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Escatologia

O desenvolvimento do
pensamento
escatológico
nos textos canônicos e apócrifos do AT

Jones F. Mendonça

Seminário Teológico Batista Carioca


1
Escatologia
O desenvolvimento do pensamento escatológico
nos textos canônicos e apócrifos do AT

Capa:

UNKNOWN MASTER, Flemish


Juízo Final e as virgens prudentes e néscias
Óleo sobre painel de carvalho, 65 x 35 cm
Staatliche Museen, Berlin

Jones F. Mendonça

abr/2013

2
Índice

Introdução ................................................................................. 4
Escatologia e messianismo......................................................... 5
Da profecia à apocalíptica ........................................................... 6
As muitas faces da expectativa messiânica ................................ 9
Conclusão ................................................................................ 15
Referências bibliográficas ........................................................ 16

3
INTRODUÇÃO

A inda que possa despertar debates acalorados em alguns círculos, de modo


geral as fronteiras da ortodoxia não são tão fixas quando o assunto é
escatologia. Opiniões diferentes geralmente são aceitas numa mesma
denominação cristã sem que cause divisões. O tema, tão polêmico e instigante, ganha
força e ocupa espaço na mídia sempre que a humanidade ou um grupo específico se sente
ameaçado por catástrofes, como guerras, terremotos, pragas, inundações ou crises
financeiras. A última grande sensação foi a suposta previsão do fim do mundo presente no
calendário maia. Na data prevista nada aconteceu e o mundo continua a girar.

No âmbito da teologia sistemática a discussão normalmente gira em torno dos três


modelos escatológicos principais: amilenismo, pré-milenismo e pós milenismo. O
primeiro modelo encontrou boa acolhida entre os batistas. O segundo é defendido
principalmente por pentecostais e messiânicos. O último, o mais otimista dos três, quase
não encontra mais adeptos. Para complicar ainda mais, há divergências em relação
momento do arrebatamento da igreja. Uns se declaram pré-tribulacionistas, outros meso-
tribulacionistas e ainda há os pós-tribulacionistas. Os nomes são complicados e como se
pode ver há um leque de propostas. O leitor mais voltado esse tipo de debate certamente
sentirá falta de todos esses termos no decorrer da leitura. Tal ausência se explica: o que se
busca aqui é entender os autores e conceitos bíblicos a partir de sua respectiva época e de
expor uma evolução. A leitura será diacrônica (leva em conta o longo processo de
formação do texto) e não sincrônica (o texto é analisado como grandeza estruturada e
coerente).

Neste trabalho serão apresentadas apenas as visões escatológicas presentes na


literatura vétero-testamentária (que se referem ao Antigo Testamento), tanto a apócrifa
como canônica. É possível que algum leitor implique, não com certa razão, com a inclusão
da literatura apócrifa no conjunto de livros denominados “Antigo Testamento”. A
expressão será empregada com fins didáticos com o objetivo de que esses livros sejam
distinguidos da literatura apócrifa produzidas pelos cristãos (que convencionarei chamar de
“apócrifos do Novo Testamento”).

Rio de Janeiro, abril de 2013.

Jones F. Mendonça

4
1. ESCATOLOGIA E MESSIANISMO

Feitos os esclarecimentos iniciais o próximo passo que julgo importante é apresentar ao


leitor a definição de dois termos que irão nortear todo este trabalho. São eles: escatologia
e messianismo.

1.1 Escatologia

Escatologia (éskhata = extremo, último + logia = estudo).

Geralmente se diz que a escatologia é a doutrina ou o discurso das últimas coisas. Mas há
quem prefira definir o termo como sendo o “discurso sobre as coisas últimas”. Na primeira
definição a ênfase está na dimensão temporal (a história do mundo). A segunda mostra-se
mais interessada no aspecto existencial da mensagem escatológica (a vida e a morte, o bem
e o mal, etc.). Abaixo uma definição que busca englobar esses dois aspectos da dimensão
escatológica (os grifos são meus):

Escatológico é o que definitivo e que acontece de uma vez por todas. Desse modo,
Cristo é acontecimento “escatológico”: com ele o Reino de Deus já chegou (cf. Lc
11,20). Ao mesmo tempo, o adjetivo se refere também aos “„últimos acontecimentos
do mundo e da história”. Desse modo, a escatologia é a reflexão sobre as últimas
coisas, tanto referentes à pessoa (morte, juízo, vida com Deus, condenação), como ao
mundo inteiro (fim do mundo, volta a Deus)1.

