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eliana sousa silva

prefácio:
paul heritage

A OCUPAÇÃO
DA MARÉ
PELO EXÉRCITO
BRASILEIRO
percepção de moradores
sobre a ocupação das forças
armadas na maré
eliana sousa silva
coordenação geral da pesquisa pesquisadores de campo
Eliana Sousa Silva Bognar Lopes
Cláudia Santos
coordenadora técnica Fernanda de Freitas Lima
Gisele Martins Luiza Azevedo Siqueira
coordenadora de campo Márcio Danelon
Lidiane Malaquini Sirlane Tavares Lima
Viviane Linares da Silva
análise dos dados
Eliana Sousa Silva foto (capa)
Jailson de Souza e Silva Gabriela Lino (ECOM – Escola
de Cinema Olhares da Maré)
tratamento e processamento
dos dados revisora
Dalcio Marinho Gonçalves Elizete Munhoz

assistente de processamento projeto gráfico e diagramação


dos dados Mórula_Oficina de Ideias
João Aleixo Sousa e Silva

dados internacionais de catalogação na publicação (cip)

S586o Silva, Eliana Sousa

A ocupação da Maré pelo Exército brasileiro: percepção de


moradores sobre a ocupação das Forças Armadas na Maré / Eliana Sousa
Silva. — Rio de Janeiro : Redes da Maré, 2017.
120 p. : il. ; 24 cm.

Inclui índice, bibliografia e anexo.


ISBN: 978-85-61382-07-0

1. Exército brasileiro. 2. Ocupação. 3. Complexo da Maré – RJ.


I. Título.

2017-68 CDD: 355.49


CDU: 355.355
SUMÁRIO

7 apresentação
8 prefácio
14 introdução

16 o contexto da maré antes da ocupação


das forças militares

23 o processo de construção da pesquisa


26 O recorte territorial da pesquisa
28 O tamanho da Maré
30 Tamanho e seleção da amostra
33 Cálculo e expansão dos resultados
35 A coleta de dados

38 análise dos dados da pesquisa


39 Perfil dos moradores da Maré entrevistados
48 O vínculo afetivo com a Maré, a mobilidade
e a sensação de segurança
57 Percepções sobre o processo de ocupação
da Maré pelo Exército brasileiro

96 considerações finais

97 referências bibliográficas

98 entrevistas
98 Manoela Silva
102 Vitor Santiago

111 anexo | instrumento de coleta de dados


sobre ação das forças de pacificação
na maré
6
APRESENTAÇÃO

quem vive e trabalha na bela cidade apoiar uma maior cooperação entre
do rio de janeiro sabe bem que em pa- as comunidades acadêmicas e de ci-
ralelo à vida vibrante, alegre e exu- ência e inovação do Reino Unido e
berante existe a dificuldade real. Em de outros países, incluindo-se aí as
muitas comunidades em toda a ci- áreas de transformação urbana e di-
dade a situação de segurança é frágil reitos humanos. Este projeto é um
e muitas vidas inocentes são perdi- dos muitos que apoiamos este ano
das a cada mês. Neste contexto, as re- através do Newton Fund. Até 2021, o
lações entre a polícia e as comunida- fundo fornecerá um total de £75 mi-
des que policiam são de fundamental lhões (R$ 290 milhões) em parcerias
importância. Desconfiança e tensão de pesquisa conjuntas com parceiros
podem ter se acumulado ao longo de brasileiros.
muitos anos, razão pela qual o desa- Sei que as questões da violência
fio de quebrar o ciclo é tão difícil. Isso urbana e as relações entre a polícia e
torna um trabalho como este, produ- as comunidades no Brasil são assun-
zido através de uma excelente cola- tos complexos, difíceis e sensíveis.
boração entre a Queen Mary, Univer- Seria compreensível se o governo
sity of London e a Redes da Maré, tão britânico quisesse evitar envolver-se
importante. nestas questões. Mas tal postura se-
O governo britânico teve a honra ria incoerente com o relacionamento
de apoiar este trabalho, que nos per- entre o Reino Unido e o Brasil, que é
mitiu compartilhar com especialistas próximo, amigável e de apoio. Numa
brasileiros a experiência da Grã-Bre- relação assim, trabalha-se as ques-
tanha em construir relações entre a tões que são as mais importantes e
polícia e suas comunidades. Como nas quais há experiências para se
resultado, há de haver novas ideias e compartilhar.
práticas para fortalecer a confiança,
reduzir tensões e, finalmente, elimi-
nar a violência. Tal como acontece
com qualquer projeto bilateral, te-
nho a certeza de que os peritos bri-
tânicos aprenderam tanto quanto
partilharam.
O financiamento do Governo bri- jonathan dunn obe
tânico para este projeto foi dado atra- cônsul geral — consulado geral
vés do Newton Fund, criado para do reino unido, rio de janeiro

7
PREFÁCIO

a nona passarela sobre a avenida comércio de drogas. Um fuzil AK47


brasil, indo em sentido oposto ao casualmente apoiado numa mesa de
centro do rio de janeiro, é sempre bar, vermelha e de plástico, tem sua
meu alerta de que cheguei à altura imagem refletida na janela de um sa-
da via expressa quando é necessário lão de beleza do outro lado da rua.
pegar a saída para entrar no Com- Com uma população de aproxi-
plexo da Maré. Conforme informo ao madamente 150.000 habitantes, a
taxista que precisamos tomar a pró- Maré é maior que 90% dos municí-
xima à direita, ele encosta no pátio de pios brasileiros. Sua história se en-
um posto de gasolina. Inclinando-se trelaça com a estrada que eu percorri
sobre mim, ele abre a porta do pas- para estar aqui. Quando a Avenida
sageiro e indica que devo prosseguir Brasil finalmente foi inaugurada em
a pé. Apesar de não haver uma dis- 1946, muitos dos operários que pas-
tinção real dividindo este complexo saram sete anos construindo a nova
de favelas dos cinco quilômetros da via expressa estabeleceram resi-
Avenida Brasil que ele margeia, pou- dência ao longo de suas margens,
cos motoristas se dispõem a descer transformando dramaticamente o
uma das vias secundárias que ime- que antes era uma comunidade de
diatamente te lançam nas vivas ruas famílias sustentadas pela pesca na
das dezesseis comunidades conheci- Baía de Guanabara. Eliana chegou
das coletivamente como Maré. O táxi aqui há mais de quarenta anos, aos
parte antes que eu comece a curta sete de idade, trazida por sua famí-
caminhada pela Rua Teixeira Ri- lia, que seguiu a rota migratória feita
beiro, que me levará à Rua Sargento por muitos dos moradores das fave-
Silva Nunes e para a sede da Redes da las do Rio, vindos do seco, empobre-
Maré, onde encontrarei Eliana Silva. cido e intensamente vivo sertão nor-
Não há transição. O barulho de um destino. Foi aqui na Maré que aos 22
moto-táxi, que por pouco desvia de anos ela se tornou a primeira mulher
mim, toma minha atenção enquanto a ser eleita presidente de uma asso-
caminho pelo exuberante fluxo pe- ciação de moradores em uma comu-
rene de compra e venda, ida e volta nidade do Rio de Janeiro. Foi aqui
que ocupa cada milímetro indivisí- neste complexo de dezesseis fave-
vel das ruas e calçadas da Maré. Na las à beira da Avenida Brasil que ela
esquina do primeiro beco que foge criou seus dois filhos, estudou para
da rua principal, lembro-me de me ingressar na universidade e em 2009
empenhar na tarefa de ver sem olhar. completou seu doutorado sobre rela-
Um grupo de adolescentes exibe as ções de poder nos territórios margi-
8 mercadorias e armamentos de seu nalizados do Rio.
Foi na Maré, em 1996, que fun- Para qualquer pessoa que tome
dou a Redes de Desenvolvimento a primeira à direita após a passarela
da Maré, uma organização comuni- número nove na Avenida Brasil, a
tária que visa melhorar a qualidade Maré estará esperando para contar
de vida na favela em todas as suas sua história.
dimensões. Eliana foi Diretora e Pes- Há dois anos venho trabalhando
quisadora da Divisão de Integração em parceria com a Dra. Eliana Silva
Universidade Comunidade da Univer- em um projeto de pesquisa que cha-
sidade Federal do Rio de Janeiro, onde mamos de Someone to watch over
coordenou um curso de pós-gradu- me (Alguém para cuidar de mim). A
ação em Segurança pública para os proposta era investigar novas formas
Departamentos de Direito e Serviço de compreender polícia, cultura e fa-
Social. Deixe que ela seja sua guia, vela no Rio de Janeiro, com foco es-
como foi tantas vezes minha, dentro pecífico no Complexo de Maré. Este
desta comunidade: relatório é um dos vários diferentes
resultados da pesquisa, que foi tor-
nada possível graças a uma bolsa do
Você sente a vida cotidiana da Maré
Newton Advanced Fellowship, con-
imediatamente ao entrar: o cheiro
forte vindo de becos laterais por causa cedida em 2015 pela British Aca-
da rede de esgotos precária; o barulho demy a Eliana, em parceria comigo
constante, especialmente de funk ou e com a Queen Mary University of
forró; as ruas principais ocupadas por London. Como parte da pesquisa,
camelôs; pequenas lojas e empresas,
Eliana fez uma série de visitas ao
muitas delas servindo álcool; motos, bi-
cicletas e vans lutando por espaço entre Reino Unido para analisar o policia-
pessoas de todas as idades – permanen- mento de comunidades desfavore-
temente nas ruas, o dia todo, todos os cidas, que estão sujeitas a múltiplos
dias. A presença de pessoas nas ruas é o fatores de risco e onde há uma ame-
que causa mais forte impressão às pes-
aça percebida de aumento dos ní-
soas que entram em uma favela como a
Maré. As ruas de bairros de classe mé- veis de violência social. O trabalho
dia ficam vazias à noite, todos trancados no Reino Unido levou-a a Londres,
dentro de suas casas cercadas por pare- Northumberland e Belfast, onde se
des. A favela permanece viva, as lojas fi- reuniu com policiais responsáveis
cam abertas e os bares, cheios.1
pelo policiamento de bairros e co-
munidades, bem como com direto-
res de Departamentos de homicídio
e crime organizado. Ela visitou tam-
bém projetos artísticos que criaram
9
Entrevista com Eliana Silva gravada por Paul
1

Heritage em 28 de setembro de 2016. intervenções ligadas a tais contextos,


PREFÁCIO

buscando usar a cultura como ferra- ONG especializada em garantir que a


menta para criar espaços onde a con- polícia responda por mortes e outros
fiança e compreensão mútuas pos- abusos sofridos sob custódia policial,
sam ser construídas. O envolvimento um conselheiro de políticas de Segu-
com artistas e organizações artísticas rança pública da prefeitura de Londres
foi parte de um processo através do e uma integrante da Comissão Inde-
qual procuramos entender as formas pendente de Queixas da Polícia (IPCC,
como a supervisão civil do trabalho na sigla em inglês) uniram-se a Eliana,
da polícia é feita no Reino Unido por sob um sol tropical implacável, para
meio de uma rede formada por agên- caminhar lenta e conscientemente pe-
cias governamentais e organizações las ruas da Maré.
não-governamentais. Este relatório é uma oportunidade
A Newton Advanced Fellowship e um convite a observar essas ruas e
tornou possível que a Eliana Silva, do entender algo profundo sobre as pes-
complexo de favelas da Maré, pudesse soas que nelas vivem. Como parte da
reunir a então Secretária Nacional de bolsa Newton, Eliana se propôs a exa-
Segurança Pública do Brasil, o chefe da minar as atitudes dos moradores da
Divisão de Homicídios da Polícia Civil Maré à ocupação de suas comunida-
do Estado do Rio de Janeiro e um coro- des pelo Exército brasileiro - parte de
nel da Polícia Militar para sair em pa- uma estratégia das autoridades esta-
trulha com a Polícia Metropolitana de duais e federais para reforçar a “se-
Londres. Em seminários internacio- gurança” - assumindo o policiamento
nais em Londres e no Rio de Janeiro, da Maré durante quinze meses entre
Eliana e eu reunimos policiais brasilei- 2014 e 2015. Combinando o rigor da
ros e britânicos, políticos, funcionários análise sociológica com uma compas-
públicos, advogados de direitos huma- siva e convincente revelação das nar-
nos, representantes de autoridades po- rativas pessoais por trás dos dados, a
liciais locais, ONGs, acadêmicos, ati- pesquisa oferece uma visão clara de
vistas e artistas. Além dos seminários, um horizonte que é muitas vezes co-
treinamentos, reuniões oficiais, visitas berto por uma névoa de incerteza,
a delegacias, encontros com políticos e preconceito e ignorância. Ela de-
gestores, também convidamos os visi- monstra que a tarefa mais complexa,
tantes britânicos que vieram ao Rio de mas também a mais importante, é
Janeiro a viajar com a gente pela Ave- tentar capturar a dimensão narrativa
nida Brasil e virar à direita logo depois destes territórios e perguntar como as
da nona passarela. Dois oficiais da Po- pessoas criam uma consciência sobre
lícia Metropolitana de Londres, um ad- seu lugar neste mundo. A pesquisa
10 vogado britânico, uma diretora de uma revela que necessitamos equilibrar a
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

“ A pesquisa revela que


consciência entre o que é real e o que
é fictício, se quisermos desenvolver
estratégias eficazes para a Segurança necessitamos equilibrar
pública. Neste relatório, Eliana nos
guia pelas ruas da Maré e empresta a a consciência entre o que
própria sensibilidade ao diálogo com
as histórias pessoais reveladas pela
é real e o que é fictício,
pesquisa para que, nas palavras de se quisermos desenvolver
Mário de Andrade, “a razão discuta
com a imaginação”. Ela nos permite
estratégias eficazes para
enxergar além da precisa análise so- a Segurança pública”
ciológica dos dados de sua pesquisa,
para demonstrar que a relação entre o
simbólico e o real é fundamental não
só para uma compreensão do que já gestores de políticas públicas de di-
aconteceu, mas para desvendar os reitos humanos, aos acadêmicos e
meios através dos quais o rico poten- ativistas da sociedade civil, aos jorna-
cial daqueles que vivem neste territó- listas e blogueiros; aos que foram ba-
rio pode e deve ser o ponto de partida leados e às mães, irmãos e vizinhos
de qualquer solução. dos que foram mortos, Eliana insistiu
Em novembro de 2016, apresenta- para que olhemos de novo e olhemos
mos os resultados iniciais desta pes- com mais cuidado, para evitar respos-
quisa na Sala Cecília Meireles, um tas redutivas que pesam sobre perdas
dos espaços culturais mais prestigia- humanas, sociais e econômicas.
dos do Rio de Janeiro. Neste auditó- Para além das entrevistas, estu-
rio batizado em homenagem a uma dos de caso, análises de dados e se-
escritora que está entre os maiores minários, a resposta mais eloquente
poetas modernistas do Brasil e pro- ao Someone to watch over me talvez
jetado quase exclusivamente para re- tenha sido uma de natureza musi-
citais de música clássica, Eliana reve- cal, o que é apropriado para um pro-
lou os fatos, os números e as histórias jeto de pesquisa que toma seu nome
por trás de quinze meses da invasão e emprestado de uma canção popular.
ocupação do Complexo da Maré pelo Para coincidir com o seminário final,
Exército brasileiro. Aos coronéis mili- obtivemos financiamento do AHRC
tares e agentes de investigação da Po- para produzir uma instalação sonora
lícia Civil, aos responsáveis pela po- imersiva chamada Outros Registros/
lítica de Segurança pública no Brasil Other Registers no Centro de Artes
e na Grã-Bretanha, aos advogados e de Maré (um espaço cultural criado 11
PREFÁCIO

“ Os dados oficiais mostram que mais de 800


pessoas são mortas anualmente pela polícia no Estado
do Rio de Janeiro, um nível de letalidade duas vezes
maior que as forças policiais combinadas de todos
os estados dos Estados Unidos da América”

e dirigido pela organização de Eliana, morre mais do que qualquer outra


Redes da Maré). Um compositor, um força policial no Brasil, tanto durante
cientista da computação, um artista horário de expediente, quanto fora
performático e uma acadêmica2 do dele4. A equipe científica e artística
Brasil, da Grã-Bretanha e da Irlanda transformou os dados desses núme-
do Norte uniram forças para transpor ros desumanizados em uma música
a frieza dos dados sobre homicídios que carrega o legado de vidas perdi-
no Rio e transformá-los em música das, famílias dilaceradas e comuni-
que pôde ser sentida visceralmente dades que vivem em estado de medo
através de uma instalação sonora. Eles constante. Mortes que tinham sido
trabalharam com base no registro de transformadas em números torna-
mortes civis por parte da Polícia Mili- ram-se notas musicais em oito caixas
tar, conforme compilado e publicado de som que circundavam o público.
pela Secretaria Estadual de Segurança No centro de um espaço octogonal
Pública do Rio de Janeiro3. Os dados cavernoso na sala principal do Cen-
oficiais mostram que mais de 800 pes- tro de Artes, a equipe riscou em giz
soas são mortas anualmente pela po- uma representação do caveirão – o
lícia no Estado do Rio de Janeiro, um veículo blindado que a Polícia Militar
nível de letalidade duas vezes maior usa para suas invasões das favelas - e
que as forças policiais combinadas que tem sua própria trilha sonora, que
de todos os estados dos Estados Uni- mistura funk agressivo e abusivo com
dos da América. A polícia do Rio de Ja- os sons de tiros.
neiro não só mata mais, mas também A partitura para a instalação
Outros Registros teve três camadas in-
terligadas. O som mais constante foi
Nicolas Espinoza, Samuel van Ransbeeck, Rafael
2

Puetter (Rafucko) e Tori Holmes

12 3
http://www.isp.rj.gov.br/ http://www.forumseguranca.org.br/
4
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

produzido pela “sonificação” do nú- o último verso de um poema que tem


mero de civis mortos pela polícia. A o mesmo título e que fala da neces-
segunda camada era composta por sidade de nunca se aceitar que mu-
um som similar ao dobrar de um sino, dança não é possível. Ao encerrar esta
criando uma melodia a partir da jus- fase da pesquisa, o eco deste poema
taposição do número de mortes de continua a expressar as responsabili-
policiais e de civis. A terceira camada dades que foram nossa preocupação
adicionava uma voz humana lendo ao longo de todo o projeto.
manchetes de jornal relacionadas à
violência policial. Enquanto público,
fomos chamados a ouvir e a estar pre- paul heritage
sentes face a esses dados num registro
diretor artístico da people’s palace
poético, em vez de sermos meras teste-
projects e professor da queen mary
munhas do espetáculo desumanizante university of london
das estatísticas que é reproduzido nos
meios de comunicação. O mais impor-
tante de tudo foi o espaço no qual esta
instalação-performance foi encenada:
o Centro de Artes da Maré. Distante
apenas 500 metros da Avenida Brasil, nada é impossível
mas já embrenhada no complexo de de mudar
favelas, a arte transformava assassina- [ bertolt brecht, em tradução
tos em formas matemáticas musicais, de manuel bandeira]
na rua em que ontem e amanhã ecoará
o som aterrador do caveirão. Desconfiai do mais trivial,
Foi uma honra fazer parceria com na aparência singelo
Eliana Silva na pesquisa que ela rea- E examinai, sobretudo, o que parece
lizou durante a sua Newton Advan- habitual.
ced Fellowship para a British Aca- Nós vos pedimos com insistência:
demy. Como órgão nacional do Reino nunca digam “isso é natural”
Unido para as ciências humanas e so- diante dos acontecimentos de cada dia.
ciais, a British Academy reúne o es- Numa época em que reina a confusão,
tudo de povos, culturas e sociedades, em que corre o sangue,
e isto está no cerne da pesquisa que em que se ordena a desordem,
apresentamos aqui nesta publica- em que o arbítrio tem força de lei,
ção. Abrimos nossa proposta original em que a humanidade desumaniza
à British Academy com uma citação não digam nunca: isso é natural.
do escritor alemão Bertolt Brecht. Era A fim de que nada passe por imutável. 13
INTRODUÇÃO

entre 5 de abril de 2014 e 30 de junho


de 2015, as forças armadas ocuparam
as favelas da maré, localizada na ci-
dade do Rio de Janeiro, com a finali-
dade de contribuir para a pacificação
do território e estabelecer condições
de segurança para a implantação da
Unidade de Polícia Pacificadora. A
atuação dos militares — comandada
pelo Estado-Maior Conjunto das For-
ças Armadas e chamada de Operação
São Francisco — foi regulada por uma
Garantia da Lei e da Ordem (GLO)5,
expedida pela Presidência da Repú-
blica. Esta medida concedeu poder
de polícia às tropas em uma área de Nesse contexto, entre fevereiro e
cerca de 10 km², autorizando os mili- setembro de 20156, a Redes da Maré
tares a fazer patrulhamentos, revistas, realizou uma pesquisa denominada
vistorias e prisões em flagrante. “Percepção de moradores sobre a
Dando prosseguimento aos es- ocupação das Forças Armadas na
tudos e análises que realiza sobre a Maré”, entrevistando 1.000 morado-
questão da Segurança pública e do res, com idade entre 18 e 69 anos e
direito à vida, com o propósito de distribuídos por todas as comunida-
orientar as ações e campanhas que des da Maré que vivenciaram a ocu-
empreende junto às comunidades e pação do Exército.
contribuir para a formulação de uma Cabe ressaltar que a Operação São
política pública de segurança que res- Francisco contou com integrantes
peite e garanta os direitos dos mora- das três Forças Armadas. Além de mi-
dores dos espaços populares, a Redes litares do Exército, fuzileiros da Mari-
da Maré se dedicou a acompanhar e nha também fizeram patrulhamento
avaliar o impacto da referida ocupa- na Maré e houve, ainda, o apoio lo-
ção no cotidiano dos habitantes. gístico da Aeronáutica no transporte
de pessoal, equipamentos e víveres.
Reguladas pela Constituição Federal, em seu
5

artigo 142, pela Lei Complementar 97, de 1999, e


pelo Decreto 3.897, de 2001, as operações de GLO
concedem provisoriamente aos militares a faculdade

14
de atuar com poder de polícia até o restabelecimento 6
Em 2015, ocorreu a etapa de campo. O projeto de
da normalidade. pesquisa completo teve início em abril de 2014.
FOTO: GABRIELA LINO / ECOM

Todavia, nesse estudo, optamos por objetivo apresentar os resultados ge-


privilegiar o protagonismo do Exér- rais desta consulta realizada junto
cito, pelo fato desta Força ter repre- aos moradores.
sentado mais de 80% do efetivo pre- Na primeira parte do documento
sente7 e, consequentemente, por ter foi apresentado o contexto das favelas
sido esta a representação predomi- da Maré, marcados pela atuação dos
nante entre os moradores da Maré. grupos criminosos armados e da polí-
Em sua fase inicial, o estudo rece- cia, antes da chegada das Forças mili-
beu o apoio de uma bolsa de pesquisa tares. O intuito maior foi a explicitação
do Programa Drogas, Segurança e
das expectativas dos moradores em
Democracia (DSD), do Social Science
relação à atuação da Polícia Militar
Research Council. Já a segunda etapa
com a possível implantação da Uni-
do trabalho aconteceu em parceria
dade de Polícia Pacificadora (UPP) na
com o People´s Palace Projects e com
Maré — fato este que não ocorreu.
o apoio do Fundo Newton, através de
Na sequência, apresentamos as
edital público. Este relatório tem por
condições em que a pesquisa foi rea-
O efetivo foi composto por 2,5 mil militares,
7 lizada, o percurso metodológico ado-
substituídos a cada dois meses. Porém, segundo o tado e a análise dos dados coletados
Ministério da Defesa, houve momento de estarem
mobilizados até 3,3 mil militares. Disponível em:
nas entrevistas, destacando a percep-
<http://www.defesa.gov.br/noticias/16137- ção dos moradores em relação à ocu-
ocupacao-das-forcas-armadas-no-complexo-da-
pação das Forças militares. Uma boa
15
mare-acaba-hoje.> Consulta realizada em 31 de
outubro de 2015. leitura a todos!
O CONTEXTO DA MARÉ
ANTES DA OCUPAÇÃO DAS FORÇAS MILITARES

o momento que antecede a ocupação em torno do direito de ir e vir, den-


da maré pelo exército brasileiro, em tre outros limites impostos no coti-
abril de 2014, foi crítico em vista dos diano. Além disso, contribuiu para
enfrentamentos entre os Grupos Cri- desenvolver no imaginário da cidade
minosos Armados (GCAs) e a Polícia a representação da Maré como um
Militar, especialmente o seu grupo de dos locais mais perigosos, no Rio de
elite, o Batalhão de Operações Poli- Janeiro, o que se tornou um argu-
ciais Especiais (BOPE). Naquele con- mento para a inibição da garantia de
texto, um conjunto de violações ocor- outros direitos dos moradores locais,
reu, amplificando as incertezas sobre como, por exemplo, o de terem Segu-
o cenário da Segurança pública no rança pública10.
curto, médio e longo prazos na Maré. Além de dificultarem a livre cir-
Como é sabido, estamos falando de culação em toda região da Maré, os
uma região onde residem cerca de conflitos e as tensões derivadas do
140 mil pessoas8, distribuídas por 16 processo de “guerra às drogas” criam
favelas, e consistindo no mais popu- constrangimentos para que os mora-
loso conjunto de favelas do Rio de Ja- dores possam se manifestar de forma
neiro, com mais habitantes que 96% pública sobre as violações que sofrem
das cidades brasileiras9. ou assistem. Isso pode ser constatado
A vida cotidiana nas favelas da na declaração do presidente de uma
Maré tem sido marcada, historica- associação de moradores local, ao ser
mente, pelo atravessamento de vio- indagado sobre como os residentes da
lências que conformam uma paisa- Maré poderiam ser sensibilizados a
gem na qual estão presentes quatro serem mais ativos no processo de con-
Grupos Criminosos Armados exis- quista do direito à Segurança pública:
tentes no Rio de Janeiro: Comando
Vermelho (CV), Terceiro Comando O morador participar é complicado.
(TC), Amigos dos Amigos (ADA) e Nem todo mundo tem o mesmo pensa-
mento. Uns têm medo, outros não. En-
a Milícia. Em que pese às especifi-
tão, quando ele é chamado a participar
cidades de cada um desses Grupos
— já que a forma de lidarem entre
10
Um exemplo concreto desse limite aos direitos
si, com a polícia e com os morado- é uma Portaria ainda em vigor, publicada pela
res é diferenciada — os conflitos en- Secretaria Municipal de Educação, que autoriza que
tre eles criou um processo complexo as escolas da Maré terminem as aulas mais cedo
em relação ao horário vigente em outros espaços
da cidade. Instituída em nome da proteção aos
professores, a prática discrimina os estudantes
8
Redes da Maré; Observatório de Favelas. Censo
locais e revela uma recusa do Órgão municipal em
Maré 2013.

