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A
Aparecido de Assis*
Revista de Filosofia
Educação e ação na filosofia
**
política de Eric Weil
Resumo
Este artigo tem como objetivo refletir, num primeiro momento, a compreensão
da ação como ação política, que visa, acima de tudo, a transformação do homem
objeto em sujeito. No segundo momento, leva-se em conta a relação entre
educação e ação, que tem como prioridade a humanidade do homem contra
a violência que o desumaniza. O que se pretende é analisar o pensamento
weiliano no que tange à educação no seu aspecto moral e político, e perceber
que, no fundo de sua reflexão, há uma preocupação com a formação do homem
moderno. E mais do que nunca, a educação, numa perspectiva moral, deve ser
o eixo fundamental nessa luta contra a coisificação do homem, a fim de que
ele deixe de ser objeto e se torne sujeito de ação e de transformação de si
mesmo e da sociedade em que ele vive.
Abstract
This article aims to reflect, at first, the understanding of action and political
action that seeks, above all, the transformation of man into a subject object.
The second time, it takes into account the relationship between education
and action which has as a priority the humanity of man against violence that
dehumanizes. The aim is to analyze the Weil’s thought in regard to education
in their moral and political aspect, and realize that, deep in his reflection,
there is a concern with the formation of the modern man. And more than ever,
education, moral perspective, should be the fulcrum in this fight against the
objectification of man, so that it ceases to be an object and becomes the subject
to faction and the transformation of self and society he lives.
* Doutor em Filosofia pela PUC-SP. Professor de Filosofia na Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT)– Campus Cáceres – MT. Email: cidoassis@gmail.com
** Kirscher explica que “A Filosofia Política é fundada sobre a categoria da ação, ou seja, sobre a categoria
da Filosofia que resolve o problema da Filosofia compreendendo que ela não é somente teórica, mas
prática, embora seja problema do discurso, posto ao discurso e pelo discurso” (1989, p. 336).
Introdução
1
Não se pretende aqui estabelecer a relação entre Eric Weil e Hannah Arendt no que diz respeito à
ação. Menciona-se aqui apenas o momento em que Hannah Arendt se aproxima de Weil quando se trata
da ideia do homem como instrumento, ou seja, do homem objeto que só tem valor quando é produtivo
economicamente na sociedade capitalista.
2
A ação política não deixa de ser uma visão aristotélica, quando ele considera o homem como animal
político. Assim diz o estagirita: “[...] o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e outros
animais que vivem juntos” (ARISTÓTELES, 1998, p. 5).
A ação política
3
Weil considera que a principal tarefa do governo razoável é a educação dos cidadãos. O governo, queira
ou não queira, será educador, porque ele não deixa de influenciar a racionalidade dos cidadãos, a sua
moral e o sentido que dão à sua existência. Diz Weil: “O governo deve buscar a reconciliação entre o
universal da razão, o universal (racional e técnico) do entendimento, e o universal concreto e histórico da
moral da comunidade” (WEIL, 1990, p. 260).
4
Considera-se o termo natureza animal como algo que se apresenta no homem e que, nesse aspecto,
ele se iguala aos outros animais que vivem na floresta. Ao criar a sociedade, o homem trouxe consigo a
maldade natural, o que possibilitou o crescimento da violência. Nesse sentido, a sociedade possui o caráter
de uma pseudonatureza, em que a violência se apresenta. No entanto, a luta do homem deve ser contra
essa violência em favor da razão e do próprio sentido de viver.
5
Para Weil, a sociedade moderna é a sociedade do trabalho. Essa sociedade, no quadro da apropriação
dos meios de produção, criou o proletariado, cuja existência se tornou necessária à acumulação da riqueza
produtiva. Assim, não se pode julgar que a ausência de dignidade, de sentimento moral, de cidadania,
seja fruto da maldade da plebe, mas sim da sociedade. Ela é uma “pseudonatureza”, que produz
necessariamente o mal, e esse mal permanecerá enquanto o Estado não souber ou não puder impor uma
organização razoável em vista da liberdade, do reconhecimento de todos por todos (2002, p. 95). Como
“pseudonatureza”, a sociedade continua produzindo homens alienados que perdem a sua cidadania na
medida em que são obrigados a vender não o seu trabalho, mas o seu tempo e a sua força de trabalho. A
sociedade é, portanto, a causa do aparecimento da plebe (PERINE, 1994, p. 96).
