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16/01/2018 Da Consideração (1149-1152) | Idade Média - Prof. Dr.

Ricardo da Costa

Da Consideração (1149-1152)
Bernardo de Claraval (1090-1153)
Tradução e notas: Ricardo da COSTA

Prefácio
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Irrompe em meu interior , beatíssimo papa Eugênio , um desejo incontido de
ditar algo que te edifique, te deleite, te console. Mas vacilo entre fazê-lo ou não,
pois duvido que possa sair de mim uma exortação livre e ao mesmo tempo
moderada, já que me encontro como que envolto em uma luta entre duas forças
contrárias: o impulso de meu amor e a contenção por tua majestade. Esta me
inibe, aquele me urge.
Mas intervêm tua dignidade e tu não me ordenas simplesmente, mas te rebaixas
para pedir-me quando deverias ordenar-me. Como meus pudores poderão ainda
resistir, se tua própria majestade é tão deferente comigo? Não me coage o fato de
ter ascendido à cátedra pontifícia, pois ainda que avance com grandes asas ao
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vento, não te faltará meu afeto, pois o amor desconhece o domínio e reconhece o
filho, mesmo sob a tiara; o amor é submisso por natureza, obedece
espontaneamente, concorda desinteressadamente, respeita generosamente.
Mas nem todos são assim, nem todos. Muitos se deixam levar pela cobiça ou pelo
temor. Esses são os móveis que aparentemente te louvam, mas em seus corações
lateja a maldade. Adulam-te com tuas blandícias, mas te abandonam na
necessidade. E a caridade, essa, nunca desaparecerá.
Eu, para te dizer a verdade, estou liberado dos meus ofícios maternais contigo,
mas eles não me privaram o afeto, pois há muito te carrego em minhas vísceras, já
que não é tão fácil me arrancarem um afeto tão íntimo. Tu podes ascender aos
céus ou descer aos abismos, que nunca te separarás de mim: seguir-te-ei onde
quer que vás. Amei o que era pobre em seu espírito, amarei o que é pai dos pobres
e dos ricos. Conheci-te bem, e sei que não deixou de ser pobre no espírito,
embora te tenham feito pai dos pobres.
Confio que em ti se tenha realizado essa mudança, [394] não à tua custa, pois tua
promoção não conseguiu mudar tua condição anterior, mas somente sobrepor-se
a ela. Assim, te admoestarei não como um mestre, mas como uma mãe, como
quem ama. Talvez pareça loucura, mas será somente para aquele que não ama,
nem sente a força do amor.

Livro I
Minhas condolências por tuas imensas ocupações
I.1. Por onde principio? Decido-me fazê-lo por tuas ocupações, pois são elas que
maximamente me movem a condoer-me contigo. Digo condoer-me no caso de a ti
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também te doerem. Se não é assim, te diria que me doem, pois não posso falar de
condolência quando o outro não sente a mesma dor. Portanto, se te doem, me
condôo, se não, sinto maior pena ainda, porque um membro insensibilizado
dificilmente poderá se recuperar, já que não há enfermidade mais perigosa que
aquela que não se sente enfermo. Mas não sei se me ocorre suspeitar isso de ti.
Bem sei com que gosto até bem pouco tempo tu saboreavas as delícias de tua
doce quietude. Não podes prescindir tão rapidamente delas; é impossível que não
lamentes tua tão recente perda. Uma ferida recente dói muitíssimo, e não é
possível que tenha criado um calo tão rápido, nem te creio capaz de ter ficado
insensível em tão pouco tempo. Pelo contrário, se não dissimulas, te sobram
razões para sofrer justificadamente as fadigas que te reservam quotidianamente.
Não me engano se te digo que te arrancaram violentamente dos braços de tua
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querida Raquel , e necessariamente tens que renovar essa dor quantas vezes tiver
que suportá-la.
E quando te acontece isso? Sempre que tentas algo inutilmente sem poder
terminar. Quantos esforços sem sucesso! Quantas dores de parto sem parir!
Quantos afãs frustrados! Quantas coisas tu tens que abandonar mal iniciadas!
Quantos planos caem por terra depois de concebidos! “Chegaram os filhos até o
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colo do útero”, disse o profeta , [395] “e não há força suficiente para fazê-los
nascer”. Já não o experimentastes? Ninguém sabe melhor que tu. Tuas faculdades
mentais deveriam ter-se debilitado, ou deverias ser como a novilha de Efraim, que
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trilhava com gosto , se é que te acomodastes à tua situação sem qualquer
preocupação.
Desejo-te sinceramente a paz, mas não uma paz que nasça de teu conformismo.
Seria muito alarmante para mim que tu gozasses dessa paz. Estranhar-te-ia
chegar a esse extremo? Asseguro-te que é possível; ordinariamente, a força do
costume leva à despreocupação.

Os perigos das ocupações excessivas


II.2. Não confie demasiadamente no desgosto que agora sentes. Não há nada tão
arraigado no ânimo que não perca sua força com a negligência e o tempo. A
calosidade termina encobrindo uma velha ferida já esquecida. Por isso, o
insanável é o insensível, a dor mais aguda e contínua cede de intensidade e,
mesmo que os remédios não a amorteçam, ela cede por si, desaparece com as
medicinas, ou adormece por sua própria agudeza. Há algo que a assiduidade não
mude? A rotina nos relaxa, pois nada resiste à contínua repetição. Quantos,
devido à inércia do hábito, conseguiram encontrar doçura no que antes parecia
amargo?
Assim confessava o justo, que lamentava: “O que minha alma se negava a tocar,
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veio a ser o alimento em minha enfermidade”. No princípio, algumas coisas
podem parecer insuportáveis, mas com o passar do tempo, se te acostumas a elas,
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não as julgarás tão pesadas; pouco depois, já te serão suportáveis; em seguida, não
as notarás e, no fim, terminarão deleitáveis. Assim, paulatinamente, se chega à
dureza do coração e, dela, à aversão. Dessa maneira, como te dizia, a dor mais
grave e contínua extinguir-se-á, recobrando-se a saúde ou tornando-se insensível.
II.3. [396] Em outras palavras, isso é o que sempre temi de ti e o temo agora: que
por ter diferido o remédio ao não poder suportar mais a dor, chegues a te
abandonar irrevogável e desesperadamente ao perigo. Tenho medo, te confesso,
que, em meio às tuas ocupações, que são tantas, por não poder esperar que nunca
cheguem ao fim, tu acabes por endurecer a ti mesmo e, lentamente, percas a
sensibilidade por uma dor tão justificada e saudável.
É muito prudente que pelo menos um tempo tu te subtraias das ocupações. Faça
qualquer coisa, menos permitir que te arrastem e te levem para onde não queiras.
Queres saber para onde? Para a dureza do coração – e não me perguntes o que é
essa dureza de coração: se já não estremecestes, é porque já chegastes nela.
Coração duro é aquele que não se espanta mais consigo mesmo, porque nem o
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adverte. Quem me interroga? Interroga o faraó. Nunca um coração duro se
salvou, a não ser que Deus, em Sua misericórdia, como disse o profeta, o converta
em um coração de carne.
E quando é duro um coração? Quando não se rompe pela compunção, nem se
abranda com a compaixão, nem se comove na oração; não cede ante as ameaças,
nem se encrespa com os flagelos; é ingrato com os bens que recebe, desconfiado
com os conselhos, cruel nos julgamentos, cínico diante do indecoroso, impávido
ante os perigos, desumano com os homens, e temerário com o divino; dá as costas
a tudo, o presente não lhe importa, não teme o futuro. É de coração duro o
homem que, do passado, só recorda as injúrias que lhe fizeram; não se aproveita
do presente e, do futuro, só imagina a maquinação da vingança. Em outras
palavras: é de coração duro aquele que nem teme a Deus, nem respeita o homem.
Essas malditas ocupações podem te levar até esse extremo se, tal como iniciastes,
continuarem absorvendo-te totalmente sem reservar-te nada para ti mesmo.
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Perdes o tempo e, se me permites ser para ti outro Jetro , te diria que te consomes
em um trabalho estulto [397], com ocupações que são aflição para o espírito,
enervamento da mente e perda da graça. O fruto de tantos afãs não se reduzirá a
teias de aranha?