16
cumprir sua obrigação de proteger integralmente as
9
IBGE. Censo Demográfico 2010. crianças e adolescentes.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

do debate sobre esse tema, mesmo Secretaria Estadual de Segurança Pú-


quando é divulgado apenas no boca a blica, que foi se conformando a par-
boca, o pessoal fica com medo. Lembro-
tir das seguintes ações: (a) anúncio
-me quando o Exército veio aqui na As-
sociação e chamou todo mundo, deixou da entrada da UPP pelos meios de
convite até para os policiais do DPO11 comunicação; (b) cumprimento de
que tem aqui na comunidade a compa- mandados judiciais; (c) busca e apre-
recerem na Ação Social que eles promo- ensão por meio de operações envol-
veram. Muito morador fica desconfiado,
vendo diferentes delegacias da Polícia
com temor. Ele vai participar porque
precisa, mas dão telefone e endereço er- Civil, como, por exemplo, de roubo e
rados, pois ninguém quer meter a cara, de desmonte de veículos; e (d) reu-
e eu não tiro a razão. niões da Secretaria de Segurança Pú-
blica com associações de moradores
A partir de 2013, a população da e outras organizações, para apresen-
Maré viveu um período de incerte- tar como seria o processo de entrada
zas, com muitas movimentações em na favela, dentre outras.
relação à presença da polícia e dúvi- A nova estratégia de Segurança,
das sobre como os GCAs locais iriam mesmo antes de sua implantação, já
lidar com a anunciada chegada da havia impactado o território da Maré.
nova estratégia de policiamento, de- Um dos seus efeitos colaterais, nota-
nominada Unidade de Polícia Paci- damente, era a migração de muitos
ficadora (UPP)12. Ela é apresentada, integrantes dos grupos criminosos
do ponto de vista teórico, como uma dos locais onde as UPPs se implan-
ação que privilegia o conceito de po- tavam para outras favelas ocupadas
liciamento comunitário, com princí- por aliados. Assim, a sua chegada em
pios trazidos da ideia de “polícia de algumas favelas de áreas próximas,
proximidade”. A ênfase é que as ini- como o Complexo do Alemão — em
ciativas no campo da Segurança pú- 2010, Manguinhos, Jacarezinho, Caju
blica aconteçam com a chegada da e Lins — em 2013, fez com que mui-
UPP numa comunidade, a partir da tos integrantes das facções presen-
parceria entre a população e as insti- tes nesses lugares migrassem para a
tuições desse campo. Nesse sentido, Maré. O fato impactou a estrutura e
há um padrão de ações por parte da a forma de funcionamento dos gru-
pos atuantes até então nesse terri-
tório, visto que essas pessoas pas-
Destacamento de Policiamento Ostensivo.
11
saram a compartilhar as atividades
12
Depois de anos de adiamento da iniciativa, o ligadas ao tráfico de drogas. O fato
Governo estadual declarou, em agosto de 2016, que
ocorreu, especialmente, a partir de
17
havia desistido definitivamente de implantar a UPP
na Maré. 2013, e impactou de forma profunda
O CONTEXTO DA MARÉ ANTES DA OCUPAÇÃO
DAS FORÇAS MILITARES

o cotidiano dos moradores, como re- direitos de quem reside na Maré14,


lata uma moradora do Parque Maré: e que só foi interrompida diante da
mobilização de várias organizações
Nunca vi tanta cara diferente aqui na locais. Os fatos foram tão graves que
Maré. Esses meninos vieram de suas fa- os moradores se manifestaram por
velas, fugidos da UPP. Lá era a mesma
meio de um ato público organizado
facção daqui. Mas eles são muito dife-
rentes. Eles ficam na nossa porta com na Avenida Brasil, a principal via da
arma e droga e nem pedem licença; não cidade. Reivindicava-se que fossem
sei onde vai parar esse troço. Ocupa um realizadas investigações e, ainda, que
lugar e os bandidos fogem pra outro. a Justiça punisse os responsáveis pe-
Vai entender.
las violações ocorridas15. A mobili-
zação fez com que, pela primeira vez
A presença daqueles membros na história da Maré, a Delegacia de
das facções, que eram continua- Homicídios entrasse na favela para
mente perseguidos pelas Forças po- realizar perícias nos locais onde as
liciais, e a proximidade da Copa do mortes aconteceram16. Até o encerra-
Mundo de Futebol13 fizeram com que mento desta publicação, após mais de
o ano de 2013 e o início de 2014 fos- três anos do episódio, as investigações
sem bastante conturbados na região, apontavam que oito vitimados foram
com a ocorrência de muitos conflitos mortos por, pretensamente, resistirem
armados. No período, ocorreram as
mortes de nove moradores, devido a
um ato de vingança dos policiais, em 14
Sobe para 10 o número de mortos em operação na
função da morte de um sargento do Maré no Rio de Janeiro. O Globo. Rio de Janeiro, 26
de junho de 2013. Disponível em: <http://g1.globo.
BOPE, numa operação local. Aquela
com/rio-de-janeiro/noticia/2013/06/sobe-para-
lamentável morte gerou uma ação 10-numero-de-mortos-em-operacao-na-mare-no-
sangrenta, com muitas violações de rio-diz-policia.html.> Acessado em 28 de setembro
de 2016.
15
Ato ecumênico homenageia mortos na Maré nesta
terça-feira. Folha de São Paulo. Rio de Janeiro, 1º
de julho de 2013. Disponível em: <http://www1.
folha.uol.com.br/cotidiano/2013/07/1304467-ato-
ecumenico-homenageia-mortos-na-mare-nesta-
Havia uma grande preocupação no campo da
13
terca-feira.shtml.> Acessado em 28 de setembro
Segurança em relação a esse evento e aos Jogos
de 2016.
Olímpicos, que ocorreram no Rio de Janeiro em 2014
e 2016. Como a região da Maré fica no caminho para 16
Delegacia de Homicídios investiga excessos na ação
o Aeroporto Internacional e é necessário atravessar de PMs no Complexo da Maré (RJ). Rede Record.
as vias que cruzam a favela para chegar a outras 26 de junho de 2013. Disponível em: <http://
partes da cidade, havia uma forte preocupação rederecord.r7.com/video/delegacia-de-homicidios-
com o seu controle pelas forças de Segurança para investiga-excessos-na-acao-de-pms-no-complexo-

18
impedir eventuais conflitos que pudessem ser da-mare-rj--51cb7d560cf26c5058b30ba9/.>
provocados pelos GCAs. Acessado em 28 de setembro de 2016.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

à ação policial. Isso significa dizer que Quando perguntado sobre o que
essas pessoas foram consideradas pro- achava acerca do anúncio da che-
vocadoras das suas próprias mortes, gada do Exército, expressou:
num contexto de confronto com a po-
lícia. Sobre o nono morador, compro- Eu acho que o Exército tá entrando, por-
que os cana17 não dão conta. Eles des-
vadamente trabalhador e morto a san-
respeita, esculacha o morador, como
gue frio, até agora nenhum policial foi todo mundo vê aí. Ouvi dizer que no
levado a julgamento ou mesmo indi- Alemão os morador respeita o Exér-
ciado como réu. cito, mas odeia a polícia. Acho que na
O cenário, portanto, que se apresen- Maré vai ser igual. Esses soldados estão
vindo aqui pra mostrar pro mundo que
tava no período anterior à chegada das no Brasil pode ter Copa do Mundo. Eles
Forças militares na Maré era de muito não vêm aqui prá enfrentar nós. Não
enfrentamento da polícia com, espe- sei nem se o Exército vai ocupar toda a
cialmente, uma das facções estabeleci- Maré. A polícia só vem aqui desse lado.
Vê se eles vão lá enfrentar os outros ini-
das na região. A tática de intervenção
migos aqui da Maré?
policial evidenciou que a entrega do
território pela polícia, aos militares, ti-
De fato, era incontestável que o
nha como estratégia básica enfraque-
Exército estava ocupando a Maré, em
cer o domínio dos grupos armados,
parte, para exercer um controle do
com ênfase para um deles. O relato de
território, em função da realização da
um chefe desses grupos impressiona,
Copa do Mundo, de junho a julho de
pela clareza sobre aquele momento vi-
2014. Mas, também foi transparente a
vido na Maré. Quando indagado sobre
preocupação do Governador do Rio
a chegada de pessoas de outras partes de Janeiro, à época, Sérgio Cabral,
da cidade à Maré, ligadas ao Grupo que com o processo escalar de enfrenta-
pertencia, ele afirmou: mentos, no Estado, entre policiais e
integrantes de GCAs na Maré e em
É verdade que tivemos de aceitar os outras favelas onde as UPPs tinham
amigos aqui na comunidade. Um tem sido implantadas. Foi neste período
de ajudar o outro quando precisa. Eu
que se intensificaram alguns ques-
não tenho mais o comando de tudo, tem
“boca” que não é mais minha. Tive de
tionamentos sobre a eficiência dessa
dividir o território. E tem muita gente, iniciativa, em particular devido a
morador, reclamando porque o sistema reiteradas situações de conflito que
era diferente nas comunidades de onde trouxeram de volta, para o cotidiano,
eles eram. Eu vou ter de conversar com
a morte de policiais e moradores.
eles, eu sei, porque nós, aqui, respeita
morador e não faz bagunça na porta de
ninguém. Mas tô cansado dessa vida. Referência aos policiais militares.
17
19
O CONTEXTO DA MARÉ ANTES DA OCUPAÇÃO
DAS FORÇAS MILITARES

Levantamento noticiado pela Revista ações no campo da Segurança pú-


Veja em junho de 2016, aponta que blica estavam sendo crescentemente
421 policiais já haviam sido baleados questionadas pela imprensa e pela
— com 38 óbitos — nas áreas com população, de modo geral. Foi, por-
UPP desde a primeira delas, implan- tanto, a alternativa encontrada pelo
tada em 2008. No ano de 2015, ocor- Governador para dar conta de um
reram 155 desses casos, com 13 óbi- processo que estava saindo do con-
tos entre eles. Contudo, apenas nos trole, em relação ao crescente nú-
primeiros 160 dias de 2016, mais 94 mero de eventos envolvendo a polí-
policiais foram atingidos, com nove cia e integrantes de GCAs, à época.
óbitos. Essa foi uma das razões que fizeram
Naquele contexto, a ocupação da com que Sérgio Cabral, um dos mais
Maré pelo Exército, baseada em um impopulares governadores do País
protocolo assinado entre os gover- naquele momento, renunciasse ao
nos Estadual e Federal, significou um cargo, assumido pelo seu Vice, Luiz
“pedido de socorro”, uma vez que as Fernando Pezão.

gráfico 1 | número de policiais mortos e feridos em áreas com upp

mortos
13
feridos

142

101
85
3
5
30
6 18
1
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 ATÉ
1 UPP 5 UPPs 12 UPPs 18 UPPs 28 UPPs 36 UPPs 38 UPPs 38 UPPs 10 JUN 2016
38 UPPs

20 FONTE: VEJA.COM. UM BATALHÃO DE BALEADOS. 11 DE JULHO DE 2016. DISPONÍVEL EM


<HTTP://VEJA.ABRIL.COM.BR/BRASIL/UM-BATALHAO-DE-BALEADOS/>
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

O expediente legal acionado para e coordenar missões ou tarefas específi-


o Exército ocupar a Maré foi o De- cas a serem desempenhadas por efeti-
vos policiais que se encontrem sob esse
creto nº 3.897, de 24/08/200118, edi-
grau de controle, em tal autoridade não
tado no governo do então Presidente se incluindo, em princípio, assuntos
Fernando Henrique Cardoso e no disciplinares e logísticos.
mandato da Governadora Rosinha
§ 2º Aplica-se às Forças Armadas, na atu-
Garotinho. Seus artigos e incisos dis- ação de que trata este artigo, o disposto
punham o seguinte: no caput do art. 3º anterior quanto ao
exercício da competência, constitucional
Art. 3º — Na hipótese de emprego das e legal, das Polícias Militares.
Forças Armadas para a garantia da lei e
da ordem, objetivando a preservação da
Portanto, com a solicitação da
ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, porque esgo- ocupação das Forças federais, tive-
tados os instrumentos a isso previstos mos, objetivamente, a entrega da
no art. 144 da Constituição, lhes incum- responsabilidade das ações de com-
birá, sempre que se faça necessário, de- petência da Secretaria de Segurança
senvolver as ações de polícia ostensiva,
no território da Maré ao Exército,
como as demais, de natureza preventiva
ou repressiva, que se incluem na com- que passou a ter poder de polícia, e
petência, constitucional e legal, das Po- os agentes policiais do Estado passa-
lícias Militares, observados os termos e ram a ter que se submeter ao seu co-
limites impostos, a estas últimas, pelo mando, quando precisavam atuar na
ordenamento jurídico.
Maré. Aparentemente, esse procedi-
Art. 4º — Na situação de emprego das mento parece ir de encontro ao que a
Forças Armadas objeto do art. 3º, caso Constituição Brasileira normatiza so-
estejam disponíveis meios, conquanto bre os Órgãos responsáveis pela Se-
insuficientes, da respectiva Polícia Mi-
gurança pública no País, como assi-
litar, esta, com a anuência do Gover-
nador do Estado, atuará, parcial ou to- nala o Artigo 144:
talmente, sob o controle operacional
do comando militar responsável pelas A Segurança pública, dever do Estado, di-
operações, sempre que assim o exijam, reito e responsabilidade de todos, é exer-
ou recomendem as situações a serem cida para a preservação da ordem pública
enfrentadas. e da incolumidade das pessoas e do patri-
mônio, através dos seguintes órgãos:
§ 1º Tem-se como controle operacional
a autoridade que é conferida, a um co- I. Polícia federal;
mandante ou chefe militar, para atribuir II. Polícia rodoviária federal;
III. Polícia ferroviária federal;
18
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ IV. Polícias civis;
V. Polícias militares e corpos de bom-
21
ccivil_03/decreto/2001/d3897.htm.> Acessado em
29 de setembro de 2016. beiros militares.
O CONTEXTO DA MARÉ ANTES DA OCUPAÇÃO
DAS FORÇAS MILITARES

“ Não havia um estado de Como podemos observar, não


há menção às Forças Armadas para
guerra, de fato, instalado na essa finalidade e, apesar da existên-
cia de Lei Complementar19 que dis-
Maré, a não ser a metafórica põe sobre seu emprego em ações de
política de guerra às drogas" interesse nacional e participação em
operações de paz, ao crivo da Presi-
dência da República, a edição de um
Decreto não deveria servir para es-
tender aquilo que está explícito no
texto constitucional — até porque
não havia um estado de guerra, de
fato, instalado na Maré, a não ser a
metafórica política de guerra às dro-
gas. E, sem dúvida, o ponto de vista
dos constituintes levou em conta que
o treinamento e as características das
Forças Armadas eram distintos das
competências e habilidades neces-
sárias para cuidar da Segurança pú-
blica em um aglomerado residencial,
habitado por população civil, em de-
corrência de delitos no âmbito da cri-
FOTO: DIEGO JESUS / ECOM
minalidade urbana. A falta de com-
preensão dessa realidade cristalina
fez com que o Estado gastasse cen-
tenas de milhões de reais em uma
iniciativa cujos resultados foram in-
consistentes e geraram lamentáveis
perdas humanas.

22 Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999.


19
O PROCESSO
DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

o estudo sobre a ocupação da maré Exército22. Assim, o levantamento e


pelas forças militares foi iniciado a análise de dados desta pesquisa
a partir da formação de um grupo abrangem as 15 favelas que foram
técnico formado por profissionais ocupadas. Conforme a localização, no
atuantes em projetos sociais na sentido Centro-Zona Oeste da Ave-
Maré, principalmente no campo da nida Brasil, são elas: Conjunto Espe-
Segurança pública. Nossa intenção rança, Vila do João, Salsa e Merengue
era reunir informações que pudes- (Novo Pinheiros), Vila dos Pinheiros,
sem contribuir no aprofundamento Conjunto Pinheiros, Conjunto Bento
do processo, coordenado pela Redes Ribeiro Dantas, Morro do Timbau,
da Maré20, a partir de registros e aná- Baixa do Sapateiro, Nova Maré, Par-
lises de violências ali cometidas pelo que Maré, Nova Holanda, Parque Ru-
Estado, principalmente. O intuito foi bens Vaz, Parque União, Parque Ro-
o de produzir conhecimentos que quete Pinto e Praia de Ramos.
alargassem a nossa compreensão so- Definimos como ação central do
bre o fenômeno e pudessem ser co- projeto a realização de um survey, a
tejados com estudos anteriormente respeito da percepção dos moradores
feitos sobre a ação das Forças poli- da Maré sobre a ocupação militar. O
ciais na favela21. morador foi nosso público prioritário
Embora a Maré tenha se consoli- por sofrer, cotidianamente, o efeito
dado, historicamente, como um con- de violências decorrentes, em grande
junto de 16 favelas, o território de medida, da omissão do Estado no
Marcílio Dias não foi ocupado pelo sentido de garantir seu direito à

O conjunto de favelas da Maré é constituído por


22

uma faixa de ocupação praticamente contígua,


à margem da Avenida Brasil, que se estende do
Conjunto Esperança a Marcílio Dias, ao longo de
favelas que, em sua origem, faziam parte dos
bairros de Manguinhos, Bonsucesso, Ramos ou
Penha. Todavia, quando o bairro Maré foi criado e
delimitado por meio da Lei Municipal nº 2.119, de
19 de janeiro de 1994, o território da comunidade
de Marcílio Dias, situado em um dos extremos do
20
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
chamado Complexo da Maré, não foi incluído em
(OSCIP), fundada por moradores e ex-moradores da
seu contorno. Assim, quando se faz referência ao
Maré, que tem como missão construir um processo
Bairro Maré, a favela Marcílio Dias não é contada,
global de desenvolvimento sustentável para o
uma vez que pertence, oficialmente, ao Bairro Penha
território local.
Circular. Cabe assinalar que Marcílio Dias está a,
Destaca-se, nesse caso, a tese de doutorado sobre o
21
aproximadamente, 2,5 km da Praia de Ramos e

23
tema da Segurança pública na Maré que culminou no entre esses dois territórios existe um conjunto de
livro “Testemunhos da Maré”, de Eliana Sousa Silva. unidades pertencentes à Marinha do Brasil.
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA

Segurança pública. Nosso intento foi população local. Quando o tema é


identificar a percepção da população a Segurança pública, redobramos o
local sobre a estratégia de ocupação e cuidado, tendo em vista a delicadeza
permanência das Forças do Exército do tema e o temor de muitos mora-
na Maré. Trata-se de uma tentativa dores em falar sobre assuntos a ele
de captar o que significou essa ação vinculados. A imensa maioria da po-
numa região onde a população não pulação dos territórios populares não
se reconhece com os mesmos direi- reconhece os profissionais da Segu-
tos que outros moradores da cidade, rança pública como agentes dedica-
como bem sinalizou o presidente de dos a garantir sua proteção e a pre-
uma das 16 associações de morado- venção de crimes. E esse sentimento
res da Maré: não existe por acaso, foi construído
como reação ao modo como os Ór-
O Exército entrar na Maré é uma coisa gãos do Estado trataram, na nossa
que poderia ser boa se estivesse aqui história, os moradores das favelas e
para ajudar as pessoas. Não vejo que
periferias no Brasil, especialmente
eles venham prá cá pensando em ajudar
a melhorar a vida do morador, mas, sim, no Rio de Janeiro, que sempre con-
para dar satisfação para o pessoal da tou — pela condição de porto central
Zona Sul23, os ricos, que têm medo de de recepção de negros escravizados
quem mora na favela. O que vejo é que — com um grande percentual desse
eles estão aqui para aumentar a guerra
grupo étnico em sua população.
que já existe. E o morador, como fica
nisso? O fato demonstra que ainda há
um longo caminho a ser percor-
A realidade da Maré no campo da rido no campo dos direitos no País
Segurança pública torna um estudo, para se garantir que qualquer pes-
nesse campo, profundamente com- soa, independente de onde resida,
plexo. Como orientação de pesquisa, da cor da sua pele, sua condição de
temos um cuidado especial nas co- gênero, sexo ou faixa etária possa se
letas de dados que fazemos com os sentir cidadã plena. Diante da falta
moradores da Maré e, além do con- de reconhecimento do direito à Se-
teúdo, com a formulação de uma lin- gurança pública no seu dia a dia, os
guagem na construção das perguntas moradores das favelas e periferias, da
que, de fato, seja compreendida pela mesma forma que fizeram para ga-
rantir serviços e equipamentos urba-
nos, desenvolveram arranjos locais
Região que concentra, desde o século 20, os grupos
23
próprios, para ter acesso a ele, para
sociais mais ricos do Rio de Janeiro e que tiveram
definir as regras de uso do espaço pú-
24
acesso privilegiado a equipamentos e serviços
públicos. blico e lidar com eventuais práticas
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

criminosas que ocorressem no ter- pelos diferentes grupos de militares


ritório local. Os GCAs, em seu pro- que, a cada dois meses, assumiam
cesso de controle armado dos terri- o comando da operação na Maré24.
tórios populares cariocas, buscaram No período, foi possível conversar,
se legitimar, estabelecendo o mono- de maneira direita, com 57 desses
pólio da violência e da repressão aos profissionais, mesmo sem a autori-
crimes contra o patrimônio. Desse zação formal do Comando do Exér-
modo, atingiram uma situação de cito.25 Além dos militares, consegui-
poder, que gera uma série de ques- mos conversar com 20 integrantes
tões e tensões no cotidiano desses dos GCAs locais, com exceção de mi-
territórios. licianos. O contato com as Forças em
A partir do quadro considerado, confronto armado na Maré foi im-
nosso Grupo Técnico, na primeira portante para que pudéssemos ter
etapa do trabalho, definiu o tema, uma visão global da ocupação mili-
o conteúdo e o escopo do estudo, a tar e, também, contribuiu para qua-
metodologia da pesquisa e os ins- lificar e aperfeiçoar o instrumento de
trumentos que seriam utilizados no coleta de dados para a amostra com
survey e nas entrevistas com públi- os moradores. Cabe salientar que a
cos específicos. Além disso, orde- presente publicação trata apenas dos
namos o conteúdo a ser trabalhado resultados das entrevistas com os
nas entrevistas, definimos o perfil e moradores. Os diálogos com os pro-
o tamanho da amostra e contrata- fissionais do Exército e os membros
mos e preparamos tecnicamente os das facções criminosas foram úteis
entrevistadores. para a concepção detalhada dessa
Após o alinhamento do conte- pesquisa e, certamente, serão utiliza-
údo e da metodologia, iniciamos o dos em estudos posteriores.
contato com integrantes das Forças
militares e dos GCAs que atuam na
Maré. O objetivo dessa iniciativa era 24
A metodologia de ação das forças militares consistia
identificar como todos eles perce- na presença de batalhões específicos, de diferentes
regiões do Brasil, durante dois meses, na Maré.
biam a dinâmica bélica que estava Eles ficavam baseados em um quartel do Exército
ocorrendo, a partir de quais pres- localizado na região. Após aquele período, esse
batalhão era substituído por outro, inclusive com
supostos atuavam, onde poderiam outro Comando. Essa estratégia, com o tempo,
chegar e o impacto da presença do gerou graves problemas no relacionamento com a
Exército nas atividades das facções. população e instituições locais.

Dessa maneira, nós acompanhamos, Tínhamos solicitado, no início do processo


25

de ocupação, autorização para realizar essas


de abril de 2014 a junho de 2015, as
25
entrevistas, mas nunca tivemos uma resposta —
reuniões e as atividades propostas negativa ou positiva.
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA

A aplicação dos questionários primeira, Morro do Timbau e, a úl-


ocorreu entre fevereiro e setembro de tima, Salsa e Merengue). Com isso, al-
2015, continuando, portanto, mesmo gumas favelas adjacentes configuram
após a saída das Forças de ocupação, subconjuntos com contornos razoa-
ocorrida em junho de 2015. velmente definidos.
A receptividade dos moradores Neste sentido, há, pelo menos,
para participar das entrevistas foi quatro áreas bem visíveis na Maré: (i)
boa, no período inicial, mas a postura o núcleo em torno do Parque Maré,
se modificou no processo de realiza- que inclui o Parque Rubens Vaz, o Par-
ção da pesquisa: nas primeiras áreas que União e a Nova Holanda; (ii) o nú-
onde as entrevistas foram realizadas, cleo em torno do Morro do Timbau,
a aceitação foi maior que nas áreas contando com a Baixa do Sapateiro,
onde ocorreram no período final da a Nova Maré e o Conjunto Bento Ri-
presença das Forças militares. O fato beiro Dantas; (iii) o núcleo em torno
evidencia o desgaste que foi se esta- da Vila do Pinheiros, complementado
belecendo na relação dos moradores pela Vila do João, Conjunto Pinheiros,
com a corporação e ilustra os riscos Salsa e Merengue e Conjunto Espe-
que um tipo de operação como a re- rança; e o (iv) o núcleo formado pelo
alizada na Maré pode apresentar no Parque Roquete Pinto e a Praia de Ra-
trato da Segurança pública em áreas mos (não convém considerar Marcílio
de favelas e periferias, questão que Dias neste núcleo, em razão da distân-
percorrerá todo esse trabalho. cia de mais de dois quilômetros que a
separa da Praia de Ramos).
Por razões estratégicas e logísti-
O RECORTE TERRITORIAL cas, o domínio de cada GCA se es-
DA PESQUISA tende pela área de uma ou mais fave-
las semelhantes, até bem próximo de
Embora a Maré seja composta por seus limites e acessos, evitando ape-
16 favelas, é possível identificar alguns nas a linha de contato com os territó-
subconjuntos formados por grupos rios dominados por rivais. Portanto,
de favelas limítrofes que apresentam, o que se observa é que, na lógica de
entre si, semelhanças socioespaciais. ocupação territorial, os GCAs se es-
Tais semelhanças são decorrentes dos tabelecem na Maré de acordo com a
processos históricos de constituição, espacialidade das comunidades.
marcados, por exemplo, por diferen- Assim, tendo em vista os quatro
tes épocas e vigências de políticas pú- subconjuntos mencionados acima,
blicas, uma vez que as favelas foram verifica-se a seguinte territorialidade
26 se consolidando entre 1940 e 2000 (a dos GCAs:
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

15 14
área
3

13
12

11 área
1
as favelas do bairro 10
maré e as áreas de
coleta da amostra 09
01_ CONJUNTO ESPERANÇA
02_ VILA DO JOÃO
08
03_ CONJUNTO PINHEIROS 07
04_ VILA DO PINHEIROS
E PARQUE ECOLÓGICO
05_ SALSA E MERENGUE área
06_ BENTO RIBEIRO DANTAS
06 2
07_ MORRO DO TIMBAU 04
08_ BAIXA DO SAPATEIRO 03
09_ NOVA MARÉ
10_ PARQUE MARÉ 05
11_ NOVA HOLANDA 02
12_ PARQUE RUBENS VAZ
13_ PARQUE UNIÃO
14_ ROQUETE PINTO 01
15_ PRAIA DE RAMOS

FONTE: REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS.


CENSO MARÉ 2013. IMAGEM DO GOOGLE EARTH, 2012. 27
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA

• Parque Maré, Parque Rubens entre os GCAs na Maré – e em ou-


Vaz, o Parque União e Nova Ho- tras favelas do Rio –, por um lado
landa — domínio do Comando como consequência da implantação
Vermelho (CV). das UPPs na cidade. Por outro lado,
• Morro do Timbau, Baixa do Sapa- não há notícias de atuação conjunta
teiro, Nova Maré e Conjunto Bento contra rivais ou contra a polícia,
Ribeiro Dantas — domínio do Ter- nem mesmo para se defenderem. Na
ceiro Comando Puro (TCP). Maré, os episódios mais recentes de
• Vila dos Pinheiros, Vila do João, enfrentamento foram entre o TCP e
Conjunto Pinheiros, Salsa e Me- o Grupo Amigos dos Amigos (ADA),
rengue e Conjunto Esperança — em face das tentativas deste último
domínio do Terceiro Comando em retornar ao território que já do-
Puro (TCP). minou há cerca de seis anos. No pe-
• Parque Roquete Pinto e Praia ríodo da pesquisa o Grupo ADA não
de Ramos (bem como Marcílio possuía domínio territorial na área
Dias) — Milícia estudada, mas esse cenário se modi-
ficou em março de 2017, quando os
Em função do tema dessa pes- grupos TCP e CV entraram em con-
quisa e da correspondência entre flito na Maré, rompendo com um pe-
os subconjuntos de comunidades e ríodo sem enfrentamento entre eles.
a territorialidade dos GCAs, opta-
mos por agrupar e analisar os dados
conforme suas respectivas áreas de
O TAMANHO DA MARÉ
ocupação, supondo que esse recorte Segundo dados do Censo Demográ-
territorial representa uma forma de fico de 2010, do IBGE, o bairro Maré é o
identificar percepções que, eventu- 9º (nono) mais populoso entre os 161
almente, possam ser indiferentes ou existentes na cidade do Rio de Janeiro,
afetadas pela influência dos GCAs. contabilizando 129.770 habitantes26.
Nessa perspectiva, denominamos de: O Censo Maré revelou, em 2013,
que o contingente populacional do
• área 1, o conjunto de favelas sob bairro Maré já possuía 132.732 mo-
o controle do CV; radores — e, contabilizando Marcílio
• área 2, as favelas sob domínio do Dias, era de 139.073 moradores.
TCP; e,
• área 3, aquelas ocupadas pela Como já mencionado, o Bairro Maré não envolve a
26

Milícia. favela de Marcílio Dias, pertencente ao Bairro Penha


Circular, embora faça parte do conjunto de favelas
da Maré. Vale lembrar que o recorte territorial dessa
Cabe assinalar que há alguns anos
28
pesquisa coincide com os limites do Bairro Maré, por
não se tinha notícias de conflitos ter sido este o território ocupado pelo Exército.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

A Tabela 1, a seguir, apresenta o com idade de 18 a 69 anos, e a média


número de domicílios ocupados, o ta- de moradores por domicílio, em cada
manho da população e do contingente favela, conforme o Censo Maré 2013.

tabela 1 | número de domicílios ocupados, população total,


população com idade de 18 a 69 anos e média de moradores por domicílio,
por favela da maré
ÁREA FAVELA Nº DE POPULAÇÃO MÉDIA DE POPULAÇÃO
DE DOMICÍLIOS MORADORES COM 18 A 69
COLETA OCUPADOS POR ANOS DE IDADE
DOMICÍLIO

BAIRRO MARÉ 45.510 132.732 2,91 89.661

ÁREA 1 PARQUE UNIÃO 7.601 20.567 2,71 14.474

NOVA HOLANDA 4.625 13.799 2,98 8.936

PARQUE MARÉ 4.531 13.164 2,91 8.782

PARQUE RUBENS VAZ 2.391 6.222 2,60 4.528

TOTAL DA ÁREA 1 19.148 53.752 2,81 36.720

ÁREA 2 VILA DOS PINHEIROS 5.089 15.600 3,07 10.326

VILA DO JOÃO 4.437 13.046 2,94 9.069

BAIXA DO SAPATEIRO 3.276 9.329 2,85 6.362

MORRO DO TIMBAU 2.324 6.709 2,89 4.501

SALSA E MERENGUE 2.164 6.791 3,14 4.370

CONJ. ESPERANÇA 1.880 5.356 2,85 3.862

CONJ. PINHEIROS 1.332 4.028 3,02 2.849

CONJ. BENTO RIBEIRO DANTAS 986 3.553 3,61 2.282

NOVA MARÉ 944 3.215 3,41 1.879

TOTAL DA ÁREA 2 22.432 67.627 3,01 45.499

ÁREA 3 PARQUE ROQUETE PINTO 2.867 8.132 2,84 5.319

PRAIA DE RAMOS 1.063 3.221 3,03 2.124

TOTAL DA ÁREA 3 3.930 11.353 2,89 7.443

MARCÍLIO DIAS 2.248 6.342 2,82 4.172

TOTAL GERAL 47.758 139.073 2,91 93.842

FONTE: REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS. CENSO MARÉ 2013. 29


O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA

TAMANHO E SELEÇÃO a uma, e somente uma, classe, a qual


DA AMOSTRA demanda um determinado número de
entrevistas a ser realizada, chamado
Para que a amostra pudesse ser
de cota. A seleção por cotas tem a van-
distribuída por todas as favelas e al-
tagem de compor grupos mais homo-
cançasse homens e mulheres de di-
gêneos e garante a representação de
ferentes idades em cada uma delas,
todos os grupos na amostra. Para a se-
foram previstas — e realizadas 1.000 leção por cotas, foram executadas as
entrevistas. Caso o método de sele- seguintes etapas: (i) levantamento da
ção fosse exclusivamente probabi- composição da população, segundo
lístico, esse número de entrevistas características conhecidas, presumi-
proporcionaria um erro amostral má- das ou estimadas que sejam relevantes
ximo de três pontos percentuais, com para o tema a ser pesquisado; (ii) defi-
Intervalo de Confiança (IC) de 95%. nição do tamanho mínimo da amos-
Todavia, em virtude da expectativa tra, a partir do erro amostral máximo
de resultados por área de atuação dos admitido, tal qual uma amostra pro-
GCAs, o número de entrevistas não babilística; e (iii) fixação de cotas para
foi distribuído aleatoriamente, sob a seleção da amostra, segundo as ca-
pena de não serem representativos racterísticas consideradas, formando
na Área 3, por ser menos populosa. conjuntos proporcionais à composi-
Assim, para a obtenção de resultados ção da população, também chamados
que permitissem análises consisten- de classes ou domínios.
tes para as três áreas de estudo, nós Fixado o número de entrevistas em
arbitramos tamanhos de amostra es- cada área, esse número foi distribu-
pecíficos para cada uma delas, de ído segundo os perfis de entrevistados
modo que os dados coletados fossem que importariam para a análise dos
representativos. Neste sentido, a dis- resultados — homens e mulheres, de
tribuição das entrevistas foi determi- três faixas etárias distintas — propor-
nada como se a amostra fosse proba- cionalmente ao tamanho desses mes-
bilística, ou seja, admitindo um erro mos contingentes na população, con-
amostral máximo de seis pontos per- forme dados do Censo Maré 2013. A
centuais (IC = 95%) em cada área. definição das cotas teve como critério
A seleção da amostra foi produto chegar a um resultado que, de fato, re-
de uma combinação entre um mé- presentasse a percepção dos diferen-
todo aleatório e a seleção por cotas, tes segmentos dos moradores de cada
que consiste em um método intencio- área pesquisada e evitar a predomi-
nal. Neste, os elementos da população nância de um perfil sobre os demais,
da amostra são divididos em grupos sob pena de comprometer o resultado
30 de forma que cada elemento pertença da pesquisa.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 2 | número de entrevistas realizadas, por favela da maré,


segundo a faixa etária e o sexo
18 A 29 ANOS 30 A 49 ANOS 50 A 69 ANOS
TOTAL GERAL

MULHERES

MULHERES

MULHERES
HOMENS

HOMENS

HOMENS
TOTAL

TOTAL

TOTAL
BAIRRO MARÉ 1.000 348 179 169 418 220 198 235 113 122

ÁREA 1 — TOTAL 291 102 52 50 131 65 66 59 31 28

PARQUE UNIÃO 111 41 20 21 51 25 26 19 10 9

NOVA HOLANDA 86 31 16 15 39 21 18 16 8 8

PARQUE MARÉ 56 18 9 9 27 12 15 11 7 4

PARQUE RUBENS VAZ 38 11 6 5 14 7 7 13 6 7

ÁREA 2 — TOTAL 421 149 76 73 157 87 70 115 53 62

VILA DOS PINHEIROS 51 19 10 9 20 12 8 12 7 5

VILA DO JOÃO 63 21 10 11 27 12 15 15 8 7

BAIXA DO SAPATEIRO 50 18 9 9 17 10 7 15 5 10

MORRO DO TIMBAU 48 15 7 8 19 12 7 14 6 8

SALSA E MERENGUE 42 13 8 5 14 7 7 15 6 9

CONJUNTO ESPERANÇA 34 13 7 6 13 7 6 8 3 5

CONJUNTO PINHEIROS 19 5 3 2 6 3 3 8 6 2

BENTO RIBEIRO DANTAS 73 31 14 17 25 13 12 17 6 11

NOVA MARÉ 41 14 8 6 16 11 5 11 6 5

ÁREA 3 — TOTAL 288 97 51 46 130 68 62 61 29 32

ROQUETE PINTO 191 70 36 34 86 45 41 35 18 17

PRAIA DE RAMOS 97 27 15 12 44 23 21 26 11 15

FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. METADADOS. 2015 31
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA

A idade entre 18 e 69 anos foi es- Em cada domicílio (unidade de co-


tabelecida para privilegiar a parti- leta), a pessoa entrevistada foi esco-
cipação de pessoas com maior po- lhida pelo entrevistador, com o intuito
tencial de autonomia pessoal e de de preencher as cotas de perfis popu-
mobilidade/circulação territorial. lacionais pré‑determinadas. Em cada
Deste modo, foram entrevistados ho- domicílio visitado, um morador apto
mens e mulheres entre 18 a 29, 30 a e disposto a participar da pesquisa foi
49 e 50 a 69 anos, em cada uma das entrevistado27 e contabilizado na res-
comunidades. Assim, o universo da pectiva cota de perfil que aquele en-
pesquisa foi reduzido de 132.732 para trevistador teve como meta. Cabe res-
89.661, como indicado na Tabela 1. saltar que, uma vez preenchida a cota,
De modo a garantir que a seleção este não pôde mais entrevistar outra
dos entrevistados fosse o mais aleató- pessoa que tivesse o mesmo perfil.
ria possível, optamos pela amostra- Na ausência de pessoa apta ou
gem domiciliar, uma vez que conta- disposta a dar a entrevista, o domicí-
mos com um cadastro de endereços lio era descartado e, mais um, acres-
elaborado no Censo Maré. Para o sor- centado à lista de domicílios a serem
teio, os endereços de cada área de co- visitados, respeitando-se sempre a
leta foram classificados por ordem ordem aleatória que fora sorteada
alfanumérica e, em cada listagem, para cada área de coleta. Porém, so-
gerada uma sequência de números mente após a segunda visita em vão
aleatórios. Em seguida, os endere- — em alguns casos, a terceira — o do-
ços foram reordenados conforme a micílio podia ser substituído.
sequência numérica aleatória ge-
rada, dispondo-os do primeiro ao
enésimo, sendo n o número total de Vale ressaltar que não houve entrevistados
27

endereços em cada área de coleta. residentes no mesmo domicílio.

