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História, Educação e

Direitos Humanos:
Leituras e Representações
Copyright © 2017 Grinaura Medeiros de Morais
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COLEÇÃO DIREITOS HUMANOS

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Grinaura Medeiros de Morais
Capa
Eurly Morais da Nóbrega
Projeto gráfico
Heverton R.
Catalogação na Fonte

MORAIS, Grinaura Medeiros de.


História, Educação e Direitos Humanos: Leitura e Representações /
Grinaura Medeiros de Morais, organizadora. – Natal: Offset editora 2017

114p.

ISBN: 978-85-5508-092-0

1. Educação e direitos humanos. 2. Memórias e vivências. 3. História e


literatura
Grinaura Medeiros de Morais

História, Educação e
Direitos Humanos:
Leituras e Representações

1ª edição - Natal/RN - 2017


APRESENTAÇÃO

História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Represen-


tações é uma obra de inspiração coletiva produzida por autores que
dialogam no campo teórico e prático da Educação e dos Direitos Hu-
manos tomados pelo espírito de luta, preservação e difusão da ética
e do compromisso acadêmico com o debate humanístico. Revela o
esforço exegético do pensamento inovador a partir dos textos que a
integra, todos eles embasados nas leituras de notáveis pensadores do
cenário nacional e internacional, citadas por um conjunto de pesqui-
sadores identificados com as ideias inovadoras, futuristas e emancipa-
doras da educação e dos direitos humanos, tentando compreendê-las
como produto da interação humana em sua perspectiva dialógica de
sujeito e de sociedade.
O princípio da luta, concepção e preservação dos direitos huma-
nos constitui a matriz que atravessa o conjunto da obra, a luta travada
no presente ou no passado, seja ela pelo direito ao trabalho, à educa-
ção, à memória, à literatura, a assistência médica, enfim, a luta pela
vida cotidiana no combate à morte em todas as suas dimensões e sub-
jetividades no debate contemporâneo. Nesse sentido, a obra reflete o
pensamento inquieto e aberto dos seus autores, atestando a multiplici-
dade do conhecimento cada vez mais presente e atual no diálogo com
os sistemas que vêm forjando as formas de pensar neste novo século.
A luta pelos direitos é a argamassa que une e amarra os artigos,
cada um com a sua ideia, o seu contexto, a sua demanda, a sua neces-
sidade; uma vez que já dispomos suficientemente de elementos para
justificar que os direitos humanos forjam-se no mundo e no nível das
necessidades do homem; sendo portanto direitos históricos.
Na coletânea NORBERTO BOBBIO: Democracia, Direitos

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Humanos, Guerra e Paz – vol 21 – (BOBBIO apud MARQUES,
2013, p. 249), afirma que “os direitos do homem são direitos histó-
ricos que emergem gradualmente das lutas que o homem trava pela
própria emancipação, pela transformação das condições de vida que
estas lutas produzem”.
Em cada artigo está presente a característica peculiar da autoria e
a sua projeção no componente temporal da Pesquisa em Educação. São
autores embasados em referenciais de vulto no percurso da construção
de suas trajetórias como pesquisadores e como artífices do conjunto da
atividade laboral que realizam no ofício da profissão acadêmica.
Participaram da construção dessa produção, pesquisadores da
UFRN e UFPB – Campus Central com títulos acadêmicos diversifi-
cados de alunos e de professores, alguns destes com experiências em
aprofundamento de Estudos Pós-Doutorais realizados no país e no
exterior.
O conjunto de artigos que compõe essa produção pode ser or-
ganizado em dois grupos que se interrelacionam: o primeiro identifi-
cado como uma exposição de práticas e de políticas educacionais que
envolvem as questões de ensino e de remetimento ao que conforma
os sujeitos de direito; o segundo interpretado como uma memória
da educação em tempos e espaços distintos. São autores oriundos de
diferentes tradições e de experiências acadêmicas, o que dá sentido de
unidade a diversidade de textos na orquestração das convergências e
divergências, tendo o diálogo como território comum entre eles, no
sentido colocado por Backtin ao conceber o texto como “um tecido de
muitas vozes” ou de “muitos textos ou discursos que se entrecruzam e
se completam (Backtin apud BARROS, in FARACO, p. 31).

