Vous êtes sur la page 1sur 24

Simon Schwartzman

DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O

DOSSIÊ
ENSINO SUPERIOR NOS BRICS1

Simon Schwartzman*

Este artigo analisa a expansão do ensino superior nos países chamados BRICS. A aspiração crescente pelo
ensino superior obriga os governos a gerir os custos de funcionamento desse sistema. As respostas de cada
país variam com sua história, cultura e regime político. Todos eles enfrentam problemas semelhantes, como
escassez de recursos e o poder político de atores do sistema de ensino superior e fora dele. Cinco dilemas se
apresentam aos países: 1) expansão, igualdade de acesso e diversificação das matrículas, taxas de participa-
ção, o número e os tipos de instituições; 2) limitações financeiras; 3) regulação do ensino superior privado;
4) como fazer com que as instituições de ensino superior prestem mais contas a seus alunos, funcionários
e à sociedade como um todo; e 5) qualidade e relevância social da aprendizagem e pesquisa em instituições
de ensino superior. Utilizando dados e evidências das pesquisas mais recentes, o artigo mostra respostas
comuns, com algumas exceções em cada caso: diversificação institucional; políticas de ação afirmativa;
crescimento das matrículas nas ciências sociais, humanidades, profissões sociais e Educação; pouco suces-
so nas políticas de internacionalização.
Palavras-chave: Ensino Superior. BRICS. Igualdade de acesso. Financiamento ensino superior. Qualidade
ensino superior.

O acesso ao ensino superior cresceu dras- economias desenvolvidas como naquelas em


ticamente no mundo inteiro desde a Segunda desenvolvimento; a maior parte desse cresci-
Guerra Mundial. Em 1900, havia cerca de 500 mento ocorre em áreas não técnicas, tais como
mil alunos no ensino superior em todo o mundo, as profissões sociais e humanidades; e, em
e, em 2000, eram cerca de 100 milhões (Schofer; muitos países, os formados no ensino superior
Meyer, 2005). De acordo com o Instituto de Es- estão encontrando dificuldades de conseguir
tatística da Unesco, em 2011, eles eram 190 mi- empregos e têm de aceitar ocupações menos
lhões. Entre 1940 e 1960, o número de estudan- qualificadas ou migrar para outros países.
tes de ensino superior em todo o mundo passou Ainda assim, os retornos privados do ensino
de menos de 20 para 40 por 10.000 habitantes. superior, expressos nas diferenças salariais

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


Entre 1960 e 1980, essa proporção mais que do- com aqueles que atingiram apenas o ensino se-
brou, passando a 85; e dobrou de novo em 2000, cundário, tendem a ser maiores nos países em
ultrapassando 160 por 10 mil. desenvolvimento que em economias maduras,
Essa expansão é algumas vezes expli- tornando muito concretos os incentivos para
cada pela crescente demanda por capital hu- se completar o ensino superior.
mano de alta qualidade nas economias mo- Resumindo a análise detalhada das evi-
dernas, mas essa interpretação funcionalista dências mundiais, Shofer e Meyer (2005, p.
é insuficiente. A expansão ocorreu tanto nas 900) apresentaram como explicação a combi-
nação de diferentes fatores. Para eles, após a
* Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro. Segunda Guerra Mundial, um novo modelo de
Praia do Flamengo 100, Cobertura. Flamengo. Cep: 22210-
030. Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil. sociedade foi institucionalizado, “[...] refletido
simon@schwartzman.org.br
1
Este artigo é uma adaptação de “Demand and policies for em tendências de aumento da democratização,
higher education” em Pundy Pillay, Romulo Pinheiro e Si-
mon Schwartzman (Eds), Higher Education in the Brics dos direitos humanos, cientifização e plane-
Countries: Investigating the pact between higher educa- jamento do desenvolvimento. Essa mudança
tion and society, Springer, 2015. Foi apresentado no Semi-
nário Internacional sobre Democratização do Ensino Su- global institucional e cultural abriu o caminho
perior, realizado no PPGSA/UFRJ em novembro de 2013.
Tradução de Micheline Christophe, revisão do autor. para a hiperexpansão do ensino superior”.

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792015000200003 267
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

De fato, a expansão da democratização e neração de milhões de homens e mulheres que, as-


dos direitos humanos, associada ao crescente sim, tinham grande interesse nele, seja como profis-
sionais ou burocratas. Os graduados das principais
acesso à comunicação de massa, minou a tra-
universidades da Grã-Bretanha, como seus contem-
dicional aceitação por parte das pessoas de que porâneos nas grandes écoles francesas, geralmente
as sociedades fossem naturalmente estratifica- procuravam emprego, não em profissões do setor
das em termos de riqueza e oportunidades, de privado, muito menos na indústria e no comércio,
que cada pessoa tivesse um lugar predefinido mas em educação, medicina, serviços sociais, direi-
na hierarquia social, e de que o conhecimento to público, monopólios estatais ou na administração
pública. Ao final da década de 1970, 60% de todos
e a sabedoria fossem um monopólio de poucos.
os diplomados na Bélgica estavam empregados no
Agora, todos podem aspirar a tudo, e a educa- serviço público ou no setor social subsidiado publi-
ção é percebida como um canal de mobilidade camente. O Estado europeu tinha forjado um merca-
social e equidade. Mas “cientifização”, ou seja, do excepcional para os bens e serviços que poderia
a crescente crença na importância do conhe- proporcionar. Ele criou um círculo virtuoso de em-
cimento científico e técnico para melhorar as prego e influência que atraiu um reconhecimento
quase universal (Judt, 2006, p. 362).
políticas públicas e o crescimento da riqueza,
não significa que as sociedades modernas exi- Essa crença no valor crescente da educa-
jam que todos se tornem cientistas. O “plane- ção foi disseminada no mundo em parte pelo
jamento do desenvolvimento” – a noção de que exemplo do que ocorria nos países centrais, e,
as sociedades devem planejar sua economia e, em certa medida, também pela influência de
consequentemente, o desenvolvimento de seus instituições multilaterais como UNESCO e
recursos humanos – foi adotado inicialmente Banco Mundial, de instituições privadas como
na União Soviética e, mais tarde, em outros es- as Fundações Ford e Rockefeller e de muitas
tados comunistas, e, até certo ponto, foi copiado agências de cooperação internacional cria-
em alguns países como a França e o Brasil, mas das nos países desenvolvidos após a Segunda
nunca adquiriu muita relevância, com exceção, Guerra Mundial,21 as quais difundiam e davam
por certo período, das economias planificadas. apoio à expansão da educação nos países do
Essas noções não levaram a uma demanda sig- chamado terceiro mundo. Para muitas dessas
nificativa por educação superior para formar agências, a prioridade não era o ensino supe-
mais cientistas e planejadores, mas ajudaram a rior como tal, mas a alfabetização básica e o
difundir a percepção geral de que as sociedades
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

ensino secundário, mas, à medida que a edu-


precisam dar mais apoio às instituições de ensi- cação básica aumentava, cresciam também,
no superior e possibilitar sua expansão. em toda parte, as demandas e aspirações por
Talvez mais importante do que qualquer níveis mais elevados de estudo.
outro fator tenha sido o extraordinário cresci- A expansão da educação superior signi-
mento econômico da Europa Ocidental e dos ficou não só que mais e mais pessoas entraram
Estados Unidos logo após a Segunda Guerra no ensino superior, mas também que elas que-
Mundial. Associado à expansão do Estado de riam ter acesso a diplomas universitários, em
Bem-Estar, esse crescimento criou uma onda de detrimento do ensino profissional e técnico,
otimismo que varreu a maior parte do mundo. considerado de menor prestígio e remunera-
Se os países desenvolvidos podiam fazê-lo ago- ção. A consequência foi uma tendência a um
ra, então, com certeza, os países em desenvolvi- “viés acadêmico”, com diferentes tipos de ins-
mento poderiam e deveriam também fazê-lo em tituições empenhando-se em obter o status de
um futuro próximo. Como Tony Judt descreveu: universidade para si e para seus alunos (Nea-
O Estado lubrificou as rodas do comércio, da políti- 2
Alguns exemplos: CIDA no Canadá, ORSTOM e a Agên-
ca e da sociedade de várias maneiras. E foi responsá- cia Francesa de Desenvolvimento na França, GTZ na Ale-
manha, USAID nos Estados Unidos, DFID no Reino Unido,
vel, direta ou indiretamente, pelo emprego e remu- SIDA na Suécia, entre outras.

268
Simon Schwartzman

ve, 1979; Van Vught, 2008). Elas aspiravam nheiro público e o privado não estavam sendo
não só aos diplomas, mas também ao mercado desperdiçados em uma pirâmide de grandes
de privilégios profissionais associados a suas dimensões. Eles tiveram também de lidar com
qualificações formais, e consideravam o aces- o poder político e a influência de acadêmicos,
so ao ensino superior como um direito a ser estudantes e funcionários públicos, muitas ve-
provido pelos governos, se possível de forma zes organizados em sindicatos e associações
gratuita. Em sociedades marcadas por cliva- e com fortes ligações com governos locais,
gens culturais, étnicas e linguísticas, a busca partidos políticos e movimentos sociais. Em
pelo acesso ao ensino superior, muitas vezes, todos os países, os governos oscilaram entre
tomou a forma de demandas por compensação conceder mais autonomia às universidades,
cultural e étnica ou apoio especial para corri- ou submetê-las a controles mais rígidos; entre
gir as clivagens históricas tantas vezes relacio- pressioná-las a buscar recursos no mercado,
nadas com o acesso desigual às oportunidades ou fornecer-lhes mais recursos públicos; entre
de educação. atribuir a todas as mesmas funções, ou sele-
A combinação entre o otimismo cres- cionar algumas instituições para missões mais
cente, a crença generalizada na importância da elevadas com mais recursos públicos; entre
educação e a atuação das instituições de coo- exigir delas uma ligação mais forte com o sis-
peração internacional explica por que a expan- tema produtivo, ou permitir que elas próprias
são do ensino superior se tornou um fenômeno definam seus objetivos e orientações de ensi-
universal, embora com tempos e intensidades no e pesquisa. É possível resumir os dilemas
diferentes, e levando a diferentes respostas. de política pública em cinco grandes temas:
Nenhum governo poderia atender a to- 1) como lidar com a expansão, a igualdade de
das essas aspirações, não só por causa de seu acesso e a diversificação das matrículas, as
crescimento e custos ilimitados, mas também taxas de participação, o número e os tipos de
porque a educação é, em grande medida, um instituições; 2) como lidar com as limitações
bem “posicional”, no sentido de que as vanta- financeiras, particularmente em períodos de
gens de alguns dependem de sua posição rela- estagnação ou declínio econômico; 3) como re-
tiva na hierarquia educacional em relação aos gular o crescente mercado de ensino superior
outros (Hollis, 1982; Brown, 2003). Embora a privado; 4) como fazer com que as instituições
posição social, os benefícios e oportunidades de ensino superior prestem mais contas a seus