32
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

CÁLCULO E EXPANSÃO
DOS RESULTADOS
Como o número de entrevistas Os resultados de cada variável
não foi proporcional ao contingente correspondem às porcentagens deri-
populacional segundo as variáveis vadas do somatório dos produtos do
de perfil (Comunidade de residên- número de entrevistados com deter-
cia, Sexo e Faixa etária) foram aplica- minada resposta e os respectivos pe-
dos pesos amostrais para retornar os sos amostrais atribuídos a esses en-
valores às proporções conhecidas no trevistados, de acordo com as classes
universo da pesquisa. de Comunidade de residência, Sexo
O peso amostral aplicado foi o e Faixa etária a que pertencem. De
quociente entre o número de morado- modo geral, o resultado estimado em
res de determinado sexo e faixa etária uma variável pode ser expresso por:
em cada comunidade e o número de
entrevistados na respectiva classe.

i=n
x(%)= 100 ∑ (r w )
i k
N i=1

onde:

wk= Nk x(%) = média amostral,


em porcentagem;
n = universo conhecido

nk (que pode ser o geral, por área de


coleta, por sexo ou por faixa etária);
i = índice referente ao entrevistado;
onde: n = número de determinadas
w = peso amostral; respostas em uma variável
n = tamanho da população de interesse;
no universo conhecido; k = índice referente ao peso
n = tamanho da amostra amostral;
selecionada no universo ri= 1 = resposta unitária dada por
conhecido um entrevistado i em uma variável
k = índice de determinada de interesse;
classe de comunidade de wk = peso amostral k atribuído
residência, sexo e faixa etária. ao entrevistado. 33
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA

Os pesos variaram entre 3, o peso amostral variou de 15,8824


15,93307716 e 302,6453386. O mí- a 33,4191233, enquanto na Área de
nimo foi associado aos homens de Coleta 1, ficou entre 18,65146813 e
50 a 69 anos residentes na Praia de 302,6453386.
Ramos. O máximo foi associado aos A Tabela 3 apresenta os pesos
homens de 30 a 49 anos residentes amostrais, mínimo e máximo, atribu-
na Vila dos Pinheiros. Quanto menor ídos a cada classe de Comunidade de
a fração amostral, maior foi o peso residência, Sexo e a Faixa etária, apro-
aplicado. Por isso, na Área de coleta ximados para duas casas decimais.

tabela 3 | pesos aplicados às médias amostrais para a expansão


dos resultados, por favela de residência, segundo o sexo e a faixa
etária dos entrevistados
MULHERES HOMENS

18 A 29 30 A 49 50 A 69 18 A 29 30 A 49 50 A 69
ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS

PARQUE UNIÃO 135,45 135,75 127,15 120,52 131,55 127,63

NOVA HOLANDA 99,36 102,70 110,30 99,92 115,93 90,20

PARQUE MARÉ 164,63 172,10 138,38 163,43 130,70 208,91

PARQUE RUBENS VAZ 125,80 141,41 65,67 168,05 163,91 57,34

VILA DO PINHEIROS 175,53 204,55 152,41 187,54 302,65 187,94

VILA DO JOÃO 165,32 181,81 96,58 143,70 147,42 95,58

BAIXA DO SAPATEIRO 111,28 147,93 151,63 109,75 209,80 66,64

MORRO DO TIMBAU 91,84 91,02 100,74 80,57 140,27 66,85

SALSA E MERENGUE 100,15 157,52 56,16 143,72 160,04 32,26

CONJUNTO ESPERANÇA 80,34 132,09 146,99 88,54 171,65 74,67

CONJUNTO PINHEIROS 155,41 227,86 62,43 213,68 205,34 140,37

BENTO RIBEIRO DANTAS 27,67 44,48 41,40 22,80 39,60 18,65

NOVA MARÉ 43,42 41,44 30,26 58,49 79,05 29,53

ROQUETE PINTO 22,03 31,13 29,15 22,22 33,42 27,95

PRAIA DE RAMOS 21,90 22,92 24,65 25,57 21,49 15,93

34 FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. METADADOS. 2015
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

Os resultados estão apresentados Maré e quais seriam as estratégias a


em percentuais. Para facilitar a in- serem utilizadas para superar as ine-
terpretação do quanto representam vitáveis resistências de alguns mo-
em números absolutos, em cada ta- radores em participar, dentre outras
bela consta no cabeçalho o número questões de caráter mais técnico.
de entrevistados, indicado por n, e o O roteiro de entrevista foi estrutu-
número de moradores que estes re- rado em cinco blocos, que, em linhas
presentam, ou seja, o tamanho do gerais, versaram sobre os seguintes
universo da pesquisa, indicado por N. conteúdos:

a. perfil dos entrevistados, com in-


formações sobre sexo, idade,
A COLETA DE DADOS grau de escolaridade, cor/raça,
O trabalho de coleta dos dados local de moradia, tempo de
junto aos moradores foi realizado por moradia na Maré e condição
oito entrevistadores, todos residentes profissional;
da Maré e com escolaridade de nível b. percepção sobre a vivência, a
Superior, alguns graduados e outros mobilidade e a segurança na
estudantes. A Coordenação também Maré, tendo como referência o
acompanhou o trabalho em campo. período de ocupação das Forças
A maioria dos entrevistadores de- do Exército, com questões sobre
clarou querer participar da pesquisa os lugares que frequentam na
pelo interesse no tema da Segurança Maré, se gostam ou não de resi-
pública e, também, por querer ser dir ali, onde costumam circular
parte na busca por caminhos para se na região e como se sentem em
enfrentar questões relativas às vio- relação a sua segurança favela;
lências na Maré.
c. posicionamento em relação à
A equipe de campo recebeu
violência e, também, modos de
orientação de um profissional es-
lidar quando ela os afetou; in-
pecialista em pesquisas de opinião
dagações a respeito do que os
pública para a aplicação dos ques-
entrevistados pensavam sobre
tionários, esclarecimentos sobre a
as ações do Exército e da polí-
organização do conteúdo dos instru-
cia e como essas ações afetavam
mentos, cobertura das áreas, aborda-
a vida da população da Maré no
gem dos entrevistados, etc. De forma
campo da Segurança pública;
especial, discutimos, no processo de
formação, o sentido da pesquisa, o d. experiência de viver na Maré
que ela representa no contexto da após a ocupação das Forças 35
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA

FOTO: DIEGO JESUS / ECOM

militares na região e questões so- a pesquisa estar acontecendo no


bre a percepção das mudanças mesmo momento em que os mili-
no Rio de Janeiro após a instala- tares estavam na Maré. A impres-
ção das UPPs; e são que tinham, inicialmente, era
da pesquisa ser uma ação empre-
e. percepção da atuação dos milita-
endida pelo Comando militar. Tí-
res do Exército em comparação
nhamos de explicar nossa condição
com os agentes das polícias, so-
de integrantes de uma Organização
bre a relação com os soldados, os
da Sociedade Civil que, ao contrário
problemas que sentiram e possí-
daquele pensamento, queria contri-
veis diferenças ou aproximações
buir para garantir o direito dos mo-
na comparação com a atuação dos
radores da Maré à Segurança pú-
agentes das polícias Militar e Civil.
blica. Um exemplo objetivo foi a
postura de uma mulher: assustada
Os entrevistadores levaram de 30
com o convite para participar da
a 45 minutos para concluir o roteiro pesquisa, ela não abriu a porta da
de perguntas, que possuía de 38 a 58 casa, por completo, para conversar
questões, a depender do tipo de res- com o entrevistador. Com a porta
posta dada pelo entrevistado. As infor- entreaberta, muito desconfiada, di-
mações foram coletadas com o auxílio zia que não sabia por que o Exército
de um aplicativo chamado QuickTap estava ali. Queria entender o porquê
Survey, instalado em tablets. de ela estar sendo entrevistada e se
Muitos moradores tiveram di- na rua inteira seriam feitas as mes-
36 ficuldades de entender o fato de mas perguntas.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

Eu não tenho nada a declarar. Sou mo- O nosso esforço foi tratar dúvi-
radora antiga aqui e vivo minha vida do das e desconfianças dos morado-
trabalho para casa. O que vocês querem
res, caso a caso, valorizando a deli-
comigo? Só mora eu e minha mãe, que
já tá aposentada. cadeza que precisamos ter quando
vamos falar de temas tão sensíveis
na realidade da favela carioca, em
Na mesma linha, outro morador geral. Importante salientar que te-
foi ainda mais enfático: mos cada vez mais a necessidade de
compreender o universo de ques-
tões que envolvem a garantia do
Não estou entendendo porque querer
saber o que o morador acha do Exército
direito à Segurança pública de po-
estar na Maré. Morador aqui não pode pulações que residem em áreas
falar o que pensa. Se digo o que acho dominadas por GCAs e com uma
posso ser morto por um lado ou por ou- atuação da polícia que não as reco-
tro. Você acha certo isso?
nhecem como sujeitos de direitos.
Entendemos que trabalhos como
Se houve recusas e desconfiança esse contribuem de forma signifi-
de alguns moradores abordados, cativa para a produção de conheci-
também, por sua vez, encontramos mento e de novas proposições so-
outros abertos e querendo falar a res- bre o fenômeno aqui tratado.
peito do tema da Segurança pública e O mais gratificante é que, como
da presença tão expressiva do Exér- evidenciou o contato direto com os
cito na Maré: moradores da Maré que, apesar dos
obstáculos encontrados, eles estão,
em geral, abertos a contribuírem
Acho muito importante pesquisa como para estudos no campo da agenda
essa na nossa porta. O Governo tem de da Segurança pública para favelas, o
saber o que o morador daqui pensa.
que nos permite pensar na amplia-
Eles acham que todo mundo aqui é
bandido e não é não. ção de nossa produção de conheci-
mentos nesse tema, não apenas na
Maré, mas também em territórios
E outro mais: que vivem situações análogas. Desse
modo, haverá melhores condições
para se compreender as formas con-
Posso falar. Quero falar o que está en-
gasgado. Só não posso aparecer. Se não
cretas das relações entre as Forças
estou morto amanhã. O que vocês vão policiais e as populações como as
fazer com o que a gente falar? Quem vai que habitam as favelas e periferias
ouvir? no Rio de Janeiro. 37
ANÁLISE DOS DADOS
DA PESQUISA

as análises dos dados levantados Maré e, comparativamente, as práti-


nesta amostra estão apresentadas cas adotadas pelos agentes policiais.
de forma a trazer uma visão geral da Antes de iniciar a análise dos que-
percepção dos moradores sobre as sitos apresentados ao entrevistado,
condições anteriores à presença dos cabe assinalar que a primeira atitude
militares e o período da ocupação em do entrevistador ao fazer contato com
si. Serviram, também, como insumo o morador foi realizar a leitura do pe-
para a análise, as informações produ- queno texto que se encontra na aber-
zidas em outros estudos no campo da tura do instrumento. Nele, apresen-
Segurança pública na Maré. A forma tamos o sentido e os objetivos da
de apresentação desse Capítulo pri- pesquisa, e indagamos se podíamos
vilegiou a estrutura do instrumento prosseguir com a entrevista. No caso,
de coleta.28 84% dos moradores abordados res-
Logo, a primeira parte da análise ponderam que sim, e 16% declinaram
trará o perfil dos moradores entrevis- de participar. Como já ilustrado em
tados. O intuito é expor suas carac- outro item desse texto, apesar do sig-
terísticas principais. A descrição dos nificativo receio dos moradores em
perfis dos entrevistados permite ao participar de pesquisas com o tema
leitor, em especial se for estrangeiro, proposto, o desejo de falar sobre o
elaborar uma visão mais abrangente mesmo, na perspectiva de que a situa-
sobre as características que com- ção atual melhore, é muito expressivo.
põem a vida de quem mora numa Por isso que mais de 80% dos entrevis-
favela do Rio de Janeiro. Na segunda tados enfrentaram seus eventuais te-
parte da análise, levamos em conta mores e desconfianças para abrir sua
a percepção dos residentes da Maré casa e falar sobre o tema da Segurança
abordados pela pesquisa, conside- pública, o que muito nos gratificou.
rando cinco aspectos centrais: grau A postura dos moradores da Maré
de satisfação por morar nesse terri- também decorre da confiança que
tório; formas de exercício da mobi- adquiriram nas ações realizadas por
lidade física dentro e fora da favela; organizações como a Redes da Maré
sentimento de segurança na Maré; (várias delas em parceria com a OS-
formas de resolução de conflitos em CIP Observatório de Favelas e as as-
questões que estão no campo de sociações de moradores locais), além
competência do Poder Judiciário; e, da expectativa de que poderão se be-
por fim, percepções sobre o compor- neficiar, de alguma forma, das ativi-
tamento dos militares do Exército na dades propostas. Esse tipo de apoio e
confiança decorre do fato de não ter-
38 Ver Anexo desta Publicação.
28 mos aberto mão de tratar do tema da
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

“ Apesar do significativo receio dos moradores em


participar de pesquisas com o tema proposto, o desejo
de falar sobre o mesmo, na perspectiva de que a
situação atual melhore, é muito expressivo. Por isso,
mais de 80% dos entrevistados enfrentaram seus
eventuais temores e desconfianças para abrir sua casa e
falar sobre o tema da Segurança pública”

Segurança pública na favela, apesar PERFIL DOS MORADORES


de todas as recomendações contrá- DA MARÉ ENTREVISTADOS
rias, da complexidade da questão e,
de certa forma, dos eventuais riscos As tabelas a seguir mostram algu-
que envolvem o tratamento do fenô- mas características de perfil dos en-
meno. Com efeito, acumulamos um trevistados. São elas: sexo (Tabela 4),
histórico tanto no que diz respeito à faixa etária (Tabela 5), cor da pele ou
produção de conhecimento sobre a raça (Tabela 6), escolaridade (Tabela
ação da polícia e dos GCAs quanto 7), situação em relação ao trabalho
na articulação de muitos morado- (Tabela 8) e tempo de residência na
res, para garantir o direito de acesso Maré (Tabela 9).
à Justiça, por exemplo. Nesse sen- Em relação ao sexo, 51,1% dos
tido, celebramos, com alegria, a par- entrevistados são mulheres e 48,9%,
ticipação desses 84% que aderiram à homens. Nas três áreas de coleta, as
pesquisa, sem perder a empatia ou mulheres tiveram maior participação
deixar de compreender os temores na amostra. A diferença é equivalente
daqueles que se recusaram a contri- à representatividade de cada grupo
buir, pois a posição revela que temos no universo, uma vez que essa variá-
muito a avançar na caminhada para a vel foi umas das que balizaram o ta-
garantia do que nos parece ser, hoje, manho das cotas.
o direito mais imediato e necessário A faixa etária foi outra variá-
dos moradores das favelas: a prote- vel que balizou o tamanho das co-
ção e a dignidade da vida. tas, portanto, a participação de cada 39
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 4 | população com idade entre 18 e 69 anos e número de


entrevistados por área de coleta e favela de residência, segundo o sexo
TOTAL MULHERES HOMENS

POPU- ENTREVIS- POPU- ENTREVIS- POPU- ENTREVIS-


LAÇÃO TADOS LAÇÃO TADOS LAÇÃO TADOS

BAIRRO MARÉ 89.661 1.000 45.857 511 43.804 489

ÁREA 1 36.720 291 18.657 147 18.063 144

PARQUE UNIÃO 14.474 111 7.374 55 7.100 56

NOVA HOLANDA 8.936 86 4.629 45 4.307 41

PARQUE MARÉ 8.782 56 4.515 28 4.267 28

PARQUE RUBENS VAZ 4.528 38 2.139 19 2.389 19

ÁREA 2 45.499 421 23.355 216 22.144 205

VILA DOS PINHEIROS 10.326 51 5.277 29 5.049 22

VILA DO JOÃO 9.069 63 4.608 30 4.461 33

BAIXA DO SAPATEIRO 6.362 50 3.239 24 3.123 26

MORRO DO TIMBAU 4.501 48 2.340 25 2.161 23

SALSA E MERENGUE 4.370 42 2.241 21 2.129 21

CONJUNTO ESPERANÇA 3.862 34 1.928 17 1.934 17

CONJUNTO PINHEIROS 2.849 19 1.524 12 1.324 7

BENTO RIBEIRO DANTAS 2.282 73 1.214 33 1.068 40

NOVA MARÉ 1.879 41 985 25 894 16

ÁREA 3 7.443 288 3.845 148 3.598 140

ROQUETE PINTO 5.319 191 2.719 99 2.601 92

PRAIA DE RAMOS 2.124 97 1.127 49 997 48

FONTES:

40
(1) REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS. CENSO MARÉ 2013.
(2) PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. METADADOS. 2015.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 5 | população com idade entre 18 e 69 anos e número de entrevistados


por área de coleta e favela de residência, segundo a faixa etária
TOTAL 18 A 29 ANOS 30 A 49 ANOS 50 A 69 ANOS

ENTRE- ENTRE- ENTRE- ENTRE-


POPU- POPU- POPU- POPU-
VISTA- VISTA- VISTA- VISTA-
LAÇÃO LAÇÃO LAÇÃO LAÇÃO
DOS DOS DOS DOS

BAIRRO MARÉ 89.661 1.000 29.994 347 42.642 418 17.026 235

ÁREA 1 36.720 291 12.876 101 17.220 131 6.624 59

PARQUE UNIÃO 14.474 111 5.240 41 6.814 51 2.420 19

NOVA HOLANDA 8.936 86 3.089 31 4.243 39 1.604 16

PARQUE MARÉ 8.782 56 2.953 18 4.026 27 1.804 11

PARQUE RUBENS VAZ 4.528 38 1.595 11 2.137 14 795 13

ÁREA 2 45.499 421 14.934 149 21.672 157 8.892 115

VILA DOS PINHEIROS 10.326 51 3.443 19 4.876 20 2.007 12

VILA DO JOÃO 9.069 63 3.234 21 4.393 27 1.442 15

BAIXA DO SAPATEIRO 6.362 50 1.989 18 2.948 17 1.425 15

MORRO DO TIMBAU 4.501 48 1.287 15 2.074 19 1.139 14

SALSA E MERENGUE 4.370 42 1.520 13 2.223 14 627 15

CONJUNTO ESPERANÇA 3.862 34 1.094 13 1.955 13 814 8

CONJUNTO PINHEIROS 2.849 19 894 5 1.300 6 655 8

BENTO RIBEIRO DANTAS 2.282 73 775 31 1.053 25 454 17

NOVA MARÉ 1.879 41 698 14 851 16 329 11

ÁREA 3 7.443 288 2.184 97 3.749 130 1.510 61

ROQUETE PINTO 5.319 191 1.548 70 2.771 86 1.000 35

PRAIA DE RAMOS 2.124 97 635 27 978 44 510 26

FONTES:

41
(1) REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS. CENSO MARÉ 2013.
(2) PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. METADADOS. 2015.
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

grupo foi próxima de sua representa- preta), a escolha foi exclusivamente


tividade no universo. Porém, para ga- do entrevistado.
rantir a representatividade estatística Se comparados ao universo co-
de cada grupo em face de uma even- nhecido através do já citado Censo
tual análise particular dos resultados Maré 2013, os percentuais obtidos na
e para obtermos um razoável número amostra variaram pouco. Os de cor
de entrevistas em cada segmento de branca e parda variaram para menos
faixa etária, feminino e masculino, e os de cor preta para mais. No Censo
em todas as comunidades, a partici- Maré, 36,6% se declararam de cor
pação do grupo mais idoso, o de 50 a branca, 52,9%, de cor parda e 9,2%,
69 anos, foi significativamente maior de cor preta.
que a proporção observada no uni- Cabe assinalar que no Censo
verso — 23,5% contra 19,0%. Con- Maré a classificação de todos os mo-
sequentemente, o grupo de 30 a 49 radores do domicílio era declarada
anos, por ser o mais numeroso, foi o por um único entrevistado, enquanto
que teve o percentual de participa- na presente amostra, cada entrevis-
ção na amostra menor que o do uni- tado classificou somente a si.
verso — 41,8% contra 47,6%. Como No geral, os pardos represen-
descrito no item sobre o Cálculo e a tam a metade dos entrevistados, a
Expansão dos Resultados, para a esti- cor branca foi a classificação decla-
mação do resultado geral e por áreas rada por quase 30% e a cor preta, por
de coleta, foram aplicados pesos com cerca de 20%. A Área 1 se destaca por
a finalidade de retornar os valores ter tido a maior proporção de bran-
aos percentuais de referência. cos, a Área 2, de pretos, e a Área 3, de
A cor da pela ou raça do entrevis- pardos.
tado não foi uma variável controlada Um detalhe muito relevante a res-
na seleção da amostra. Portanto, seu peito desses dados é o percentual de
resultado foi sujeito, por um lado, ao entrevistados que se autodeclaram de
acaso e, por outro, à intencionalidade cor preta: nos censos demográficos
do entrevistador, em função de sua de 2000 e 2010, do IBGE, o percentual
busca ativa por indivíduos que pre- de pessoas declaradas como de cor
enchessem as cotas de sexo e faixa preta no Rio de Janeiro foi de 9,4% e
etária. Cabe destacar, também, o cri- 11,2%, respectivamente. Não casual-
tério da autodeclaração na classifica- mente, considerando-se as caracte-
ção da cor ou raça: embora as opções rísticas socioculturais das favelas, o
oferecidas tenham sido apenas as número de brancos participantes na
cinco categorias utilizadas pelo IBGE pesquisa fica bem abaixo da média
42 (amarela, branca, indígena, parda e da população carioca, que estava em
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 6 | total de respondentes segundo a cor da pele


ou raça autodeclarada
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

ENTREVIS- ENTREVIS- ENTREVIS- ENTREVIS-


% % % %
TADOS TADOS TADOS TADOS

AMARELA 12 1,2% 4 1,4% 7 1,7% 1 0,3%

BRANCA 297 29,7% 106 36,4% 110 26,1% 81 28,1%

INDÍGENA 7 0,7% 4 1,4% 2 0,5% 1 0,3%

PARDA 497 49,7% 128 44,0% 207 49,2% 162 56,3%

PRETA 187 18,7% 49 16,8% 95 22,6% 43 14,9%

TOTAL 1.000 100% 291 100% 421 100% 288 100%

FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

51,2%, em 2010, e até mesmo da bra- o Ensino Fundamental, com o agra-


sileira, que era 47,7% naquele ano. vante de 3,5% terem declarado não
Um fato que tem sido notado, em possuir escolaridade alguma. Signi-
particular com o fortalecimento dos fica dizer que a maior parte dos mo-
programas de ações afirmativas nos radores da Maré ainda tem uma es-
últimos anos, é o aumento de forma colaridade média bem abaixo de
regular no número de pessoas que nove anos, que expressa a etapa fun-
se declara de cor preta ou parda no damental da educação básica. O
Brasil, o que pode caracterizar uma dado positivo é que mais de 40% dos
perda de força da “ideologia do em- entrevistados ingressaram, no mí-
branquecimento” — processo social nimo, no ensino médio. Além disso,
e subjetivo em que as pessoas negras chegaram ao ensino superior 4,5%
buscavam se identificar com o fenó- dos respondentes. Os dados revelam
tipo branco para se sentirem mais va- que a escolaridade dos moradores da
lorizadas socialmente. Maré vem, felizmente, aumentando
No quesito escolaridade, pouco de forma expressiva com o decorrer
mais da metade dos entrevistados — dos anos. O censo realizado na Maré,
56,6% — frequentou, no máximo, até em 2000, encontrou pouco mais de 43
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 7 | total de respondentes segundo nível de escolaridade


