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Curitiba
2010
ELIANE CONCEIÇÃO LIMA DA LUZ
Curitiba
2010
TERMO DE APROVAÇÃO
Eliane Conceição Lima da Luz
_____________________________________________
Profª. Mestre Maria Otilia Bento Holz
Universidade Tuiuti do Paraná - UTP
_______________________________________________
Prof. Dr. Jorge Sesarino
Universidade Tuiuti do Paraná - UTP
- primeiramente a minha Orientadora Mestre Maria Otilia Bento Holz por ter
me guiado neste percurso para construção deste trabalho com toda dedicação e
carinho.
Dayse Maluceli, Dr. Jorge Sesarino e Ângela Valore, pelo conhecimento transmitido.
supervisão clínica, pelo apoio, incentivo e principalmente por terem tornado essa
O presente trabalho discorre sobre o tema transferência, em especial seu manejo, na clínica
psicanalítica com criança, principalmente no que diz respeito ao lugar que os pais ocupam na relação
transferencial. Para tanto foram utilizados recortes e fragmentos de um caso clínico para examinar o
tema em questão, articulado aos conceitos psicanalíticos, mais especificamente com a teoria de
Sigmund Freud, Jacques Lacan, entres outros autores da atualidade. A transferência é considerada a
mola propulsora da análise, mas aparece também como responsável pelas resistências que
obstaculizam o tratamento. Entretanto, se identificadas e trabalhadas, resultam num bem-sucedido
desfecho, embora haja casos em que os pais resistem na continuidade do trabalho. A família ocupa um
lugar de extrema importância, na verdade do casal parental que se reflete no sintoma da criança.
Portanto, no percurso de uma análise infantil há que se considerar a relação transferencial familiar,
favorável ou não ao tratamento.
1. INTRODUÇÃO................................................................................................08
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................40
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1. Introdução
cotidiano. Assim, a transferência não é criada pela situação analítica, mas evidenciada
transferência que possibilita que esta se inicie, sendo importante seu manejo.
análise de uma criança. Freud conduziu esta análise indiretamente, por intermédio do
A criança não vem sozinha para a análise, geralmente são seus pais que a
da análise.
que desde o início da clínica me inquietaram. Questões estas que estão relacionadas à
seu manejo, na clínica psicanalítica com criança, principalmente no que diz respeito ao
mostra, cada vez mais, como operador clínico privilegiado”. (GONIN e MAIA, 2006,
p. 49).
recai sobre ele o uso deste fenômeno no contexto da análise. Essa descoberta, afirma
Stryckman (1997), juntamente com outras, fez com que Freud diferenciasse
Freud, em francês, pela primeira vez em seu artigo sobre histeria, datado de 1888, para
o dicionário médico de Villaret. Entretanto, foi nos „Estudos sobre histeria (1895)‟ que
sugestão.
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Dora, aponta Miller (2002); nele Freud se deparou com a compulsão à repetição e
transferência não é algo acontecido no passado que permeia o presente, e sim, algo
atual e vivido com a figura do analista, ou seja, não é uma reprodução, é uma
atualização.
como sinônimo de reprodução de alguma coisa passada. Freud, contudo, admite que as
sujeito, de acordo com sua historia individual, adquire uma maneira singular de
transferência (1912)” Freud se questiona a respeito disso. Aponta que a resistência está
conceito de transferência construído por Lacan que a coloca como tendo a ver com a
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experiência dialética. Assim a transferência como resistência toma outro sentido, não
sendo a transferência que faz a resistência, mas sim ali onde resiste à fala, onde o
produzir sintomas.
está inconsciente.
sobre a pessoa a respeito do seu caso. “[...] em que lugar o psicanalista se situa na
por isso, o lugar que deve à transferência lhe permite operar sobre o sintoma”.
sujeito suposto saber‟ (S.s.S.). “O sujeito suposto saber é para nós o pivô no qual se
articula tudo o que se relaciona com a transferência”. (MILLER, 2002, p. 56). Elucida
que “pivô” é uma palavra muito interessante, que em sentido figurado assinala a
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analítica na medida em que tem como pivô, nessa posição, o Outro”. (MILLER, 2002,
p. 75).