1 MARQUES, M.R. Norberto Bobbio: os direitos humanos como condição do desenvolvi-


mento possível. In: BOBBIO, NORBERTO: democracia, Direitos Humanos, Guerra e Paz.
Giuseppe Tosi (org) V. 1. – João Pessoa; editora da UFPB, 2013.
6
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Cabe ao leitor dialogar e reconhecer esse entrecruzamento de
vozes sem perder de vista a peculiaridade do olhar de cada um para a
dimensão humana e para o exercício complexo da construção da arte
de educar, bem como realizar a crítica do texto dialogando inteligente-
mente com cada autor e com a obra no seu conjunto, inserindo-se na
produção e somando-se à nossa ideia.
É o que esperamos!

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.......................................................5

O PISO SALARIAL COMO INSTRUMENTO DE VALO-


RIZAÇÃO DA DIGNIDADE DO PROFISSIONAL DO
MAGISTÉRIO PÚBLICO..........................................11
Carlos Francisco do Nascimento
Marliete Lopes dos Santos

USO SIMBÓLICO-RETÓRICO DO DIREITO À EDU-


CAÇÃO NO BRASIL.................................................23
Felipe Araújo Castro

A LUTA DE MANOEL DANTAS PELA INSTRUÇÃO


PÚBLICA DO SERIDÓ (1889).................................35
Isabela Cristina dos Santos Morais
Grinaura Medeiros de Morais

O ENSINO DE HISTÓRIA DA LITERATURA NO IM-


PÉRIO: APONTAMENTOS SOBRE AS HISTÓRIAS
LITERÁRIAS DE CÔNEGO FERNANDES PINHEIRO
(1825-1876)..............................................................43
Carlos Augusto de Melo

SAÚDE PÚBLICA E ODONTOLOGIA: A QUALIDADE DE


SERVIÇOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE SOB A
PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS....................55

Bruna Katherine Guimarães Carvalho


MEMÓRIAS DO MOBRAL: INSTRUINDO-SE NA
ARTE DE OBEDECER, SILENCIAR E PROGRAMAR
A MORTE DE UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ..............63
Grinaura Medeiros de Morais

AOS LEITORES DOS JORNAIS DA PARAÍBA E DO
RIO DE JANEIRO, NOTÍCIAS SOBRE OS LICEUS NO
IMPÉRIO..................................................................75
Fabiana Sena

A CAMPANHA DE PÉ NO CHÃO E SUA LEITURA A


PARTIR DA PEDAGOGIA CRÍTICA: UMA MEMÓRIA
IMPORTANTE PARA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HU-
MANOS....................................................................89
Kléber de Araújo
Patrícia Araújo Rocha

EDUCAR EM DIREITOS HUMANOS: PARA UMA PE-


DAGOGIA DA SENSIBILIDADE E DO EMPODERA-
MENTO..................................................................103
Luciana Martins Teixeira dos Santos
Maria das Graças da Cruz Barbosa
Maria Elizete Guimarães Carvalho
O PISO SALARIAL COMO INSTRUMENTO
DE VALORIZAÇÃO DA DIGNIDADE DO
PROFISSIONAL DO MAGISTÉRIO PÚBLICO