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

ENTRE- ENTRE- ENTRE- ENTRE-


VISTA- % VISTA- % VISTA- % VISTA- %
DOS DOS DOS DOS

SUPERIOR COMPLETO 17 1,7% 8 2,7% 7 1,7% 2 0,7%

SUPERIOR
28 2,8% 10 3,4% 8 1,9% 10 3,5%
INCOMPLETO

ENSINO MÉDIO
252 25,2% 65 22,3% 111 26,4% 76 26,4%
COMPLETO

ENSINO MÉDIO
137 13,7% 36 12,4% 67 15,9% 34 11,8%
INCOMPLETO

ENSINO
FUNDAMENTAL 138 13,8% 41 14,1% 57 13,5% 40 13,9%
COMPLETO

ENSINO
FUNDAMENTAL 393 39,3% 121 41,6% 157 37,3% 115 39,9%
INCOMPLETO

SEM ESCOLARIDADE 35 3,5% 10 3,4% 14 3,3% 11 3,8%

TOTAL 1.000 100% 291 100% 421 100% 288 100%

FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

1,6% de pessoas com nível superior. ENEM, como o disponibilizado pela


Sendo assim, o fato de uma em cada Redes da Maré, que já contribuiu
22 dos entrevistados ter chegado ao para o ingresso de mais de 1.200 mo-
ensino superior, mesmo que tenha radores nas instituições universitá-
interrompido ou ainda não comple- rias. Situação correlata pode ser atri-
tado o curso, é expressivo e, sem dú- buída aos que chegaram ao Ensino
vida, está relacionado à implementa- Médio, visto que o percentual é qua-
ção de políticas públicas afirmativas tro vezes maior que o encontrado en-
e de inclusão, nos últimos anos, no tre os chefes de família da Maré no
Brasil. No caso da Maré, este pro- ano 2000, segundo o Censo Demo-
cesso foi bastante impulsionado pela gráfico do IBGE.
oferta de cursos comunitários pre- Em relação ao trabalho, 32,1%
44 paratórios para vestibular ou para o responderam trabalhar por conta
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

própria e 31,4% como empregados. casa ou em estabelecimento vizinho


Dos empregados, pouco mais de 2/3 aumentou as chances de ser selecio-
com carteira de trabalho. Os desem- nado na amostra, ou seja, de partici-
pregados somaram 13,8% e aposen- pação na pesquisa.
tados ou pensionistas, 8,8%. Por um lado, nesse contingente po-
Chama a atenção o número de dem estar contabilizados os trabalha-
respondentes que declaram traba- dores informais, tais como vendedo-
lhar por conta própria — quase 1/3 res ambulantes e diaristas domésticos,
dos entrevistados. Claro que o fato de que se reconhecem como autônomos.
as pessoas trabalharem de forma au- Mas entre esses entrevistados podem
tônoma e, muitas vezes, na própria estar, também, pessoas que têm seu

tabela 8 | total de respondentes segundo a situação de trabalho


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

ENTRE- ENTRE- ENTRE- ENTRE-


VISTA- % VISTA- % VISTA- % VISTA- %
DOS DOS DOS DOS

EMPREGADOS COM
215 21,5% 86 29,6% 79 18,8% 50 17,4%
CARTEIRA ASSINADA

EMPREGADOS SEM
99 9,9% 25 8,6% 48 11,4% 26 9,0%
CARTEIRA ASSINADA

TRABALHAM POR
321 32,1% 72 24,7% 154 36,6% 95 33,0%
CONTA PRÓPRIA

DESEMPREGADOS 138 13,8% 49 16,8% 39 9,3% 50 17,4%

APOSENTADOS
88 8,8% 24 8,2% 29 6,9% 35 12,2%
OU PENSIONISTAS

DO LAR 67 6,7% 18 6,2% 30 7,1% 19 6,6%

ESTUDANTES 55 5,5% 13 4,5% 34 8,1% 8 2,8%

NUNCA
6 0,6% 1 0,3% 3 0,7% 2 0,7%
TRABALHARAM

OUTRA 11 1,1% 3 1,0% 5 1,2% 3 1,0%

TOTAL 1.000 100% 291 100% 421 100% 288 100%

FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL. 45
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 9 | o/a senhor/a ou algum membro da sua família frequenta


alguma ong na maré?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

ENTRE- ENTRE- ENTRE- ENTRE-


VISTA- % VISTA- % VISTA- % VISTA- %
DOS DOS DOS DOS

NÃO 863 86,3% 243 83,5% 344 81,7% 276 95,8%

SIM 137 13,7% 48 16,5% 77 18,3% 12 4,2%

TOTAL 1.000 100% 291 100% 421 100% 288 100%

FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

próprio negócio. Isso porque a força Considerando-se o tamanho da po-


econômica da Maré é expressiva: o pulação local, pensamos ser um
Censo de Empreendimentos Econô- número bastante expressivo, reve-
micos da Maré, um dos produtos do lando a forte presença desse tipo de
Censo Maré, revelou existirem no terri- instituição no cotidiano de muitos
tório local mais de três mil unidades de moradores.
comércio ou de prestação de serviço, No tocante à pergunta sobre o
com cerca de 2.500 empreendedores tempo de residência na Maré, quase
que residem no bairro.29 80% dos entrevistados disseram mo-
Ainda no âmbito do perfil, foi per- rar aí há mais de dez anos contra me-
guntado aos entrevistados se eles ou nos de 2% que chegaram há menos
alguém da família já havia frequen- de um ano. Observa-se, nesse que-
tado alguma Organização Não Go- sito, uma característica importante
vernamental (ONG) localizada na relacionada à população da Maré: a
Maré. Não houve uma tentativa de sua fixação no território.
explicar o que seria esse tipo de orga- Isso pode explicar outra impor-
nização, deixando essa interpretação tante peculiaridade dos moradores
para o entrevistado. Disseram sim à da Maré, que é o histórico de lutas co-
pergunta 13,7% dos entrevistados. munitárias empreendidas com resul-
tados bastante positivos. Ao mesmo
tempo, a forte mobilização dos mo-
46
Redes da Maré; Observatório de Favelas. Censo de
29

Empreendimentos Maré. Rio de Janeiro, 2014. radores pelo acesso a equipamentos


A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

e serviços urbanos gera um processo Esperança, Vila dos Pinheiros e Con-


de valorização do território que man- junto Pinheiros. Nos anos 1990, por
tém as pessoas na região. sua vez, a Prefeitura construiu mais
De fato, considerando-se a loca- três conjuntos — Nova Maré, Bento
lização geográfica, a oferta de equi- Ribeiro Dantas e Salsa e Merengue
pamentos e de serviços por parte de (inaugurado com o nome de Novo Pi-
muitas organizações locais e do Es- nheiros). Com isso, o conjunto inicial
tado e a identidade histórica das pes- das seis favelas contíguas — Morro
soas com a região, a Maré funciona do Timbau, Baixa do Sapateiro, Par-
mais como uma área de atração po- que Maré, Nova Holanda, Parque
pulacional que de repulsão. Assim, Rubens Vaz e Parque União — foi
em face das condições socioeconô- transformado, com a consolidação
micas, da perspectiva cultural e do de outras próximas e a construção
acesso aos serviços urbanos, a Maré dos citados conjuntos habitacionais,
é um dos espaços de residência mais chegando ao número de 16. Na rea-
atraentes para os segmentos popula- lidade, os moradores que foram re-
res do Rio de Janeiro. Não por acaso, sidir nos novos conjuntos eram, em
o processo de valorização imobiliá- sua maioria, oriundos desse núcleo
ria ali é crescente, mesmo sem o ad- inicial da Maré, fazendo parte de fa-
vento da Unidade de Política Paci- mílias que tinham uma relação de
ficadora. Nota-se que o mercado de longa data com a região. Isso ajuda a
imóveis vem aumentado de forma explicar, apesar de as construções se-
significativa nos últimos anos, o que rem mais recentes, o longo período
impulsiona não só o preço de com- de permanência de seus habitantes.
pra, como o de aluguéis. Com isso, as Sem dúvida, o longo período de
favelas da Maré já têm um razoável residência permite, considerando-se
número de imobiliárias voltadas para as especificidades dos espaços fave-
as transações locais. lados e periféricos no Brasil, a criação
A transformação da Maré no de laços de vizinhança, de partilha
maior polo de habitação popular da e de afinidade entre os moradores,
cidade começou com o Projeto Rio, de forma a configurar uma sociabili-
em 1979. A iniciativa do Governo Fe- dade assertiva, bem como a vivenciar
deral foi centrada no aterramento de muitas experiências comunitárias
grandes áreas, na extinção das pala- sólidas e com poder transformador.
fitas e na transferência de sua popu- Não era intenção analisar a relação
lação, bem como dos moradores do entre o tempo de moradia e a dispo-
entorno, para quatro conjuntos ha- nibilidade ou interação do respon-
bitacionais — Vila do João, Conjunto dente, contudo, foi possível perceber 47
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

que os moradores com mais tempo O VÍNCULO AFETIVO COM


de residência na Maré se sentiram A MARÉ, A MOBILIDADE E A
mais seguros em emitir opinião sobre SENSAÇÃO DE SEGURANÇA
a questão da Segurança pública. Es-
sas pessoas já conhecem iniciativas As tabelas apresentadas até aqui
desenvolvidas nesse campo, realiza- mostraram algumas características dos
das por determinadas instituições na entrevistados, a fim de apresentar um
Maré e, em alguns casos, já até par- rápido perfil do público selecionado
ticiparam diretamente de algumas. na amostra. Nos quesitos a seguir, en-
Além disso, conhecem mais morado- tretanto, as respostas revelam opiniões,
res, inclusive, integrantes de GCAs, pontos de vista, avaliações, percepções
de hoje ou do passado. Logo, uma e expectativas dos entrevistados.
questão que deve ser perseguida em Os resultados estão apresentados
futuras pesquisas é a identificação do em forma de frequência relativa, que
perfil dos moradores que se sentem é a razão entre a frequência absoluta
à vontade para falar do tema da Se- e o número total de observações, co-
gurança pública e o seu grau de inte- mumente, expressa em percentual.
resse/compromisso com o enfrenta- Todavia, os valores aqui apresentados
mento do problema. estão ponderados pelo peso amostral.

tabela 10 | total de respondentes segundo o tempo de residência na maré


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

ENTRE- ENTRE- ENTRE- ENTRE-


VISTA- % VISTA- % VISTA- % VISTA- %
DOS DOS DOS DOS

MAIS DE 10 ANOS 796 79,6% 228 78,4% 340 80,8% 228 79,2%

3 A 10 ANOS 129 12,9% 43 14,8% 42 10,0% 44 15,3%

1 A 3 ANOS 56 5,6% 17 5,8% 26 6,2% 13 4,5%

MENOS DE 1 ANO 19 1,9% 3 1,0% 13 3,1% 3 1,0%

TOTAL 1.000 100% 291 100% 421 100% 288 100%

FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015

48 NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

Em outras palavras, o percentual na favela. Esse dado é muito rele-


nas tabelas a seguir não expressa pro- vante, principalmente porque quase
priamente a razão entre o número de todos os índices que medem a quali-
respostas e o total de entrevistados. dade de vida social, Índice de Desen-
Isso porque o quantitativo de respos- volvimento Humano (IDH), Índice
tas, usado como denominador, está de Vulnerabilidade Social; Índice de
ponderado pela quantidade de mo- Pobreza Multidimensional e, em me-
radores que cada entrevistado com a nor medida, o Índice de Progresso
respectiva resposta representa, con- Social, não levam em conta a satis-
forme as variáveis de perfil considera- fação do morador com a localidade
das: comunidade de residência, sexo e em que vive. Desse modo, a percep-
faixa etária. Assim, conforme descrito ção que se constitui, em geral, é que
na seção Cálculo e Expansão dos Re- a vida nas áreas ricas é quase um pa-
sultados, os percentuais expressam a raíso e a vida nas favelas e periferias
média amostral ponderada e estão re- é um inferno, no qual as pessoas têm
presentando valores expandidos para seu cotidiano marcado pelas dificul-
o universo pesquisado. Por isso, em dades e pelo sofrimento. O fato é que
cada tabela é possível ver o número de as pessoas gostam de morar na Maré,
entrevistados (n) que foram consulta- assim como na grande maioria das
dos na amostra e o de moradores (N) favelas, em que pese os aspectos ne-
que eles representam para o conjunto gativos em torno do acesso aos direi-
da Maré e por área de coleta. tos nesses territórios.
No primeiro quesito dessa seção A satisfação dos moradores da
opinativa e de percepção, foi inda- Maré pode se justificar pelas seguin-
gado se o entrevistado gosta ou não tes razões: proximidade de comér-
de residir na Maré (ver Tabela 11). A cios e serviços; facilidade de locomo-
ideia de identificar a satisfação, ou ção para diferentes partes da cidade;
não, dos entrevistados em viver na custo baixo de moradia; relações pes-
Maré teve como pressuposto apre- soais de longo prazo; existência de
ender como o território é percebido escolas, postos de saúde, boa infraes-
e concebido por quem o vivencia no trutura de água, esgoto sanitário e co-
cotidiano, assim como sua inserção leta de lixo; oferta de projetos sociais;
na cidade. O resultado desse quesito igrejas de diferentes crenças etc. No
reiterou o que já observamos em ou- tocante às razões para não gostar de
tros levantamentos: 85,3% declaram morar na Maré, já identificamos em
gostar de morar na Maré. pesquisas anteriores que os confli-
Significa dizer que quase nove tos armados são o fator de maior re-
pessoas em cada 10 gostam de viver pulsão à vida cotidiana na favela. Não 49
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 11 | o/a senhor/a gosta de morar na maré?


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

SIM 85,3% 87,9% 81,7% 94,4%

NÃO 14,7% 12,1% 18,3% 5,6%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS. 2015
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

por acaso, temos na Área 2 — com impacto que as situações de conflitos


18,3% — o maior percentual de pes- armados provocam na subjetividade
soas insatisfeitas. Ali é, justamente, das pessoas e no seu cotidiano e su-
a área onde ocorreram recentes en- gerem que não é, simplesmente, a
frentamentos entre o TCP e a ADA presença do GCA que gera maior in-
pelo controle do território, particu- satisfação na população, mas os con-
larmente na Vila do João e no Con- flitos que podem ocorrer em função
junto Esperança. Da mesma forma, de sua ação no território. Isso reitera
foi a área onde ocorreram mais en- que temos de ouvir a população que
frentamentos do grupo armado local vive nos territórios dominados pe-
com as Forças do Exército. los conflitos e, a partir daí, construir
No outro extremo, na Área 3, do- políticas que, acima de tudo, preser-
minada pela milícia, onde não ocor- vem seus interesses e demandas. En-
rem enfrentamentos entre facções tendemos ser fundamental a preser-
ou com a polícia, o percentual de in- vação da vida e da integridade das
satisfeitos cai para menos de 6%, ou pessoas como meta central de uma
seja, três vezes menos que na área política de Segurança pública.
com mais conflitos. A área 1, por sua Os dados sobre os vínculos dos
vez, onde os conflitos são ocasionais, moradores com a Maré nos ajudam
tendo diminuído durante a ocupação também a romper com alguns pres-
das Forças Armadas, fica entre os dois supostos que hegemonizam o olhar
extremos, com 12,1% de sua popu- sobre as favelas, em geral. De fato, co-
lação insatisfeita de viver na região. mumente, esses territórios são pen-
50 Os dados são muito reveladores do sados como espaços apartados da
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

cidade, com muita precariedade, in- marcado por muitas contradições se


segurança, falta de organização, etc. coloca como um elemento emble-
Definimos essa representação a par- mático nos desafia a buscar soluções
tir do que aponta Silva, 2001, como originais para os obstáculos presentes
o “Paradigma da Ausência”. Ele mais na favela, especialmente as violações
esconde e desconhece do que revela de direitos que ali são praticadas,
e reconhece as dimensões criativas e muitas vezes pelos Órgãos do Estado.
potentes das favelas. Identificamos, A questão da mobilidade física
em outra direção, essa perspectiva dentro e fora da região da Maré é outro
de trabalhar a partir das presenças aspecto relevante da pesquisa. Os mo-
como “Paradigma da Potência”, con- radores entrevistados foram indagados
clui Silva. Nesse sentido, não deixa- se costumam circular em outras favelas
mos de reconhecer as demandas por da Maré, já que são 16 e, ainda, se fre-
equipamentos, serviços e múltiplos quentam outras regiões da cidade.
direitos dos moradores dos territórios Em relação à circulação dentro da
populares, mas temos de levar em Maré, 66,8% frequentam outras fa-
conta, também, as formas como eles velas, além da que reside (ver Tabela
constroem meios de lidar com as ca- 12). Com isso, vemos que, diferen-
rências, a partir de estratégias coleti- temente do que se afirma, a maioria
vas e inovadoras. Logo, essa realidade dos moradores da Maré, a despeito
e suas práticas complexas, em que a da presença de grupos criminosos ri-
satisfação por viver em um território vais e dos conflitos eventuais com a

tabela 12 | o/a senhor/a costuma circular em outras comunidades


dentro da maré?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

SIM 66,8% 67,1% 70,0% 45,6%

NÃO 33,2% 32,9% 30,0% 54,0%

NÃO RESPONDEU 0,0% – – 0,4%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL. 51
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

polícia, costuma circular fora do seu Eu sempre quis participar e levar minha
território de moradia. Obviamente, filha aos cursos que tem lá na Nova Ho-
landa, mas sempre tive medo de atra-
há pessoas que não se sentem segu-
vessar a fronteira.30 Então, uma amiga
ras em frequentar áreas onde atua foi comigo lá, pois o filho já está estu-
uma facção diferente daquela que dando, e vi que não é um bicho de sete
está em sua comunidade. Nossa ex- cabeças. Se você não deve nada, não
periência com outras pesquisas na tem o que temer. [ j. barbosa ]

Maré nos ensinou que a possibilidade Eu vou pra tudo que é canto na Maré.
de circulação local varia de acordo Nem eu nem minha família deve nada
com a escolaridade, o gênero e, es- a ninguém, mas eu sei que muita gente
pecialmente, a faixa etária. Assim, os tem medo de ir, às vezes, até visitar um
parente. Eu não. Moro na Nova Ho-
homens, jovens e com maior escola- landa, mas tenho irmã na Vila do João
ridade tendem a circular bem mais e domingo eu sempre vou lá ou ela vem
que, no outro extremo, uma mulher aqui. [ c. coutinho — moradora da nova
mais velha e com baixa escolaridade. holanda ]
A análise um pouco mais desa-
gregada dos dados revela que os mo- A questão da mobilidade física dos
radores da Área 2, que reúne nove moradores para fora da Maré é outra
favelas, têm maior circulação extra variável a ser levada em conta, quando
local de moradia que os morado- falamos do direito de ir e vir, tendo em
res da Área 3. Isso ocorre, também, vista que, em geral, essa garantia não
porque as duas favelas dessa última está na agenda das políticas públicas
área — Praia de Ramos e Roquete implementadas na cidade. Os dados re-
Pinto — não fazem parte do territó- velam que 81,5% dos moradores locais
rio contíguo da Maré e sua popula- circulam em outros lugares externos à
ção, historicamente, utiliza menos as Maré, enquanto 18,5% afirmam o con-
centralidades da Maré, sobretudo o trário (ver Tabela 13). O que chama a
comércio do Parque União e de Nova atenção na informação é o fato dos mo-
Holanda/Parque Maré. Acima de radores da Área 3 serem não só os que
tudo, temos observado que os mora- menos circulam na Maré, mas, tam-
dores da Maré, conforme diminuem bém, em outros territórios da cidade.
os conflitos entre as facções, perdem,
progressivamente, o temor de circu-
O termo fronteira é utilizado de forma naturalizada
30
lar e acessar oportunidades em fa-
na Maré. Ele denomina as divisões de territórios
velas que não estão próximas da sua estabelecidas pelas facções, que são organizadas,
casa. O relato de uma moradora da como abordado, de acordo com os limites que
distinguem as comunidades. Assim, as facções
Baixa do Sapateiro ilustra a mudança
52
controlam o território de uma favela como um todo e
em curso: nunca, apenas uma fração dele.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 13 | o/a senhor/a visita ou frequenta outros lugares fora da maré?


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

SIM 81,5% 81,6% 82,4% 75,1%

NÃO 18,5% 18,4% 17,6% 24,9%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.

Mesmo as pessoas que circulam mencionado, os que menos circulam


fora da Maré, a grande maioria o faz na favela ou fora dela, o que implica
nas centralidades próximas, especial- dizer que uma mulher idosa tem as
mente o bairro de Bonsucesso. Ele, menores chances de circular além de
embora quase sete vezes menos po- seu lugar mais próximo.
puloso que a Maré, oferece serviços No item sobre a sensação de se-
públicos e comerciais, como as agên- gurança, 60,1% dos moradores rela-
cias bancárias, que não existem na tam que se sentem mais seguros na
Maré e evidenciam a necessidade de Maré que em outras partes do Rio
deslocamento. Assim como a tendên- de Janeiro, 24,4% se sentem tão se-
cia observada no padrão da circulação guros como no restante da cidade e
interna, os homens trabalhadores são apenas 15,4% se sentem menos se-
os que mais circulam para outros bair- guros que em outras regiões (ver Ta-
ros da cidade, assim como os jovens bela 14). De fato, a sensação de Se-
com maior escolaridade, que o fazem gurança no que diz respeito a crimes
em função dos estudos ou em busca é acima da média da cidade, espe-
de atividades culturais e de lazer. cialmente nos crimes contra o patri-
De acordo com pesquisa feita an- mônio — o que é um paradoxo para
teriormente sobre a mobilidade fí- aqueles que não conhecem as favelas
sica dos moradores da Maré31, as cariocas. São atípicos, por exemplo,
mulheres e os idosos são, como já roubo em domicílio, furto de veículo
ou, tampouco, assalto a transeunte.
No máximo, acontecem contra deter-
Redes da Maré; Observatório de Favelas; CEIIA. 1ª
53
31

Amostra sobre Mobilidade na Maré. 2014. minados tipos de negócio, tais como
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

supermercados ou lojas de loteria. E na Maré é provocada mais pelo risco


são realizados, em geral, por assal- à vida, devido às chances de estar em
tantes de outros territórios, nunca perigo em meio a eventuais confli-
por aqueles que residem na própria tos armados, do que pelo temor de
favela. A explosão de uso do crack, a crimes contra o patrimônio ou, até
partir da segunda metade dos anos mesmo, de ser assassinado de forma
2000, e a criação das UPPs aumen- consciente por algum criminoso.
taram o número de crimes contra Fechando o bloco sobre como se
o patrimônio em algumas favelas. sente o entrevistado em relação à sen-
Mas, no caso do crack, esse processo sação de segurança na Maré, indaga-
foi rapidamente sufocado com a re- mos sobre o registro de qualquer delito
pressão por parte dos GCAs sobre os ou violação que tenha sofrido (ver Ta-
usuários. Nos territórios com UPP, bela 15). O intuito foi identificar como
a recente retomada da regulação do os moradores da Maré entendem o
território pelos GCAs tende a contri- processo necessário de registros de
buir para diminuir esse tipo de delito eventuais violências que sofram. Ape-
em função do temor da punição por nas 6,1% foram pessoalmente à Dele-
parte desses grupos. gacia ou algum parente o fez. Vale des-
Diante do exposto, podemos de- tacar que 1/3 das pessoas que tiveram
duzir que a sensação de insegurança ou souberam dessa experiência por

tabela 14 | complete essa frase: na maré, eu me sinto...


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

...MAIS SEGURO DO QUE NO RESTANTE


60,1% 57,8% 59,7% 74,6%
DA CIDADE

...TÃO SEGURO QUANTO NO RESTANTE


24,4% 24,5% 25,1% 19,6%
DA CIDADE

...MENOS SEGURO DO QUE NO


15,4% 17,7% 15,2% 5,4%
RESTANTE DA CIDADE

NÃO RESPONDEU 0,0% – – 0,4%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

54 NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 15 | o/a senhor/a ou alguém do seu domicílio já foi a alguma


delegacia para registrar algum delito que tenha sido vítima na maré?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

NÃO 93,9% 96,4% 91,6% 95,2%

SIM 6,1% 3,6% 8,4% 4,8%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

tabela 16 | isso foi antes ou depois da ocupação da “força de pacificação”


na maré?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n=58 n=11 n=33 n=14


N= 5.480 N= 1.322 N= 3.804 N= 355

ANTES 64,7% 80,8% 58,7% 67,9%

DEPOIS 35,3% 19,2% 41,3% 32,1%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

parte de algum parente, disseram que Estes não são vistos como instituições
a ocorrência se deu no período ante- dedicadas à defesa dos direitos das
rior à ocupação pelo Exército (ver Ta- pessoas, sobretudo as mais pobres,
bela 16). mas, sim, como instrumentos de re-
É evidente que nem todas as pes- pressão de direitos. Além disso, sabe-
soas sofreram ou se percebem víti- -se que a imensa maioria dos crimes,
mas de delitos. Mas um número tão especialmente furtos ou assaltos, não
baixo de registros reflete a histórica são investigados. Nesse caso, bem
desconfiança dos moradores das fa- como em grande parte da cidade, os
velas em relação aos órgãos policiais. cidadãos não têm espaço para fazer 55
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

valer seus direitos no campo da pro- determinados crimes será realizada,


teção à vida e ao patrimônio. Assim, de forma inapelável, pelo grupo cri-
os únicos crimes que são notificados minoso, e não por algum órgão do
pelas pessoas, em geral, são o assas- sistema de Justiça, como deveria ser.
sinato, por força da lei, e a subtração Podemos considerar essa rea-
de veículos, tendo em vista a neces- lidade uma aberração do ponto de
sidade do Boletim de Ocorrência no vista da democracia, da ética e do Es-
caso de o veículo ser segurado. tado de Direito. Além de suas vanta-
Todavia, os dados não podem ser gens imediatas, o fenômeno gera a
lidos como se boa parte dos morado- naturalização de um conjunto de vio-
res da Maré recorresse aos GCAs para lências e estabelece práticas de con-
resolver suas pendências nos casos vivência consideradas inaceitáveis
em que sofrem violência ou algum em áreas da cidade, que não nas fa-
tipo de atentado ao patrimônio. Cabe velas e periferias. O episódio rela-
ressaltar que a grande maioria dos tado, a seguir, por M. Oliveira, mora-
residentes não admite essa hipótese dora da Nova Holanda, pode ilustrar
e não quer recorrer aos grupos crimi- a profundidade do problema que es-
nosos em situações desse tipo. tamos considerando:
Considerando-se o exposto, o
Eu vivia há oito anos com meu marido e
sentimento de segurança e de in-
tivemos uma filha. Com o tempo, o meu
segurança dos moradores de fave- marido foi mudando e começou a che-
las é algo bastante complexo, tendo gar em casa bêbado, gastava uma parte
em vista sua ambiguidade. Histori- do salário que recebia em farras, até eu
camente, se convencionou afirmar descobrir que ele vivia saindo com ou-
tras mulheres. Eu cheguei a ir atrás dele
que dentro das favelas não ocorrem
em alguns bares aqui de Nova Holanda.
determinados tipos de crimes, tais Um dia, eu me cansei e disse pra ele ir
como assalto, furto, estupro etc., por- embora e me deixar; ele veio pra cima
que nas regras impostas pelos GCAs de mim, querendo me agredir. Como
consta, justamente, a proteção dos isso se repetiu outras vezes, resolvi pro-
curar o chefe do tráfico, aqui, que, na
moradores contra delitos que, mui-
época, era o Jorge Negão. Chamei uma
tas vezes, são cometidos fora da fa- amiga para ir junto comigo falar com
vela por autoria ou conivência des- ele. Ele recebeu a gente numa laje da
ses próprios grupos. Mas esse é um casa de um parente dele e eu expliquei
viés estereotipado do imaginário das o que estava acontecendo. Ele me per-
guntou o que eu queria, se era o caso de
comunidades populares. O fato dos
mandar ele embora ou de dar um susto
moradores se sentirem seguros den- nele. Respondi que queria que ele fosse
tro da favela deve-se, sobretudo, à embora. Ele não queria ir embora, por-
56 constatação de que a reparação de que tinha comprado o barraco que nós
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

morava e eu dizia que ele não podia me em cumprir seu papel de regulação
deixar na rua com uma filha. O chefe do espaço público e da vida social so-
do tráfico, então, falou que eu podia ir
bre o conjunto do território é o prin-
para a casa que ele iria resolver. Saí dali
e fui na casa do meu pai. Fiquei com um cipal elemento a colocar em risco os
pouco de medo, pois não sabia o que direitos dos cidadãos e a democracia
iriam fazer. Quando voltei pra casa, meu na sociedade brasileira.
marido já tinha ido lá, pego as roupas A ausência nesse campo — que
dele e ido embora. Nunca mais vi ele na
afeta o funcionamento, inclusive, de
comunidade. Eu soube que o Jorge Ne-
gão tinha mandado um dos meninos órgãos públicos presentes nas favelas
que trabalhava com ele falar com meu e periferias, tais como escolas, cre-
marido que ele ia ter que deixar a casa. ches e postos de saúde — só poderá
ser resolvida a partir do reconheci-
O fato demonstra como a Justiça mento dos moradores desses territó-
feita pelos grupos criminosos pode rios como cidadãos e da criação de
ser rápida, se pensarmos esses ca- práticas inovadoras que permitam,
sos contextualizados. O problema ao Estado, ampliar sua legitimidade e
central é que os moradores das fa- sua capacidade de exercer soberania
velas e periferias não têm, em geral, numa perspectiva republicana.
meios de recorrer ao sistema Judici-
ário para lidarem com conflitos que
estão no seu âmbito. Assim, como PERCEPÇÕES SOBRE O
podemos observar, a ideia de segu- PROCESSO DE OCUPAÇÃO
rança ou insegurança de quem vive DA MARÉ PELO EXÉRCITO
nas favelas da Maré acontece fora do
BRASILEIRO
âmbito do sistema democrático de
Justiça estabelecido em nosso país. Chegamos ao bloco central da in-
Na verdade, o modelo estabelecido vestigação proposta: apreender a per-
pelo Estado ainda serve, em geral, cepção do morador sobre a ocupação
para as parcelas mais ricas e escola- da Maré pelo Exército. Como ponto
rizadas da sociedade. A sua incapaci- preliminar do estudo, buscamos en-
dade de atender aos mais pobres de tender o que representou a atuação das
forma universal gera atrofia de direi- Polícias Militar e Civil no período pré-
tos, falta de reconhecimento e de le- vio da ocupação das Forças Armadas.
gitimidade dos órgãos do Estado para Como já dito, houve um leque de gran-
aqueles que mais necessitariam de- des intervenções das polícias, especial-
les, bloqueando-se suas condições mente do BOPE, com foco na Área 1.
de exercício da cidadania. Logo, o Assim, em alguns quesitos, buscamos
descompromisso histórico do Estado compreender como eles se sentiram 57
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

diante das práticas efetivadas pelos Contudo, para indagar sobre o


agentes militares, com atenção parti- processo de ocupação da Maré pela
cular para a invasão das casas. chamada Força de Pacificação, foi
Na seção que apresentou o per- necessário saber se o entrevistado
fil dos entrevistados, um dos quesitos já morava na localidade antes do
foi acerca do tempo em que estão mo- mesmo ter iniciado, pois alguns que-
rando na Maré (ver Tabela 10). Estes sitos foram direcionados apenas para
dados confirmam uma característica os que vivenciaram o período ante-
importante da população da Maré, rior. O objetivo foi assinalar um pa-
que é a permanência de longo prazo râmetro comparativo do respondente
na região. Não há um fluxo contínuo com situações anteriores à ocupação.
de mudança, visto que, consideran- Tal como constatamos no bloco
do-se as condições habitacionais dos sobre o perfil dos entrevistados, iden-
territórios populares, a residência na tificamos que 96,4% já moravam na
Maré tem um grau de valorização Maré antes da entrada do Exército
acima da média da maior parte das (Tabela 17). Um fator fundamental
favelas e periferias do Rio de Janeiro. na moradia de longo prazo é que os
Assim, mesmo quando as famílias moradores conhecem a realidade lo-
crescem, a tendência é continuar resi- cal, tanto em termos das práticas das
dindo na comunidade de origem. Este facções criminosas como dos agentes
fato pode ser identificado pelo con- policiais, assim como as instituições
tínuo processo de verticalização das que atuam na defesa de seus direitos.
construções que continua a ocorrer Portanto, a maioria se sente à von-
na maior parte das favelas locais. tade para responder às entrevistas que

tabela 17 | o/a senhor/a já morava na maré antes da pacificação?


