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O fato de que todo tipo de gente podia se unir, e de fato se unira, nessa frente
anti-estupro, não signi ca nem podia signi car que a questão da libertação da
mulher havia se convertido subitamente em uma preocupação geral. Por Maya
John
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11/03/2018 Sociedade de classes e violência sexual (1): Rumo a um entendimento marxista do estupro | Passa Palavra
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mesmo tempo em que propõem mudanças nas leis, políticas de gênero mais
incisivas etc., como soluções de caráter mais imediato. As opressões baseadas
na casta, tribo ou nação simplesmente vêm a se somar à lista de opressões que
as mulheres por si mesmas suportam. Deste modo, as posturas políticas que
põem o acento na estrati cação de classe e em seus efeitos sobre a sexualidade
humana, assim como em seu papel na hora de gerar condições de
vulnerabilidade e de culpabilidade, foram deixadas de lado como resíduo da
velha esquerda. A este respeito, é preciso assinalar, como fez Clara Zetkin
(líder comunista de início do século XX) em muitos de seus escritos, que cada
classe tem sua própria e distinta questão da mulher. A visão predominante da
opressão da mulher, chamada feminismo, é uma mescla de ideias
contraditórias. Englobam objetivos e interesses diferentes, com tarefas e
propósitos bastante distintos, e normalmente representa a materialização da
insatisfação das mulheres de classe alta, um descontentamento que se
apresenta, ademais, como suposto representante dos interesses gerais de toda
mulher.
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estavam em uma situação econômica que lhes pudesse proteger de seu crime,
torna mais difícil considerar este caso como um típico “estupro de poder”. De
fato, seguimos sem poder explicar as violações que se produzem nos entornos
urbanos, um ambiente no qual os homens mais carentes de poder e oprimidos
aparecem como os violentos protagonistas dos crimes sexuais. Em boa parte
dos casos de estupro que se produzem nas cidades estão envolvidos homens
procedentes de setores vulneráveis da sociedade. Assim, qual é o eixo de poder
que permite explicar estas agressões? É correto empregar o eixo das
desigualdades de casta em um contexto urbano que muitas vezes disfarça as
diferenças de casta (os seis estupradores teriam di culdades em saber qual era
a casta de sua vítima enquanto a atraiam nos ônibus)? Do mesmo modo, teria
sentido assinalar algum tipo concreto de eixo de poder sem chegar a
questionar seu próprio predomínio e sua relação orgânica com a sociedade
urbana? Em outras palavras, em certos contextos, como o rural, é fácil
assinalar as hierarquias de casta, e a desigualdade que delas decorrem, como o
eixo que permite explicar a maior parte dos casos de violação. No entanto, não
podemos empregar a mesma lógica ao explicar as violações em contextos
urbanos, que oferecem certo anonimato quanto à posição social, certa
mobilidade, etc. Dada a ausência de eixos de poder identi cáveis que
permitam explicar a violação nestes casos, não é surpreendente que algumas
das explicações feministas do estupro tenham recebido boa acolhida entre os
ativistas, os intelectuais e a juventude. Incapazes de localizar essas típicas
estruturas de poder que tornam possível os estupros, como ocorre no campo
ou nas áreas sublevadas, e em seus ansiosos esforços por identi car as causas
de tais agressões urbanas, muitos acabam recorrendo ao poder masculino para
explicar a agressão de 16 de dezembro. Alguma explicação deve haver para
esse ocorrido e sua brutalidade!, e se não há outra, então aquilo que levou os
seis estupradores a agredirem sua vítima deve ser a hostilidade masculina e o
típico desejo masculino de submeter a sexualidade da mulher.
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Está claro, pois, que a despeito de pequenas variações, a maior parte das
análises mencionadas são incapazes de resolver o problema, pois se veem
incapazes de localizar algum eixo de poder, à margem da desigualdade
homem-mulher, que permita explicar de maneira convincente o aumento
substancial de estupros urbanos. Portanto, segundo eles, deve ser a força bruta
que emana da desigualdade homem-mulher a que supostamente explica por
que há homens (como estes seis estupradores) que, apesar da pobreza e da
vulnerável situação em que se encontram, têm capacidade e vontade de violar
mulheres. Para muitas feministas e ativistas, entender os estupros como uma
questão de poder e não de sexo é algo importante, ainda que implique
trabalhar com uma noção abstrata de poder baseada em uma (eterna)
desigualdade homem-mulher. Pois elas consideram que aceitar que existe um
propósito sexual é um enfoque que tende a justi car o estupro. Para evitar
isto, as feministas e muitos ativistas rechaçam o elemento de frustração
sexual envolvido em grande número de estupros. Ademais, ao esboçar sua
linha argumentativa, as feministas tratam de proteger as vítimas das típicas
piadas e reprovações que lança a sociedade – que com frequência culpabilizam
a vítima por não se vestir apropriadamente, por sair das zonas “seguras”, por
chamar a atenção masculina, etc.
