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DOI: 10.1590/1413-812320152112.

12302015 3927

Trabalho escravo contemporâneo

TEMAS LIVRES FREE THEMES


como um problema de saúde pública

Modern-day slavery as a public health issue

Luís Henrique da Costa Leão 1

Abstract Modern-day slave labor is one of the Resumo O trabalho escravo contemporâneo (TE)
most pernicious and persistent social problems é uma das mais injustas e persistentes problemá-
in Brazil. In the light of the need to implement ticas sociais do Brasil. Frente à necessidade de
a national occupational health policy, this paper implantação da política nacional de saúde do(a)
discusses slave labor as a public health concern, trabalhador(a), este artigo discute o trabalho es-
highlighting possibilities for broadening strate- cravo como problema de saúde pública, destacando
gies for vigilance and comprehensive care for this possibilidades de ampliar as estratégias de vigilân-
specific working population. Exploratory quali- cia e atenção integral a essa população específica de
tative research was carried out based on the “so- trabalhadores. Foi realizada uma pesquisa qualita-
cial construction of reality” proposed by Lenoir, tiva, exploratória, sob o referencial teórico da cons-
Berger and Luckmann. The investigation con- trução social da realidade, conforme Lenoir, Berger
sisted of a theoretical review of modern-day slave e Luckmann. O estudo consistiu em uma revisão
labor on the national and international scene teórica sobre TE no cenário nacional e internacio-
within the scope of the human, social and pub- nal no âmbito das ciências humanas, sociais e de
lic health sciences and an analysis of social and saúde pública e uma análise das práticas de enfren-
political practices to tackle modern-day slave la- tamento ao TE na região norte do estado do Rio de
bor was conducted in the State of Rio de Janeiro. Janeiro. Foram efetuadas entrevistas semiestrutu-
Semi-structured individual and group interviews radas, individuais e coletivas, com trabalhadores e
with workers and representatives of social move- representantes de movimentos sociais e instituições
ments and public institutions were organized. públicas. Os resultados demonstram dimensões te-
The results reveal the theoretical and practical di- óricas e práticas sobre o TE e suas relações com o
mensions of slave labor and its relations with the campo da saúde e destacam o papel e o potencial
health field and highlight the role and potential of da saúde pública no fortalecimento das práticas de
1
Grupo de Estudos public health in the enhancing of vigilance prac- vigilância e atenção à saúde dos trabalhadores sub-
Ambientais e de Saúde tices and health care of workers subjected to these metidos a essas condições sociais crônicas.
do Trabalhador, Instituto chronic social conditions. Palavras-chave Saúde Pública, Trabalho escravo
de Saúde Coletiva,
Universidade Federal de Key words Public health, Modern-day slave la- contemporâneo, Construção social, Saúde do tra-
Mato Grosso. Av. Fernando bor, Social construction, Occupational health balhador
Corrêa 2367, Boa Esperança.
78060-900 Cuiabá MT
Brasil.
luis_leao@hotmail.com
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Introdução Em nível internacional, a relação entre saúde


e TE contemporâneo aparece na literatura embo-
O Brasil é uma formação social e econômica ra também não seja sistematicamente estudada.
complexa e comporta muitas contradições. É a Publicações discutem riscos e efeitos corporais e
sétima economia do mundo, líder no mercado psíquicos provocados por essa condição. Dentre
internacional na produção do etanol da cana- elas estão a exposição a riscos de doenças e vio-
de-açúcar1, ao passo que persistem em seu ter- lências na jornada da região de origem ao territó-
ritório a superexploração de trabalhadores vul- rio da produção; transporte, comida e hidratação
neráveis em termos de educação e renda2. Nesse inadequados, além de ambientes de trabalho e
cenário, o trabalho escravo contemporâneo (TE) moradia perigosos, precários e insalubres7. São
é uma de suas mais graves, injustas e persistentes reportados sentimentos de isolamento, vergonha,
problemáticas sociais. traição e transtornos mentais e comportamentais
Longe de ser um fenômeno recente, isolado e como estresse pós-traumático, consumo excessi-
pontual, o TE compôs parte da história econômi- vo de álcool e drogas, lesões físicas e traumatis-
ca brasileira e da América Latina, em diferentes mos decorrentes de acidentes7.
modalidades, especialmente no setor canavieiro. Quanto às estratégias brasileiras de interven-
“O rei açúcar e outros monarcas agrícolas” dei- ção no TE, o setor saúde é cotado na composição
xaram “veias abertas” na América Latina e Brasil, de comissões nacionais e estaduais responsáveis
pois a produção de riquezas para a Europa era pelas ações e considerado parceiro fundamental
simétrica à exploração do trabalho escravo de ne- nos Planos Nacionais de Erradicação do Traba-
gros e indígenas, degradação do solo e geração de lho Escravo. Os referenciais teóricos, estruturas,
misérias que repercutem até os dias atuais3. recursos humanos e materiais do setor saúde,
Essa escravidão clássica fora abolida, mas no entretanto, ainda estão subutilizados nesse con-
capitalismo contemporâneo emergem novas e junto de práticas8.