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

SIM 96,4% 97,6% 95,2% 97,7%

NÃO 3,6% 2,4% 4,8% 2,3%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

58 NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 18 | antes da ocupação da “força de pacificação” na maré,


o/a senhor/a se sentia inseguro/a com que frequência?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 970 n= 286 n= 402 n= 282


N= 86.441 N= 35.838 N= 43.329 N= 7.274

NUNCA 41,6% 31,6% 49,7% 42,0%

RARAMENTE 13,6% 13,2% 13,3% 17,0%

ÀS VEZES 27,3% 36,0% 20,5% 24,1%

FREQUENTEMENTE 9,3% 9,2% 9,0% 11,2%

SEMPRE 8,4% 9,9% 7,5% 5,6%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FFONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

entidades como a Redes da Maré fa- (ver Tabela 14), mas, em alguma me-
zem, pois sabem que elas visam con- dida, mostra que uma proporção
tribuir para a conquista de mais di- maior de pessoas passou a se sentir
reitos para os residentes na favela. Da em risco. Na questão anterior, apre-
mesma forma, o tempo maior de resi- sentamos uma referência espacial;
dência permite que os moradores de- nesta, uma referência temporal. Logo,
senvolvam uma visão em perspectiva quando o morador pensa na inserção
e possam avaliar com mais elementos da Maré na cidade, ele se sente mais
as práticas efetivadas pelos órgãos es- protegido no seu lugar, no espaço lo-
tatais nas comunidades locais. cal. Quando, todavia, falamos da ex-
No quesito sobre sentimento de periência restrita à Maré, levando em
insegurança por morar na Maré an- conta o período imediatamente ante-
tes da entrada do Exército, 55,2% dos rior à ocupação do Exército, a sensa-
moradores nunca ou raramente se ção de insegurança cresce.
sentiram inseguros (ver Tabela 18). Os Verificamos, todavia, 17,7% dos
percentuais das respostas não se dife- moradores se sentindo sempre ou
renciam tanto das que tivemos em re- frequentemente inseguros. Consi-
lação à sensação de segurança com- derando-se a representação sobre a
parada a outros espaços da cidade violência na Maré, especialmente na 59
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 19 | na sua opinião, a pacificação de outras áreas da cidade


interferiu na situação dentro da maré?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 970 n= 286 n= 402 n= 282


N= 86.441 N= 35.838 N= 43.329 N= 7.274

NÃO 66,0% 58,4% 69,1% 85,2%

SIM 33,7% 41,6% 30,4% 14,0%

NÃO RESPONDEU 0,3% – 0,5% 0,8%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

forma veiculada na mídia tradicional, as pessoas estão pensando, de fato,


é um percentual até pequeno. Porém, quando dizem que nunca ou sempre
quando pensamos que o direito à Se- se sentem inseguras. De acordo com a
gurança é o mais básico, primário, na forma como lidam com a vida, com as
vida social, que antecede a todos os instituições e com as tensões cotidia-
outros, se evidencia que o percentual nas, elas podem ter percepções distin-
de pessoas dominadas pela insegu- tas de situações semelhantes e, com
rança é preocupante. isso, desenvolverem diferentes senti-
Um ponto relevante a destacar so- mentos em relação à segurança na vida
bre essa questão, em particular, e so- cotidiana. O mais importante na inter-
bre a coleta de dados, em geral, diz pretação da sensação de segurança é
respeito à dimensão subjetiva no pro- compreender que ela é mais influen-
cesso de produção de percepções e, ciada pela forma como o indivíduo se
portanto, das respostas. Como é sa- relaciona com o meio no qual vive do
bido, o survey é um bom instrumento que pelas situações objetivas de risco
para captar impressões gerais, mas social que corre. Portanto, pode ocor-
deixa a desejar em relação ao signifi- rer de moradores em locais com índi-
cado das respostas dadas. Neste caso, ces baixos de crime se sentirem mais
seria necessária a utilização de outros inseguros de circular na cidade do que
instrumentos de coleta de dados para pessoas que vivem em áreas com altas
60 compreendermos devidamente o que taxas de criminalidade.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

Perguntados se acreditavam que vez que o aumento de circulação


a implantação das UPPs em várias de armas e de pontos de drogas foi
favelas da cidade teria provocado al- significativo.
guma interferência na dinâmica co- No quesito seguinte, indagamos
tidiana da Maré, 66% consideram se no período anterior à ocupação do
que não houve interferência e 33,7% Exército, algum morador do domicí-
acreditam que houve (ver Tabela 19). lio da pessoa entrevistada havia sido
De acordo com informações de ou- vítima de qualquer tipo de violação
tras fontes (polícia e mídia, especial- de direito como, por exemplo, en-
mente), muitos integrantes de fac- trada da polícia no domicílio sem au-
ções criminosas teriam migrado para torização, algum sofrimento corporal
outros territórios da cidade, da Bai- ou dano à propriedade.
xada Fluminense ou outras cidades O resultado obtido foi que 77,9%
do Estado, em função da chegada dos moradores não passaram por ne-
das unidades pacificadoras. No caso nhuma das violações apontadas (ver
das favelas da Maré, como já sina- Tabela 20). Já 22,1% vivenciaram al-
lizamos em outra parte desse texto, gum tipo de violência pela polícia
a ocupação do conjunto de comu- dentro da Maré. A questão buscou
nidades do Alemão pelo Exército e, captar o percentual e o padrão de
posteriormente, pela Polícia Militar, violação que ocorrem na Maré, basi-
assim como na do Jacarezinho, Man- camente a partir da ação das polícias.
guinhos e Lins, teria atraído muitos Desde 2009, algumas instituições na
integrantes do Comando Vermelho, Maré vêm chamando a atenção para
principalmente, para os territórios as violações que ocorrem na região,
controlados pela facção na Maré — fruto das entradas pontuais das po-
Parque Maré, Nova Holanda, Par- lícias, porém, frequentes, denomi-
que Rubens Vaz e Parque União, que nadas de operações policiais. Como
agregamos na Área 1. Logo, não é ca- não há uma presença regular, nem
sual que nesse espaço tenhamos um uma postura preventiva dos agentes
percentual maior de moradores — da Segurança pública, o que se ob-
41,6% — que consideram ter havido serva é um saldo expressivo de mor-
impacto em sua comunidade com a tes e feridos e/ou violações de outros
implantação das UPPs — bem acima, direitos dos moradores cada vez que
por exemplo, do percentual de 14% essas operações acontecem. Além da
dos entrevistados da Área 3. A migra- quebra da rotina, com o fechamento
ção dos integrantes da citada facção de escolas, creches, clínicas da famí-
para a Maré trouxe, na época, muita lia, comércio e outras atividades, há
apreensão para os moradores, uma reiteradas denúncias sobre a forma 61
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 20 | nos últimos três anos antes da pacificação, o/a senhor/a


ou alguém do seu domicílio foi vítima de algum tipo de violação de direito
(por exemplo: entrada em domicílio sem autorização, dano corporal
ou de propriedade) por parte da polícia dentro da maré?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 970 n= 286 n= 402 n= 282


N= 86.441 N= 35.838 N= 43.329 N= 7.274

NÃO 77,9% 73,0% 79,6% 92,3%

SIM 22,1% 27,0% 20,4% 7,7%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

desrespeitosa como os policiais rea- Forças Armadas, seis pela Polícia Ci-
lizam a abordagem aos moradores. vil, 22 pela Polícia Militar e cinco de-
Por isso, provavelmente, os mais de las não se conseguiu saber de quem
20% que passaram por alguma vio- era a responsabilidade. Um exemplo
lação rememoram tais eventos. Não do impacto delas no cotidiano refe-
por acaso, na Área 1 (Parque Maré, re-se ao fechamento das escolas: da-
Nova Holanda, Parque Rubens Vaz e dos da 4ª Coordenadoria Regional de
Parque União), região de maior ocor- Educação, Órgão da Secretaria Muni-
rência de operações policiais, mais cipal de Educação (SME), mostram
de 1/4 dos entrevistados afirma ter que, entre julho de 2015 e  maio de
sofrido alguma violação, seguida 2016, as escolas municipais da re-
pela Área 2, em que cerca de 1/5 pas- gião tiveram 23 dias de aulas suspen-
sou por essa experiência. Com 7,7%, sas em decorrência dos conflitos en-
o contraponto é a Área 3, controlada tre polícia e integrantes de GCAs na
pela milícia e, portanto, constante- Maré (ver Quadro 1 e Quadro 2).
mente poupada das operações. Em diálogos com a Secretaria Mu-
Dados levantados por profissio- nicipal de Educação, os técnicos afir-
nais da Redes da Maré que atuam no mam que, além do cancelamento das
eixo Segurança pública revelam que, aulas, existem consequências que
entre julho de 2015 e maio de 2016, não são possíveis de  ser quantifica-
ocorreram 36 incursões policiais na das, como a dificuldade de aprendi-
62 Maré: três foram coordenadas pelas zagem das crianças e adolescentes
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

FOTO: DIEGO JESUS / ECOM

quadro 1 | atividades escolares


suspensas devido a operações
policiais entre julho
e dezembro de 2015
TOTAL DE
NÚMERO
ALUNOS
DATA ESCOLAS
AFETADOS
FECHADAS
POR DIA

02/07/2015 13 6529

03/07/2015 15 8295

08/07/2015 13 5780

07/08/2015 11 4845

21/08/2015 11 5046

25/08/2015 3 520
quadro 2 | atividades escolares
03/09/2015 11 4504 suspensas devido a operações
policiais entre fevereiro e maio
08/09/2015 4 4340 de 2016
09/09/2015 10 4946 TOTAL DE
NÚMERO
ALUNOS
DATA ESCOLAS
AFETADOS
10/09/2015 6 3345 FECHADAS
POR DIA

15/09/2015 5 2312 03/02/2016 17 6213

22/09/2015 6 124 22/02/2016 10 3522

01/10/2015 10 5231 01/03/2016 16 5362

08/10/2015 7 3193 16/03/2016 13 5786

13/10/2015 9 3400 18/03/2016 13 4305

23/10/2015 12 4600 11/04/2016 5 1835

28/10/2015 10 5120 13/04/2016 11 3158

10/12/2015 11 5302 12/05/2016 23 5736

18 DIAS SEM AULA 8 DIAS SEM AULA


FONTE: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO /
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. 2015.
FONTE: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO /
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. 2015. 63
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

em um contexto de conflitos frequen- foram vítimas de violação passaram


tes e os transtornos psíquicos cau- por essa situação, pelo menos, três
sados aos estudantes e outros inte- vezes (ver Tabela 21). Novamente, a
grantes da comunidade escolar, que Área 3, que apresentara a menor pro-
ocasionam, por exemplo, o elevado porção de pessoas com a percepção
número de licenças por motivo de de terem sofrido algum tipo de viola-
estresse e síndrome do pânico entre ção, é aquela que as pessoas que en-
os profissionais que atuam nas esco- tendem ter sofrido alguma violação
las da Maré. Outra medida preocu- por parte da polícia, viveram isso em
pante, embora nos pareça inaceitável menor número de ocasiões.
como justificativa, por impedir a ga- Quanto ao tipo de violação so-
rantia do direito básico das crianças frida, quase 2/3 assinalam a inva-
da Maré à educação, é a redução da são de domicílio e 57,8%, a forma
carga horária das escolas em função de abordagem (ver Tabela 22). Nas
da falta de segurança. Áreas 1 e 2, a invasão de domicílio é a
Para os entrevistados que afirma- violação que atingiu o maior número
vam ter sofrido alguma violação, per- de pessoas. Já na Área 3, a forma de
guntamos quantas vezes isso ocorreu abordagem é a mais incidente.
e, além disso, o tipo de delito come- Os dados sobre a frequência com
tido pela polícia. Mais de 1/4 dos que que ocorrem as violações contra os

tabela 21 | quantas vezes sofreu alguma violação?


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 176 n= 75 n= 79 n= 22
N= 19.082 N= 9.688 N= 8.836 N= 557

UMA VEZ 42,8% 44,2% 38,7% 84,1%

DUAS VEZES 31,1% 34,0% 29,1% 11,9%

TRÊS A CINCO
14,2% 12,8% 16,5% 4,0%
VEZES

SEIS VEZES OU
11,8% 9,0% 15,7% –
MAIS

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

64 NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 22 | o/a senhor/a pode indicar o/s tipo/s de incidente?


pode escolher mais de uma opção
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 176 n= 75 n= 79 n= 282
N= 19.082 N= 9.688 N= 8.836 N= 7.274

INVASÃO DE DOMICÍLIO 63,6% 73,3% 54,9% 35,0%

FORMA DE ABORDAGEM 57,8% 61,4% 54,2% 51,2%

AGRESSÃO VERBAL 41,6% 32,7% 52,1% 29,4%

DISCRIMINAÇÃO 24,9% 16,3% 35,4% 7,9%

AGRESSÃO FÍSICA 21,4% 10,1% 32,5% 41,7%

DANO AOS SEUS BENS MATERIAIS 18,6% 16,1% 20,8% 27,5%

OUTRO 10,0% 7,4% 12,3% 19,7%

NÃO RESPONDEU 0,6% - 1,1% 4,0%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

moradores da Maré e, ainda, os ti- publicações do Observatório de Fa-


pos que têm maior incidência refor- velas, a “população civil do exército
çam algumas percepções já correntes inimigo” e, por isso, não precisam ter
de que a polícia tem estabelecido, de seus direitos básicos respeitados. Os
maneira histórica, um padrão de tra- moradores são vistos, muitas vezes,
balho na Maré, e em outros espaços como perigosos, cúmplices dos cri-
análogos, incompatível com o que minosos ou, no mínimo, coniventes.
seria esperado de servidores do Es- Desse modo, a condição de moradia
tado. O fato de mais de 60% dos agre- passa a definir um determinado tipo
didos terem sofrido a violação no de caráter ou comportamento margi-
momento da abordagem policial ou nal, o que é um imenso preconceito
por invasão de domicílio confirma a por parte dos policiais.
forma arbitrária e pouco respeitosa Cabe salientar que a representa-
com o direito dos moradores da Maré ção dos policiais sobre a população
quanto à Segurança pública. favelada não é solitária. Na verdade,
As práticas evidenciam a repre- eles reproduzem um juízo que é do-
sentação de que os moradores das minante em grande parte da popula-
favelas são criminosos em potencial ção carioca que não reside nas fave-
ou, conforme expressão utilizada em las. Essa estigmatização gera, como 65
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 23 | o/a senhor/a ou alguém do seu domicílio denunciou


este/s incidente/s junto a alguma instituição?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 176 n= 75 n= 79 n= 22
N= 19.082 N= 9.688 N= 8.836 N= 557

NÃO 95,9% 97,4% 96,3% 64,6%

SIM 4,1% 2,6% 3,7% 35,4%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

tabela 24 | onde a/s denúncia/s foi/foram registrada/s?


pode escolher mais de uma opção
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 14 n= 2 n= 4 n= 8
N= 779 N= 252 N= 330 N= 197

DELEGACIA 58% 46% 70% 55%

PATRULHA DA POLÍCIA MILITAR 17% 54% – –

EXÉRCITO 13% – 30% –

ASSOCIAÇÃO DE MORADORES 10% – – 39%

IGREJA 6% – – 23%

DISQUE–DENÚNCIA 3% – – 11%

ONG 3% – – 11%

OUTRA 33% 54% 30% 11%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

66
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

resposta, a intolerância de parte da descobrem que as situações de abuso


população local em relação à Polícia, cometidas por agentes do Estado po-
o que faz com que diversos tipos de dem ser enfrentadas e que existem
conflito e situações de violência ter- canais institucionais que devem ser
minem ocorrendo nos momentos da acionados pelas pessoas diretamente
incursão policial. envolvidas nesses episódios.
Indagados se fizeram algum tipo Um item de grande relevância na
de comunicação da violação de di- pesquisa, ao qual, temos dado uma
reito sofrida, nove em cada dez pes- atenção maior, diz respeito à sensa-
soas do universo que teve os seus di- ção de segurança dos moradores da
reitos agredidos não fizeram registro Maré. Como já afirmamos, esse é, tal-
algum da denúncia (ver Tabela 23). vez, o mais básico dos direitos: sentir
Entre os poucos que fizeram, pouco que se vive em um mundo social que
mais da metade foi à Delegacia. O não é hostil, no qual se pode circular
restante procurou uma Patrulha da com segurança, sem temor.
Polícia Militar, um representante do Como vimos em resposta ante-
Exército, o Disque-Denúncia ou, até rior, 60% dos entrevistados se sentem
mesmo, associações de moradores, seguros na Maré em relação ao con-
igrejas e organizações não governa- junto da cidade (ver Tabela 14) e 55%,
mentais (ver Tabela 24). normalmente, não se sentiam inse-
Na perspectiva de aumentar a ca- guros antes de 2014. Logo, não é sur-
pacidade dos moradores se defen- preendente que, para 69,2% da popu-
derem dessas violações, algumas lação adulta da Maré, a entrada das
instituições que atuam na Maré rea- Forças Armadas não tenha aumen-
lizaram, em 2012, a primeira edição tado sua sensação de segurança (ver
da Campanha “Somos da Maré — Te- Tabela 25). Devemos levar em conta
mos Direitos”, e que teve uma nova que a segurança não era um pro-
versão, em 2016. Esse trabalho busca, blema para eles, o que contribui para
de maneira direta, realizar a mobiliza- esse tipo de resposta. Portanto, esta
ção dos moradores, porta a porta, por não é, necessariamente, negativa ou
meio da distribuição de um material representa um problema.
impresso que contém informações O que chama mais atenção, po-
sobre como deve ser uma abordagem rém, decorre do fato de 22,4% decla-
policial que respeite os direitos dos rarem que essa sensação piorou um
moradores. Essa iniciativa vem permi- pouco ou muito. Nesta perspectiva,
tindo que muitos moradores da Maré cabe assinalar que 28,1% dos mora-
entendam a necessidade de fazer o dores se sentem frequentemente ou
registro da violação. Além disso, eles sempre inseguros depois da entrada 67
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 25 | sua sensação de segurança mudou com a entrada


da “força de pacificação” na maré?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

MELHOROU MUITO 8,4% 10,3% 4,8% 20,4%

MELHOROU POUCO 22,5% 33,4% 12,6% 28,7%

NÃO MUDOU NADA 46,8% 45,7% 47,3% 49,0%

PIOROU POUCO 7,7% 5,7% 10,4% 0,7%

PIOROU MUITO 14,7% 4,9% 24,8% 1,2%

NÃO RESPONDEU 0,0% – 0,1% –

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

do Exército (ver Tabela 26). Analo- moradores, mas o controle do territó-


gamente, conforme mostra a Tabela rio, dos corpos e das práticas sociais.
25, o fato de menos de 1/3 achar que Em nome do combate aos grupos cri-
a sensação de segurança melhorou, minosos, considera-se que a favela
talvez esteja aquém das expectativas possa ser tratada como um “territó-
em face de um investimento tão vul- rio de exceção”, no qual as garantias
toso do Estado, sob qualquer ponto de direitos do sistema republicano
de vista: econômico, logístico, mili- não precisam ser efetivamente obe-
tar, político e social. Logo, a Opera- decidas. Isso explica porque o Exér-
ção São Francisco deveria ter uma cito usa, com naturalidade, tanques
avaliação bem melhor na percepção para fazer o patrulhamento das ruas,
do morador, o qual deveria ser o alvo anda com armas de guerra de alto ca-
privilegiado da ação do Estado. libre e coloca arames e sacos de areia
O problema central, na verdade, nas vias, inclusive nas ciclovias, o que
que caracteriza também a ação das torna a paisagem, de fato, como a de
UPPs, é que o foco da intervenção mi- uma arena de guerra, em todos os
68 litar não é a garantia dos direitos dos sentidos. Tudo isso acontecendo em
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 26 | depois da entrada da “força de pacificação” na maré,


o/a senhor/a se sente inseguro com que frequência?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

NUNCA 25,9% 21,7% 25,6% 48,4%

RARAMENTE 16,7% 19,0% 11,9% 35,1%

ÀS VEZES 29,1% 36,6% 26,0% 11,5%

FREQUENTEMENTE 15,4% 11,7% 20,5% 2,9%

SEMPRE 12,7% 10,7% 16,0% 2,1%

NÃO RESPONDEU 0,2% 0,4% – –

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

um território com 140 mil pessoas, com aqueles servidores do Estado.


quase 32 mil por km2. Em uma re- Para isso, cada entrevistado foi inda-
gião tão densamente povoada, o tra- gado sobre possíveis acontecimen-
balho em inteligência policial deve- tos para responder se já havia ou
ria ser a base da ação de combate ao não ocorrido consigo. O resultado
crime, a fim de evitar que as pessoas, das entrevistas indica que metade
incluindo os próprios militares, cor- dos moradores reconhece ter vivido
ressem riscos desnecessários. Essa alguma experiência direta com as
perspectiva, no entanto, parece que Forças de ocupação.
nunca esteve no cenário das ações Embora não fosse direcionado na
policiais ou das Forças Armadas, no pergunta, é possível que alguns dos
Rio de Janeiro. acontecimentos possam ter ocorrido
A presença dos soldados do Exér- com familiares e amigos do entrevis-
cito se tornou muito visível na paisa- tado, mas assumidos como experiên-
gem da Maré. Mas buscamos saber cia própria. Mesmo assim, o fato de a
dos entrevistados quais experiências ação de revista pessoal ter alcançado
mais diretas eles teriam vivenciado 34% dos moradores (ver Tabela 27), 69
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

segundo a amostra, é marcante, já que nunca se materializou como objetivo


este não é um acontecimento que seja da instituição, mas, sim, o controle
naturalizado na maior parte da cidade. do território e de seus moradores,
Além disso, 21,6% viram algum visando estabelecer uma situação
confronto violento entre soldados e de repressão a possíveis formas de
integrantes de GCAs. Os percentu- criminalidade. Como era claro para
ais revelam como a Maré, de fato, se muitos moradores da Maré, a ocu-
tornou um território dominado pela pação militar foi uma demanda ex-
lógica da guerra e, em momento al- terna, para impedir que os GCAs
gum, um território de paz. E eviden- agissem em outras partes da cidade.
ciam a falta de sentido do uso do O Exército não estava na favela para
termo pacificação, que foi a marca proteger os seus moradores, mas
institucional adotada pelas Forças do para impedir que dali pudesse sair
Exército, como forma de identifica- ações que atingissem outros territó-
ção da ação militar. No entanto, a paz rios do Rio de Janeiro.

tabela 27 | qual/quais dessas experiências o/a senhor/a já vivenciou


com os militares da força de pacificação?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

NENHUMA DESSAS OPÇÕES 49,1% 61,0% 34,5% 79,7%

REVISTA PESSOAL 34,0% 30,5% 40,2% 13,4%

UM CONFRONTO VIOLENTO
21,6% 7,0% 36,6% 2,2%
ENVOLVENDO MILITARES

REVISTA À RESIDÊNCIA 8,7% 5,7% 12,1% 2,6%

EVENTO COMUNITÁRIO COM A


5,2% 3,6% 7,0% 2,3%
PARTICIPAÇÃO DE MILITARES

DETENÇÃO 1,1% 0,3% 1,9% 0,3%

REGISTRO DE DENÚNCIAS JUNTO


0,8% 0,4% 0,9% 1,9%
AOS MILITARES

NÃO RESPONDEU 0,9% 0,3% 1,3% 1,9%

70 FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 28 | qual/quais dessas experiências o/a senhor/a já vivenciou


com os militares da força de pacificação?
BAIRRO MARÉ MULHERES HOMENS

n= 1.000 n= 511 n= 489


N= 89.661 N= 45.857 N= 43.804

NENHUMA DESSAS OPÇÕES 49,1% 60,6% 37,1%

REVISTA PESSOAL 34,0% 20,0% 48,6%

UM CONFRONTO VIOLENTO
21,6% 21,7% 21,5%
ENVOLVENDO MILITARES

REVISTA À RESIDÊNCIA 8,7% 9,3% 8,0%

EVENTO COMUNITÁRIO COM


5,2% 4,5% 6,0%
A PARTICIPAÇÃO DE MILITARES

DETENÇÃO 1,1% 0,6% 1,6%

REGISTRO DE DENÚNCIAS
0,8% 0,6% 1,1%
JUNTO AOS MILITARES

NÃO RESPONDEU 0,9% 1,2% 0,7%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

Os dados sobre a revista pessoal realizada, foram entrevistados ape-


são tão expressivos que merecem nas sete moradores que se declara-
uma análise mais detalhada. Desa- ram integrantes deste contingente
gregando-os segundo o sexo do en- étnico, o que não nos permite consi-
trevistado, observa-se, como era de derar o resultado significativo para o
se esperar, que os homens são mais universo de moradores. Em seguida,
submetidos à revista que as mulhe- o contingente que apresenta o maior
res, respectivamente, 48,6% e 20% percentual — 44,5% — é o de pes-
(ver Tabela 28). Quando o filtro é por soas com cor da pele preta. Em con-
faixa etária, os jovens de 18 a 29 apa- trapartida, entre as pessoas brancas,
recem como os mais visados, atin- o percentual é de 26,4% (ver Tabela
gindo 46,3% deles (ver Tabela 29). 30). Quanto à escolaridade, os resul-
Por cor da pele ou raça, o resultado tados não podem ser considerados
da amostra assinala um percentual representativos para os que chega-
de 62,2% entre os moradores de ori- ram ao nível superior e para aqueles
gem indígena, porém, na amostra sem escolaridade alguma, em razão 71
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 29 | qual/quais dessas experiências o/a senhor/a já vivenciou


com os militares da força de pacificação?
BAIRRO MARÉ 18 A29 ANOS 30 A 49 ANOS 50 A 69 ANOS

n= 1.000 n= 347 n= 418 n= 235


N= 89.661 N= 29.994 N= 42.642 N= 17.026

NENHUMA DESSAS OPÇÕES 49,1% 40,5% 48,6% 65,6%

REVISTA PESSOAL 34,0% 46,3% 33,8% 12,8%

UM CONFRONTO VIOLENTO
21,6% 22,3% 23,7% 15,4%
ENVOLVENDO MILITARES

REVISTA À RESIDÊNCIA 8,7% 7,6% 9,4% 8,8%

EVENTO COMUNITÁRIO COM A


5,2% 7,6% 4,0% 4,1%
PARTICIPAÇÃO DE MILITARES

DETENÇÃO 1,1% 2,5% 0,4% 0,3%

REGISTRO DE DENÚNCIAS
0,8% 1,3% 0,8% –
JUNTO AOS MILITARES

NÃO RESPONDEU 0,9% 0,9% 0,5% 2,2%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

tabela 30 | qual/quais dessas experiências o/a senhor/a já vivenciou


com os militares da força de pacificação?
BAIRRO
AMARELA BRANCA INDÍGENA PARDA PRETA
MARÉ

n= 1.000 n= 12 n= 297 n= 7 n= 497 n= 187


N= 89.661 N= 1.594 N= 26.844 N= 681 N= 43.083 N= 17.460

NENHUMA DESSAS OPÇÕES 49,1% 69,8% 58,0% 19,3% 49,0% 35,0%

REVISTA PESSOAL 34,0% 6,3% 26,4% 62,2% 35,0% 44,5%

UM CONFRONTO VIOLENTO
21,6% 22,6% 17,4% 48,6% 21,3% 27,9%
ENVOLVENDO MILITARES

REVISTA À RESIDÊNCIA 8,7% – 7,6% 9,3% 8,6% 11,4%

EVENTO COMUNITÁRIO COM A


5,2% – 4,0% 27,3% 4,9% 7,7%
PARTICIPAÇÃO DE MILITARES

DETENÇÃO 1,1% – – 11,8% 1,1% 2,4%

REGISTRO DE DENÚNCIAS
0,8% 1,4% 1,4% 24,0% 0,4% –
JUNTO AOS MILITARES

NÃO RESPONDEU 0,9% – 1,4% – 0,8% 0,6%

72 FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ FOTO: DIEGO JESUS / ECOM
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 31 | qual/quais dessas experiências o/a senhor/a já vivenciou


com os militares da força de pacificação?

FUNDAMENTAL

ESCOLARIDADE
ENSINO MÉDIO

ENSINO MÉDIO

UNDAMENTAL
BAIRRO MARÉ

INCOMPLETO

INCOMPLETO

INCOMPLETO
COMPLETO

COMPLETO

COMPLETO
SUPERIOR

SUPERIOR

ENSINO

ENSINO

SEM
n= 1.000 n= 1.000 n= 511 n= 1.000 n= 489 n= 1.000 n= 1.000 n= 1.000
N= 89.661 N= 89.661 N= 45.857 N= 89.661 N= 43.804 N= 89.661 N= 89.661 N= 89.661

NENHUMA
49,1% 51,3% 41,9% 50,9% 35,5% 40,8% 55,9% 61,1%
DESSAS OPÇÕES

REVISTA PESSOAL 34,0% 28,2% 51,8% 32,5% 49,5% 41,1% 27,1% 8,4%

UM CONFRONTO
VIOLENTO
21,6% 23,9% 33,5% 22,6% 25,0% 22,3% 18,3% 21,8%
ENVOLVENDO
MILITARES

REVISTA À
8,7% 8,8% 0,9% 7,4% 14,4% 8,4% 7,8% 9,6%
RESIDÊNCIA

EVENTO
COMUNITÁRIO
COM 5,2% 1,2% 9,5% 4,3% 10,5% 4,5% 4,2% –
A PARTICIPAÇÃO
DE MILITARES

DETENÇÃO 1,1% 4,2% – 1,1% 1,8% 1,3% 0,7% –

REGISTRO DE
DENÚNCIAS
0,8% – 2,6% 1,0% 2,7% 0,6% – –
JUNTO AOS
MILITARES

NÃO RESPONDEU 0,9% 3,1% – 0,3% 1,3% 0,2% 1,2% 4,4%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS: 2014/2015.
73
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

do pequeno número de entrevista- agressão física (31%) são as viola-


dos. Mas, grosso modo, a compara- ções apontadas por mais pessoas, se-
ção desde os que não concluíram o gundo a pesquisa (ver Tabela 34).
fundamental até os que completa- Todavia, um dado menos fre-
ram o ensino médio sugere que não quente na amostra chama a atenção:
há padrões muito distintos entre os a invasão da residência por parte dos
segmentos (ver Tabela 31). Talvez, militares, o que já era comum nas
por não ser uma característica apa- operações policiais na Maré. Levan-
rente, como o sexo, a idade e a cor do-se em conta que o bairro possui
da pele, essa variável não se configu- mais de 45.500 domicílios (ver Tabela
rou como determinante na ação dos 1), a amostra indica que cerca de qua-
agentes do Exército. tro mil lares podem ter sido invadidos
Certamente, são necessários le- pelo Exército. Cabe assinalar que esse
vantamentos mais específicos do número pode ser inferido das respos-
ponto de vista metodológico para tas ao quesito que indagou sobre a vi-
que certas inferências, como a influ- vência de determinadas experiências
ência ou não da escolaridade, pos- durante a ocupação militar (Ver Ta-
sam ter consistência. Todavia, os bela 27). No entanto, no quesito em
resultados apontam para a confirma- que o enunciado faz referência à vio-
ção de que os homens jovens de cor lação de direitos, a estimativa de re-
preta são mesmo os alvos preferidos sidências invadidas passa a ser de,
para a abordagem com revista pes- aproximadamente, 1.200 domicílios,
soal, vulgarmente chamada de “dura”. sendo as agressões física e verbal cita-
No caso da violação de direitos, das por um número bem maior de en-
9% consideram ter sofrido alguma trevistados (Tabela 34). Isso pode sig-
ação caracterizada como tal (ver Ta- nificar — e os dados ilustram — que
bela 32), especialmente, a entrada de o desrespeito à privacidade e, tam-
soldados no domicílio. Cabe desta- bém, a ausência de legalidade no ato
car que a menção ao tipo de aconte- da invasão à residência não são, em
cimento (violação) neste quesito foi um universo no qual as pessoas têm
espontânea. pouco conhecimento sobre as leis e
Mais de 40% dos que sofreram sobre seus direitos, atos facilmente
alguma violação afirmam que isso identificados como violação de direi-
aconteceu mais de uma vez (ver Ta- tos — pelo menos, não tanto como é o
bela 33). A forma de abordagem atentado à pessoa, na forma de agres-
(70%), a agressão verbal (46%) e a são física e verbal.

