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Gustavr rfff nandes Meireles
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Gustavo Fernandes Meireles

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Targino de Araújo Filho
Reitor A PESQUISA COMO ARTESANATO INTELECTUAL
Pedro Manoel Galetti Junior
Vice-Reitor
CONSIDERAÇÕES SOBRE MÉTODO E BOM SENSO

Oswaldo Mário Serra Truzzi 1• reimpressão


Diretor da Editora da UFSCar

EdUFSCar • Editora da Universidade Federal de São Car1os Linda M. P. Gondim


Jacob Carlos Lima
Conselho Editorial
José Eduardo dos Santos
José Renato Coury
Nivaldo Nale
Paulo Reali Nunes
Oswaldo Mário Serra Truzzi (Presidente)

Adriana da Silva
'} Secretária Executiva

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - 4


Editor• da Universidade Federal de S i o Certos
Via Washington Luís, km 235
13565-905 - SI.o Carlos, SP, Brasil
Teltf1x (1613351-8137
EdUFSCar
hnp:J/www.ed,tora.ufscar,br
São Carlos, 2010
e-mall edufscar@ufscar.br
C 2006, Linda M. P. Gondim. Jacob Carlos Uma
Obra anteriormente publicada pela Editora Manufatura (Coleção Sociologia). SUMARIO
João Pessoa, 2002. ISBN 85-87939-24-6

Preparação e revisão de teKto


Gl ucia Lucas Ramoros INTRODUÇÃO ...................................................................... 7
lngrid Pereira de Souza Favoretto

Arte da capa
1 A PESQUISA COMO ATIVIDADE "ARTESANAL" ..... 13
Luís Gustavo Sousa Sgu,ssardi
1.1 Por que fazer uma dissertação ou uma tese
Produção gráfica acadêmica? ......................................................................... 15
Luís Gustavo Sousa Sgu1ssardi 1.2 Características do bom pesquisador.. ....................... 20
Editoração eletrônica
1.3 O orientador como parceiro intelectual.. ................. 26
Vítor Massola Gonzales Lopes 1.4 Como escrever textos que não torturem os
Luís Gustavo Sousa Sgu,ssardi leitores ................................................................................. 34
1• edição - 2006
1• reimpressão - 2010 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE PESQUISA .. 41
Ficha catalográlica elaborada pelo DePT 2.1 Estrutura do projeto de pesquisa 46
da Biblioteca Comunitária da UFSCar
2.2 O processo de construção do projeto de
Gondim, Linda M. P. pesquisa 60


G637p A pesquisa como artesanato intelectual. cons,der,çóes
sobre método e bom senso/ Linda M. P. Gond1m, 2.3 Critérios para a escolha do tema e do objeto de
Jacob Carlos lima. - São Carlos . EdUFSCer, 2010.
88 p.
pesquisa .............................................................................. 61
2.4 A etapa exploratória de pesquisa e a organização
ISBN - 978-85·7600-0B•-6
dos dados ............................................................................ 70
1, Pesquisa - metodologia. 2. Sociologia. 1. Título.
CONCLUSÃO ...................................................................... 79
COO - OOU2 120-)
C D U - 001.8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 83
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transm1t1da
por qualquer forma e/ou quaisquer meios (elelrOnicos ou mecãnicos, incluindo fotocópia e gra- SOBRE OS AUTORES ......................................................... 87
veçâo) ou arquivada em qualquer sIs1emll de banco de dados sem permissão escrita do titular
do direito autoral.
INTRODUÇÃO

Um desafio para qualquer professor de metodologia de


pesquisa é despertar o interesse dos alunos pela discipli-
na. Isto porque a questão do método, ou mesmo o mito
do método, é responsável por boa parte das "neuras" dos
estudantes que iniciam a carreira de pesquisador na área
de Ciências Sociais. Ministrada ora como epistemologia,
ora como receituário de técnicas de pesquisa, a discipli-
na é apresentada, geralmente, de forma árida, refletindo
as dificuldades de operacionalização, que se evidenciam
desde o seu ensino na graduação. Essas dificuldades são
intrínsecas às Ciências Sociais, estando presentes nos de-
bates entre sociólogos, os quais buscam uma metodolo-
gia adequada para o desenvolvimento da área. É possível
ver, por exemplo, as referências de C. W. Mills (1975) e
H. Becker (1997) acerca da metodologia como disciplina
-:E autônoma e da relevãncia da discussão metodológica na
pesquisa.
/
Mills (1975) considera que as discussões verdadei-
ramente úteis, tanto sobre método quanto sobre teoria,
são aquelas apresentadas no contexto de pesquisas em
8 9

andamento ou a serem iniciadas, assumindo, geralmente, sua postura de guardiã do método, o autor afirma que
a forma de "notas marginais''. Quem detém o domínio entre os ganhadores dos principais prêmios da área não
da teoria e do método, "tem consciência das suposições se encontra nenhum "metodólogo''.
e implicações do [trabalho] que pretende fazer" (MrLLS, Essas considerações, ao evidenciarem as estreitas
1975,p.133). relações entre teoria, metodologia e prática de pesquisa,
Assim, por um lado, os resultados do estudo só se- indicam que a sociologia não pode ser confundida com
rão confiáveis se houver uma clara percepção da forma discurso filosofante, isolado de problemática empírica.
pela qual é realizado o ofício de pesquisador; por outro Tal discurso, freqüentemente, apoia-se apenas em uma
lado, o método só terá importância "se houver uma de- linguagem grandiloqüente, desprovido de qualquer fun-
terminação de que o estudo tenha resultados significa- damento, inclusive filosófico. O trabalho sociológico
tivos" (p. 133). Nem o método nem a teoria, devem ser tampouco deve ser confundido com mera manipulação
considerados como "setores autônomos", uma vez que de dados, destituída de fundamentos teóricos. Teoria e
ser dominado por um ou por outro resulta em limites empiria são constitutivas da disciplina; uma não deve
na compreensão do mundo e em formas destituídas de existir sem a outra.
conteúdo. Sem detalhar muito essa questão, é preciso reconhe-
Para Becker (1997, p. 17), "a metodologia [... ] é as- cer que o método integra a formação básica do cientista
sunto de todos os sociólogos, uma vez que eles partici- social, sendo essencial para o trabalho sociológico. Assim,
pam na realização de pesquisas ou na leitura, crítica e tanto os aprendizes quanto os pesquisadores experientes
ensino de seus resultados''. Assim, ela "é importante de- têm de se debruçar sobre alguns aspectos pertinentes ao
mais para ser deixada aos metodólogos': não devendo se "como fazer" pesquisa. Tais aspectos são ainda mais rele-
constituir em disciplina específica. Criticando a Seção de vantes quando se considera que, para boa parte dos alu-
Metodologia da Associação Sociológica Americana, por nos, a elaboração da dissertação de mestrado, ou mesmo
10 11

da tese de doutorado, constitui a primeira experiência de primeira do saber. A intenção deste texto, entretanto, não
investigação empírica e de redação de um texto científico é fornecer um receituário para a pesquisa, nem aprofundar
de maior complexidade. questões pertinentes à epistemologia das Ciências Sociais.
Como notou Mezan (1995), embora o ensino da es- O que se pretende abordar é o fazer sociologia, a partir de
crita seja uma função do ensino fundamental, essa habi- um recorte preciso: o início de um processo de pesquisa.
lidade, muitas vezes, não é aprendida nem mesmo no en- Tem-se como pressuposto que a realização de um projeto
sino superior. Por conseguinte, aprender a escrever"[ ... ] é e o planejamento de uma investigação são tarefas que exi-
um dos percalços mais significativos que o estudante en- gem dedicação, disciplina e boa vontade, mais do que o
contra na pós-graduação, e uma das funções essenciais do domínio de profundos conhecimentos filosóficos ou de
mestrado é proporcionar-lhe a oportunidade de aprender complicadas técnicas de levantamento de dados.
a escrever em português" (MEZAN, op. cit., pp. 3-5). Por Nesse sentido, serão observadas, mais detalhada-
outro lado, é na pós-graduação que o aluno, na maioria mente, as exigências presentes na dissertação de mes-
das vezes, realiza sua primeira pesquisa individual, cujos trado e na tese de doutorado, fornecendo algumas in-
resultados são de sua responsabilidade, mesmo que o tra- dicações para desmistificar falsos moinhos de vento
balho seja mediado por um orientador. Assim, entende- que aparecem como empecilho ao trabalho acadêmico,
t se por que o mestrado, assim como o próprio doutorado, sobretudo em sua fase inicial. Serão discutidos alguns
torna-se "o 'locus' de dois aprendizados, o da escrita e o da problemas encontrados no processo de pesquisa, desde
pesquisa" (pp. 3-5). a elaboração do projeto até a realização do trabalho de
Há centenas de obras que procuram ensinar cortio campo, passando pela relação, quase sempre traumática,
fazer uma investigação, incluindo desde "livros de recei- entre orientando e orientador.
ta': que mostram como empregar técnicas, até pesados Este texto é resultado da experiência dos autores
tratados epistemológicos que procuram explicar a razão como pesquisadores, orientadores e professores de disci-
12

plinas metodológicas, ministradas para alunos de gradu- 1A PESQUISA COMO ATIVIDADE" ARTESANAL"
ação e pós-graduação (mestrado e doutorado). Aborda
questões enfrentadas no dia-a-dia da prática de pesquisa Os temas abordados nesta primeira parte do texto não
e no ensino de sua metodologia, bem como na orientação costumam integrar programas de cursos sobre métodos
de alunos e na participação em bancas examinadoras de e técnicas de pesquisa. Questões pertinentes à formação
projetos, dissertações e teses. de atitudes científicas e de hábitos mais profícuos para o
Trata-se de um trabalho ainda passível de revisões e trabalho intelectual, bem como orientações sobre a apre-
acréscimos, em que, ao divulgá-lo, estabelece-se uma in- sentação de textos acadêmicos, são, geralmente, relega-
terlocução mais sistemática com colegas e alunos no con- das a manuais e disciplinas introdutórias dos cursos de
texto do aprendizado da metodologia de pesquisa - um graduação, voltadas para o que se convencionou deno-
processo contínuo e intrinsecamente inacabado. minar "metodologia científica". Infelizmente, predomina
a tendência de considerar esses aspectos apenas do ponto
de vista formal, reduzindo-os a procedimentos pertinen-
tes à normatização de trabalhos (formato de projetos e
relatórios de pesquisa, normas para citações e referências
bibliográficas etc.), sem considerar a relação deles com a
aprendizagem da metodologia de pesquisa, em seus as-
pectos teóricos e epistemológicos.
exatamente por reconhecer a importância dos
aspectos práticos do trabalho científico que estes serão
abordados aqui no contexto do processo de produção
de conhecimento, de acordo com a perspectiva de Pierre
14 15