Os últimos acontecimentos do mundo e da história envolveriam, segundo Gowan, a


esperança de transformação do mundo e da natureza, a relação do homem com seu meio
ambiente, bem como um comportamento ético2. Tal esperança escatológica pode ser
apresentada em quatro elementos caracterizantes3:

 O mundo atual está radicalmente corrompido;


 O mundo passará por uma mudança significativa, que eliminará totalmente o mal;
 Tal transformação ocorrerá “naquele dia”, que é o tempo determinado por Deus;
 O fato de que é o agir de Deus e não o operar humano o decisivo para a
inauguração do escatológico. A participação humana não é eliminada; antes, a
responsabilidade humana é requerida, mas não a causa da mudança.

Pertencem à esfera de estudo da escatologia os seguintes temas: fim, restauração, morte,


juízo, messias, milênio (ou quiliasmo), céu, inferno, Reino de Deus, catástrofe cósmica,

1 DE OLIVEIRA, Ralfy Mendes. Vocabulário de pastoral catequética, 1992, p. 74


2 Cf. D. E. Gowan, Eschatology, 121-122 apud LIMA, Maria de Lourdes Correa. Salvação entre juízo, salvação
e graça, 1998, p. 45.
3 Cf. D. E. Gowan, Eschatology, 19-20 apud id. Ibid.

5
morte expiatória, ressurreição, imortalidade e salvação. Em outras correntes doutrinárias:
purgatório (catolicismo), iluminação (budismo) e reencarnação (espiritismo).

1.2 Messianismo

A palavra messias vem do hebraico mashiah = ungido.

Na área da antropologia social o messianismo é definido como qualquer movimento


político religioso baseado na crença em um enviado divino (já presente ou ainda por vir)
que abole a ordem vigente e inaugura uma nova era de paz e harmonia. Dois exemplos
relativamente recentes foram registrados no Brasil (Antônio Conselheiro) e na Guiana
(Jim Jones). Numa definição bastante abrangente o messianismo pode ser apresentado da
seguinte forma:

aguarda-se a vinda de um redentor que transformará a presente ordem, substituindo-a


por um reino de harmonia e bem-aventurança universal. Essa ideia “messiânica” é
crucial para o complexo cultural que surge da história mediterrânea. O messianismo,
embora tendo origem na Mesopotâmia, assumiu diferentes formas nos contexto
judaico, cristão e islâmico, e diferentes significados nos tempos modernos4.

É possível relacionar escatologia com messianismo nos seguintes termos: “o messianismo


corporifica a expectativa do grupo por uma mensagem ou uma pessoa dotada de força e
ungida para encaminhar os fatos em direção ao futuro definitivo”5. Em suma, a chegada
do messias representa a concretização da expectativa escatológica.

2. DA PROFECIA À APOCALÍPTICA

O Antigo Testamento reúne uma série de tradições a respeito da esperança messiânica e da


restauração de Israel. Delinear a evolução dessa expectativa é uma tarefa praticamente
impossível, dada a dificuldade em fixar a datação dos textos. Certo mesmo é que a
expectativa pela vinda do messias vai se revestindo de cores transcendentais na medida em
que avança no curso da história6. O ápice dessa evolução é o descrição do surgimento de
uma figura que tem a aparência do “filho de um homem” (do aramaico: bar enash) que
vem do céu, em Dn 7,13-14:

4 OUTHWAILE, William (Edit.). Dicionário do pensamento social do século XX, 1996, p. 462-463
5 VALLE, Edênio. Milenarismos e messianismos ontem e hoje. 2001, p. 72
6 É o que pensa, por exemplo, Antonius Gunneweg, cf. GUNNEWEG, Antonius. Teologia bíblica do Antigo

Testamento, 2005, p. 300.

6
Eu estava olhando nas minhas visões noturnas, e eis que vinha com as nuvens do céu
um como filho de homem [...]. E foi-lhe dado domínio, e glória, e um reino, para
que todos os povos, nações e línguas o servissem; o seu domínio é um domínio
eterno, que não passará, e o seu reino tal, que não será destruído.