A infinitude e indignidade de tuas ocupações


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III.4. O que é estar desde a manhã até a véspera presidindo litígios e escutando
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litigantes? Que cada dia lhe baste sua malícia! Mas não te restam nem as noites
livres. Apenas descansastes um pouco para que teu pobre corpo logo se recupere,
e já tens que te levantar de novo para acudir a juízos. Um dia passa a outro seus
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pleitos e a noite traz à noite sua maldade. Assim te falta tempo para respirar a
bondade ou mesclar o trabalho com o descanso, e menos ainda um intervalo de
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ócio, mesmo que seja curto. Sei que tu também o deploras, mas inutilmente, se
não fazes todo o possível para remediá-lo. Quisera que pelo menos o lamentasses,
para que tão absorvente ocupação não te endureça. “Os feri e não sentiram dor”,
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diz Deus. Que tu não sejas como eles! Identifique bem o que diz o justo e suas
afeições: “Que forças me restam para resistir? Que destino eu espero para ter
paciência? Sou tão resistente como a pedra? Por acaso minha carne é de
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bronze?”.
A paciência é uma magna virtude. Mas, neste caso, eu não gostaria que tu a
tivesses. Há ocasiões em que é preferível saber impacientar-se. Não creio que
aproves a paciência que Paulo se referia: “Com gosto suportai os insensatos, vós
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que sois sensatos”. Se não me equivoco, há aqui uma claríssima ironia, não
louvor, mas uma repreensão mordaz da mansuetude de alguns que, entregando-
se aos pseudo-apóstolos e seduzidos por eles, toleram com falsa paciência que
lhes arrastem a seus estranhos e depravados dogmas. Por isso acrescenta:
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“Suportais que vos escravizem”.
A boa paciência não consiste [398] em consentir que te degradem até a
escravidão, quando podes manter-te livre. Eu não gostaria que dissimulasses essa
servidão que dia-a-dia te está oprimindo. Não sentir a própria e contínua vexação
é um sintoma de um coração que se encontra embotado. “Os açoites te servirão
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de lição”, diz a Escritura , o que é verdade, mas somente se não são excessivos.
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Quando o são, nada ensinam, porque provocam repugnância. Quando o ímpio
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chega ao fundo do mal, tudo despreza. Desperta e fica alerta: que te horrorize o
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jugo que te cai por cima e te oprime com sua odiosa escravidão.
Por acaso crês que, por servir a todos e não a um só, não és escravo? Não existe
mais torpe nem mais grave servidão que a escravidão dos judeus, pois aonde vão
eles a levam consigo, e em todas as partes ofendem seus senhores. Confessa
também tu, por favor: onde te sentes livre? Onde te vês seguro? Onde és tu
mesmo? Por todas as partes a confusão te segue, o tumulto te invade e o jugo de
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tua escravidão te oprime.
IV.5. Não me respondas agora com as palavras do Apóstolo, que diz: “Sendo eu
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livre de todos, a todos me escravizei” , pois não podes aplicá-las a ti mesmo. Ele
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não servia aos homens como escravo para conseguir torpes aquisições. Por acaso
confluíam a ele de toda a orbe os ambiciosos, os avaros, os simoníacos, os
sacrílegos, os concubinários, os incestuosos e outros monstros do gênero humano
para conseguir ou conservar mediante sua autoridade apostólica honras
eclesiásticas?
Fez-se servo de todos aquele homem cuja vida era Cristo, e para quem morrer era
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um lucro. Assim, ele queria ganhar muitos para Cristo, mas não pretendia
amontoar tesouros com sua avareza. Portanto, não podes tomar como modelo de
tua servil conduta a Paulo pela sagacidade de seu zelo, nem por sua caridade tão
livre quanto generosa. Seria muito mais digno para teu apostolado, mais saudável
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para a tua consciência, e mais frutuoso para a Igreja de Deus, se escutasses o


mesmo Paulo quando diz: “Haveis sido resgatado por um preço muito elevado;
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não vos façais agora escravos dos homens”.
Pode haver algo mais servil ou indigno de um sumo pontífice que [399] morrer
por esses negócios e pessoas, e nem digo a cada dia, mas a toda hora? Assim, qual
tempo nos resta para orar? Quantas horas reservamos para doutrinar os povos?
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Como edificamos a Igreja? O quanto meditamos a Lei? É justo que trates
diariamente no palácio as leis de Justiniano e não as do Senhor? Veja tu. A Lei do
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Senhor é imaculada e converte as almas. Essas outras não são propriamente leis,
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mas pleitos e cavilações que subvertem o juízo. E tu, pastor e bispo das almas,
com qual mente podes tolerar que a lei seja sufocada pelo bulício dos litígios?
Estou certo que os escrúpulos te mordem por tanta perversidade. Até imagino
que mais de uma vez serás obrigado a clamar ao Senhor, como o profeta: “Os
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iníquos me narraram suas fabulações, e não seguem a tua lei”. E vens agora a
atreve-te a dizer-me que gozas de liberdade sob deformante volume de tantos
iniludíveis inconvenientes que não podes evitar. Porque se podes e não queres,
estarias muito mais escravizado, por ser servo de uma vontade tão perversa como
a tua. Ou será que não é escravo aquele dominado pela iniqüidade? É o maior de
todos, mesmo que seja para ti uma indignidade maior ser dominado por outro
homem que ser escravo de um vício. E o que é que mais importa: ser escravo por
tua vontade ou forçosamente?
A escravidão coagida é miserável, mas ainda mais miserável é a escravidão
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desejada. E tu me perguntas: “O que posso fazer?”. Abster-te dessas ocupações.
Tu responderás que é impossível, que mais fácil seria renunciar à posse da
catedral. Isso seria o mais acertado se eu te exortasse a romper com elas, não a
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interrompê-las.

Uma exortação bastante meticulosa


V.6. Escuta minha repreensão e meus conselhos. Se tu dedicas toda a tua vida e
todo o teu saber às ações e não reservas nada à consideração, poderia eu felicitar-
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te? É por isso que não te felicito. E ninguém que tenha escutado o que Salomão
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disse – “Aquele que modera sua atividade [400] se tornará sábio” – pode fazê-lo,
pois até as mesmas ocupações sairão ganhando se forem acompanhadas por um
tempo dedicado à consideração.
E se tens a ilusão de ser tudo para todos, imitando aquele que se fez tudo para
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todos , louvo tua humanidade, se é plena. Mas como pode ser plena se te excluis
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dela? Tu és homem. Assim, para que tua humanidade seja plena e integral, seu
seio, que abarca a todos os homens, também deve acolher-te. Do contrário, de
que serve – conforme a palavra do Senhor – ganhar a todos se te perdes a ti
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mesmo? Então, já que todos te possuem, seja um dos que dispõem de ti.

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Por que tens de ser o único que não se beneficia de teu próprio ofício? Até
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quando tu serás um alento fugaz que não retorna? Quando darás audiência a ti
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mesmo entre tantos a quem acolhes? Tu deves a sábios e néscios e só rechaças a
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ti? O estulto e o sábio , o escravo e o liberto , o rico e o pobre , o homem e a
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mulher , o velho e o jovem , o clérigo e o laico, o justo e o ímpio , todos
dispõem de ti igualmente, todos bebem em teu coração como uma fonte pública,
e só tu ficas com sede?
Se é maldito aquele que dilapida sua herança, que será daquele que fica sem ele
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próprio? Rega as ruas com teu manancial , para que bebam nele homens,
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jumentos e animais , sem sequer excluir os camelos do criado de Abraão , mas
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que tu também bebas com eles do caudal de tua fonte. E não a dividas com
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estranhos. Ou será que tu és um estranho?
Para quem não és um estranho se o és para ti mesmo? Para quem é bom aquele
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que é cruel consigo mesmo? Não te digo para que sejas sempre, nem te digo
para que sejas pouco, mas pelo menos alguma vez que tu te voltes para ti mesmo.
Mesmo que sejais como os demais, ou depois dos demais, sirva-te a ti mesmo.
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Qual indulgência é maior? Digo isso mais por exigência da indulgência que da
justiça, e acredito que sou mais indulgente contigo que o próprio Apóstolo. “É
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mais que conveniente” , tu dirás.
Mas isso não me preocupa; o que mais dá se assim convém? Confio que tu não te
conformarás com a minha meticulosa exortação, mas [401] a superarás. Melhor
seria que tua generosidade superasse a minha audácia. Eu prefiro equivocar-me
por timidez diante de tua majestade que por temeridade, e creio que é preferível
admoestar o sábio, como o fiz, conforme o que está escrito: “ofereça ocasião ao
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sábio e serás ainda mais sábio”.