Bourdieu (1989) e C. W Mills {1975), os quais concebem daquele que definirá o que "pode servir" para sua brico-
a pesquisa como "ofício" ou "artesanato''. É possível acres- lagem.
centar, ainda, a companhia de Lévi-Strauss (1989) se a
atividade do pesquisador for encarada como algo mais 1.1 Por que fazer uma dissertação ou uma tese
próximo da bricolagem que da atividade científica con- acadêmica?
vencionalmente definida. Com efeito, o bricoleur não Para responder a esta pergunta, é preciso considerar as
tem um controle rígido sobre as matérias-primas a serem peculiaridades do trabalho de pesquisa no âmbito de
adquiridas e os utensílios que serão utilizados em seu uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado. A
trabalho, os quais, inclusive, podem ser (re)aproveitados dissertação é, geralmente, um trabalho de menor fôlego,
em tarefas diferentes (LÉv1-STRAUSS, 1989, p. 33). Ana- realizado em um período entre dois e dois anos e meio, 1

logamente, o pesquisador "produz" seus dados e lança em que o aluno demonstra que sabe utilizar determina-
mão de técnicas, de acordo com circunstâncias que não do referencial teórico-metodológico em uma pesquisa
podem ser rigidamente definidas antes do início da in- empírica ou bibliográfica. É um exercício de como fazer
vestigação. pesquisa, em que o aluno se familiariza com os procedi-
Concebendo a pesquisa como atividade artesanal, mentos próprios da investigação científica.
> isto é, como um trabalho em que está presente a marca A_opção por uma investigação limitada a fontes bi-
do autor, deve-se voltar a atenção, inicialmente, para o bliográficas pode ser razoável frente aos prazos estabele-
pesquisador. Em outras palavras, antes de tratar dos mé- cidos pelas instituições financiadoras e pelos programas.
todos e das técnicas, cabe uma reflexão sobre as motiva- 1 Nota-se que nesse prazo está incluída a obtenção de créditos em dis-
ciplinas, o que, na prática, faz com que a realização da pesquisa e a re-
ções e sobre o perfil ideal daquele que será o principal dação da dissertação necessitem ser feitas em menos tempo. A redução
responsável pela aplicação desses instrumentos, ou seja, dos prazos tem sido determinada pelas instituições de financiamento,
como a CAPES e o CNPq, a fim de reduzir os custos de manutenção dos
programas de pós-graduação.
17
16

Entretanto, o trabalho de análise de dados coletados em mestrado e o doutorado são voltados à carreira acadêmica
campo constitui-se em uma experiência ímpar para a e têm como objetivo final a produção de uma dissertação
formação do pesquisador, pois ele terá a oportunidade ou tese. A elaboração desse produto constitui uma etapa
de lidar mais diretamente com a realidade empírica, sem da formação do professor-pesquisador, evidenciando a
depender exclusivamente da intermediação de outros relação ensino-pesquisa: o docente é, também, produtor
pesquisadores. Uma alternativa para enfrentar os prazos de novos conhecimentos, não se limitando a reproduzir
exíguos seria trabalhar com dados já coletados de outras ou difundir o conhecimento existente.
pesquisas. Entre os vários motivos que levam uma pessoa a fa-
Na tese de doutorado - cuja realização demanda zer um curso de pós-graduação strictu sensu, destaca-se
um tempo bem maior 2 - exige-se um aprofundamento a importância conferida a uma titulação acadêmica pelo
de procedimentos teórico-metodológicos, incluindo le- mercado de trabalho. Atualmente, o mestrado acadêmico
vantamento de questões e proposições originais a serem e o doutorado são pré-requisitos para a carreira de pro-
investigadas. A originalidade não significa estudar algo fessor universitário ou de pesquisador em centros de pes-
absolutamente novo ou desconhecido, mas utilizar novas quisa ou institutos científicos. Além da exigência formal
abordagens na análise dos problemas, sugerir questões do título para ingressar nessas carreiras, a elaboração da
inéditas e apontar elementos desconsiderados em outras dissertação ou tese corresponde ao primeiro passo autô-
abordagens. nomo em direção à formação de um pesquisador, ain-
Diferentemente dos cursos de pós-graduação lato da que, geralmente, seja precedida pela participação em
sensu (especializações) e dos mestrados profissionav,, o atividades de iniciação científica em curso de graduação,
I
pela elaboração de uma monografia para a obtenção de
2 O prazo estabelecido pelo CNPq e pela CAPES para a defesa da tese um bacharelado ou, ainda, pela participação como bol-
de doutorado é de quatro anos, em que nesse tempo também se inclui
a obtenção de créditos.
sista no trabalho de um professor.
18 19

Fora da universidade e de institutos de pesquisa, exi- necessário conjugá-las com interesses profissionais de ca-
ge-se mais o mestrado profissional, como, por exemplo, ráter prático.
o Master in Business Administration (MBA), nas áreas de Por fim, é possível mencionar uma motivação mais
economia, administração e finanças, embora em algumas oportunista: algumas pessoas, com limitado interesse pela
carreiras já se comece a exigir o título de doutor. É o caso pesquisa ou pela carreira acadêmica, vêem a pós-gradua-
de empresas que lidam com pesquisa, como a Empresa ção como uma oportunidade de "emprego" imediato, por
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), ou que meio da obtenção de uma bolsa de estudos durante alguns
possuem departamentos de pesquisa, como a Petrobrás, anos. Esses casos, provavelmente, correspondem a mui-
além de outras, nas quais a posse do título funciona como tas desistências nos cursos de pós-graduação, sobretudo
um diferenciador no recrutamento de técnicos gerenciais. quando esses alunos concluem os créditos, impondo-se a
Basta consultar suplementos de jornais e revistas voltadas necessidade de começar a pesquisa, para a qual eles não
a questões econômicas para verificar a atualidade da dis- têm motivação, nem preparo. Muitas vezes, o aluno "ar-
cussão, realizada por empresas de recursos humanos, so- rasta" o trabalho até terminar a bolsa e, em seguida, alega
bre a qualificação profissional e a titulação, considerando a necessidade de procurar um emprego, comprometendo
as novas exigências do mercado de trabalho, o perfil do irremediavelmente a conclusão, em prazo hábil, da dis-
novo profissional etc. sertação ou tese.
Outro motivo para a realização do mestrado ou Para evitar esses problemas, é preciso que candida-
doutorado é o desejo de aprofundar o estudo de uma te- tos a cursos de pós-graduação strictu sensu conscienti-
mática, de conhecer determinada questão e de apren,der zem-se de que a realização e a conclusão de um mestrado
os procedimentos necessários para isso. Todavia, o (em- ou doutorado - inclusive a preparação da dissertação ou
po e o custo para a obtenção de um título acadêmico ini- tese - exigem algumas características especiais, que vão
bem as motivações exclusivamente intelectuais, tornando além do mero brilhantismo intelectual.
20
21

1.2 Características do bom pesquisador te isso, um ato criador, no sentido de permitir, mesmo ao
Pode-se apontar como características de um bom pesqui- mais comum dos mortais, acesso à produção do saber.
sador o gosto pelo trabalho acadêmico, a curiosidade e a Isso remete a outra característica do bom pesquisa-
disciplina. É preciso, em primeiro-lugar, que o aluno goste dor: sua crença na "democracia do saber': que se traduz
do trabalho intelectual e que se disponha a adquirir o gosto no fato de que ninguém, por mais famoso e reconhecido
pela pesquisa, não sendo necessário, entretanto, apreciar que seja, está imune à crítica; o saber vale por sua pró-
todos os aspectos da pesquisa. Mills (1975, p. 221), por pria fundamentação, e não pela reputação da pessoa que
exemplo, afirmou que não gosta do trabalho de campo, o produz. É por isso que o pesquisador ideal é capaz de
argumentando que, "se não temos pessoal, [a falta deste] combinar autoconfiança com elevada dose de autocrítica,
é uma grande preocupação; se temos, então a pessoa se mantendo uma atitude respeitosa - mas não subserviente
transforma, com freqüência, nulil1a preocupação maior - em relação aos pontos de vista de outrem, ao mesmo
ainda''. Entretanto, ele reconheceu a necessidade de um tempo em que confia em seu próprio julgamento. Conse-
intenso envolvimento com o trabalho, de modo que este qüentemente, gosta de submeter seus trabalhos à crítica
não seja uma mera "ocupação': mas sim um "estilo de vidá' e não tem medo de "se expor"; pelo contrário, tem prazer
(p. 212). em investir em sua carreira intelectual, fazendo contatos,
O pesquisador ideal reconhece que são essenciais trocando idéias e apresentando trabalhos em público.
tanto a reflexão teórica quanto o contato direto ou indi- Se timidez e preguiça intelectual não combinam
reto com o mundo empírico (analisar dados primários com a boa prática de pesquisa, a curiosidade e a orga-
ou secundários): é esse tipo de trabalho que "fecundt a nização são alavancas poderosas para essa atividade.
inteligência, a qual se nutre das teorias. Por outro lado, é Assim, o modelo de sujeito é a pessoa curiosa, inquieta,
preciso buscar a produção das próprias "teorias em ato'; mas, ao mesmo tempo, organizada e sistemática. Estas
como diz Bourdieu ( 1989), porque a pesquisa é justamen- últimas características costumam ser subestimadas, em
22 23

decorrência da visão idealizada que erroneamente atri- trando ou doutorando não souber como tratá-los de for-
bui à "genialidade" do pesquisador o sucesso do empre- ma organizada e sistemática.
endimento científico. Nada mais distante da concepção O primeiro passo para a formação do bom pesquisa-
defendida aqui, com base na análise das condições con- dor é adquirir o hábito de ler ativamente, relacionando o
cretas do contexto social e intelectual em que ocorre a que lê as suas inquietações intelectuais e, especialmente,
investigação, a qual, como já dito, tem características de a sua pesquisa. Igualmente importante é habituar-se a es-
um processo artesanal. Isso significa que as habilidades crever com freqüência, tomando notas sobre suas leituras
são aprendidas paulatinamente, no decorrer do pro- e colocando seus pensamentos "no papel'; a fim de regis-
cesso de interação com um "mestre" ou com "artesãos" trá-los e aprofundá-los. É preciso, também, acostumar-se
mais experientes. Significa, também, que a qualidade da a reler e editar o que escreve, considerando a produção de
bricolagem requer não só um conhecimento de grande textos compreensíveis para os leitores.
variedade de materiais e um domínio de instrumentos e Assim, pode-se afirmar que o bom pesquisador ra-
técnicas, como, também, habilidade para manusear estes ramente nasce "pronto". Ele é fruto, principalmente, do
elementos de forma ordenada. trabalho paciente e disciplinado. Analogamente, pode-se
Não só a coleta e a análise de dados, mas a própria dizer que é pesquisando que o "gosto" pelo fazer pesquisa
definição do objeto de pesquisa são processos que reque- é descoberto e aprofundado.
rem um trabalho paciente e minucioso de busca de fontes Considerando as condições precárias em que os
bibliográficas, de documentos escritos ou orais, organi- trabalhos são realizados - bibliotecas limitadas, infraes-
zação de arquivos, preparação de notas de leitura e ela- trutura de apoio deficiente, recursos insuficientes para
r
boração de textos. Ao longo dos meses ou mesmo anos cobrir os custos da pesquisa-, é preciso elevado investi-
de trabalho, esses materiais vão se acumulando e correm mento pessoal para tornar-se um bom pesquisador. Esse
sério risco de se perder ou de ser mal utilizados se o mes-
24 25

