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A formação de identidade

LINK, Rogério Sávio. A formação de identidade em uma nova área de colonização: O caso dos luteranos
em Rondônia. In: MARIANO, Ricardo et al. (Org.). XIII Jornadas sobre alternativas religiosas na
América Latina. PUCRS, PPGCS, 2005. CR-ROM.

A formação de identidade em uma nova área de colonização: O caso dos luteranos em


Rondônia*

Autor: Rogério Sávio Link**

Palavras-chaves: religião, identidade, migração, luteranos, Rondônia

Resumo: A partir do início da década de 1970, luteranos provenientes do Sul Sudeste e Nordeste do
Brasil migraram para Rondônia. Eles fazem parte de um processo migratório desencadeado pelo governo
militar para ocupar a região amazônica e aliviar as tensões sociais. Ali, encontraram e chocaram com
realidades distintas, culturas distintas, geografias distintas. Nesse ambiente, necessitaram reconstruir seu
ethos cultural e suas relações sociais. A religião tem um papel importante nesse processo. Ela reconstrói
e reestrutura o modo de vida dos migrantes, ajudando-os a se estabelecerem no novo local e criando uma
rede social. Mas os religiosos também são portadores de identidade e de idéias. Nesse sentido, houve
um embate entre os migrantes que queriam reconstruir o mundo que deixaram para trás (de diferentes
regiões do Brasil), os religiosos que queriam uma igreja mais voltada para as questões sociais e políticas
(Teologia da Libertação) e a nova realidade a qual os migrantes e religiosos se encontraram.

A chegada dos migrantes

Antes de entrar, propriamente dito, na análise da construção e reprodução de identidades, faz-se


imperativo situar e descrever um pouco o grupo estudado e o processo migratório no qual estiveram
envolvidos. As pessoas que fazem parte da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Rondônia são, em sua maioria, descendentes de um grupo etnicamente, denominados de pomeranos
que provêem do Espírito Santo. Pomerano é o nome dado aos descendentes germânicos que habitavam
uma região chamada Pomerânia, na antiga Prússia, na Europa. Os pomeranos possuem língua e cultura
distinta dos demais grupos germânicos. No Brasil, estão concentrados especialmente nos Estados do
Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rondônia[1]. Os migrantes luteranos dos
Estados do Sul dirigiram-se mais para as colonizações particulares em Mato Grosso.

Os primeiros migrantes luteranos que chegaram em Rondônia foram as famílias Hollander e Braun. Eles
vieram de São Gabriel da Palha, Estado do Espírito Santo e se estabeleceram no, então, vilarejo de
Pimenta Bueno, às margens do rio Barão de Melgaço. Alguns anos antes — mais precisamente em 1967
— dois irmãos da família Hollander já haviam estado trabalhando na capital do Estado e relataram aos
familiares e amigos as possibilidades de conseguirem terras nesse novo local. À medida que as notícias
foram se espalhando, mais pessoas se habilitaram para empreender essa marcha migratória. Assim,
durante toda a década de 1970 e também durante a década seguinte essa parte do território nacional iria
receber um número significativo de migrantes pomeranos vindos do Espírito Santo[2].

O fenômeno migratório desses pomeranos provoca alguns questionamentos para uma análise histórica.
A primeira pergunta é pelo motivo da migração? Por que essa gente está migrando? O que faz com que
eles saiam para outra região? A segunda volta-se para a escolha do local. Por que Rondônia? Não seria
mais lógico se as pessoas procurassem uma região mais próxima ao seu local de origem? Dessa questão
também advém uma terceira interrogante. Por que esses migrantes, ao invés de se direcionarem de um
extremo ao outro do país, não se dispensaram entre os diferentes Estados?

