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RESENHA

Ronaldo Everton A. V. Furtado.

Aluno Graduando em História – UECE.

ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (orgs.). Um século de favela. Rio de Janeiro:


Fundação Getúlio Vargas, 1998.

Favela! Ao falarmos no dia a dia sobre favela, qual a imagem que nos vêm à
mente: uma vida precária, violência, confusão, falta de estrutura física-social... E se
especificarmos somente as favelas cariocas: tráfico de drogas, violência e fatalidades;
mas, será que favela se enquadra a esses estigmas, será que todas as favelas são iguais?
Imagino que muitos que assistam os noticiários da televisão se dão conta de uma
espécie de “Estados paralelos”, será que existem? Como se constituem essa formação,
as teias de poder existente entre legal e o ilegal? Será que os aspectos da favela vieram à
tona somente no final do século XX ou a favela passou por expansão, transmutação e
integração?

Ao ler o parágrafo anterior você deve estar pensando qual a intenção de tantas
indagações ou se nessa resenha vai estar as resposta para elas. Não, não é essa a
pretensão do livro aqui apresentado nem a minha, foi apenas uma forma de prenunciar
os estudos que irei comentar a seguir. Mas antes de entrar em detalhes irei,
sucintamente, apresentar o livro como um todo: Um século de favela é um livro
organizado por Alba Zaluar e Marcos Alvito que reúne artigos de onze pesquisadores,
entre antropólogos e cientistas sociais, que lançam olhares diversos sobre as favelas do
Rio de Janeiro e suas representações. Com isso, através dos seus olhares, eles expõem
os quadros culturais que compõem alguns aspectos do cotidiano das favelas cariocas: a
questão da exclusão morro e asfalto, a busca identidária dentro e fora da favela, a
organização de uma comunidade, as redes de solidariedades e reciprocidades existentes;
os sentimentos expressados através da arte; poesia, música, capoeira, carnaval; a
intervenção de fatores externos inter-relacionados aos internos, os conflitos gerados por
esses, seus símbolos e criações.

No conjunto da obra, percebemos que o livro de alguma forma tenta quebrar


aquelas associações mecânicas, que no decorrer do século XX foram construídas, das
favelas como lugar da criminalidade, desordem e violência. E busca mostra as favelas
cariocas sob um contexto sócio-cultural existente regido por leis interdependente.

A introdução nos mostra o início da construção da imagem da favela, num


contexto histórico no qual a europanização dos valores sociais estavam em alta e o
descaso do poder público para com os mais humildes, entre eles os negros, estavam em
pleno processo. A favela, no seu início, começo do século XX, acima de tudo foi um
lugar onde foram colocados os excluídos sociais, os que não se encaixavam ao “modelo
europeu” de cidade. “Cidade desde o início marcada pelo paradoxo, a derrubada dos
cortiços resultou no crescimento da população pobre nos morros, charcos e demais áreas
vazias em torno da capital.” Com a criatividade cultural, política e luta dos favelados a
cidade nunca se tornou européia. Ainda, no contexto da época, a favela foi vista como
uma patologia social, um problema de saúde pública, um lugar perigoso que começava a
ser estigmatizado de refúgios de criminosos que não “valiam a pena” serem
socializados.

Ao longo do tempo foi construída uma dicotomia favela x asfalto que representa
a dualidade gerada pela desigualdade social brasileira e, acima de tudo, como essa
desigualdade foi tratada e alimentada pelas elites brasileiras que sempre pregaram a
segregação e sua superioridade, fugindo da responsabilidade, e da solução dos
problemas sociais. “Ao longo deste século (sec. XX), a favela foi representada como um
dos fantasmas prediletos do imaginário urbano: como foco de doenças, gerador de
mortais epidemias; como sítio por excelência de malandros e ociosos, negros inimigos
do trabalho duro e honesto; como amontoado promíscuo de populações sem moral.”.
Mas essa imagem não foi aceita passivamente pelos favelados que, se não tinham o
poder institucional do estado, encontrou meios fortes para construir a favela à imagem
de genialidade, cultura e beleza.
“Dos parques proletário ao favela-Bairro” entram em destaques as políticas públicas,
que demoradamente entraram em ação e bruscamente foram interrompidas pelo regime
militar, o ressentimento e clientelismo gerado pela violência e desarticulação política, o
efeito da redemocratização na vida social da favela. Com a omissão do Estado a favela
conhece os grupos paraestatais, espaços são abertos para os traficantes, comunidades
que antes eram acostumadas com os destratos das instituições legais agora passam a ser
vítimas e cúmplices de instituições criminosas. E essas são inibidoras da organização
popular. “A realização de políticas sociais desconectadas da atenção aos direitos civis
tem sido marca característica da ação do poder público no Rio de Janeiro.”