O que parece perfeito


VI.7. Além disso, ouça o que o Apóstolo pensa a respeito: “Não há entre vós
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sábios alguém para poder julgar irmão e irmão?”. E conclui: “Digo isso para
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ignonímia vossa. Nos pleitos, tomai por juízes a essa gente que na Igreja é
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desprezada”. Portanto, segundo o Apóstolo, usurpas indignamente para ti,
Apostólico, um ofício vil, grau dos mais desprezíveis. E por isso, um bispo,
instruindo a outro bispo, lhe dizia: “Ninguém que milita por Deus trata de
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negócios seculares”. Mas eu sou mais condescendente contigo ; não te exijo
tanto; unicamente o que na realidade está ao teu alcance.
Creio que, nesses tempos, os homens que litigam pelos bens materiais e que
pedem justiça, não tolerariam que tu respondesses com uma reação parecida à do
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Senhor: “Oh, homem, quem me constituiu juiz entre vós?” O que julgariam
imediatamente de ti? Diriam: “Fala como se fosse um rústico e um imperito,
ignorante que se esquece do que é o primado; desonra a suma e excelsa Sede, e
detrata a dignidade apostólica.” Sim, o diriam, mas jamais poderiam demonstrar
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que algum apóstolo se havia constituído em juiz dos homens, especializado em


pleitos sobre fronteiras ou divisão de heranças. [402]
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O que li é que os apóstolos compareceram para serem julgados , mas nunca pude
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comprovar que se sentaram para atuar como juízes. Isso eles farão um dia, que
ainda não chegou. Ou por acaso o servo não se rebaixa em sua dignidade quando
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tenta ser maior que seu senhor? Ou o discípulo, se deseja ser superior ao seu
mestre? Ou mesmo o filho, se deseja transgredir os termos que lhe impuseram
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seus pais? Quem me constituiu juiz? Isso o disse Ele, Senhor e Mestre. E
pode agora sentir-se ofendido o servo ou o discípulo que não se erige em juiz
universal?
Tampouco creio que possua um bom critério quem pensa que é indigno dos
apóstolos e de seus sucessores carecer de competência para serem juízes em todo
tipo de causas, quando somente receberam poder para as mais transcendentais.
Por que não podem depreciar os juízos sobre míseras posses terrenas humanas
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aqueles que um dia julgarão os próprios anjos celestes? Tu tens jurisdição sobre
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os crimes, não sobre as possessões; tu recebeste as chaves do reino dos céus para
excluir os prevaricadores, não aos possuidores de terras, para que saibais – afirma
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– que o Filho do Homem tem poder na terra para perdoar os pecados.
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Qual poder e dignidade te parecem maior: perdoar os pecados ou dividir as
terras? Não há comparação. Já há juízes para esses assuntos ínfimos e terrenos, os
reis e príncipes terrestres. Por que invades competências alheias? Como te atreves
a colocar tua foice no trigo que não é teu? Não é porque tu sejas indigno, mas
porque és indigno de ingerir-te em causas semelhantes, quando deves ocupar-te
de realidades superiores. E se alguma vez assim o requerer um caso especial,
convém que ouças não a mim, mas ao Apóstolo: “Se vós julgareis o mundo, sereis
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indigno das mínimas causas?”.
VII.8. Mas uma coisa é cair acidentalmente nessas causas urgentes quando lhe
premiam com razões, e outra é entregar-se totalmente a elas, como se tratasse dos
assuntos mais importantes e que requerem toda a nossa dedicação. Eu deveria
recordar-te muitas outras razões, se expusesse todos os argumentos mais
convincentes com os conselhos mais retos [403] e sinceros. Mas para que? Correm
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os dias maus e nesse ínterim eu já o admoestei para que não te dês todo à ação,
mas reserves algo de ti para a consideração, de teu coração e de teu tempo. E te
digo isso pensando mais na necessidade que na eqüidade, embora não seja contra
a eqüidade ceder ao que é necessário.

Da necessidade da consideração
Se é lícito fazer para si o que cremos mais conveniente, sempre e maximamente se
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deve preferir a piedade como um valor máximo , porque ela é útil para tudo;
assim irrefragavelmente mostra nossa razão. Perguntais-me o que é a piedade?
Entregar-se à consideração. Talvez repliques que aqui discordo de quem define a
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piedade como o culto que se tributa a Deus. Não rechaço essa posição. Se
considerares bem, meu sentido, em parte, coincide com essa expressão verbal.
Porque o mais pertinente ao culto de Deus é aquilo que nos pede o Salmo: “Cessai
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de trabalhar e vejais que eu sou Deus.” E por acaso não é nisso que precisamente
consiste a consideração?
Além disso, será que há algo mais útil para tudo, que saber de certo modo
antecipar-se à própria ação benigna, ordenando de antemão o que se deve fazer
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mediante uma eficaz previsão? Isso é necessário. Do contrário, coisas que
poderiam ter sido previstas e premeditadas com vantajosa antecipação, são
levadas a cabo com muito risco por serem feitas com precipitação. E eu não
duvido que isso tenha ocorrido com freqüência contigo; recordais, caso negativo,
os processos dos pleitos, os assuntos mais importantes e as decisões mais
comprometidas.
O que primeiro purifica a consideração é sua própria fonte, isto é, a mente, da
qual se origina. Além disso, ela rege os afetos, dirige os atos, corrige os excessos,
modera a conduta, ordena e torna honesta a vida, além de dar ciência do
conhecimento humano e dos mistérios divinos.
É a consideração quem põe ordem no que está confuso, concilia o incompatível,
reúne o disperso, penetra no secreto, encontra a verdade, examina a similitude de
verdade e explora o fingimento dissimulado. A consideração prevê o que deve ser
feito, e reflete sobre o que foi feito. Assim, não fica na mente nenhum resíduo de
incorreção, nem nada que deva ser corrigido. Pela consideração se pressente a
adversidade na prosperidade, tal como dita a prudência, e, graças à fortaleza,
quase não são sentidos os infortúnios.
VIII.9. Deveis também observar a suavíssima harmonia, a conexão que existe
entre as virtudes e sua mútua interdependência. Agora mesmo acabas de
contemplar a prudência como mãe da fortaleza. E o que não nasce da prudência
será uma ousadia da temeridade, não um impulso da fortaleza. É também a
prudência quem, fazendo-se de mediadora entre a voluptuosidade e a
necessidade, as arbitra dentro de seus próprios limites, porque determina e
proporciona o que basta para satisfazer à necessidade, e corta todo o excesso ao
deleite. Assim, nasce uma terceira virtude, que chamamos temperança.
E é precisamente a consideração quem nos permite descobrir a destemperança,
tanto se nos empenhamos em nos privarmos do necessário, quanto se nos
indulgenciamos com a superfluidade. Pois a temperança não consiste unicamente
em nos abstermos do supérfluo, mas também em admitirmos o necessário. O
Apóstolo, além de secundar essa idéia, é seu próprio autor, quando sentencia a
não andarmos solícitos para que a carne cumpra seus desejos. Ao pedir-nos para
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que “não andemos solícitos pela carne” , nos proíbe apetecer o supérfluo, e, ao
acrescentar, “ao cumprir seus desejos”, não exclui o necessário. Por isso, penso que

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não será absurdo definir a temperança como a virtude que não fica aquém nem
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além da necessidade, conforme o filósofo: sem excessos.
VIII.10. Passando para a virtude da justiça, uma das quatro cardeais, sabemos que
antes de a mente formar-se nela, a consideração previamente a possuiu. Porque é
necessário que primeiro se reúna em si para extrair de seu interior essa norma da
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justiça que consiste em não fazer ao outro o que não se deseja para si , e não
negar aos demais o que um quer que lhe dêem. Sobre estes dois pólos gira toda a
virtude da justiça. Mas ela nunca vai só.

A conveniência das quatro virtudes


Examina agora comigo a bela conexão e coerência da justiça com a temperança, e
o que ambas têm com as outras duas virtudes superiores já mencionadas, a
prudência e a fortaleza. Porque se a justiça é não fazer aos demais aquilo que não
gostaríamos que nos fizessem, sua perfeição culmina no que nos diz o Senhor:
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“Tudo o que quereis que os outros façam por vós, fazei vós por eles”. Mas não
praticaremos nem um nem o outro se a própria vontade, onde se forja sua forma,
não se dispor a rechaçar o supérfluo e a separá-lo do necessário com verdadeiro
escrúpulo.
Essa disposição é precisamente o que é específico da temperança. Inclusive a
própria justiça, caso não queira deixar de ser justa, deverá ser regulada pela
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moderação dessa virtude. “Não exageres tua honradez”, diz o sábio , para indicar-
nos que nunca devemos dar por bom o sentido do justo se ele não for moderado
pelo freio da temperança. Nem a própria sabedoria desdenha este controle, pois
não diz Paulo com o saber que Deus lhe deu “Não saber de si mais elevadamente
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do que convém saber, mas um saber com sobriedade”?
Pelo contrário, a temperança igualmente necessita da justiça. O Senhor nos
ensina isso no Evangelho [406], ao condenar a temperança dos que só jejuavam
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para ostentar diante das gentes seu jejum. Observavam temperança no comer,
mas não eram justos em sua alma, porque não tentavam ser prazerosos a Deus,
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mas aos homens.
E como possuir essa virtude ou a outra sem a fortaleza? Necessita-se de fortaleza,
mas não de uma medíocre, para pretender coibir e rechaçar rigidamente a si
mesmo, sem ficar aquém ou além, e assim coibir sua angústia interna, para que a
vontade se mantenha no preciso termo médio, puro, só, constante, no próprio
centro precisamente circunscrito. Não é nisso que consiste a fortaleza?
VIII.11. Diga-me, se podes, qual dessas três potentíssimas virtudes marcarias
como esse termo médio. Não crês que é tão singular das três que parece ser
exclusivo de cada uma? Não dirias que nesse termo médio, e nada mais, consiste
toda a virtude? Mas então não haveria multiplicidade de virtudes, pois todas
seriam uma. Mas não. O que ocorre é que não pode dar-se uma virtude que

