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BRASÍLIA - Sete meses depois de anunciada, uma das estratégias consideradas fundamentais para
reduzir novas infecções pelo vírus da aids, o HIV, ainda é raridade no Sistema Único de Saúde (SUS). A
terapia pré-exposição (Prep), em que pessoas saudáveis tomam um antirretroviral para prevenir o HIV,
deveria ser oferecida por 36 serviços de saúde desde dezembro. Segundo o Ministério da Saúde, porém,
até o início de janeiro apenas três locais haviam iniciado a estratégia. E, mesmo assim, na maioria dos
casos com pessoas que já eram acompanhadas em projetos-piloto.
+++ Número de casos de aids no País cai 7,7% entre 2014 e 2016
A reportagem do Estado ligou no início de janeiro para serviços em São Paulo, Manaus, Salvador,
Minas, Paraná e Rio Grande do Sul. As justificativas para o atraso na oferta foram diversas: demora na
chegada do medicamento no serviço, necessidade de organização dos profissionais e até indefinição
sobre quantas pessoas devem ser atendidas por unidade.
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O estudante Gabriel Freitas, de 28 anos, questiona desde o ano passado os serviços de Brasília sobre a
data para o início da terapia. Ele diz estar em busca de maior proteção. Seu parceiro é HIV positivo e,
com a Prep, quer ter “segurança” para dispensar o uso do preservativo.
+++ Prevalência de aids entre homens que fazem sexo com homens aumenta 140% em 7 anos
A coordenadora de Vigilância de Infecções Sexualmente Transmissíveis e Hepatites Virais do Ministério
da Saúde, Tatiana Meireles Alencar, afirmou que o medicamento usado na Prep, o Truvada, já foi
comprado e distribuído e a decisão sobre o início da estratégia e a organização da oferta são de
responsabilidade de cada centro.
O fato de não ser possível nem agendar um horário para fazer a entrevista de triagem não é considerado
um problema. “Uma vez instalado, o processo será ágil. Se a pessoa preencher as condições, ela vai sair
já na triagem com o medicamento”, disse Tatiana. Só em março o Ministério da Saúde terá um balanço
de usuários.
Sem o Truvada
1 HIV entra
no corpo
2 A primeira ação do vírus 3 Lá dentro, o HIV se 4 Enquanto enfraquece o
é invadir os linfócitos, multiplica, o que sistema imunológico,
que são as células que acaba destruindo o HIV vai se espalhando
mantêm a imunidade os linfócitos para o restante do
corpo
Com o Truvada
Em São Paulo, a Prep será iniciada oficialmente nesta quinta-feira. Em um primeiro momento, centros
paulistas vão receber remédios suficientes para o atendimento de 222 pessoas por cinco meses. “É o
início. A expectativa é de que esse quantitativo seja progressivamente ampliado”, afirmou a
coordenadora adjunta do Programa de DST-Aids e Hepatites Virais, Rosa de Alencar Souza.
O Estado apurou que a data provocou insatisfação entre funcionários dos serviços paulistas. As equipes
afirmam não ter condição de colocar a estratégia em prática, sobretudo por haver indefinição sobre o
número de pacientes. A incorporação da Prep no Brasil foi anunciada em maio. Na ocasião, foi
estabelecido o prazo de seis meses para que serviços passassem a ofertar o remédio. A lista de serviços
que oferecerão a terapia foi divulgada em dezembro. A previsão é de que na primeira fase 7 mil pessoas
sejam atendidas. A Prep não é para toda população - é voltada para pessoas com mais de 18 anos com
maior vulnerabilidade para o HIV: homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, pessoas
trans e parceiros sorodiscordantes (em que só um deles é HIV positivo).
A ideia é que a prevenção, antes resumida ao uso de preservativo, passe a ser feita com combinação de
várias estratégias. O medicamento não evita outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como a
sífilis. Daí a recomendação de manter a utilização de preservativo.
O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Mário Scheffer, alerta,
porém, que para a contenção da epidemia não basta ter o medicamento disponível nos serviços. “É
preciso divulgar a informação.” Ele cita como exemplo a terapia pós-exposição, estratégia em que
antirretrovirais são usados por pessoas que tiveram risco de contaminação pelo HIV. “Esse é um
recurso pouco usado.”
Tatiana afirmou que a divulgação da Prep já teve início e será intensificada. Entre as medidas usadas
estão informações nos aplicativos de encontro, WhatsApp e com youtubers. São Paulo tem um plano
semelhante. Mas Rosa admite que essas estratégias têm uma influência limitada com profissionais do
sexo, por exemplo.
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Gênero
Em São Paulo, será aberto em Campos Elísios um espaço destinado para saúde integral dessa
população. A ideia é também discutir a Prep nos serviços que trazem assistência para adequação de
gênero.
Lá tem...
EUA
Europa
América Latina
Brasil será o primeiro país da América Latina a adotar a terapia. E o primeiro com amplo acesso na rede
pública.