Entretanto, foi por sua cultura, apesar dos estigmas, que a favela criou sua
identidade. E a música, as escolas de samba foram armas essências da conquista do
espaço considerado urbano. A favela não se calou diante dos preconceitos e
estereótipos, mesmo marginalizada nunca foi inferior. Na “A palavra é: favela!” Jane
Souto e Marla Hortense nos mostram que a música expressa à favela como porto seguro
de muita gente que desceu o morro e se perdeu na cidade, mistifica a malandragem,
serve de denuncia social, mostra o cotidiano dos moradores. De uma forma poética
reconstrói aquele espaço social. O desenvolvimento do samba ocorre paralelamente à
diversificação e ao crescimento das favelas, reforçando os laços de pertencimento ao
lugar e solidariedade e amizades entre os moradores. Mesmo o morro representado
muitas vezes, em ambos os lados, à parte da cidade é no carnaval que ele ganha seu
reconhecimento.

E por seu reconhecimento, o carnaval e, sobretudo, as escolas de samba ganham


grande importância e em “Mangueira e Império: a carnavalização do poder pelas escolas
de samba” nós veremos a bandeira da tradição e modernidade associada a uma questão
de poder. Isso porque “as escolas de sambas, ao surgirem, expressaram a associação
entre a expressão musical extremamente criativa de parte da população carioca, as
políticas governamentais, o mercado de bens culturais e os interesses da própria mídia.
As tutelas foram várias ao longo dos anos, sendo o patrocínio inicial do governo logo
substituído por investimentos diversos, quer próprio governo, quer de indústrias e de
chefes da contravenção.” O duelo tradição x modernidade possui diversos significados e
um deles concerne muito na transferência ou reafirmação do poder dentro de uma escola
de samba, o discurso é variado de acordo com o interesse do interlocutor. Percebemos o
interesse do Estado, dos bicheiros, traficantes, de instituições privadas nas escolas de
samba devido seu alto poder mercadológico e a sua importância na cultura de massa.

Outra categoria musical e expressão cultural que vem ganhando espaço nas
favelas e o baile funk. E em “Galeras funk cariocas: os bailes e a constituição do ethos
guerreiro” é discutido o valor simbólico dos conflitos ocorridos em bailes funk e qual as
variáveis dos bailes existentes; os processos de tensões e conflitos, as rixas, as fronteiras
existentes no espaço urbano, a afirmação do gênero, a busca identidária no meio social;
a afirmação da comunidade ou de um grupo relacionado ao tráfico de drogas? Os bailes
funk como expressão dos valores culturais, dos processos complexos da vida social dos
jovens das comunidades carentes; no qual, através da “diversão”, extravasam toda
tensão existente no seu cotidiano. A autora desse artigo observa que: “no baile percebe-
se a representação simbólica de processo complexo que organizam hoje a vida social
das favelas”. Ela propõe: “demonstrar como os bailes e as atividades neles existente
engendram uma ou outra experiência entre os jovens das galeras, abrindo o debate sobre
a relação entre estilos e contextos juvenis”.

Se nos bailes funks, especificamente no baile de corredor, busca-se afirmação do


ethos guerreiro, a respeitabilidade de um grupo através da violência. Na capoeira, visto
em “Capoeira e alteridade: sobre mediações, trânsitos e fronteiras” observa-se o
contrário, a mandinga está em conter aquele golpe violento, é avisar ao adversário que
poderia acertá-lo, mas como um bom mandingueiro não o fez. Se as galeras dos bailes
segregam, as rodas de capoeira sociabilizam. Para esclarecimento, Travassos, o autor do
artigo, nos fala que: “Na capoeira, a ‘mandinga’ como que resume certas qualidades
definidas por eles de modo não muito rígido como ‘ginga’, ‘manemolência’, ‘malícia’,
‘esperteza’ e ‘malandragem’. E a capoeira, ao menos contemporaneamente, por sua
sociabilidade, acaba fazendo dos seus mestres mediadores e articuladores de vivências
de mundo diferente e permitindo a esses um trânsito cultural de diversos tipos.
Formando teias complexa, na qual se aproximam indivíduos de camadas sociais e meios
culturais distintos, transpondo barreiras de diferentes mundos. E a “mandinga” aparece
como único elemento diferenciador numa roda de capoeira, separando, mas, de outro
modo une pessoas de contextos de mundos diferentes, negando assim a desigualdade. E
notamos o lugar da capoeira na constituição dos próprios indivíduos: “Ela poderia
assim, ser vista também como uma espécie de defesa dos indivíduos contra a
fragmentação sem precedente que a modernidade inaugurou.”
Observamos que Um século de favela coloca diversos olhares ao mesmo foco
por ângulos diferentes e em “Um bicho-de-sete-cabeças” Marcos Alvito procura
descrever a favela do Acari no seu espaço físico e imaginário, disserta sobre as
influências de fatores supralocais e locais no cotidiano dos favelados: “Como este
trabalho tem a pretensão de efetuar uma análise de Acari que leve em conta as relações
mantidas pelas localidades com ‘a ordem mais abrangente’, evitei utilizar o termo
comunidade, que pode muitas vezes ser associado à idéia de um microcosmo isolado e
autônomo.” Alvito aborda a delimitação do espaço, a construção da identidade, as teias
de reciprocidade e relação afetiva dos moradores da favela, no qual, indiretamente ou
diretamente, são influenciados por estruturas supralocais: tráfico internacional de
drogas, política de segurança pública do governo do estado. E “as microáreas servem
muitas vezes de suporte para representações acerca das diferenças existentes no interior
de uma única favela.” O espaço e a distância no Acari recebe significados próprios, não
são medidos em metros, mas sim no imaginário de cada habitante – com valores
simbólicos e afetivos.