As respostas para essas questões devem ser buscadas em análises mais sociológicas e também
antropológicas. As primeiras são clássicas no estudo das migrações; ao passo que as segundas estão
dando seus primeiros passos. Os estudos culturais têm suas raízes em Foucault, na escola dos Annales na
França[3] e na Inglaterra, sendo que nesse último lugar teria se tornado uma linha de pesquisa, recebendo
inclusive o nome de Estudos Culturais[4]. Também podemos dizer que eles nasceram no bojo da Guerra
Fria e devem grande parte de seu êxito e penetração, em diferentes áreas — senão diretamente, pelo
menos indiretamente —, ao financiamento que receberam da CIA. A agência de inteligência norte-
americana, como descreveu Frances Saunders, financiou a esquerda não comunista em diferentes partes
do mundo, especialmente na Europa (principalmente Inglaterra e França), para combater o
comunismo[5]. Essa tendência pode ver vista na própria origem dos Estudos Culturais: um estudo
engajado que nasce de “um sentimento das margens contra o centro” e que têm uma “história de
compromisso com populações sem poder”[6], mas que critica tanto os trabalhos acadêmicos da esquerda
quanto da direita[7]. Nesse sentido, Angela McRobbie diz que “Stuart Hall está bastante correto em nos
lembrar que, desde o início, os Estudos Culturais emergiram como uma forma de pesquisa radical, que
ia contra o reducionismo e o economicismo, que ia contra a metáfora da base e da superestrutura e que
resistia à noção de falsa consciência”[8]. Ela continua: “A desconstrução e o movimento de afastamento
das oposições binárias, incluindo a dos inícios e dos finais absolutos, podem ser vistos aqui como uma
abertura para uma nova forma de conceptualizar o campo político e criar um novo conjunto de métodos
para os Estudos Culturais”[9]. Talvez daí advenha uma certa desconfiança por parte de historiadores
mais da esquerda em relação aos estudos culturais. Mas os Estudos Culturais são bastante plurais e não
têm um modelo metodológico único, antes são um emaranhado de insights e conceitos pertinentes[10];
dos quais faremos uso, na medida em que se fizerem úteis para entender o processo que estamos
estudando. Dessa forma, daremos aqui ênfase no estudo a partir desses dois aspectos, a saber, da
sociologia e da antropologia.

As condições para a reprodução do ethos cultural

a) As condições a partir de uma análise sociológica

Com respeito à análise sociológica, faremos algumas considerações pontuais que nos ajudem a entender
o todo do processo e também nos valeremos de alguns gráficos ilustrativos.

Rondônia experimentou um crescimento populacional extraordinário durante o governo militar. Foi


ocupada e colonizada basicamente durante essa época. Antes disso, já havia sofrido uma ascensão
populacional significativa com os seringueiros nordestinos[11]. Mas, com a produção da Malásia e com
o fim da Segunda Guerra, a produção brasileira declinou vertiginosamente e os núcleos seringalistas
foram desaparecendo. Somente no final da década de 1960 e nas décadas subseqüentes Rondônia voltaria
a experimentar um crescimento populacional significativo. Durante essa época, Rondônia cresce “15,8%
ao ano, ao passo que o crescimento populacional de todo o território nacional não ultrapassa a taxa de
2,5% ao ano”[12]. Assim, de 1970 a 1985, como pode ser observado no gráfico abaixo, Rondônia teve
um crescimento populacional de 909,73%.

Crescimento populacional em Rondônia (1970-1985)[13]

Esse crescimento populacional decorre do aumento do ingresso de migrantes que são atraídos para a
região Amazônica pelo governo militar. Como disse em outro trabalho, “a primeira tentativa de
colonização em massa da Amazônia foi o assentamento de migrantes ao longo da rodovia
Transamazônica. Com o fracasso dessa tentativa, o governo começou a incentivar a ocupação de
Rondônia, Estado que receberia, na década de 1970, um fluxo migratório maior do que qualquer área
fronteiriça no Brasil”[14].

Evolução do número de migrantes em Rondônia (1977-1985)[15]

Portanto, constatamos que a ocupação de Rondônia não é casual. Uma série de pesquisadores apontam
para o caráter político e econômico dessa realização[16]. Com essa colonização, estavam-se
solucionando três problemas de uma só vez, a saber: a) a ocupação de uma região demográfica
supostamente vazia; b) a demarcação de fronteira; e c) o adiamento de uma reforma agrária. Além disso,
estavam-se abrindo novas áreas de investimento para o capital[17].