Carlos Francisco do Nascimento


Marliete Lopes dos Santos

1. Introdução

Um Estado social de direito caracteriza-se por um sistema de


princípios, normas e institutos que disciplinam a conduta humana de
sua sociedade em todos os âmbitos, consequentemente, a educação e
seus profissionais estão inseridos nesse contexto, tutelados por uma le-
gislação que deve propor total efetividade a essa atividade e a dignida-
de de seus trabalhadores. É preciso ressaltar, que a dignidade da pessoa
humana é o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional
posto e última guardiã dos direitos individuais.
O Estado brasileiro, além dos dispositivos constitucionais de
tutela da educação, possui, ainda, uma legislação infraconstitucional
para efetivação dessa, como direito fundamental social. Entre outras,
podemos destacar a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), a Lei n° 11.738/2008
(que dispõe sobre o piso salarial profissional nacional para os profis-
sionais do magistério público - PSPN), e a Lei nº 13.005, de 25 de
junho de 2014 (novo Pano Nacional de Educação – PNE que acaba
de ser sancionado).
É importante esclarecer, que não será objeto desse trabalho toda
legislação que regula a educação pátria, mas uma análise acerca da
aplicação da Lei n° 11.738/2008, que dispõe sobre o piso salarial pro-
fissional nacional para os profissionais do magistério público (PSPN),
11
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
como instrumento de concretização da dignidade desses profissionais.
A “Lei do Piso” como ficou conhecida. 
A formação e valorização dos profissionais do magistério devem
ser compreendidas sob a ótica de uma perspectiva social, devendo ser
alcançada por meio de políticas públicas, tratadas como direito. Um
dos meios mais relevantes a serem utilizados pelas políticas públicas no
desenvolvimento e garantia de uma educação de qualidade, como for-
ma de superação das desigualdades regionais é a adequada valorização
dos profissionais da educação.
A Emenda Constitucional n° 53/2006 instituiu, no inciso VIII
do art. 206 da Constituição Federal, novo princípio da educação,
“o piso salarial profissional nacional para os profissionais da educa-
ção escolar pública”, que foi parcialmente regulamentado pela Lei n°
11.738/2008.  Esse dispositivo legal estabeleceu um valor inicial para
a carga-horária de 40 horas semanais do professor com formação de
nível médio, os critérios básicos de sua implantação e a participação
da União.
Cinco estados federados (MS, PR, SC, RS e CE) questionaram
a implantação de alguns dispositivos da referida lei por meio da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 4167, notadamente nos
seguintes critérios básicos de implementação do piso: composição da
jornada de trabalho 40 horas, garantindo-se no mínimo 1/3 da carga
horária para a realização de atividades de planejamento e preparação
pedagógica; vinculação do piso salarial ao vencimento inicial das car-
reiras dos profissionais do magistério da educação básica pública; e
prazos de implementação da lei.
Diante desse panorama, surgem problemas na aplicação da “Lei
do Piso” que precisam ser analisados para que possamos caracterizar
essa legislação como instrumento de valorização da dignidade do pro-
fissional do magistério público.

12
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
2. A constitucionalidade da Lei n° 11.738/2008 e sua
aplicação como instrumento de valorização da digni-
dade do profissional do magistério público

Dois são os principais requisitos para fortalecer e manter o siste-


ma federativo: o primeiro é existir uma Constituição rígida, e o segun-
do a previsão de controle de constitucionalidade das leis infraconstitu-
cionais, para não ensejar afronta à Lei Maior. A rigidez constitucional
não significa um corpo sólido e imutável, em que seja impossível qual-
quer alteração, mas uma proteção para proporcionar certa segurança
contra dissolução dos princípios estruturais, conhecidos por cláusulas
pétreas, que formam um núcleo inegociável, irrevogável e imutável
do texto constitucional, representando uma garantia necessária para a
manutenção da federação.
O controle de constitucionalidade é componente importante de
proteção estrutural do modelo estatal brasileiro ao lado da rigidez do
texto constitucional, marcada pela existência das cláusulas pétreas. É
através desse controle de leis que o cidadão protege-se de ilegalidades
e abusos, exigindo o cumprimento do Contrato Social estabilizado na
busca do bem coletivo, forçando os detentores do poder político a agir
nos limites da lei.
A Constituição Federal de 1988 elege como fundamental e so-
cial o direito à educação, estabelecendo-o no seu artigo 6º e, de forma
mais contundente, no Capítulo III do Título VIII, a partir do arti-
go 205. Tratando-se de um típico direito social, encontra-se o Estado
obrigado a oferecer o acesso à educação a todos os interessados. O Es-
tado também é responsável pela formação e valorização do profissional
do magistério público.