saber, de um saber sobre ele, explica Miller (2002). Entretanto, com o passar do tempo
se dá conta que não é bem assim, mas a análise se estabelece com base nessa teoria. O
lugar do sujeito suposto saber não é a pessoa do analista, e sim, um efeito do discurso,
objeto e não como sujeito. O analista transfere para o paciente um saber que não é
teórico, mas um saber que vem do discurso do paciente. Um saber insabido. Desse
amor. “A transferência está na fronteira entre o desejo e o amor”. Isso permite que se
para o analista. Este se apresenta, por um lado, como revelador do passado e, por
outro, como resistência ao relato deste passado. Diante disso, assinala Kaufmann
(1996), Freud se questiona se este amor de transferência não seria a cópia de um amor
infantis.
inconsciente”. Vale ressaltar que para Lacan o inconsciente é estruturado como uma
psicanalítico, vai assumindo um valor mais preciso. De acordo com Mijolla (2005),
análise. Alguns destes fenômenos citados pelo autor são: neurose de transferência,
da transferência (1912)”, sendo que a positiva tem base nos aspectos de afeto e
(1997). “[...] Assim, fui surpreendido pela transferência e por causa desse “x” que me
fazia lembrar-lhe o Sr. K., ela se vingou de mim como queria vingar-se dele, e me
(1964), Lacan explica que a transferência positiva é o amor, porém salienta que o
autenticidade desse amor em questão, alertando para uma tendência sustentar que se
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com o ódio. Utiliza-se o termo ambivalência, porém esse, assim como a primeiro, ou
ainda mais que o primeiro, mascara muitas coisas. “Diremos com mais justeza, que a
transferência positiva é quando aquele de quem se trata, o analista no caso, pois bem, a
gente o tem em boa consideração - negativa, está-se de olho nele”. (LACAN, 1964, p.
120).
transferência se estrutura pela fala, pela demanda que é atualizada na análise. No texto
“Recordar, repetir e elaborar” (1914), Freud explica que o sujeito transfere, desloca
que possam ser elaborados, isto mediante o manejo da transferência, ou seja, o analista
transferência, possibilitando que o paciente passe de uma neurose comum para uma
os quais ele constitui seus objetos” (LACAN, 1951, p. 224). [...] a transferência é uma
18
p. 548).
direção do tratamento.
imaginário, trata-se de fator de cura. Entretanto, Lacan em seu último ensino, a ênfase
infantil; portanto, trabalhar diretamente com criança, é ouvir diretamente dela, antes
Nos dias de hoje ninguém mais duvida da capacidade para a transferência por
parte da criança, explica Mijolla (2005). O caso clínico “Pequeno Hans” (1909) é na
cinco anos que tinha fobia de cavalos. Freud conduziu esta análise indiretamente, por
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intermédio do pai de Hans, seu aluno. Neste caso a transferência de Hans foi para sua
Freud.
De acordo com Golder (2000), quando se trata de família com criança que
situação de cada um. No trabalho com crianças a urgência conduz. Porém é necessário
que os pais enlacem uma transferência suficientemente forte para que o trabalho tenha
êxito, caso contrário, este estará comprometido, mesmo que a criança tenha
muitas vezes, ao fato de que os pais terão que se haver com um sintoma que na
realidade é deles.
peculiares. A criança não vem por conta própria, os pais são estimulados por
maioria das vezes vem sem nada demandar, porém isso não impede que logo de início
sintoma.
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[...] com os pais, o projeto de analisar seu filho não se apresenta sob os
melhores auspícios: mesmo quando eles a formulam por sua própria
iniciativa, sua demanda é feita contra sua vontade plena; os sintomas de seu
filho, o insucesso dos outros métodos de tratamento, a espera de um milagre,
levam-nos em último recurso ao psicanalista, pelo qual nutrem apenas
desconfiança, e do qual duvidam que possa ser bem sucedido, onde tudo o
mais fracassou. (BERGÈS e BALBO, 1997, p. 41).