Tem sido motivo de muito debate se Jesus utilizou a expressão aramaica bar esnah como
título messiânico ou como sinônimo de “humanidade”7. A questão ainda está longe de
um consenso.

Mowinckel distingue dois tipos distintos de esperança de futuro. O primeiro focado na


restauração temporal e infra-histórica (textos antigos, pré-exílicos) e o segundo tendo
como horizonte as “últimas coisas” e que implica no dualismo entre o mundo presente,
que chegará ao seu fim, e um mundo renovado (textos pós-exílicos)8. Textos
propriamente escatológicos seriam apenas os últimos. Neles estariam presentes três
elementos distintivos: dualismo temporal e cosmológico, universalismo e ação decisiva
por forças ultramundanas. Tomando como certa a hipótese de que origem da expectativa
escatológica teve sua origem no período pré-exílico, é possível acompanhar o
desenvolvimento do pensamento escatológico tendo em mente três momentos da
pregação de salvação e juízo no âmbito da história de Israel:

2.1 Profetismo clássico (escritores) – séc. VIII-VI a.C.

O termo “profetismo clássico”9 refere-se aos profetas que atuaram desde meados do século
VIII a.C., como Oséias, Amós e o proto-Isaías (Is 1-39) a Jeremias e Ezequiel, no século VI
a.C.. Eles denunciavam abusos religiosos, faziam exortações diretas, recordando sua
vocação e seu destino privilegiado como o “povo escolhido de Yahweh”. Na perspectiva
desses profetas o anúncio do juízo poderia ser desfeito diante da resposta humana. Ênfase
na mudança da história e no apelo à conversão do povo.

2.2 Profetismo escatológico – séc. VI-IV a.C.

O profetismo escatológico seria o resultado de uma mudança na profecia pré-exílica,


ocasionada pela experiência do exílio babilônico. Ao “tempo de juízo” (o exílio) seguir-
se-ia o “futuro de salvação”10. Tal futuro de salvação também envolve juízo, mas um juízo
universal e cósmico. São temas recorrentes as guerras, calamidades, destruição do mundo,

7 Para uma ampla discussão sobre o tema ver: VERMES, Geza. Jesus e o mundo do judaísmo, 1996, pp. 109-
121 e CROSSAN, Dominic. Jesus, uma biografia revolucionária, 1995, p. 62-67.
8 S Mowinckel, He that Cometh, 125.261 apud LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Salvação entre juízo,

conversão e graça: a perspectiva escatológica de Os 14,2-9, 1998, p. 21


9 Profetas que tiveram suas palavras registradas por escrito e ganharam o formato de livro, diferentemente

dos chamados profetas orais, como Natã, Elias e Eliseu.


10 Abordagem mais detalhada a respeito das diferenças entre o profetismo clássico e o profetismo

escatológico, ver: LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Salvação entre juízo, conversão e graça: a perspectiva
escatológica de Os 14,2-9, 1998, p. 17.

7
etc. A ruptura entre o “tempo antigo” e o “novo tempo” é mais dramática. O Trito-Isaías
(Is 55-66) chega a falar de “um novo céu e uma nova terra”. Nas palavras do teólogo
americano T. D. Hanson: “A escatologia profética torna-se apocalíptica tão logo não se
observe a tarefa de traduzir a visão cósmica em categorias de realidade terrena” 11.

2.3 Apocaliptismo escatológico – séc. IV a.C. –II d.C.

A expressão “apocaliptismo escatológico” pode parecer redundante, mas não é. Ocorre


quer há apocalipses que não tratam sobre “as últimas coisas”, como é o caso do apocalipse
de Enoque, capítulos 1-36 e 91-105. A origem do gênero apocalíptico é muito discutida.
De acordo com estudiosos como von Rad, a literatura apocalíptica seria uma corrente do
pensamento sapiencial (atualmente essa hipótese conta com poucos adeptos). P. D.
Hanson, discordando de von Rad, localiza as raízes da apocalíptica no pensamento
profético. Nesse sentido a apocalíptica seria filha e sucessora da profecia, resultado da
decadência da fé profética nas promessas. Há ainda os que buscam raízes da apocalíptica na
religião persa (mazdeísmo de Zoroastro). Seja como for, todos concordam que a
apocalíptica constitui um elemento novo da literatura israelita. As diferenças entre
profecia e apocalíptica são postas lado a lado no quadro abaixo12:

PROFETISMO APOCALIPTISMO ESCATOLÓGICO

Escatologia imanente: Escatologia transcendente:


A profecia vaticina o cumprimento desta A apocalíptica profetiza um novo
história pela ação de Deus mundo depois deste mundo (dualismo
de dois éons – eras), de que os justos
farão parte pela ressurreição dos mortos.