distintas formas de TE bem frequentes em várias Frente a essa lacuna e à necessidade de im-
cadeias produtivas assumindo diferentes nomen- plantação da política nacional de saúde do tra-
claturas, como trabalho análogo à escravidão, balhador e da trabalhadora (PNSTT)9, este artigo
trabalho forçado, servidão por dívida e tráfico discute o TE como um problema de saúde públi-
humano. Trata-se de um conjunto de fenômenos ca, destacando possibilidades de ampliação das
vinculados aos modelos de desenvolvimento eco- estratégias de vigilância e atenção integral a essa
nômico e ao padrão de acumulação capitalista. população específica de trabalhadores.
Envolvem situações onde o trabalhador tem um
conjunto de direitos negligenciados, é exposto a
condições de trabalho perigosas e tratado como Trajetória metodológica
propriedade ou levado a trabalhar sem consenti-
mento ou por coerção4. Foi realizada uma pesquisa exploratória de base
Estima-se que haja 35,8 milhões de pessoas qualitativa com dois focos: uma revisão teórica
submetidas a essas formas laborais e países como sobre TE no cenário nacional e internacional no
Mauritânia, Uzbequistão, Haiti, Paquistão, Índia âmbito das ciências humanas e sociais e da saú-
estão entre os de maior prevalência4. No Brasil de pública; e uma parte empírica que abordou as
ele é encontrado nas cadeias produtivas de álco- práticas de enfrentamento ao TE na região norte
ol e açúcar, carne, milho, soja, café, confecções, do estado do Rio de Janeiro.
construção civil, etc. Em 2013, foram libertos Foram reunidas publicações de organismos
2.208 trabalhadores em área urbana e 1.228 em internacionais, manuais, cartilhas, artigos e livros
área rural5. De 1995 a 2013 o Ministério do Tra- científicos, bem como documentos públicos ins-
balho e Emprego (MTE) realizou 1.572 fiscaliza- titucionais e legislações do setor saúde do Brasil.
ções e resgatou 46.478 trabalhadores gerando R$ Esse material foi identificado em bases de dados
86.320.330 de indenização6. científicas e institucionais, sites de organizações
O campo da saúde pública vem ocupando como a OIT, de movimentos sociais e ONGs
lugar marginal, tanto na produção de conheci- nacionais e internacionais. Essas referências fo-
mento quanto nas estratégias de enfrentamento ram lidas integralmente e analisadas a fim de
ao TE. Esse tema ainda não foi objeto de inves- delimitar aspectos teóricos e conceituais do TE e
tigações específicas em saúde coletiva, de forma também de identificar interseções do setor saúde
que, em buscas bibliográficas nas bases de dados com a problemática do TE.
Bireme e SciELO, nenhum artigo recuperado No sentido de trazer outros elementos his-
vincula-se a esse campo. tórico-conceituais cruciais para a compreensão
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desse fenômeno, foram analisadas ainda obras A construção social
clássicas de Hegel, Marx e autores contemporâ- dos problemas de saúde pública
neos, como Kevin Bales e José de Souza Martins,
considerados centrais para a discussão do TE. Proteger, promover, vigiar e restaurar a saúde
A pesquisa de campo visou compreender a da população compõem o leque de ações em saú-
construção social do problema do TE no norte de pública. Programas, recursos, estratégias dos
fluminense e as práticas de erradicação existentes serviços, instituições e profissionais responsá-
por parte de instituições públicas (incluindo o veis são organizados para intervir em problemas
setor saúde) e movimentos sociais. Essa região foi considerados prioritários. Geralmente, ganham
escolhida por ter sido a última a banir a escravi- notoriedade certas endemias, epidemias e agra-
dão clássica no Brasil e porque nos últimos anos vos específicos, como AIDS, dengue, hanseníase
acumulou mais de sete mil casos de TE contem- e outros. Um problema de saúde pública é defi-
porâneo. Desde 2003 denúncias e lutas de traba- nido pelo potencial epidêmico do fenômeno, a
lhadores, grupos sociais e instituições ocorreram carga de impactos no indivíduo e na sociedade,
de modo mais contundente, a ponto de, em 2009, sua natureza, severidade, extensão, gravidade e
ter sido considerada campeã nacional de TE. possibilidade de controle12. Para que um fenô-
Cinco entrevistas semiestruturadas (uma meno seja reconhecido como problema de saúde
coletiva e quatro individuais), compostas por pública ocorre todo um processo social comple-
questões abertas sobre (a) características do TE xo envolvendo atores, instituições e especialistas.
na região, (b) práticas de combate existentes e (c) Isso, porque os “problemas” não são fenômenos
envolvimento da saúde pública frente à questão naturais, imutáveis e idênticos, independentes da
foram realizadas com trabalhadores e represen- região e dos contextos social, cultural, econômico
tantes de movimentos sociais, instituições públi- e político em que emergem.