concerne à observação da família, pelo fato dela raramente ser verbalizada. Entretanto,
Devemos, então, planejar fazê-la trabalhar do nosso lado; ela poderá, assim, tornar-se
Mijolla (2005) revela que atualmente a dificuldade na análise com criança não é a
ausência de transferência, mas o fato de esta ocorrer com uma intensidade rara, com
componentes arcaicos por vezes tão maciços e violentos que muitas vezes se tornam
pais, pois a criança não é uma entidade em si, está atrelada na representação que tem o
existem interdições e leis. Como nos diz Lacan (1992): “... a família estabelece, entre
assim, há que se ressaltar a relação entre o sintoma da criança com o par familiar,
dizendo respeito ao vínculo pai e mãe. Nessa medida, por meio da escuta dos pais
poderemos saber qual foi o lugar reservado à criança, quais os significantes que se
criança diz muito da estrutura familiar, aparece como representante da verdade do par
verdade do par familiar torna-se mais complexo, mas, ao mesmo tempo, mais aberto à
Assim as intervenções do analista podem delongar o circuito e fazer com que essas
substituições continuem.
criança é envolvida como correlato de uma fantasia da mãe. Neste caso há uma
mãe. A parte que assegura que isso não aconteça, ou seja, a função paterna não faz a
mediação, assim deixa a criança aberta a todas as capturas fantasmáticas da mãe. Com
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desse objeto.
[...]a criança normal é a criança que não incomoda, o que quer dizer que ela
é particularmente discreta sobretudo o que concerne à verdade do meio
familiar; não é deste lado que vamos vê-la surgir, é uma criança bem
educada e talvez isso que chamamos „bem educado‟ designe a sabedoria da
criança que sabe que a verdade do meio familiar, do casal genitor, deve ser
tratada com pudor; então acontece que existem crianças que tem sintomas
de tal sorte que a verdade escapa apesar delas e, nesse momento, elas
atrapalham, e são tão mais insuportáveis quanto mais próximas estão da dita
verdade. (MELMAN, 1997, p. 23).
para com o analista. Portanto, a instauração de uma análise de criança deve ser levada
Tanto do lado do analista quanto do analisante esta posição familiar vai interferir no
ignorar que se trata também da análise da família? [...] A família é marcada, de forma
Assim constata-se que a criança nunca vem sozinha para a análise. O sintoma
na criança não deve ser visto como dela, mas como um sinal, um código a ser
decifrado que diz da estrutura desta família, da relação desta família. O sintoma vem
no lugar da palavra que falta. É por meio deste sintoma que aparece na criança, que a
família, os pais podem repensar suas histórias e suas vidas. Portanto, a transferência
com a criança vai além, está enlaçada na transferência com os pais, sendo que a
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Paciente identificado pelo nome fictício de Paulo. Seu pai Mauro, sua mãe
Paulo tem 10 anos de idade e está na quarta série do ensino fundamental. Foi
Fica a olhar pela janela imerso em seus pensamentos. Mãe complementa a queixa
Paulo mora com seus pais e uma irmã de cinco anos nos fundos da casa da avó
paterna. A gravidez não foi planejada e, segundo o pai, foi “um peso” quando soube,
foi rejeição de imediato. Com o tempo revela ter superado, inclusive diz dar mais
atenção e amor ao filho do que a sua filha (esta foi planejada e desejada). Entretanto,
Mauro não demonstra ter boas expectativas em relação ao filho no futuro. Revela que
Não gosta de fazer as tarefas domésticas que sua mãe lhe pede. Paulo tem
outros interesses, por exemplo, ficar pensando nos jogos que quer comprar. Há brigas
com a irmã e isso ocasiona castigo. Reclama que seu pai vai logo batendo sem ouvi-lo
antes. Não ouve na escola, assim como não é ouvido pelo pai.
escola onde estuda. A queixa é que Paulo, na escola, fica a olhar pela janela quando
não está distraído com alguma outra coisa. Apresenta dificuldades em matemática, é
muito lento para copiar as tarefas do quadro, não consegue acompanhar os colegas.
explica que a criança não repete certas ações desagradáveis apenas para chamar a
atenção do professor, mas que isso tem um objetivo, um determinado sentido, pois se
encontra presa em cadeias de gozo das quais não consegue sair. Em “Os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise” (1964), Lacan nos ensina que, desde o início
demanda de amor.