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


de trabalho criados por níveis mais elevados alunos, funcionários e à sociedade como um
de educação sejam, em boa parte, uma função todo; e 5) como melhorar e manter a qualidade
dos privilégios concedidos àqueles que pos- e a relevância social da aprendizagem e da pes-
suem credenciais educacionais de mais prestí- quisa (Johnstone et al., 1998, p. 2). Nas sessões
gio (Collins, 1979), eles dependem também, no seguintes, examinaremos, com algum detalhe,
longo prazo, da produtividade do titular e da como Rússia, China, África do Sul, Índia e Bra-
vontade da sociedade de pagar por essas cre- sil – os países BRICS – vêm enfrentando essas
denciais. Com o aumento da demanda por en- questões.
sino superior, os governos tiveram de prestar
mais atenção a seu custo e aos benefícios que
ele traz para a sociedade. RÚSSIA
As respostas de cada país variaram de
acordo com a história, cultura e regime políti- Enquanto Brasil, China, Índia e África
co, mas todos tiveram de enfrentar problemas do Sul começaram a expansão do ensino su-
semelhantes, incluindo a escassez de recursos perior a partir de uma base muito pequena, a
e a necessidade de se certificar de que o di- Federação Russa herdou da União Soviética

269
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

um sistema de ensino superior muito desen- planejamento centralizado. Com o colapso da


volvido, que foi profundamente transformado União Soviética e a introdução da economia de
depois 1990 e se tornou mais semelhante ao de mercado, o governo russo teve de reinventar a
outros países. educação superior, como é descrito por Mark S.
A União Soviética foi, talvez, a tentativa Johnson, em um comportamento errático que
mais extrema já havida de gerir o ensino supe- passou de tentativas de conceder total autono-
rior por meio do planejamento de recursos hu- mia às universidades, mas deixando-as abertas
manos, de acordo com a visão funcionalista da à concorrência de mercado, até as tentativas
educação superior como fator de produção. A de recuperar o controle total, centralizado,
maioria das instituições de ensino superior es- do setor de ensino superior. O fim do planeja-
tava ligada a setores específicos de atividade, e mento centralizado significou não só redução
o governo estabelecia o que devia ser produzi- do montante de dinheiro para apoiar o ensino
do e por quem e qual seria a mão de obra ne- superior como também o reconhecimento de
cessária para alcançar os resultados desejados. que a abordagem tradicional de planejamento
Deu-se prioridade aos cursos técnicos, mas as de recursos humanos não podia mais ser usada
ciências humanas também tiveram lugar. Con- na definição de prioridades para orientar a alo-
forme é descrito por Isak Froumin e Yaroslav cação dos recursos.
Kouzminov, “[...] cada desenvolvimento im- Nos primeiros dez anos após a Peres-
portante na economia nacional, bem como a troika, o governo russo permitiu que o setor
vida social e política, foi acompanhado por um do ensino superior se expandisse com pouco
desenvolvimento correspondente no setor do ou nenhum esforço de conduzi-lo a uma dire-
ensino superior” ção específica, sem muita interferência e com
Isso significou também que, em princí- apoio decrescente. Entretanto, depois de 2000,
pio, os alunos não tinham de procurar empre- sob a presidência de Putin, o ensino superior
go: eles eram designados para trabalhar na re- ganhou mais prioridade, absorvendo 23,1%
gião e no setor em que se formavam, sem muita das despesas de educação do país, contra
escolha. Esse arranjo funcional estava associa- 16,1% em 2000, enquanto a despesa por alu-
do a uma hierarquia clara das universidades: no, em porcentagem do PIB per capita, passou
havia universidades setoriais nacionais, liga- de 10,9% para 14,2% (dados do Instituto de
das a ramos específicos da economia (transpor- Estatística da UNESCO). A nova ênfase esta-
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

te, mineração etc.), muitas vezes subordinadas va associada a várias tentativas de introduzir
aos ministérios setoriais correspondentes; uni- mecanismos de garantia de qualidade e de au-
versidades setoriais regionais, ligadas às suas mentar o papel do governo central na condu-
respectivas instituições nacionais; e universi- ção do setor do ensino superior. As novas me-
dades mais tradicionais, destinadas a formar didas incluíram uma diferenciação nítida en-
as elites políticas locais e os professores. Em tre as instituições federais e locais, a criação de
termos comparativos, o tamanho do setor de um exame de entrada unificado para o ensino
ensino superior soviético não era muito dife- superior em áreas específicas, e fundos compe-
rente do existente nos países desenvolvidos do titivos para pesquisa e instituições inovadoras.
Ocidente: 4.900 estudantes por 100 mil habi- As instituições também foram estimuladas a
tantes, em 1990, em comparação com 4.000, trabalhar em conjunto com empresas públi-
no Canadá, 3.400, na Finlândia, 3.500 no Rei- cas e privadas do setor produtivo, a introduzir
no Unido e 5.000 nos Estados Unidos (Dados práticas gerenciais empresariais e a procurar
do Instituto de Estatística da UNESCO). fontes adicionais de recursos, além dos prove-
Na década de 1980, esse arranjo com- nientes de fontes governamentais. Nos últimos
plexo já estava desgastado, devido a falhas do anos, o governo evoluiu para a criação de um

270
Simon Schwartzman

sistema de três níveis de instituições de ensino de a diminuir. No entanto, existem diferenças


superior. No topo, um pequeno número de 10 importantes em função do prestígio das insti-
a 15 universidades federais, altamente compe- tuições, da área e especialidade dos estudos e
titivas, de nível internacional. Num segundo do sexo, fatores que resultam em benefícios
nível, estão entre 150 e 200 universidades re- mais altos para os homens capazes de serem
gionais, apoiadas principalmente pelos gover- admitidos em instituições de maior prestígio e
nos regionais; e um terceiro nível de institui- estudarem em tempo integral e gratuitamente.
ções que foram deixadas à sua própria sorte e, A Federação Russa é uma sociedade
eventualmente, fadadas ao desaparecimento. multinacional, com quase duas centenas de
Houve também um movimento de vincular as grupos étnicos reconhecidos e mais de 50 lín-
principais universidades com os institutos de guas minoritárias. Seria de se esperar a exis-
pesquisa que, na União Soviética, faziam parte tência de grandes diferenças no acesso ao
da Academia de Ciências e, por fim, para tra- ensino superior por parte de membros das mi-
zer a Rússia para mais perto da Europa, o país norias não russas e dos moradores de regiões
aderiu ao Processo de Bolonha de reforma do distantes, especialmente, no ingresso nas uni-
ensino superior. versidades de maior prestígio de Moscou e São
Petersburgo. No entanto, as esta-
tísticas e documentos existentes
relacionados ao ensino superior
na Rússia raramente mencionam
essas diferenças, dando uma ima-
gem de homogeneidade social e
equidade de acesso que é clara-
mente enganosa.
A educação superior na
Rússia está em fluxo, e não se sabe
como irá evoluir. Para Mark S.
Johnson, que realizou uma análise
detalhada das diferentes mudan-
ças e políticas em curso nesse país,

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


[...] o efeito cumulativo destas iniciativas
ambiciosas de reforma e novos investi-
mentos do Estado é que, embora a ‘moder-
Enquanto, no período soviético, a maio- nização’ do ensino superior da Rússia não seja nem
tão coerente, nem tão bem sucedida como as autori-
ria dos alunos era direcionada aos estudos de
dades russas e os líderes universitários muitas vezes
engenharia, produção e construção, agora, cer-
parecem afirmar, há mudanças setoriais significati-
ca de metade deles estão na área de humanas, vas em curso que poderiam se mostrar transforma-
ciências sociais, negócios e direito. Em média, doras nos próximos anos. Se bem sucedidas, as uni-
um diploma universitário ainda significa um versidades reformadas poderiam desempenhar um
aumento significativo dos salários em compa- papel de liderança à medida que a Rússia conquista
seu próprio caminho distintivo de (re) moderniza-
ração com os salários daqueles que só têm o
ção e integração à economia global, desde, é claro,
ensino secundário (98% para os homens, 55%
que os problemas crônicos da Rússia de poder buro-
para as mulheres, de acordo com uma estima- crático autoritário, isolamento intelectual, sectaris-
tiva) (Gerber; Schaefer, 2004), além de uma mo clientelista e corrupção institucional possam ser
proteção contra o desemprego, o que significa mitigados ou superados.
que a demanda por ensino superior não ten-

271
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

CHINA va privada. Pesquisadores chineses costumam


atribuir essas mudanças às decisões de polí-
A China tem uma história importante de ticas públicas da liderança do Partido Comu-
cultura erudita na tradição confucionista, que nista, mas é improvável que a China pudesse
se manifestava nos concursos para o serviço permanecer para sempre isolada das mudan-
público, restritos a um segmento muito peque- ças globais de urbanização, industrialização e
no de mandarins. A partir de 1911, com a Re- educação que estavam acontecendo em toda
pública, o governo nacionalista desenvolveu parte. O que a liderança política faria, e fez,
um sistema moderno de universidade que, até foi tentar orientar este processo, tanto quanto
o final da Segunda Guerra Mundial, era com- pôde, preservando seu poder.
posto por 141 instituições de ensino superior, O ensino superior se expandiu muito
com 84 mil alunos matriculados. rapidamente com a urbanização e a industria-
Depois da Segunda Guerra Mundial e lização. Em 1980, já havia um milhão de estu-
com a vitória do Partido Comunista na Guer- dantes; dez anos depois, já eram 4 milhões. O
ra Civil, a República Popular da China adotou primeiro movimento do governo chinês para a
o modelo soviético de planejamento central e reforma do setor de ensino superior ocorreu em
de educação funcional, substituindo as insti- 1985, mas só começou a ser implementado em
tuições do período nacionalista. Para a maio- 1993, com o lançamento do “Projeto de Refor-
ria da população que vivia em áreas rurais e ma da Educação e Desenvolvimento na China”,
trabalhava na agricultura, o acesso à educação quando a transformação já estava em andamen-
manteve-se muito limitado. Com a Revolução to (Cai; Yan). Essa reforma consistiu, basica-
Cultural de 1966-1968, a maior parte da nova mente, em permitir que as instituições admitis-
elite educada que tinha surgido com o novo re- sem mais alunos e na transferência de respon-
gime perdeu seu emprego e foi enviada para sabilidades pelo ensino superior às autoridades
“campos de reeducação” em áreas rurais, todo locais; desde 1997, também passou a permitir
o ensino médio e superior foi fechado e só foi que as instituições públicas cobrassem mensa-
reaberto em 1972 (Deng; Treiman, 1997). Em lidades dos estudantes, o que criou incentivos
1973, havia apenas cerca de 200 mil alunos no para que elas expandissem ainda mais as suas
ensino superior no país, segundo o Instituto de matrículas. Desde então, as matrículas crescem
exponencialmente, chegando a 9,3 milhões em
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

Estatística da UNESCO, para uma população


que se aproximava de um bilhão de pessoas, 2001 e a cerca de 31 milhões em 2010.
conforme relatado pelo Censo de 1982, das Qiang Zha e Ruth Hayhoe consideram que,
quais 80% viviam no campo.
[...] em geral, as universidades chinesas
Nos anos seguintes, e particularmente são muito mais estreitamente articuladas
após as reformas de liberalização introduzi- com os planos e estratégias nacionais e
das por Deng Xiaoping depois de 1979, o país locais de desenvolvimento do que suas
começou a mudar drasticamente. Em 1990, homólogas ocidentais. As universidades
26% da população viviam em áreas urbanas; chinesas são, em grande medida, o braço
educacional e de pesquisa do governo para
em 2000, 36%; em 2010, o número de habitan-
o desenvolvimento econômico e social [...]
tes das cidades ultrapassou os do campo. Essa
migração de centenas de milhões de pessoas Adota-se, assim, a abordagem funcional
do campo para a cidade ocorreu por causa das de política de educação que parece ter sido
novas oportunidades de vida surgidas nas ci- abandonada em outros lugares. Essa pode ter
dades graças às reformas econômicas, desde o sido a linha oficial, mas, na prática, o que ocor-
final da década de 1970, com a criação de uma reu foi uma “[...] descentralização da direção e
economia de mercado que estimulou a iniciati- gestão em troca de desempenho e responsabili-

272
Simon Schwartzman

tural, e restaurado em 1977).