13
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Para Mônica Sifuente2, no que concerne ao direito à educação,
o desenvolvimento pessoal e social é expressamente assinalado como
meta a ser alcançada com a colaboração da sociedade, como decorre
do artigo 205, da Constituição Federal.
O artigo 206 da Carta Constitucional de 1988, no seu inciso V, é
cristalino ao preceituar: “a valorização dos profissionais da educação, ga-
rantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente
por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas”.
Em 17 de dezembro de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF)
julgou a cautelar da Ação de Direta Inconstitucionalidade (ADI) de nº
4167, proposta por cinco estados (MS, PR, SC, RS e CE), que ques-
tionaram a implantação de alguns dispositivos da Lei n° 11.738/2008.
Por maioria de votos, vencidos os Ministros Joaquim Barbosa (re-
lator) e Carlos Ayres Brito, o STF determinou que até o julgamento final
da citada ADI nº 4.167, a referência do piso salarial nacional para os pro-
fissionais da educação pública deveria ser a remuneração, e não o venci-
mento inicial como determinado na “Lei do Piso”. Isso significou que os
valores pagos aos professores a título de gratificações e vantagens poderiam
ser contabilizados para atingir o mínimo estabelecido pelo piso. O STF
decidiu também liminarmente, que estados e municípios não estavam
obrigados a assegurar no mínimo 1/3 da carga horária da jornada de tra-
balho destes profissionais para atividades extra-sala de aula, suspendendo
também nesse ponto a aplicação da Lei nº 11.738/2008.
Esses entendimentos foram modificados quando o STF, em 27
de abril de 2011, concluiu o julgamento ADI nº 4.167, julgando to-
talmente constitucional a Lei nº 11.738/2008. Com essa decisão, os
preceitos da “Lei do Piso” deveriam ser aplicados imediatamente e de
forma integral.

2 SIFUENTE, Mônica. Direito fundamental à educação: a aplicação dos dispositivos


constitucionais. 2. ed. Editora Nuria Fabris, p. 301-302.
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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
A decisão do STF não permite considerar vantagens como grati-
ficação, adicional ou abono (conteúdos de uma remuneração), na com-
posição do Piso, o que restou esclarecido que essas vantagens devem ser
calculadas com base na quantia fixada pela Lei Federal e acrescidas a esta.
Em seu voto o Ministro do STF, Celso de Mello, enfatizou a
obrigação do Estado de seguir diretrizes constitucionais a partir da
identificação de certas necessidades sociais básicas dos profissionais de
educação pública. Para ele, existe uma inderrogável obrigação do Esta-
do que vincula o poder público dos entes federativos ao dever de fixar
um piso remuneratório, capaz de satisfazer as necessidades primordiais
de subsistência dos profissionais do magistério público3.
Ao ser empregada a expressão “Piso”, a Constituição Federal de
1988 e a legislação infraconstitucional em vigor, objetivaram indicar
o limite que deve ser pago a um trabalhador de determinada categoria
profissional pela contraprestação de seus serviços. Já quando falamos
em “remuneração”, devemos entender como sendo o valor global re-
cebido pelo trabalhador, compreendendo outras vantagens pessoais
(gratificações, adicionais, comissões, etc). O piso salarial profissional
nacional é o valor que aponta um limite abaixo do qual os entes fede-
rados não podem fixar o vencimento inicial das suas carreiras de ma-
gistério da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 horas
semanais.
Ao regulamentar-se o piso salarial profissional para os professo-
res públicos, buscou-se a efetivação do instituto já previsto na legis-
lação do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização do Profissional da Educação).
Quando o STF julgou constitucional a “Lei do Piso” estabe-
leceu uma reanálise de seu entendimento liminar anterior quando
considerou como sendo o piso salarial “remuneração”, e não como
3 Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&do-
cID=626497>. Acesso em: 24 jun. 2014.
15
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
“vencimento básico”, o que tornava prejudicial à política salarial para
os profissionais do magistério da Educação Básica. É importante escla-
recer, que “vencimento básico” é um valor específico, correspondente à
contraprestação paga pela Administração Pública pelos serviços presta-
dos na atividade de magistério, espécie do gênero “remuneração”, que
engloba o vencimento básico e demais elementos como: gratificações,
adicionais, abonos, comissões, etc. (vantagens pessoais). A consequ-
ência prática dessa decisão, ao fazer a interpretação do dispositivo,
evidencia que todos os complementos (vantagens pessoais) devem ser
calculados tomando como referência o piso salarial e depois acrescidos
ao mesmo, para totalizarem a remuneração.
O parágrafo 2º do artigo 3º da “Lei do Piso” fixou uma norma
de transição, pois conferiu aos entes federados uma margem tempo-
ral (até 31 de dezembro de 2009), para uma adequação ao possível
aumento financeiro-orçamentário que poderia advir da nova norma-
tização. Assim, admitiu-se que o piso salarial profissional, durante esse
lapso de tempo, incluísse vantagens pecuniárias pagas a qualquer títu-
lo, nos casos em que o valor pago fosse inferior ao estabelecido na lei.
A margem temporal deferida pelo dispositivo já impõe, de for-
ma implícita, aos sistemas de ensino, o ajustamento dos seus planos de
carreira, mas o descrédito na efetividade da lei fez com que poucos en-
tes federados adequassem seus planos ao sistema do piso profissional.
A consequência tem sido, em muitos casos, a deformação das carreiras
do magistério de ensino básico, evidenciando-se um claro processo de
achatamento salarial.
Em seu artigo 6º, de forma expressa, essa mesma lei dispõe que
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deveriam ela-
borar ou adequar seus planos de carreira até 31 de julho de 2009,
tendo em vista o cumprimento do piso salarial nacional. No entanto,
o que aconteceu foi um enorme descumprimento da lei com base em
interpretações equivocadas.