Já em casa, as queixas são muitas brigas com a irmã, não ajuda nos afazeres
domésticos, não faz a lição e pega escondido dinheiro dos pais. “Ele chega em casa
joga a mochila, vai jogar videogame. Lembra de pegar a mochila no outro dia quando
vai para a escola. As vezes fica o dia inteiro comendo. Ele está obeso! Já cansei de
Bergès e Balbo (1997) explicam que “com os pais, o projeto de analisar seu
filho não se apresenta sob os melhores auspícios: mesmo quando eles formulam a
demanda por sua própria iniciativa. Sua demanda é feita contra sua vontade plena; os
desconfiança, e do qual duvidam que possa ser bem sucedido, onde tudo o mais
Assim como Bergès e Balbo (1997) afirmam em sua teoria, os pais de Paulo
vieram buscar ajuda para o filho não por sua própria iniciativa, mas a pedido da escola.
se por este não ser o filho ideal. Revelam não saber mais o que fazer. Estão
desanimados. “Já pensei em desistir, não adianta falar com ele, parece que não ouve.
Estou a ponto de explodir, estou no meu limite, eu não aguento mais”, diz Mauro, o
pai. Mas será que eles ouvem o filho, para saber o que se passa com ele? Os
comportamentos de Paulo, os insucessos fazem com que os pais se deparem com seu
próprio insucesso, como pais. Buscam ajuda quando tudo mais fracassou. Os sintomas
familiar.
criança diz muito da estrutura familiar, aparece como representante da verdade do par
mulher e a mãe” complementa que o sintoma da criança é mais complexo caso esteja
vinculação do par pai/mãe, ele já está articulado à metáfora paterna, já envolvido nas
fazer com que essas substituições prossigam”. (p. 08). No caso de Paulo, parece estar
vinculado ao par pai/mãe. Paula, assim como o filho, se coloca de forma passiva
permitindo que Mauro decida sozinho o que acha melhor para a família. Mauro, por
sua vez, age de forma que Paulo continue nesta posição, alheio na escola, alheio às
coisas que o cercam e sem poder se posicionar, dizer o que pensa, pois não é escutado.
sintoma infantil é visto como uma confirmação desse fracasso do ideal de seus pais. É
uma forma de não mais encarnar esse “outro imaginário”. Bergès e Balbo (1997)
acrescentam que o sintoma na criança não deve ser visto como dela, mas como um
sinal, um código a ser decifrado que diz da estrutura desta família, da relação desta
família.
A gravidez não foi planejada. “Quando fiquei sabendo foi um peso. Eu não
queria o filho Dra. Rejeitei no início, fiquei perdido, mas depois aceitei e hoje amo e
dou mais atenção a ele do que para a Eduarda. (irmã de Paulo que foi planejada e
desejada). Mauro culpa-se pela rejeição ao filho. Hoje procura fazer além, compensá-
lo, entretanto suas palavras logo adiante o denunciam. [...] Mas veja, Dr.ª eu não tenho
boas expectativas em relação a ele, eu olho para ele e vejo que também vai ser um
“nada”. Eu me vejo nele! Eu era assim também Dra. Ficava olhando pela janela e
sonhando, queria estar lá fora brincando”, revela Mauro. Mauro olha o filho e depara-
se com suas frustrações, com suas faltas, com suas questões, com o seu “nada”! Assim
como assinala Dolto (1985) no “Seminário de psicanálise de criança”, neste caso “os
pais da realidade praticam uma relação falseada pela repetição de seu passado sobre o
filho”.
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escuta dos pais pode-se entender o lugar reservado a Paulo, pois Mauro vê no filho a
marca “nada” que é dele. Significante que atribui a Paulo como um “nada” quando
olha para o filho. Segundo Rodulfo (1990, citado por Rosa, 2000, p. 78), o significante
gerações, trespassa o individual, o grupal e o social. Assim Paulo vai sendo objeto do
“desejo” do pai. Não consegue aprender, pois aprendendo talvez não tenha nenhum
conseguindo falar do filho. Presenciar o crescimento do filho faz Mauro reviver sua
história.
perguntado, não ia além, não se permitia escolher sobre o que gostaria de falar ou
escolher e bancar suas escolhas. Falava sobre o que queria. Não necessitava mais o uso
de jogos ou outras atividades. Começou a usar o seu espaço para falar de si. Golder
(2000) esclarece que a criança na maioria das vezes vem sem nada demandar, porém
isso não impede que logo de início ela possa expressar seu mal-viver. Paulo aceita a
que possibilita que a análise se inicie. É a mola propulsora, sendo fundamental como
como sendo: “[...] reedições, reproduções das moções e fantasias que durante o avanço
substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico”. (FREUD, 1905 [1901], vol.