Apesar de todo esse cres-
cimento no setor público, obser-
va-se que as instituições privadas
também estão se expandindo, e
que muitos estudantes chineses
preferem estudar no exterior, se
puderem. Em 2011, havia cerca
de 700 universidades privadas
no país, com mais de 5 milhões
de alunos, cerca de 22% do total
de matrículas. Essas instituições
também estão sob supervisão das
autoridades governamentais. As
universidades privadas atraem
em grande parte estudantes que
não conseguem entrar nas univer-
sidades públicas, ou que optam
zação institucional, e ao mesmo tempo aumen- por uma universidade particular
tando o controle sobre os critérios normativos em uma cidade mais conveniente ou com pro-
da produção de conhecimento” (Zha; Hayhoe). gramas atraentes, ao invés de uma universida-
O principal instrumento para isso foi a de pública de menor nível em uma área mais
divisão das instituições de ensino superior em remota. A China é também o país com o maior
quatro níveis – instituições de pesquisa, insti- número de estudantes no exterior. De acordo
tuições de pesquisa e ensino, instituições de com o Ministério da Educação da China, no fi-
ensino e instituições de formação técnica para nal de 2011, o número total de estudantes no
o mercado de trabalho. Além disso, cerca de exterior havia alcançado 2.244.100, e o per-
cem instituições foram selecionadas em um centual de retornados foi de apenas 36%.32
processo competitivo para serem incluídas no Claramente, a China tem sido muito
chamado “Projeto 211” e passaram a receber bem sucedida na expansão de seu setor de

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


apoio adicional, com a expectativa de que al- ensino superior, e os eventuais problemas de
cancem padrões mundiais no século 21. Nesse qualidade e de acesso que podem existir são
grupo, 39 universidades de excelência foram difíceis de avaliar a partir da literatura existen-
selecionadas pelo “Projeto 985”, que fornece te. Quanto ao acesso, existem 56 grupos étni-
apoio financeiro em níveis semelhantes aos cos oficialmente reconhecidos no país e cerca
das instituições líderes na Europa e nos Esta- de 300 línguas. A maioria da população per-
dos Unidos, e é, em grande parte, responsável tence ao grupo Han e fala mandarim, além de
pelo aumento de artigos científicos publicados um dialeto local, como, por exemplo, o canto-
por autores chineses nos últimos anos. Outro nês; mas há, pelo menos, 15 outros grupos com
instrumento foi a criação de um exame nacio- mais de um milhão de membros. A China con-
nal unificado para admissão nas universida- ta com um sistema muito complexo de ação
des, que segue princípios meritocráticos rigo- afirmativa que oferece vantagens para certos
rosos e coloca os melhores alunos nas melho- grupos no acesso à educação superior, incluin-
res universidades (isso tem uma longa história do instituições especializadas para minorias,
pré-49, foi posto em prática na “nova China” cotas e pontuação adicional para estudantes
em 1956, foi interrompido pela Revolução Cul- 3
http://en.ccg.org.cn/_d275923658.htm

273
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

de minorias nos exames das universidades na- do moderno no país. Em 1950, a Índia tinha
cionais (Sautman, 1998; Postiglione, 1999).43 apenas 200 mil pessoas com ensino superior,
Ainda que essas políticas resultem em bene- para uma população de cerca de 400 milhões
fícios para os estudantes de grupos minoritá- de pessoas. Em 1970, as matrículas mais que
rios que, de outra forma, não teriam chance de triplicaram, chegando a 2 milhões, atingindo
ingressar no ensino superior, eles continuam cerca de 9 milhões em 2000 e 22 milhões em
sub-representados nesse nível de ensino. 2012. A taxa de escolarização bruta, de 18,8%,
Quanto à qualidade do ensino superior, ainda é pequena em termos comparativos, mas
há uma percepção de que os cientistas e pro- é um dos maiores sistemas de ensino superior
fissionais chineses são bem treinados, mas do mundo, com cerca de 35 mil instituições
que lhes faltariam iniciativa e criatividade, o de todos os tipos. Cerca de 20% dos alunos de
que é atribuído tanto à tradição confucionista, graduação fazem cursos de engenharia, com o
que prioriza a autoridade e a disciplina sobre restante nas artes, profissões sociais e de en-
o pensamento crítico e independente, como à sino, entre outros (India’s University Grants
tendência para a especialização estrita, herdada Committee, 2013).
da visão funcionalista do ensino superior
que ainda prevalece no país, como resul-
tado da influência soviética inicial (Zha;
Hayhoe). É difícil, todavia, dizer até que
ponto isso é verdade.

ÍNDIA

Como Rússia e China, a Índia é


um país de grandes dimensões, com cen-
tenas de diferentes etnias e línguas, e um
forte sistema de castas que há séculos
mantém a mobilidade social no mínimo.
A maioria da população ainda vive nas
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

áreas rurais, cerca de 30% ainda é analfabeta, Enquanto, na China, a maioria dos pri-
e o país nunca passou por períodos de indus- vilégios sociais tradicionais associados à edu-
trialização e de urbanização intensos como cação foi eliminada com a Guerra Civil e a Re-
os que, por exemplo, mudaram a China tão volução Cultural, na Índia, as desigualdades
profundamente nas últimas décadas. No vas- sociais relacionadas com riqueza, etnia, casta
to subcontinente indiano, o Império Britânico e sexo se mantiveram após a independência
criou uma grande burocracia administrativa e e tornaram-se centrais para todas as políticas
ofereceu às elites indianas oportunidades de de ensino superior que foram apresentadas
estudar em universidades britânicas. Essas eli- ou implementadas pelos governos democráti-
tes foram depois responsáveis pelo movimento cos desde então. Ao mesmo tempo, como em
de independência e pela organização do Esta- outros lugares, o governo precisou lidar com
4
Como observado por Sautman, admissões preferenciais a proliferação de instituições, a limitação de
são praticadas principalmente por instituições para as mi-
norias. Embora muitas instituições, predominantemente recursos e problemas de garantia da qualida-
Han, de ensino superior também participem de ação afir- de, em um ambiente político extremamente
mativa, a maioria das admissões preferenciais dificilmen-
te, ou nunca, diminuem as oportunidades dos estudantes complicado, marcado por uma oposição ativa
Han, uma vez que o ensino superior como um todo conti-
nua a se expandir (Sautman, Barry, 1998 p. 106). e estados fortes e autônomos.

274
Simon Schwartzman

A proliferação de instituições foi tratada Algumas dessas instituições recebem


a partir de um reconhecimento formal de que apoio do governo; outras dependem inteira-
nem todas as instituições de ensino superior mente de recursos privados que conseguem
são iguais. Além da distinção entre universida- arrecadar e estão sujeitas a intensas críticas
des e colleges (semelhante à diferenciação exis- de muitos setores, em parte porque são apenas
tente nos Estados Unidos e na Inglaterra), as instituições de ensino, sem nenhuma pesqui-
universidades são divididas em centrais, esta- sa, e têm fins lucrativos. Na Índia, como em
duais, instituições “reconhecidas” (criadas por muitos outros lugares, há um entendimento de
decreto, e não por legislação estadual), e, com que o ensino superior é um bem público e não
exceção das instituições nacionais, podem ser deve ser guiado por razões de mercado. Apesar
públicas ou privadas. Das 690 universidades disso, o fato é que a maioria das instituições
existentes, 48 são centrais, 60 são considera- não faz pesquisa, e o setor privado criou pos-
das de importância nacional, e as restantes são sibilidades de acesso ao ensino superior que
ou privadas ou dirigidas pelos governos esta- o setor público não consegue prover. Hoje, as-
duais (Joshi) sim como no Brasil, o setor privado, na Índia,
Quanto ao gasto público no ensino su- é um grande negócio. Triolokekar e Embleton
perior, ele é de cerca de 1,2% do PIB, o que, afirmam que, como a demanda de ensino su-
embora não seja pequeno para os padrões in- perior e serviços relacionados excede a oferta,
ternacionais, está longe de ser suficiente, de- pode-se esperar altos retornos dos investimen-
vido à dimensão do setor. As universidades tos no setor. Houve um crescimento do ensino
públicas, embora autorizadas a cobrar mensa- superior privado não apenas em faculdades
lidades dos estudantes, não conseguem mais e universidades que fornecem diplomas, mas
que 10% do total de seus recursos com essa também em serviços paralelos de ensino, es-
fonte de renda. Isso significa que a maioria colas de formação profissional, programas de
delas, especialmente no nível estadual, está certificação e cursos preparatórios, que são
subequipada, e os salários dos docentes estão muito populares. Novamente esse movimento
entre os mais baixos do mundo (Rumbley; Pa- é muito semelhante ao do Brasil, pois algumas
checo et al., 2008). das maiores instituições privadas tiveram sua
Ao mesmo tempo, as instituições de en- origem em “cursinhos”, estudos preparatórios
sino superior privadas estão se expandindo ra- pagos para os competitivos exames de admissão

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


pidamente, matriculando quase 60% dos alu- às universidades públicas de prestígio. Outro
nos. Como é descrito por Roopa Desai e Sheila desenvolvimento importante e recente na Índia
Embleton, é a expansão da educação à distância, ofereci-
A educação superior privada na Índia se expandiu da majoritariamente por instituições públicas,
na prática, embora não de direito. O setor cresceu como a Universidade Nacional Aberta Indira
muito rápido e agora é responsável por 2/3 de todas Gandhi e as Universidades Abertas Estaduais.
as faculdades, 4/5 de todas as escolas profissionais
A estimativa é de que 22% das matrículas em
e 1/3 dos colleges de formação geral. O impacto do
crescimento das instituições de ensino superior pri-
instituições de ensino superior na Índia são em
vadas é maior em programas profissionais, onde, programas de educação à distância.
por exemplo, as faculdades de engenharia privadas, A ação afirmativa é um tema central na
que respondiam por 15% de todas as faculdades de educação superior da Índia, com grande aten-
engenharia, em 1960, chegaram a representar 86%, ção para a relativa exclusão das mulheres e dos
em 2003. Da mesma forma, as faculdades de medi-
membros das chamadas “castas e tribos excluí-
cina privadas passaram de cerca de 7% a 41% do
total, e as faculdades de administração privadas a
das”. Segundo Joshi, o governo central reser-
cerca de 90% de todas as escolas de negócios (Tri- vou 7,5% das vagas em instituições de ensino
lokekar; Embleton). superior para as tribos e 15% para as castas ex-