Expectativa aberta da história: Determinismo histórico:


A profecia anuncia a vontade de Deus, A apocalíptica reconstrói um plano
que pode ser revista a cada momento determinado (deve acontecer, cf. Dn
como resultado da conversão dos seres 2,2s.; Mc 13,7).
humanos (cf. Jonas)

Personalidades proféticas individuais: Escritos secretos pesudônimos de


Eles anunciam em seu nome a vontade autores supostamente da história
de Deus – complementada pela profecia primordial (Adão, Henoc, Moisés, etc.)
(pseudônima) dos discípulos. que vêm à luz no presente.

11 STENDEBACH, Franz Josef. Israel e seu Deus, 2001, p. 177.


12 Cf. THEISSEN, Gerd. O Jesus histórico, 2002, p. 272.

8
O esquema abaixo talvez ajude o leitor a compreender melhor das diferenças entre
profetismo clássico, profetismo escatológico e apocaliptismo:

 Período pré-exílico (séc. VIII – 587 a.C.) – dos primeiros profetas escritores à
destruição de Jerusalém e a deportação da classe dirigente para a Babilônia. Judá sob
o governo da dinastia davídica. Período proto-escatológico.

Exílio (586-537)

 Período pós-exílico (537 a.C. – 332 a.C.) – do decreto de Ciro até Alexandre
Magno. Influência da cultura persa. Ageu e Zacarias depositam sua esperança em
um descendente davídico concreto: Zorobabel, neto de Jeconias. Profetismo
escatológico.

 Judaísmo tardio (332 a.C. – 135 d.C.) – da conquista da Palestina por Alexandre
Magno à revolta de Bar-Kokhba. Período helenístico e romano. Com a expectativa
frustrada da coroação de Zorobabel as esperanças messiânicas são projetadas para o
futuro. Apocaliptismo escatológico.

3. AS MUITAS FACES DA EXPECTATIVA MESSIÂNICA

Na tradição judaica a expectativa de salvação encontrou expressão em diversas tradições.


São diversos os seus semblantes. Em algumas descrições é o próprio Yahweh quem
intervém no mundo estabelecendo sua realeza. A mais comum e popular, todavia, é a do
messias régio, descendente legítimo da dinastia davídica. Noutros casos aparecem figuras
mediadoras como a de um profeta semelhante a Moisés. Outra, bem pouco conhecida
hoje, mas muito popular na comunidade de Qumran, manifesta-se na espera de um
messias sacerdote ou num duplo messias (davídico e aarônico). No livro do profeta Daniel
(que é mais bem situado no contexto do século II a não do VI a.C.) a destruição dos
impérios mundiais é operada por uma figura vinda dos céus, semelhante ao filho de um
homem (Dn 7). Abaixo alguns exemplos:

3.1 Messianismo “sem messias”

Em alguns textos o futuro chegará de repente, sem mediação ou ajuda de ninguém. É o


próprio Yahweh quem intervém diretamente no curso da história com seu braço forte.

9
Is 40,9-10 Tu, anunciador de boas-novas a Sião, sobe a um monte alto. Tu,
anunciador de boas-novas a Jerusalém, levanta a tua voz fortemente; levanta-a, não
temas, e dize às cidades de Judá: Eis aqui está o vosso Deus. 10 Eis que o Senhor Deus
virá com poder, e o seu braço dominará por ele; eis que o seu galardão está com ele, e
a sua recompensa diante dele.

3.2 Messianismo régio

A expectativa por um messias régio aparece nos textos de alguns profetas (p. ex. Is 7,10-16;
8,23-9,6; 11,1-5; Mq 5,1-5) e em alguns Salmos (p. ex. 2; 89; 110; 130). Na época dos
hasmoneus (164-63 a.C.) ela é novamente atualizada, sendo retomada também no NT. A
crença na vinda de um messias descendente davídivo que promoverá a restauração Israel e
destruirá seus inimigos parece ter crescido em torno de dois textos (mais tarde
interpretados como messiânicos): Gn 49,10 e Nm 24,17:

Gn 49:10 O cetro não se apartará de Judá, nem o bastão de comando de seus


descendentes, até que venha aquele a quem ele pertence, e a ele as nações obedecerão.

