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30/01/2018 Por que tenho orgulho de ser um homem negro?

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Henrique Restier da Costa Souza


Sociólogo

Sexta-feira, 19 de Janeiro de 2018

Por que tenho orgulho de ser um


homem negro?
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Foto: Moonlight/Reprodução

Ainda que…
Ainda que nos vejam através da lente do racismo, eu me orgulho de ser um homem negro;
apesar dos insultos, repulsa e da hipocrisia, eu me orgulho de ser um homem negro;
independente do medo, julgamentos morais e generalizações, eu me orgulho de ser um homem
negro.
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30/01/2018 Por que tenho orgulho de ser um homem negro?

Mesmo que nossas experiências sejam desqualificadas em prol de slogans e


palavras de ordem, eu me orgulho de ser um homem negro.

Penso que ter esse orgulho seja um dos principais pré-requisitos para reivindicarmos formas de
masculinidades negras que não estejam tuteladas pela masculinidade do homem branco, assim
como, é também uma possível consequência das próprias modalidades de enfrentamento ao
racismo e busca pelo autoconhecimento.

Ademais, ter orgulho do que somos, é, na maioria das vezes, um caminho longo, árduo, porém
libertador. Este texto é pra todos nós homens negros: para o religioso ou ateu, para o mocinho e
o bandido, para o desempregado, sub-empregado ou bem empregado, para quem bateu ou
apanhou, para o de esquerda e de direita, os de “tinta fraca”, e os de “tinta forte”, para o negão e
para o neguinho, para o homem negro de qualquer sexualidade e tantos outros que com toda sua
riqueza não cabem aqui.

Leia também:

O mal-estar da masculinidade negra contemporânea

Mestiçagem, harmonia e branqueamento: quem tem medo do homem negro?

Minha escrita é para vocês e a essência de tudo que tenho pra dizer é: tenham orgulho de serem
homens negros.

Say It Loud – I´m Black and I´m Proud[1]


Eu poderia falar da honra de sermos os primeiros homens da espécie humana. Discursar sobre os
grandes feitos das civilizações africanas pelo mundo, invenções de cientistas, façanhas de
atletas, das proezas de valorosos homens negros através da história e de homens comuns que
lutam todos os dias pela sobrevivência. Tudo isso me enche de admiração e respeito, mas o que
me dá orgulho mesmo é o nosso papel vital na luta pela liberdade do povo negro.

O homem negro é peça indispensável para a produção de masculinidades não calcadas nos
valores coloniais da branquitude, esse potencial advém do nosso lugar social instável e perigoso
na dinâmica entre raça e gênero, o que quero dizer, é que, estar em uma sociedade patriarcal
supremacista branca, fazendo parte do segmento masculino-racial derrotado pela barbárie do
colonialismo europeu, não é um lugar que se queira estar.

Sem rodeios e ingenuidades: o patriarcado branco não foi “inventado” para contemplar homens
negros, indígenas, ou os “não-brancos” em geral, mas sim para nossa domesticação e ruína.
Como lidamos com isso e que sugestões apresentar, é uma parte importante do que proponho
neste texto.

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Aprendendo a ser um homem negro


Ninguém nasce sabendo o que é ser homem, isso se aprende, basicamente, com outros homens,
e são eles que validam nossa masculinidade, é assim que nos tornamos homens. No entanto, a
pergunta é: quem define o que é homem? O homem branco. A pretensão de universalidade e
neutralidade produzida pela branquitude masculina empresta-lhe um poder normativo sem igual,
fazendo com que seja tomada como medida de (quase) todas as coisas.

Vejamos o famoso homem desconstruído, via de regra, é aquele indivíduo oriundo das classes
médias, com educação superior, sofisticação cultural, flexível quanto ao papel social masculino,
bem-sucedido na profissão, ideologicamente progressista (ciente de seus privilégios, sensível às
questões das “minorias”) e branco. Uma espécie de príncipe encantado pós-moderno, o que
apenas ratifica seu status social podendo negociar algumas de suas prerrogativas patriarcais, sem
alteração substancial na dinâmica de poder, mantendo-se como modelo de masculinidade
exemplar.

Assim, “algoz” e “redentor” se mesclam em um único ser, branco e pleno, cabendo ao homem
negro e aos “outros homens”, nesse conto de fadas contemporâneo, serem vistos como os
machistas por excelência, degenerados crônicos e moralmente deficitários, ecos da estereotipia
colonial repaginada.

Com efeito, nossa constituição não desconsidera as características ditadas pelos homens
brancos. Assim, nossa afirmação de masculinidade passa, em certo grau, por imagens
brutalizadas do tipo: “Ser negão de verdade”, “Ter pegada”, “Bem dotado”, “Força física
descomunal” (FAUSTINO, 2014)[2].

Aquele que não conseguir corresponder com tais atributos corporais enfrentará sérios problemas
em seu processo de socialização e identidade. Para o professor de literatura Mark Sabine “… a
psique do homem negro colonizado só poderá recuperar-se do traumatismo quando esse homem
repudiar não apenas a máscara branca que julga ser o seu direito de nascença, mas também a
máscara negra que o colonizador lhe impõe” (SABINE, 2011, p.199)[3].

Em outras palavras, não querer ser branco, nem o negro que o branco inventou. Para
tanto, o patrimônio cultural africano e afro-brasileiro é peça-chave.

