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Processo: 129/07
Jurisdição: Criminal
Ref. 6585/2009
Sumário
Disposições aplicadas
Nos autos de instrução supra indicados, do ...º Juízo do TIC do Porto, concluído o
inquérito, o Digno Magistrado do M.º P.º determinou o arquivamento dos autos.
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que essa conduta
era, como é, proibida e punida por lei, tanto mais que sabia que não possuía
autorização da assistente para produzir graffiti naquele local.
3. O Tribunal "a quo" subsumiu os factos no crime de dano qualificado nos termos
do artigo 213° n.° 1, alínea c), do Código Penal, tendo, portanto, pronunciado o
arguido.
5. Não se verificam os elementos típicos do ilícito criminal uma vez que os factos
praticados pelo arguido não se subsumem nos conceitos de "destruição",
"danificação", ou "desfiguração" ou "tornar não utilizável" da previsão do crime de
que vem pronunciado.
9. Por estas razões tem sido entendido que o preceito qualificativo do dano (artigo
213° do Código Penal) só deve aplicar-se quando o facto atinge a função da coisa.
10. Contrariamente ao que alega, nunca o assistente Metro do Porto deixou de ser
utilizado ou funcionar por causa do comportamento do arguido - o objecto não foi
atingido no fim específico a que se destina.
11. O artigo 213° n.° 1 do Código Penal prevê quatro modalidades de acção típica:
destruir, danificar, desfigurar e tornar não utilizável.
12. Definindo a primeira modalidade de acção típica, "a destruição é a forma mais
intensiva e drástica de cometimento da infracção. Determina a perda total da
utilidade da coisa e implica, normalmente, o sacrifício da sua substância".
13. No nosso caso, destruir seria o arguido derrubar o muro ou parede do túnel de
acesso entre as estações de Sete Bicas e Senhora da Hora, o que não aconteceu.
18. A quarta modalidade de acção típica, "Tornar não utilizável: Esta modalidade
de conduta abrange as acções que reduzem a utilidade da coisa segundo a sua
função".
19. No caso vertente, a conduta do arguido fazer com que o assistente deixasse de
passar no referido túnel de acesso entre a estação de Sete Bicas e da Senhora da
Hora, o que não sucedeu.
20. Conclui-se que os factos praticados pelo arguido não se subsumem em nenhum
dos elementos típicos do crime de dano.
21. Além do mais, o crime de dano só é punível sob a forma de dolo, sendo bastante
o dolo eventual.
22. "Não age com dolo o agente que desconhece o efeito lesivo da sua conduta,
isto é, que não sabe que a sua acção destrói, danifica, desfigura ou torna não
utilizável a coisa".
25. Pelo que, o arguido na prática dos factos não teve consciência de causar
qualquer dano ao assistente.
26. Pelo exposto, o Tribunal de que se recorre andou mal ao subsumir os factos
praticados pelo arguido no crime de dano qualificado, previsto e punido pelo artigo
213° n.° 1 c) do Código Penal.
27. Salvo o devido respeito por melhor opinião, não tendo os factos praticados pelo
arguido consubstanciado a prática do crime de que vem pronunciado, a ter existido
dano, o que não se concebe nem concede e que só se admite por mero efeito de
raciocínio, a eventual reparação dos prejuízos patrimoniais causados terá de ser
encontrada no foro civil.
Respondeu o M.º P.º defendendo o julgado, embora entenda que o arguido apenas
cometeu um crime de dano simples (o que não é objecto do recurso).
k) Dos autos resulta prova indiciária mais do que bastante para a pronúncia do
Arguido, em ordem a submeter o agente e os factos a julgamento, nos termos do
disposto na primeira parte do n.° 1 do artigo 318.° do C.P.P.
l) Não se vislumbra, assim, com o devido respeito, que outra interpretação seria
possível adoptar, se não aquela que o Tribunal de Instrução Criminal adoptou.
m) Bem assim, e por força do princípio da adesão, consagrado nos termos do artigo
71° do Código Penal, é nesta sede criminal que deve correr termos o pedido de
indemnização civil, relativo ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados à
B............., S.A., pela prática do crime em questão.
Vejamos.
Sem qualquer dúvida, o arguido, no dia 9/02/2007, pelas 17:45 horas efectuou
pinturas, vulgo graffiti, na parede do túnel de acesso entre as estações do Metro
de Sete Bicas e da Senhora da Hora.
Com a pintura, o arguido alterou a textura da parede do túnel, o que obriga à sua
limpeza para devolver a parede ao seu estado original.
Pois bem.
Subjacente a esta dispersão de soluções está o peso, mais ou menos explícito, das
velhas controvérsias entre a teoria da substância e a teoria da função, a que
posteriormente acresceria a teoria do estado. Controvérsias que entretanto
perderam importância à vista da tendência hoje dominante para a adopção de uma
compreensão assente na combinação de todas elas. Como a mais elementar
perspectiva histórica permitirá concluir, a história do Dano é a história da expansão
da respectiva factualidade típica a partir da teoria de substância na direcção da
teoria da função e, por último, da teoria do estado. (...)