Já em “Crime, medo e política” Zaluar analisa o processo de redemocratização


focando os aspectos políticos e religiosos decorrentes do crescimento da violência. Com
redemocratização foram surgindo modelos de democracia participativa feita por
associações comunitárias e pregada pela igreja católica, esses modelos buscavam a
autonomia em face ao Estado e dos partidos político, porém houve uma segmentação
local e o bem comum ficou em segundo plano, abrindo espaço para o clientelismo e o
regionalismo. E esses movimentos também buscaram ser independentes das quadrilhas
de traficantes. Com o aumento da violência, principalmente nas regiões metropolitanas,
o medo surge no imaginário popular fazendo que a população da favela se omita diante
dos crimes dos traficantes. E é dentro desse contexto que existe a participação de grupos
religiosos: católicos e evangélicos.

Nas favelas, a redemocratização conviveu com vários fatores adversos, devido


ao descaso do Estado e a repressão, o isolamento fez com que surgissem alternativas de
poder e os traficantes ocuparam os espaços vazios deixado pelo Estado. E o poder
paralelo gradualmente foi exercendo o papel de Estado em troca do silêncio e
colaboração dos moradores. Havendo uma inversão de papel, os traficantes acabam
protegendo os moradores das favelas de policias corruptos e grupos de extermínios. Isso
é o que Leeds aborda em “Cocaína e poderes paralelos na periferia urbana brasileira:
ameaças à democratização em nível local”.

Devido a esses poderes paralelos instituições legais têm que negociar para poder
atuar dentro de comunidades carentes. Em “Drogas e Símbolos: redes de solidariedade
em contexto de violência”. Clara Mafra, de forma sincrônica, expõe um quadro social
do morro Santa Marta, cujo objetivo é linear as áreas ocupadas pelas instituições legais,
observando, seu campo de negociação com o tráfico. E dentro da teia de poder e
duplicidade de poderes (legal e ilegal) Mafra analisa as diferentes linguagens
empregadas no contato, desses grupos, com o poder do narcotráfico; o jogo de
reciprocidade mesmo que implícita ou imposta, o modo como cada grupo reage ente si e
a esse poder paralelo do narcotráfico; exclusão dos traficantes ou o combate simbólico –
através da palavra de Deus, se nos referirmos aos crentes. Como os símbolos são usados
para cooptar os moradores, a cidadania, a redenção através de Deus e os “pactos
implícitos”; associação indireta com o narcotráfico como meio de sobrevivência social
naquela comunidade. Sob um olhar antropológico-social, levando em conta o contexto e
a visibilidade nacional e internacional dessas instituições legais, este artigo chama a
atenção para rede de solidariedade e suas particularidades, como elas, por falta do
estado, ganham importância no processo de cidadania.

Em “Marginais, delinqüentes e vítimas: um estudo sobre a representação da


categoria favelado no tribunal do júri da cidade do Rio de Janeiro”. Percebemos a
representação social que o tribunal do júri tem dos moradores das favelas. As diferentes
formas de tratamentos dada ao ser humano considerado pessoa ou indivíduo; e, como a
burocracia e falta de dinheiro influencia numa sentença. A partir do pensamento social
ue é elaborado o trabalho dos juristas que através de preconceitos e estigmas calcam
suas estratégias de defesa ou acusação.

Em “Os universitários da favela”. Os autores defendem uma mudança de


conceito de favela como geradora de criminalidade, por haver um crescimento no
número de universitários que moram em favelas, apesar desses estudantes ainda serem
minoria nas universidades e nas favelas. Apontam uma ligação, ainda que não seja
intencional, desses estudantes com a religião, que serviria como motivadora ao ingresso
desses jovens na universidade. A religião através de leituras, trabalhos de
conscientização despertam o interesse dos jovens pelo conhecimento. Observa-se, ainda,
a preocupação social desses jovens que buscam áreas da humana e não direcionam suas
escolhas fundamentalmente a fatores econômicos.

Em “Poemas”, de Deley de Acary, e “Cidade de Deus”, de Pablo das Oliveiras, a favela


é mostrada através da arte, do sentimento, do intocável e insolúvel, mostra-se nesses
capítulos que a favela não é só concreto ou estrutura; ela é gente e é humana; ela é
simbólica, é vida e verdadeira. Existe, e é fruto da nação brasileira.

“Estudar uma favela carioca, hoje, é sobretudo combater certo senso comum que já
possui longa história e um pensamento acadêmico que apenas reproduz parte das
imagens, idéias e práticas correntes que lhe dizem respeito.”

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