investimento, por sua vez, sofre as injunções presentes na senso e praticidade na escolha do tema e nas opções me-
universidade btasileira. todológicas é altamente recomendável.
Evidentemente, o quadro de precariedades não é o O pesquisador neófito ou em formação (e mesmo
mesmo em todas as universidades; quanto mais bem equi- os já "formados") não deve se propor a realizar tarefas
pada a instituição e mais qualificado seu corpo docente, muito complicadas,_ fora do alcance de sua competência
melhores serão as condições de formação dos pesquisado- intelectual ou de suas possibilidades pessoais. Às vezes, o
res. Mesmo em boas universidades, porém, são poucos os excesso de ambição é o caminho mais curto não só para
alunos que conseguem desenvolver aptidão e capacitar-se atrasos, mas para a má qualidade do produto, por falta de
para fazer pesquisa ainda no curso de graduação. Muitas tempo para o "acabamento''.
vezes, é na pós-graduação que se tenta aprender, ao mes- O orientador pode ajudar bastante na delimitação
mo tempo, a pesquisar e, também, a apresentar por es- do objeto, identificando com clareza os limites e as pos-
crito os resultados da investigação, como já mencionado. sibilidades do trabalho e os procedimentos adequados.
Nessas condições, a formação de um pesquisador é difícil Entretanto, o aluno deve ter em mente que a dissertação
e exige aplicação permanente, disciplina e organização, ou tese resultam de opções pessoais, sendo frutos de seu
mais que brilhantismo intelectual. É mais fácil um estu- próprio trabalho, e não responsabilidade do orientador.
dante aplicado, ainda que não seja tão brilhante, terminar A escolha do tema a ser investigado e o êxito da pesquisa
sua tese em tempo hábil, que um "geniozinho" pretensio- podem desempenhar importante papel na formação da
so e desorganizado que, muitas vezes, acaba ficando no identidade profissional do pesquisador, assim como no
meio do caminho, vociferando contra a mediocridade,da desenvolvimento de sua carreira.
universidade e defendendo a legitimidade de seu ob}eto
ou de seus métodos. Face a isso, uma grande dose de bom
26 27

1.3 O orientador como parceiro intelectual O primeiro aspecto a ser considerado é a afinidade
Uma das etapas fundamentais para a realização de uma temática, ou seja, o conhecimento teórico e a experiência
pós-graduação é a escolha do orientador. O ideal é que de pesquisa do professor em relação ao tema do trabalho.
este seja o mentor intelectual do aluno e especialista em Essa afinidade representa um passo importante no desen-
seu tema, além de conselheiro e editor. Ao exercer esses volvimento da pesquisa, uma vez que, como conhecedor
papéis, ele auxilia o mestrando ou doutorando e o en- do assunto, o orientador facilitará o acesso à bibliogra-
coraja logo nos primeiros passos da pós-graduação, que fia, ajudará no recorte adequado do objeto e na escolha
vai desde a escolha do objeto a ser pesquisado, passando da metodologia. O perigo, neste caso, é superestimar a
pelas diversas etapas da investigação, até o encaminha- participação do orientador, achando que ele vai resolver
mento em sua vida profissional, colocando-o em contato problemas do próprio aluno, quando é a este que cabe
com outros professores e incentivando sua participação fazer o trabalho, como já foi salientado.
em congressos e seminários, bem como a publicação de Por outro lado, há outras afinidades que precisam
artigos em revistas especializadas (BoLKER, 1998). ser consideradas, como as de natureza teórica e meto-
Todavia, um profissional que reúna todas essas ca- dológica. Assim, deve-se verificar se a perspectiva teóri-
racterísticas quando se dispõe a orientar um trabalho é ca trabalhada pelo professor é compatível com a que o
raro, pois tem de conciliar essa tarefa com o atendimento orientando deseja adotar ou se ele está aberto a outros
a outros alunos e com uma infinidade de atividades aca- enfoques, além dos que costuma usar.
dêmicas que impossibilitam essa dedicação, por mais que No que se refere a aspectos metodológicos, vale lem-
a deseje. Face a isso, algumas considerações tornam e brar não só as preferências, mas também a experiência do
úteis para auxiliar o aluno a escolher adequadamente ;eu possível orientador no tipo de pesquisa que se quer em-
orientador, dentro da realidade acadêmica brasileira. preender. Nesse sentido, é recomendável que aqueles que
estejam planejando fazer pesquisa de campo trabalhem
29
28

sob a orientação de alguém que já tenha realizado esse levantamento prévio sobre o orientador desejado, obten-
tipo de investigação, de modo que possa auxiliar o aluno do informações sobre sua atuação na universidade ou no
no enfrentamento de questões práticas. curso, bem como sobre sua reputação acadêmica. Além
Ser especialista no tema é condição desejável, mas disso, é interessante também estabelecer contato com

está longe de ser suficiente. Isto porque nem todos os ex- orientandos e ex-orientandos para informar-se sobre o

perts conseguem socializar seus conhecimentos de forma tipo de relacionamento que mantêm com o orientador,

adequada e, às vezes, criam expectativas nos orientandos pontos fracos e fortes dessa relação, sistemática de tra-

que dificilmente são realizadas. É crucial que o aluno ve- balho etc.
rifique se o professor tem, realmente, aptidão, tempo e O orientador ideal é aquele que, ao mesmo tempo,
interesse para orientá-lo. é acessível aos alunos e rigoroso em relação à qualidade
Vale lembrar que mesmo os que não são especialis- do trabalho de seus orientandos. Escolher um professor
tas no tema da tese, mas se interessem por ele, ou que te- apenas porque ele é considerado "bonzinho" e pouco
nham algum tipo de afinidade teórico-metodológica com exigente pode comprometer não somente o resultado do
o aluno, podem se constituir em excelentes orientadores, trabalho, mas também o futuro profissional do pesquisa-
por meio da discussão sistemática de questões, de suges- dor e seu reconhecimento pela comunidade acadêmica.
}
tões metodológicas etc. Professores com sólida formação É pertinente lembrar, aqui, que a orientação é uma
teórico-metodológica são capazes de orientar trabalhos relação social. Por conseguinte, depende, em parte, de fa-
que não estejam diretamente ligados à sua linha de pes- tores de ordem pessoal, ainda que seja verificada em um
quisa, desde que se interessem pela proposta da tese <9U contexto institucionalizado. Por isso, não se deve igno-
dissertação do aluno. rar aspectos relativos ao método e ao estilo de trabalho
Docentes de pós-graduação podem ter formações acadêmico no contexto específico da relação orientador-
distintas, de modo que é recomendável que se faça um orientando, bem como as características de personali-
30 31

dade de ambos. Entre essas características estão a maior balho. Em relação a esta última, cabe definir qual forma
ou menor pontualidade nos prazos de cumprimento das de orientação será adotada: encontros periódicos ou de
tarefas solicitadas e o grau de formalidade ou informa- acordo com as etapas do trabalho? Entrega preestabeleci-
lidade nos contatos. Há alunos que preferem trabalhar da de produtos intermediários? Neste último caso, como
sob supervisão mais intensa do orientador, enquanto ou- serão definidos os prazos?
tros possuem grande independência. Alguns professores Qualquer que seja a forma de orientação, o aluno
querem acompanhar de perto todas as tarefas realizadas deve empenhar-se em otimizar seus encontros com o
pelos orientandos, enquanto outros optam por discutir orientador para que sejam proveitosos. Para tanto, é im-
produtos quase acabados. portante estabelecer, desde o início, regras de convivência
Tais aspectos, por sua vez, têm de ser considerados e de trabalho conjunto para que os encontros não sejam
em um contexto problemático de elaboração de teses ou apenas úteis, mas também agradáveis, e para que a tese
dissertações: trata-se de um trabalho complexo, de longo ou dissertação seja um tipo de trabalho em co-autoria.
prazo e, freqüentemente, carregado de insegurança e ten- Em outras palavras, orientador e orientando tornam-se
sões, dadas a inexperiência e as limitações do mestrando parceiros intelectuais.
ou mesmo do doutorando. Ressalta-se, por isso, a impor- Essas sugestões, mais fundamentadas no bom senso
tância de manter um bom relacionamento com o orienta- que em normas cristalizadas, devem abranger encontros
dor, cuja função deve ser a de "aliado", servindo de apoio, regulares para a apresentação de resultados, discussão so-
e não de fonte adicional de dificuldades. bre os avanços obtidos na pesquisa, questões levantadas
O ideal seria que esse relacionamento fosse fun4a- pela investigação, como dúvidas e descobertas, tanto pelo
mentado em uma espécie de "contrato': em que as cfuas aluno quanto pelo orientador, bem como debate sobre
partes esclarecessem, desde o início, os respectivos in- papers, sugestões para os textos escritos etc.
teresses e expectativas, bem como a sistemática de tra-
32 33