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
O Ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Direta de Incons-
titucionalidade, em seu voto constatou as ideias de “vencimento ini-
cial”, como política de incentivo, e “remuneração global”, como uma
proteção mínima. “Usar gratificação para atingir o piso poderia anular,
por exemplo, políticas de gratificações por desempenho, baseada em
mérito”, explicou o ministro, ressaltando a ideia de que o principal ob-
jetivo da “Lei do Piso” é a valorização dos profissionais do magistério4.
Mesmo diante desse cenário de certos avanços, já passados mais
de cinco anos da promulgação da “Lei do Piso”, a luta pelo cumpri-
mento desse diploma legal continua. Conforme mapa de pagamento
do piso salarial dos professores das redes estaduais no Brasil, divulgado
pelo Portal Terra5, em janeiro de 2014, os estados do Rio Grande do
Sul e Rondônia aparecem como os únicos estados brasileiros que ainda
não pagam o piso. O site elaborou um levantamento em abril de 2014
a respeito do valor pago pelos estados brasileiros aos docentes da rede
pública que tenham como formação mínima o Ensino Médio. Seis
estados (SE, BA, GO, MA, PI e PE) somente em 2013 passaram a
pagar o valor corretamente ou a mais, correspondente ao piso salarial
estabelecido em lei.

3. Pacto federativo e a “Lei do Piso”

O Estado Federal brasileiro é o modelo em que se preconiza a


descentralização política (repartição de competências), a participação
dos estados membros nas decisões do Governo Federal e a possibili-
dade desses estabelecerem suas próprias constituições, desde que não

4 Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&do-


cID=626497>. Acesso em: 24 jun. 2014.
5 Disponível em:<http://noticias.terra.com.br/educacao/infograficos/quanto-ganha-um-
-professor-no-brasil/> Acesso 24 jun. 2014.
17
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
destoante da Constituição Federal, base de todo o ordenamento jurí-
dico e sustentáculo do Estado Democrático de Direito.
Diante desse contexto, a Constituição Federal estabelece princí-
pios e objetivos que traçam deveres para os entes da Federação (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios). A conjuntura educacional
brasileira não se dissocia desse quadro jurídico-político. É dividida a
estrutura educacional pátria em níveis e modalidades de ensino e re-
gulado o financiamento próprio com vinculação de receitas. Porém,
essa estrutura é ainda marcada por desigualdades sociais e regionais
significativas.
A Emenda Constitucional nº 59/09 constituiu-se em instru-
mento normativo de grande valia, já que alterou a Constituição Fe-
deral, e passou a dispor sobre a redução anual do percentual da Des-
vinculação das Receitas da União (DRU), incidente sobre os recursos
destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino (artigo 212
da Constituição Federal); a obrigatoriedade e gratuidade do ensino
de 4 a 17 anos de idade; a ampliação da abrangência dos programas
suplementares para toda a educação básica; o estabelecimento de meta
de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do
Produto Interno Bruto (PIB), entre outras disposições.
Ao analisar a “Lei do Piso”, como uma fonte de melhoria à dig-
nidade do professor, verificamos que essa, ao atribuir em seu artigo
4º, um dever da União de complementar os recursos dos demais entes
federados, estabelecendo possibilidade compartilhada, fez acertada-
mente, pois só o poderia fazer por meio de uma norma federal. É
importante ressaltar que é repassado pelo Ministério da Educação
(MEC), uma complementação para os entes com dificuldade de
pagar o piso. O recurso da complementação é 10% do que o MEC
aloca no FUNDEB.
O argumento trazido pelo Ministro Relator Joaquim Barbosa
e pelo Ministro Celso de Mello, na exposição de seus votos na Ação
18
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Direta de Inconstitucionalidade anteriormente referida, afasta, na
opinião destes e de outros ministros, o argumento improcedente de
violação do pacto federativo. Em seu voto o Ministro Celso de Mello6
afirmou que o direito à educação deve ser garantido pelos entes fede-
rados em regime de colaboração, cabendo a esses o exercício de com-
petências específicas.
Assim, o valor do piso como a sua vinculação à carreira e à jor-
nada docente foram estabelecidos com base na competência da União
em regulamentar e assegurar o padrão mínimo de qualidade, de ca-
ráter nacional (artigo 211, parágrafo 1º, da CF/88), o que não fere o
pacto federativo.

