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Ralfo Matos
Professor Titular do Departamento de Geografia do IGC/UFMG
Resumo Abstract:
A proximidade entre urbanização e migração é The proximity between urbanization and migration is
evidente. A colonização europeia e o surgimento de evident. The european colonization and the emergence of
núcleos de povoamento dependentes da exploração de centers of population dependent on the explotation of
recursos naturais foi um processo que atraiu migrantes natural resources has been a process that has attracted
do mundo inteiro, sobretudo quando metais preciosos migrants from all over the world, especially when precious
eram descobertos. Cidades e povoados ganhavam metals were discovered. Cities and villages gained with mass
muito com a imigração em massa, especialmente se a immigration, especially if the mineral wealth were many
riqueza mineral ocupasse muitos anos de exploração, years of exploration, as occurred in North America and
como ocorreu na America do Norte e no Brasil dos in Brazil from the 18th and 19th centuries. This was the
séculos XVIII e XIX. Esse foi o tempo da urbanização “time” of sparse urbanization of pre-industrial type. A
esparsa de tipo pré-industrial. Um segundo momento second moment began in the 20th century, when certain towns
teve início no século XX quando determinadas cidades and regions have concentrated a large number of industrial
e regiões concentraram grande número de atividades activities and immigrants, most of them from rural origin.
industriais e imigrantes, a maioria deles de origem rural. A second moment began in the 20th century when certain
No Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo tornaram-se cities and regions in Brazil, Rio de Janeiro and Sao Paulo
polos regionais e atraíram milhões de imigrantes por have become regional centers and attracted millions of
várias décadas. Um terceiro momento iniciou-se a immigrants for several decades. A third time began from
partir de 1980 no Brasil, com a dispersão de população 1980 in Brazil, with the dispersal of the population and
e investimentos em direção a cidades de porte médio investments toward the midium-sized cities in various regions
em diversas regiões do país. Esse artigo expõe algumas of the country. This article exposes some empirical evidence
evidências empíricas sobre essas três temporalidades e on these three temporalities and points the causal links that Recebido 06/2012
destaca os nexos de causalidade que as explicam. explain them. Aprovado 07/2012
Palavras-chave: Migração; História Urbana; Key words: Migration; Urban History; Brazilian Ur-
Urbanização Brasileira banization ralfo@ufmg.br
comércio, vias de comunicação (por terra ou por água), enfim equipamentos típicos de grandes níveis de expansão autônoma das
sub-regiões, as articulações entre
cidades como as do Rio de Janeiro, Buenos Aires ou New Orleans no século XIX. Havia poucas mercados regionais, ao lado da firme
grandes cidades? Sim, mas em alguns casos, como no da mineração, surgiram várias cidades de ligação econômica com o Rio de Ja-
neiro. Nos 50 anos seguintes, a rede
tamanho razoável articuladas por redes de transportes. Nos países e regiões onde uma grande urbana de Minas mais que dobrou
cidade dominava, originando a chamada macrocefalia urbana, a formação de cidades menores na de tamanho, alcançando a marca
de 128 localidades, sobretudo em
“hinterlândia” se tornava rara já que as fazendas eram autossuficientes e a distância até a Capi- direção ao Rio de Janeiro e São Pau-
tal, como no caso brasileiro, não era tão grande. Nas fazendas agroexportadoras produziam-se lo. À data da realização do primeiro
censo moderno no Brasil, 1872, a
quase tudo que a sobrevivência humana requeria. Contudo, havia regiões ou sub-regiões em que hierarquia urbana, como reflexo do
as relações mercantis eram suficientemente desenvolvidas a ponto de gerar mercados internos boom cafeeiro no Vale do Paraíba e
na Zona da Mata, floresciam várias
e viabilizar o surgimento e prosperidade de cidades e rede de cidades formada por aglomerados cidades sob a influência de Juiz de