Em todo caso, semelhante postura nos ajuda a compreender qual é a causa dos
estupros nas zonas urbanas e a combater as recorrentes violações como a de 16
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Notas:
[*] O debate em que o texto de Maya John se insere conta com as seguintes
intervenções:
– General Statements after the rape case
– Description of character of ‘anti-rape’ movement
– Political position on class and gendered violence
– Reply to Maya John, por Kavita Krishnan
– Reply to Krishnan, por John
– Contribution to debate by comrades close to radicalbotes
– Contribution to class/gender debate, por Angry Workers of the World (em
breve será publicado no Passa Palavra)
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[2] Por exemplo, o Supremo Tribunal de Nova Délhi abriu o caso motu próprio,
e a polícia de Nova Délhi foi incomumente rápida em sua atuação e deteve os
acusados 3 dias depois. Os meios de comunicação nacionais não paravam de
falar do caso, e os protestos estudantis levaram a agitação até às ruas. Algumas
cadeias começaram a empregar esta questão como parte de suas campanhas
publicitárias. Muitos dos que protestavam pediam a pena de morte para o
acusado, e ocuparam Raisina Hill (perto da residência presidencial e do
Ministério do Interior, sob cuja autoridade está a polícia de Nova Délhi).
Geralmente não se permite protestos ali. A polícia se manteve relativamente à
margem, e só empregou a força quando alguns provocadores começaram a
atirar pedras. Sonia Gandhi, à época líder do Partido do governo United
Progressive Alliance (UPA), Sheila Dixit (Ministra do Governo do Território da
Capital Nacional), Manmohan Singh (Primeiro Ministro) e Sushilkumar
Shinde (Ministro do Interior), visitaram a família da vítima e lhes
asseguraram que justiça seria feita. Apenas algumas semanas antes do estupro
coletivo de 16 de dezembro, no dia 9 de setembro, em Haryana, uma moça de
16 anos pertencente a uma casta oprimida foi violada por 12 homens. Só alguns
membros desta casta e algumas organizações comunistas levantaram sua voz
para pedir justiça, e os meios de comunicação ignoraram o ocorrido. Os
tribunais de Haryana não abriram o caso motu próprio. A polícia não registrou
a denúncia até que o pai se suicidou. E nem Sonia Gandhi, nem Bhupinder
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[5] Nas aldeias, muitas vezes são os anciões da aldeia ou os próprios pais das
vítimas de estupro que as obrigam a calar a boca. A polícia, sob a in uência da
parte acusada ou panchayat, muitas vezes não registra o crime, e os médicos
manipulam os laudos. Alguns exemplos de casos de estupro no meio rural
indiano que assinalam o predomínio de uma desenfreada violência sexual são:
Bhanwari Devi em 1992, violada por um homem de casta superior em Bhateri
em Rajasthan; Phoolan Devi, violada em 1979 na aldeia de Behmai em Madhya
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Pradesh por um membro de uma casta superior; duas mulheres dalit (mãe e
lha) violadas por vários homens em Khairlanji (Maharashtra) em 2006, cuja
família quase toda morreu linchada por membros da casta OBC dominante, a
Kundi. Estes casos mostram que existe uma conivência policial e jurídica, e
que a justiça está completamente corrompida.
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burgueses e a perder nosso senso crítico, assim como nossa vontade e nossa
independência em termos de ação proletária).
[8] Kavita Krishnan (2012), “Some Re ections on Sexual Violence and the
Struggle Against It”.
[9] Shuddhabrato Sengupta (2012), “To the Young Women and Men of Nova
Délhi: Thinking about Rape from India Gate”.
[11] Devika Narayan (2012-13), “Some Thoughts on Rape, Sexual Violence and
Protest: Responding to Responses”, Critique, vol. 2 (2): 39-40.
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