275
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

cluídas. A percentagem de reserva varia entre e Acreditação (Stella, 2002) e uma rede extre-
os Estados, de acordo com a presença desses mamente complexa de instituições de políti-
grupos. Além das cotas, o governo oferece bol- cas públicas, muitas vezes com sobreposição
sas de estudo, albergues especiais, refeições, de responsabilidades. Segundo a descrição de
empréstimos de livros e outros benefícios ex- Triolokekar e Embleton, a Índia tem 13 órgãos
clusivamente para os estudantes provenientes de regulação profissional e vocacional, além
de castas e grupos excluídos, de forma a es- do Conselho Indiano de Educação Técnica e
timular a participação (Joshi). Como em toda do Comitê de Financiamento para as univer-
parte, o tema de ações afirmativas gera con- sidades. O grande número de órgãos, muitas
trovérsia. Para os críticos do sistema, o aces- vezes se reportando a outros ministérios (ou
so ao ensino superior e, particularmente, às seja, não ao Ministério do Desenvolvimento
instituições de alta qualidade e prestígio, deve de Recursos Humanos, responsável pelo ensi-
depender do desempenho anterior no ensino no superior), contribui para uma estrutura de
secundário e, nessa lógica, o governo deveria regulamentação extremamente complexa, que
investir mais na melhoria da educação geral e impossibilita o desenvolvimento de uma polí-
secundária, permitindo que o setor de ensino tica coesa e coerente para o setor. Os manda-
superior seja mais competitivo e meritocrático. tos desses órgãos reguladores são abrangentes
Isso, em certa medida, está sendo feito, embora e permitem o controle de todos os aspectos da
a qualidade da educação, em geral, ainda deixe governança institucional – financeiros, admi-
muito a desejar. Além disso, na Índia, dada a nistrativos e acadêmicos. O resultado é uma
natureza discriminatória do sistema de castas falta de liberdade acadêmica e de autonomia
e o isolamento cultural de tribos minoritárias, institucional, já que muitas atividades, como a
só a melhoria da educação básica não seria su- contratação de professores e administradores, a
ficiente para proporcionar igualdade de acesso definição de salários e honorários, currículo e
ao ensino superior a pessoas pertencentes a es- testes, dentre outros aspectos, são centralizados
ses grupos excluídos. Há estudos que mostram e padronizados por esses órgãos reguladores
que as políticas de ação afirmativa criaram, de Para a Índia, a questão da internacionali-
fato, oportunidades de acesso ao ensino supe- zação não é nova, dado o seu passado como co-
rior que não existiriam de outra forma, embora lônia britânica. A maioria de suas instituições
também se reconheça que a maioria dos bene- é organizada de acordo com o modelo inglês,
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

ficiários das políticas afirmativas seja consti- além de o inglês ser a língua oficial adotada no
tuída por membros dos estratos mais altos das ensino superior. Por adotar o inglês, algumas
castas e das tribos excluídas (Weisskopf, 2004). práticas – como a instalação de instituições de
Por outra parte, não há reservas de gênero, e as ensino superior estrangeiras, a exportação de
disparidades existentes, que são grandes, estão diferentes tipos de serviços para o mundo in-
relacionadas a características culturais profun- teiro (incluindo os do extremamente bem suce-
das da cultura indiana, que podem variar de dido setor de TICs) e o envio de pesquisadores
uma região para outra. indianos para estudar e trabalhar no exterior e
A Índia, embora conte com algumas ins- depois voltar – tornam-se relativamente mais
tituições de alta qualidade, como atestam os fáceis que em outros países.
importantes resultados obtidos pelo país em No entanto, apenas algumas centenas de
diferentes campos da ciência e da tecnologia de milhares de indianos têm o inglês como língua
ponta, tem um sistema de ensino superior cuja nativa. O hindi, com seus diferentes dialetos,
qualidade é, em geral, considerada baixa. Para é falado por 40% da população, e os demais
lidar com esse problema, o país estabeleceu, falam mais de 1.600 línguas, 12 das quais com
em 1994, um Conselho Nacional de Avaliação mais de 10 milhões de falantes. O domínio

276
Simon Schwartzman

adequado de inglês, fortemente relacionado à Índia está à deriva ou seguindo uma direção.
cultura familiar e ao acesso à educação básica Trilokekar e Embleton argumentam que
de boa qualidade, é um grande diferencial na
[...] um exame mais atento da política de ensino su-
sociedade indiana hoje e um forte determinan- perior na Índia ao longo dos últimos cinco anos, ou
te de quem tem acesso à melhor educação e mais, não confirmaria os argumentos de Tilak (Ti-
aos melhores empregos. lak, 2010) de que há um vácuo na política de ensino
O passado colonial e o acesso à língua superior na Índia, ou de que a característica distinti-
inglesa ajudam a explicar também o grande va da política indiana seja na verdade a ausência de
uma perspectiva política clara, coerente, explícita e
número de indianos educados que vão estudar
de longo prazo.
e permanecem no exterior. Em 2012, havia 200
mil alunos indianos no ensino superior no ex- Na opinião de Trilokekar e Embleton,
terior, dos quais 103 mil nos Estados Unidos,54 embora o campo do ensino superior seja ine-
o maior número do mundo depois da China. vitavelmente controverso e sujeito a interesses
Esse grupo é apenas uma pequena parte da conflitantes e, muitas vezes, a políticas con-
enorme diáspora indiana, que pende fortemen- traditórias, especialmente numa sociedade
te no sentido de pessoas altamente qualifica- democrática, há, porém, um senso de direção,
das.65 Segundo um relatório recente, marcado pela crescente centralidade de con-
ceitos como economia do conhecimento, com-
O número de imigrantes indianos, especialmente
daqueles com qualificação, tem aumentado progres- petitividade econômica e preocupações com
sivamente. Em 2010, a Índia registrou 11,4 milhões as necessidades do mercado de trabalho, o que
de saídas: o segundo maior número de emigrantes, racionaliza iniciativas de políticas específicas,
depois do México, com 11,9 milhões. Em termos ab- tais como a promoção da inovação, autonomia,
solutos, a Índia é um dos principais fornecedores
privatização e investimento em universidades
de pessoal qualificado para os mercados interna-
de nível internacional.
cionais. O capital humano qualificado do país no
exterior é muito variado e abrange quase todos os Uma visão mais negativa, expressa por
campos de atividade, embora haja uma prevalência D. Kapur e B. P. Mehta (2004), é de que o en-
de TI e do setor médico. A Índia também é um dos sino superior da Índia está pendendo para a
principais fornecedores de uma das fontes primá- privatização, não como uma política delibera-
rias de capital humano qualificado, isto é, de estu-
da, mas em consequência do colapso político e
dantes. Junto com a China, é o principal exportador

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


institucional. Para eles,
de estudantes internacionais ( Giordano; Terranova,
2012). Em vez de ser parte de um programa abrangente de
reforma educacional, muito da iniciativa privada
Para unificar sua política, o governo in- permanece refém das ações discricionárias do Es-
diano recentemente apresentou uma proposta tado. Consequentemente, o sistema de ensino con-
de estabelecer um órgão para o setor de ensi- tinua pendurado entre um excesso de regulação por
no superior como um todo, o Conselho Na- parte do Estado, de um lado, e uma privatização dis-
cional de Ensino Superior; o projeto, todavia, cricionária que é incapaz de mobilizar o capital pri-
vado de forma produtiva. O resultado é uma estru-
foi abandonado em 2013, após não ter obtido
turação deficiente do ensino superior. A consequ-
a aprovação do Parlamento. Os especialistas ência mais forte disto é a exclusão da classe média
debatem se a política de ensino superior da – ironicamente a própria classe a cujos interesses
5
Essas informações podem ser encontradas em: http:// essas instituições deveriam servir – da participação
www.uis.unesco.org/Education/Pages/international-stu- nas instituições públicas (Kapur; Mehta, 2004, p. 2).
dent-flow-viz.aspx
6
Nos últimos anos, com a liberalização da economia india-
na, de um lado, e a desaceleração econômica nos Estados
Unidos e na Europa Ocidental, de outro, muitos indianos
altamente qualificados decidiram voltar. A estimativa é
que mais de 100.000 indianos voltaram à sua terra natal
em 2010 (Giordano, Alfonso e Terranova, Giuseppe, 2012)

277
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

ÁFRICA DO SUL não brancos às universidades tradicionais. Até


o final do apartheid, em 1994, a África do Sul
Mais do que na Índia, as políticas de tinha 21 universidades públicas e 15 escolas
ensino superior na África do Sul estão centra- técnicas (Technikons), algumas para anglofa-
das nas questões étnicas e de ação afirmativa, lantes brancos, outras para africânderes (tam-
por boas razões. A história da África do Sul bém brancos), uma para mestiços e outras para
é marcada por séculos de colonização branca a população negra.
e guerras, em um vasto território povoado por A expectativa dos governantes brancos
diferentes sociedades africanas que culmina- era de que as instituições segregadas forma-
ram no projeto de Apartheid que, entre 1970 riam uma elite negra que seria devidamente
e 1993, levou ao extremo o projeto de constru- treinada e submissa ao regime político. Os
ção de um estado-nação moderno, baseado na bush colleges, no entanto, tiveram o efeito
dominação de um grupo sobre outros e na dis- oposto: como mais africanos entraram no en-
criminação. sino superior, essas faculdades tornaram-se o
A África do Sul, sob o apartheid, não terreno fértil para a mobilização estudantil e
era composta por “duas nações” que viviam o ativismo contra o regime do apartheid. Se-
separadamente, mas por uma sociedade com gundo a descrição de Thiven Reddy, em seu
relações complexas e hierarquias fortes entre relatório de 2004 para o Conselho de Educação
os diferentes setores da população. Enquanto Superior,
grande parte da população africana era mar-
O desenvolvimento das universidades negras au-
ginalizada e contida em suas “terras natais”, mentou o número de estudantes, e as culturas re-
outros foram trazidos para trabalhar na mo- pressivas e conservadoras dentro dessas instituições
derna economia criada pelos colonos brancos não conseguiram estabelecer com sucesso o contro-
e tinham acesso limitado a serviços sociais, in- le social, de acordo com as visões dos arquitetos do
planejamento do ensino superior. Ironicamente, o
cluindo a educação.
crescimento do número de estudantes universitá-
A primeira universidade sul-africana, a
rios negros entre 1960 e 1976 estudando em cursos
Universidade do Cabo da Boa Esperança, foi de ciências humanas e educação, as condições re-
criada em 1873 e, em 1918, foi incorporada à pressivas nos campi negros e a postura conservado-
Universidade da África do Sul, Seguiram-se as ra do corpo docente criaram as condições que con-
tribuíram para a agitação estudantil. Após um perí-
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