Sobre a demarcação de fronteira, os territórios de Rondônia e Acre são emblemáticos, pois fazem
fronteira com a Bolívia. Quiçá, no horizonte do governo militar, estava a preocupação por esse país não
ter costa marítima, o que faria, dentro dessa lógica, com que seus interesses se voltassem para dentro do
continente; ao contrário dos outros países da América do Sul que concentraram seus interesses
econômicos na costa. Aliás, esse seria também um importante motivo para a ocupação da fronteira com
o Paraguai. Entrementes, o fator que destacamos é o da reforma agrária. Como diz Francinete Perdigão
e Luiz Bassegio, “justamente, para não fazer a Reforma Agrária, é que o Governo criou o ‘Eldorado
Rondônia’ e para cá fez vir milhares de famílias, ludibriando-as com a promessa de que haveria terra
para todos”[18]. A colonização, nesse sentido, deve ser vista no processo de industrialização e de
urbanização do Brasil. Na década de 1940, quase 70% da população brasileira concentrava-se na zona
rural. Na década de 1980, essa situação se inverteu totalmente: de rural e agrícola, o Brasil passou a ser
urbano e industrializado[19].

Evolução da população urbana e rural no Brasil (1940-1991)[20]

As políticas de industrialização iniciadas com Getúlio Vargas e incrementadas pelos seus sucessores
inverteram o modelo econômico e desestabilizaram a área rural, causando o assim conhecido êxodo
rural. As políticas de urbanização foram tão incisivas que Rondônia — um Estado que era para ser
totalmente agrário — já nasceu urbano. Em 1996, as cifras do IBGE davam um total de 61,97% de
indivíduos vivendo na zona urbana[21].

Constata-se, assim, que o êxodo rural faz parte da política oficial de industrializar o Brasil. A
industrialização necessitava de capital para ser alavancada. Esse capital viria da exportação agrícola que
necessitava maiores quantidades de terras e de uma agricultura mecanizada o que, por sua vez, expulsava
os pequenos agricultores. Esses agricultores migravam para as cidades para venderem sua mão-de-obra
às indústrias nascentes. Dessa forma, impulsionavam a industrialização. “Mas, apesar disso, os centros
industriais foram incapazes de absorver todo o fluxo migratório. Então, em conseqüência direta, a
ocupação da Amazônia foi fomentada pelo governo como forma de evitar a convulsão social e, ao
mesmo tempo, assegurar a posse da região”[22]. Esse movimento pode ser observado na figura abaixo.
Os centros industrializados, enquanto que atraem mão-de-obra para as indústrias, expulsam
trabalhadores rurais para a região amazônica.

Fluxo migratório na década de 1970[23]


Os pomeranos vindos do Espírito Santo encaixam-se nesse processo. Eles são pequenos agricultores que
não suportaram a mecanização e foram atraídos, pela onda migratória, para Rondônia[24].

b) As condições a partir de uma análise antropológica

Os Estudos Culturais são uma tentativa de um estudo total. Nesse sentido, eles “(…) implicam o estudo
de todas as relações entre todos os elementos de uma forma inteira de vida”[25]. E é nesse sentido que,
também, procuramos abordar as condições da migração dos luteranos para Rondônia. A partir de agora,
a análise volta-se para uma compreensão mais integral do processo migratório. Os migrantes, nessa
compreensão, são sujeitos e objetos no processo migratório.