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careça desse termo médio, que é o íntimo dinamismo e a medula de todas. Para
ela todas revertem tão estreitamente que é como se parecessem uma singular
virtude. Não porque a compartam repartindo-a, mas porque cada uma,
prescindindo das demais, a possui inteiramente.
Darei um exemplo: não é a moderação o que é mais típico da justiça? Se algo
escapa de seu controle, ela seria incapaz de atribuir a cada um tudo o que lhe
corresponde, tal como o exige sua própria natureza. E, por sua vez, não se chama
assim a temperança por não admitir o imoderado? O mesmo ocorre com a
fortaleza. E é precisamente a propriedade dessa virtude salvar a temperança dos
vícios que lhe assaltam por todas as partes para sufocá-la, defendendo-a com
todas as suas forças até fortificá-la, como estável fundamento do bem e assento de
todas as virtudes. Portanto, justiça, fortaleza e temperança têm esse meio justo.
Mas nem por isso elas carecem de diferenças: a justiça tem afeto, a fortaleza
eficácia, a temperança modera a posse. Resta demonstrar como a prudência não
se exclui dessa comunhão. [407] Ela é a primeira que descobre e reconhece esse
justo meio, durante tanto tempo proposto por negligência da alma, recluso no
mais recôndito pela inveja dos vícios, e encoberto pelas trevas do esquecimento.
Por isso, te advirto que são pouquíssimos os que descobrem a prudência, pois
poucos a possuem.
Portanto, a justiça busca o justo meio. A prudência o encontra, a fortaleza o
defende, e a temperança o possui. Mas não era meu propósito tratar das virtudes.
Se nisso me estendi, foi para exortar-te a te entregar à consideração, pois assim
nos beneficiaremos com essas coisas, além de outras semelhantes. Pois não
perderia a vida aquele que nunca se ocupasse desse santo ofício, tão religioso
quanto benéfico?

A malícia de nossos dias


IX.12. Que sucederia se repentinamente te rendesses totalmente a essa filosofia?
Teus predecessores não o fizeram. Para muitos lhe seria uma moléstia; seria como
se, subitamente, te desviasses dos vestígios de teus pais e insultasses sua
recordação. Aplicar-te-iam aquele vulgar provérbio: “Faz o que ninguém faz e
todos te mirarão”, como se cobiçasses a admiração dos outros. Naturalmente não
poderias subitamente corrigir todos os erros, nem moderar todos os excessos.
86 87
Contudo, com o tempo e a sabedoria que Deus te concedeu , conseguirás
paulatinamente, se buscares as oportunidades. Sempre te será factível tirar
partido de um mal alheio.
Se tomarmos o exemplo dos bons, não os mais recentes, encontraremos sumos
exemplos de pontífices romanos que foram capazes de descobrir espaço para o
ócio santo, embora estivessem imersos nos assuntos mais delicados. Era iminente
o assédio da urbe, e a espada dos bárbaros caía sobre o pescoço de seus habitantes
quando o beato papa Gregório não interrompeu seu ócio para redigir seus sábios
88
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88
comentários. E foi justamente nessa obscura circunstância, como se deduz do
Prefácio, [408] que ele diligente e elegantemente redigiu a última parte de seu
tratado sobre Ezequiel.
X.13. De acordo. É certo que outras formas de vida fincaram raízes, e os tempos e
os homens mudaram radicalmente. Não que novos perigos nos ameacem, pois já
são uma realidade presente. A fraude, o engano e a violência se apoderaram da
terra. Multiplicam-se os caluniadores, rareiam os defensores, e por todas as partes
os poderosos oprimem os pobres. Não podemos desentender-nos com os
89
oprimidos, nem negar-lhes o juízo da injúria pacientemente sofrida. Mas como
é possível fazer-lhes justiça se não se tramitam as causas e não se ouvem as partes
litigantes?

Os advogados
Sim, as causas devem tramitar, mas como é devido, pois é execrável como os
litígios são freqüentemente conduzidos, e nem digo dos fóruns eclesiais, e sim
dos civis. Pasmo como teus religiosos ouvidos podem escutar as pugnas verbais e
as disputas dos advogados, que mais servem para subverter a verdade que para
90
descobri-la.
91
Corrige a depravação, corta a língua vã e fecha os lábios dolosos , porque apuram
92
sua eloqüência para servir ao engano , dissertar contra a justiça, e usar a
erudição em favor da falsidade. São sábios em fazer o mal e eloqüentes em
impugnar a verdade; instruem a quem deveria instruir-lhes, e não se baseiam na
evidência, mas em suas invenções; caluniam o inocente, destroem a simplicidade
da verdade, e obstruem o caminho da justiça.
Nada pode manifestar tão facilmente a verdade como uma narrativa breve e clara.
Eu quero que tu te habitues a decidir com brevidade e diligência todas as causas
que devem ser vistas por ti, que não precisam ser todas. E finda toda dilação
93
fraudulenta e venal. Conduz tu pessoalmente as causas das viúvas [409], do
pobre e do insolvente. Muitas outras tu poderias passar para outros, e outras, não
deves sequer considerá-las dignas de audiência. Pois para que perder tempo em
escutar pessoas cujos pecados já se conhecem antes do juízo?

Os ambiciosos
Tamanho é o despudor de alguns, que conduzem aos tribunais suas ânsias de
ambição, e manifestam seus pleitos com todas as luzes. Ousam apelar à
consciência pública, quando bastava a sua própria para confundirem seus juízos.
94
Não houve quem humilhasse suas frontes altivas e, por isso, se multiplicaram, e
se fizeram ainda mais soberbos. O que não sei é como estes homens de
consciência corrompida não temem ser descobertos pelos que são tão depravados
como eles. É que onde todos fedem, ninguém percebe seu fedor. Por exemplo:
sente algum rubor o avaro diante do avaro, o imundo diante do imundo, o
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luxurioso diante do luxurioso? A Igreja está cheia de ambiciosos. Por isso, tu não
podes nem mais horrorizar-te com as intrigas e os apetites dos ambiciosos, pois
95
estás como em uma espelunca de ladrões , onde se contempla os espólios dos
viajantes.
XI.14. Se és discípulo de Cristo, deveria consumir-te em zelo, e levantar-te com
toda a tua autoridade contra semelhante impudência e peste geral. Contempla o
96
Mestre e escuta-o: “Se alguém quer servir-me, siga-me”. Ele não predispôs Seus
ouvidos para escutá-los, mas fez um flagelo para golpeá-los; não deixou
97
pronunciarem discursos, nem os admitiu; não se sentou no tribunal , mas os
puniu. E não ocultou o motivo: converteram a casa de oração em uma de
98 99
negociação. Faz tu semelhante. Que enrubesçam esses negociantes se for
possível; caso contrário [410], que te temam, pois tu também tens o flagelo. Que
temam os numerários, e que, ao invés de confiarem no dinheiro, que percam sua
confiança; que escondam seu dinheiro de tua vista, cientes que preferes tirá-lo
que recebê-lo.
100
Caso obres assim, com constância e dedicação, terás muitos lucros , conseguirás
que vivam de ofícios mais honestos, e muitos não se atreverão a conceber
negócios semelhantes.
Acrescento que tu ainda poderás dispor melhor desses tempos de férias que te
101
aconselho. Encontrarás muitos momentos livres para dedicá-los à consideração,
se fores capaz de não conceder audiências para certos pleitos, remeter outros a
outras pessoas, e resolver os que tu julgas dignos de tua intervenção com um
informe breve, fiel, e apropriado à causa.
Sobre essa consideração penso estender-me mais, embora o faça em outro livro,
para já concluir esse e não te resultar duplamente pesado por sua excessiva
extensão e pela aspereza de meu estilo.