cas e membros do Comitê Popular de Erradica- Existe um processo social tanto de produção
ção do Trabalho Escravo do Norte Fluminense de saúde-doença quanto de definição das situa-
(CPETE). Foram entrevistados individualmente ções que deveriam ou não ser consideradas alvos
dois membros do CPETE e dois representantes da intervenção em saúde pública. Assim, aquilo
de serviços públicos da região. Tais entrevistas que em dado momento é considerado problema
ocorreram nos locais de trabalho de cada um resulta de construções processuais, históricas e
desses sujeitos, em ambiente reservado. A entre- culturais determinadas em função de saberes e
vista coletiva foi realizada com cinco trabalhado- poderes em jogo e mediante o conjunto de atores
res, dos quais dois haviam sido escravizados e os e instituições interessadas.
outros três militam contra o TE. Esses sujeitos As sociologias médicas e do diagnóstico con-
foram indicados pelo MST regional e a entrevista tribuem para a compreensão desses processos, e,
ocorreu em um de seus assentamentos. desde 1970, vêm analisando diferentes práticas
Toda a investigação ocorreu entre 2007 e de construção social das doenças e a influência
2013, sendo a coleta de dados empírica entre dos mercados e corporações de saúde13. Os sis-
2011 e 2012. Foram observados os aspectos éti- temas de classificação de doenças, sofrimentos e
cos da pesquisa em saúde conforme a Resolução sintomas e as práticas de cura são convenções so-
196/96, vigente à época, e todos os entrevistados ciais conformados historicamente. Consequente-
assinaram o termo de consentimento livre e es- mente, várias doenças e manifestações de sofri-
clarecido autorizando a pesquisa e a publicação mento, a exemplo daquelas de difícil diagnóstico
dos dados. decorrentes de exposição química a poluentes
As entrevistas foram gravadas e transcritas ambientais ou agravos à saúde dos trabalhadores,
e as análises foram referenciadas em teóricos da não são “naturalmente” reconhecidas pelos sabe-
sociologia do conhecimento, especificamente, res biomédicos hegemônicos. Apenas depois de
Berger e Luckmann10 e Lenoir11, no que tange à longos processos sociais, eles emergem na cena
construção social da realidade. Sob esse referen- pública, por meio de agentes interessados em tra-
cial discutem-se os problemas de saúde pública zer à tona categorias específicas para exigir solu-
enquanto uma construção social e, em seguida, ções políticas e institucionais13.
apresentam-se dimensões teóricas e práticas so- Berger e Luckmann10 e Lenoir11 demons-
bre o TE e suas relações com o campo da saúde. tram o quanto os problemas sociais são institu-
Por fim, com base na pesquisa empírica, destaca- ídos pelos instrumentos que forjam a realidade
se o papel da saúde pública no fortalecimento e social. Existe uma ampla variação dos mesmos
ampliação das práticas de vigilância e atenção à em função do contexto, épocas e regiões. Assim,
saúde dos trabalhadores. para um determinado fenômeno ser considerado
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um problema social existem agentes sociais em nexos causais e até mesmo acidentes de trabalho,
operação, estratégias em prática, relações e repre- por vezes, não são considerados responsabilidade
sentações dominantes em torno de seu reconhe- da saúde pública por profissionais e gestores das
cimento e legitimação. O que deve ser explicado secretarias de saúde, hospitais e ambulatórios.
é justamente o fato de uma realidade ser tomada Existe um jogo de forças mediado pela cul-
em dado momento como um problema social11, tura e condições históricas dos contextos e ins-
uma vez que todo problema de saúde pública tituições de saúde que opera a favor ou contra o
pressupõe um trabalho de reconhecimento e le- reconhecimento da relação trabalho-saúde como
gitimação. problema público do âmbito da saúde. É nesse
Nesse processo, ocorrências graves e gerado- jogo de (não)reconhecimento/(des)legitimação
ras de sofrimentos entram na pauta das políticas que se encontram as situações de TE contempo-
e práticas de saúde enquanto outras são deslegi- râneo no âmbito da saúde.