Universidades de Rhodes, de Witwatersrand


odo inicial de passividade, a crescente frustração e
(1922) e, mais tarde, as de Natal, Pretoria, Po-
alienação dos estudantes produziram organizações
tchefstroom e Free State. A maioria dos estu-
estudantis e campanhas por reformas universitárias
dantes dessas universidades era branca, e a (Reddy, 2004, p. 19).
principal alternativa para os negros e mestiços
dispostos a continuar sua educação era a Uni- Com o fim do apartheid, o Congresso
versidade de Fort Hare, estabelecida por mis- Nacional Africano, que ganhou as eleições e
sionários cristãos em 1916. Começando com assumiu o governo da República, teve de con-
a Lei de Educação Bantu de 1953, o governo ciliar objetivos diferentes e, por vezes, con-
sul-africano criou um Departamento de Edu- traditórios na área do ensino superior. Prove-
cação Negra, alojado no Departamento de As- niente da esquerda, em parceria com o Partido
suntos Nativos, o que levou, em 1959, à cria- Comunista, o novo governo estava convencido
ção de instituições de ensino segregadas para da importância do planejamento e tinha uma
negros,76 o que limitava também o acesso dos visão funcionalista do ensino superior, que de-
veria contribuir para o desenvolvimento eco-
7
Trata-se, por exemplo, das seguintes instituições: Univer-
sidade do Norte, Universidade da Zululândia, Universida- nômico do país. Ao mesmo tempo, o governo
de de Medicina da África do Sul, Universidade de Vista,
Mangosotho Technikon e Technikon Northern Transvaal. precisou dar prioridade não apenas a acabar

278
Simon Schwartzman

com a legislação do apartheid, mas também ao favorecer apenas o “topo” da população negra,
desenvolvimento de políticas de redução do e correndo o risco de tornar as credenciais de
desequilíbrio entre brancos e negros no acesso raça e identidade mais importantes que o mé-
ao ensino superior, principalmente nas insti- rito e a competência comprovados (Alexander,
tuições com mais recursos e de mais prestígio. 2006).
Também foi preciso colocar mais recursos nas Entre 1995 e 2012, o ensino superior na
universidades negras, antes negligenciadas, o África do Sul aumentou de 500 mil para 900
que exigiu mais recursos alocados ao ensino mil, um crescimento pequeno, se comparado
superior. Finalmente, embora o governo esti- com o ocorrido no Brasil, na Índia ou na Chi-
vesse firmemente convencido da importância na. A taxa de participação é atualmente esti-
do planejamento e da centralização governa- mada em 17,7% do grupo etário relevante, lon-
mental, também houve fortes reivindicações ge da expectativa oficial de 1995 de que atingi-
da sociedade sul-africana por uma maior des- ria 30% em dez anos. Resumindo as principais
centralização e a abertura para o jogo das for- tendências, Kirti Menon, observa que, “[...]
ças de mercado não só no setor empresarial, entre 1994 e 2010, houve um crescimento de
mas também no ensino superior. 200% de estudantes africanos. Apesar do cres-
Uma das primeiras medidas do novo cimento, a taxa de participação de estudantes
governo foi estabelecer um Departamento Na- africanos foi de 12% em 2011”, e conclui que
cional de Educação unificado, colocando as “o ritmo de crescimento da educação superior
universidades sob uma mesma jurisdição e em relação ao crescimento da população, no
eliminando as barreiras raciais. Mas isso não grupo etário de 18 a 24 anos, não está de modo
significou que a segregação real tenha desa- algum sincronizado. É claro que seria necessá-
parecido. Instituições predominantemente rio um investimento maciço no ensino supe-
brancas, como Stellenbosch, Cidade do Cabo rior para sustentar o crescimento, embora não
e Rhodes, se mantiveram majoritariamente seja evidente que os fluxos de entrada prove-
brancas, enquanto que alguns poucos brancos nientes do sistema escolar produziriam os re-
matricularam-se em instituições tradicional- sultados requeridos” (Menon).
mente negras. Havia razões cul-
turais e geográficas para isso, mas
a mais importante foi que o fim

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


do apartheid não significou o fim
das grandes diferenças econômi-
cas e educacionais que existiam
entre os brancos e a maioria da
população negra, e simplesmente
não havia candidatos negros em
número suficiente que pudessem
competir com os brancos nos pro-
cessos de seleção das universida-
des mais prestigiadas. A ação afir-
mativa, com todos os seus prós e
contras, tornou-se uma política
central em todos os aspectos da
República da África do Sul, redu-
zindo, em alguma medida, os desequilíbrios Os valores brutos não revelam que qua-
raciais, mas também provocando críticas, por se metade dos alunos do ensino superior está

279
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

em programas de educação à distância, ofere- ção aumentou a partir de 1994. Além disso, es-
cidos, em sua maioria, pela Universidade da timou-se que entre um oitavo e um quinto dos
África do Sul, que ostenta um corpo discen- sul-africanos com educação de terceiro grau
te de 350 mil alunos. As taxas de graduação residem atualmente no exterior.
têm sido muito baixas, e a maioria dos estu- Para muitos que não deixaram o país,
dantes matricula-se em cursos voltados para uma alternativa foi estudar em uma instituição
profissões sociais, mais acessíveis financeira privada. Como no Brasil, a maior parte do en-
e academicamente, especialmente para estu- sino superior privado na África do Sul tem fins
dantes que provêm de famílias pobres e menos lucrativos. Resumindo uma extensa análise do
instruídas. O investimento público no ensino setor privado do país, Daniel C. Levy (2003)
superior não se alterou significativamente no ressalta que
período. Há um crescente debate no país so-
[...] as instituições privadas comercialmente bem
bre a fórmula de financiamento utilizada pelo
sucedidas colocam os estudantes no cerne. Os alu-
governo para apoiar as instituições de ensino
nos são consumidores com poder de escolha e di-
superior, bem como sobre as mensalidades co- nheiro na carteira. Administradores e proprietários
bradas dos alunos pelas universidades, com dirigem as instituições para atrair os alunos e, cla-
uma crescente demanda por ensino superior ro, para ganhar dinheiro através da eficiência. Isso
gratuito (Wangenge-Ouma, 2012). deixa os professores, contratados em tempo parcial,
mas, em tese, com valiosa experiência prática, sem
Como em outros países em desenvol-
o poder que costumam ter nas universidades clássi-
vimento, o ensino superior privado também
cas. O seu papel é em, grande medida, se adaptar ao
cresceu na África do Sul nos últimos anos, currículo e a outras práticas institucionais. A Áfri-
embora não na mesma proporção do seu cres- ca do Sul não é líder mundial no ensino superior
cimento no Brasil ou na Índia. Citando fontes privado, no sentido de que outros países tenham
diferentes, Michael Cross mostra que procurado imitar seu exemplo. Mas fica perto da
vanguarda das tendências globais em um ensino su-
[...] o número de escolas particulares aumentou de perior privado comercial que enfatiza os lucros e a
518 em 1994 para cerca de 1.500 em 2001, e mais orientação prática.
de 100 mil estudantes matricularam-se em 145 ins-
tituições privadas de ensino superior, em 2004. O
mercado de prestadores de serviços privados está
concentrado principalmente em educação e forma- BRASIL
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

ção profissional, e restrito ao currículo comercial e


de administração e não representa qualquer concor-
rência significativa para o setor público.
Sob o domínio português, de 1500 a
1822, o Brasil permaneceu praticamente um
Outra ocorrência importante foi a mi- país de analfabetos, com exceção de um peque-
gração de profissionais sul-africanos altamen- no grupo de burocratas, comerciantes e sacer-
te qualificados, particularmente brancos, para dotes. Ainda em 1950, 57% da população de 5
estudar ou trabalhar no exterior. Não há núme- anos ou mais era analfabeta. As primeiras insti-
ros confiáveis sobre isso, mas os dados coleta- tuições de ensino superior foram estabelecidas
dos em 1999 mostraram que “[...] uma fuga de após a independência, no século XIX (um par
cérebros significativa está em andamento. Um de escolas de Direito, Medicina e Engenharia),
total de 24.196 profissionais emigrou da África e as primeiras universidades, em São Paulo e
do Sul no período 1994.” (Kaplan; Meyer et al., no Rio de Janeiro, datam da década de 1930. A
1999). Ainda que não seja um fenômeno novo, educação básica pública começou em algumas
já que muitas pessoas deixaram a África do Sul capitais no final do século XIX e início do sécu-
por razões políticas e econômicas nos anos de lo XX, e a universalização do ensino primário
apartheid, de acordo com o relatório, a emigra- só foi alcançada na década de 1990.

280
Simon Schwartzman

Enquanto o governo federal se movia len- Brasil tem cerca de 6 milhões de estudantes no ensi-
tamente para criar suas próprias universidades no superior, 72% dos quais no setor privado.

públicas, alguns estados e grupos privados to- A primeira tentativa do governo fede-
maram a iniciativa. O Estado de São Paulo, que ral de estabelecer uma política para o ensino
concentra a maior parte da riqueza gerada pe- superior ocorreu na década de 1930, com o
las plantações de café e as primeiras indústrias, ambicioso projeto de criar uma Universidade
criou suas próprias escolas de Engenharia, Me- Nacional, na capital federal, Rio de Janeiro,
dicina, Agricultura e outras, já no final do sécu- que poderia se tornar o modelo a ser replica-
lo XIX, e organizou a primeira universidade do do nos outros estados (Schwartzman; Bomeny
país em 1934, trazendo professores da Europa et al., 2000). Depois de Segunda Guerra Mun-
para ensinar e fazer pesquisa em ciências na- dial, com a nova onda de crescimento econô-
turais e sociais. A Igreja Católica, que já estava mico e urbanização, o governo federal incor-
envolvida no ensino básico e secundário, criou porou várias pequenas universidades criadas
a sua primeira universidade na década de 1940 por governos estaduais e municipais nos anos
e, em muitos estados, as comunidades locais se anteriores (exceto São Paulo) e criou uma rede
organizaram para estabelecer suas próprias es- de universidades federais, que, junto com a
colas de Direito, Medicina e Engenharia. Como expansão do setor privado, foi responsável
mostra Clarissa Baeta Neves, pela primeira onda de expansão. Essas uni-
O Brasil passou por duas ondas de expansão das
versidades deviam seguir o modelo organiza-
matrículas. O primeiro período de crescimento sig- cional criado inicialmente pela Universidade
nificativo ocorreu a partir de meados da década de Federal do Rio de Janeiro, que logo se tornou
1960 até o início da década de 1980. As matrícu- apenas uma entre outras Universidades Fede-
las, em 1960, totalizavam apenas 93 mil estudantes, rais. Esse modelo consistia, principalmente,
55,9% dos quais em instituições públicas. Em 1970,
de uma coleção de escolas profissionais nas
as matrículas saltaram para 425.478 alunos. Desse
total, 49% estavam no setor público. Já em 1975, o
áreas tradicionais de Direito, Engenharia, Me-
número de matrículas foi de 1.072.548 estudantes, dicina, Arquitetura, Odontologia e outras, e de
cerca de 62% deles no setor privado. Atualmente, o Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, que
deveriam preparar os professo-
res para o ensino secundário e