Livro II
Apologia dos desastres hierosolimitanos
102
I.1. Não esqueci a promessa que te fiz, boníssimo papa Eugenio. Já faz tempo
que me sinto teu devedor, e desejo satisfazer-te, ainda que seja tarde. Pois me
envergonharia desta dilação se minha consciência incorresse em incúria ou
desconsideração, mas não é assim. Como bem sabes, aconteceram recentemente
tais desastres que cheguei a pensar que podiam cessar todas as minhas afeições, e
até minha vida, como se o Senhor, provocado por nossos pecados e esquecendo-
Se de Sua misericórdia, tivesse determinado julgar com inteira eqüidade todo o
103
orbe terrestre antes do tempo.
104
Ele não perdoou Seu povo [411] , nem Seu nome. Por que os gentios não dizem
105
agora “Onde está teu Deus”? Não é de estranhar se disserem. Pois os filhos da
6
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106
Igreja, os que se gloriavam de serem cristãos, estão prostrados no deserto ,
107 108
abatidos pelo gládio , ou consumidos pela fome.
Ele lançou o desprezo sobre os príncipes, os fez errar em descaminhos, não no
109 110
caminho. Contrição e infelicidade encontraram sua via. Pavor, aflição e
111
confusão penetraram até no aposento real. Quanta confusão para os que
112
anunciam a paz e para os que anunciam a boa nova! Dizemos “paz”, mas não há
113 114
paz ; prometemos o bem, mas há turvação. Como se em nossos projetos
115
tenhamos sido temerariamente levianos. Contudo, dei-me plenamente, não
116
incertamente , e porque me ordenaste, ou melhor, Deus, por meio de ti.
Por que jejuamos e Ele não nos olhou, humilhamos nossas almas e Ele nos
117
ignorou? E, apesar disso, Ele não aplaca Seu furor, e Sua mão continua
118
estendida. Com paciência, Ele escuta as vozes sacrílegas e blasfemas dos
egípcios, que ainda dizem “com má intenção os tirou para fazê-los morrer no
119
deserto”. Contudo, quem pode ignorar que a Justiça do Senhor é verdadeira?
120 121
Essa justiça é um abismo tão profundo que posso ter como um beato a quem
122
não fique escandalizado com o Senhor.
2. Além disso, não seria uma grande temeridade humana atrever-se a repreender
o que escapa inteiramente à nossa compreensão? Recordemos Seus antigos
123 124 125
juízos, que são seculares , para nos consolarmos fortemente. Na verdade,
assim alguém disse: “Relembrando teus juízos seculares, Senhor, fiquei
consolado”.
Vou recordar coisas que ninguém ignora, mas que parece que todos esquecem.
Pois assim é o coração dos mortais: o que sabemos quando não necessitamos
sabê-lo, esquecemos quando necessitamos. Quando Moisés retirou seu povo da
126
terra egípcia, prometeu uma terra melhor. Caso contrário, será que seu povo,
tão apegado àquela terra, o teria seguido?
Sim, ele os retirou [412], mas não os introduziu na terra que
127
prometeu. Contudo, ninguém poderá imputar à temeridade daquele guia um
desenlace tão triste e inesperado, pois tudo ele fazia por ordem do Senhor, com a
128
cooperação direta do Senhor, que confirmava com sinais que o acompanhavam.
129
Mas tu dirás: “Aquele povo era teimoso e contencioso , sempre contra o
130
Senhor e contra seu servo Moisés”. De acordo: eram uns incrédulos e rebeldes. E
131 132
nós? Pergunte a eles. Porque eu devo dizer isso se eles mesmos o estão
confessando? Digo a mim mesmo: como podiam seguir adiante os que sempre se
133
voltavam em seu deambulatório? Ao longo de sua peregrinação não houve um
134
momento em que seu coração não se voltasse para o Egito. Se caíram e
135
pereceram por sua iniqüidade , podemos estranhar agora que sofram o mesmo
desastre quem lhes imitou em seus passos? Será que as adversidades que eles
136
padeceram põem em juízo as promessas de Deus? Não, tampouco agora, pois as
promessas de Deus nunca criam conflito com Sua justiça. E escuta outra coisa.

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137
3. Pecou a tribo de Benjamim, e as demais tribos se dispuseram a castigá-la com
a anuência de Deus. Inclusive, Ele mesmo designou o líder que devia dirigir a
138
batalha. Trava-se o combate, confiantes que estão em mãos valorosas, que sua
causa é mais poderosa e que maior é o favor divino. Mas que terrível é Deus em
139
seus desígnios com os homens! Fugiram dos malvados os que se vingariam da
maldade e, muito mais numerosos, cederam diante de um inimigo muito menor.
140
Recorrem ao Senhor e o Senhor lhes diz: “Voltai”. Vão outra vez, e de novo são
desbaratados e sucumbidos. Primeiro contaram com o favor de Deus, segundo
141
com Sua ordem expressa. Enfrentam-se em um certame e sucumbem. Foram
inferiores no certame e superiores na fé.
Nas atuais circunstâncias tu imaginas o que fariam comigo se, por minha
pregação, os nossos voltassem à guerra e sucumbissem? Crês que me escutariam
se os exortasse a, pela terceira vez, repetir a viagem e acometer em uma façanha
na qual já fracassaram duas vezes? Pois aí tens os israelitas que, sem ter em conta
142
suas repetidas frustrações, pela terceira vez obedecem e se superam. Mas os
nossos homens diriam: “Como saberemos [413] que este sermão veio do Senhor?
143
Que sinal tu fazes para que creiamos? Não ficaria bem se eu mesmo
respondesse: minha vergonha não me permite. Em meu lugar responde tu e por ti
144
mesmo, segundo o que ouvistes e vistes , ou melhor, segundo o que Deus te
inspira.
4. Possivelmente te perguntes por que me entretenho a falar de tudo isso quando
me propus outra questão. Contudo, não o faço porque tenha me esquecido, mas
porque tudo isso não é alheio ao meu propósito. Recordo muito bem que me
propus desenvolver ante tua dignidade o tema da consideração, tema magno e
digno de profunda reflexão. Pois os grandes personagens devem considerar coisas
grandes. Então, quem como tu poderás estudá-lo com o maior interesse se não há
sobre a terra outro semelhante a ti? Sê tu, portanto, a fazê-lo, segundo a sapiência
145 146
e o poder dados a ti do alto.
Devido à minha pequenez, sinto-me incapaz de te ditar como deves fazer as
coisas. É suficiente ter insinuado que deves atuar de alguma forma para trazer
147
algum consolo à Igreja, obstruindo os loquazes iníquos. Faço estas brevíssimas
considerações em forma de apologia. Espero ter depositado em tua consciência as
razões que me deixam plenamente escusado perante a minha responsabilidade e
148
a tua , embora sejam insuficientes para esses que costumam estimar os eventos
alheios somente por seu êxito, pois a justificação perfeita e absoluta de cada um é
149
o testemunho da própria consciência. Importa-me minimamente o que julgam
150
de mim aqueles que chamam mal ao bem e bem ao mal, trevas à luz e luz às
151
trevas. Se é preciso escolher, prefiro que os homens murmurem de mim, não de
Deus. Para mim é bom servir-Lhe de escudo. Acolho com boa vontade as
152
detratoras línguas maledicentes e os venenosos dardos blasfemos de meus
detratores, contanto que não cheguem até Ele. Suporto qualquer inglória para
que a glória de Deus não sofra menosprezo. Sentir-me-ia glorificado se pudesse
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153
dizer: “Por ti suportei opróbrios, a confusão cobriu meu rosto”. Para mim é uma
glória compartilhar a sorte de Cristo, que disse: “Os opróbrios com que te
154
insultam caem sobre mim”. Bem, já é hora de voltar ao nosso tema e avançar
ordenadamente em nossa exposição.

[414] As quatro coisas que devem ser consideradas e a tríplice


consideração de si mesmo
II.V. Primeiramente, considera o que eu entendo por consideração. Não desejo
identificá-la totalmente com a contemplação, pois esta radica na visão ou certeza
do conhecido, e a consideração é uma inquisição do desconhecido. A
contemplação pode ser definida como uma intuição verdadeira e segura da alma
ou uma apreensão da verdade sem qualquer dúvida, enquanto que a consideração
é uma cogitação da investigação ou uma aplicação intensa da alma para investigar
a verdade. Ambos os termos costumam ser usados indistintamente.
II.VI. Sobre o que pode versar tua consideração? Penso que tu deves considerar
quatro coisas: tu, o que está debaixo de ti, ao redor de ti e acima de ti. Comece
tua consideração por ti, para que não te frustres te estendendo em outra coisas e
155
te negligencies. Pois de que serve ganhar o mundo inteiro se te perdes? Por
156
mais sábio que sejas , não possuis toda a sabedoria se não fores sábio para
contigo mesmo. E quanto te faltaria? No meu modo de ver, tudo. Ainda que
157
conheças todos os mistérios , a largura da terra, a altura do céu, as profundezas
158 159
do mar , se és um néscio, és semelhante àquele que edifica sem fundamento e
levanta uma ruína, não um edifício. Tudo o que construíres fora de ti será como
pó amontoado exposto ao vento.
160
Não é sábio quem não o é para si. O sábio é sábio por si , e bebe primeiro de sua
161
fonte. Principies tua consideração por ti e a findes em ti. Vá aonde vás, retornes
162
a ti e serás de grande proveito para a tua salvação. Sê o primeiro e o último para
163
ti. Toma o sumo exemplo do sumo Pai que enviou o seu Verbo e O reteve. Teu
verbo é a tua consideração que, se sai de ti, não deve se afastar. Que progridas
sem afastar-se; que vás sem abandonar-te. [415]
164
Na aquisição de tua salvação ninguém será mais teu irmão que o filho único de
165
tua mãe. Nunca cogites nada contra a tua salvação. Mas eu disse mal a palavra
“contra”; deveria ter dito “fora”. Devemos rechaçar tudo o que se oferece à
consideração se, de alguma maneira, não nos conduz à própria salvação.
IV.7. Esta consideração de ti se divide em três perguntas: se consideras o que és,
quem és e como és. O que és por natureza, quem és como pessoa, e como és por
teus costumes; que és, por exemplo, homem; quem és, o papa, ou o Sumo
Pontífice; como és, benigno, manso, etc. Embora seja mais próprio dos filósofos
que dos homens apostólicos refletir sobre a primeira pergunta, sabemos que ela
166
se contesta com a definição do homem como animal racional e mortal.