VII, p. 111). Assim a transferência não é algo acontecido no passado que permeia o
presente, e sim atual e vivida com a figura do analista, ou seja, não é uma reprodução,
Numa determinada sessão Paulo entra sorrindo, coloca a mão no bolso retira
transferencial com a analista foi aparecendo cada vez mais. Freud explica no texto
“Dinâmica da transferência (1912)”, que a transferência positiva tem base nos aspectos
quem se trata, o analista no caso, pois bem, a gente o tem em boa consideração...”. (p.
120).
significativos. Relata que sua professora elogiou sua melhora nas notas e
comportamento, inclusive está mais participativo, mas se entristece quando não foi
elogiado ao contar para o pai. “A professora disse que melhorei bastante que estou me
esforçando. Acha que vou passar. Meu pai não falou nada”, diz Paulo.
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não foram valorizados e nem citados pelos pais nas entrevistas com a analista. Seu pai
falava somente que o comportamento do filho estava piorando, não sabia o que fazer.
Dessa forma Mauro diz que o filho não corresponde às expectativas dele, o ideal de
(1949), explica-nos que o „eu Ideal‟ que se constitui no estádio do espelho manifesta
dos pais, e que atribui ao sujeito uma impressão de onipotência. Este “Eu” resultaria
dos investimentos narcísicos dos pais sobre o bebê. Assim o sujeito se identifica com
essa imagem, passando a nela investir também, fazendo com que o sujeito ame a si
mesmo, numa dimensão narcísica. No entanto, os pais não projetam apenas seu
narcisismo sobre o filho, mas também suas exigências, e é a partir delas que se
Mauro marca entrevista com a analista. O filho vem junto e entra na sala com
o pai. “Hoje a professora teve que ser enérgica com ele, estava muito agitado,
dinheiro escondido. Eu estou muito triste com isso, gostaria que a Drª. conversasse
com ele”.
O que estaria deixando Paulo “agitado”? Mauro não procura saber o que
acontece com o filho. Busca somente uma “correção” sem implicar-se. Jerusalinsky
educativas, remédios etc., demanda essa que se orienta, aparentemente, no sentido que
criança rouba quando se sente roubada. Paulo foi privado do recurso à palavra
deparando-se com a impossibilidade de recorrer a ela, pois não é escutado. Ali onde
procura, falar para ser compreendido, depara-se com um grande Outro não barrado.
Mauro continua. Casamento em crise. Esposa pediu que ele saísse de casa,
quer a separação. Paulo que ouvia em silêncio, coloca o capuz do agasalho na cabeça.
De repente levanta-se vai até a caixa lúdica pega o pote de massinha, senta no tapete e
começa amassar. Paulo ouve em silêncio, e disso nada quer saber. Lacan (1968-1969),
no seminário livro 16 “De um Outro ao outro”, nos ensina que “existe em algum lugar
uma verdade, uma verdade que não se sabe, sendo que ela se articula no nível do
ele quer falar alguma coisa sobre o que ouviu. Permanece calado. Após um tempo em
silêncio... “Peguei as moedas porque queria comprar um bolinho na escola e ele não
deu quando eu pedi”. Mais silêncio... “Tem briga todo o dia em casa. Quando eles
começam a brigar eu saio para a rua. Não fico senão vai sobrar pra mim. Meu pai bate
e nem pergunta antes o que aconteceu. Sempre sou eu, nunca é a Eduarda. Eu fico
muito triste e também com muita raiva”, confessa Paulo. Relembra uma situação em
que o pai foi lhe bater e a mãe ficou na frente para protegê-lo. Paulo se queixa que
seus pais roubam seu sossego. Di Ciaccia (1992) retoma Lacan quando este explica
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Ao final da sessão Paulo pede para levar um pedaço de massinha para sua casa. Na
sessão seguinte Paulo traz o pedaço de massinha. Devolve ao pote, mostrando que
quando recebe o que pede, devolve, não precisa roubar. Demonstra também estar
sujeito, desejante.
Desde então Paulo começou a falar de si, de seus medos, de seus sonhos e de
suas fantasias. “Sabe o que tenho medo que vai acontecer? Vai cair uma pedra bem
grande do céu na terra, mas daí eles vão lá tentar explodir, ou então vai cair no mar e
vai formar uma onda muito grande e vai matar tudo... você sabia que com os
dinossauros foi assim, senão eles estariam aqui até hoje. [...] Sabe o que mais tenho
medo? Que aquela menina igual do filme “Poltergeist”, saia de dentro da televisão.