74
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 32 | depois da entrada das forças de pacificação, o/a senhor/a ou


alguém do seu domicílio foi vítima de algum tipo de violação de direito
(por exemplo: entrada em domicílio sem autorização ou dano corporal
ou de propriedade) por parte dos militares?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

NÃO 91,0% 94,3% 87,5% 96,1%

SIM 9,0% 5,7% 12,5% 3,9%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA
UMA CASA DECIMAL.

tabela 33 | quantas vezes foi vítima de algum tipo de violação?


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 82 n= 15 n= 55 n= 12
N= 8.072 N= 2.099 N= 5.684 N= 289

UMA VEZ 56,6% 42,0% 62,3% 50,9%

DUAS VEZES 25,8% 24,6% 26,2% 26,1%

TRÊS A CINCO
5,9% 6,7% 5,5% 7,6%
VEZES

SEIS VEZES OU
11,4% 26,7% 6,0% 7,7%
MAIS

NÃO RESPONDEU 0,3% – – 7,7%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.

75
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 34 | o/a senhor/a pode indicar o/s tipo/s de incidente?


pode escolher mais de uma opção
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 82 n= 15 n= 55 n= 12
N= 8.072 N= 2.099 N= 5.684 N= 289

AGRESSÃO FÍSICA 31% 28% 31% 51%

FORMA DE ABORDAGEM 70% 51% 78% 50%

INVASÃO DE DOMICÍLIO 29% 27% 30% 27%

AGRESSÃO VERBAL 46% 45% 48% 26%

DISCRIMINAÇÃO 24% 26% 23% 15%

DANO AOS SEUS BENS


15% – 21% 8%
MATERIAIS

OUTRA 9% 14% 6% 15%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS.

Segundo estimativa a partir dos policiais, que foi de 4,1% (ver Tabela
resultados da presente pesquisa, ape- 23). Cabe ressaltar que todos os en-
nas 13% dos moradores que se senti- trevistados da Área 1 informaram que
ram com direitos violados por inte- não fizeram denúncia ou registro.
grantes das tropas do Exército fizeram A maior disposição para denun-
algum tipo de denúncia ou registro ciar eventuais abusos de membros
(ver Tabela 35) e pouco mais da me- do Exército pode ser decorrente, de
tade levaram a queixa a órgãos ofi- certa maneira, do maior crédito desta
ciais, notadamente, o próprio Exército Instituição junto aos moradores e a
— o Comando do Exército, o (vizinho) maior crença, talvez, que as Forças
Centro de Preparação de Oficiais de Armadas poderiam ter maior inte-
Reserva, o Batalhão do Exército e a resse em tomar providências para
Unidade da Força de Pacificação — e defender os direitos dos moradores.
a Delegacia de Polícia (ver Tabela 36). Há outras hipóteses que podem jus-
Esse percentual, embora baixo, é tificar essa diferença, entre elas, um
superior ao que tivemos em relação às maior grau de tolerância com os atos
76 denúncias de violações de direitos por do Exército, uma sensação mais forte
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 35 | o/a senhor/a ou alguém do seu domicílio denunciou


este/s incidente/s junto a alguma instituição?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 82 n= 15 n= 55 n= 12
N= 8.072 N= 2.099 N= 5.684 N= 289

NÃO 87% 100% 83% 65%

SIM 13% – 17% 35%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS.

tabela 36 | onde a/as denúncias/s foi/foram registrada/s?


pode escolher mais de uma opção
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 14 n= 0 n= 10 n= 4
N= 1.071 N= 0 N= 971 N= 100

DELEGACIA 3,9% – 4,3% –

EXÉRCITO 52,8% – 58,2% –

OUTRA 47,2% – 41,8% 100,0%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

de intimidação, a sensação maior se tornaria exaustiva e prejudicaria a


de quão inócuo seria denunciar ou qualidade das respostas em geral. Te-
a falta de clareza sobre a que autori- mos que reconhecer que a ausência
dade competente se reportar. de algumas explicações faz parte das
O fato é que o instrumento que características da metodologia de co-
utilizamos não previu perguntar as leta de dados utilizada, portanto, no-
razões de fazer ou não o registro, as- vos estudos são necessários para se
sim como para outros comportamen- chegar a uma conclusão a respeito de
tos indagados na entrevista, pois esta determinados resultados. 77
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

Uma questão central nessa amos- foi muito diferenciado nos territórios:
tra foi o grau de aprovação da atuação na Área 3, controlada pela milícia, o
do Exército, conforme demonstrado grau de satisfação com a ocupação
na Tabela 37. De forma geral, obser- foi muito maior que nas outras áreas.
vamos que 4% a avaliam como ótima Para mais de 60%, a presença militar
e menos de 20%, como boa. Com isso, foi boa ou ótima e menos de 8% a ava-
estimamos que apenas 1/4 da popu- liam como ruim ou péssima. Por sua
lação adulta da Maré teve um juízo vez, na Área 2, apenas 13,5% conside-
positivo sobre a ocupação militar. Em raram a ação militar boa ou ótima e
outro extremo, 13,9% a consideraram 36%, ruim ou péssima. A Área 1 ficou
péssima, e 11,9%, ruim, o que, grosso no meio do caminho: 28,7% a avaliam
modo, também reflete a opinião como boa ou ótima, enquanto 16,9%
de um em cada quatro moradores. como ruim ou péssima. Coerente-
Quando desagregamos esses dados mente, esta Área apresentou o mais
pelas três áreas, todavia, o resultado alto percentual de avaliação regular
mostra que o impacto da ocupação da ocupação do Exército: 54,4%.

tabela 37 | sua avaliação sobre atuação da força de pacificação


na maré, em geral, é:
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

ÓTIMA 4,0% 4,8% 2,4% 9,2%

BOA 19,9% 23,9% 11,1% 53,7%

REGULAR 49,5% 54,4% 49,1% 28,0%

RUIM 11,9% 9,8% 14,9% 4,3%

PÉSSIMA 13,9% 7,1% 21,1% 3,5%

NÃO RESPONDEU 0,9% – 1,5% 1,2%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

78 NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

Dois fatores contribuem para ex- mais perverso, já que estamos nos
plicar discrepância tão expressiva referindo à população com um dos
entre as percepções dos entrevista- menores níveis de rendimento mé-
dos. O primeiro deles decorre da es- dio da cidade do Rio de Janeiro.
tratégia diferenciada da milícia na O segundo fator, este relacio-
relação com as forças policiais e, no nado à existência de maior rejeição
caso, com as Forças de ocupação. ao Exército na Área 2, deve-se ao fato
Sendo controlada por policiais32, as de as suas comunidades serem do-
milícias nunca foram para o con- minadas pelo Terceiro Comando.
fronto com as forças de Segurança No processo prévio de ação da Polí-
do Estado do Rio. Da mesma forma, cia Militar, especialmente do BOPE,
nunca foram atacadas. O Exército na Maré, a estratégia foi atacar de
manteve, aparentemente, a mesma forma constante o Comando Verme-
lógica diante desse grupo criminoso. lho, visto que a polícia acreditava que
Cabe salientar que a milícia, diferen- essa facção pudesse resistir mais à
temente dos traficantes de drogas, ocupação das Forças Armadas. Desse
extorque os moradores de variadas modo, muitos líderes da facção saí-
formas, tanto cobrando mensalida- ram da favela durante o processo. O
des como um imposto, nos casos de mesmo não ocorreu em relação ao
venda de imóveis, por exemplo, den- Terceiro Comando: tendo sofrido
tre outras formas de exploração eco- um menor combate das forças poli-
nômica no território. Logo, apesar de ciais, a facção teve seu poder bélico
se legitimar pelo monopólio da vio- e seus homens mais preservados. A
lência e da repressão aos crimes con- prisão de dois importantes integran-
tra o patrimônio e da venda de dro- tes deste grupo, sem que tivesse ha-
gas, sua presença nos territórios que vido um prévio processo de diminui-
ocupa é dominada pelos interesses ção do poder militar da facção, gerou
econômicos, o que se torna ainda certa desestabilização na região e um
processo de constantes conflitos com
Em 2011, a Delegacia de repressão ao crime
32 as Forças do Exército, que culminou
organizado prendeu três líderes da milícia da Área na morte de um cabo, na Área 2 em
3: um era Sargento da PM; outro, seu filho, Inspetor
da Polícia Civil; e o terceiro, um Delegado de Polícia.
novembro de 201433. Após a morte
Mesmo assim, como registra reportagem do do militar, a tensão cresceu no pro-
Estadão, disponível no link: <http://www.estadao.
cesso de ocupação, com os novos
com.br/noticias/geral,milicianos-continuam-no-
controle-de-favelas-da-mare,1147914>, o grupo
criminoso continuava agindo livremente em 2014,
pouco antes da entrada das Forças de ocupação Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/
33

79
e em momento de forte enfrentamento na Área 1, noticia/2014/11/morre-cabo-do-exercito-baleado-
especialmente. na-cabeca-em-ataque-na-mare-rio.html>
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 38 | o/a senhor/a já pediu ajuda para a força de pacificação?


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

NÃO 98,5% 100,0% 97,3% 98,2%

SIM 1,5% – 2,7% 1,8%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.

grupos de militares que chegaram à do contexto de reconhecimento do


favela assumindo uma postura mais poder dos GCAs e considerando a
reativa e agressiva com os morado- histórica desconfiança dos mora-
res. Com isso, o grau de insatisfação dores em relação às Forças de Segu-
dos moradores com a ocupação foi rança, os resultados permitem esti-
aumentando, conforme sua duração mar que 98,5% dos moradores não
se prolongava. Até porque, gradati- solicitaram qualquer tipo de auxílio
vamente, o tráfico de drogas voltou (ver Tabela 38).
a agir normalmente, vendendo dro- Um dado mais revelador ainda
gas nas vielas, com mão de obra ma- (embora pouco consistente, dado
joritariamente formada por adoles- o pequeno número de entrevista-
centes, e portando armas, embora de dos para os quais a pergunta foi di-
menor calibre — pistolas, em geral. rigida), de como os moradores têm
Com isso, se evidenciou para os mo- razão para, infelizmente, não con-
radores, progressivamente, o fracasso fiar nas Forças de Segurança, se con-
da presença das Forças Armadas e firma quando, entre os poucos que
sua incapacidade de alterar a reali- recorreram ao Exército para algum
dade da Segurança pública na Maré. tipo de auxílio, mais da metade ava-
Na perspectiva de identificar o liaram a ajuda como péssima ou ruim
grau de contato entre os moradores (ver Tabela 39). De fato, os militares
e as Forças de ocupação, foi pergun- do Exército recebem um tipo de trei-
tado aos entrevistados se eles tinham namento — que não se diferencia do
solicitado algum tipo de auxílio aos que ocorre na Polícia Militar — que
80 militares. Como era esperado, dentro tende a levá-los a tratar os moradores
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 39 | como avalia a ajuda recebida pela força de pacificação?


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 17 n= 0 n= 11 n= 6
N= 1.375 N= 0 N= 1.239 N= 136

ÓTIMA – – – –

BOA 44,0% – 43,9% 44,5%

REGULAR 3,2% – 3,6% –

RUIM 7,5% – 4,7% 32,5%

PÉSSIMA 45,4% – 47,8% 23,0%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.

de favelas como seres potencialmente a maioria concordando totalmente e


perigosos, que devem ser controlados, os demais, em parte (ver Tabela 40).
a fim de não representarem riscos ou No outro espectro, 31,9% discordam
praticarem atos perigosos. Nesse caso, total ou parcialmente da conduta.
temos a identificação das classes po- Entre 19,2%, o posicionamento é o
pulares como perigosas, como regis- de que, dependendo da situação, eles
trado em vários estudos no campo das poderiam concordar ou não.
Ciências Humanas no Brasil. Como se vê, apenas 1/3 dos mora-
Os limites assinalados buscaram dores, aproximadamente, discordou
ser enfrentados, em alguma medida, da distribuição de doces e lanches
por alguns comandos das Forças de para as crianças. O fato evidencia que
ocupação. Um bom exemplo dessa a população, em sua grande maio-
tentativa de aproximação com a po- ria, não tem uma postura, a priori,
pulação local foi por via da distribui- de rejeição às Forças de Segurança,
ção de doces e lanches para as crian- tampouco, ao Exército. Sua rejeição
ças da Maré. dirige-se a determinadas atitudes
Perguntados sobre essa tentativa praticadas pelos militares, especial-
de aproximação, 48,3% dos morado- mente. A mudança da postura das
res se mostram a favor dessa atitude, Forças militares, na perspectiva de 81
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 40 | é uma boa atitude da força de pacificação distribuir doces


e lanches para as crianças?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 34,5% 31,6% 34,4% 48,9%

CONCORDO EM PARTE 13,8% 16,7% 10,6% 18,6%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 19,2% 18,5% 21,2% 11,0%

DISCORDO EM PARTE 4,5% 4,1% 4,8% 5,4%

DISCORDO TOTALMENTE 27,4% 29,1% 28,0% 15,7%

NÃO RESPONDEU 0,5% – 1,0% 0,4%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.

ter atitudes republicanas, respeitado- Isso inclui o reconhecimento do po-


res dos direitos dos moradores e uma der do Estado. Desse modo, é possí-
nova atuação, que não tenha a ló- vel entender porque, mesmo sendo
gica do confronto aberto como eixo, a Maré um território onde o Estado
podem melhorar as condições para não tem demonstrado capacidade de
a presença policial na Maré, assim regular o espaço público, tarefa que
como gerar melhor receptividade da acaba desempenhada pelos GCAs,
parte dos moradores. 48,9% dos entrevistados concordam
Na verdade, como revelam outros total ou parcialmente que é necessá-
estudos já feitos na Maré34, os mora- rio pedir autorização ao Exército para
dores desenvolvem representações realizar uma festa na rua, o que sig-
sobre as práticas sociais que se iden- nifica reconhecer a legitimidade das
tificam com as afirmadas por mora- Forças de Segurança para regular o
dores de outros territórios da cidade. espaço público da favela (ver Tabela
41). Por outro lado, 38,8% mostram
discordância com relação a essa in-
82
SILVA, Eliana Sousa. Testemunhos da Maré — tese de
34

Doutorado; PUC/RJ, 2009. terferência. Logo, como dissemos, há


A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 41 | é importante que seja necessário pedir autorização da força de


pacificação para organizar uma grande festa na rua?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 33,0% 34,3% 30,7% 40,7%

CONCORDO EM PARTE 15,9% 18,1% 13,8% 17,9%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 11,2% 9,3% 12,9% 10,4%

DISCORDO EM PARTE 7,6% 7,6% 7,7% 7,4%

DISCORDO TOTALMENTE 31,2% 30,7% 33,0% 22,1%

NÃO RESPONDEU 1,1% – 1,9% 1,6%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

espaço para que os Órgãos do Estado de confrontos com os integrantes


tenham o apoio da população para das facções criminosas. Apesar disso,
afirmarem um processo de regulação cerca de 2/3 dos moradores se mos-
do espaço público da favela, desde tram favoráveis, concordando total ou
que o façam numa perspectiva re- parcialmente com a proposição, en-
publicana e, não, a partir do pressu- quanto 24,1% discordam (ver Tabela
posto da favela como uma “arena de 42) e outros 9,1% acham que depende
guerra e de extermínio”. da situação. O grau de concordância
Na perspectiva de apreender a per- dos moradores com esse tipo de atua-
cepção dos moradores sobre a forma ção demonstra uma naturalização do
de ação das Forças de Segurança, per- modo de as Forças de Segurança agir
guntamos aos entrevistados se con- na favela. Claro que o policiamento os-
sideravam importante que os solda- tensivo é um tipo de ação que acontece
dos fizessem o patrulhamento nas em toda a cidade, mas ela assume um
ruas da Maré, especialmente à noite. caráter diferente nas favelas, em parti-
Essa questão é importante por esse cular naquelas que contam com gru-
tipo de ação apresentar um alto risco pos criminosos fortemente armados. 83
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 42 | é importante ter o monitoramento das ruas


pela força de pacificação, especialmente à noite?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 51,0% 61,4% 40,1% 65,6%

CONCORDO EM PARTE 14,8% 15,0% 14,7% 14,2%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 9,1% 7,2% 10,7% 7,8%

DISCORDO EM PARTE 4,6% 4,0% 5,1% 4,3%

DISCORDO TOTALMENTE 19,5% 12,3% 27,4% 6,7%

NÃO RESPONDEU 1,1% – 2,0% 1,3%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.

Atualmente, no Rio de Janeiro, o deve ser uma tarefa central das Forças
uso de armas tem sido cada vez mais de Segurança e, não, continuar utili-
uma forma de monitorar o território zando paradigmas de policiamento
urbano. Esse tipo de estratégia con- que aumentam os riscos de morte.
tribui para colocar a vida de mais Essa questão deve ser priorizada na
pessoas em risco. Acima de tudo, um agenda da Segurança pública.
trabalho sistemático de inteligência Outra questão central no campo
para retirar de circulação as armas se- da Segurança é a vinculação entre o
ria fundamental a fim de diminuir os racismo e a vitimização dos negros,
conflitos armados e o número de ví- especialmente os jovens residen-
timas. Entre 2011 e 2015, foram mor- tes nas favelas e periferias. Uma par-
tas no Brasil 278 mil pessoas, a grande cela expressiva dos mortos e presos
maioria por armas de fogo35. Criar es- brasileiros tem esse perfil36, o que
tratégias que diminuam a letalidade
36
Disponível em:< http://www.bbc.com/portuguese/

84
35
Conforme Relatório anual do Fórum Brasileiro de brasil-36461295: a cada 23 minutos, um jovem
Segurança Pública, 2016. negro é assassinado no Brasil, diz CPI>.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

contribui para explicar o fato de o estava influenciando a forma de tra-


País ter o maior número de pessoas tamento e 48,6% concordaram com
assassinadas no mundo, embora seja a proposição. Outros 10,1% acham
apenas o quinto mais populoso, e que depende da situação, o que
isso não ser tratado como uma ques- pode estar refletindo a opinião de
tão central pelos órgãos do Estado e que a cor da pele até influencia, mas
tampouco mobilizar o quanto deve- existem outras variáveis que tam-
ria a sociedade. bém pesam, tais como a postura da
Diante disso, indagamos aos en- pessoa, vestimentas etc.
trevistados se a cor de uma pessoa in- A radical divisão entre os que
fluenciava a forma como ela era tra- concordam e os que discordam da
tada pelas tropas do Exército. relação entre cor da pele e aborda-
Como se verifica na Tabela 43, gem policial pode ilustrar a princi-
um contingente correspondente a pal característica do racismo no Bra-
41% discordam total ou parcial- sil, historicamente, negado como
mente que a cor de uma pessoa uma prática social disseminada,

tabela 43 | a cor de uma pessoa influencia na forma como ela é tratada


pela força de pacificação na maré?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 38,6% 35,1% 44,5% 19,9%

CONCORDO EM PARTE 10,0% 9,9% 9,6% 12,7%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 10,1% 8,7% 11,2% 10,0%

DISCORDO EM PARTE 5,9% 5,8% 4,5% 14,1%

DISCORDO TOTALMENTE 35,1% 40,4% 29,5% 42,8%

NÃO RESPONDEU 0,5% – 0,8% 0,6%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL. 85
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

prevalecendo o entendimento de a veracidade da frase, mas, outros,


que as discriminações e problemas podem ter expressado na resposta,
sociais são derivados da condição simplesmente, um posicionamento
econômica do indivíduo. Apesar de contrário a esse tipo de discrimina-
muitos indicadores sociais e econô- ção. Assim, é possível que um entre-
micos, tais como o de letalidade, es- vistado contrário ao racismo tenha
colaridade, percentual de presos, ór- respondido que discorda totalmente
fãos, moradores de rua e renda, entre da proposição, quando, na verdade e
outros, apontarem uma evidente as- por analogia, concorde que a mesma
sociação entre o racismo, inclusive foi reproduzida na atuação dos mili-
institucional, e as condições socioe- tares. Diante disso, devemos admitir
conômicas dos negros, as represen- que o resultado desse quesito ficou
tações majoritárias são as de que não comprometido, em razão da dúvida.
há uma prática estrutural que expli- A ocupação militar teve, dentre
que aqueles indicadores, mas que outros, um imenso custo econômico:
eles seriam decorrentes das ações (ou de acordo com dados do Diário Ofi-
falta de iniciativas) dos indivíduos. cial, foram de R$1,7 milhão por dia,
Todavia, vale ressaltar que há R$ 51 milhões por mês, podendo ter
grande possibilidade de ter ocorrido chegado a mais de R$ 700 milhões
um viés acentuado em decorrência durante seus 14 meses de duração37.
da má formulação e, consequente- Logo, é decepcionante que apenas
mente, compreensão do enunciado. 1/4 (25,7%) dos entrevistados con-
Os quesitos anteriores apresenta- cordem plenamente que a operação
vam proposições em que concordar foi positiva (ver Tabela 44). Mesmo
ou discordar da sentença coincidia, somando com aqueles que concor-
respectivamente, com um posicio- dam parcialmente, pouco menos da
namento favorável ou desfavorável metade (47,2%) a consideraram posi-
frente à situação. Concordar era o tiva. Aqueles que discordam total ou
mesmo que ser favorável e discor- parcialmente do caráter positivo da
dar era o mesmo que ser contrário. ocupação militar soma 39,4%.
Neste, porém, seria necessário dis- E, desagregando os dados, se evi-
tinguir bem o ato de concordar que dencia que na Área 2, onde reside o
o fato existe do ato de concordar maior contingente populacional entre
com sua prática, isto é, ser favorável as áreas que estabelecemos, menos
a ela. O entrevistado podia concor-
dar que a prática existe, mas discor-
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/
37
dar da reprodução da mesma. Então,
86
presenca-de-militares-na-mare-custa-17-milhao-
vários responderam tendo em vista por-dia-12601748>
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

tabela 44 | a atuação da força de pacificação na maré é positiva


e não deve mudar?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 25,7% 31,7% 16,6% 51,2%

CONCORDO EM PARTE 21,5% 22,6% 20,3% 23,5%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 11,8% 15,5% 9,1% 10,7%

DISCORDO EM PARTE 13,5% 14,6% 13,4% 8,3%

DISCORDO TOTALMENTE 25,9% 14,9% 38,3% 4,8%

NÃO RESPONDEU 1,6% 0,7% 2,3% 1,5%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.

de 40% a avaliaram como positiva, Algumas razões podem explicar


enquanto mais de 50% se mostra- porque grande parte da população da
ram contrários, total ou parcialmente. Maré não reconhece, de forma posi-
Considerando-se que os recursos pú- tiva, a ocupação das Forças Armadas.
blicos são escassos e devem, por isso, Sabemos, por exemplo, que a popula-
ser usados de forma rigorosa e racio- ção se sente, em geral, desrespeitada
nal, com vistas a beneficiar, de ma- pela ação policial no território. Logo,
neira duradoura, o maior número era necessário que a intervenção das
possível de cidadãos e, em particular, tropas militares fosse reconhecida de
aqueles que mais necessitam do su- forma distinta nesse campo.
porte do Estado, não podemos deixar Em termos numéricos, tivemos
de questionar a utilização de recursos uma resposta positiva: 58,3% concor-
econômicos de tão alto valor sem que dam, total ou parcialmente, que os mi-
a população beneficiária se sinta con- litares tenham respeitado os direitos
templada com os resultados preten- dos moradores (ver Tabela 45). Toda-
didos. Falaremos mais sobre isso na via, 25% discordam e 15,3% acham que
conclusão deste Relatório. dependia da situação — sabendo-se 87
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 45 | a atuação da força de pacificação na maré, em geral,


respeita os direitos dos moradores?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 33,2% 41,3% 21,4% 65,4%

CONCORDO EM PARTE 25,1% 27,4% 24,3% 19,0%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 15,3% 15,4% 16,6% 6,9%

DISCORDO EM PARTE 9,1% 6,5% 12,1% 3,0%

DISCORDO TOTALMENTE 15,9% 9,4% 23,1% 4,4%

NÃO RESPONDEU 1,3% – 2,4% 1,2%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.

que, na Área 2, a reação negativa está pelas tropas. A questão fundamental


acima da média da Maré. é por que isso não pode ser feito de
Sentir-se respeitado por servido- um modo em que as pessoas, em sua
res do Estado é um direito básico do quase totalidade, não se sintam atin-
cidadão. Assim, uma reflexão maior gidas em seus direitos individuais
sobre esses resultados nos desperta em decorrência da respectiva ação?
para o fato de ser inaceitável que ape- Como temos reiterado, o fato de mo-
nas três em cada cinco moradores rar numa favela não pode ser motivo
da Maré digam que se sentem res- para a perda de direitos. Cabe às For-
peitados pelas Forças do Exército. ças de Segurança construir, visto que
Os soldados representam o Estado negligenciaram a instalação e a sobe-
brasileiro, de forma material. Os mo- rania dos GCAs em tantos territórios
radores entendem que eles têm uma populares, estratégias nas quais se re-
missão a cumprir e muitas respos- conheçam os direitos fundamentais
tas sinalizam essa concepção. Logo, dos moradores. Esse é o desafio co-
não existe uma postura de resistência locado. E os indicadores sobre a pos-
88 da população ao trabalho realizado tura policial e a forma como tratam
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

os moradores são centrais para per- integrantes dessas duas corporações,


cebermos a vinculação entre ações afinal, segundo os resultados da pes-
no campo da Segurança e respeito ao quisa, pouco mais da metade dos
Estado democrático de direito. moradores — 54,9% — consideram
Sobre haver diferenças entre a que os militares do Exército são mais
forma de atuação do Exército e a da honestos, ao passo que 22,1% discor-
Polícia Militar, 74,9% concordam to- dam desse juízo e 21,5% pensam que
talmente ou em parte (ver Tabela 46). varia conforme a situação (ver Ta-
Apenas 15,5% discordam e 8,5% têm bela 47). Vale lembrar que considerar
a percepção de que havia distinção os militares do Exército mais hones-
conforme a situação, ou seja, não em tos sempre ou em algumas situações
todos os aspectos. não quer dizer que os entrevistados
A distinção entre as ações do achem que os policiais sejam mais
Exército e as da Polícia não parece honestos, pois sabemos, por pesqui-
diretamente relacionada à percep- sas anteriores, já sinalizadas nesta
ção sobre o grau de honestidade dos publicação, que a maior parte da

tabela 46 | a força de pacificação atua de forma diferente


da polícia na maré?
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 59,7% 60,3% 60,2% 53,0%

CONCORDO EM PARTE 15,2% 18,2% 12,6% 16,4%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 8,5% 9,0% 7,4% 12,6%

DISCORDO EM PARTE 5,3% 3,7% 6,8% 4,3%

DISCORDO TOTALMENTE 10,2% 8,9% 11,0% 11,1%

NÃO RESPONDEU 1,2% – 2,0% 2,6%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL. 89
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

tabela 47 | os militares são mais honestos do que os policiais?


BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 38,6% 44,8% 32,8% 43,9%

CONCORDO EM PARTE 16,3% 16,2% 16,4% 17,0%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 21,5% 20,9% 21,4% 25,2%

DISCORDO EM PARTE 6,5% 4,1% 8,6% 4,8%

DISCORDO TOTALMENTE 15,6% 14,0% 18,2% 7,9%

NÃO RESPONDEU 1,4% – 2,7% 1,1%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.

população da Maré e do conjunto da na honestidade plena dos membros


cidade não atribui essa virtude à cor- do Exército mostra a fragilidade ins-
poração policial. titucional e a falta de confiança da
Chama-nos a atenção o fato de população da favela nas Forças de
que um em cada cinco moradores Segurança.
acha que a honestidade dos mem- O fato de o Brasil ser o País com
bros do Exército depende da situa- o maior número de assassinatos no
ção. Nesse caso, esses entrevistados mundo não é obra do acaso. Como já
admitem, aparentemente, que a ho- sinalizamos, a banalização da violên-
nestidade dos militares do Exército cia decorre da desvalorização do pró-
não é um princípio moral que carac- prio direito à vida por parte de uma
terize a ação do indivíduo em todas grande parcela da população. Pes-
as ocasiões, mas que ora se mani- quisa encomendada, em 2016, pelo
festa ora não. Algo do tipo “a ocasião Fórum Nacional de Segurança Pú-
pode fazer o ladrão”. De qualquer blica atesta, de forma dolorosa, que
forma, o fato de mais de 40% dos metade da população brasileira con-
90 moradores da Maré não confiarem corda com a ideia de que “bandido
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

bom é bandido morto”—máxima dos Exército deveriam matar integran-


grupos que lutam contra o reconhe- tes das facções criminosas, mesmo
cimento do direito à vida para todos quando tivessem a possibilidade
os cidadãos, entre eles, os que come- de prendê-los (ver Tabela 48). Bem
tem crimes 38. abaixo da pesquisa nacional, apenas
Assim, considerando-se o que 7,7% concordam plenamente com o
seria o quadro nacional, chega a ser enunciado, enquanto 4,9% concor-
alentador que quase 70% dos mo- dam em parte. Curiosamente, o per-
radores de uma favela onde são centual daqueles que não opinaram
obrigados a lidar no cotidiano com atingiu 2,9%, ainda baixo, porém,
integrantes de GCAs, discordem to- acima do percentual de não respon-
talmente da ideia de que as tropas do dentes na grande maioria dos quesi-
tos dessa pesquisa.
De qualquer forma, não diminui-
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
38
remos a violência letal no Brasil en-
cotidiano/2015/10/1690176-metade-do-pais-
acha-que-bandido-bom-e-bandido-morto-aponta-
quanto não superarmos o imaginário
pesquisa.shtml> de grande parte da população, que

tabela 48 | a força de pacificação deve matar alguns integrantes


das facções mesmo que tenham a possibilidade de prendê-los
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 7,7% 5,9% 8,7% 9,8%

CONCORDO EM PARTE 4,9% 7,3% 2,6% 6,2%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 8,9% 7,0% 10,1% 10,7%

DISCORDO EM PARTE 5,9% 6,5% 4,8% 9,7%

DISCORDO TOTALMENTE 69,8% 72,8% 68,6% 61,8%

NÃO RESPONDEU 2,9% 0,4% 5,2% 1,9%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL. 91
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

considera que os direitos, inclusive Na mesma direção do reconheci-


o maior deles, o direito à vida, pode mento de seus direitos, a indagação
ser garantido de forma diferenciada, se as forças de ocupação deveriam
de acordo com o comportamento utilizar todos os meios para enfren-
dos indivíduos. Essa representação tar o tráfico de drogas, mesmo que
apenas contribui para ampliar as for- os moradores sofressem algum risco,
mas de violência presentes no País e apontou que 73,2% dos morado-
aumentam o sentimento de distan- res discordam total ou parcialmente
ciamento das pessoas que cometem dessa possibilidade (ver Tabela 49).
crimes em relação às instituições ci- Mesmo assim, não deixa de ser pre-
dadãs. As pessoas que cometem cri- ocupante que 24,6% concordem ou
mes, mesmo na Maré, não podem ser admitam ocasionalmente essa pos-
monstrualizadas, processo mental no sibilidade. Significa que ainda temos
qual se desumaniza um ser e, desse um longo caminho para que as pes-
modo, criam-se as condições subje- soas entendam que o objetivo fun-
tivas para que ele seja eliminado do damental da Segurança pública deve
convívio humano. ser o de proteger as pessoas e não

tabela 49 | a força de pacificação deve usar todos os meios para enfrentar


o tráfico de drogas, mesmo que os moradores sofram algum risco
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 11,6% 13,9% 9,5% 14,0%

CONCORDO EM PARTE 7,9% 9,6% 6,6% 8,0%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 5,1% 4,2% 5,1% 9,7%

DISCORDO EM PARTE 6,6% 7,3% 5,7% 8,8%

DISCORDO TOTALMENTE 66,6% 65,1% 69,3% 58,1%

NÃO RESPONDEU 2,1% – 3,8% 1,4%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.