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Quem goste, pode aprofundá-la com maior precisão. Não encontrarás nada contra
a tua profissão e dignidade se te entregares a esta reflexão, pelo contrário, seria
benéfico para a tua salvação. Ao considerares simultaneamente estas duas
realidades, a racionalidade e a mortalidade, perceberás dois tipos de frutos: tua
mortalidade humilhará tua racionabilidade e tua racionabilidade confortará tua
mortalidade, pois o homem circunspecto apreciará estas duas coisas. Se esse fruto
requer outra consideração, logo a exporemos e, se por acaso é devido à relação de
uma matéria à outra.

Que tu recordes tua primeira profissão


V.8. Passemos a advertir quem és e de que fostes feito. Embora tenha dito “de
que”, penso passá-lo por alto, para deixá-lo à tua reflexão. Limito-me a recordar
que seria indigno de ti ficar abaixo da perfeição, após teres sido escolhido para tão
assunta perfeição. Não te enrubescerias de ver o mais baixo obtendo um posto
magno, quando eras um dos maiores dentre os menores? Não te esqueças de tua
primeira profissão, nem a destruas de tua mente e de teu afeto, apesar de terem-
na arrancado das mãos. Não será inútil que a tenhas sempre em tua vista quando
deres uma ordem, corroborares uma sentença, ou tomares uma decisão. Assim, a
consideração te facilitará desprezar as honras no seio da honra [416], o que é
magno.
Que tampouco se ausente de teu peito; que sejas como um escudo no qual
ricocheteie aquela seta: “O homem, por estar rodeado de honras, não
167
compreendeu”. Por isso, repita em teu interior: “Sou o mais abjeto na casa de
168
meu Deus”. Será possível que um pobre e abjeto se estabeleça sobre as gentes e
169 170
os reis? Quem sou eu e quem é o dono de minha pátria para me sentar no
171
mais excelso e sublime? Sem dúvida, quem disse “Amigo, ascenda ao superior” ,
172
seria sempre seu amigo. Se não o sou, me virá uma grande desgraça , pois quem
me elevou pode abater-me. Seria como o lamento: “Depois que me elevaste, me
173
arruinaste”. Pois é absurdo se auto-bajular nas alturas, onde a solicitude é
maior: aquela busca a grandeza, esta é a prova do amigo. Devo ater-me a isso se,
ao final de tudo, não quero ocupar o último lugar.

Por que te fizeram superior


VI.9. Não podemos dissimular que te fizeram superior, mas temos que meditar
para que és superior. Opino que não é para comportar-te como um senhor. De
fato, como a ti, o Profeta foi elevado, e escutou: “Para arrancar e destruir,
174
dispersar e demolir, edificar e plantar”. Estes verbos soam faustosos? São figuras
que se referem ao suor do rústico, e, de certa maneira, expressam o trabalho do
espírito.
Portanto, por mais elevado que seja o conceito que temos de nós mesmos, temos
que nos convencer que não nos foi entregue um domínio, mas uma função servil.

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175
“Eu não sou o maior Profeta. E embora possa igualar-me em poder, pelo mérito
não há comparação”. Diga isso interiormente e ensina a ti mesmo, tu, que
176 177
doutrinará os demais. Considera-te um profeta qualquer. Ou te parece muito
178
pouco para ti? É demasiado. Mas pela graça de Deus és o que és. O que? Um
179
Profeta. Ou pensas que és mais que um Profeta? Se fores sábio, contentar-te-ás
180 181
com a medida [417] que Deus te deu. Tudo o que for além disso, é mau.
Aprende com os Profetas a presidir, mas fazendo o que requerem os tempos, não
simplesmente ordenando. Deves saber que tu necessitas mais de uma enxada do
que um cetro para cumprir o trabalho de um Profeta. A ascensão profética não é
para reinar, mas para extirpar. Não crês que tu também poderás encontrar algum
trabalho no campo de teu Senhor? Sim, e muito. Porque os verdadeiros Profetas
não o limparam totalmente. Deixaram algo para seus filhos, os apóstolos, como
teus predecessores deixaram a ti algo por fazer. Tampouco tu poderás fazer tudo.
Certamente deixarás algo para teu sucessor, e este para o seu, os outros ao
seguinte, e assim sucessivamente até o fim.
Por volta da décima-primeira hora, o Senhor repreende o ócio dos operários e eles
182
são enviados à vinha. Esse mesmo Senhor disse aos apóstolos que o cereal é
183
abundante e poucos os operários. Reinvidica tua herança paterna, porque se és
184
filho, és herdeiro. Para provar que o és, põe mãos à obra. Não te entorpeças no
185
ócio, nem seja como aquele que dizem: “O que fazes aqui, todo o dia ocioso?”.
10. Muito pior seria te estragares nas delícias, ou te enfatuares na pompa. Quem
fez teu testamento não te legou nada disso. E por quê? Se te ativeres à letra do
186
testamento, herdarás mais preocupação e trabalho do que glórias e riquezas. Te
encantarás com a cátedra? Ela é um espelho, como uma torre de sentinelas. Dela
tu deverás vigiar tudo; esse é o dever que te impõe tua condição de epíscopo, pois
ela não é um domínio, mas um ofício. Por acaso não estás em um lugar eminente
187
para observar tudo, e não te constituíram como observador de tudo? Pois esta
vigilância te obrigarás a viver sempre tenso, não no ócio. Podes tu apetecer à
glória onde não há ócio? É impossível permanecer ocioso quando urge a
188
solicitude por todas as igrejas. Ou recebestes outra herança do santo Apóstolo?
189
O que tenho, isto te dou. O que ele te deu? Eu só sei que não te deu ouro nem
190
prata, porque disse expressamente: “não tenho ouro nem prata”.
Se o tens tu, usa-o, mas não caprichosamente, e sim de acordo com os tempos
191
atuais. Assim o possuirás como se não o possuísse. As riquezas não são boas
nem más para a alma. Usá-las é bom, abusá-las é mau, cobiçá-las é pior, procurá-
las é torpe [418]. Poderás justificar-te com as razões que queiras, mas não com o
direito apostólico. Ele não pode dar-te o que não tem, pois te deu tudo o que
192
tinha, isto é, a solicitude por todas as igrejas. Para dominá-las? Escuta: não
193
dominando aos que confiaram, mas tornando-os modelos do rebanho. Eu digo
isso convencido de que deve ser assim como a voz do Senhor no Evangelho: “Os
reis das gentes as dominam, e os que exercem o poder se fazem chamar

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194 195
benfeitores”. E acrescenta: “Mas vós, nada disso”. Está claro: aos apóstolos está
interdita a dominação.
11. Agora, veja, e se te atreves, usurpe o ministério apostólico como senhor ou,
como apóstolo, o senhorio. Ambas te foram inteiramente proibidas. Caso
pretendas ter as duas, ficarás sem nenhuma. Então, não penses estar livre
daqueles de quem o Senhor se lamenta: “Eles nomearam reis sem contar comigo,
196
nomearam príncipes sem o meu conhecimento”. Será muito agradável reinar
197
sem o Senhor, tereis glória, mas não a de Deus.
Já sabemos o que está interditado, ouçamos agora o Edito: “O maior dentre vós
198
iguale-se ao menor, e o superior, ao que serve”. Esta é a norma apostólica: se
interdita o domínio, se intima o serviço, carece imitar o exemplo do Legislador,
199
acrescentando: “Eu estou entre vós como quem serve”. Será que podemos
considerar inglório um título com o qual o Senhor quis distinguir-se na glória?
200
Com mérito, Paulo se gloriou disso, e disse: “São ministros de Cristo, eu
201
também”. E acrescentou: “Direi uma mediocridade: mais eu. Muito mais nos
sofrimentos, abundantemente nos cárceres, na quantidade dos espancamentos,
202
na freqüência dos perigos de morte”.
Oh, preclaro ministério! Não é glorioso esse principado? Se for preciso me
203 204
gloriar , olha os santos e considera a glória proposta pelos apóstolos. Parece-
lhe pequena essa recompensa? Que meu tributo seja similar à glória dos
205
santos. [419] Clama o profeta: “Os amigos de teu Deus são honrados
206
excessivamente, teu principado é confortado excessivamente”. Clama o
apóstolo: “Quanto a mim, Deus me livre de gloriar-me mais que na cruz de nosso
207
Senhor Jesus Cristo.”
12. Eu desejo para ti que esta seja sempre a tua maior glória, a que os apóstolos e
os profetas elegeram e te transmitiram. Descubra tua herança no sofrimento
208
maior da cruz de Cristo. Feliz quem pode dizer: trabalhei mais que
209
todos. Glória é, mas não vazia, nem fraca, nem orgulhosa. O trabalho que
repugna necessita de estímulo. “Cada um receberá seu próprio salário segundo
210 211
seu trabalho”. Embora tenha trabalhado mais que todos , não acabou a tarefa:
212
ainda há lugar.