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


também para fazer pesquisas (o
que, na prática, só ocorria na
Universidade de São Paulo, em
algumas escolas de Medicina no
Rio de Janeiro e São Paulo, e em
algumas instituições de pesqui-
sa federais). A formação de pro-
fessores para a educação básica
era feita no nível secundário, em
“escolas normais”, e, mais tarde,
passou a ser feita pelas facul-
dades superiores de educação.
Não havia colleges de formação
geral, no sentido britânico ou
americano, nem pós-graduação.
Os professores universitários
eram geralmente profissionais

281
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

que davam aulas algumas horas por semana e ter percebido que a demanda por ensino supe-
obtinham a maior parte de sua renda em suas rior no Brasil estava prestes a explodir e não po-
carreiras profissionais. Nas instituições públi- deria ser atendida pelas poucas instituições pú-
cas, no entanto, eles se tornaram funcionários blicas e caras que existiam. A solução foi limi-
públicos e, gradualmente, se organizaram para tar o acesso às universidades públicas por meio
exigir igualdade de remuneração e outros be- de exames de admissão muito competitivos, e
nefícios trabalhistas. permitir que o setor privado se expandisse sem
A segunda reforma ocorreu em 1968, em muito controle.
um clima muito diferente. O Brasil estava, en- O resultado da reforma de 1968 foi que o
tão, sob um regime militar, e a capital já mu- ensino superior brasileiro se tornou, no papel,
dada para Brasília. Nos anos anteriores, os es- unificado sob o modelo único da universidade
tudantes universitários haviam participado de de pesquisa norte-americana, mas, na prática,
organizações de esquerda, e o governo decidiu altamente estratificado. Algumas universi-
que as universidades brasileiras deviam ser mo- dades chegaram mais perto do modelo ideal,
dernizadas. Com a ajuda de consultores norte mantendo a qualidade de suas escolas pro-
-americanos (Atcon, 1966), o governo decidiu fissionais e, particularmente após o final dos
transformar as universidades brasileiras segun- anos 1970, criando programas de pós-gradua-
do o modelo americano, substituindo as antigas ção de boa qualidade no campo das ciências
cátedras por departamentos acadêmicos, per- naturais e sociais. Esse grupo inclui algumas
mitindo que os alunos estudassem por créditos universidades federais e também as univer-
em vez de seguir sequências rígidas de cursos, sidades estaduais de São Paulo, que são mais
criando escolas de pós-graduação e exigindo bem dotadas financeiramente, permaneceram
dos professores que tivessem um diploma de independentes, mas adotaram o mesmo mode-
doutorado, combinando pesquisa e ensino. lo. Também inclui, pelo menos, uma institui-
Um erro evidente da reforma foi tomar ção privada, a Pontifícia Universidade Católica
como modelo a universidade de pesquisa nor- do Rio de Janeiro, que, por um tempo, contou
te-americana, em vez de espelhar-se nas facul- com apoio federal para seus programas de pós-
dades comunitárias (community colleges) ou graduação e pesquisa. O segundo nível inclui
numa combinação de ambas. Sob o novo sis- a maioria das universidades federais e também
tema, os estudantes continuaram ingressando universidades estaduais que nunca foram ca-
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

nas escolas profissionais para programas de pazes de desenvolver a pós-graduação e traba-


cursos com duração de quatro a seis anos, e só lham principalmente como instituições de en-
então podiam, eventualmente, entrar na pós- sino. O terceiro grupo é formado por um gran-
graduação, onde ela existisse. Os reformadores de número de instituições privadas, a maioria
não consideraram que o Brasil não tinha profes- delas oferecendo cursos noturnos sobretudo
sores qualificados em número suficiente para nas profissões sociais (geralmente Direito, Ad-
ensinar em tempo integral e fazer pesquisa, e a ministração ou Educação) a uma mensalidade
criação apressada de programas de pós-gradua- baixa, e pagando seus professores por hora.
ção fez com que proliferassem portadores de Grandes organizações podem ser reconhecidas
diplomas acadêmicos de baixa qualidade, além pelo governo como “universidades”, enquanto
da contratação de professores “provisórios” que que as menores ficam com o título de “facul-
se tornaram efetivos em seus postos. O status dades” ou “escolas”. Independentemente de
de funcionário público, concedido a todo o pes- sua propriedade e estatuto formal, todos os di-
soal acadêmico, tornou as universidades públi- plomas concedidos por essas instituições são
cas brasileiras, de longe, as mais caras de toda igualmente válidos, de acordo com a legislação
a América Latina. Mas o erro mais grave foi não brasileira. Os alunos que têm uma formação

282
Simon Schwartzman

melhor no nível do ensino secundário, geral- tituições de base comunitária, mas não era a
mente de famílias mais ricas e com recursos realidade da maioria das instituições que sur-
para colocá-los em boas escolas particulares e giram desde os anos 1980 (Levy, 1986). O go-
pagar por cursos de treinamento, conseguem verno decidiu reconhecer esse fato e permitir
ter acesso às carreiras de maior prestígio nas que as instituições de ensino superior se de-
melhores universidades públicas onde não pa- clarassem com fins lucrativos, tornando-se,
gam mensalidades. Os estudantes mais pobres, portanto, sujeitas à tributação, ao mesmo tem-
oriundos principalmente de escolas públicas po em que exigiu que aquelas que permane-
de baixa qualidade e, muitas vezes, tendo de ceram sem fins lucrativos demonstrassem sua
trabalhar durante o dia, só conseguem entrar natureza filantrópica. A consequência dessa
nos cursos noturnos no setor privado, ou, no legislação foi que o setor privado passou a con-
máximo, nos cursos menos competitivos em solidar-se em grandes conglomerados empre-
universidades públicas, em áreas como educa- sariais, seja através da compra de instituições
ção e serviço social. menores ou da criação de novas. Alguns desses
Como mostra Maria Helena Magalhães conglomerados tornaram-se empresas públicas
Castro, a desconexão entre a legislação e a rea- com ações na bolsa de valores, atraíram grandes
lidade criou um problema de regulação e de investidores nacionais e internacionais e ado-
garantia de qualidade que nunca conseguiu taram modernas tecnologias de gestão e ensino
ser resolvido. Desde os anos 1990, o Ministé- para reduzir seus custos e padronizar seus pro-
rio da Educação tem tentado fazer com que o dutos. Hoje, cerca de cinco dessas corporações
setor privado cumpra os requisitos formais do detêm cerca de 20% das matrículas do ensino
modelo de universidade de pesquisa, exigindo superior no Brasil. Elas são suficientemente po-
que tenha professores em tempo integral, com derosas para fazer lobby no Congresso e nego-
diplomas de pós-graduação e que faça pesqui- ciar com o Ministério da Educação para tornar
sa, exigências às quais a maioria não consegue sua regulamentação mais flexível e, se necessá-
atender (Castro, Maria Helena Magalhães). O rio, podem processar o Ministério.
Ministério da Educação também desenvolveu Na década de 1990, as tentativas do Mi-
uma avaliação engenhosa para estudantes de nistério da Educação de aumentar o controle
graduação em diferentes áreas (Schwartzman, sobre as universidades federais, tornando-as
2010), e usou esses resultados, juntamente responsáveis pelo uso de seus recursos, e so-

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


com outros indicadores, para estabelecer um bre o setor privado, tornando-o mais parecido
ranking de programas de cursos e universida- com as instituições públicas, terminaram em
des, ameaçando fechar os que têm baixo de- fracasso. Depois de 2002, sob a presidência de
sempenho repetidamente. Tanto as universida- Luiz Inácio Lula da Silva, o governo optou por
des públicas como as privadas são submetidas alocar mais recursos e expandir as instituições
às mesmas avaliações, mas, enquanto algumas públicas, e por criar um programa para isentar
instituições privadas foram, de fato, punidas o setor privado de impostos em troca de bolsas
com suspensão ou até fechadas, o Ministério de estudo para estudantes de baixa renda, o
tem se mostrado impotente ou desinteressado Prouni. Houve também a decisão de criar cotas
em lidar com suas próprias universidades, que para estudantes de baixa renda e não brancos
são autônomas e criadas por lei. em universidades públicas, em um esforço de
Como na maioria dos outros países, a corrigir as desigualdades sociais no acesso ao
legislação brasileira assumiu que todas as uni- ensino superior.
versidades privadas eram sem fins lucrativos, Para ter uma noção da composição étni-
ou filantrópicas, o que pode ter sido verdade ca da população brasileira, o Instituto de Geo-
para as universidades católicas e algumas ins- grafia e Estatística no Brasil, responsável pelos

283
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

Censos, pergunta como os entrevistados defi- e preparo, e não conseguem enfrentar o novo
nem sua “cor” – branco, preto, pardo ou amare- fluxo de estudantes e professores contratados
lo, essa última dividida em brasileiros nativos com condições de trabalho que não correspon-
e orientais. Na Pesquisa Nacional por Amostra dem aos padrões anteriores. Os defensores da
de Domicílios do IBGE de 2012, 46,2% se defi- ação afirmativa sustentam que o desempenho
niram como brancos, 45% como pardos, 7,9% desses estudantes, uma vez admitidos, é seme-
como pretos, 0,6%, como amarelos (orientais) lhante ou até melhor que o dos admitidos pe-
e 0,3% como indígenas. Aqueles que se dizem los caminhos convencionais. Os críticos, por
brancos ou amarelos são, em média, mais ricos outro lado, argumentam que os cursos estão
e mais escolarizados que aqueles que se auto- sendo forçados a baixar seus padrões acadêmi-
definem como pretos, pardos indígenas, dife- cos, e que o uso oficial da raça na política pú-
renças que estão mais fortemente relacionadas blica vai contra os princípios constitucionais
com suas origens sociais e regiões de residên- contra a discriminação, não obstante o parecer
cia, que com a ascendência biológica (Parra; da Suprema Corte. Argumentam também que a
Amado et al., 2003). melhor política para aumentar o acesso ao en-
Em 2012, o Supremo Tribunal Federal sino superior de estudantes oriundos de famí-
declarou que as cotas raciais eram constitu- lias de baixa renda, que não podem conseguir
cionais; no mesmo ano, o Congresso aprovou uma boa qualidade de ensino secundário, se-
a legislação que exige que 50% das vagas em ria fornecer-lhes apoio acadêmico e financeiro
universidades públicas sejam reservadas a es- para que possam estudar em tempo integral
tudantes oriundos de escolas públicas, dando e abrir mais alternativas de ensino técnico e
preferência a não brancos. Além disso, entre profissional, que é muito limitado no Brasil e
2008 e 2011, o número de admissões nas Uni- quase inexistente nas universidades federais.
versidades Federais aumentou 50%, sem, con- Outra crítica é que, com toda a ênfase
tudo, alterar muito a predominância numérica colocada sobre a questão popular de acesso,
esmagadora do setor privado. o governo tem negligenciado as questões da
Os impactos dessas políticas recentes qualidade acadêmica, e não segue a linha de
ainda estão sendo debatidos. Há queixas, por outros países, que estão investindo pesada-
parte das universidades federais, de que foram mente em suas melhores universidades, para
forçadas a se expandir sem recursos suficientes alcançar a excelência acadêmica internacio-
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

nal. Na verdade, as duas únicas uni-


versidades brasileiras que aparecem
nos rankings internacionais, embora
não em posições muito altas, são a
Universidade de São Paulo (USP) e
a Universidade Estadual de Campi-
nas (Unicamp), ambas instituições
estaduais que não foram afetadas
pelas políticas do governo federal,
e se beneficiam do generoso apoio
do governo do estado. No entanto,
os programas de pós-graduação e
pesquisa no Brasil, mesmo quando
sediados dentro das universidades,
têm seu próprio sistema de avalia-
ção e financiamento, e vêm apresen-