4 Considerações finais

Diante dessa breve análise fica cristalino que a educação é um direi-


to fundamental de caráter social que ocupa posição de destaque no orde-
namento jurídico pátrio. Nesse contexto, em relação a “Lei do Piso”, esta-
mos diante de mais um instrumento de garantia da dignidade da pessoa
humana, no caso específico, do trabalhador do magistério público. A “Lei
do Piso” nos faz acreditar que podemos avançar para construção de um fe-
deralismo cooperativo para que se possa garantir a educação básica, tendo
como um de seus instrumentos a valorização do profissional da educação,
garantindo-lhe vencimentos dignos e adequados.
As lutas sociais desenvolvem-se em torno das necessidades hu-
manas, especialmente quando consideradas necessárias à proteção da
dignidade dos homens. Essas necessidades não podem ser atendidas se
não existem mudanças fundamentais nas concepções da sociedade.

6 Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&do-


cID=626497>. Acesso em: 24 de jun. 2014.
. 19
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
É essencial o debate entre os sistemas educacionais e a repre-
sentação dos trabalhadores da educação, objetivando uma definição
clara de parâmetros para carreira do magistério público básico, que
orientem o gestor público na construção de planos de carreira ade-
quados à valorização da dignidade do profissional dessa educação. O
respeito à “Lei do Piso” levará a devida valorização do profissional do
magistério por meio de condições de trabalho adequadas, qualificação
profissional e salário condigno, e consequentemente, se evidenciará
como um elemento eficaz na concretização da dignidade da pessoa do
profissional do magistério público.

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Referências

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São


Paulo: Malheiros, 2006.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado Federal, 2010.

_______, Lei Federal n° 11.738, de 16 de agosto de 2008.


Regulamenta o piso salarial profissional para profissionais do
magistério público da educação básica. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L11.738.htm>.

­­­­­­CARVALHO, Maria Elizete Guimarães (org.). Educação e direitos


humanos: estudos e experiência. João Pessoa: Editora Universitária
UFPB, 2009.

_______. Educação e direitos humanos: estudos e experiência. João


Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2011.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. ed.


São Paulo: Saraiva, 2009.

MALISKA, Marcos Augusto. O direito à educação e a constituição.


Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2001.

SIFUENTE, Mônica. Direito fundamental a educação: a aplicação


dos dispositivos constitucionais.2. ed. Editora Nuria Fabris, 2009.
STF: ADI nº 4.167 Distrito Federal. Relator Min. Joaquim Barbosa.
Publicado no DJE, em 24/08/2011.
21
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
USO SIMBÓLICO-RETÓRICO DO DIREITO À
EDUCAÇÃO NO BRASIL

Felipe Araújo Castro

Introdução: Democracia, um enigma resolvido

Coexistem dois tipos bem distintos de democracia; um existente


somente no campo das ideias e outro manifesto na realidade das nossas
instituições7.
Como ideia, a democracia é um modelo de governo no qual
todos os cidadãos podem efetivamente participar da construção das
decisões mais importantes da Sociedade, bem como ter acesso livre as
informações que possam auxiliar nessa participação.
Não é difícil demonstrar que esse modelo de democracia, hoje,
não existe em nenhum lugar do mundo e é especialmente distante da
realidade dos países da chamada periferia do mundo, como o Brasil8.
Com efeito, não é segredo, a composição do Parlamento Brasi-
leiro é influenciada decisivamente pelo poder econômico de grandes
empresas, fazendo com que os congressistas representem mais interes-
ses particularistas e menos aqueles pertencentes aos grupos que supos-
tamente representam.
Assim, o modelo de democracia predominante, ou ao menos
o que nos acostumamos a chamar de democracia “é aquele que con-