Nm 24,17 Eu o vejo, mas não no presente; eu o contemplo, mas não de perto; de Jacó
procederá uma estrela, de Israel se levantará um cetro que ferirá os termos de Moabe, e
destruirá todos os filhos de orgulho.

Um indício de que Nm 24,17 foi interpretado mais tarde como tendo caráter messiânico é
a mudança de nome do líder da última revolta judaica (132-135 d.C.), Simon bar Koziba,
para Shimeon Bar Kokhba (do aramaico, filho de uma estrela). Mas de acordo com Von
Rad, o texto que marca a origem histórica da expectativa messiânica no AT encontra-se
em 2Sm, capítulo sete13:

2Sm 7,4.8b.12.13.16 Mas naquela mesma noite a palavra do Senhor veio a Natã,
dizendo: 8b Eu te tomei da malhada, de detrás das ovelhas, para que fosses príncipe
sobre o meu povo, sobre Israel; 12 Quando teus dias forem completos, e vieres a
dormir com teus pais, então farei levantar depois de ti um dentre a tua descendência,
que sair das tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino. 13 Este edificará uma casa ao
meu nome, e eu estabelecerei para sempre o trono do seu reino. 16 A tua casa, porém,
e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será estabelecido para
sempre.

No capítulo 9,1-6 de Isaías a “estrela que procederá de Jacó” (cf. Nm 24,17), reaparece14:

13 Gerhard von rad, Theologie des Alten Testaments, 4. Ed., v.1, p. 323 apud SCHIMIDT, Werner H. A fé do
Antigo Testamento, 2004, p. 298.
14 Antonius Gunneweg pensa ser de redação secundária (possuiriam caráter escatológico-messiânica que não

surgiram antes do Dêutero-Isaías), ao lado das seguintes passagens Is 11,1-10; 16,5; Jr 16,5s; 33,15s; Ez 17,22-
24; Mq 5,1-3, cf. GUNNERWE, Antonius. Teologia bíblica do Antigo testamento, 2005, p. 298.

10
Is 9,1 Mas para a que estava aflita não haverá escuridão. Nos primeiros tempos, ele
envileceu a terra de Zebulom, e a terra de Naftali; mas nos últimos tempos fará
glorioso o caminho do mar, além do Jordão, a Galiléia dos gentios. 2 O povo que
andava em trevas viu uma grande luz; e sobre os que habitavam na terra de profunda
escuridão resplandeceu a luz.[...] 6 Porque um menino nos nasceu, um filho se nos
deu; e o governo estará sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso
Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz. 7 Do aumento do seu governo e
da paz não haverá fim, sobre o trono de Davi e no seu reino, para o estabelecer e o
fortificar em retidão e em justiça, desde agora e para sempre; o zelo do Senhor dos
exércitos fará isso.

Num texto tardio (oriundo do Sul) atribuído ao profeta Oséias aparece a esperança pela
restauração da dinastia davídica:

Os 3,5 Depois disso os israelitas voltarão e buscarão o Senhor, o seu Deus, e Davi, seu
rei. Virão tremendo atrás do Senhor e das suas bênçãos, nos últimos dias.

O capítulo 11 do profeta Isaías brinda o leitor com essa bela passagem poética que
apresenta um cenário paradisíaco onde convivem pacificamente inimigos naturais.

Is 11,1.2.6-10 Então brotará um rebento do toco de Jessé, e das suas raízes um renovo
frutificará. 2 E repousará sobre ele o Espírito do Senhor, 6 Morará o lobo com o
cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará; e o bezerro, e o leão novo e o animal
cevado viverão juntos; e um menino pequeno os conduzirá. 7 A vaca e a ursa pastarão
juntas, e as suas crias juntas se deitarão; e o leão comerá palha como o boi. 8 A
criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e a desmamada meterá a sua mão na
cova do basilisco. [...]9 a terra se encherá do conhecimento do Senhor [...] 10
Naquele dia a raiz de Jessé será posta por estandarte dos povos, à qual recorrerão as
nações;