O Homem Negro Vida

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Em primeiro lugar, homens negros não se resumem a teses acadêmicas e experiências pontuais,
somos o “negro-vida” [4], dotados de uma energia ancestral incapturável, “A masculinidade é
agressiva, instável, combustível. É também a mais criativa força cultural da
história.” (PAGLIA, 1993, p.64)[5]. A aliança entre essa vivacidade criadora, com arquétipos de
inspiração afrodiaspórica pode fornecer subsídios na elaboração de masculinidades negras que
rompam com profundos mecanismos racistas e sexistas, que agem não só nas estruturas
objetivas como também nas cognitivas, transformando homens “cabisbaixos,
envergonhados, curvados ao peso da melanina” (LOPES, 2006, p.10)[6], em homens que
realmente sabem quem são, onde estão e para onde vão.

No texto Nós matámos o cão-tinhoso: A emasculação de África e a crise do patriarca


negro, Sabine relaciona o conto do moçambicano Luís Bernardo Honwana, “Nós matamos o cão
tinhoso”, com o romance anti-segregacionista To kill a mockingbird da escritora Harper Lee,
fazendo uma leitura crítica dos valores da masculinidade portuguesa devido aos seus aspectos
fortemente ligados ao empreendimento colonial, que exalta a violência, crueldade e covardia,
reivindicando seu domínio através da força. Longe disso, as masculinidades africanas
tradicionais são valorizadas pelos “… ideais de coragem, liderança, compaixão, e a entrega de
força física e perícia ao bem comum, ao invés da glória pessoal”.(SABINE, 2011, p. 188).

Já no poético livro Homens da África (2012)[7], o escritor Costa-Marfinense Ahmadou


Kourouma apresenta quatro arquétipos de homens negros africanos: o Griô, o Príncipe, o
Caçador e o Ferreiro. O Griô representa o homem conciliador, artesão da palavra e de grande
poder inventivo. Um homem que preza pela capacidade mental e não pela força bruta e
truculência. A antítese do estereótipo do homem negro violento e estúpido. O príncipe simboliza
o senso de responsabilidade para com o seu povo, educação e liderança. Figura que se contrapõe
ao negro irresponsável e imaturo. O caçador é zeloso e protetor para a sua coletividade,
provendo-a de alimentos até curas. Esse arquétipo não admite o estigma do homem negro
negligente. E por fim, o ferreiro como um sábio, conhecedor dos mistérios do mundo. Hostil à
noção de incultos que carregamos.

Na diáspora afro-brasileira encontramos exemplos masculinos poderosos no panteão religioso


de matriz africana. Xangô encarna o senso de justiça, autoridade e poder. Oxalá o pai da
humanidade, representa paz, serenidade e superação. Não podemos esquecer de Zumbi dos
Palmares, um personagem mítico-histórico, que representa a bravura e luta do homem negro
pela sua coletividade.

No campo dos símbolos, os adinkras (criados originalmente pelo povo Akan de Gana)
expressam aspectos calcados na agência histórica dos povos africanos. O ideograma Sankofa
significa voltar e apanhar aquilo que ficou para trás, aprendendo com o passado, para construir o
presente e o futuro (NASCIMENTO, 2008)[8] aponta-se desse modo, para uma concepção de
respeito e afeto à nossa memória coletiva ancestral, buscando preencher “o vazio de referências
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oficiais imposto à maioria dos afrodescendentes brasileiros”(NASCIMENTO; SEMOG, 2006,


p. 16).

Essas referências na maioria das vezes não se encontram em um passado longínquo,


na verdade habitam muitas das nossas práticas cotidianas e jeitos de ser, é preciso
notá-las para cultivá-las.

Dessa forma, sem pretensões puristas nem maniqueísmos, por que nos pautaríamos por modelos
de masculinidades branco-ocidentais usados historicamente para nos subjugar, se possuímos os
nossos concebidos para nos fortalecer? A afirmação identitária refletida e orgulhosa mostra-nos
a beleza e a força da masculinidade negra, nossa “… própria força vital, chamada axé entre os
iorubanos, ngolo entre os congos, tumi entre os acãs, baraka entre os africanos arabizados”
(LOPES, 2006, p. 9).

E você tem orgulho de ser um homem negro? Por quê?

Henrique Restier da Costa Souza é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal
Fluminense (UFF), Mestre em Relações Étnico-raciais pelo Centro Federal Celso Suckow da
Fonseca (CEFET-RJ) e Doutorando em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos
(IESP/UERJ).

[1] Tradução livre “Diga alto – Eu sou negro e me orgulho. Música escrita por James Brown e Alfred “Pee Wee”

Ellis em 1968.

[2] FAUSTINO, (NKOSI) Deivison F. (2014). O pênis sem o falo: algumas reflexões sobre homens negros,

masculinidades e racismo. In: BLAY, Eva Alterman (Org.). (2014). Feminismos e masculinidades: novos caminhos

para enfrentar a violência contra a mulher. São Paulo: Cultura Acadêmica, p. 75-104.

[3] SABINE, Mark. Nós matámos o cão-tinhoso: a emasculação de África e a crise do patriarca negro.Via Atlântica, São

Paulo, n. 17, p. 187-200, june 2010. Disponível em:

<https://www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/view/50549/54665>. Acesso em: 20 oct. 2017.

[4] Conceito de Guerreiro Ramos.

[5] PAGLIA, Camille. Sexo, arte e cultura americana. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

[6] LOPES, Nei. Abdias, Semog, “Negros-vida”. In: SEMOG, Éle; NASCIMENTO, Abdias. Abdias Nascimento o

griot e as muralhas. Rio de Janeiro: Pallas, 2006, p. 9-12.

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