Problemas de relacionamento devem ser expostos que se propõe a participar de um curso de pós-gradua-
logo que se manifestem para evitar sobrecargas emocio- ção, está aceitando e legitimando as normas acadêmicas,
nais ao trabalho acadêmico. Assim, comportamentos do entre as quais uma das mais importantes é escrever um
orientador que inibem o aluno ou atitudes deste conside- trabalho sob a supervisão de um professor. Contudo, é
radas inadequadas pelo primeiro, devem ser tratados de preciso acautelar-se em relação a orientadores inseguros
forma explícita, a fim de que ambas as partes se ponham e autoritários que precisam "provar" o tempo todo que
de acordo quanto à melhor forma de proceder, para que sabem mais que os alunos.
o trabalho conjunto não seja prejudicado. Situações como essas podem inviabilizar o trabalho
Um bom relacionamento com o orientador é ainda conjunto, tornando recomendável a troca de orientador,
mais importante quando se considera que é comum o alu- caso não possam ser contornadas. Entretanto, essa tro-
no desenvolver o que Bolker (1998) chama de "paranóià' ca envolve novos problemas: a dificuldade de encontrar
da tese ou dissertação. A insegurança frente à pesquisa, outro professor disponível que se interesse pelo tema e o
conjugada à falta de confiança em sua capacidade de rea- trabalho adicional para adaptar-se às exigências do novo
lizar um trabalho que, nesse momento, assume o centro orientador. Sem citar os ressentimentos que podem criar
de sua vida, pode provocar uma verdadeira paralisia inte- mal-estar no ambiente acadêmico. O melhor a fazer é
lectual, já que o mestrando ou doutorando não se anima conversar sobre as dificuldades, buscando soluções con-
para apresentar os resultados da pesquisa, temendo que o ciliatórias que possibilitem uma convivência mais profí-
orientador ache tudo óbvio ou, até mesmo, "idiota". cua entre orientador e orientando. Melhor ainda é evitar
Outra situação comum, mas oposta à citada ai;i.te- que ocorram impasses dessa natureza. Para tanto, alunos
riormente, é o orientando querer marcar posição fr'ente e professores devem se conscientizar de que a escolha
ao orientador, competindo com ele. Por mais sábio que do orientador requer conhecimento prévio mínimo de
o aluno seja, deve se lembrar que, a partir do momento ambas as partes e de que a relação estabelecida a partir
34 35

de tal escolha implica tanto aspectos intelectuais quanto seus textos, procurando termos mais adequados para
emocionais. expressar suas idéias. Baudelaire chegou a utilizar a me-
Por fim, vale insistir que, embora o papel do orien- táfora de um esgrimista para descrever o labor de um
tador seja fundamental, o projeto e a pesquisa são traba- escritor: "ele esgrime com o seu lápis, com a sua pena,
lhos do aluno, que é o responsável direto pela dissertação com o seu pincel" (apud BENJAMIN, 1991, p. 93). Eviden-
ou tese. A função do orientador é semelhante a de um temente, não se exige de um trabalho científico as quali-
terapeuta, que ouve o paciente e faz com que este tire suas dades estéticas de uma obra literária, mas exige-se clareza
próprias conclusões sobre como resolver seu problema e coerência, o que nem sempre é fácil conseguir.
- nesse caso, sua pesquisa, dissertação ou tese. Antes de serem apresentadas sugestões para a elabo-
ração de textos de boa qualidade, é necessário reconhecer
1.4 Como escrever textos que não torturem que as dificuldades de produzi-los constituem um proble-
os leitores ma grave e disseminado que atinge a comunidade inte-
Um dos aspectos mais importantes do "artesanato inte- lectual de todo o mundo. No Brasil, porém, a situação se
lectual" refere-se à difícil arte de escrever com clareza, agrava, em decorrência de precariedades do ensino fun-
seguindo a norma padrão e determinado estilo exigido. damental e médio. Constata-se que, independentemente
Trata-se de um aprendizado demorado - na verdade, in- da área de estudos, do setor de atividade profissional ou
terminável - que, no caso de textos científicos, depende mesmo da orientação ideológica dos autores, proliferam,
menos de talento que de esforço e treino. A prática de em textos supostamente científicos, absurdos lógicos e fac-
revisar e editar os próprios escritos é condição síne fIUa tuais, erros de gramática e falta de rigor intelectual. Alu-
non desse aprendizado. Mesmo autores consagrados' não nos e mestres, cientistas e leigos, profissionais e amadores
se satisfazem com as primeiras versões do que escrevem parecem estar sempre às turras com a língua portuguesa,
e, por isso, dedicam muito tempo ao aprimoramento de usando-a mais como arma para "dominar" os leitores e
36 37

menos como instrumento de comunicação. Os leitores ao argumento e, de certa forma, insultam o leitor, ao im-

são constantemente agredidos por argumentos sem fun- pingir-lhe avaliações extremas.

damentação empírica ou teórica (só porque o autor diz, Outra característica prejudicial à qualidade dos tex-

tem-se de acreditar) ou apoiados em "evidências" prove- tos científicos é a substituição do conteúdo por artima-

nientes de casos anedóticos, fatos isolados ou metafóri- nhas literárias, que podem até ser bonitas na forma, mas

cos. Inúmeros textos apresentam erros factuais grosseiros, escamoteiam a falta de um trabalho mais aprofundado

com raciocínios incoerentes e manipulações de dados es- de pesquisa. Isso não significa que a escrita acadêmica

tatísticos para acomodar resultados contrários às teses do tenha de ser enfadonha e despida de estilo; ao contrário,

autor. Erros gramaticais são mais facilmente identificáveis deve-se buscar a elegância da forma, mas sem prejudicar

e corrigíveis, mas podem prejudicar a compreensão das o rigor e a clareza conceitual e metodológica.

idéias do autor, tornando a leitura mais árdua. O mesmo Para que a linguagem escrita seja "um veículo de

acontece quando há repetição de palavras, rimas e uso de comunicação, e não de escamoteamento de idéias" (GAR-

períodos excessivamente longos. CIA, 1985, p. 9), é necessário um esforço, por parte de

Se o uso excessivo de jargão concorre para tornar quem escreve, no sentido de obter clareza, concisão e coe-

o texto ininteligível, o emprego de palavras inexistentes rência na apresentação de idéias e nas análises factuais.

(técnica "engenheirística", candidato "governamentalis- Para tanto, a regra fundamental é o respeito pelo leitor,

ta"), de linguagem coloquial ou mesmo de gírias ("o We- ou seja, tudo o que for "colocado no papel" deve ter por
ber coloca que"; "o texto amarra as idéias") também é ina- objetivo facilitar a compreensão do texto para outrem,
propriado a um texto científico. O mesmo se pode dizer fazendo com que a tarefa de ler seja a menos árdua possí-
de adjetivos ou superlativos em excesso, como brilhante, vel. Como disse o escritor Kurt Vonnegut (1982):

genial, dificílimo, incomparável, que pouco acrescentam


38 39

Tenha dó dos leitores. Eles têm que identi- Outra condição para se produzir um texto claro é a
ficar milhares de pequenas marcas no papel organização. As idéias devem ser concatenadas por uma
e dar-lhes sentido imediatamente. Eles têm "tese" ou hipótese de trabalho, e a escrita deve ser orien-
que ler, uma arte tão difícil que a maioria tada por um roteiro previamente preparado, que articule
das pessoas não consegue aprendê-la mes- notas de leitura com análises pessoais. É preciso expres-
mo depois de ter concluído a escola primá- sar-se de forma direta, evitando subterfúgios e argumen-
ria e secundária (grifo do original). 3
tos implícitos. Mesmo que o leitor conheça bem o tema
e o enfoque do autor, o texto tem de ser inteligível em
Para escrever com clareza, o primeiro requisito é ter si mesmo, ou seja, prescindir de explicações adicionais.
em mente determinada audiência, para a qual se dirige o Quem escreve não pode esperar que os leitores "adivi-
trabalho. No caso de teses e dissertações, essa audiência nhem" o que se quer dizer, nem que haja pedidos de es-
é constituída pelo orientador, pelos membros da banca clarecimento adicional.
eJ1.aminadora e pela comunidade acadêmica em geral. O domínio da técnica de redação científica é fer-
Além disso, é desejável que o texto seja compreensível ramenta indispensável para o pesquisador, sob pena de
para leitores com formação e interesse em outras áreas de não conseguir socializar os frutos de seu conhecimento,
conhecimento e até mesmo por um público mais amplo já que os resultados das pesquisas são comunicados, pre-
que detenha um nível educacional suficiente para enten- dominantemente, por meio de textos.
der o vocabulário complexo - mas não necessariamente Na próxima parte deste trabalho, serão discutidas as
incompreensível - utilizado, por exemplo, em texto de características e apresentadas sugestões para a elabora-
Ciências Sociais. ção do texto central no trabalho científico: o projeto de
pesquisa.
3 Tradução de Linda Gondim.
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE PESQUISA 4

A elaboração do projeto de pesquisa é o momento-chave


do processo de construção do conhecimento. A impor-
tância desse documento pode s!r representada por uma
analogia urbanística: seu papel seria semelhante àquele
desempenhado pela planta de uma cidade, ou seja, é um
guia básico para quem quer conhecê-la ou, simplesmen-
te, chegar ao seu destino com eficiência. Entretanto, as
informações cartográficas não podem prever todos os
caminhos, muito menos "retratar" a realidade urbana em
sua riqueza e peculiaridades. Apenas depois de percorrer
os logradouros públicos, contemplar ou utilizar as edifi-
cações, relacionar-se com os habitantes do lugar e parti-
cipar de suas atividades é que o viajante poderá dizer que
"conhece" a cidade.
De forma similar, o contexto teórico e empírico a
ser estudado pelo pesquisador somente será conhecido
mediante o contato longo e intenso com a realidade que

4 Este item reproduz algumas parles do texto "O projeto de pesquisa


no contexto do processo de construção do conhecimento'; incluído na
coletânea Pesquisa em Ciências Sociais, projeto de dissertação de mes-
trado (GONDIM, 1999).
42 43

pretende estudar, tanto por meio de livros, documentos orientador, os membros da banca examinadora, a comu-
e dados secundários quanto por meio da coleta de infor- nidade científica, entidades governamentais ou não-go-
mações do trabalho de campo. Tal contato, porém, será vernamentais, instituições financiadoras e outras.
mais ou menos árduo dependendo da preparação prévia Vale lembrar a distinção, muitas vezes mal compre-
do investigador, da qual o projeto de pesquisa é um com- endida, entre pesquisa "pura" e pesquisa aplicada. Esta
ponente essencial. última visa a fornecer subsídios para a resolução de pro-
Saber elaborar um projeto de pesquisa constitui blemas práticos e, em geral, é encomendada por uma ins-
um pressuposto da atividade profissional do sociólogo. tituição ou grupo com interesse direto na resolução des-
Trata-se de uma ferramenta indispensável ao bom an- ses problemas. Já a pesquisa para uma tese de mestrado
damento de todas as etapas da atividade de investigação, ou doutorado situa-se primordialmente em um contexto
devendo servir para o planejamento do trabalho de cam- acadêmico, para o qual são relevantes não só dificuldades
po, para a definição de métodos e técnicas de análise e encontradas no mundo social, como, também, as formu-
interpretação de dados e, finalmente, corno subsídio para lações teóricas pertinentes a esse meio. Isso não significa,
a preparação do relatório final ou, no caso de estudantes necessariamente, desinteresse pela resolução de questões
de pós-graduação, da própria dissertação de mestrado sociais, mas que não há compromisso com nenhum clien-
ou tese de doutorado (CAVALCANTE, 1997, p. l). te em particular que busque soluções concretas e imedia-
Assim, um projeto deve ser preparado consideran- tas. O "cliente" de um trabalho acadêmico, pode-se dizer,
do dois objetivos principais: nortear a investigação a ser é a sociedade como um todo. Nessa perspectiva, a tese ou
feita e comunicar a outrem o que se pretende fazer. N se dissertação é um produto que deve ficar à disposição do
momento do trabalho, deve explicitar, de forma con'cisa "público"; uma vez concluída, não "pertence" mais unica-
e compreensível, conteúdos e procedimentos referidos a mente ao seu autor ou à instituição na qual foi realizada.
uma realidade futura (a pesquisa que será feita), para: o
44
45