Nem sempre é fácil determinar com rigor e segurança as fronteiras entre as quatro
modalidades de conduta típica. Pese embora a sua aparente índole descritiva, a
verdade é que se trata de conceitos com um irredutível coeficiente normativo,
denotando, por isso, uma maior ou menor plasticidade semântica. É o que a
experiência histórica não deixa de confirmar, certo como é que expressões como
destruir, danificar, etc., significaram coisas diferentes em épocas diferentes. E isto
sem prejuízo de se apelar sempre e invariavelmente para o entendimento da
«linguagem corrente». Até mesmo as formulações aparentemente mais definidas
e consistentes como lesão da substância, se têm revelado polissémicas. Neste
sentido, pôde v. g. Maurach sustentar que não atinge a substância de um relógio
quem o desmonta em peças mesmo que não possa ser, de novo, posto a funcionar.
E isto porquanto a substância metálica persiste inalterada (...). Na mesma linha
tem-se já entendido que a colagem de cartazes na fachada de uma escola ou numa
estação ferroviária atinge a sua função (infra § 35). Resumidamente, a classificação
de um facto concreto como destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável
deixa sempre sobrar margens de insegurança. Por exemplo: sujar uma peça de
vestuário é danificar ou tornar não utilizável? E partir uma peça de loiça: (quando)
é destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável?
Por vias disso, hoje ninguém pretenderá retomar a fórmula que o Reichsgericht
começou por adoptar e que identificava o Dano com a lesão da substância. Como
não faria igualmente sentido sustentar uma teoria da função extremada como a
defendida nos anos cinquenta por Maurach, cit. 151, segundo a qual: «Decisiva é
sempre e apenas a alteração ou frustração da função reservada à coisa por quem
de direito». Em vez disso, o consenso tende a privilegiar formulações como as
adoptadas pelo mesmo RG num dos seus mais marcantes e mais recorrentemente
citados pronunciamentos (RGSt 43 204 ss.). Segundo o qual será dano «toda a
intervenção corpórea não inteiramente irrelevante (...) que altera a composição
material da coisa ou atinge a sua integridade em termos tais que resulta diminuída
a sua utilizabilidade (...) para a função que lhe foi dada». Nos termos do citado
aresto seria ainda dano a «alteração com relevo (...) da forma e aparência exterior»
da coisa. Uma compreensão que permitiria ao RG qualificar como dano o acto de
pintar uma estátua de mármore, e mais tarde, sujar uma parede e colar cartazes
sem autorização. Um conjunto de soluções, em geral - e com restrições mais ou
menos significativas - hoje aceites pelos autores e tribunais alemães. Para tanto
aceitou-se um alargamento do próprio conceito de lesão da substância que passa
a abranger casos em que se acrescenta algo à substância original (pintar, sujar,
colar). Como se ampliou o conceito de função. A ponto de se sustentar que a
colagem não autorizada de cartazes numa escola ou num hospital prejudica a
respectiva função, apesar de poderem continuar a funcionar como escola ou
hospital (cf. Haas, cit. 17). Isto na esteira de Engisch: «à utilização de uma coisa
pertence também o gosto pela sua aparência sem nódoas» (...). O que será talvez
ir já longe de mais no contexto de uma lei penal que não reconhece relevo
autónomo à conduta típica desfigurar (...).
Que pode também passar pela estética, tal como a quis e concretizou.
Sem deixar margem para dúvidas, Costa Andrade, ao contrário do que defende o
Recorrente, citando a sua doutrina de forma truncada, considera que pode estar-
se perante um crime de dano, verificados os restantes elementos constitutivos do
ilícito, quando se atinge a coisa apenas na sua forma exterior. O que acontece
quando se faz pintura de grafitti. E isto porque a pintura de grafitti configura uma
"intervenção corpórea não inteiramente irrelevante"; configura uma intervenção
que "altera a composição material da coisa", da sua parte visível.
E apenas esta.
Do que vem de ser dito se conclui que a conduta do arguido contém o elemento
objectivo do crime de dano: o arguido desfigurou coisa alheia.
Agiu, pois, com dolo de tipo. Na verdade, é o próprio arguido quem afirma (4) que
"tinha começado a pintar uma dessas paredes (do túnel) (...) sendo uma boa
maneira de dar um novo olhar às paredes dos espaços urbanos. Naquela parede
pretendia pintar uma paisagem, como um quadro, não tendo elaborado nenhum
esboço para o efeito porque tudo lhe sai no momento para pintar. (...) Cabe a cada
espectador apreciar a pintura e dizer se gosta ou não".
Das declarações transcritas se extrai, sem qualquer dificuldade, que o arguido quis
efectuar pinturas, vulgo graffiti, em coisa alheia, bem sabendo que estava a alterar
a imagem da coisa. Isto é, pintou para alterar a imagem do túnel, cabendo a cada
espectador apreciar a pintura e dizer se gosta ou não.
Mas agiu igualmente com dolo de culpa pois que actuou contra o dever ser quando
podia ter actuado em conformidade com o mesmo; actuou em "contrariedade
perante o dever-ser jurídico-penal" (5) . É o próprio quem confessa (6) que
"normalmente procura paredes mais degradadas para evitar problemas, isto
porque sabe que os grafittis são ilegais".
Como foi.
DECISÃO:
Porto, 04.11.2009
___________
(1)
(2)
Realce nosso
(3)
Ob e loc citados
(4)
(5)
(6)