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Para Kirscher, essa “tese pode corresponder à teoria marxista da luta de classes – uma expressão que Weil
evita –, mas que se encontra igualmente na Filosofia Política, que expõe o mecanismo da luta de classes e
da luta das ‘camadas’ (couches). Essa luta inevitável significa a alienação do homem enquanto ocupados
no mundo da condição [...]. O homem é infeliz na pseudonatureza que é a sociedade.” (1989, p.341).
Segundo Weil:
Hegel ensina que são as condições reais que obrigam o Estado a agir;
Marx sabe e diz que a ação puramente violenta, sem um claro saber do
fim, sem uma ciência, é o contrário de uma ação progressista: simples
consequência pelo fato que um e outro não aderem a uma filosofia abs-
trata da reflexão, mas a uma filosofia dialética (WEIL, 2002, p. 106-107).
Para Weil,tanto Hegel quanto Marx não defendem uma Filosofia abstrata,
mas dialética. Percebe-se que Weil também é partidário de uma Filosofia dialé-
tica e histórica. A ação em si assume uma dimensão dialética, porque, por meio
7
Em uma nota da Logique de La philosophie, Weil define que “O termo revolução não indica aqui
exclusivamente a revolução ‘popular’. Ele designa a apropriação da ‘teoria’ sobre a ‘realidade’ e abrange
tanto a ‘revolução’ platônica dos filósofos que devem se tornar reis, quanto os membros da Filosofia do
Direito hegeliana que procuram organizar a sociedade no Estado em vista da satisfação razoável de todos
os cidadãos, quanto, enfim a revolução de Marx, em que a parte mais ‘alienada’ da humanidade, tomando
consciência de sua situação desumana, realiza a razão pela violência em vista de uma vida plenamente
prosperada.” (WEIL, 1985, p. 401-402, nota nº 2).
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Os homens razoáveis são aqueles que optaram pela razão contra a violência. E, nesse sentido, vale
destacar o importante papel da educação na formação de homens conscientes dos problemas que a
violência pode causar na sociedade. Percebem-se, na sociedade, a existência de muitos homens não
razoáveis, que ignoram ou não querem ser razoáveis, e dão preferência à violência. Torna-se assim um
desafio para o filósofo em sua tarefa educativa de fazer com que os homens tomem consciência de que o
melhor caminho é o da razão e não o da violência. Esse processo de transformação social proposta por Weil
pode ser designado como uma ação revolucionária empreendida pelo filósofo.
9
Sobre a Filosofia da ação, Weil diz que “É preciso que a filosofia decida se realizar, fazendo aparecer ao
mundo o que é a verdade desse mundo depois que o homem se libertou da natureza exterior” (1985, p. 403).
Educação e ação
10
No início de sua obra Filosofia Política, Weil (1990, p. 15) escreve que “O termo política, neste livro, será
tomado na sua acepção antiga, aristotélica, de politiké pragmateía, consideração da vida em comum dos
homens segundo as estruturas essenciais dessa vida. A política, nesse sentido, faz parte da filosofia, sem ser
o todo da filosofia, nem a categoria filosófica na qual a filosofia se compreende”.
uma ciência filosófica que explicita o que está contido na sua categoria filosó-
fica [...]”. E essa categoria é a da ação11.
Weil procurou em Aristóteles compreender como a Filosofia pode pensar
a Política sem se confundir com ela. Ele quis saber qual o sentido da Política
para a Filosofia. Os filósofos teóricos da Política, desde o tempo de Aristóteles,
deram muita importância à Filosofia Política. Mas é fundamental procurar sa-
ber do que ela realmente se ocupa até mesmo para não confundi-la com a
Ciência Política ou com a Sociologia Política12.