Apesar dessa distinção - que afeta mais a definição está sendo abordado. Ao contrário do que possa parecer,
do objeto que os demais aspectos da pesquisa -, há ele- textos longos não são necessariamente mais completos,
mentos comuns a todos os projetos. Qualquer que seja a pois a prolixidade tende a favorecer as redundâncias e o
forma de apresentação, estes devem responder às seguin- excesso de palavras dispensáveis, que funcionam como
tes questões: "adornos", escondendo o essencial. Por isso, é desejável
• o que será feito (definição do objeto); que a extensão dos projetos de pesquisa não ultrapasse
• por que fazê-lo (justificativa); 20 páginas.
• para que será feito (objetivos); Além disso, o mestrando ou doutorando deve seguir
• a partir de que perspectiva se pretende fazê- as regras de apresentação de trabalhos científicos, sobre-
lo (quadro referencial teórico); tudo as relativas a citações, notas de rodapé e referências
• como e onde será realizada a pesquisa (meto- bibliográficas. Tais normas podem variar de acordo com
dologia); e, as orientações estabelecidas pelas diferentes instituições,
• quando será feita (cronograma). sendo que algumas universidades já possuem suas pró-

A precisão das respostas a essas questões é funda- prias definições. Nos casos em que inexistam tais orien-

mental, pois propiciará uma qualidade indispensável a tações, recomenda-se recorrer a um manual de norma-

qualquer trabalho científico: a clareza. Para tanto, a lin- lização de trabalhos científicos que apresente as normas

guagem utilizada deve seguir o padrão gramatical, evitan- mais recentes da Associação Brasileira de Normas Técni-

do o uso de jargão e outros efeitos estilísticos,' conforme cas (ABNT). 5


\
já mencionado. Um dos recursos para se chegar à chµ·eza
5 As normas da ABNT pertinentes à apresentação de trabalhos cientí-
é a concisão, a qual depende da capacidade de síntese que, ficos, publicadas mais recentemente são: NBR 6023, de agosto de 2002:
por sua vez, requer profunda compreensão sobre o que "Referências - Elaboração"; NBR 10520, de agosto de 2002: "Citações
em documentos - Apresentação"; e NBR 14724, de agosto de 2002:
"Trabalhos acadêmicos - Apresentação''.
46 47

2.1 Estrutura do projeto de pesquisa instituição, local, mês e ano em que o projeto foi escrito.
Primeiramente, é preciso ressaltar que não há um forma- Nota-se que projetos submetidos a instituições financia-
to "certo" de projeto de pesquisa, já que uma de suas qua- doras devem incluir, também, um orçamento, geralmen-
lidades é a estrutura flexível, adaptável ao tema e à me- te apresentado como anexo ao texto.
todologia da investigação. Assim, não é necessário que Na Introdução, apresenta-se, de maneira sucinta, a
o texto apresente todos os tópicos sugeridos na ordem questão a ser investigada e o recorte espacial e tempo-
indicada, pois estes podem ser acrescidos de outros itens, ral. Deve-se dizer como se escolheu o objeto e indicar
agregados de diferentes maneiras e receber títulos de a importância da pesquisa, em termos de contribuição
acordo com aspectos substantivos pertinentes ao objeto. uma melhor compreensão ou solução de um problema
A estrutura sugerida é a seguinte: 6 social. Esses aspectos serão retomados na Justificativa,
• Introdução mas convém explicitar, já no início, as razões do interes-
• Justificativa se do pesquisador pelo objeto pesquisado, inclusive para
• Problematização ou construção do objeto evidenciar sua experiência prévia em trabalhos sobre o
• Objetivos tema, assim como seus possíveis vieses.
• Metodologia Na Justificativa, apresentam-se as razões de nature-
• Cronograma za teórica e empírica para a pesquisa; em outras palavras,
• Bibliografia expõe-se a pertinência da escolha do objeto, em termos
de aprofundamento do conhecimento sobre a temática
O texto do projeto deve ser precedido por uma folha e de sua relevância teórica. Além disso, comenta-se a

de rosto, indicando título da pesquisa, autor, orientador,
disponibilidade do material empírico e as condições de
acesso aos dados.
6 Exemplos de estruturas diferentes dessa são apresentados em Gon-
d1m (1999).
48 49

O item Problematização é fundamentado na revi- portante distinguir entre a contextualização do objeto e o


são da literatura e inclui questões e hipóteses suscitadas objeto propriamente dito. Embora a compreensão de um
pelo "recorte" da realidade que se pretende estudar. É o problema dependa, em grande parte, de sua inserção em
momento do pesquisador demonstrar que conhece mi- um panorama mais amplo, não se deve cair na tentação
nimamente seu objeto, cuja definição constitui um dos de fazer uma análise "panorâmica''. Assim, o texto da tese
aspectos mais difíceis da elaboração do projeto. poderá incluir, em um capítulo, um quadro muito am-
Não se deve confundir tema com objeto de pesquisa. plo, mas somente os aspectos diretamente pertinentes ao
O primeiro tem caráter mais amplo e constitui, na verda- objeto serão aprofundados na investigação. No exemplo
de, a área de interesse do pesquisador, como, por exemplo, da pesquisa sobre a imagem da cidade, anteriormente ci-
a questão da imagem da cidade. Já o objeto é resultado de tada, considerou-se a história recente das transformações
um "recorte" do tema, a partir de uma problematização no espaço urbano de Fortaleza e suas repercussões nas
da realidade que se quer investigar. No exemplo em pau- representações sobre a cidade, mas o objeto de investiga-
ta, um objeto de pesquisa poderia ser o estudo da pro- ção não foi o processo de evolução urbana.
dução de uma nova imagem para a cidade de Fortaleza, Por outro lado, não se deve exagerar na restrição do
em decorrência de um projeto de intervenção no espa- tema, a ponto de cair na trivialidade ou mesmo produzir
ço urbano, associado a uma política cultural - o Centro verdadeiras idiossincrasias empíricas, como no caso de
Dragão do Mar de Arte e Cultura (GoNDIM, 1997). um estudo descritivo sobre alunos de uma escola pública
É necessário delimitar o objeto mesmo que não se em João Pessoa ou qualquer outro lugar, sem especificar
pretenda realizar pesquisa empírica, pois é essa delimi- o porquê dessa escolha e qual a questão teórica que se
tação que torna uma dissertação ou tese diferente cfe um pretende investigar. É imprescindível inserir o monográ-
manual, uma enciclopédia, uma compilação de dados ou fico em um quadro teórico ou histórico: mesmo o estudo
um tratado teórico (Eco, 1977). Nessa perspectiva, é im- de caso limitado no espaço e no tempo deve ser concebi-
50 51

do de tal forma que lance luz sobre questões mais amplas, gerida, uma vez que o conhecimento do "estado atual da
relevantes para as Ciências Sociais. Essa questão será re- arte" subsidia a justificativa, a definição do objeto, a esco-
tomada no próximo item deste texto. lha do quadro referencial teórico e a própria metodologia
A revisão da literatura, também contida no item a ser utilizada. Isso ocorre porque a produção do conhe-
Problematização, indica como o tema tem sido tratado cimento sociológico nunca é obra de indivíduos isolados;
por autores diversos, comparando diferentes enfoques e quer seja entendida como um processo cumulativo, quer
perspectivas teóricas. Deve-se situar o objeto em relação seja concebida como fruto de rupturas (KOYRÉ, 1982),
a outros trabalhos pertinentes ao tema, apontando afini- tem sempre um caráter relacional, na medida em que não
dades e divergências e ressaltando lacunas que poderão é decorrente de "atos inaugurais" ocorridos em um vazio
ser preenchidas pela investigação proposta. Trata-se de histórico e epistemológico (BouRDIEU, 1989).
reconhecer o caráter cumulativo da produção científica No item Objetivos, repete-se, de forma sintética, o
e de situar-se como membro de uma comunidade de in- que foi colocado na Introdução, sendo possível mencio-
vestigadores, em vez de conformar-se com a medíocre nar outros objetivos específicos. No projeto de pesquisa A
posição de um consumidor de idéias alheias. "nova precarização" do trabalho: interiorização industrial,
A indicação do enfoque teórico que promete ser assalariamento restrito, cooperativas e trabalho domiciliar,
mais frutífero para a pesquisa proposta, acrescida das ca- o objetivo estabelecido foi:
tegorias e dos conceitos que serão utilizados na análise,
constitui o quadro referencial teórico, que pode ser ob- estudar o desenvolvimento recente da re-
jeto de item específico, dependendo de seu grau de c.om- gião Nordeste a partir da implementação
t
plexidade e de sua extensão. de políticas de interiorização industrial e o
A revisão da literatura está presente, de forma mais processo de "proletarização" que o acompa-
ou menos explícita, em praticamente toda a estrutura su- nha. Essas políticas têm sido acompanhadas
52
53

consolidam-se como uma opção de empre-


de formas flexibilizadas de relações de tra-
go ou ocupação; c) analisar o processo de
balho que incluem desde o assalariamento
"formação" e treinamento desses trabalha-
restrito com direitos sociais limitados, a
dores e suas implicações na aceitação das
formas de subcontratação em cooperativas
relações de trabalho oferecidas; d) estudar
de trabalho e quarteirização 7 em trabalho
em que medida "novas" formas organizati-
domiciliar, dentro do novo paradigma da
vas, tais como cooperativas e trabalho autô-
acumulação marcado pela globalização
nomo, consolidam-se e como o trabalhador
(LIMA, 1999, p. 11).
percebe sua situação enquanto trabalhador
não assalariado (LIMA, 1999, p. 1I).
Quanto aos objetivos específicos, não há obrigato-
riedade de incluí-los. Isto deve ser feito apenas se um
A Metodologia explicita as questões norteadoras e
maior detalhamento contribuir para tornar mais claro o
que se quer obter com a pesquisa. No exemplo citado, as estratégias que serão utilizadas para a abordagem em-
pírica do objeto. Essas questões - que já aparecem na de-
poderiam ser elencados como objetivos específicos:
finição do objeto implícita ou explicitamente - devem ser

a) verificar os impactos da instalação desses


recolocadas ou redefinidas em termos de estratégia me-
todológica que se pretende seguir, articulando-a com o
empreendimentos - unidades fabris e coo-
quadro referencial teórico. Tanto nesse quanto em outros
perativas - e de cadeias de trabalho domici-
liar - nos municípios sertanejos; b) aMlisar
aspectos, não se pode evitar certa redundância, uma vez

em que medida esses empreendimentos


que, a rigor, a metodologia está presente desde o início do
projeto, na medida em que é muito difícil separar o que
7 A quarteirização refere-se à subcontratação de serviços por empresas fazer do como fazer.
que operam como subcontratadas.
54 55