Em Ageu, Zorobabel, neto de Jeconias, descendente legítimo de Davi, é tratado como


“meu servo”, um título honorífico para eleitos especiais de Yahweh, como Moisés, Josué e
Davi:

Ag 2,9.21-23 A glória desta última casa será maior do que a da primeira, diz o Senhor
dos exércitos; e neste lugar darei a paz, diz o Senhor dos exércitos. 21 Fala a Zorobabel,
governador de Judá, dizendo: Abalarei os céus e a terra; 22 e derrubarei o trono dos
reinos, e destruirei a força dos reinos das nações; destruirei o carro e os que nele
andam; os cavalos e os seus cavaleiros cairão, cada um pela espada do seu irmão. 23
Naquele dia, diz o Senhor dos exércitos, tomar-te-ei, ó Zorobabel, servo meu, filho
de Sealtiel, diz o Senhor, e te farei como um anel de selar; porque te escolhi, diz o
Senhor dos exércitos.

2.3 O messias como profeta

11
Como não tiveram uma dinastia como a de Judá, entre os samaritanos as esperanças de
salvação foram depositadas num messias profeta, uma espécie de novo Moisés (veja Jo
4,25). Mas figura de Moisés como aquele que fala com Deus “face a face” (Ex 33,11)
também permaneceu vívida em Judá. Com o fim da monarquia, em 587 a.C., a imagem do
profeta ideal ressurgiu e começou a se falar (Cf. Dêutero-Isaías, Jeremias e Ezequiel) num
“novo Êxodo”, “nova aliança”, “nova terra prometida”, etc. O núcleo dessa tradição
encontra-se em Dt 8,16-18:

Dt 18,15-18 O Senhor teu Deus te suscitará do meio de ti, dentre teus irmãos, um
profeta semelhante a mim; a ele ouvirás; 16 conforme tudo o que pediste ao Senhor
teu Deus em Horebe, no dia da assembléia, dizendo: Não ouvirei mais a voz do Senhor
meu Deus, nem mais verei este grande fogo, para que não morra. 17 Então o Senhor
me disse: Falaram bem naquilo que disseram. 18 Do meio de seus irmãos lhes suscitarei
um profeta semelhante a ti; e porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará
tudo o que eu lhe ordenar.

Flávio Josefo, historiador judeu do primeiro século, fala de um “falso profeta” egípcio que
liderou uma multidão que alimentava esperanças de libertar Jerusalém do jugo romano:

Um golpe ainda pior foi desferido contra os judeus pelo falso profeta egípcio. Um
charlatão, que obtivera fama de profeta, este homem apareceu no país, reuniu cerca de
trinta mil seguidores ingênuos, e conduziu-os por um caminho tortuoso do deserto
até o monte chamado Monte das Oliveiras. Daí propôs forçar uma entrada em
Jerusalém e, depois de dominar a guarnição romana, estabelecer-se como tirano do
povo, empregando aqueles que entraram com ele como sua escolta (Guerra 2.261-
262).

É possível o relato lucano presente em Atos dos apóstolos seja o reflexo desse episódio:

At 21,38 Não és porventura o egípcio [referindo-se a Paulo] que há poucos dias fez
uma sedição e levou ao deserto os quatro mil sicários?

2.3 O messianismo sacerdotal/régio

Nos círculos sacerdotais pós-exílio, após a decepção pela não coroação de Zorobabel,
surgiu uma corrente que alimentava esperanças num messias sacerdote. Por vezes ela
aparece ao lado de um segundo messias, neste caso um descendente de Davi. A fonte dessa
tradição (em relação ao sacerdote) encontra-se em Lv 4,3:

Lv 4,3 se for o sacerdote ungido que pecar, assim tornando o povo culpado, oferecerá
ao Senhor, pelo pecado que cometeu, um novilho sem defeito como oferta pelo
pecado.

12
Num Salmo o messias é apresentado como sacerdote da ordem de Melquisedeque:

Sl 110 1,4 Disse o Yahweh a Adonai: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus
inimigos por escabelo dos teus pés. Jurou o Senhor, e não se arrependerá: Tu és
sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque.

A esperança de um duplo messias aparece em Zacarias:

Zc 4,14 Então ele disse: Estes são os dois ungidos (lit. “filhos do azeite”), que assistem
junto ao Senhor de toda a terra.