92 NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

secundarizar esse dever, priorizando argumento para absolver homens


o combate a um tipo de ação ilegal, que matavam suas mulheres ou ou-
o comércio de drogas, que, eventu- tros homens em função, por exem-
almente, pode deixar de ser conside- plo, do adultério. Atualmente, isso
rado crime por uma decisão do Po- não é mais admitido à luz das leis
der Legislativo. brasileiras, pois perdeu legitimidade
Não temos condições nesse rela- no mundo social. Da mesma forma,
tório de fazer uma discussão sobre o é crescente o número de países que
caráter e a definição de crime, mas descriminalizam o consumo e/ou a
cabe reconhecer que as interpreta- produção de drogas para uso pessoal
ções do que seria crime ou não, são e regulamentam o comércio. Mas,
frutos de disputas entre concepções como a maior parte da sociedade en-
de mundo e não se relacionam com tende que essas medidas seriam ma-
o fenômeno da violência. Assim, du- léficas, apesar do evidente fracasso
rante muito tempo no Brasil e em para impedir o acesso às drogas por
outros países, a tese do crime de le- parte de quem deseje usá-la, a proi-
gítima defesa da honra serviu como bição legal ainda continua vigente.

tabela 50 | é importante e necessário que a força de pacificação


continue atuando dentro de favelas
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 40,7% 50,8% 29,3% 61,3%

CONCORDO EM PARTE 17,8% 20,0% 16,0% 17,4%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 13,2% 13,2% 13,8% 9,9%

DISCORDO EM PARTE 4,9% 3,1% 6,4% 4,1%

DISCORDO TOTALMENTE 22,5% 12,9% 32,8% 6,6%

NÃO RESPONDEU 0,9% – 1,7% 0,7%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL. 93
ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

A Tabela 50, bem como a seguinte, Por fim, a Tabela 51 apresenta da-
que concluem a apresentação dos re- dos reveladores do sentimento da
sultados, demonstram que apesar dos maior parte da população em rela-
problemas ocorridos durante o pro- ção ao Estado: no período de perma-
cesso de ocupação, a intervenção do nência das tropas do Exército, havia
Exército nas favelas conta com um muita expectativa sobre a chegada
apoio majoritário da população. Pra- da Unidade Policial Pacificadora na
ticamente seis em cada dez morado- Maré. Perguntamos, então, se os en-
res (58,5%) acham necessário que a trevistados acreditavam que haveria
Força de Pacificação continue atu- mais segurança para a Maré com tal
ando dentro de favelas e 13,2% con- iniciativa. Quase 60% discordavam
sideram que esse processo de inter- total ou parcialmente, segundo esti-
venção deve depender da situação. mativa a partir das respostas dos en-
Discordando dessa proposição, total trevistados. Na Área 2, o percentual
ou parcialmente, são menos de 30%. chega a quase 72%. Com outro ponto
Um aspecto que não pode dei- de vista, 21,7% concordaram com a
xar de ser observado, pois subsidia questão. Um dado relevante é o fato
uma crítica fundamental ao modelo de 18,9% entenderem que a melhoria
de atuação adotado, é que a defesa da Segurança pode variar conforme a
da presença do Exército nas favelas situação, o que pode ser interpretado
na Área 3, controlada pela milícia, e como a convicção de que não depen-
na Área 1, pelo Comando Vermelho, deria apenas da chegada do programa
é bem mais ampla do que na Área 2, de policiamento, mas da forma como
dominada pelo Terceiro Comando. ele funcionaria. Entretanto, como já
Nesta área, a mais afetada pelos con- registramos, depois de inúmeros adia-
frontos armados entre os soldados e mentos, a Secretaria de Estado de Se-
a facção que controla o território, a gurança sepultou, em março de 2016,
proporção daqueles que concordam qualquer expectativa de que a UPP
com a continuidade da Força de Paci- fosse instalada na Maré 39.
ficação é bem menor que nas demais,
não alcançando sequer 1/3 dos mora-
dores, segundo os resultados da pre-
sente pesquisa. Logo, fica evidente,
que a forma como as Forças Armadas
agem é que define a maior ou menor
aprovação do uso dessa estratégia no Disponível em:< http://veja.abril.com.br/brasil/
39

campo da Segurança pública. beltrame-anuncia-que-nao-fara-upp-na-mare/>


94
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

FOTO: DIEGO JESUS / ECOM

tabela 51 | quando a força de pacificação sair, a chegada da upp


trará mais segurança para a maré
BAIRRO MARÉ ÁREA 1 ÁREA 2 ÁREA 3

n= 1.000 n= 291 n= 421 n= 288


N= 89.661 N= 36.720 N= 45.499 N= 7.443

CONCORDO TOTALMENTE 10,8% 14,6% 5,9% 22,4%

CONCORDO EM PARTE 10,9% 12,6% 7,5% 23,8%

VARIA/DEPENDE DA SITUAÇÃO 18,9% 23,9% 13,6% 26,5%

DISCORDO EM PARTE 8,8% 7,1% 10,0% 9,4%

DISCORDO TOTALMENTE 49,9% 41,8% 61,8% 17,2%

NÃO RESPONDEU 0,6% – 1,1% 0,7%

TOTAL 100% 100% 100% 100%

FONTE: PESQUISA PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE A OCUPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA MARÉ. DADOS PRIMÁRIOS:
2014/2015.
NOTA: OS TOTAIS EVENTUALMENTE DIFERENTES DE 100% SE DEVEM AOS ARREDONDAMENTOS DAS PARCELAS PARA UMA
CASA DECIMAL.

95
CONSIDERAÇÕES FINAIS

uma pergunta fundamental surgiu como sua verdadeira intenção: con-


para a nossa equipe de pesquisa de- trolar o território durante a reali-
pois da análise dos dados e de outros zação da Copa do Mundo. Segura-
aspectos atinentes à experiência de mente, essa pode ter sido a razão
ocupação da Maré pelo Exército por central para a ocupação. O que não
14 meses: a ação teve impacto para é pertinente é fazer uma ligação en-
melhorar as condições de oferta de tre a eventual iniciativa das facções
Segurança pública para os morado- criminosas que colocassem em risco
res da Maré? Afirmamos que não. o evento, de alguma forma, e a inter-
Considerando-se o enorme custo venção do Exército na Maré. A me-
econômico da operação, o impacto lhor comprovação disso é que a ocu-
da criação de um literal front de pação militar não ocorreu durante
guerra na Maré e, por fim, mas não os Jogos Olímpicos, que foram reali-
menos importante, a falta de resulta- zados exclusivamente no Rio de Ja-
dos sobre o controle armado do ter- neiro, com um número muito maior
ritório da Maré pelos GCAs locais, de pessoas — tanto de atletas como
pois eles passaram a utilizar arma- de público — e não houve qualquer
mentos ainda mais pesados, se tor- tipo de problema no campo da Segu-
naram mais rigorosos no controle do rança para o evento.
direito de ir e vir, e empregam mais Não há solução fácil, simples,
adolescentes e crianças que antes da- imediata ou de baixo custo para a ga-
quela experiência, a ocupação militar rantia do direito à Segurança pública
na Maré pode ser avaliada como um nas favelas e nos outros territórios
equívoco e um fracasso. de periferias dominados por Grupos
Pode-se considerar até que as For- Criminosos Armados. A ocupação da
ças Armadas obtiveram resultados Maré foi cara, porém, simplista e de
naquilo que muitos denunciavam curto prazo. Nessas condições, ela

“ Não há solução fácil, simples, imediata


ou de baixo custo para a garantia do direito
à Segurança pública nas favelas e nos outros
territórios de periferias dominados por
96 Grupos Criminosos Armados”
FOTO: DIEGO JESUS / ECOM

não tinha nenhuma chance de ser pelo confronto armado. Em ou-


sustentável. Da mesma forma, a ex- tra escala, exige que a luta pela
periência das UPPs, com mais inves- descriminalização das drogas
timentos, apoio popular e mais du- atinja um novo patamar, o que
radoura, perdeu sua força inicial por passa por construir um plano de
não trabalhar com a ideia de que a comunicação que amplie o apoio
questão da Segurança pública nas social à mudança da legislação
favelas é complexa. Ela demanda, nesse tema, no Brasil.
necessariamente:
O caminho é longo, complexo e
I. a participação da população lo- difícil. O que não podemos é jamais
cal na construção de formas ino- desistir dele, pois essa é a única op-
vadoras de regulação do espaço ção que não temos, se quisermos
público; uma cidade mais justa, mais humana
II. o aumento de investimentos em e digna para todos os seus habitantes,
políticas sociais e na estrutura sem exceção.
econômica, o que exige maior
presença estatal e de empresas; e
III. um plano de desenvolvimento
global, de longo prazo e inte-
grado, com um fórum institucio- REFERÊNCIAS
nal com poder de construir tal BIBLIOGRÁFICAS
iniciativa, avaliá-la e propor re-
tificações de rumo, se for o caso.
SILVA , Eliana Sousa. Testemunhos
Articulado a esse conjunto de
da Maré. Rio de Janeiro:
ações, há a necessidade de reco- Mórula, 2015.
nhecer os GCAs como forças efe-
tivas no território, o que exige a REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO
construção de ações e estratégias DE FAVELAS . Censo Maré 2016.
que não podem passar apenas Rio de Janeiro: Mórula, 2016. 97
ENTREVISTAS MANOELA SILVA

meu nome é manoela silva, tenho 29 gente. Agrediram pessoas. Quando


anos, moro na maré há dez anos, na eles não matam, eles batem. Muito.
vila do pinheiro. Tenho uma filha de Teve um filho de uma conhecida do
oito anos. Vim pra cá porque me ca- meu esposo que ficou até surdo. Eles
sei com uma pessoa daqui. Antes eu deram tanto no ouvido do rapaz que
morava na Baixada Fluminense. A ele ficou surdo. Foi horrível. Isso fora o
minha mãe e o Felipe vieram depois abuso deles xingando as pessoas. Não
de um tempinho. Eles vieram tam- foi nada bom, nada bom.
bém por problemas financeiros e fi- A gente achava que os meninos
caram dois anos. Depois da situação, iam se acalmar ou até, de repente,
minha mãe foi embora. que um pouco dessa violência ia aca-
Depois que teve a última guerra bar. Porque mesmo eles vendendo
aqui, se não me engano em 2010, senti drogas é violento pra gente. Nós te-
a diferença de ter mudado da Baixada mos filhos e a gente espera um cresci-
pra Maré. Tem um tempinho, mas foi mento melhor pra eles. Não é porque
uma violência braba aqui. Uma “san- a gente mora em comunidade que
graria” danada. Terrível! Mas tem bas- tem de conviver com isso, né? Então,
tante diferença desses tempos pra cá. quando o Exército entrou, a gente
Agora mudou pra pior. Porque an- achou que ia ficar tudo bem; não vai
tes era ADA, né? Era mais arrumadi- ter tiroteio, vai ficar tudo bem. Mas
nho. Agora tá tudo uma bagunça, tudo não foi nada disso, nada disso.
sujo, os polícia vêm, dá tiro e vão em- O que mais me marcou da pre-
bora. Uma cachorrada que só. sença do Exército foi o caso do Victor.
Quando a polícia entra, a gente O Victor ia lá em casa, cara. Sentava
fica apreensiva, as crianças não têm e ficava jogando videogame com meu
aula, não podem ir a lugar nenhum. marido. Quando soubemos que era o
Eles xingam a gente, chamam de pi- Victor, o Vitinho, ficamos arrasados.
ranha, vagabunda. Não dá pra ficar Todo mundo da minha família, até
no meio da rua. E é muito ruim, por- quem não o conhecia. Ele era super
que eles entram na casa dos morado- do bem. E depois teve o meu irmão...
res aqui. Se a porta não tiver aberta, Aí já foi outra história.
eles abre com a chavezinha deles. É A gente ficava o tempo todo apre-
muito ruim. Muito invasivo isso. ensivo, porque saía na rua e não sa-
Quanto ao Exército, a princípio bia se tava tudo bem. Chegava lá na
a gente achava que ia ficar tudo bem frente e eles passavam com os car-
com a entrada deles, né? Mas não fi- ros deles, jogando poeira em cima de
cou nada bem. Porque eles vieram pra morador. E depois voltavam e fica-
98 fazer besteira. Mataram um monte de vam dando tiros.
“ Entraram na casa
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

da minha mãe e reviraram


tudo (...) Quando meu
marido estava vindo do
Entraram na casa da minha mãe
e reviraram tudo. Isso antes do meu
trabalho, o Exército parou
irmão falecer. Horrível! Horrível! ele, e disseram que ele
Quando meu marido estava vindo do
trabalho, o Exército parou ele, e dis- estava com flagrante. Meu
seram que ele estava com flagrante.
Nada a ver. Meu sogro também, até
sogro também, até xingaram
xingaram ele. Então era assim, um ele. Então era assim, um
absurdo atrás do outro. Muito abuso.
Eles olhavam para os moradores com absurdo atrás do outro”
cara feia e todo mundo ficava apavo-
rado, aquela coisa, era horrível.
O meu irmão morava no Jacare-
zinho, com o pai. O pai dele e minha
mãe viviam em conflito. Depois que viver até os dezessete, porque tu tens
ele passou um processo com o pai, um negócio lá em cima”.
veio morar com a minha mãe e ficou Em outubro de 2014 ele foi pego
aqui. Morou dois anos. Nesses dois pela primeira vez. O Exército levou.
anos, o Felipe, em relação à minha Aí, eles não agrediram, só levaram
mãe, aprontou o que quis e o que não pro DEGASE. Ele ficou uma semana,
quis. Não respeitava. Abusado. Até e nessa semana a moça ficou conver-
achar que tinha que ir e viver na boca. sando com ele, tentando fazer com
A minha mãe tentava ajudar com que ele se associasse com pessoas
as forças dela. O pai dele é conse- normais, né? (risos). Quando voltou,
lheiro tutelar. Ela tentava conversar ele foi pro curso, e do curso minha
com ele, mas o pai nada, também. mãe colocou ele na escola, só que
Muito complicado essa fase rebelde ele não foi. Pro curso ele foi alguns
da adolescência. dias. Foi quando ele voltou e faleceu.
Teve um tempo que ele saiu de Ele morreu no dia 3 de novembro de
casa, foi morar sozinho e depois vol- 2014, às 9h03min da manhã.
tou. Tudo aqui, em dois anos. Depois Ele tinha de ter ido estudar, só
ele se envolveu e ficou três meses. que ele não foi. Tinha de tá fazendo
Nesses três meses, ele fez de tudo. Foi um curso ou trabalhando, fazendo al-
preso, ficou lá na boca e morreu. A guma coisa que prendesse a atenção
vida do meu irmão foi rápida, né? dele pra que não voltasse ou pra que
Ele viveu tudo e mais um pouco, não tivesse outra passagem. Mas isso
muito rápido. Parecia que Deus tinha não aconteceu, não deu tempo. E ele
um plano pra ele do tipo: “você só vai não se deu essa oportunidade. 99
ENTREVISTAS | MANOELA SILVA

Eu tava trabalhando e vim aqui pra Ele falou que a gente ia gastar um di-
Vila do João. A moça falou que ele foi nheiro e não ia resolver nada.
morto em cima da laje, que ele cor- Aí nos fomos na... Como é o nome?
reu um pouco e que tava respirando Na base do Exército que tem aqui na
ainda, se debatenu. Aí eles colocaram Maré, pra saber e ver como é que tava
o corpo enrolado em um tapete, des- ficando o processo e tudo o mais, dis-
ceram com ele e levaram pra UPA. seram que tava arquivado e que não
Quando chegou na UPA, a assis- iam movimentar mais nada contra a
tente social falou que eles só deixa- situação. A gente voltou pra delegacia
ram ele lá e fizeram um autozinho, e eles falaram que não tinham como
dizendo que ele tinha 35 anos, que fazer nada e que só um advogado po-
estavam trocando tiro e é, foi isso. Só deria desarquivar a situação.
que nada a ver, tudo ao contrário. Só que pra dar entrada, o cara
Ele foi tirado da laje ainda com pediu 10 mil reais. Minha mãe ficou
vida. Tomou um tiro no coração. meio murcha, né? “Eu não tenho esse
Acho que foi até acabar o fôlego de dinheiro”, ela me disse. De onde ía-
vida. Ele ainda se debatia muito. mos tirar 10 mil pra dar entrada?
Quando chegou na UPA, já chegou O pai dele é conselheiro tutelar e
morto. Eu não acho que foi um lance não quis saber bulhufas da situação.
deles de botarem no camburão e “pô, Então, a gente não tinha recurso ne-
vou matar”. Não fizeram nada, como nhum. Foi quando a Irone apare-
tampar a respiração, nada do tipo. Ele ceu com essa proposta pra gente, de
já tava praticamente morto. Acho que ir procurar vocês. Minha mãe ficou
o coração é uma coisa de segundos, “meio assim”. Ela foi até num lugar
né? Ele deu entrada na UPA morto. com Irone pra dar entrevista, mas
A gente foi pra delegacia, e eu dei acho que se assustou. Quando ela
entrada. Fui lá pra ver como tava a si- chegou lá, pensou: “caraca, tem tanta
tuação dele. Quando eu cheguei lá, gente com os filhos vivos, desapareci-
eles falaram pra mim que ele tinha dos, precisam até muito mais que eu,
uma passagem. Depois disso a gente porque o meu já foi, já descansou.”
foi tentar correr atrás. Depois de uma Cada um reage de uma forma.
semana, quando a gente falou com Eu, como irmã, praticamente criei o
o advogado particular, ele disse que Felipe pra minha mãe trabalhar. Eu
não adiantava nada. Disse pra gente acho que foi muito chato o que eles
não colocar na Justiça, porque a fizeram. Por mais errado, por mais
gente estaria entrando com um pro- inconveniente a situação, eles não
cesso contra a Dilma. Não adiantaria deveriam matar. Até porque ele já ti-
100 nada, porque o Exército é a Dilma. nha um histórico no DEGASE, era só
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

levar pra lá. Tá fazendo besteira e tal né? Eu não quero me expor, quan-
fica aqui. Não, eles foram matar! Eles tos não se expõem? Acho que se todo
deram pra matar, porque ele tava de mundo colocasse a cara de uma vez
costas e eles miraram no coração! só, talvez fosse um pouco melhor. Que
É pra matar! Eles não deram nem nem tem o Maré Vive, né?
tempo. Eu achei que minha mãe po- As pessoas falam muito. Falam
deria... [suspiro profundo]. Mas não, o que pensam sobre a comunidade,
ela não chorou, tadinha! Ela não cho- mas nunca é a real. Acho que daqui
rou. E eu acho importante isso. pra frente vai ser a mesma coisa se
Ele faz aniversário agora dia 13. ninguém olhar, se os moradores não
Faria 20 anos. Todo dia 3 de novem- se juntar e se a própria comunidade
bro e dia 13 de janeiro pra minha não sair dessa de pedir permissão pra
mãe acabou. Inclusive, eu vou até pra falar. Quase ninguém sabe que vocês
lá, porque eu sei que é uma bosta pra tão com essa proposta de ajudar.
ela. Eu tô aí, não sei como vai conti- A Irone tava falando que tem um
nuar a situação, mas eu vou. conhecido dela que perdeu, acho que
Depois que o Exército foi embora o braço, e ele não quer falar. Ele não
tudo voltou ao que era antes. Os ca- quer correr atrás. Então assim, en-
ras tão aí armados, a droga continua quanto tiver essa coisa na gente, não
rolando solta com a bandidagem. muda. A Irone ficou divulgando que
Os polícias não vêm, porque eles pa- nem uma doida. A gente via ela pas-
gam arrego, né? Mas continua tudo a sando aqui, não comia, não bebia, vivia
mesma coisa, minha filha! cansada. Ela foi pro Wagner Montes, e
Eles não estão invadindo como o que o Wagner Montes fez? Cagô!
era antes da passagem do Exército. O Estado tá dando o que é de di-
Antes eles entravam aqui direto, da- reito dele? E quantos anônimos es-
vam tiros à beça. O BOPE vinha pra tão aí, hoje, numa cadeira de rodas
cá direto, direto. E eu, pelo menos, por eventos como o BOPE dando tiro
não tenho visto mais isso depois que ou algum outro tipo de polícia dando
o Exército foi embora. Mas acho até tiro? Não morreram, mas estão em
que é por conta do aumento do di- cima de uma cama, entrevados. Ou
nheiro que eles pagam. Mas assim... até outros que estavam na janela,
Tudo a mesma coisa. como tem a menina que faleceu, né?
Não sei se tenho expectativa de Quantos tomaram tiro na janela e tão
mudança. Não sei, cara. É muito vago aí vegetando em cima da cama? En-
isso. Até porque os próprios morado- quanto um, dois ou três falar, a Maré
res não ajudam. Sinceridade ó, tipo as- não muda, continua isso aí. É uma
sim, eu estou aqui dando a entrevista, constância toda vez. 101
VITOR SANTIAGO ENTREVISTAS

meu nome é vitor santiago borges, que está um pouco complicado. Tam-
tenho 31 anos. Nasci na Vila dos Pi- bém a juventude tá bem diferente do
nheiros, na Maré. Aqui na Vila vivi a passado, a gente vê criança de 12,
melhor infância possível. A gente po- 13 anos envolvida, portando arma
dia brincar de fazer tour pela rua, cor- de fogo e tal. Tem essa diferença da
ria de um lado e prá outro. Juntava forma que a polícia entra na comuni-
todo mundo na rua, ficava até tarde, dade. Antigamente, a polícia entrava
conversando, sem tiroteio, sem ba- de outro jeito. Da forma que é feito,
gunça, sem ameaça. Até ônibus ro- atualmente, parece é que 99% da co-
dava aqui dentro! Minha infância foi munidade, dos moradores, são coni-
boa, foi normal, fiz tudo o que uma ventes com o bandido; que 100% par-
criança faz: jogava bola de gude, ro- ticipam de alguma forma do tráfico. É
dava pião, soltava pipa. A gente ficava essa a forma da polícia abordar mo-
brincando até tarde na rua. Fazia de rador, as incursões na comunidade...
tudo como as crianças daquele tempo É muito mais truculenta...
faziam, né? Mas hoje a gente vê que tá Antes eles, os policiais, entravam
bem diferente, até por conta da tecno- na casa dos outros, só que não fa-
logia e acessibilidade a muitas coisas. ziam o que fazem exatamente agora.
Hoje em dia as crianças conseguirem Olha: pelas vezes que eu convivi, que
as coisas é muito mais fácil, muito eu vi isso, eu notei que era um pouco
mais rápido, que no tempo em que eu diferente. Era um pouco mais social,
era criança. Além disso, há 20 anos a pois eles pediam pra entrar e tal. Já
violência e o poder paralelo, as coisas entraram aqui em casa. Já foram pra
que acontecem hoje na comunidade laje, já pediram pra prender o ca-
são completamente diferentes. Vocês chorro pra entrar, mas de maneira
que são mais velhos, que têm mais educada. Existiam outros casos de
idade e que nasceram antes, têm mais entrar com chave-mestra, pois não
experiência que eu, sabem que a ver- tinha gente ou chamava e tal. Mas
dade é essa. Mas tirando isso, eu fazia era diferente! Agora eles entram ar-
tudo normalmente. Minha infância rombando tudo, entendeu?
foi excelente! Antes de morar na Vila Hoje em dia, qualquer situação
dos Pinheiros, meus pais moraram de incursão é esculacho em cima
nas palafitas de Nova Holanda. Eles do morador. Entram na casa, batem,
só se mudaram para cá quando a mi- obrigam a fazer as coisas. Entram
nha avó veio morar aqui. sem licença, sem documentação, e
Pensando na Vila dos Pinheiros e revistam, acham que têm direito de
nos problemas que temos hoje, vejo fazer tudo. Trocam tiro com bandido
102 como um grande problema o ir e vir, com a gente na rua ou não. Não tem
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

“ Hoje em dia, qualquer situação de incursão


é esculacho em cima do morador. Entram na casa,
batem, obrigam a fazer as coisas. Entram sem licença,
sem documentação, e revistam, acham que têm direito
de fazer tudo. Trocam tiro com bandido com a gente
na rua ou não. Não tem hora certa pra poder entrar ou
fazer incursão, de causar vários tipos de problema”

hora certa pra poder entrar ou fa- irmão, eles tinham autorizado a en-
zer incursão, de causar vários tipos trada do Exército na Maré, eles chega-
de problema. Eu tenho uma filha de ram de madrugada. Eu acompanhei
quatro anos e ela já deixou de ir pra toda a entrada aqui, porque eu vim
escola algumas vezes por causa de de madrugada da rua com o meu ir-
incursão de manhã cedo, 7 horas da mão, nós entramos junto com eles. E
manhã, 6 horas manhã, e outros colé- eu confesso pra você que no começo
gios fechados também devido a isso. eu tinha esperança de mudar alguma
Eu me lembro de que a presença coisa na comunidade. É porque sem-
da polícia na comunidade era mais pre que eu falo do meu caso, eu falo
constante antes. Era mais constante isso. Eles tinham planos, né? De pro-
mesmo! A gente tem um posto de po- jetos sociais, sei lá, de tirar as crian-
lícia na Vila do João, onde pelo me- ças da rua, de fazer alguma coisa,
nos lá tinha carros de polícia, a gente ocupar a mente dos jovens, ocupar a
via polícia na porta, por mais que não mente das crianças pra que não ficas-
fizessem nada a gente via isso. An- sem como elas estão hoje, na situação
tes tinha linha de ônibus rodando que elas estão hoje. Eu tive esperança
aqui dentro, de verdade. Passava na disso, né? Desde um ano de idade eu
minha porta. Então esse acesso era só via a polícia entrar na comunidade,
maior, mais amplo e a polícia, eu lem- via cada vez mais crescer traficante
bro que antes eles entravam mais ve- por aí, por falta de oportunidade, de
zes, passava mais aqui e tal. Quando projetos, por falta de ocupação. E eu
o Exército esteve aqui na comuni- via muita polícia entrando aqui. O
dade, eu lembro como se fosse hoje, Exército entrando pensei que seria di-
eu tava num pagode aqui com o meu ferente. Eu me lembro de que quando 103
ENTREVISTAS | VITOR SANTIAGO

fiz 18 anos eu queria muito ser mili- coisa e tal. Mas por incrível que pa-
tar! Eu fui da primeira turma a me reça, o destino pregou uma peça. A
alistar, primeira a fazer teste, mas aí pessoa que via isso como positivi-
sobrei por excesso de contingente. dade, acabou sendo baleada com
De verdade, eu tinha uma fé que dois tiros por soldados do Exército e
as coisas fossem mudar com o Exér- hoje se encontra no estado que tá.
cito aqui, né? Por não ser a polícia No dia 12 de fevereiro de 2015,
propriamente dita, mas por ser um eu tinha ido assistir ao jogo de fute-
Órgão de ordem, botaria ordem na bol com os meus amigos. Um amigo
comunidade e eu tinha pra mim que meu tava de férias aqui no Rio, Sar-
ia dar tudo certo. Eu passava com a gento da Aeronáutica. A gente tava
minha filha, minha filha dava tchau, num bar e dali a gente foi pra outro
eles davam tchau, brincavam com lugar. Sabe como é: fevereiro, Carna-
ela. Eu parava com ela na rua pra ver val, na verdade era quarta ou quin-
tanque passando, carro do Exército ta-feira, e o Carnaval começaria na
passando e tal. Mas não foi nada do sexta. A programação já tava pronta
que a gente esperava, né? Principal- aqui na comunidade e eu não tava
mente nada do que eu esperava. Eu trabalhando e tinha um mês, ia fazer
vi muita violação de direitos huma- um mês, que eu não tava trabalhando.
nos, com certeza. Às vezes você an- Fomos assistir ao jogo e voltamos,
dava, por exemplo, 300 metros, sei lá, viemos pela Linha Amarela e fomos
600 metros, se tivesse três pontos de parados pelos soldados. Até aí tudo
soldados do Exército você era parado normal, apresentamos documentos.
nos três pontos. Uma vez me para- Ninguém devia nada, sem proble-
ram aqui, eu com a chave do portão mas, seguimos em frente. Fomos em-
na mão, me fizeram sair da escada, bora. Daí a 15 minutos, em outra área
eu tive de voltar. Uma série de per- da comunidade, eles abriram fogo
guntas, violação de privacidade. Eles contra o carro onde estava eu e mais
tentavam olhar o telefone celular das quatro amigos. Isso aconteceu entre
pessoas, conversa de WhatsApp e tal, duas e duas e meia da manhã. E foi
invadiam casas, arrombavam casas. aí que tudo aconteceu. Depois alega-
Todo mundo sabe disso! Furtavam ram que a gente trocou tiro com eles,
coisas de pessoas e tudo. que não obedecemos a ordem de pa-
Não me lembro de quanto tempo rada. Por último, eles disseram que a
eles ficaram aqui. Mas houve mui- gente tentou atropelar um soldado e,
tos relatos dessa parte. E eu fui muito aí, por tentativa de homicídio da parte
positivo quanto a isso, achei que pu- do motorista, eles abriram fogo con-
104 desse adiantar, ajudar em alguma tra o carro. Mas não foi nada disso, né?
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