timadas. Isso fica claro no que tange às situações
de saúde-trabalho. Entendimentos sobre trabalho escravo
A categoria trabalho enquanto fator determi- contemporâneo
nante do processo saúde-doença foi institucio-
nalizada no campo da saúde coletiva por forças A maneira de nomear e entender os fenôme-
sociais dos movimentos de trabalhadores, profis- nos tipificados como TE pode facilitar ou criar
sionais dos serviços públicos e acadêmicos na dé- barreiras para sua inserção no rol de problemas
cada de 1980. Questões relativas aos trabalhado- sanitários. Esse tema exige apurado rigor teórico
res eram consideradas problemas da Previdência e uma consciência social crítica14, pois geralmen-
Social, Justiça do Trabalho e Ministério do Traba- te cria espetáculos midiáticos e um imaginário
lho e Emprego (MTE). Entretanto, casos crescen- desvinculado da realidade a ponto de banalizar a
tes de benzenismo, câncer de pleura decorrente terminologia e levar qualquer condição a ser con-
da exposição ao amianto, Lesões por Esforços siderada TE – trabalhadores com salários baixos,
Repetitivos entre outras doenças ocupacionais, mulheres donas de casa, arrocho nas relações de
no fim de 1980, exigiram um insistente trabalho trabalho, etc.14
social, político e legal para elevar essas situações Essa temática tem raízes históricas e filosófi-
à esfera de ações do Estado, com novos enfoques cas importantes. No século XIX, tendo a expan-
no setor saúde, principalmente porque as áreas são europeia e a escravização dos povos africa-
hegemônicas não respondiam às necessidades da nos, americanos e asiáticos como pano de fundo,
classe trabalhadora. a filosofia de Hegel utiliza a dialética do senhor
O reconhecimento de eventos relativos à saú- -escravo como metáfora para explicar a consci-
de dos trabalhadores como problemas de saúde ência de si15,16. Segundo o filósofo, em sua “Feno-
pública tem sido um processo social, político e menologia do Espírito”, o escravo seria um “ser
institucional longo e contínuo que ainda perdu- para o outro”, ou seja, uma coisa entre o senhor e
ra, apesar dos avanços em sua institucionalização o objeto do seu desejo16.
no SUS. Da dialética hegeliana emergiu o pensamento
Da década de 1980 a 2000 muitas tentativas de Marx, pautado na análise das relações sociais
de institucionalização se seguiram e até mesmo de produção. O materialismo histórico-dialético
a criação da Rede Nacional de Atenção Integral demonstra a ruptura do sistema capitalista com
à Saúde do Trabalhador (Renast), em 2002, foi o escravismo clássico enquanto modo de orga-
uma estratégia para implementar práticas nos nização da sociedade. Uma das principais carac-
serviços de saúde que considerem o trabalho terísticas do capitalismo e sinal da superação do
como mediador do processo saúde-doença. escravismo seria a liberdade do trabalhador – li-
Atualmente o desafio está na implementação berdade de vender sua força de trabalho em troca
da PNSTT, requerida em 1986 pela sociedade ci- de um salário17. Esse trabalhador livre é também
vil e publicada somente em 2012. Ou seja, ape- livre dos meios de produção14, e assim a explo-
sar da existência de riscos e vulnerabilidades e ração nesse sistema ocorre a partir da extração
da gravidade de acidentes de trabalho, doenças de mais valia e alienação no processo de trabalho
ocupacionais e sofrimentos dos trabalhadores, e não mais por meio de encarceramentos físicos.
seu reconhecimento social como problema de Afirmar a manutenção da escravidão no seio do
saúde pública não é algo natural. No cotidiano capitalismo seria então um equívoco teórico.
dos serviços de saúde, eventos como esses são Não é incomum, entretanto, perceber alusões
deslegitimados pelas controvérsias em torno dos a uma escravidão contemporânea por meio das
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servidões modernas. A ideia da submissão a siste- aprisionamentos por dívida, ameaças físicas e
mas de regras impostos por governos totalitários, psíquicas. Envolve humilhação, vergonha de vol-
por exemplo, redutor das liberdades individuais, tar para casa com menos recursos, remuneração
foi desenvolvida na tese de Von Hayek em “O insuficiente para a manutenção do trabalhador,
caminho para a servidão”18. A obra histórica de falta de higiene, exposição a riscos ocupacionais
La Boetie em “Discurso sobre a servidão volun- e de contágio de doenças infectocontagiosas e até
tária”19 contribui para compreensão da servidão assassinatos21. Trata-se de uma relação social ca-
voluntária do sujeito contemporâneo que vincu- racterizada pela negação do outro em um regime
la-se às formas de dominação modernas, adere de “desumanização” no qual pessoas são tratadas
ao consumo como estilo de vida e encontra um como “menos humanos”.
alento para o medo e desamparo do mundo glo- Para a legislação brasileira esse tipo de tra-
balizado na docilidade e submissão ao sistema. balho se caracteriza por submeter o outro a tra-
As novas formas de escravidão eclodiram balhos forçados ou jornada exaustiva, sujeição
em função do crescimento populacional pós 2ª a condições degradantes de trabalho e restrição
guerra mundial e das transformações econômi- de sua locomoção em razão de dívida contraída
cas que aumentaram a riqueza e a concentração com o empregador8.
de terras nas elites empobrecendo a maioria da O reconhecimento público da existência do
população20. Essa escravidão não seria mais ca- TE contemporâneo no Brasil ocorreu em 1995
racterizada por compra-venda ao modo clássico e, desde então, foram institucionalizadas várias
de escravismo. Se no passado o ponto definidor ações de combate por meio de movimentos so-
da escravidão era a propriedade, atualmente é o ciais e ONGs, da participação de brasileiros na
controle da pessoa com fins de exploração eco- Junta de Curadores do Fundo Voluntário da
nômica e o uso da violência20. ONU contra as formas contemporâneas de es-
Essas formas coercitivas e violentas de explo- cravidão, das iniciativas da OIT e das estratégias
ração são temporárias e circunstanciais e o con- MTE e Ministério Público do Trabalho (MPT)21.