284
Simon Schwartzman

tando resultados notáveis nos últimos anos, CONCLUSÕES


diplomando mais de 12 mil doutores por ano
e aumentando a participação do Brasil em pu- Este breve resumo das experiências dos
blicações científicas internacionais. Este setor países BRICS mostra que a maioria deles, com
não está imune a críticas – a produção de pa- exceção do Brasil, lida com o crescimento por
tentes é muito limitada, os níveis de citação meio da diversificação formal de suas institui-
são baixos, os vínculos entre a pesquisa e o ções, selecionando algumas para receber apoio
sistema produtivo são pobres –, mas, ainda as- adicional e atingir padrões de nível interna-
sim, a pesquisa e a pós-graduação brasileiras cional, fazendo com que as outras sobrevivam
são, de longe, as maiores e mais desenvolvidas com menos recursos públicos ou saiam para o
da América Latina. mercado em busca de recursos; outro aspecto
A maioria dos cientistas de alto nível, geral é a permissão da expansão de instituições
nas universidades brasileiras, graduou-se nas de ensino superior privadas. Além disso, o en-
universidades dos Estados Unidos e da Euro- sino superior é normalmente dividido em dois
pa, graças a um fluxo constante de bolsas for- grupos principais, um mais acadêmico, as uni-
necidas pelo governo brasileiro, bem como de versidades, e outro mais introdutório ou voca-
fundações internacionais e governos estrangei- cional, as faculdades e institutos técnicos. No
ros. Diferentemente dos outros BRICS, o Brasil Brasil, apesar de a legislação exigir que todas
não tem um problema significativo de fuga de as instituições de ensino superior devam ade-
cérebros, não há muitos estudantes que optam rir ao modelo humboldtiano de universidade
por ir para o exterior para seus estudos univer- de pesquisa, as instituições são extremamente
sitários, e a maioria dos que saem com bolsas diferenciadas, com algumas universidades de
acabam retornando. Mas o ensino superior bra- ponta e muitas instituições apenas de ensino;
sileiro como um todo é muito isolado do fluxo a grande maioria dos estudantes, no Brasil, en-
internacional de estudantes, conhecimento e contra-se em instituições de ensino privadas, e
instituições. Todo o ensino é feito em portu- o ensino vocacional não se desenvolveu. Outra
guês, há poucos estudantes estrangeiros, é di- tendência geral, nesses países, é a expansão da
fícil para um não brasileiro tornar-se professor educação à distância, particularmente grande
permanente no país, e as universidades brasi- na África do Sul, onde a UNISA é a maior ins-
leiras, com exceção de algumas escolas de eco-

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


tituição em termos de matrículas, mas também
nomia e negócios para a elite, não participam cresce de forma constante em outros países.
do mercado internacional de talento. Recente- Exceto novamente no Brasil, em todos
mente, o governo anunciou um ambicioso pro- os cinco países os estudantes pagam mensa-
grama chamado “Ciência sem Fronteiras”, que lidades nas universidades públicas, com a
deveria enviar 100 mil brasileiros para estudar situação peculiar da Rússia, onde as institui-
no exterior em quatro anos, o que gerou muito ções públicas combinam alunos selecionados
entusiasmo. No entanto, um exame mais aten- através de concursos públicos, que estudam
to mostra que esse programa é principalmente de graça, com outros estudantes que são ad-
para estadias curtas, para alunos de graduação, mitidos com pagamento de mensalidade. Um
com um grande número indo para Portugal ou pressuposto comum aos países do BRICS é que
Espanha, devido à sua incapacidade de falar o ensino superior é um bem público que pode
inglês ou francês (Castro; Barros et al., 2012). ajudá-los a se desenvolver, por meio da qua-
lidade do seu capital humano, e também um
direito que deve ser proporcionado pelo go-
verno aos seus cidadãos. Não é fácil enquadrar

285
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

o setor privado nesse cenário. Para a maioria sociais, das humanidades e das profissões so-
dos países, a educação privada só pode existir ciais, bem como em Educação, em vez de Ciên-
com instituições filantrópicas sem fins lucra- cia, Tecnologia e Engenharia. Até certo ponto,
tivos, um entendimento que faz sentido para essa tendência corresponde ao fato de que,
as instituições religiosas ou comunitárias, mas com exceção da China, o setor industrial está
não quando a oferta de educação superior se diminuindo de tamanho, enquanto o setor de
transforma em um empreendimento empresa- serviços, incluindo educação e saúde, mostra
rial. Em todos os países, os governos tentam um crescimento constante. Mas também refle-
regular e impor padrões de qualidade para as te o fato de que muitos estudantes que chegam
instituições privadas, mas sem muito sucesso, e têm acesso ao ensino superior são prejudica-
e tanto o Brasil como a África do Sul aceitam dos por uma escolaridade muito fraca, e não
que o ensino superior possa ser fornecido com conseguem seguir as exigências acadêmicas
fins de lucro. Isso levou à criação de empresas das profissões de base científica.
que proporcionam educação padronizada e de Finalmente, as questões da internacio-
baixo custo a milhões de estudantes aos quais nalização têm estado muito presentes no de-
as instituições públicas não conseguem aten- bate sobre o ensino superior nos BRICS, mas
der. O setor privado é muito grande na Índia e os resultados não são muito notáveis. Apesar
no Brasil, mas muito menor na Rússia, China dos esforços, nenhum país conseguiu elevar
e África do Sul. as suas principais instituições às primeiras po-
Para lidar com a diversidade social dos sições nos rankings internacionais, embora a
estudantes, China, Índia, África do Sul e Brasil China possa estar caminhando mais fortemen-
têm desenvolvido políticas de ação afirmativa te nessa direção. China e Índia têm o maior
para facilitar o acesso ao ensino superior de número de estudantes e pessoas de nível uni-
pessoas que provêm de segmentos mais po- versitário que estudam e vivem no exterior, e
bres ou são minorias étnicas. A Rússia herdou são, até certo ponto, beneficiadas pelo conhe-
da União Soviética uma história complexa e, cimento trazido por aqueles que retornam e
por vezes, contraditória de políticas relativas também pelo estabelecimento de redes empre-
a suas minorias nacionais, linguísticas e reli- sariais e acadêmicas entre residentes no país
giosas, mas atualmente não existe uma política e aqueles no exterior. A África do Sul também
nacional de ação afirmativa no ensino superior tem um número considerável de estudantes e
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

(Roeder, 1991; Martin, 2001). Em todos os paí- profissionais no exterior, particularmente na


ses, essas políticas são cercadas de controvér- Inglaterra, mas não parece ser capaz de atraí
sias, com o reconhecimento de que, embora -los de volta para vinculá-los mais fortemente
elas permitam um aumento no acesso ao en- às instituições locais e à economia. O Brasil
sino superior de membros de alguns grupos, tem uma tradição de enviar estudantes para
criando oportunidades que não existiriam de estudos de pós-graduação no exterior e trazê
outra forma, os beneficiários são, em sua maio- -los de volta, sem uma diáspora significativa.
ria, pessoas que se encontram no topo de suas A Rússia também viveu alguma diáspora com
comunidades, deixando a desigualdade social o fim da União Soviética, principalmente en-
em geral inalterada. tre os judeus, mas, por outro lado, seu sistema
O pressuposto de que o ensino supe- de ensino superior é, em geral, autossuficiente
rior está se expandindo para fornecer capital (Altbach; Knight, 2007).
humano mais qualificado para o desenvolvi- Ao se comparar a China com os outros
mento econômico e tecnológico é contestado BRICS, tem-se a impressão de que o cresci-
pelo fato de que a maior parte do crescimento mento e a mudança do ensino superior na Chi-
das matrículas ocorre no campo das ciências na foram consequência de um planejamento

286
Simon Schwartzman

cuidadoso, enquanto que, nos outros países, Sociology, v. 103, n. 2, p. 391-428, 1997.
os governos estão, no máximo, tentando dirigir Froumin, Isak; Kouzminov, Yaroslav. Supply and
demand patterns in Russian higher education. In:
e gerenciar uma tendência mundial que está SCHWARTZMAN, S; PILLAY, P; PINHEIRO, R. (Ed.).
Higher education in the Brics countries: investigating the
acontecendo independentemente de suas pró- pact between higher education and society. Springer, 2015.
prias iniciativas. É verdade que alguns países, Gerber, T. P.; Schaefer, D. R. Horizontal stratification
of higher education in Russia:strends, gender differences,
e China em particular, mais do que outros, são and labor market outcomes. Sociology of Education, v. 77,
capazes de influenciar essa tendência, mas, n. 1, p. 32-59, 2004. ISSN 0038-0407.

mesmo assim, a expansão do ensino superior Giordano, Alfonso; Terranova, Giuseppe. The Indian
policy of skilled migration: brain return versus diaspora
tem sua própria dinâmica e não pode ser ma- benefits. Journal of Global Policy and Governance, v. 1, n.
1, p. 17-28, 2012. ISSN 2194-7740.
nipulada arbitrariamente.
Hawthorne, L. The growing global demand for
students as skilled immigrants. Migration Policy Institute.
Washington DC. 2008
Recebido para publicação em 12 de janeiro de 2015 Hayhoe, R. China’s universities, 1895-1995: a century of
Aceito em 15 de março de 2015 cultural conflict. New York, London: Garland Publishing,
Inc, 1996. ISBN 0203344804.
Heyneman, S. Buying your way into heaven: the
corruption of education systems in global perspective.
REFERÊNCIAS Perspectives on Global Issues, v. 2, n. 1, 2007.
Hollis, M. Education as a positional good. Journal of
AFRICAN NATIONAL CONGRESS. A policy framework Philosophy of Education, v. 16, n. 2, p. 235-44, 1982. ISSN
for education and training. Pretoria: African National 1467-9752.
Congress, 1994. Disponível em: <http://www.anc.org.za/ Johnstone, D. Bruce; Arora, Alka; Experton, W.
show.php?id=263>. The financing and management of higher education: a
ALEXANDER, Neville. Affirmative action and the status report on worldwide reforms. The World Bank.
perpetuation of racial identities. In: Post-Apartheid South Washingon, DC. 1998.
Africa. Transformation, v. 63-35, p. 92, 2006. Joshi, K. M. Higher Education, social demand and
ALTBACH, Philip G.; KNIGHT, Jane. The internationalization of social equity in India. In: SCHWARTZMAN, S; PILLAY,
higher education: motivations and realities. Journal of studies in P; PINHEIRO, R. (Ed.). Higher education in the Brics
international education, v. 11, n. 3-4, p. 290-305, 2007. countries: investigating the pact between higher education
and society. Springer, 2015.
ATCON, Rudolph P. Rumo à reformulação estrutural da
universidade brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Judt, Tony. Postwar: a history of Europe since 1945.
Educação. 1966. Penguin Books. Kindle Edition, 2006.

