maria Ema, “tem função simbólica: astro Tarracha Ferreira. Lisboa: Editora Ulisseia, 2ª. edição
dos ritmos da vida em todos os níveis cósmicos” 1998.
(FERREIRA, 1998, p. 67). Nesse poema, muito mais SHELLEY, Percy Bysshe. “Poemas”, in Grandes poetas
que isso, ela opera como verdadeira caixa metafórica da língua inglesa do século XIX. Seleção, tradução e
para o poeta, uma vez que consegue ser interpretada organização de José Lino Grünewald. Edição Bilíngüe.
como a inspiração, a poesia, a força motriz da natureza Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
e, também, como o próprio corpo celeste. SOUZA, Cruz e. Obra completa. Organização geral,
Por fim, além de possuir a primazia frente às outras introdução, notas, cronologia e bibliografia por Andrade
Muricy. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1961.
entidades naturais e cósmicas, a lua ganha de António
VERDE, Cesário. O Livro de Cesário Verde. Lisboa:
Nobre uma significação cristianizada. Lá do alto, Publicações Europa-América, s / d.
podendo filmar o que há de bom e mal, o que há de VERLAINE, Paul. Passeio sentimental - poemas.
alegria e de tristeza nos homens, a lua se compadece, Seleção, tradução, prefácio e notas de Jamil Almansur
jamais deixando de nos conceder seu fluxo de vida: “Do Haddad. São Paulo: Círculo do Livro, 1989.
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VOUGA, Vera Lúcia. “António Nobre: os versos
radicais”, in Colóquio / Letras nº 127-128 Janeiro-Junho,
Lisboa: 1993.
WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da
literatura. Tradução de José Palla e Carmo. Lisboa:
Publicações Europa-América, 3ª. edição, 1976.

Recebido em 26 de junho de 2007 e aprovado em


01 de agosto de 2007.

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