trole total de uma pessoa para obtenção de lucro O Brasil atualmente já tem um quadro de le-
não é mais baseado na cor da pele, mas em di- gislações, ações e experiências bem sucedido8. O
ferenças de classe econômica, religião e tribo14,20. reconhecimento, a legitimação e a instituciona-
Ou seja, houve uma passagem das legalidades da lização das práticas de combate ao TE, não obs-
posse para as práticas de controle. A escravidão tante, ocorreu predominantemente nos âmbitos
não desapareceu, mudou suas formas20. A ques- policial, jurídico-penal, no MPT, na Justiça do
tão central é que essas relações de trabalho são trabalho e no MTE. Consequentemente, as prin-
utilizadas como táticas de redução do custo da cipais práticas implementadas têm sido eminen-
produção. temente repressoras, preventivas e educativas8.
Além da dimensão econômica o TE também Apesar do uso constante da expressão “erradica-
tem um componente cultural, pois é uma mani- ção” do TE, a linguagem do campo da saúde, o
festação perene em certas culturas, como as da envolvimento do SUS no planejamento, execu-
China e Sudão, até mesmo em países desenvolvi- ção e avaliação das ações interventivas é ínfimo.
dos e em regiões onde faltam condições de pleno O TE, entretanto, é um fenômeno de múlti-
exercício da liberdade14,20. plas dimensões – sociais, econômicas, culturais
Elementos históricos, econômicos e culturais e, consequentemente, sanitárias. Não se limita
podem favorecer as manifestações atuais de TE, ao campo jurídico e legal sob a responsabilidade
por isso é preciso reconhecer as especificidades de instituições do judiciário e do MPT e MTE.
do capitalismo nas diferentes regiões e a conse- Também não é somente crime e caso de Política,
quente diversidade histórica das formas de explo- posto que fere o Código Penal Brasileiro e legisla-
ração. No Brasil, por exemplo, a lei Aurea tratou ções trabalhistas e previdenciárias. É um proble-
apenas da escravidão do negro e não de outras ma complexo e multideterminado que demanda
formas de escravidão, como a servidão por dívida atuações intersetoriais e participativas também
corrente no Brasil já em 1877 nos seringais que da responsabilidade do setor saúde.
exploravam trabalhadores famintos vindos do
nordeste do país. Não por acaso, a escravidão por Saúde pública e trabalho escravo
dívida ainda é muito presente no Brasil14. contemporâneo
O TE abrange também a negação de direitos
trabalhistas e previdenciários, exposição a más Iniciativas para atenção à saúde relacionada
condições de trabalho, alimentação e moradia, ao trabalho remontam aos cuidados médicos
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com os escravos, afinal, seu desgaste representa- mente, a atividade rural é caracterizada por rela-
va perdas financeiras para os donos. No V século ções de trabalho à margem das leis brasileiras, não
A.C., Platão já verificava diferenças existentes en- raro com a utilização de mão-de-obra escrava”25.
tre os cuidados médicos dispensados a escravos Na 13ª CNS também foi apontada a necessidade
e homens livres22, enquanto que no Brasil escra- de: “Estabelecer políticas (...) que previnam danos
vocrata existiam várias práticas médicas voltadas aos trabalhadores da área rural, que são submeti-
aos primeiros como especialidade da medicina dos a regimes de escravidão”26. E a PNSTT afirma
veterinária. expressamente o papel da vigilância no combate
Naqueles períodos os escravos eram susten- ao TE. Um dos objetivos da política é “fortalecer
tados pelos seus proprietários, e, atualmente, são a Vigilância em Saúde do Trabalhador e a integra-
tratados como descartáveis, sem coberturas de ção com os demais componentes da Vigilância em
direitos sociais e trabalhistas20, de forma que ao Saúde, o que pressupõe: (...) f) contribuição na
se acidentarem ou sofrerem de uma doença ocu- identificação e erradicação de situações análogas
pacional, são excluídos da produção e substituí- ao trabalho escravo”9.
dos, sem garantias de assistência. Alguns mapeamentos apresentam-se como
É importante frisar que o TE contemporâneo poderosos meios de caracterização desses proble-
envolve pessoas mais pobres e vulneráveis14. A mas e seu enfrentamento. O mapa dos conflitos
população alvo do TE no Brasil é predominante- ambientais no Brasil, por exemplo, demonstra
mente de homens jovens com média de 32 anos, conflitos socioambientais que envolvem TE na
cor preta/parda (80%) com renda de 1 a 2 salá- exploração de povos indígenas no Amazonas,
rios mínimos, mais provenientes das regiões nor- nos sistemas de precarização do trabalho de ma-
deste, norte e centro-oeste23. A maioria é analfa- risqueiros e pescadores artesanais no Ceará, no
beta funcional, com cerca de 3,8 anos de estudo e agronegócio da soja no Maranhão e Mato Gros-
início de vida profissional anterior aos 16 anos23. so, na expulsão de trabalhadores de suas terras
É uma parcela da sociedade submetida a padrões no Pará para a construção de estradas de ferro,
históricos de exclusão social e injustiças da for- na coação de agricultores em fazendas do Acre,
mação social brasileira. na escravidão por dívida para a produção da in-
Essa população sofre os efeitos da violência, dústria do fumo no Sul, na produção de cana em
maus tratos, humilhações e insalubridade dos Pernambuco e Rio de Janeiro, entre outros27. A
ambientes de trabalho, tem imagem de si bastan- ocorrência de TE em vários processos de produ-
te negativa e suas principais aspirações são ele- ção, portanto, é reconhecida pelo campo da saú-
mentos básicos: melhores moradias para a famí- de e mais passos precisam ser dados para com-
lia, trabalho e formação23. preender-intervir nessas situações.