Os membros que compõem a IECLB em Rondônia vieram, em sua maioria, do Espírito Santo. Alguns
já tinham migrado para Minas Gerais ou Paraná[26]. Aqueles que chegaram em Rondônia pertenciam à
quarta geração dos pomeranos que imigraram para o Brasil. Nas palavras de Joana Bahia: “A quarta
geração marca a saída dos pomeranos para a criação de colônias em outros Estados, tais como Rondônia
(Espigão do Oeste), Mato Grosso, Pará, Goiás e Paraná, a partir da década de 70”[27]. Jean Roche, por
sua vez, estudando a história alemã no Espírito Santo, refaz a trajetória dos migrantes na busca de
colônias novas[28]. Os colonos teriam sido assentados primeiramente na terra fria, nos vales dos rios
Jucu e Santa Maria da Vitória. Assim, “as primeiras comunidades luteranas de Campinho e de Santa
Leopoldina estenderam-se respectivamente pelo vale do Jucu e pelo de Santa Maria da Vitória,
prosseguindo pelos afluentes, à medida que aumentava o número de descendentes dos primeiros
imigrantes e chegavam outros, após 1870”[29].

Dessa região, as novas gerações migraram em direção ao Norte do Espírito Santo, para a chamada terra
quente. Assim, os pomeranos da quarta geração tinham um sistema cultural fortemente marcado pela
migração. Pode-se afirmar, portanto, que a migração é um elemento constante no meio pomerano. Isso
se explica pela compreensão cultural de que, para ser um pomerano, é necessário, entre outras coisas, ser
camponês, ter religião possuir laços étnicos com o grupo[30]. Destaca-se aqui a primeira necessidade,
ou, como Bahia também define, trabalhar numa terra (land)[31]. Nesse sentido, ela diz que a cultura
pomerana possui estratégias de manutenção do ethos camponês. A mais importante dessas estratégias é
a questão da herança. Ela possui uma lógica própria do mundo camponês, que entra em conflito com o
sistema jurídico brasileiro, mas que tem como objetivo evitar a excessiva fragmentação das pequenas
propriedades[32]. Em primeiro lugar, as mulheres não recebem herança, mas somente um dote que tem
a função de ajudá-las na constituição de suas próprias terras (land). Geralmente, esse dote é composto
por alguns animais e instrumentos domésticos. A lógica por trás disso é que o esposo tenha direito a uma
herança. Em segundo lugar, quanto aos homens, somente o caçula recebe herança. Os outros podem
ficar trabalhando para o irmão, tornarem-se arrendatários ou meeiros. Outra alternativa é a migração
para novas colônias ou para as cidades. Essa última é a menos preferida, pois, deixar de ser camponês,
seria quase sinônimo de deixar de ser pomerano. Por isso, geralmente, vai-se em busca de novas
fronteiras agrícolas[33].

Esse teria sido um dos fatores que levariam os pomeranos para uma nova região de colonização, pois ali
poderiam reproduzir seu ethos cultural[34]. Morando na cidade, gradativamente deixariam de ser
pomeranos. Na cidade, eles seriam conhecidos como alemães e também passariam a usar esse terno,
visto que evocar essa representação traria mais benefícios e vantagens. Pode-se dizer que o termo alemão
conota urbanidade e o termo pomerano lembra o mundo rural. Seriam duas representações para serem
usadas em lugares e contextos distintos: uma para o mundo rural e para dentro do grupo, outra para o
mundo urbano e para fora do grupo. Essa dupla identidade é defendida por Manuela Carneiro da Cunha
quando estuda os descendentes de brasileiros iorubanos em Lagos, na Nigéria. Para ela, esses
descendentes “usavam a identidade de repatriado” e a “identidade de origem do interior” para “produzir
a dupla identidade necessária a seus fins políticos e econômicos”[35].

Bahia também defende uma certa especialização da cultura pomerana em meio ao sofrimento e à
migração. Diz que a cultura forjou a metáfora da Canaã, da “terra que mana leite e mel” (Êxodo 3.8).
Para chegar a essa terra, o caminho é muito difícil; pobreza e sofrimento o marcam, mas, ao final, vem
a salvação. Ela localiza essa problemática num provérbio muito repetido entre os pomeranos: “Aos
primeiros, a morte; aos segundos, a miséria; aos terceiros, o pão”[36].