de feição claramente urbana. Eram cidades pequenas. Poucas ultrapassavam a marca de 20 mil Fora - favorecida pela cafeicultura,
pelo surto industrial e pavimentação
habitantes. Mas na Europa, à mesma época a situação era similar, não obstante as exceções de da Estrada União e Indústria (que
Londres, Paris, Amsterdã, Viena e outras. O mundo era francamente pré-industrial e as popula- reduzira drasticamente o tempo de
ções ainda estavam fortemente instaladas no campo, com mínima vontade de se moverem para as viagem até o grande mercado da
Corte carioca). No Sul de Minas, nas
cidades se não fossem constrangidas por razões econômicas, fundiárias, religiosas, ou por guerras proximidades com São Paulo, pre-
e calamidades. Assim, comparações entre o Novo Mundo e o Velho Mundo devem ser mais bem stes a se beneficiar da inauguração
do porto de Santos, vários núcleos
circunstanciadas, sob pena de cometermos anacronismo insolúvel. urbanos desenvolveram-se na mar-
Nos últimos 30 anos, diversos trabalhos foram feitos desmistificando as impressões deixadas cha da cafeicultura e com base na
agroindústria da época. Em Minas
na história do Brasil por historiadores do século XX. Tais impressões foram realizadas sem su- ganham mais expressão cidades
porte empírico e substância teórica adequada. Ademais, foram poucos pesquisados os relatos de como Campanha, Pitangui, Pouso
Alegre, Bagagem, Mar de Espanha,
viajantes, certamente eurocentristas, mas muito úteis. Exemplos: Saint Hilaire, Martius, Richard Lavras, São João del Rei, Barbacena,
Burton, Von Eschwege, entre outros. Dentre os vários autores da nova revisão da historiografia Baependi, Formiga, Conceição
do Serro, Grão Mogol, Rio Pardo
mineira cabe citar pelo menos Roberto Borges Martins, Douglas Cole Libby, Clotilde Paiva, Mar- e São Bento de Tamanduá. Parte
celo Godoy, Marcos Rodarte, Rafael Giovanini, Patrício Carneiro, entre outros. expressiva das cidades da antiga
zona mineradora não desapareceu,
O mapa em sequência mostra: a mais importante rede de cidades no Brasil de meados do sé- como muitos acreditavam. As prin-
culo XIX entre 1831 a 1840; os níveis de centralidade em Minas Gerais (calculados por Rodarte cipais cidades mantiveram-se vivas,
e Passos); as principais ligações das cidades mineiras com as capitais Rio de Janeiro e São Paulo embora crescendo mais lentamente
com base na diversificação das
(ainda insignificante demograficamente)3 . atividades econômicas.
Enfim, na maior parte do século XIX os maiores estoques da população brasileira estavam em
Minas Gerais, ao passo que expandiam as atividades econômicas nas áreas centro-meridionais
próximas do Rio de Janeiro. É evidente que muitas cidades que conheceram seu apogeu no século
do ouro, soergueram-se, tornaram-se polos mercantis articulados pela navegação, por estradas
carroçáveis e por ferrovias de bitola estreita. É falso o argumento de que as pequenas cidades
da mineração dos Setecentos desapareceram ou hibernaram no século seguinte. Das centenas
de povoados associados ao ouro aluvional subsistiram várias que mantiveram-se relativamente
dinâmicas no século XIX a exemplo de: Sabará, Ouro Preto, Santa Luzia, Itabira, Caeté, São João
Del Rey, Nova Lima, Pitangui, Serro, Diamantina, Barbacena, além de Juiz de Fora, Cataguazes,
Leopoldina, Campanha, Varginha, Araxá e Paracatu. É também verdade que a colonização por-
tuguesa – bem como o 1º e o 2º Reinados – se opunha à formação de uma burguesia nacional,
porquanto se alicerçava no patrimonialismo predatório de recursos naturais, na escravidão e na
agricultura de exportação. A formação de uma sociedade tipicamente urbano-industrial no século
XIX era missão impossível, não obstante os esforços do Barão de Mauá, de Eschwege, Teófilo
Otoni e Henrique Gorceix. A força da indústria viria se manifestar principalmente depois de 1930,
como o apoio decisivo do governo Vargas, dos imigrantes estrangeiros e de excedentes financei-
ros da cafeicultura. A partir daí surge um novo período na díade urbanização e industrialização
que iria marcar por cerca de 50 anos a história demográfica e econômica do Brasil, mediante o
surgimento de grandes estruturas concentradas espacialmente.