Daí a importância de maiores investimentos
do setor saúde na compreensão e intervenção nas Saúde pública e trabalho escravo
condições dessa população, porque as relações contemporâneo no norte fluminense
sociais de produção capitalistas geram determi-
nantes e condicionantes de sua saúde que preci- No norte fluminense os casos de TE ocorrem
sam ser mais conhecidos. essencialmente no setor canavieiro. Esse processo
Certamente o SUS, especificamente no âm- produtivo apresenta dois principais problemas:
bito da saúde do trabalhador e saúde-ambiente as queimadas da cana que fazem chover fuligem
reconhece o problema do TE, mas faltam estra- por toda a cidade de Campos e as situações de
tégias direcionadas ao seu enfrentamento consi- TE. Trata-se de um padrão de exploração mar-
derando os determinantes da saúde dessa popu- cado pelo uso predatório do ambiente e do ser
lação e seus efeitos. humano, expressando tendências do modelo de
O manual de gestão da Renast, por exemplo, desenvolvimento capitalista neoliberal que agu-
reconhece que “As condições encontradas no tra- diza as desigualdades sociais, a precarização e os
balho rural, como, por exemplo, relações de tra- sofrimentos28,29.
balho à margem da legislação, ocorrência de mão- A investigação sobre as situações de trabalho
de-obra escrava e, (...), faz com que a população nesse setor revelou elementos determinantes da
que vive e/ou trabalha no campo encontre-se mais saúde dos trabalhadores e seus efeitos, similares
descoberta e vulnerável aos problemas de saúde àqueles informados pela literatura nacional e in-
relacionados ao trabalho”24. O problema não passa ternacional.
despercebido no Manual de doenças relacionadas O TE na região se manifesta nas más condi-
ao trabalho do Ministério da Saúde: “Tradicional- ções, endividamento e cerceamento da liberdade
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entre migrantes, na “clandestinidade” dos traba- A culpa é outro elemento frequente a ponto
lhadores locais (ausência de carteira de trabalho de os trabalhadores atribuírem a si as causalida-
assinada e negação de direitos), nas relações de des dos acidentes e sofrimentos. Se o erro tem, o
subserviência entre fazendeiros e seus “emprega- erro é seu. Não é da empresa. Né... eu to clandes-
dos” onde o trabalho é ininterrupto e nas varia- tino e clandestino tem uma conotação de estar es-
das formas de violência. condido, de estar errado. Tem um erro aí, mas não
Esses trabalhadores têm em média 40 anos, é do empregador, é do empregado (Entrevistado
baixa escolaridade e a maioria procede de regiões 3). Essa culpabilização individual proporciona,
muito pobres, especialmente Maranhão, Alagoas, segundo Bourdieu28, a acusação da vítima, “única
Minas Gerais e das periferias das cidades do Nor- responsável por sua infelicidade” em detrimento
te Fluminense. das causalidades sociais dos sofrimentos.
É uma população submetida às precárias Foram relatados ainda fadiga, mal-estar, de-
condições de produção e reprodução em que se sânimo, nervosismos, sentimentos de rancor e
sobressaem a péssima qualidade de água e ali- insatisfação que prejudica a confiança até para
mentos oferecidos, alojamentos inadequados, conquistas amorosas. Entre os migrantes a sen-
ambientes sem higienização, aprisionamento por sação de fracasso e revolta eclode quando perce-
dívidas, descontos abusivos nos salários, esforço bem que foram enganados.
físico intenso, exposição à radiação solar, jorna- Essas condições classificadas como TE repre-
das exaustivas, metas e pagamento por produção, sentam condicionantes geradores de processos
falta de informação sobre o preço da tonelada de nocivos à saúde dessa população e desgastes con-
cana cortada e baixa cobertura de direitos traba- cretos no plano orgânico e psíquico além serem
lhistas e previdenciários, como expressam algu- fonte de mal-estar e deterioração da autoima-
mas falas de entrevistados: estavam dormindo em gem, autoestima e dignidade dos trabalhadores30.