Tem fotos, evidências, que mostram Fiquei 98 dias no Hospital Getúlio


que não foi nada disso. Foi nessa que Vargas. Cheguei com 7% de vida no
levei dois tiros. Um tiro nas costas, na hospital. Daí o tempo foi passando e
altura da costela, que atravessou meu no mês de maio eu saí. E veio junho,
pulmão e pegou minha coluna, pois julho, agosto, setembro, outubro, no-
houve invasão do canal medular. Eu vembro e nada de ajuda. Minha mãe
fiquei paraplégico, na altura da T5 pra guerreira, ela virou uma militante co-
baixo, um pouco acima da barriga. migo no hospital. Enquanto eu tava
O segundo tiro, eu levei na perna, no lá ela saía pra reuniões, pra conversar
fêmur direito e atravessou para o fê- com pessoas influentes. Minha mãe
mur esquerdo, porque eu tava atrás, conversou com muita gente a portas
no banco do passageiro. O fêmur es- fechadas, muita gente importante,
querdo não pôde ser salvo, daí houve muita gente influente mesmo no Rio
a amputação do membro, de cima do de Janeiro. E disseram que ia ficar na
joelho pra baixo. mão do Ministério Público, que já ti-
Por causa dessa violência que so- nha advogado público pra resolver o
fri, entrei com uma ação contra o Es- caso e tal. E o caso foi andando, an-
tado. A Defensoria não fez nada. Di- dando, andando e nada. Foi aí que
reitos Humanos não olharam por minha mãe conseguiu um advogado
mim, pra mim. Recebi muita ajuda particular. O pessoal do grupo Reaja
da comunidade, muita ajuda de Or- mandou pra cá, pra orientar, né? Sa-
ganizações, de pessoas ligadas à ber como resolvia isso.
ONG, pessoas influentes nesse meio Esse advogado foi procurar saber
que me ajudaram. O pessoal da Re- em que pé tava a situação, e a gente
des da Maré, Anistia Internacional, descobriu que havia um inquérito, um
Justiça Global, Grupo Reaja e muita processo interno do Exército contra o
gente da comunidade, muitos ami- motorista do carro, que me colocava
gos. E eu não ganhei cama do Estado como testemunha, e não como ví-
do Rio de Janeiro, do Governo, não tima do caso. E em fevereiro de 2016,
ganhei cadeira de rodas, por exem- a gente resolveu entrar na Justiça com
plo. A cadeira que eu usava, ganhei esse advogado particular. Isso porque
de amigos. A cama que eu dormia, já tinha completado um ano e o Mi-
ganhei de amigos. Curativos, fraldas, nistério Público não tinha feito nada.
essas coisas, eu ganhei tudo de pes- O único jeito seria contratar um ad-
soas solidárias, aqui da comunidade. vogado particular, porque minha mãe
É isso, a gente tá na justiça agora ten- ia aos lugares e já tava ouvindo sobre
tando fazer com que eles paguem pe- “arquivamento do processo”, e isso já
las consequências do ocorrido. tava deixando a gente desesperado, 105
ENTREVISTAS | VITOR SANTIAGO

porque eu não fiquei doente. Eu não completamente diferente. E eu vou fa-


nasci deficiente físico. Me impuse- lar que aqui, a comunidade em si não
ram isso, me colocaram dessa forma. abraçou muito a causa, a verdade é
Agora em fevereiro de 2017 completa essa. Não abraçou muito a causa.
um ano que o advogado tá no caso. Eles se sentiram invadidos pela
Então, algumas coisas têm mudado, “lei”, entre aspas, por um Órgão que,
graças a Deus. Porém, não da forma de repente, colocaria ordem para al-
que a gente queria, né? Isso porque, gumas coisas. Mas sem nenhuma pre-
no final das contas, a gente vai ter de paração, organização, e aí a comuni-
abrir mão de parte do dinheiro, inde- dade começou a rejeitar o Exército.
pendente do que a gente for receber Daí eu acho que eles começaram a
de indenização, a gente vai ter de abrir dar o mesmo troco, na mesma face,
mão de uma grana pra poder pagar na mesma moeda. Já que a gente não
o serviço do advogado. Isso era uma está sendo bem aceito aqui, a gente
coisa que o Estado deveria ter feito vai fazer jus a isso. E aí era isso: abuso
pela gente, né? Que seria o justo! Na de poder. A comunidade sempre fez
verdade não fizeram. festas, muitas coisas. Muita gente aqui
Essa situação me deixa revoltado, faz aniversário, faz na rua, liga um
porque no início, quando o Exército som, faz alguma coisa, chama a co-
chegou à Maré, eles atuaram de um munidade. Eles não pediam, discu-
jeito, depois mudaram. Como é que tiam com os moradores. Na verdade,
isso foi acontecer do ponto de vista do eles ordenavam parar com festa, mas
trabalho que eles deveriam fazer com a festa era particular. Eles entravam
os moradores? Foi, foi bem diferente em casas, a revista e a abordagem
mesmo, no início. No início, acho que eram completamente diferentes. Re-
nos primeiros 15 ou 20 dias eles foram vistavam tudo, faziam a pessoa tirar
muito diferentes e amigáveis. as coisas da bolsa, espalhavam, depois
Foi bem diferente sim, no começo, faziam com que as pessoas catassem.
quando eles chegaram. Eu acho que a Foi assim, diferente da polícia até.
ideia de colocar Exército no Complexo Fazendo uma comparação entre as
da Maré, nas comunidades, foi meio abordagens de policiais que eu já levei
no escuro, por eles não saberem, por na minha vida, elas foram completa-
não fazerem ideia, no caso o Exército, mente diferentes das do Exército. Foi
um Órgão Federal, como funcionava pior, foi pior. Já mexeram no meu tele-
o poder paralelo, de fato, no Rio de Ja- fone. Já me ameaçaram de prisão por
neiro. Acho que eles tinham só uma não deixar mexer, por eu não autori-
noção de como funcionava e quando zar mexer no meu telefone, né? Por
106 chegaram aqui é que viram que era invadirem a minha privacidade dessa
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

forma. A falta de informação, eu acho, Acho que precisa dar um treina-


era muito grande. Porque é inadmis- mento melhor para o policial. Mas
sível! É engraçado até, num espaço também não só o melhor treinamento.
de 600 metros, numa rua reta, são três O melhor é treinamento e fazer com
pontos de soldados, o Exército em três que valha a pena os profissionais atu-
pontos, sabe? Você ser abordado nos arem de forma correta nas suas profis-
três pontos. O que podia ser resol- sões, porque as pessoas fazem prova,
vido com uma simples comunicação viram policiais e não têm salário. En-
entre eles. Você era revistado nos três tra na comunidade pra poder trocar
lugares o tempo todo. Às vezes, você tiro com bandido e não tem salário,
virava a esquina, às vezes você era re- não tem dinheiro?! O custo benefício
vistado aqui e no segundo ponto es- não vale a pena, por isso é que mui-
tavam vendo que você era revistado, tos vão pra corrupção. Tem grupos de
chegando lá eles revistavam você de extermínio de policial e tal, acho que
novo. Era completamente diferente é isso. A Segurança pública do Rio de
de todas as abordagens da polícia que Janeiro está bem equivocada com as
eu já tive na vida. No começo era tran- coisas. Acho que implantar UPPs nas
quilo, eles ficavam nos pontos deles comunidades não resolve, né? Tem
e tal, mas depois foi o que eu falei: a vários exemplos que não têm resol-
comunidade não abraçou muito, né? vido, até hoje morador some, troca de
Começou a rejeitar, né? E eles se sen- tiro sempre, o tráfico continua e tal.
tiram rejeitados e quiseram fazer jus a Acho que uma melhor abordagem
isso e fazer o mesmo. junto aos moradores, junto com a As-
Eu sempre disse à minha família e sociação de Moradores, junto com as
amigos que a Segurança pública do Rio ONGs que existem dentro dessas co-
de Janeiro está completamente equivo- munidades mudaria bastante, ajuda-
cada em muitas coisas, né? Primeiro, ria muito na violência e na forma que
achar que colocar Exército em comu- o Rio de Janeiro vive hoje.
nidade vai resolver alguma coisa. Acho Quer perguntar mais, pode falar.
que o que tem de acontecer é diálogo, Será que eu me esqueci de alguma
né? Acho que tem de conversar, tem de coisa?
saber, tem de investir mais em outros Não consigo, sinceramente, eu
planos, em projetos sociais, pra poder não consigo perceber diferença al-
tirar gente da rua, ocupar a cabeça dos guma na atuação da polícia e do
jovens, dessas pessoas de 13 e 14 nos Exército. Não teve diferença alguma!
que não têm expectativa de vida e só Não houve nada de diferente, de
veem expectativa de vida no tráfico. melhor, que tenha mudado alguma
Pras coisas poderem se resolver. coisa na comunidade. Nada. Nada, 107
ENTREVISTAS | VITOR SANTIAGO

nada, de verdade. E não tiveram pro- Como pode? Saco de areia, arame
jetos sociais, não tiveram planos, não farpado, tática de guerra, eu não ti-
tiveram programas, planos de me- nha visto, só tinha visto na televisão,
lhoria. Assim, coisas básicas. Coisas aqui foi completamente igual ao que
que poderiam articular como sane- a gente via lá no filme. Aconteceu
amento básico, coleta de lixo. Mas aqui, sei lá, a gente tava numa guerra.
nada, não teve nada de diferente, Acho que a 3ª Guerra Mundial. Eu
nada, nada. Pelo contrário, acho que nunca tinha visto isso, o poder bélico
teve medo, né? O pessoal se sentiu deles era muito forte. Como é que
muito acuado aqui. Porque é o que você anda numa comunidade com
eu falei e eu já ouvi também, e é uma tanque de guerra e bazuca, gente?
opinião que eu compartilho: a polícia Como é que se anda numa comuni-
já virou vitrine no Rio de Janeiro pra, dade portando bazuca na mão, como
nos casos de violência, e a gente sabe é que é isso? Pra acuar o morador e
que quem entra em comunidade é a foi o que aconteceu. Morador se sen-
polícia. Quem entra pra tentar resol- tia muito acuado, não saía, e eu saía,
ver as coisas é a polícia. Quando o porque tinha de trabalhar, eu traba-
Exército chegou muita gente ficou as- lhava na época.
sustada, porque começou a ver muita Eu trabalhava numa empresa de
coisa que não se via antes. Eu nunca distribuição de material cirúrgico,
tinha visto um tanque de guerra tão trabalhava na área de ortopedia,
perto, tão perto, um tanque de guerra pino, parafuso, placa, essas coisas. E
de verdade, via no Desfile de 7 de paralelamente eu fazia um curso téc-
Setembro. Helicóptero do Exército, nico de segurança do trabalho e, por
moto, jipe, barricada, sabe? Muita incrível que pareça, por ironia do
coisa de guerra! destino, o cara que via positividade

“ Saco de areia, arame farpado, tática de


guerra, eu só tinha visto na televisão, aqui foi
completamente igual ao que a gente via lá no
filme (...) a gente tava numa guerra. Acho que
a 3ª Guerra Mundial. Eu nunca tinha visto isso,
108 o poder bélico deles era muito forte”
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

nisso tudo, o cara que torcia por pro- que andam normalmente, né? E o Es-
jetos sociais, por mudanças, levou tado me colocou de forma diferente,
dois tiros, como eu já falei, e está em né? Nasci com duas pernas, nasci an-
cima de uma cadeira de rodas. dando, sempre fui muito ativo e hoje
Eu, atualmente, tenho saudade eu sou um cadeirante, amputado, pra
de ir a entrevistas de emprego, tenho descer e subir pra casa e fazer as coi-
saudade de reclamar, de olhar no re- sas são cerca de três pessoas pra po-
lógio e dizer que são 10 horas da ma- der fazer as coisas comigo. Tudo eu
nhã e esperar até às 5 horas pra poder tenho de pagar. Um carro pra tal lu-
ir embora do trabalho. Tenho sau- gar eu tenho de pagar e é muito caro.
dade de dançar. Tenho saudade de Eles me deixaram dessa forma e
andar e fazer tudo o que eu fazia an- não me deram o meu direito. Eu não
tes. Eu tenho saudade de pegar a mi- tive a opção na verdade, não me de-
nha filha no colo, como eu pegava. Eu ram direito a coisas básicas de que
tenho saudade de levar a minha filha eu preciso. Eu não tenho ambulância
pra praia, de sair com ela. Eu sinto pra entrar na comunidade, pra entrar
falta de tudo isso que me tiraram. e me buscar pra fazer um exame de
Eu dançava, né? Eu fazia parte de rotina. É tudo muito complicado. Eu
um projeto de Corpo de Dança da tenho de esperar na fila do SisReG, na
Maré, onde eu fiquei por três anos, fila do SUS, para uma consulta nor-
viajei pra vários lugares do Brasil. mal, sei lá, para uma urologia, um
Sou músico, né? Quem me conhece, exame de sangue.
sabe. Sempre toquei instrumento, ca- Isso modificou demais a minha
vaquinho, violão, contrabaixo, eu sei vida e tá tudo mais complicado agora.
cantar. E hoje eu não posso fazer ab- Eu sinto falta de tudo isso. Hoje eu
solutamente nada disso. Quer dizer não posso fazer o que eu fazia antes.
ainda, né? Não ainda. Minha filha me cobra muita coisa,
Porque eu tenho uma positivi- mas eu não faço de tudo agora. Es-
dade muito grande dentro de mim. tou numa rotina nova. Eu tenho sa-
Eu sei que minha vida entrou num ído algumas vezes, eu comecei a rea-
slow motion, mas as coisas vão vol- bilitação há quatro meses. Mas é isso,
tar ao normal, eu sei disso. Isso mo- modificou bastante a minha vida, mo-
dificou demais a minha vida, eu não dificou muito. Eu sinto muita falta,
faço as coisas que eu fazia antes, eu muita saudade das coisas que eu fazia
moro no segundo andar, numa casa antes, mas... Bola pra frente, né?
grande, com uma sala boa, corredor, Graças a Deus eu tô vivo. Pior se eu
quartos, cozinha. Porém, uma casa tivesse morrido; o pior já passou, né?
feita pra pessoas bípedes, pessoas Agora eu tô bem, eu tô tranquilo, vejo 109
ENTREVISTAS | VITOR SANTIAGO

minha filha, vejo minha mãe, vejo mi- vez mais independência nas minhas
nha família todo dia, minha namorada coisas. Poxa, um cara que chegou
e tal. E agora, bola pra frente. E assim, com 7% de vida no hospital, hoje tá
de uns tempos pra cá, a vontade de fa- fazendo as coisas que eu faço já é um
lar sobre isso aumentou, de ir a gran- avanço muito grande. Porém, come-
des Órgãos, falar sobre isso, falar em cei tarde a fisioterapia, a reabilitação,
palestras, campanhas e tal, né? Como devido a esse atraso de fila de SisReg,
a Anistia, a Redes da Maré, e de mui- de SUS, esse atraso de forma geral. O
tos outros lugares botar a cara, nesses meu futuro eu não sei, eu tô focado
lugares assim, pra mostrar que eu sou na minha reabilitação, na minha fa-
vítima e estou vivo, e pra fazer com mília, na minha melhora e no meu
que essas coisas não aconteçam com processo indenizatório, que eu es-
mais pessoas, dentro e fora de comu- pero que saia o mais rápido possível.
nidade. Entendeu? Quero ter uma casa adaptada, um
Vejo que o meu futuro depende carro adaptado, meu direito de ir e vir
do meu presente agora, porque o de novo, que um dia eu tive, já que
passado já ficou pra trás, aconteceu eu fazia de tudo. Quero fazer de tudo
o que aconteceu. Desde o momento novamente, quero dirigir. O meu fu-
em que eu acordei no hospital eu sa- turo, espero que seja esse. Eu sou
bia que tudo ia ser diferente dali pra aposentado, hoje, consegui me apo-
frente. Desde o momento em que eu sentar por invalidez, e é isso. Espero
saí do hospital, eu também sabia que pelo processo, eu não tô com cabeça
seria diferente dali pra frente. E tudo pra trabalhar ou fazer alguma coisa
está sendo diferente hoje. Tô tendo devido à fisioterapia, da reabilitação,
uma vida diferente, uma vida comple- da minha família, da minha filha e
tamente diferente, nova, mas eu não do processo. Depois que tudo isso se
queria essa vida. Essa é a verdade. resolver, eu penso em investir em al-
Mas o futuro depende de hoje, eu guma coisa e tal, até pra dar uma vida
preciso, eu tenho feito, estou fazendo melhor pra minha mãe, pra minha fi-
reabilitação agora. Tenho tido cada lha e, seguir assim: bola pra frente!

110
ANEXO
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS SOBRE
AÇÃO DAS FORÇAS DE PACIFICAÇÃO NA MARÉ

questionário b | entrevista com morador

número do questionário: nome do entrevistador:

Prezado/a Senhor/a,

O presente instrumento busca reunir informações acerca das ações dos


militares na Maré desde março de 2014. Pedimos sua contribuição por meio
do preenchimento deste, para que possamos conhecer melhor como os
moradores da região têm percebido a presença policial. Para que este trabalho
resulte em um consistente material de pesquisa, solicitamos que as respostas
sejam abrangentes, e as informações fornecidas suficientemente detalhadas.

Cabe assinalar que o sigilo das informações será resguardado e o uso dos
resultados acontecerá de forma ética e responsável, sempre com a prévia
anuência dos participantes da pesquisa. Neste sentido, informações de casos
particulares não serão disponibilizadas publicamente. A divulgação, quando
permitida, será restrita à totalidade dos casos e sob a forma de estatísticas
referentes ao conjunto dos entes pesquisados.

O questionário será sempre aplicado presencialmente.

Desde já agradecemos sua colaboração e nos colocamos à disposição


para dirimir quaisquer dúvidas que surjam ao longo do preenchimento.

bloco 1 | perfil do entrevistado

1. Sexo: c 1. Masculino c 2. Feminino


2. Idade: c c anos
3. Raça:
c 1. Branca c 2. Preta c 3. Parda c 4. Amarela c 5. Indígena
4. Grau de Escolaridade:
c 1. Sem escolaridade c 2. Ensino Fundamental (1º grau) incompleto
c 3. Ensino Fundamental (1º grau) completo
c 4. Ensino Médio (2º grau) incompleto c 5. Ensino Médio (2º grau) completo
c 6. Superior incompleto c 7. Superior completo
c 8. Pós-Graduação Lato Sensu c 9. Mestrado (ou equivalente) ou Doutorado
111
ANEXO | INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
SOBRE AÇÃO DAS FORÇAS DE PACIFICAÇÃO
NA MARÉ

5. Comunidade onde reside na Maré:


c 1. Conjunto Esperança c 2. Vila do João
c 3. Vila do Pinheiros c 4. Salsa e Merengue
c 5. Conjunto Pinheiros c 6. Morro do Timbau
c 7. Baixa do Sapateiro c 8. Nova Maré
c 9. Conjunto Bento Ribeiro Dantas c 10. Parque Maré
c 11. Nova Holanda c 12. Parque Rubens Vaz
c 13. Parque União c 14. Parque Roquete Pinto
c 15. Praia de Ramos c 16. Marcílio Dias

6. Tempo de residência na Maré [informar se meses ou anos]

7. Quantas pessoas moram no seu domicílio, incluindo você:

8. Trabalho:
c 1. Trabalha, com vínculo empregatício
c 2. Trabalha, sem vínculo empregatício
c 3. Desempregado (já trabalhou e está à procura de emprego)
c 4. Nunca trabalhou c 5. Estudante c 6. Aposentado ou pensionista
c 7. Do lar c 8. Outro. Especificar:

9. Você ou algum membro da sua família frequenta alguma ONG na Maré?:


c 1. Não c 2. Sim
9.1. Em caso afirmativo, qual?

bloco 2 | questões gerais

1o. Você gosta de morar na Maré?


c 1. Não c 2. Sim

11. Você visita ou frequenta outros lugares fora da Maré?


c 1. Não [pular para a 12] c 2. Sim
11.1. Por qual/quais motivo/s? Até três motivos, por ordem de importância:
Motivo principal:
2º motivo (opcional):
3º motivo (opcional):

12. Você costuma circular em outras comunidades dentro da Maré?

112 c 1. Não c 2. Sim


A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

bloco 3 | sobre o período anterior à entrada das forças de pacificação

A ocupação das Forças de Pacificação na Maré foi iniciada no mês de março de 2014.
Considerando-se a realidade da Maré nos três anos anteriores a esse processo, responda
às seguintes perguntas:

13. Nos últimos três anos antes da pacificação, sem contar os programas do Governo,
você ou alguém da sua família recebeu benefícios de terceiros, seja de instituição ou
de pessoa física? Se sim, de quem?
[ ex. associação de moradores, igreja, amigos e parentes, tráfico, milícia,
exército etc. ]
Os benefícios aqui considerados podem ser: comida, dinheiro, medicamento, ajuda
com aluguel, pagamento de contas, etc.
c 1. Não c 2. Sim
13.1. Se sim, de qual desses?
c 1. Associação de Moradores c 2. Igreja c 3. Amigos ou parentes
c 4. Tráfico c 5. Milícia c 6. Polícia c 7. Político c 8. ONG
c 9. Outro. Especificar:

14. Na sua opinião, antes da pacificação da Maré, era seguro ou inseguro morar aqui?
c 1. Seguro c 2. Inseguro

15. Na sua opinião, depois da pacificação da Maré, é seguro ou inseguro morar aqui?
c 1. Seguro c 2. Inseguro

16. Então houve ou não houve mudança em relação à sensação de segurança


com a Pacificação da Maré?
c 1. Houve mudança c 2. Não houve mudança

17. Na sua opinião, a pacificação de outras áreas da cidade interferiu na situação dentro
da Maré? Como?
c 1. Sim, a Maré ficou mais segura com a pacificação de outras áreas da cidade.
c 2. Sim, a Maré ficou menos segura com a pacificação de outras áreas da cidade.
c 3. Não, a situação da Maré não mudou com a pacificação de outras áreas
da cidade.

18. Qual/Quais da/s alternativa/s abaixo você considera verdadeira/s?


c 1. Dentro da Maré eu me sinto tão seguro quanto no restante da cidade.
c 2. Dentro da Maré eu me sinto mais seguro que no restante da cidade.
c 3. Dentro da Maré eu me sinto menos seguro que no restante da cidade.
113
ANEXO | INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
SOBRE AÇÃO DAS FORÇAS DE PACIFICAÇÃO
NA MARÉ

19. Você ou alguém do seu domicílio já foi a alguma Delegacia para registrar algum
delito de que tenha sido vítima? Ex.: furto, roubo, agressão, ameaça, ofensa,
discriminação, etc.? Se sim, foi antes ou depois da pacificação?
c 1. Sim, antes da pacificação da Maré
c 2. Sim, depois da pacificação da Maré
c 3. Sim, antes e depois da pacificação da Maré
c 4. Não

Considere a situação a seguir ocorrendo nos últimos três anos antes da pacificação:
Um morador de sua comunidade danificou a parede do vizinho enquanto fazia uma
reforma. O vizinho atingido cobrou o pagamento dos danos causados, mas esse morador
não aceitou e ameaçou o vizinho atingido.
Usando o bom senso e o conhecimento da realidade da Maré, qual desses grupos abaixo
você acha que o vizinho atingido deveria acionar para resolver o problema?

20. Associação de Moradores:


c 1. Sim c 2. Não
Por que?

21. Uma ONG local:


c 1. Sim c 2. Não
Por que?

22. Uma igreja local:


c 1. Sim c 2. Não
Por que?

23. Tráfico ou milícia:


c 1. Sim c 2. Não
Por que?

24. Justiça (Defensoria Pública, Juizado, etc.):


c 1. Sim c 2. Não
Por que?

25. Delegacia:
c 1. Sim c 2. Não
Por que?
114
A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

bloco 4 | sobre a violência

26. Nos últimos três anos antes da pacificação, você ou alguém da sua família imediata
foi vítima de algum tipo de violação de direito — entrada em domicílio sem autorização
ou dano corporal ou de propriedade — por parte da polícia dentro da Maré?
c 1. Não c 2. Sim
26.1. Com que frequência?
c 1. Nunca c 2. Uma vez c 3. Duas vezes c 4. Mais de duas vezes
26.2. Caso tenha ocorrido, pode descrever brevemente o incidente?

26.3. Você ou alguém da sua família denunciou este incidente junto à alguma
Organização? c 1. Não c 2. Sim
26.3.1 Em caso afirmativo, indique onde a denúncia foi registrada:
c 1. ONG. Qual?
c 2. Igreja. Qual?
c 3. Disque Denúncia c 4. Delegacia c 5. Associação de Moradores
c 6. Outra resposta. Especificar:

bloco 5 | sobre a ação das forças de pacificação e das facções,


inclusive a milícia

Você ou algum membro da sua família imediata já vivenciou alguma das experiências
listadas abaixo:
27. Revista pessoal c 1. Sim c 2. Não
28. Revista à residência c 1. Sim c 2. Não
29. Detenção c 1. Sim c 2. Não
30. Participação em eventos comunitários c 1. Sim c 2. Não
(debates, ações sociais, atividades culturais, etc.)
onde houve a contribuição de militares
31. Participação em eventos religiosos onde houve c 1. Sim c 2. Não
a contribuição de militares
32. Participação em eventos onde houve monitoramento c 1. Sim c 2. Não
especial da Força de Pacificação
115
ANEXO | INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
SOBRE AÇÃO DAS FORÇAS DE PACIFICAÇÃO
NA MARÉ

33. Confronto violento envolvendo militares c 1. Sim c 2. Não


(onde houve uso de armas e/ou outros artefatos)
34. Registro de denúncias/reclamações junto aos militares c 1. Sim c 2. Não
sobre ocorrências na comunidadea
35. Outros. Especificar: c 1. Sim c 2. Não

36. Depois da entrada das Forças de Pacificação, você ou alguém da sua família
imediata foi vítima de algum tipo de violação de direito — entrada em domicílio sem
autorização ou dano corporal ou de propriedade — por parte dos militares?
c 1. Não c 2. Sim
36.1. Com que frequência?
c 1. Nunca c 2. Uma vez c 3. Duas vezes c 4. Mais de duas vezes
36.2. Caso tenha ocorrido, pode descrever brevemente o incidente?

36.3. Você ou alguém da sua família denunciou este incidente junto à alguma
Organização? c 1. Não c 2. Sim
36.3.1 Em caso afirmativo, indique onde a denúncia foi registrada:
c 1. ONG. Qual?
c 2. Igreja. Qual?
c 3. Disque Denúncia c 4. Delegacia c 5. Associação de Moradores
c 6. Outra resposta. Especificar:

Em relação às afirmativas abaixo, diga se você: concorda plenamente; acha que


depende/varia conforme a situação; discorda totalmente
37. É uma boa atitude da Força de Pacificação distribuir doces e lanches para
as crianças.
c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente
38. É importante que seja necessário pedir autorização para a Força de Pacificação
para organizar uma grande festa na rua.
c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação

116 c 3. Discordo totalmente


A OCUPAÇÃO DA MARÉ
PELO EXÉRCITO BRASILEIRO

39. É importante ter o monitoramento das ruas pela Força de Pacificação,


especialmente à noite.
c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

40. A cor de uma pessoa ainda influencia na forma como ela é tratada pelos militares.
(pensar se concorda com a frase, não com o ato)
c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

41. A atuação dos militares na Maré, em geral, respeita os direitos dos moradores.
c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

42. Os militares que atuam na Maré, em geral, usam mais força do que é necessário.
c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

43. As ações cumpridas pelos militares na Maré costumam ser positivas para a
comunidade local e não devem mudar.
c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

44. Os militares atuam de forma diferente da polícia.


c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

45. Os militares atuam de forma diferente da polícia.


c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

46. Militares devem matar alguns integrantes das facções, mesmo que tenham
a possibilidade de prendê-los.
c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

47. Os militares devem usar todos os meios para enfrentar o tráfico de drogas, mesmo
que os moradores sofram algum risco.
c 1. Concordo totalmente c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente
117
ANEXO | INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
SOBRE AÇÃO DAS FORÇAS DE PACIFICAÇÃO
NA MARÉ

48. Quando os militares saírem, a chegada da UPP trará mais segurança para a Maré.
c 1. Concordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

49. A atuação dos militares é mais valorizada que a dos policiais, pela sociedade.
c 1. Concordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

50. Os militares são mais honestos que os policiais.


c 1. Concordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

51. É importante e necessário que os militares continuem atuando dentro de favelas.


c 1. Concordo totalmente
c 2. Depende/Varia conforme a situação
c 3. Discordo totalmente

52. Sua avaliação da atuação dos militares na Maré, em geral, é:


c 1. Péssima
c 2. Ruim
c 3. Regular
c 4. Boa
c 5. Ótima

53. Você já recorreu ao auxílio dos militares em alguma situação do cotidiano em que
isso foi necessário?
c 1. Não
c 2. Sim

54. Como avalia a resposta dos militares, em geral, quando recorreu a esses?
c 1. Péssima
c 2. Ruim
c 3. Regular
c 4. Boa
c 5. Ótima

118
Quem vive e trabalha na bela cidade do Rio de Janeiro sabe bem que
em paralelo à vida vibrante, alegre e exuberante existe a dificuldade
real. Em muitas comunidades em toda a cidade a situação de
segurança é frágil e muitas vidas inocentes são perdidas a cada mês.
Neste contexto, as relações entre a polícia e as comunidades que
policiam são de fundamental importância. Desconfiança e tensão
podem ter se acumulado ao longo de muitos anos, razão pela qual
o desafio de quebrar o ciclo é tão difícil. Isso torna um trabalho
como este, produzido através de uma excelente colaboração entre a
Queen Mary, University of London e a Redes da Maré, tão importante.

jonathan dunn obe


cônsul geral — consulado geral do reino unido, rio de janeiro

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