Rio de Janeiro 1.764.141 1.519.010 86,10 São Paulo 3.825.351 3.300.218 86,27
São Paulo 1.326.261 1.258.482 94,89 Rio de Janeiro 3.307.163 3.223.408 97,47
Recife 348.424 324.242 93,06 Recife 797.234 788.569 98,91
Salvador 290.443 256.705 88,38 Belo Horizonte 693.328 663.215 95,66
Porto Alegre 272.232 263.012 96,61 Salvador 655.735 638.592 97,39
Campos dos Goytac 223.373 66.644 29,84 Porto Alegre 641.173 625.957 97,63
Belo Horizonte 211.377 177.004 83,74 Fortaleza 514.818 470.778 91,45
Belém 206.331 177.156 85,86 Belém 402.170 380.667 94,65
Fortaleza 180.185 145.944 81,00 Curitiba 361.309 351.259 97,22
Santos 165.568 157.781 95,30 Nova Iguaçu 359.364 257.516 71,66
Niterói 142.407 124.507 87,43 Campos dos Goytac. 292.292 131.974 45,15
Curitiba 140.656 102.898 73,16 Santos 265.753 263.054 98,98
Total 5.271.398 4.573.385 86,76 12.115.690 11.095.207 91,58
Entre 1960 e 1980 o Brasil viveu um golpe militar, ditadura e perseguições políticas, embora
no plano econômico tenha experimentado seis anos de altíssimas taxas de crescimento (entre
1968 a 1973), em consequência de reformas fiscais, arrocho salarial e investimentos industriais
que juntavam Estado, capital estrangeiro e capital nacional. Com isso expandiu-se a indústria de
bens de consumo duráveis e aumentou a massa salarial das classes médias urbanas e completou-
se a integração do mercado interno. Iniciava-se o processo de desconcentração produtiva e
demográfica.
O Brasil urbano passou a ostentar um grande número de cidades articuladas em rede e a metropo-
lização tornou-se a expressão máxima dessa urbanização, mas uma urbanização que se interiorizava.
Confirmando o processo recente de desconcentração da população brasileira7, os dados indicam
que as 12 maiores áreas urbanas perdem peso frente as maiores áreas urbanas do país (de 65%
para 60%), enquanto praticamente dobra o peso dos municípios na classe de tamanho acima de
250 mil habitantes: de 18 em 1980 a 47 em 2000.
Algumas das mudanças na geografia da rede urbana entre 1980 e 2000 podem ser vistas na
Figura 2. A articulação entre os nódulos é bem evidente, ao lado da expansão da visibilidade de
subespaços emergentes. O Centro-Sul, com toda a sua infraestrutura, capitais fixos e população
exibe mais complexidade e dinamismo, exprimindo feições de uma rede urbana madura. O Nordeste
permanece mais integrado no arco litorâneo, escudado na presença de três grandes regiões metro- 7
Como sinalizam os trabalhos de Red-
politanas, e relativamente poucas cidades em seu interior. O Norte também apresenta duas grandes wood (1984), Martine (1992), Ma-
tos (1995), Negri (1996), Pacheco
áreas urbanas (Belém e Manaus), o dinâmico eixo da Belém-Brasília e o tradicional corredor fluvial (1999), Baeninger e Matos (2001),
que integra polos localizados em Roraima, Rondônia e Acre, separados por enormes distâncias. entre outros.
lugares, à exceção de alguns municípios integrantes da bacia de Campos, onde a prospecção e explo- Juiz de Fora, Londrina e Campos dos
Goytacazes. São praticamente os
ração de petróleo tem se mostrado bem sucedida há cerca de 20 anos. Além desses municípios, cabe mesmos já observados no Censo de
destacar 17 outros que sediam cidades médias dinâmicas que cresceram a taxas anuais superiores a 2000. Além deles, dois outros são
dignos de nota: Caxias do Sul e São
média histórica dos 2% a.a., vários deles, vale dizer, situados fora do eixo Sul/Sudeste8. José do Rio Preto.
Enfim, ao se comparar as taxas de crescimento dos municípios que sediam metrópoles com os
municípios intermediários dinâmicos, constata-se que em ambos os casos houve mudança de ten-
dência no ritmo de crescimento. O que explica esse declínio? Em primeiro lugar deve-se sublinhar
9
De fato, na década de 1970, mo- que desde 19709 é forte e contínua a queda da fecundidade no Brasil, sobretudo nas áreas urbanas.