Outros países
No total, a Prep é adotada atualmente em 15 países, incluindo Canadá e Inglaterra, conforme balanço de
2017. Especialistas relatam dados animadores. “A terapia ajudou a frear o avanço de novas infecções
nos Estados Unidos. No Reino Unido, o impacto também foi positivo”, disse Mário Scheffer, da USP.
“Ela não é uma panaceia, é indicada para grupos específicos. Mas os relatos mostram que tem um papel
relevante, sobretudo na estratégia de prevenção combinada.”
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Especial
BRASÍLIA - Estudo inédito realizado em cinco cidades mostra que o uso de antirretrovirais para
prevenir o HIV foi eficaz em 100% dos casos. O trabalho acompanhou 526 voluntários que passaram a
usar o medicamento como estratégia de prevenção.
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Mas o trabalho também revela os desafios que serão enfrentados para garantir a eficácia da estratégia.
A começar pelo acesso. A Prep é indicada para pessoas de maior vulnerabilidade para a infecção, como
transexuais, profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens e casais em que um dos
parceiros é soropositivo e outro não. Os centros que participaram do estudo seguiram essa orientação.
No entanto, a maior parte dos voluntários era composta de homens que fazem sexo com homens
(93,4%).
Essa diferença no acesso, avalia Grangeiro, precisa ser corrigida. “Se todos os grupos vulneráveis não
forem atingidos, a Prep perde parte importante do impacto.”
O trabalho trouxe à tona ainda a resistência de parte dos profissionais. “Quase 40% afirmaram que a
Prep não era totalmente segura e 43% dizem que preservativos são mais eficazes”, destacou o
pesquisador. Essas respostas foram dadas mesmo depois de profissionais passarem por treinamento.
Para ele, a oferta da Prep vai provocar nos serviços um aumento da demanda. “O ideal é ajustar o
atendimento, estabelecendo atribuições específicas para cada profissional e, sobretudo, reduzindo o
tempo de espera das pessoas.” Como se trata de uma estratégia de prevenção que é feita por um longo
período de tempo, as pessoas não têm como, a cada três meses, perder horas no serviço. “Daí a
importância de oferecer horários alternativos: próximo do almoço, aos sábados, à noite.”
Tranquilo
Há mais de um ano usando a Prep, o produtor cultural Leonardo Zufo diz ter enfrentado algumas vezes
problemas na assistência. “Em um determinado momento houve redução do medicamento, o que me
levou a voltar mais vezes para o centro.” Apesar das dificuldades eventuais no atendimento, Zufo
assegura que sua qualidade de vida melhorou com a Prep. “Hoje estou mais tranquilo. Eu me sinto
protegido.”
Sem namorado fixo, ele conta que com a terapia já não usa preservativos em todas as relações. “Deixo
para os parceiros que não conheço muito bem. Afinal, o medicamento não protege contra outras DSTs.”
Até o momento, ele diz não ter sentido nenhum efeito colateral e não ter problemas para tomar o
remédio todos os dias. “Tem de ser pela manhã. É como um suplemento. Se incorporado na rotina, a
gente não esquece.”
Antes de usar a Prep, Zufo já havia recorrido duas vezes aos antirretrovirais para prevenir o HIV. Mas,
naquelas ocasiões, o uso dos remédios foi feito depois de uma situação de risco, a chamada terapia pós-
exposição. Nessas duas ocasiões, ele tomou diariamente, por um período de 28 dias, antirretrovirais.
“Não foi muito bom. Tive efeitos colaterais, mas a prevenção funcionou.”
Zufo diz que desde o início de sua vida sexual tomou precauções para evitar o HIV. Nos primeiros anos,
foi fiel ao preservativo. “Era muito regrado. O medo da aids era grande.” As coisas foram mudando
depois de um relacionamento fixo. “Aos poucos, fui abandonando o uso.” Quando o namoro acabou, ele
retomou o preservativo, mas já não de forma tão regrada. “Mas me preocupo, daí ter recorrido à Pep
(profilaxia pós-exposição ao HIV) e, agora, à Prep”.
Zufo afirma não ter planos de usar para sempre antirretrovirais. “Estou no programa Combina! Quando
acabar, vou tentar obter o medicamento no SUS.” Mesmo se conseguir, completa, pretende deixar a
estratégia no futuro. “Se tiver um namorado fixo, talvez não seja necessário. O que quero é, qualquer
que seja o método, garantir a minha segurança e do meu parceiro.”
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As entrevistas feitas durante a pesquisa deixam claro que, quando informados, profissionais do sexo
têm interesse em usar essa estratégia de prevenção. O pesquisador Alexandre Grangeiro diz ser
essencial a criação de alternativas para o atendimento.
“Profissionais do sexo tinham um risco quase quatro vezes maior de interromper a terapia
anteriormente”, observou. Para tentar reverter essa tendência, foi testado o atendimento aos sábados.
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