Ainda neste item, devem ser definidos os procedi- Luckmann ( 1976), além dos interacionistas simbólicos
mentos que serão seguidos na coleta e análise das infor- como Mead (1967) e Blumer (I 986) e etnometodólogos
mações. É preciso explicitar se serão utilizados somente como Garfinkel {1996).
dados secundários ou se será feita pesquisa de campo, e De maneira sintética, positivistas e fenomenólo-
qual a natureza da mesma (quantitativa ou qualitativa). gos estudam problemas distintos, o que exige diferentes
Neste ponto, faz-se necessário esclarecer, rapida- metodologias. Os primeiros adotam o modelo de in-
mente, as diferenças entre as abordagens quantitati- vestigação das ciências naturais e procuram estabelecer
va e qualitativa, de acordo com as principais correntes relações de causalidade entre os fenômenos a partir da
sociológicas. Taylor & Bogdan (1996) distinguem essas definição de hipóteses. Os dados são coletados median-
abordagens a partir de duas correntes teóricas básicas: te instrumentos padronizados {questionários, surveys,
o positivismo e a fenomenologia. Na perspectiva posi- inventários e estudos demográficos), que possibilitam
tivista, que tem entre seus principais autores Comte e análises estatísticas e cuja aplicação é feita mediante
Durkheim, busca-se os fatos ou as causas dos fenômenos uma relação distante e impessoal entre o pesquisador
sociais, independentemente dos estados subjetivos dos e os informantes. Já os fenomenólogos buscam a com-
indivíduos. Na perspectiva fenomenológica, pretende-se preensão dos fenômenos por meio de instrumentos de
entender os fenômenos sociais do ponto de vista do ator, natureza qualitativa (observação participante, entrevis-
ou seja, como este experimenta e interpreta o mundo. ta em profundidade, história de vida, grupo focal, entre
Esta abordagem, formulada por Weber, enquadra-se na outros), cuja utilização adequada requer uma relação de
chamada sociologia compreensiva, destacando o seqtido proximidade e empatia entre o pesquisador e os sujeitos
atribuído à ação pelos sujeitos, em uma perspectivá ma- pesquisados (TAYLOR & BoGDAN, 1996, p. 16).
cro. Entretanto, em uma perspectiva micro, têm-se auto- Entretanto, essa dicotomia deve ser vista com cui-
res como Schutz {1979), Goffman (1985; 1996), Berger & dado. Taylor & Bogdan ( 1996) destacam que o próprio
56 57

Durkheim, em sua obra As formas elementares da vida que será realizada a coleta de dados. Ainda que nesse mo-
religiosa (1989), utilizou estudos qualitativos, feitos por mento de construção do objeto não se tenha, por vezes,
antropólogos, sobre o totemismo. condições de decidir aonde, exatamente, será realizado o
Minayo (1992) ressaltou que as ações sociais têm trabalho de campo, é essencial dar indicações sobre locais
uma dimensão externa e visível, que pode ser adequa- prováveis.
damente expressa por meio de variáveis numéricas. Há Por outro lado, embora não seja obrigatório definir
também um significado para o sujeito que a realiza, cuja no projeto a amostra que será pesquisada, é útil dar in-
compreensão requer uma abordagem qualitativa. Ressal- dicações sobre o número e o tipo de informantes que se
ta-se que é a natureza do objeto que deve guiar a escolha pretende utilizar. Estudos qualitativos raramente podem
da metodologia, o que significa que dados quantitativos e estabelecer de antemão quantas pessoas serão pesquisadas,
qualitativos podem ser usados em uma mesma pesquisa, uma vez que tal número vai depender da qualidade das in-
se o objeto assim o exigir. 8 Isso permite questionar a op- formações fornecidas pelos próprios informantes. Isso sig-
ção apriorística por esta ou aquela metodologia. nifica que só se sabe qual a quantidade de sujeitos a serem
Além de explicitar os aspectos quantitativos ou qua- ouvidos quando se chega à saturação qualitativa, ou seja,
litativos da pesquisa, a metodologia de um projeto deve no momento em que as entrevistas se repetem em con-
indicar os instrumentos que serão utilizados (questioná- teúdo, nada mais acrescentando às informações obtidas.
rios, entrevistas não-diretivas, observação participante, Neste caso, é inadequado falar de "amostra representativa·;
documentos e outros), bem como o local e o período em pois os informantes não são selecionados por critérios es-
tatísticos que garantam a aleatoriedade, ou seja, que todos
8 A partir da década de 1970, a utilização de metodologias dive as na os elementos do universo tenham a mesma probabilidade
investigação de um mesmo objeto passou a ser conhecida como "trian-
gulação'; termo originário de outras áreas do conhecimento, como a de serem escolhidos.
topografia e a navegação (D'ANCONA, 1996, p. 47). Ver, também, Berg
(2001) e Bericat (1998).
58 59

Mesmo que não seja possível detalhar a amostra e o O item Bibliografia deve incluir tanto as obras con-
local aonde será realizado o trabalho de campo, as esco- sultadas para a preparação do projeto quanto as que serão
lhas apresentadas na metodologia terão de ser justifica- utilizadas posteriormente. A importância desse item não
das, fundamentando-se não só em sua relevância para a deve ser subestimada, pois os títulos incluídos demons-
melhor compreensão do objeto de pesquisa, mas também tram um conhecimento preliminar sobre o problema a
em considerações de ordem prática (facilidade de acesso ser estudado e, além disso, apontam para o alcance do
ao local, necessidade de considerar pessoas com diferen- trabalho, em termos de levantamento e consulta de ma-
tes tipos de envolvimento no fenômeno que se quer ana- teriais bibliográficos.
lisar etc.). Finalmente, o Cronograma deve indicar a duração
É importante evitar as armadilhas de discussões prevista de todas as etapas da pesquisa, incluindo não só a
epistemológicas que pouco acrescentam ao projeto. Por coleta de dados, mas também o levantamento bibliográfi-
exemplo, digressões sobre o "método dialético" em nada co complementar, o planejamento detalhado do trabalho
auxiliam a operacionalização da pesquisa, pois, geralmen- de campo, a análise de dados e a redação do "relatório"
te, expressam a adesão a um referencial teórico-epistemo- da pesquisa, neste caso, a própria dissertação de mestra-
lógico - ou mesmo, uma "profissão de fé" - desvinculada do ou tese de doutorado. A estimativa de tempo deve ser
da metodologia adequada ao estudo do objeto empírico. feita de forma realista, considerando a efetiva disponibi-
É válido insistir que na revisão bibliográfica as opções teó- lidade do pesquisador e a complexidade do trabalho (que
rico-metodológicas ficam evidentes pelos autores, assim irá variar de acordo com o objeto e com as circunstâncias
como os conceitos utilizados. Na metodologia, a ºRção específicas da pesquisa, tais como distância do local pes-
por uma descrição (justificada) dos procedimentos é o quisado e acessibilidade dos informantes). Deve-se cal-
ideal, pois torna o texto mais "enxuto". cular os prazos de modo a permitir ajustes decorrentes de
60 61

eventuais imprevistos, sem esquecer o tempo necessário tigar - por isso, a própria elaboração do projeto requer
para revisões e modificações sugeridas pelo orientador. uma investigação exploratória.
Entretanto, a definição do objeto é um processo que
2.2 O processo de construção do projeto de não se conclui senão com a própria pesquisa, pois as in-
pesquisa formações e os insights advindos da coleta e análise de
A definição de um objeto de pesquisa é um processo len- dados propiciarão novos ângulos de abordagem e redefi-
to, vinculado tanto aos interesses do pesquisador quanto à nições do problema.
sua capacidade de proceder em relação a rupturas episte- Uma boa forma de se proceder é tentar transformar
mológicas com seu próprio universo social. Por isso, não o tema em uma pergunta de partida, ou seja, em uma
depende apenas da história intelectual e das circunstâncias questão que resuma a inquietação que levou o pesqui-
pessoais de cada um (inserção profissional, opções políti- sador a querer estudar aquele tema. Quivy & van Cam-
cas, estilo de vida etc.), mas também de considerações de penhoudt (1992) desenvolvem essa estratégia no Manual
ordem prática, tais como: tempo disponível e acesso a fon- de investigação em Ciências Sociais, apresentando vários
tes de financiamento. exemplos e discutindo-os a partir de alguns critérios de-
Segundo Pinto (1992, p. 4), a formulação do pro- finidores de uma boa pergunta, que correspondem, de
blema de pesquisa "é a cruz dos pesquisadores, sobretu- certa forma, aos critérios que devem nortear a escolha
do quando se iniciam na difícil prática da produção do do objeto.
conhecimento". Sendo tarefa intrinsecamente complexa
e demorada, esta etapa não se realiza isoladamer\te de 2.3 Critérios para a escolha do tema e do
outros aspectos da pesquisa, uma vez que envol<re um objeto de pesquisa
conhecimento prévio mínimo daquilo que se quer inves- O interesse do aluno pelo assunto deve ser o primeiro
critério norteador da escolha do tema de sua dissertação
62
63

ou tese. Trata-se de uma precedência não só cronológica, O segundo critério a ser considerado é a relevância
mas também epistemológica, na medida em que o pro- do objeto de investigação. Isso depende, antes de tudo, da
cesso de pesquisa se inicia a partir das inquietações de forma como é construído o problema, pois, mesmo que
um sujeito que problematiza a realidade social. Assim, a o tema em si seja importante social e politicamente, nem
escolha do tema não deve ser ditada por modismos inte- toda pesquisa sobre ele será necessariamente relevante.
lectuais, nem por imposição de professores ou de fontes Por outro lado, mesmo um objeto aparentemente banal
de financiamento. pode tornar-se importante, dependendo do enfoque do
Não só é admissível, como recomendável que o aluno pesquisador. Um exemplo disso encontra-se no estudo
considere questões de ordem prática, tais como: disponibi- que Machado da Silva (1969) fez sobre 'o significado bo-
lidade de um professor-orientador ou possibilidade de ob- tequim'. Em uma época em que predominavam pesqui-
tenção de recursos para a pesquisa, mas elas não devem sas sobre temas de caráter macroestrutural, como classes
determinar a eleição de determinado objeto. sociais e industrialização, essa investigação identificou a
A escolha da perspectiva empírica e teórica que importância de práticas cotidianas e aparentemente "me-
orientará a delimitação do tema deve apresentar um grau nores': como a freqüência ao botequim, que se revelou
de flexibilidade suficiente para adequar a definição de um uma estratégia de sobrevivência de trabalhadores urba-
objeto a circunstâncias variadas. Por exemplo, alunos in- nos, sobretudo dos "biscateiros''.
teressados em trabalhar com questões de gênero podem Outro critério norteador para a escolha do objeto é
fazê-lo por meio de estudos que se intercruzem com ou- a viabilidade do estudo, tanto do ponto de vista dos re-
tras áreas do conhecimento, como é o caso de trab , ilhos cursos quanto do tempo disponível para sua realização.
sobre imagens do feminino nos meios de comunitação Tal critério é importante não só para a qualidade, mas
de massa ou sobre a presença de mulheres nos movimen- também para a própria consecução da pesquisa em pra-
tos sociais, entre outros. zo hábil. Os recursos a serem considerados incluem tan-
64 65