lugares ao onde passavam ratos, inseto e tudo (En- A despeito das estruturas e recursos existen-
trevistado 1), o cara é forçado a cortar um cami- tes na região para intervir no quadro sociossani-
nhão de cana por dia, um caminhão de cana tem tário desses trabalhadores, a exemplo dos Cen-
18 até 22 toneladas e você imagine só uma pessoa tros de Referência em Saúde do Trabalhador (Ce-
fazer isso, você tem que pagar o que você come ... só rest), Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e
que o que você trabalha já não dá mais nem para Assistência Social, não foram identificadas ações
se sustentar. planejadas, articuladas e direcionadas à atenção
Além dessas condições, existe uma problemá- integral às necessidades desses trabalhadores.
tica psicossocial, pois os entrevistados relevaram As ações institucionais mais frequentes são
o baixo reconhecimento social do corte da cana, feitas pelo MTE, MPT e Polícia Federal com
visto sempre como vergonhoso, pois ser cortador caráter repressivo e punitivo, mas as condições
de cana é ser sujo, o tempo todo é a vergonha de experimentadas pelos trabalhadores demandam
entrar no ônibus sujo. [...] Então eles têm muita estratégias de enfoques diferentes. O olhar cuida-
vergonha. Sacaneiam o outro o tempo todo. [...] doso para as necessidades específicas dos traba-
Ih, aquele ali corta cana, durante o dia, corta cana lhadores e as múltiplas dimensões do problema
(Entrevistado 2). Tudo isso gera uma ideologia requerem a ampliação das práticas de “liberta-
de vergonha, que é um poderosíssimo mecanis- ção”, indenizações, pagamento de salários e segu-
mo de submissão, a ponto desse trabalho poder ros e garantia de retorno à terra natal, no caso de
ser classificado como um dirty work (trabalho migrantes.
sujo), uma atividade desvalorizada socialmente. Além das punições e embargos aos emprega-
O medo é também muito presente entre os dores, é fundamental desenvolver programas de
trabalhadores, pois estão expostos a pressões de assistência integral aos trabalhadores tanto nos
encarregados, violências e coações físicas, verbais territórios de origem quanto na região de traba-
e simbólicas: Tem lugar aqui em Campos que ain- lho e traçar ações de longo, médio e curto prazo
da tem neguinho que bate nos outros... tem histó- que modifiquem as condições de empregabilida-
rias de arrepiar; Quando chega [a pastoral da ter- de desses sujeitos.
ra] encontra o pessoal com muito medo; tem gente Cerest e Caps podem articular ações especí-
que não toca no assunto porque ainda pode ser re- ficas frente aos sofrimentos dos trabalhadores,
primido. Em algumas regiões do Brasil, o medo é principalmente porque se trata de população
tão intenso que muitos trabalhadores têm diar- pobre que nem sempre recebe olhar atento à sua
reia, febre e vômitos durante as ações do MTE e dimensão psicossocial, frequentemente colocada
da Polícia Federal21. em segundo plano.
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Apesar da ausência dessas ações específicas, a chegaram muitos ônibus de Alagoas e do Vale do
pesquisa no NF demonstrou o relevante e estra- Jequitinhonha, aí já tinham alagoanos, tinha tra-
tégico papel da saúde pública na identificação de balhador doente, tinha trabalhador com suspeita
casos de TE. Em Campos, uma investigação ini- de tuberculose, tinha trabalhador que estava com
ciada a partir da internação de trabalhadores em problema de coluna sério, e ficava no alojamento e
uma unidade de urgência e emergência deflagrou sem receber, sem nada.
a presença de TE em fazendas. Conforme Berger, Luckmann10 e Lenoir11 po-
Um grupo de doze homens fora internado de-se dizer que esses atores sociais locais desper-
com dores intestinais, ânsias de vômito e dores de tam a sociedade e as instituições para reconhe-
cabeça. Eram trabalhadores de uma usina de ca- cer e agir sobre o problema social. Aliás, para a
na-de-açúcar. Estavam infectados e profissionais PNSTT9, esse olhar e vigiar ativo da sociedade
buscaram compreender a relação entre o mal-es- civil organizada é elementar para a Visat. Esse
tar e as condições de trabalho. As investigações caso demonstra a importância das investigações
culminaram em articulações com o Ministério e informações produzidas pelos movimentos so-
Público e a Polícia e chegou-se à inspeção das ciais para ações participativas em Visat. O envol-
condições de habitação, higiene e trabalho cons- vimento de profissionais de vigilância epidemio-
tatando-se a má qualidade da água e dos barra- lógica, ambiental, sanitária com os movimentos
cões oferecidos, além dos baixos salários e a falta sociais é fundamental para ampliar a vigilância
de equipamentos de segurança coletivos e indivi- do TE.