Zc 6,11-13 recebe, digo, prata e ouro, e faze coroas, e põe-nas na cabeça do sumo
sacerdote Josué, filho de Jeozadaque; 12 e fala-lhe, dizendo: Assim diz o Senhor dos
exércitos: Eis aqui o homem cujo nome é Renovo [referindo-se a Zorobabel]; ele
brotará do seu lugar, e edificará o templo do Senhor. 13 Ele mesmo edificará o templo
do Senhor; receberá a honra real, assentar-se-á no seu trono, e dominará. E Josué, o
sacerdote, ficará à sua direita; e haverá entre os dois o conselho de paz.

Pequenas diferenças entre o texto massorético (primeiro milênio d.C.) e os manuscritos


de Qumran (100 a.C. – 100 d.C.) pode ser um indício de que Malaquias também
alimentava essa esperança num duplo messias:

TM
Ml 3,1-2 Eis que eu envio o meu mensageiro, e ele há de preparar o caminho diante de
mim; e de repente virá ao seu templo o adonai, a quem vós buscais, e o mensageiro do
pacto, a quem vós desejais; eis que ele vem, diz o Senhor dos exércitos. Mas quem
poderá suportar o dia da vinda dele?

MMM
Ml 3,1-2 Portanto eis que eu envio o meu mensageiro, e ele há de preparar o caminho
diante de mim; e de repente virão ao seu templo o adonai, a quem vós buscais, e o
mensageiro do pacto, a quem vós desejais; eis que ele vem, diz o Senhor dos exércitos.
Mas quem poderá suportá-los quando vierem?

Numa refeição comum mencionada em 1QSa 2,11-22 fica evidente a esperança de dois
messias15. Um detalhe particularmente surpreendente no texto é que o sacerdote
desempenha um papel superior ao do messias davídico:

1QSa 2,11-22 Entrará [o sacerdote], o chefe de toda a congregação de Israel [...].


Sentar-se-ão di[ante dele, cada um] segundo sua dignidade. Depois disso, tomar[á
assento o Mes]sias de Israel [...]. E [quando eles] estiverem juntos [à mes]a
[...][nin]guém deverá [estender] a mão para as primícias do pão e [o vinho novo]
antes do sacerdote; pois [ele é quem vai ab]ençoar as primícias do pão e o vinho

15 Ver ainda o testamento de Judá, 21,2-4

13
nov[o e estenderá] a mão para o pão primeiro. Depois di[sso], o Messias de Israel
[estender]á a mão para o pão.

Ao que aparece a tradição de um messias sacerdote deixou marcas bem visíveis no livro de
Hebreus, que declara que Jesus é sacerdote da linhagem de Melquisedeque, ou seja, é
sacerdote por unção divina direta e não por linhagem, da mesma forma que o rei-
sacerdote jebuseu. Diz-nos ainda o autor de Hebreus:

Hb 7,15-17 E ainda muito mais manifesto é isto, se à semelhança de Melquisedeque se


levanta outro sacerdote, 16 que não foi feito conforme a lei de um mandamento
carnal, mas segundo o poder duma vida indissolúvel. 17 Porque dele assim se testifica:
Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque.

2.4 O messianismo transcendental (ou escatológico)

No livro de Daniel, que faz mais sentido quando situado no contexto do final do II século
a.C. e não no VI a.C., como parece sugerir o livro (é reflexão sobre o passado próximo e
não profecia sobre o futuro), o messias ganha cores transcendentais. Daniel é considerado
por muitos estudiosos como primeiro a adotar um gênero literário genuinamente
apocalíptico. Em Dn 7 uma figura semelhante ao filho de um homem celeste contrapõe-se
às quatro bestas feras (babilônia, medos, persas, macedônios?) que oprimiram Israel:

Dn 7,13-14 Eu estava olhando nas minhas visões noturnas, e eis que vinha com as
nuvens do céu um como filho de homem (aram. kevar enash); e dirigiu-se ao ancião
de dias, e foi apresentado diante dele. 14 E foi-lhe dado domínio, e glória, e um reino,
para que todos os povos, nações e línguas o servissem; o seu domínio é um domínio
eterno, que não passará, e o seu reino tal, que não será destruído.