mento em que o processo de con- Mesmo que os fluxos migratórios continuem intensos entre regiões de desenvolvimento econômico
centração espacial da população
atingiu seu auge, as nove sedes desigual, o estoque de migrantes em potencial também vem diminuindo. São vários os trabalhos que
metropolitanas cresciam em média constatam a tendência declinante da contribuição da imigração nos mesmos núcleos metropolitanos
a 4,9% ao ano, enquanto os municí-
pios intermediários cresciam menos,
que já receberam milhões de migrantes no passado. É evidente que as taxas positivas de crescimen-
mas a uma taxa também muito alta to de várias dessas metrópoles só se sustentam em face da enorme expansão das áreas periféricas,
(3,7% a.a.), sendo que 16 deles
viviam um explosivo crescimento,
algumas abarcando municípios localizados a grande distância do centro histórico do município-
com taxas acima de 9,3% a.a! núcleo.
20 Geografias Belo Horizonte 08(1) 07-23 janeiro-junho de 2012
artigos científicos Migração e urbanização no Brasil.
De toda a maneira, constatar que os municípios que nucleiam essas metrópoles já experimentam
um visível declínio em termos demográfico é sintomático. Pode estar sinalizando que o país vive
um processo de exaustão de uma metropolização disfuncional, uma espécie de ponto de saturação,
em que a urbanização descentralizada, apoiada em cidades médias do interior ganhou relevância.
Em alguns municípios metropolitanos a emigração supera a imigração como em Recife, Belém,
Belo Horizonte e São Paulo10 . Na grande maioria das capitais que sediam metrópoles há claro
declínio no ritmo de crescimento populacional nos últimos 20 a 30 anos, enquanto várias cidades
médias dinâmicas continuam crescendo a taxas francamente positivas, embora também declinantes.
Dados recentes corroboram as teses relativas aos processos de desconcentração populacional, ou
de “dispersão espacial da população” e reforçam as teses que sublinham a redistribuição gradual
da população e do emprego no interior do país, vis-à-vis o aumento do papel das cidades médias
na rede urbana brasileira.
À guisa de conclusões
Uma característica bastante conhecida dos brasileiros, que ganhou visibilidade internacional,
refere-se às suas desigualdades econômicas e sociais. Afinal, como entender um país que chegou a
ser a sexta economia mundial, com níveis de desigualdade sociais tão altos?
Continua portanto urgente compreender melhor a recorrência destas disparidades, mediante
políticas públicas mais eficazes que, inclusive, não ignorem características regionais mais profundas
de um país diversificado do ponto de vista territorial e cultural.
O uso de recortes espaciais baseados na ideia de rede geográfica é um recurso valioso, porque leva
em conta “fixos e fluxos” relativamente duráveis que percorrem a complexidade econômica e social dos
lugares. A difusão das redes urbanas em suas conexões com o crescimento econômico-demográfico
pode discriminar em detalhes a interiorização da urbanização no tempo. Houve aumento da com-
plexidade dos processos que se desdobram sobre espaços geográficos impensáveis há décadas atrás.
O exame desses processos tendo como ferramenta analítica a rede de localidades centrais permite
enxergar o Brasil como um todo, integrado por suas cinco Grandes Regiões.
A tendência atual é a da interiorização do crescimento populacional em direção a periferias do
Sudeste, Sul e Centro Oeste. Como reflexo desse processo as regiões metropolitanas originais, pro-
tagonistas da urbanização acelerada até os anos de 1980, exibem crescimento relativamente baixo;
surgem municípios conurbados que se arrogam a condição de metrópoles, a exemplo de Goiânia,
Campinas e Santos; as cidades médias de 100 mil e 500 mil habitantes registram expressivo cresci-
mento demográfico e passam a constituir alternativa para a relocalização de investimentos industriais.
Na verdade, o processo de centrifugação que atinge muitos moradores de grandes metrópoles, con-
fere com tendências observadas mundialmente, mas no Brasil se associa menos a busca de qualidade
de vida e mais a fatores tais como escassez de empregos, aumento do custo de vida, incremento 10
Convém salientar que nem todo mu-
nicípio que perde população viverá
dos custos de moradia e recrudescimento da violência urbana. Essa tendência de fuga dos centros inexoravelmente um crescimento
vale-se das periferias metropolitanas, onde o crescimento médio tem sido muito superior ao do populacional negativo. Isso porque
o crescimento vegetativo é quase
município central, da mesma forma como crescem expressivamente determinadas cidades médias sempre maior que as perdas por
e pequenas fora das grandes metrópoles. emigração.