duais. A busca de compreensão da relação entre a Nas ações da sociedade civil regional desta-
condição de saúde e de trabalho foi o gatilho para ca-se a estratégia de intervir na cadeia produtiva,
iniciar a ação intersetorial com foco na saúde dos pois as práticas do CPETE não se resumem a de-
trabalhadores. núncias. O comitê acessou um agente importante
O reconhecimento público do problema do na cadeia produtiva para convencê-lo a não com-
TE na região vem possibilitando maior atenção prar álcool de uma usina envolvida em TE e essas
a esses “eventos sentinelas” específicos. Assim, ações tiveram êxito em alguns momentos. Essa
entradas de trabalhadores do corte de cana aci- experiência mostra uma alternativa para intervir
dentados ou enrijecidos por câimbras em postos no TE, a partir da cadeia produtiva que possi-
de saúde e hospitais podem ser entendidas como bilita uma atuação extremamente relevante em
sinalizadores da presença de situações aviltantes. saúde. Mapear cadeias de produção pode revelar
Isso demonstra que uma unidade de saúde foi es- territórios da vulnerabilidade ao TE e gerar pla-
tratégica para identificar o TE e assim os serviços nejamentos estratégicos de ações de vigilância.
do SUS podem contribuir para descobrir casos e É importante destacar ainda o papel dos pró-
deslanchar ações intersetoriais de vigilância efeti- prios trabalhadores para modificar esse quadro.
vas e resolutivas. No NF, eles ocuparam um lugar histórico de rein-
Unidades da atenção básica, postos de urgên- vindicação e os órgãos da sociedade civil começa-
cia e emergência são portas abertas e, portanto, ram a se articular em função de suas demandas.
pontos de alerta ao TE, mas outras unidades e A criação do CPETE, inclusive, foi uma conse-
demais níveis de atenção têm potencial para co- quência da manifestação de migrantes na região.
laborar também na atenção integral aos traba- Apesar das imagens muitas vezes veiculadas do
lhadores conforme as particularidades de cada trabalhador escravizado como uma vítima passi-
região e são capazes de gerar ações de fiscalização va da exploração, em Campos, o que se observou
de processos de trabalho articuladas pela vigilân- foi sua indignação e protagonismo na transfor-
cia em saúde do trabalhador (Visat). mação da realidade social.
Tudo isso depende do reconhecimento e le-
gitimação10,11 dessas condições enquanto proble-
mas também do campo da saúde pública. Nesse Considerações finais
sentido, um ponto importante revelado na in-
vestigação foi exatamente o papel exercido pela O artigo demonstrou que o trabalho escravo
sociedade civil no reconhecimento público do contemporâneo se configura como problema de
TE e na mobilização de intervenções. Entidades saúde pública não apenas devido aos efeitos fí-
da sociedade têm lutas contínuas contra o TE, e, sicos e psíquicos da humilhação, violência e su-
na região, as ações levaram à criação do CPETE perexploração dos trabalhadores. A existência do
que faz uma vigilância constante dessas situa- TE evidencia contradições e complexidades cul-
ções. A gente fica de olho nesses alojamentos [...] turais, sociais, políticas e econômicas do Brasil e
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demonstra claramente iniquidades sociais e de Considerando que as dimensões da causali-
saúde. Ele revela um quadro sócio-sanitário-ocu- dade e os efeitos do TE demandam ações robus-
pacional problemático demais para ser categoria tas do Estado e da Sociedade, compete à saúde
excluída do campo da saúde. pública integrar-se mais aos atores já envolvidos
Certamente, esse fenômeno vem sendo re- no combate, para construir estratégias de atenção
conhecido pelo campo das relações saúde, tra- integral a essa população, conforme a capacida-
balho e ambiente, entretanto faltam estratégias de instalada no SUS, e de vigilância do trabalho
direcionadas para sua efetiva incorporação nas escravo, em caráter intersetorial e participativo.
práticas institucionais de modo a viabilizar sua É importante dizer que muitos Cerest têm
inserção na agenda do SUS. Mas os dados empí- assento em conselhos, comissões e fóruns de
ricos aqui evidenciados contribuíram no sentido combate ao TE e têm condições de elaborar con-
de dar visibilidade ao papel e à potencialidade do juntamente tais estratégias. Atualmente existem
setor saúde para identificar e intervir no TE não 210 Cerest em funcionamento e muitos deles es-
apenas na região estudada, mas para o cenário tão localizados em regiões de alta incidência de
nacional. TE, como Mato Grosso, Pará, Maranhão e Rio
Seria pertinente então incluir o TE no âmbito de Janeiro. Cabe a eles articularem-se com mo-
da pesquisa em saúde pública para proporcionar vimentos sociais e atores governamentais, com-
compreensões mais acuradas sobre suas mani- pondo um coletivo de ação em cada espaço e
festações e seus determinantes. Seria igualmente território, para desenvolver projetos e programas
pertinente e relevante desenvolver estratégias ins- de identificação, prevenção, controle, vigilância
titucionais, superando paradigmas biomédicos e atenção integral à saúde desses trabalhadores
que dificultam a incorporação dessas condições submetidos a condições aviltantes. Afinal, não
no âmbito da ação em saúde. Isso depende de existem tratamentos, vacinas, medicamentos ou
atores interessados em trazer à tona essa proble- soluções milagrosas para tratar essas condições
mática e exigir soluções político-institucionais. sociais crônicas.
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