Pela primeira vez se fala em ressurreição dos mortos:

Dn 12,1-2 Naquele tempo se levantará Miguel, o grande príncipe, que se levanta a


favor dos filhos do teu povo; e haverá um tempo de tribulação, qual nunca houve,
desde que existiu nação até aquele tempo; mas naquele tempo livrar-se-á o teu povo,
todo aquele que for achado escrito no livro. 2 E muitos dos que dormem no pó da
terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno.

A crença posterior num milênio aparece de forma embrionária em IV Esdras. Após o


sétimo dia (como na criação), vem o ano sabático de paz e harmonia:

IV Ed 7,30-31: “Então o mundo será devolvido ao silêncio primitivo por sete dias,
assim como os primeiros começos, de forma que nenhum homem seja abandonado. E
acontecerá, após sete dias, que a Era a qual ainda não está despertada será acordada e
aquilo que é corruptível perecerá”.

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O princípio dualista, manifesto na crença das duas eras (éons), uma presente (de
impiedade) que se opõe a uma futura (de justiça) carrega muitas semelhanças com a
religião persa: No fim, através da obra de um mediador (Saoshyant), Ahura Mazda lança
Angra Mainyu no abismo, vindo em seguida o fim do mundo, com a ressurreição dos
mortos e o juízo. Inicia-se então a nova era em uma nova Terra. Em IV Esdras a crença em
dois éons é bem nítida:

IV Ed 7,50: “O Altíssimo não fez uma era, mas duas”.

O livro da Ascensão de Moisés, com redação datada para o início do I século, descreve o
fim dos tempos com cores muito parecidas com as do apocalipse de João:

Moisés 10,1ss E então o reino dele aparecerá através de toda a Sua criação, e então
Satanás não mais existirá, e a tristeza partirá com ele. [...] Porque o Único Divino
surgirá do seu trono real, e Ele sairá de sua santa habitação com indignação e ira por
causa dos Seus filhos. [...] Porque Altíssimo surgirá, o único Deus eterno, e Ele
aparecerá para castigar os gentios, e destruirá todos os seus ídolos. Então tu, ó Israel,
ficará contente [...]. E Deus te exaltará, e o fará se aproximar do céu das estrelas, no
lugar as Sua habitação. E tu olharás do alto e verás teus inimigos no Geena.

David Syme Russell assinala como características dos escritos apocalípticos, o


transcendentalismo, a mitologia, a descrição cosmológica, a descrição histórica pessimista,
o dualismo, a divisão do tempo em períodos, a doutrina das Duas Eras, a numerologia, o
pseudo-êxtase, reivindicações artificiais de inspiração, pseudonímia, esoterismo e a unidade
da história.

4. CONCLUSÃO

Em construção...

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Referências:

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DE OLIVEIRA, Ralfy Mendes. Vocabulário de pastoral catequética. São Paulo: Loyola,


1992.

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Sinodal, 2003.

GUNNEWEG, Antonius H. Teologia bíblica do Antigo Testamento. São Paulo: Editora


Teológica: Edições Loyola, 2005.

LA DUE, Willian J. O guia trinitário para a escatologia. São Paulo: Loyola, 2007.

LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Salvação entre juízo, conversão e graça: a perspectiva
escatológica de Os 14,2-9. Roma: Editrice Pontificia Università Gregoriana, 1998.

MACHO, Alejandro Diez. Apocrifos del Antiguo Testamento, Tomo I. Madrid. Ediciones
Cristantad, 1984.

MARTÍNEZ, F. García; PÉREZ, G. Aranda. Literatura judía intertestamentaria. Estella,


Editorial Verbo Divino, 1996.

NOGUEIRA, Paulo Augusto de Souza. Religião de visionários: apocalíptica e misticismo


no cristianismo primitivo. São Paulo: Loyola, 2005.

OUTHWAILE, William (Edit.). Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de


Janeiro: Zahar Ed. 1996.

SCHMIDT, Werner H. A fé do Antigo Testamento. São Leopoldo, RS, Sinodal, 2004.

STENDEBACH, Franz Josef. Israel e seu Deus. São Paulo: Loyola, 2001.

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VERMES, Geza. Jesus e o mundo do judaísmo. São Paulo: Loyola, 1996.

VV. AA. Lexicon: dicionário teológico enciclopédico. São Paulo: Loyola, 2003.

VV. AA. Milenarismos e messianismos ontem e hoje. São Paulo: Loyola, 2001.

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