Assistir filmes de terror me deixa com medo, mas eu assisto igual”. Assim Paulo, por
um breve tempo, teve possibilidade de sair dessa posição de objeto, dessa dependência
e alienação aos pais e buscar suas respostas, construir suas fantasias, formar sua
Algumas sessões se passaram. Paulo traz um sonho. Relata parte deste, pois
não o lembra no todo. Um homem, que não soube identificar quem era, corria atrás
dele. Caiu no chão e o homem se aproximava cada vez mais. Neste exato momento
acorda angustiado e assustado. Paulo não consegue dizer nada sobre seu sonho. Não
sabe o que significa, não consegue associar a alguma coisa. Entretanto, quem será esse
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homem que o persegue? Sendo o sonho uma realização de desejo, mesmo num
pesadelo, num sonho de angústia há algo dessa ordem, de desejar livrar-se de algo.
emergindo, como nos diz Freud, “o sonho é o caminho real que conduz ao
consciência.
Uma das funções do sonho, segundo Freud (1901), é ser guardião do sono,
Freud explica que: “Já não há nada de contraditório para nós na idéia de que o
Freud (1901) nos coloca que no inconsciente nada pode ser encerrado e
esquecido. Algo que foi experimentado há tempo volta com força total assim que entra
em contato com as fontes inconscientes de afeto. Tão logo há o encontro ressurge para
vida e mostra-se catexizada com uma excitação que encontra descarga motora. Isso
também demonstra que a psicanálise trabalha com o atual, não trabalha no passado ou
com o passado, pois os afetos passados são revividos no presente. É justamente nesse
ponto, afirma Freud, que a análise deve intervir, e acrescenta que: “Sua tarefa consiste
[...] e a psicoterapia não pode seguir outro caminho senão o de colocar o Ics. sob o
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domínio do Pcs.”. (FREUD, 1901, p. 606). No entanto, no caso de Paulo, este não
silencia.
Durante o trabalho houve muitas faltas, na maioria das vezes não avisadas. Na
sessão seguinte à falta, o pai “justificava”. “Drª. não deu para vir, peguei folga e fomos
viajar”. “Não deu para vir, tive que trabalhar”. “Não tinha dinheiro para lhe pagar, por
isso não trouxe Paulo”. Percebia-se que tudo era motivo para não trazer Paulo. Tudo
era mais importante que a análise do filho. Também era difícil para Mauro efetuar o
pagamento das sessões. Muitas vezes não pagava, atrasava, deixava acumular.
ser considerada a “mola” propulsora da análise, no caso dos pais de Paulo aparece
tratamento analítico, invariavelmente nos aparece, desde o início, como a arma mais
modos permanentes segundo os quais ele constitui seus objetos” no diz Lacan (1964).
Os pais marcam horário com a analista. Mauro diz que o filho não poderá
continuar. O trabalho será interrompido porque não estão tendo condições de trazê-lo
devido ao seu trabalho e não há ninguém que possa fazê-lo. Os pais fazem muitas
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críticas e reclamações a respeito do filho. “Nós sabemos que ele tem que continuar
vindo, não melhorou em nada parece que piorou, mas não tem como vir”.
“Com efeito, tendo os pais passado anos, sem se aperceberem, diante do problema que
não acreditar no trabalho, se podem ou não trazê-lo. Nas entrevistas iniciais, os pais
colocaram que um dos seus desejos era que o filho aprendesse, fosse aprovado.
Entretanto, quando Paulo faz movimento nesse sentido, os pais veem como piora. Os
pais não o aprovam, talvez não adotaram esse novo filho capaz de aprender, pois um
marido e diz: “você que decide”. Mauro decide dar continuidade ao trabalho do filho,
mas Paulo vem somente mais uma sessão. A analista aguarda Paulo. Passaram-se
quatro semanas e Paulo não vem, tampouco os pais ligam avisando. Analista liga.
Mauro informa que Paulo foi aprovado na escola, no entanto não virá mais. Assim o
importantes efeitos clínicos, embora os pais não reconhecessem tais efeitos. O pai
prometeu que voltaria, assim que se organizasse, para dar continuidade ao trabalho.