BROWM, Phillip. The opportunity trap education and Kaplan, Dave; Meyer, Jean-Baptiste; Brown, M. Brain
employment in a globalyeconomy. School of Social Drain: new data, new options. Trade and industry monitor,
Science: Cardiff University, 2003. v. 11, n. 10-13, 1999.

CAI, Yuzhuo; YAN, Fengqiao. Demands and responses Kapur, Devesh; Mehta, Pratap Bhanu. Indian higher
in chinese higherneducation. In: SCHWARTZMAN, S; education reform: from half baked socialism to half
baked capitalism. Center for International Development

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015


PILLAY, P; PINHEIRO, R. (Ed.). Higher education in the
Bricsscountries: investigating the pact between higher Working, Paper 13. 2004.
education andysociet . Springer, 2015. Klein, H. S. The colored freedmen in Brazilian slavery
CASTRO, Claudio de Moura; BARROS, Hélio et al. Cem society. Journal of Social History, v. 3, n. 1, p. 30-52, 1969.
mil bolsistas norexterior. Interesse Nacional, abr.jun., p. ______. The atlantic slave trade. Cambridg , New York:
25-36, 2012. Cambridge University Press, 1999. v. 2i, 234p. ISBN
CASTRO, Maria Helena Magalhães. Higher education 0521460204 (hardcover). 0521465885 (pbk.).
policies in Brazil: a case of failure in marketnregulation. Levy, Daniel C. Higher education and the State in Latin
In: SCHWARTZMAN, S; PILLAY, P; PINHEIRO, R.(Ed.). America: Private Challenges to Public Dominance. Chicago:
Higher education in the Bricsscountries: investigating the University of Chicago Press, 1986. ISBN 0226476081.
pact between higher education andysociet. Springer, 2015.
______. Profts and practicality: how South Africa epitomizes
COLLINS, Randall. The Credential Society. New York: the global surge in commercial private higher education.
Academic Press, 1979. State University of New York (SUNY) - Department of
Educational Administration & Policy Studies, University
COUNCIL ON HIGHER EDUCATION. Size and shape at Albany -SUNY, 2003.
taskmteam. Towards a new higher educationelandscape:
meeting theyequity, quality and social development imperatives Livi-Bacci, M.; Maeder, E. J. The missions of
of South Africa in Ther 21st Century. Pretoria, 2000 Paraguay: the demography of an Experiment. Journal of
Cross, Michael. Staterpower, transition and new modes Interdisciplinary History, v. 35, n. 2, p. 185-224, 2004
of coordination in higher education in South Africa. In: MARTIN, Terry. The affirmative action empire: nations
SCHWARTZMAN, S; PILLAY, P; PINHEIRO, R. (Ed.). and nationalism in the Soviet Union, 1923–1939. Ithaca:
Higher education in the Bricsscountries: investigating the Cornell University Press, 2001.
pact between higher education andysociet. Springer, 2015.
MENON, Kirti. Supply and demand of higher education in
Deng, Zhong; Treiman, Donald J. The impact of the South Africa. In: SCHWARTZMAN, S; PILLAY, P; PINHEIRO,
cultural revolution on trends in educational attainment R. (Ed.). Higher education in the Brics countries: investigating
in the people’s Republic of China. American Journal of the pact between higher education and society. Springer, 2015.

287
DEMANDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ...

NEAVE, Guy. Academic Drift: some views from Europe. _______; Bomeny, Helena Maria Bousquet; Costa, V.
Studies in Higher Education, v. 4, n. 2, p. 143-59, 1979. M. R. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra /
ISSN 0307-5079. Fundação Getúlio Vargas, 2000.
NEVES, Clarissa Baeta. Demand and supply for higher SOUTH AFRICA, D. O. E. Education white paper 3: a
education in Brazil. In: SCHWARTZMAN, S; PILLAY, Programme for the transformation of higher education.
P; PINHEIRO, R. (Ed.). Higher education in the Brics Pretoria: Department of Education, 1997. Disponível em:
countries: investigating the pact between higher education <http://www.che.ac.za/sites/default/files/publications/
and society. Springer, 2015. White_Paper3.pdf>.
PARRA, F. C. et al. Color and genomic ancestry in STELLA, Antony. External quality assurance in Indian
Brazilians. Proc Natl Acad Sci U S A, v. 100, n. 1, p. 177-82, higher education: case study of the national assessment
Jan 7 2003. ISSN 0027-8424 (Print). and accreditation council (Naac). Paris: International
Institute for Educational Planning, 2002.
PENG, C. Focus on quality, not just quantity. Nature, v.
475, p. 267, 2011. TILAK, Jandhyala B. G. Policy crisis in higher education:
reform or deform? Social Scientist, v. 38, n. 9-12, p. 61-90,
POSEL, D. The apartheid project, 1948–1970. The 2010.
Cambridge History of South Africa, v. 2, p. 319-68, 2011.
TRILOKEKAR, Roopa Desaie EMBLETON, Sheila. The
POSTIGLIONE, Gerard A., (Ed.) China’s National Minority complex web of policy choices: dilemmas facing Indian
Education Culture, Schooling, and Development. New higher education reform. In: SCHWARTZMAN, S; PILLAY,
York, London: Falmer Pressed. 1999. P; PINHEIRO, R.(Ed.). Higher education in the Brics
REDDY, Thiven. Higher education and social tranformation: countries: investigating the pact between higher education
South Africa Case Study. Johannesburg. Pretoria, Council and society. Springer, 2015.
for Higher Education, 2004. VAN VUGHT, F. Mission diversity and reputation in higher
ROEDER, Philip G. Soviet federalism and ethnic education. Higher Education Policy, v. 21, n. 2, p. 151-74,
mobilization. World Politics, v. 43, n. 2, 1991. 2008. ISSN 0952-8733

RUMBLEY, Laura E.; PACHECO, Ivá N. F.; ALTBACH, WANGENGE-OUMA, Gerald. Tuition fees and the
P. G. International comparison of cademic salaries: an challenge of making higher education a popular
exploratory study. Chestnut Hill, Massachusetts: Center commodity in South Africa. Higher Education, v. 64, n. 6,
for International Higher Education Lynch School of p. 831-44., 2012
Education, Boston College, 2008. WEISSKOPF, Thomas E. Impact of reservation on
SAUTMAN, Barry. Affirmative action, ethnic minorities admissions to higher education in India. Economic and
and China’s universities. Pacific Rim Law & Policy Political Weekly, n. Sept. 25, p. 4339-49, 2004
Association, v. 7, n. 1, p. 77-116, 1998. WORLD BANK. Migration and remittances factbook 2011.
Schofer, Evan; Meyer, John W. The Worldwide 2. Washington, DC: The Workd Bank, 2010.
Expansion of Higher Education in the Twentieth Century. ZHA, Qiang; HAYHOE, Ruth. The Chinese model
American Sociological Review, v. 70, n. 6, p. 898-920, of development and the higher education policy. In:
2005. ISSN 0003-1224. SCHWARTZMAN, S; PILLAY, P; PINHEIRO, R. (Ed.).
Schwartzman, Simon. The national assessment of Higher education in the Brics countries: investigating the
courses in Brazil. In: Dill, D. D.; Beerkens, M. (Ed.). pact between higher education and society. Springer,
Public Policy for Academic Quality – Analyses of Innovative 2015.
Policy Instruments. Dordrech Heidelberg London New
York: Springer, 2010. p. 293-12.
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

288
Simon Schwartzman

DEMAND AND PUBLIC POLICIES FOR HIGHER DEMANDE ET POLITIQUES PUBLIQUES POUR
EDUCATION IN BRICS L’ENSEIGNEMENT SUPÉRIEUR AUX BRICS

Simon Schwartzman Simon Schwartzman

This article analyzes the expansion of higher Cet article analyse l’expansion de l’enseignement
education in so-called BRICS countries. The supérieur dans les pays dits BRICS. L’aspiration
growing aspiration for higher education obliges croissante de l’enseignement supérieur oblige les
governments to manage the operational costs of gouvernements à gérer les coûts de fonctionnement
this system. The answers from each country varied de ce système. Les réponses de chaque pays varient
with its history, culture and political regime. They avec son histoire, la culture et le régime politique. Ils
all faced similar problems as lack of resources and sont tous confrontés à des problèmes similaires tels
political power of actors in the higher education que le manque de ressources et le pouvoir politique
system and beyond. Five dilemmas appeared to des acteurs du système de l’enseignement supérieur.
all countries: (1) expansion, equal access and Cinq dilemmes se présentent aux pays: (1) l’expansion,
diversification of enrollment, participation rates, l’égalité d’accès et, les taux de participation, le
the number and types of institutions; (2) financial nombre et les types d’institutions; (2) des contraintes
constraints; (3) regulation of the private higher financières; (3) la réglementation de l’enseignement
education; (4) how to make higher education supérieur privé; (4) la façon de rendre transparentes
institutions to provide more accountable to their les institutions de l’enseignement supérieur; et (5) la
students, employees and society as a whole; and qualité et la pertinence sociale de l’apprentissage et de
(5) quality and social relevance of learning and la recherche dans les établissements d’enseignement
research in higher education institutions. Using supérieur. En utilisant les données des recherches
data and evidence of the latest research, the article les plus récentes, l’article montre des réponses
shows common responses, with some exceptions in communes, avec quelques exceptions dans chaque
each case. Institutional diversification; affirmative cas. Diversification institutionnelle; politiques de
action; growth of enrollments in the social sciences, discrimination positive; la croissance des inscriptions
humanities, social professions and education; little dans les sciences humaines, les professions sociales
success in internationalization policies. et l’éducation; peu de succès dans les politiques
d’internationalisation.
Keywords: Higher Education. BRICS. Equal access. Mots-clés: L’enseignement supérieur. BRICS.
Financing higher education. Quality of higher L’égalité d’accès. Le financement de l’enseignement
education. supérieur. Qualité de l’enseignement supérieur.

Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 74, p. 267-289, Maio/Ago. 2015

Simon Schwartzman – Doutor em Ciência Política. Pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e


Sociedade no Rio de Janeiro. Foi Presidente da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) (1994-1998). Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em políticas sociais, atuando
principalmente nos seguintes temas: política comparada, educação superior, ciência e tecnologia,
educação, e sociologia da ciência. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Publicações recentes:
Uses and abuses of education assessment in Brazil. Prospects (Paris), v. 43, p. 269-288, 2013; Ensino,
formação profissional e a questão da mão de obra. Ensaio (Fundação Cesgranrio. Impresso), v. 21, p. 563-
623, 2013; Cem mil bolsas no Exterior. Interesse Nacional, v. 2, p. 25-36, 2012.

289

Vous aimerez peut-être aussi