to a possibilidade de financiamento para o trabalho de nagens centrais para a compreensão de certos processos,
campo (viagens, impressão de questionários, contratação movimentos sociais e para a identificação de lideranças
de auxiliares de pesquisa etc.) quanto as aptidões e expe- de grupos, uma vez que detêm a memória de determi-
riências do aluno nos aspectos pertinentes à execução da nados fatos e situações sociais. Além disso, concentram
investigação e à preparação da dissertação ou tese. Deve- informações sobre o objeto a ser estudado, facilitando o
se considerar a maior ou menor aptidão para o trabalho acesso a outras pessoas, grupos e instituições e fornecen-
de campo ou para a utilização de fontes secundárias. Por do o "caminho das pedras''.
causa da rigidez dos prazos das instituições que conce- Esses "personagens" são especialmente relevantes
dem bolsas e auxílios para pesquisa, é preciso ponderar as quando se estuda grupos estigmatizados, como viciados
vantagens e desvantagens de coletar seus próprios dados, em drogas, prostitutas, travestis, mendigos e outros, que
sobretudo se for possível utilizar informações produzi- vivem em clima de permanente desconfiança em relação
das em outras pesquisas, como foi assinalado na primeira a estranhos. Um contato anterior com pessoas familia-
parte deste texto. rizadas com o meio, além de abrir portas, pode signifi-
Ainda dentro desse critério, é preciso escolher ade- car melhores condições de segurança para o trabalho de
quadamente a população a ser estudada, considerando campo.
a viabilidade de acesso a ela. Por exemplo, para estudar Ainda com relação à viabilidade da escolha do ob-
o processo de trabalho na indústria, é preciso que haja jeto, Valéria Pena {1990), no artigo "Fontes pouco con-
clareza quanto à permissão de entrada em uma ou mais vencionais na sociologia brasileira': fornece várias indi-
fábricas. Há de se considerar, também, a disponibilidade cações de objetos definidos de forma criativa e acessível a
de pessoas que poderão servir de informantes-chave pesquisadores com parcos recursos, em termos de tempo
(TAYLOR & BOGDAN, 1996). Essas pessoas constituem-se e dinheiro. Em relação à estratégia metodológica da pro-
em verdadeiros "porteiros" da pesquisa, pois são perso- dução sociológica analisada, Pena {1990, p. 32) constata
66 67

ser pouco freqüente a utilização de dados coletados por ficável por outras pessoas (Eco, 1977, p. 28), tornando-o
outros pesquisadores, preferindo a realização de entre- passível de ser estudado em um contexto empírico. Exem-
vistas, as quais nem sempre garantem a profundidade das plos de como isso deve ser feito encontram-se no texto
informações coletadas. "Do artesanato intelectual", em que Mills (1975, p. 227)
Tratando-se de pesquisa na área de Ciências Sociais, apresenta diversas possibilidades de estudos empíricos
impõem-se, ainda, outros critérios: que o problema es- sobre a elite do poder:
colhido seja de natureza social, isto é, que não se limite
a idiossincrasias individuais e que seja referido a uma [... ] [Realizar] uma análise tempo-orça-
realidade empiricamente observável. O primeiro des- mentária (sic) de um dia de trabalho típico
ses critérios decorre do pressuposto de que a atividade de dez altos diretores de grandes empresas,
científica busca generalizações. Ainda que, no estudo dos e o mesmo para dez administradores fede-
fenômenos sociais, seja impossível fazê-las em sentido rais. Essas observações serão combinadas
estrito, em razão de sua natureza histórica, não se deve com entrevistas "biográficas" detalhadas. A
perder de vista a intenção de se chegar a resultados ge- finalidade é descrever as rotinas e as deci-
neralizáveis. Um exemplo de como o estudo de um úni- sões mais importantes, pelo menos em par-
co indivíduo pode ser feito em uma perspectiva social é te, em termos do tempo a elas dedicado, e
a pesquisa histórica sobre um moleiro perseguido pela obter uma visão dos fatores relevantes para
inquisição, cujos resultados foram publicados na obra O as decisões tomadas.
queijo e os vermes (GINZBURG, 1987). Outro exemplo é a
1 [... ] Reunir e sistematizar, [a partir] dos re-
obra de Norbert Elias (1991) sobre Mozart.
gistros do Tesouro e outras fontes governa-
Pesquisas na área de Ciências Sociais devem, neces-
sariamente, "traduzir" o objeto em um fenômeno identi-
68 69

mentais, a distribuição dos vários tipos de análise das informações. De maneira simplificada, trata-
propriedade privada, pelas quantias. se de pesquisar "o que é", e não o que o pesquisador gos-
taria que fosse.
[... ] Estudar a carreira dos Presidentes, [de]
Não se trata de buscar a neutralidade preconizada
todos os membros do Gabinete e [de] todos
pelos positivistas, uma vez que é impossível abordar a rea-
os membros do Supremo Tribunal.
lidade sem a intermediação do sujeito que, por estar si-
tuado social e historicamente, jamais conseguirá desven-
Ressalta-se que o objeto de estudo não deve ser uma
cilhar-se da teia de significados e de valores em que seu
questão para a qual o pesquisador já tenha uma expli-
objeto também está inserido (GEERTZ, 1978). Mas reco-
cação definitiva, o que transformaria a pesquisa em um
nhecer a impossibilidade de um conhecimento comple-
mero exercício para confirmar o que ele já sabe, ou seja,
tamente independente das preferências e das condições
em uma exemplificação de um conhecimento pré-cons-
histórico-sociais do pesquisador, bem como do contexto
truído. Sem dúvida, pode-se partir de pressupostos teó-
de investigação, não implica licença para transformar a
ricos e empíricos, mas esses constituem o pano de fundo,
prática de pesquisa em um exercício de mera subjetivida-
e não o cerne do conhecimento que se deseja produzir,
de ou de militância político-ideológica.
mediante o contato com a realidade social.
A esse respeito, Boaventura de Sousa Santos (2000,
Isso remete a um parâmetro fundamental para as-
p. 31), na defesa de uma teoria social crítica, propõe a
segurar a qualidade da investigação na área de Ciências
distinção entre objetividade e neutralidade, afirmando
Sociais, sendo este, portanto, o esforço requerido do pes-
• que a primeira:
quisador, no sentido de minimizar a influênciatde suas
preferências valorativas e de seus vieses, tanto na fase de
[... ] decorre da aplicação rigorosa e honesta
definição do objeto quanto no processo de coleta e de
dos métodos de investigação que nos per-
70 71

mitem fazer análises que não se reduzem de elaborações teóricas sobre o fenômeno a ser pesquisa-
à reprodução antecipada das preferências do. Por isso, antes que se proceda a investigação de modo
ideológicas daqueles que as levam a cabo. mais sistemático e aprofundado, impõe-se a realização
A objectividade decorre ainda da aplicação de estudos exploratórios para subsidiar a elaboração de
sistemática de métodos que permitam iden- todos os componentes do projeto de pesquisa: definição
tificar os pressupostos, os preconceitos, os do objeto, revisão da literatura, escolha do referencial teó-
valores e os interesses que subjazem à inves- rico e formulação da metodologia.
tigação científica supostamente desprovida As informações que servem como ponto de partida
deles. para a preparação do projeto de pesquisa são oriundas de
diversas fontes. Sem dúvida, o contato prévio do pesqui-
De acordo com a perspectiva de Santos, explicitar sador com o tema (estudos anteriores, experiência pro-
a própria posição constitui, para o cientista social, não fissional, prática política, vivência pessoal etc.) constitui
um obstáculo, mas uma condição para tornar possível a fonte importante de idéias que devem ser trabalhadas
objetividade. mediante a organização de notas e de documentos por-
ventura já obtidos. Aproveitam-se, também, informações
2.4 A etapa exploratória de pesquisa e a e reflexões procedentes de leituras de livros e periódicos
organização dos dados (inclusive obras de ficção), notícias publicadas nos meios
A preparação de um projeto de pesquisa, por si só, requer de comunicação de massa e mesmo observações do sen-
um mínimo de familiaridade com o objeto a ser iJ,vesti- so comum (conversas ouvidas na rua, por exemplo). É
gado. Este só pode ser definido ao longo de um p'rocesso indispensável, porém, recorrer a procedimentos mais sis-
de construção do conhecimento, por meio de sucessivas temáticos, em que estão incluídos levantamento biblio-
aproximações com a realidade empírica e da construção
72 73

gráfico e documental, entrevistas exploratórias e contato mente alguns dados estatísticos particular-
com a realidade empírica a ser investigada. mente eloqüentes.
O principal objetivo do levantamento bibliográfico
é subsidiar a preparação da revisão da literatura, a qual, Antes de consultar fontes mais abrangentes, como o
nesta fase, não precisa ser exaustiva. É até recomendável acervo de bibliotecas e a Internet, é conveniente pedir a
utilizar um critério qualitativo para a seleção das leituras, especialistas indicações de leituras básicas e, a partir de-
tendo a "pergunta de partida" como fio condutor. Deve- las, identificar as obras citadas pelos autores consultados. 9
se evitar tanto os "calhamaços" teóricos quanto os estudos As resenhas e ensaios bibliográficos também constituem
meramente descritivos, que se limitam a compilar dados; um bom ponto de partida. 10 Nota-se que o levantamen-
é preferível consultar estudos de caráter sintético, inter- to bibliográfico é um processo que continuará durante a
pretativos. Teses e dissertações defendidas, assim como pesquisa de campo, a fase de análise de dados e mesmo
estudos clássicos publicados em data recente, revelam-se, durante a redação dos capítulos da dissertação ou tese,
por vezes, muito úteis, pois costumam incorporar contri- quando se constatar a necessidade de leituras comple-
buições de trabalhos anteriores. mentares.
É essencial intercalar as leituras com reflexões pes- Contudo, a preparação de um bom projeto de pes-
soais, organização de notas e discussões com colegas ou quisa requer um volume razoável de leituras, capaz de
pessoas experientes. De acordo com Quivy & van Cam -
9 Esta estratégia é indispensável para identificar artigos publicados em
penhoudt (1992, p. 19), trata-se de: periódicos, pois, como se sabe, este tipo de material não consta nos ca-
tálogos das bibliotecas.
10 Pode-se destacar o Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências
I Sociais (BIB), da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
reaprender a refletir em vez de devorar, a ler
Ciências Sociais (ANPOCS). O BIB já publicou ensaios bibliográficos so-
em profundidade poucos textos cuidadosa- bre temas como industrialização e classe trabalhadora, reestruturação
produtiva, políticas públicas, infância, violência, movimentos sociais
mente escolhidos e a interpretar judiciosa- urbanos, gênero e outros.
74 75