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Desistiu de fazer o enfrentamento de seu gozo e dar a liberdade ao filho, para que este
pudesse mais que aprender ter outro lugar que não fosse o de “nada”. Ter um lugar no
Após ter transcorrido algum tempo da promessa de Mauro que traria Paulo
dizendo que agora está mais difícil, pois Mauro está desempregado.
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Nos trabalhos psicanalíticos com criança, a questão do lugar dos pais sempre
caso, foi refletir sobre o lugar que os pais ocupam na relação transferencial no trabalho
com a criança, considerando que ela não vem por conta própria.
Os pais de Paulo buscam efeitos imediatos e uma “correção” para o filho. Mas
uma demanda não se aceita e nem se rejeita, trabalha-se. Pedindo por respostas e por
de quem tem o “saber” para mudar no filho o que eles até então não conseguiram.
Colocam-na num lugar de Sujeito Suposto Saber. Todavia, esse não é o lugar que o
analista deve ocupar, pois o saber está com o paciente, mesmo que insabido. Cabem ao
decorrentes da fala do paciente, já que o analista trabalha com o que o paciente traz.
tanto nas entrevistas com os pais como no trabalho com Paulo. Neste percurso, os
percalços foram surgindo. Faltas. Os pais não conseguiam trazer Paulo. Chegavam
atrasados, não pagavam as sessões. Mesmo diante dos visíveis efeitos clínicos
arrumavam sempre uma desculpa para não trazer o filho, sobrepondo outras atividades
comprometimento com a análise do filho, não acolhiam o que era falado nas
entrevistas. Não queriam se defrontar com a parte que lhes cabia. Ao mesmo tempo em
preço da parcela de cada um, da qual provavelmente Paulo tivesse a menor, ou ainda,
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ponto nodal. No entanto, estabelecer ou não laços transferenciais com os pais, neste
caso não interferiu para estabelecer laços com Paulo, mas afetou a continuidade da
análise. As demandas, as resistências que foram surgindo, por parte dos pais, foram
sendo trabalhadas na medida do possível. Fazer uso deste lugar, de Suposto Saber, mas
sem mestria, propiciou que os pais aceitassem a análise do filho por um tempo.
Entretanto, não durou muito, pois estes não permitiram a continuidade do trabalho e o
Paulo, o que tinha a dizer sobre essa família e os efeitos sobre Paulo. No que se refere
a Paulo, este encontrou um espaço onde pode falar e ser escutado. Aceitou a oferta de
surgindo e Paulo avançava na direção de poder esburacar esse Outro e vivenciar sua
neurose infantil, construir seu mito. No que cabe ao pai, pode-se perceber que Mauro
diante de questões que são suas decide interromper o trabalho do filho para que este
continue no lugar que lhe é devido na dinâmica familiar. A mãe, por sua vez, não se
quisesse.
Para que a análise de Paulo tivesse sucesso, seria fundamental que seus pais
estivessem dispostos a fazer a parte deles. Que Mauro conseguisse identificar como
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suas as questões que atualmente enxerga em Paulo. Trabalhar essas questões. Refletir
sobre o lugar do filho no seu desejo, pois é nesse momento que ele tem a possibilidade
de se implicar no sintoma do filho e no seu. Somente assim Paulo poderia sair desse
lugar de “nada” e ocupar o seu lugar, como sujeito de sua história e no desejo do casal
parental.
6. Referencias bibliográficas
Editores, 1985.
Freud: Edição Standard Brasileira, Vol. V, Rio de Janeiro: Imago, 1996, 541 –
650.
Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira, Vol. XII, Rio de Janeiro: Imago,
Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira, Vol. XII, Rio de Janeiro: Imago,
Standard Brasileira, Vol. XII, Rio de Janeiro: Imago, 1996, 159 - 171.
15. LACAN, J. O seminário, livro 08: a transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1992.
42
17. LACAN, J. O seminário, livro 16: De um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Jorge
18. LACAN, J. O seminário, livro 20: Mais, Ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1982.
20. LACAN, J. Duas notas sobre a criança. In:__- Opção Lacaniana. Revista
1987.
24. MELMAN, C. Infância do sintoma. In: __- Neurose infantil versus neurose da
Lacan: uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002, 72 – 90.
Dicionário de psicanálise: Freud & Lacan. Salvador, BA: Ágalma, 1997, 259 –
305.