Notas
1. Tradução a partir da edição Obras completas de San Bernardo II. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos (BAC), MCMXCIV, p. 52-185. Em latim, consideratio é a ação de
observar, refletir; considerare, o agir com reflexão; consideratus, ser prudente, atento,
circunspecto, ter bom senso.
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2. Trata-se de Eugênio III, papa (1145-1153), ex-discípulo de Bernardo de Claraval (1090-


1153). Pier Bernardo Pignatelli nasceu em Montemagno, próximo a Pisa, de rica e nobre
família cristã. Em 1135 ingressou na Ordem de Cister e, mais tarde, foi designado para
abrir um mosteiro em Farfa (diocese de Viterbo). Como papa, enfrentou a difícil
situação política italiana, em parte provocada por Arnaldo de Bréscia (c. 1105-1155),
conhecido opositor papal. Após tomar conhecimento da queda de Edessa (1145),
Eugênio III escreveu uma carta a Luís VII da França (1120-1180), convidando-o a tomar a
cruz. Na Dieta de Speyer (1146), o imperador Conrado III (1093-1152), além de muitos
nobres, também foi convencido à peregrinação armada. Eugênio III governou a Igreja
somente oito anos e cinco meses, e foi beatificado em 1872.

3. Bernardo faz uma alusão aqui ao senhorio, centro territorial do poder feudal.

4. Gn 29, 6ss.

5. 4Reis (Vulgata), 19, 3.

6. Os 10, 11.

7. Jó 6, 7.

8. Ex 7, 13.

9. Ex 18, 18. Trata-se do sogro de Moisés.

10. Isto é, seis da tarde.

11. Mt 6, 34.

12. Sl 19 (18), 3.

13. Jr 5, 3.

14. Jo 6, 11-12.

15. 2Cor 11, 19.

16. 2Cor 11, 20.

17. Is 28, 19.

18. Sl 118, 130.

19. Pr 18, 3.

20. Gl 5, 1.

21. Gl 5, 1.

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22. 1Cor 9, 19.

23. Tt 1, 7.

24. Fl 1, 21.

25. 1Cor 7, 23 (“Alguém pagou alto preço pelo vosso resgate; não vos torneis escravos dos
homens”).

26. Lc 20, 1.

27. 1Cor 14, 4.

28. Sl 1, 2.

29. Sl 18, 8.

30. Jo 34, 5.

31. Sl 118, 85.

32. At 9, 6.

33. “Eugênio é exortado a não suportar que o escravizem. O papa deve resistir à maldade
destas estultas ocupações através do clamor sincero a Deus. Bernardo o impele a reagir,
pois a força do costume leva à despreocupação, e conseqüentemente à dureza de
coração, ao pecado. Deve-se querer rechaçar o mal, fazê-lo retroceder, opondo-lhe
tenazmente força contrária. Em ambiente tão nefasto, destaca-se a exortação de
Bernardo à resistência. Nesse cenário, compreendemos o significado para o abade de
Claraval do livre-arbítrio: ser coagido pela iniqüidade é menos miserável do que deixar-
se dominar por ela. O permitir pressupõe escolha. E, mais do que isso, escolha
consciente. Isso porque a decisão da vontade deve ser precedida de uma reflexão sobre
se algo deve ser feito ou não, na ponderação dos motivos; a decisão final procede de
um ato livre da vontade. Assim, o livre-arbítrio não é meramente autodeterminação,
mas também auto-julgamento.”, SEPULCRI, Nayhara, e COSTA, Ricardo da. “Querer o
bem para nós é próprio de Deus. Querer o mal só depende de nosso querer. Não querer
o bem é totalmente diabólico: São Bernardo de Claraval (1090-1153) e o mal na Idade
Média”. In: Anais do II Simpósio Internacional de Teologia e Ciências da Religião (ISSN
1981-285x - cd-rom), Belo Horizonte, ISTA/PUC Minas, 2007.

34. 1Cor 11, 22.

35. Ecl 38, 25.

36. 1Cor 9, 22.

37. Jo 10, 33.

38. Mt 16, 26.


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39. Sl 77, 39.

40. Rm 1, 14.

41. Ecl 6, 8.

42. Ef 6, 8.

43. Pr 22, 2.

44. Gn 1, 27.

45. Ier 31, 13.

46. Gn 18, 25.

47. Pr 5, 16.

48. Ion 3, 7.

49. Gn 24, 14.

50. Pr 5, 15.

51. Pr 5, 17.

52. Ecl 14, 5.

53. 1Cor 7, 6.

54. Rm 12, 3.

55. Pr 9, 9.

56. 1Cor 6, 5.

57. 1Cor 6, 5.

58. 1Cor 6, 4.

59. 2Tm 2, 4.

60. 1Cor 7, 28.

61. Lc 12, 14.

62. At 5, 27.

63. Mt 19, 28.

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64. Jo 13, 16.

65. Prov 22, 28.

66. Lc 12, 14.

67. Jo 13, 14.

68. 1Cor 6, 3.

69. Mt 16, 19.

70. Mt 9, 6.

71. Mt 9, 6.

72. 1Cor 6, 2.

73. Ef 5, 16.

74. 1Tm 4, 8.

75. Jo 28, 28.

76. Sl 45, 11 (“Traqüilizai-vos e reconhecei: Eu sou Deus, mais alto que os povos, mais alto
que a terra!”).

77. 1Tm 4, 8 (“A pouco serve o exercício corporal, ao passo que a piedade é proveitosa a
tudo, pois contém a promessa da vida presente e futura”).

78. Rm 13, 14.

79. ARISTÓTELES, Retórica, II, 12, 1389b. Nessa passagem, Aristóteles trata do caráter do
jovem, e diz: “Em tudo pecam por excesso, e violência, contrariamente à máxima de
Quílon: tudo fazem em excesso; amam em excesso, odeiam em excesso e em todo o
resto são excessivos; acham que sabem tudo e são obstinados (isto é a causa do seu
excesso em tudo)”. O Estagirita cita Quílon (ou Quilão), o Lacedemônio, lendário
personagem da história grega, um dos Sete Sábios, talvez vivido no século VI a.C. A
máxima “nada em demasia”, atribuída a Quílon, segundo a tradição, figurava no
Santuário de Delfos. Naturalmente, Bernardo a cita como um bom exemplo de
Aristóteles (chamado por ele e por todos os medievais de “O Filósofo”) a respeito da
virtude da temperança. Outro aspecto interessante dessa citação de Bernardo é o fato
de a Retórica de Aristóteles só ter sido traduzida no ocidente medieval no século XIII;
primeiro por Bartolomeu de Messina (da corte de Manfredo da Sicília), depois por
Guilherme de Moerbeke (1215-1286), arcebispo de Corinto e membro da ordem dos
pregadores, e, por fim, por Herman, o Alemão (1266-1272), tradutor da Escola de Toledo,
o que significa que muito provavelmente Bernardo fez sua citação a partir da leitura de
outro autor que, por sua vez, citou a passagem de Aristóteles (talvez Cícero).

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80. Mt 7, 12 (“A regra de ouro – Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos
façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas”). Na verdade, a passagem
bíblica é positiva, pois Jesus inverte essa máxima de comportamento conhecida desde a
Antigüidade, especialmente no Judaísmo (Tb, 4, 14-15 “Sê vigilante, meu filho, em todas
as tuas ações e mostra-te educado em todo o teu comportamento. Não faças a ninguém
o que não queres que te façam”), e a torna uma regra positiva, bem mais exigente que a
máxima judaica. Por isso, Bernardo faz aqui, para sermos mais exatos, a citação da
tradição vetero-testamentária, e só a seguir, e diz que a perfeição culmina com a
sentença do Senhor. Portanto, a tradição judaico-cristã está de acordo com a tradição
platônica – Platão coloca a justiça como uma condição sine qua non para a boa
convivência entre os homens (Protágoras, 322 b-c) – ao contrário de Aristóteles, que a
circunscreve na adequação à Lei, e como aquela que propicia e mantêm a felicidade
(Ética a Nicômano V, 1, 1129).