subsidiar a revisão da literatura, abarcando os principais programas de TV, cenas do cotidiano etc. É igualmente
autores que estudaram o tema, tanto em termos teóri- importante manter e consultar um diário de campo, em
cos como empíricos. O critério que permite avaliar se o que estejam anotadas as observações e reflexões sobre a
conhecimento da bibliografia apresenta abrangência su- pesquisa e o andamento da dissertação, desde a fase dos
ficiente é a recorrência das referências a obras já consul- estudos preparatórios.
tadas: "podemos considerar que abarcamos o problema O pesquisador não pode ser tímido nem trabalhar
a partir do momento em que voltamos sistematicamente isoladamente. Faz parte do trabalho do mestrando ou
às referências que já conhecemos" (Qu1vy & VAN CAM- doutorando inserir-se em comunidades científicas e em
PENHOUDT, 1992, p. 53). grupos que estudam seu tema de pesquisa, começando
O modo como se lê é tão importante quanto o quê pelos próprios colegas e professores, não apenas do Pro-
se lê, por isso a necessidade de uma leitura ativa e críti- grama de Pós-Graduação, mas também de outros depar-
ca, a qual implica tomar notas, articulando-as ao objeto tamentos e universidades. Nesse sentido, a participação
de pesquisa (BARZUN & GRAFF, 1977; FREIRE, 1979). A em congressos e seminários é uma oportunidade rele-
organização dessas notas, bem como dos demais mate- vante para o pesquisador iniciante, pois este deve estar
riais coletados (textos, recortes de jornais, documen- atento às possibilidades de contatos diretos ou por meio
tos), em forma de arquivo, além de facilitar o trabalho de correspondência, inclusive pelo correio eletrônico.
de análise de dados e de redação da dissertação, também Entre os contatos que o pesquisador deve realizar
pode servir como fonte de idéias para outras pesquisas nessa etapa, são recomendáveis entrevistas com especia-
(MILLS, 1975). listas ou pessoas envolvidas com a temática em estudo
A manutenção desse arquivo é uma estratégia para (informantes-chave), junto às quais se deve obter não só
estimular a escrita, em que nele também devem estar indicações bibliográficas, como também "dicas" para o
registradas as reflexões do pesquisador sobre filmes, acesso a documentos e dados básicos já existentes e para
76 77

a pesquisa de campo (sugestões sobre quais áreas ou gru- instituições, grupos ou pessoas com características se-
pos pesquisar; nomes de possíveis informantes etc.). melhantes àqueles que serão efetivamente pesquisados. 11
É válido lembrar que as entrevistas exploratórias não Nesta etapa, o contato com o campo deve ser cercado de
se destinam a verificar hipóteses e que as informações cuidados para que se evite a formulação de conclusões
colhidas devem ser consideradas provisórias e passíveis apressadas, por causa da "ilusão da transparência" de-
de completa reformulação. A função dessas entrevistas é, corrente da excessiva familiaridade prévia com o objeto.
primeiramente, heurística, já que permitem: Para minimizar esse risco, deve-se:

abrir pistas de reflexão, alargar e precisar os deixar correr o olhar sem se obstinar sobre
horizontes de leitura, tomar consciência das uma única pista, ouvir à sua volta sem se
dimensões e dos aspectos de um dado pro- contentar com uma só mensagem, apreen-
blema, nos quais o investigador não teria der os ambientes e, finalmente, procurar
decerto pensado espontaneamente (Qu1vy discernir as dimensões essenciais do pro-
& VAN CAMPENHOUDT, 1992, p. 77). blema estudado, as suas facetas mais reve-
ladoras e, a partir daí, os modos de abor-
1: recomendável, para a elaboração de projetos de dagem mais esclarecedores (Qu1vY & VAN
pesquisa que incluem trabalho de campo, realizar um CAMPENHOUDT, 1992, p. 81).
levantamento empírico preliminar, por meio de obser-
vações sobre a instituição, o grupo ou as pessoas gue se
quer estudar. Se isso não for possível (por motivo âe cus- 11 Para o projeto de pesquisa Os planejadores e o poder, que previa a
realização de entrevistas com técnicos que atuavam em um órgão de
tos associados à distância geográfica, por exemplo), uma planejamento no Rio de Janeiro, Gondim ( 1987) entrevistou colegas do
Programa de Doutorado da Universidade de Cornell (EUA) que haviam
alternativa é tentar um contato "simulado': ou seja, com
atuado em órgãos similares em São Paulo e Salvador.
78

O projeto é a antecipação da pesquisa a ser realiza- CONCLUSÃO

da, mas, na medida em que sua preparação requer um


conhecimento prévio do tema e certa familiaridade com Este texto procurou abordar a aprendizagem de méto-
o objeto, é impossível concebê-lo isoladamente do pró- dos e técnicas de pesquisa em uma perspectiva desmis-
prio processo de investigação social. Por outro lado, o tificadora, evitando, simultaneamente, oferecer receitas
processo de investigação tem no projeto um importante simplistas de "como fazer" e transformar a reflexão so-
ponto de apoio, sobretudo no que diz respeito à defini- bre metodologia em estéreis polêmicas epistemológicas.
ção do objeto de pesquisa. Ainda que se reconheça, de Questões pertinentes à epistemologia das Ciências So-
acordo com Bourdieu (1989, p. 27), que tal definição ciais, como o papel do pesquisador, a possibilidade de
"é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a um conhecimento objetivo e as diferenças entre pesquisa
pouco, por retoques sucessivos", o caminho da constru- quantitativa e qualitativa, foram abordadas de forma sin-
ção do conhecimento pode se tornar menos árduo se o tética e apenas no contexto da operacionalização dos pro-
aprendiz dispuser de boas ferramentas, entre as quais se cedimentos de trabalho científico. Entre estes, enfatizou-
inclui um bom projeto de pesquisa. se aqueles pertinentes às fases iniciais da investigação: a
formação de hábitos e habilidades intelectuais, como a
escrita de textos claros, coerentes e bem fundamentados,
e a preparação do projeto de pesquisa.
Em concordância com Mills (1975), considerou-se
que a atividade do cientista social é um tipo de "artesana-
t
to" que exige o envolvimento intenso do "aprendiz" e seu
compromisso com um processo de aperfeiçoamento con-
tínuo. Para tanto, as qualidades necessárias correspon-
So
81

dem muito mais à disciplina e à vontade de aprender que uma bolsa de estudos para garantir-lhe a sobrevivência
ao brilhantismo intelectual. Parodiando Simone de Beau- durante alguns anos.
voir, pode-se dizer que não se nasce pesquisador; torna-se Além da motivação adequada, considerou-se que
pesquisador, por meio da aprendizagem de métodos de outro fator para a conclusão de um mestrado ou douto-
trabalho e da prática de investigação, ora excitantes, ora rado com êxito é um bom relacionamento com o orien-
aborrecedores, mas sempre sistemáticos, na procura por tador. Para a escolha deste, foi destacada a importância
respostas, objetivando aumentar o conhecimento sobre de critérios como: afinidades temática, teórica e meto-
determinado aspecto da realidade social. dológica. Entretanto, reconheceu-se que a orientação
O processo de "gestação" do pesquisador ocorre, ti- também envolve aspectos emocionais; por isso, devem
picamente, em determinado contexto acadêmico: o dos ser considerados o estilo de trabalho e certos traços de
programas de pós-graduação strictu sensu, constituídos personalidade do aluno e do professor (maior ou menor
por cursos de mestrado acadêmico ou doutorado, sendo independência do orientando, maior ou menor freqüên-
estes etapas essenciais da formação daqueles que preten- cia de contatos, diferentes graus de tolerância quanto à
dem ingressar na carreira de professor universitário ou pontualidade etc.). Eventuais dificuldades devem ser re-
trabalhar em instituições de pesquisa científica. solvidas por meio de comunicação franca e aberta, a fim
A elaboração da dissertação de mestrado e da tese de de minimizar tensões e conflitos que podem inviabilizar
doutorado constitui, geralmente, as primeiras experiên- o trabalho intelectual. O ideal é estabelecer, desde o iní-
cias do aluno com uma pesquisa, cuja responsabilidade cio, as expectativas e a sistemática de trabalho mais apro-
principal é dele, ainda que seja desenvolvida sob ,orien- priadas ao orientador e ao orientando.
tação de um professor. Assim, é crucial que ele /ncare a Na segunda parte deste texto, apresentou-se uma
pós-graduação como parte de uma carreira acadêmica, e concepção de projeto de pesquisa, e seus componentes
não como um "emprego", cuja principal razão seja obter foram discutidos, sem limitação a formatos específicos.
82

Considerou-se que a preparação desse documento já é REFER NCIAS BIBLIOGRAFICAS


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ScHUT7., Alfred. Fenomenol o g ia e relações Sociais. Rio de Janei- cias Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC),
ro: Zahar Editores, 1979.
fez doutorado em Planejamento Urbano e Regional na
TAYLOR, S. J.; B o G D A N , R Introducción a los métodos cualitati-
vos de investigación. Barcelona: Paidós, 1996. Universidade de Cornell (EUA) e pós-doutorado em
VONNEGUT, Kurt. How to write with style. Fôlder, 1982. Estudos Urbanos na Universidade de Maryland (EUA).
É professora do Departamento de Ciências Sociais e do
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC e
pesquisadora do CNPq. Publicou os livros Clientelismo
e modernidade nas políticas públicas: os governos das
mudanças no Ceará (1998) e Uma dama da Belle Époque
de Fortaleza (2001), e organizou as coletâneas Planos di-
retores: novos tempos, novas práticas (1990) e Pesquisa
em Ciências Sociais: o projeto de dissertação de mestrado
( 1999).
Jacob Carlos Lima graduou-se em Ciências Políticas e
Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo,
' fez doutorado em Sociologia pela Universidade de São
}
Paulo e pós-doutorado em Estudos Urbanos e do De-
senvolvimento no Massachusets Institute of Technology
88

(EUA). É professor titular do Departamento e do Progra-


ma de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universi-
dade Federal de São Carlos e pesquisador do CNPq. É
autor dos livros As artimanhas da flexibilização: o tra-
balho em cooperativas de produção industrial (2002) e
Trabalho, mercado e formação de classe (1996), além de
co-organizador das coletâneas: Trabalho, sociedade &
meio ambiente (1997); Cultura & subjetividade (1996) e
Política, cidadania & violência (1998).

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