Esse ditado mostra as condições precárias da política de imigração implantada pelo Estado
Brasileiro que marcaram as primeiras gerações e a imagem idealizada de “terra prometida”,
“Canaã”, que paulatinamente seria construída pelo ethos do trabalho camponês. As etapas de
pecado, inferno, dor, miséria se completariam com a salvação, ressurreição e finalmente a
Canaã almejada.[37]

Os primeiros são a primeira geração, que chega quando as dificuldades são maiores; os segundos são a
segunda geração, que faz com que o novo local produza os frutos em abundância; e os terceiros são a
terceira geração, que se farta com a abundância, não passando mais pelas dificuldades das gerações
anteriores. Veja-se como a autora apresenta isso.
A diferenciação interna e as dificuldades vividas a cada geração permanecem em cada nova
fronteira agrícola que tem início. A cada nova colônia, temos o trabalho pioneiro árduo que
tem como primeira conseqüência a morte de muitos para que poucos dêem continuidade à
reprodução social.[38]

Dessa forma, pôde ser verificado que a cultura pomerana possui mecanismos que favorecem a migração,
são os chamados “fatores de expulsão”. Na seqüência, pergunta-se pelos “fatores de atração”.

As novas colônias não podem ser fundadas em qualquer lugar. Se, como foi visto acima, a pertença ao
grupo está condicionada ao compartilhamento da cultura, a migração, por sua vez, é condicionada à
existência das condições necessárias para a reprodução do modo de vida camponês pomerano, que
envolve a possibilidade de aquisição de terras, a existência de sua igreja e a existência de outros
pomeranos. A migração de um indivíduo ou de uma pequena família para uma região onde não existiam
as condições necessárias é muito esporádica. Por isso, os primeiros migrantes chegaram em Rondônia
em grupo, totalizando 60 pessoas, distribuídas em duas famílias[39]. De semelhante forma, conforme as
condições melhoravam, mais migrantes chegavam.

No novo local, os migrantes encontraram as condições esperadas para a reprodução do seu ethos cultural:
estão migrando em grupo, a terra é acessível e a religião é evocada. Entrementes, desses três, o mais
difícil é a religião. Os migrantes vão investir suas forças para construírem um templo, reunirem-se
periodicamente e buscar a assistência espiritual de um pastor, mas este último não é fácil de conseguir.
Nos primeiros anos, os migrantes se empenharam muito em cativar um obreiro que os atendesse. Disso
dependeria o futuro da nova colônia. Essa empreitada pode ser vista em minha dissertação, na qual
apresento as correspondências entre os migrantes (seu representante), diferentes pastores e a sede da
igreja[40].

O choque com as expectativas dos representantes eclesiásticos

Ao chegarem em Rondônia, os migrantes luteranos buscavam reconstruir seu ethos cultural. Essa
reconstrução não é uma reprodução fiel daquilo que viviam antes, mas sim uma percepção daquilo que
o contexto exige. A cultura não é algo dado em si. Ela está em constante mudança. Discutindo essa
questão, Cunha nos brinda uma formulação que merece ser reproduzida aqui.

(…) não me parece que se possa manter — se ainda houvesse alguém para querer fazê-lo — a idéia de
uma tradição cultural que se adapta a novos meios ambientes e se perpetua como pode diante dos
obstáculos que esse novo meio lhe antepõe. Ao contrário, a noção que se depreende é que a tradição
cultural serve, por assim dizer, de ‘porão’, de reservatório onde se irão buscar, à medida das necessidades
no novo meio, traços culturais isolados do todo, que servirão essencialmente como sinais diacríticos para
uma identificação étnica. A tradição cultural seria, assim, manipulada para novos fins, e não uma
instância determinante.[41]

A reprodução, nesse sentido, ocorre no contraste com o outro. É no choque com outras culturas, outras
realidades, outras idéias onde se re-elaboram as identidades. “Assim, a escolha dos tipos de traços
culturais que irão garantir a distinção do grupo enquanto tal depende dos outros grupos em presença e
da sociedade em que se acham inseridos, já que os sinais diacríticos devem poder se opor, por definição,
a outros de mesmo tipo”[42]. Nesse sentido, os pomeranos depararam-se com os povos indígenas que
habitavam a região, com os descendentes dos seringueiros que formavam uma cultura cabocla, com a
nova geografia e com os diversos grupos migrantes que chegavam na mesma época em Rondônia[43].