No início do prefácio de sua obra Filosofia Política, Weil considera o
seguinte:
Percebe-se, nessa citação, que a Filosofia Política não visa nenhuma re-
ceita e muito menos uma técnica de como se deve governar. Ela se propõe a
compreensão de um determinado campo do saber, que tem a ver com a com-
preensão da ação humana na história. Portanto, a Filosofia Política se constitui
dentro de um determinado campo do saber, porque ela é parte do sistema,
mas não o todo do sistema.
Weil, depois de traçar o seu percurso filosófico da Logique de la philoso-
phie, procura em sua obra Filosofia Política apresentar o homem como ser de
ação razoável. O homem não se constitui como pura razão e nem mesmo o
mundo em que ele vive é puramente razoável. Isso significa que a Filosofia não
é definida num plano puramente teórico. A Filosofia é teórica e prática e isso
se pode perceber na definição de categoria e atitude. Percebe-se, na compre-
ensão de categoria e atitude, a existência do nexo dialético entre teoria e prá-
tica da Filosofia de Éric Weil. E a relação Filosofia e Política é justamente a re-
lação que deve existir entre o pensamento e a ação.
Quando se trata de educação e ação política, há uma proximidade entre
Weil e Kant. O filósofo alemão fala de um progresso moral13, quando se trata
11
É bom lembrar que a categoria da ação se encontra no capítulo XVI da obra Logique de La philosophie.
12
Sobre isso, Roland Callois afirma que “a Filosofia Política de Weil não é uma metafísica associada à uma
‘political science’ positivista. Ela se apoia sobre as ciências sociais sem se confundir com elas” (1988, p. 92).
13
Kant admite a ideia de um progresso moral atribuído ao todo do gênero humano, assim ele diz: “Poderei,
pois, admitir que, dado o constante progresso do gênero humano no tocante à cultura, enquanto seu fim
natural, importa também concebê-lo em progresso para o melhor, no que respeita ao fim moral do seu ser,
e que este progresso foi por vezes interrompido, mas jamais cessará” (KANT, s/d, p.96).
14
Conforme o pequeno opúsculo de Kant: Resposta à pergunta: Que é o Iluminismo?
15
Trata-se aqui da natureza animal e os animais naturais seguem uma ordem natural e obedecem a uma
regra natural. A sociedade constitui-se como uma natureza artificial de criação do próprio homem. Thomas
Hobbes considera o Estado como um animal artificial, assim ele diz na Introdução de sua obra Leviatã: “Do
mesmo modo que tantas outras coisas, a natureza (a arte mediante a qual Deus fez e governa o mundo) é
imitada pela arte dos homens também nisto: que lhe é possível fazer um animal artificial. [...] pela arte é
criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade (que em latim se chama Civitas), que não
é senão um homem artificial [...]” (HOBBES, 2003, p. 9).
Do ponto de vista moral, considera-se que todos os homens deveriam ser ra-
zoáveis, virtuosos e honestos, e não violentos e egoístas se opondo ao universal.
No entanto, a realidade concreta mostra que os homens, em sua maioria,
são o contrário, não razoáveis, não virtuosos, desonestos, egoístas, individua-
listas e violentos. E parecem não querer mudar ou sair dessa situação que
contribui para a degradação social. Para muitos desses homens, “a observação
da moral significaria o sacrifício de seus interesses mais justificados e mais
universalmente válidos.” (WEIL, 2003, p. 103). Nota-se que, quando os interes-
ses individuais estão acima dos interesses da comunidade, então a moral se
torna difícil de ser realizada.
O político sabe, apesar de que ele pode esquecer facilmente, que se trata
apenas da observação da regra, ou seja, da moral. O sucesso da política de-
pende da persistência do próprio ser da comunidade constituída pelos seus va-
lores, suas regras, sua forma específica de vida e de trabalho em comum, enfim,
sua moral. Não se trata da moral que o indivíduo produz para si mesmo. “Trata-se
de algo, a saber, das regras, dos regulamentos efetivos, historicamente presen-
tes, da vida em comum de uma comunidade que, historicamente e em sua his-
tória, é formada como uma comunidade moral.” (WEIL, 2003, p. 105).
Considerações finais
Referências bibliográficas