81. Mt 7, 12.

82. Ecl 7, 17.

83. Rm 12, 3 (“Eu peço a cada um de vós que não tenha de si mesmo um conceito mais
elevado do que convém, mas uma justa estima, ditada pela sabedoria, de acordo com a
medida da fé que Deus dispensou a cada um.”).

84. Mt 6, 16.

85. Gl 1, 10.

86. “No momento que eu tiver decidido, eu próprio vou julgar com retidão.”, Sl 74, 3.

87. 2Pet 3, 15.

88. Ecl 38, 25.

89. Sl 102, 6; 145, 7.

90. 1Tm 6, 4.

91. Sl 11, 4.

92. Jr 9, 5; Is 59, 3.

93. Is 1, 23; Jr 5, 28.

94. Hebr 7, 23.

95. “Então Jesus entrou no Templo e expulsou todos os vendedores e compradores que lá
estavam. Virou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-
lhes: ‘Está escrito: Minha casa será chamada casa de oração. Vós, porém, fazeis dela um
covil de ladrões!’”, Mt 21, 12-13.

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96. Jo 12, 26.

97. Is 16, 5.

98. Mt 21, 13.

99. Lc 10, 37.

100. 1Cor 9, 19.

101. Ef 5, 16; Col 4, 5.

102. O leitor observará que, neste capítulo dedicado ao fracasso na cruzada, Bernardo
aprofunda suas citações bíblicas, como se justificasse a tragédia como uma espécie de
predestinação divina, castigo por causa dos pecados dos cristãos.

103. Sl 9, 9; 95, 13.

104. Jl 2, 18.

105. Sl 113, 10.

106. 1Cor 10, 5.

107. Ez 32, 21; 35, 8.

108. Thren 4, 9.

109. Sl 106, 40.

110. “Estão todos desviados e obstinados também: não há um que faça o bem, não há um,
sequer”, Sl 13, 3.

111. “Sua terra pululou de rãs, até nos aposentos reais”, Sl 104, 30.

112. Rom 10, 15.

113. Ez 13, 10.

114. Is 17, 14.

115. 2Cor 1, 17.

116. “Quanto a mim, é assim que corro, não ao incerto”, 1Cor 9, 26.

117. Is 58, 3.

118. Is 5, 25.

119. Ex 32, 12.


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120. Sl 18, 10.

121. Sl 35, 7.

122. Mt 11, 6.

123. Sl 118, 52.

124. Sl 24, 6.

125. Sl 118, 52.

126. Ex 3, 8.

127. Nm 20, 12.

128. Mc 16, 20.

129. Dt 31, 27.

130. Nm 20, 10.

131. Jo 21, 21.

132. Jo 9, 21.

133. Ez 1, 17; 10, 11.

134. Ex 16, 3.

135. Sl 72, 19.

136. Gl 3, 21.

137. Jz 20, 2.

138. Jz 20, 18.

139. Sl 65, 5.

140. Jz 20, 23.

141. Jz 20, 25.

142. Jz 20, 30.

143. Jo 6, 30.

144. Mt 11, 4.

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145. “Considerai a longanimidade de nosso Senhor como a nossa salvação, conforme


também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi
dada.”, 2Pd 3, 15.

146. “Não terias poder algum sobre mim, se não te fosse dado do alto; por isso, quem a ti me
entregou tem maior pecado”, Jo 19, 11.

147. “...a boca dos mentirosos será fechada”, Sl 62, 12.

148. Lc 14, 18-19.

149. “O nosso motivo de ufania é este testemunho da nossa consciência...”, 2Cor 1, 12.

150. “Quanto a mim, pouco me importa ser julgado por vós ou por um tribunal humano. Eu
também não julgo a mim mesmo. Verdade é que a minha consciência de nada me
acusa, mas nem por isto estou justificado; meu juiz é o Senhor”, 1Cor 4, 3.

151. “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem mal, / dos que transformam as trevas em luz
e a luz em trevas, / dos que mudam o amargo em doce e o doce em amargo...”, Is 5, 20.

152. “O vento do norte gera a chuva, / e a língua dissimuladora, uma face irritada”, Pr 25, 23.

153. “É por tua causa que eu suporto insultos, / que a confusão me cobre o rosto, / que me
tornei um estrangeiro aos meus irmãos, / um estranho para os filhos de minha mãe”, Sl
68, 8.

154. “...pois o zelo por tua casa me devora, / e os insultos dos que te insultam recaem sobre
mim.”, Sl 68, 10.

155. Mt 16, 26.

156. Pr 9, 12.

157. 1Cor 13, 2.

158. Jó 38, 16.

159. Lc 6, 49.

160. Pv 9, 12.

161. Pv 5, 15.

162. Eclo 1, 23.

163. Sl 147, 18.

164. I Ts 5, 9.

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165. Lc 7, 12.

166. Na Política, Aristóteles define o homem como um animal que tem logos (razão). Os
medievais acrescentaram a mortalidade para distinguir o homem do anjo, já que este é
um animal racional (isto é, um ser animado), mas imortal. Ver FIDORA, Alexander.
“From “Manifying” to “Pegasizing”: Ramon Llull’s Theory of Definition Between Arabic
and Modern Logic”. In: PÉREZ MOLINA, Miguel (coord.). Mirabilia 7 – La Tradición
Filosófica en el Mundo Antiguo y Medieval, Diciembre
2007, Internet, www.revistamirabilia.com.

167. Sl 49, 13.

168. Sl 83, 11.

169. Jr 1, 10.

170. Gn 41, 51.

171. Lc, 14, 10 (“Pelo contrário, quando fores convidado, ocupa o último lugar, de modo eu,
ao chegar quem te convidou, te diga: ‘Amigo, vem mais para cima’”).

172. 2Cor 12, 1.

173. Sl 102, 11.

174. Jr 1, 10.

175. Am 7, 14.

176. “Ora, tu, que ensinas aos outros, não ensinas a ti mesmo!”, Rm 2, 21.

177. Mt 16, 14.

178. “Pois sou o menor dos apóstolos, nem sou digno de ser chamado apóstolo, porque
persegui a Igreja de Deus. Mas pela graça de Deus sou o que sou: e sua graça a mim
dispensada não foi estéril”, 1Cor 15, 10. Nesta passagem, Bernardo recorda ao papa o
dever do cristão de buscar a humildade e, para isso, cita Paulo, que afirma que sua
conversão apareceu em último lugar, “como a um abortivo”.

179. Mt 11, 9.

180. “Não temos a ousadia de nos igualar ou de nos comparar a alguns que recomendam a si
mesmos. Medindo-se a si mesmos segundo a sua medida e comparando-se a si
mesmos, tornam-se insensatos. Quanto a nós, não nos gloriaremos além da justa
medida, mas nos serviremos, como medida, da regra mesma que Deus nos assinalou: a
de termos chegado até vós”, 2Cor 10, 12-13.

181. O Cristo disse: “Seja o vosso ‘sim’, sim, e o vosso ‘não’, não. O que passa disso vem do
Maligno”, Mt 5, 37.
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182. Mt 20, 6-7.

183. Mt 9, 37.

184. Gl 4, 7.

185. Mt 20,6.

186. Sl 112, 3.

187. Ez 33, 2.

188. 2Cor 11, 28.

189. At 3, 6.

190. At 3, 6.

191. “Eis o que vos digo irmãos: o tempo se fez curto, resta, pois, que aqueles que têm
esposas sejam como aqueles que não tivessem; aqueles que choram, como se não
chorassem; aqueles que se regozijam, como se não se regozijassem; aqueles que
compram, como se não possuíssem; aqueles que usam desse mundo, como se não
usassem plenamente”, 1Cor 7, 29-31.

192. 2Cor 1, 28.

193. 1Pd 5, 2-3.

194. Lc 22, 25.

195. Lc 22, 26.

196. Os 8, 4.

197. Rm 4, 2.

198. Lc 22, 26.

199. Lc 22, 27.

200. 1Cor 2, 8.

201. 2Cor 11, 23.

202. 2Cor 11, 23.

203. 2Cor 11, 23.

204. 2Cor 11, 30.

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205. Ecl 45, 2.

206. Sl 138, 17.

207. Gl 6, 14.

208. 2Cor 11, 23.

209. 1Cor 15, 10.

210. 1Cor 3, 8.

211. 1Cor 15, 10.

212. Lc 14, 22.

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