Uma estratégia de manter a sua identidade cultural — que em última análise os protege e cria uma rede
de confiabilidade — é estabelecerem-se em grupos. Por isso, como afirmamos acima, eles procuravam
migrar em grupos. E é por isso também que, num contexto de diáspora, as pessoas são mais apegadas às
tradições culturais[44]. Entrementes, é a religião quem garante e estabelece a identidade do grupo[45].

As expectativas dos migrantes pomeranos vindos do Espírito Santo se chocaram com as expectativas
dos obreiros que eram sulistas e pertenciam a um outro quadro cultural. Na época em que a igreja
acompanha os migrantes para Rondônia, estava em ebulição entre os pastores uma compreensão mais
política do trabalho da igreja. De forma que eles não queriam apenas acompanhar os migrantes
espiritualmente. Dizia-se, na época, que queriam acompanhar o ser humano integralmente:
espiritualmente, economicamente e politicamente[46]. Por isso, o trabalho da igreja teve uma ênfase na
área da saúde e educação, primando pela formação política dos membros. Nesse sentido, procurava-se
manter nas paróquias uma equipe de trabalho: um pastor, um técnico agrícola e um agente de saúde[47].

Os pastores estavam imbuídos de uma nova forma de ser igreja. Eles estavam inspirados pelas
Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica e pela Teologia da Libertação. Buscavam uma
transformação da sociedade que simpatizava com a experiência socialista de Cuba. Queriam uma igreja
mais participativa, na qual os membros assumissem funções pastorais; novas formas de ministérios, onde
os técnicos seriam reconhecidos como obreiros missionários; e novas vestimentas litúrgicas[48].

Essa visão de igreja entrou em choque com aquilo que os membros conheciam anteriormente e queriam
reproduzir. Enquanto eles queriam a vestimenta litúrgica preta tradicional, os obreiros, em vista do calor,
queriam uma nova, de cor bege e menor. Enquanto os obreiros queriam um centro para reunião e
formação, os membros queriam o seu templo e culto tradicional. Inclusive muitos chegaram a pedir para
que os cultos fossem realizados em língua alemã[49]. Os obreiros também enfrentaram resistência no
engajamento de leigos em funções litúrgicas. Os pomeranos não vêem com bons olhos que um leigo
assuma essas funções, principalmente os ofícios (batismo, enterro).

Na questão política então nem se fala! Essa questão criou muitos conflitos e até expulsão de pastores,
pois os pomeranos são muito apolíticos. Quiçá isso se deva pelo histórico de repressão que esse povo
enfrentou. Sua antiga pátria a Pomerânia era um corredor de guerra, sempre esteve ocupada. Hoje esse
território está dividido entre os países da Europa central. Os pomeranos, que sempre foram servos de
senhores feudais, acabaram migrando para os Estados Unidos, Brasil e Austrália. Isso também pode ter
suas raízes na idéia de vocação de Lutero, na qual a pessoa deve se resignar com o lugar que lhe cabe no
mundo[50].

Em vista disso, perguntamos: poderia dizer-se que os pomeranos se apegaram mais fortemente em suas
raízes e tornaram-se mais tradicionais ainda? Quanto a isso, pode-se dizer que sim e que não. O que se
está discutido aqui é a relação entre inovação e tradição. Há um processo de resistência e de criatividade
que gera algo distinto. O não expressa a continuidade do tradicional e o sim a criatividade da inovação.
O presente é a continuação do passado, mas também é o passado refeito. O presente é a resignificação
do passado. Ou seja, a cultura é sempre resignificada. Do embate entre as idéias, a geografia[51] e as
culturas, locais nasce algo novo. Hoje, em Rondônia, ainda existe um povo luterano com fortes traços
apolíticos, mas que já não é mais tanto quanto era antigamente. E os pastores, por sua vez, refletem mais
sobre a resistência dos membros em experimentar novas formas de ser igreja. Além disso, também
buscam valorizar o tradicional.

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