7 CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. Trad. Fernando Santos.


São Paulo: Martins Fontes, 2013.
8 Não se furta da compreensão que a ideia de democracia é um tipo-ideal no sentido we-
beriano da ideia, portanto, uma espécie de utopia gnosiológica que jamais será encontrada
em sua forma pura na natureza; no mundo fenomênico. O que se quer frisar é que existem
realidades mais ou menos próximas do tipo-ideal, sendo especialmente distantes do modelo
às realidades do sul do mundo.
23
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
sidera que o povo deve ser impedido de conduzir seus assuntos pes-
soais e os canais de informação devem ser rigidamente controlados”
(CHOMSKY, op. cit. p.10).
No entanto, ainda que seja verdade como afirma (HARDT,
2012, p. 9), “a democracia não passou de um projeto inconcluso ao
longo da era moderna”, ainda representa a melhor ideia que a humani-
dade desenvolveu para alcançarmos, finalmente, o início da história9.
A democracia nunca foi tão necessária10
Nesse sentido, a democracia é um “enigma resolvido”, a exem-
plo do que afirma (POGREBINSCHI, 2007, p.56) “aquele que se
sabe ser a solução do próprio problema para o qual aponta”. Portanto,
a solução dos problemas por nós apresentados está na concretização da
ideia de democracia como nunca experimentada.
Um dos objetivos do nosso trabalho é destacar o papel da edu-
cação na construção dessa utopia democrática concreta11 e o outro é
demonstrar a clara ciência dessa hipótese pelo legislador brasileiro ao
longo dos séculos.
As Constituintes brasileiras nunca deixaram de garantir digni-
dade constitucional ao direito à educação, no entanto, as forças po-
líticas jamais se dispuseram realmente a emancipar o homem, ou no
mínimo dar-lhe a oportunidade de por si só libertar-se.
Em última instância, o que há é um uso simbólico político ide-

9 No sentido marxista do fim da exploração do homem pelo homem.


10 A democracia nunca foi tão necessária. Nenhuma outra via permitirá encontrar o camin-
ho que conduz para longe do medo, da insegurança e da dominação que permeia nosso mun-
do [...] nenhuma outra via nos levará a uma vida pacífica em comum. (HARDT; NEGRI,
op. cit. p. 10).
11 O termo utopia concreta é utilizado pelo filósofo alemão Ernst Bloch, em oposição ao
senso comum de utopia como estado irrealizável, meramente fictício (utopia abstrata), para
significar um projeto possível de transformação social, baseado nas condições e contradições
do presente e voltado para a realização de um futuro melhor. BLOCH, Ernst. O Princípio
Esperança. V1. Trad. Nélio Schneider. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2005.
24
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
ológico12 do direito à educação, transformando-o numa eterna pro-
messa postergada indefinidamente no tempo futuro, com a função
de acalmar os ânimos revolucionários que poderiam desestabilizar as
relações de poder.

1 Educação e Democracia: de Rousseau aos nossos dias

A obra mais famosa de Rousseau é, certamente, o Contrato So-


cial, no entanto, o que muitos ignoram é que, conjuntamente a essa
obra, o autor lançou também um tratado sobre a educação chamado
Emílio ou Da Educação.
Essa publicação de obras em paralelo é reflexo da relação intrín-
seca entre política e educação que enxergava Rousseau. Mas, o Emílio
é considerado pelo próprio autor, em suas confissões, como o livro
mais importante que escrevera.
A reflexão sobre educação e política feitas por Rousseau ainda
no Século XVIII remete-se a um passado ainda mais distante, chegan-
do às cidades gregas da antiguidade clássica, por exemplo, por meio
dos escritos de Platão na República.
Na oportunidade é levantado um paradoxo ainda extremamente
atual e relevante, a saber, a impossibilidade de educar-se um cidadão
livre num ambiente extremamente desigual e a necessidade da existên-
cia desses cidadãos livres para o surgimento de uma sociedade justa e
igualitária.
Precisamos multiplicar os cidadãos efetivamente livres para im-
pedir que vontades particularistas se imponham à construção da von-
tade geral.

12 Para um conceito do uso simbólico da Constituição como um todo, ver NEVES, Marce-
lo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 95.
25
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Uma sociedade conduzida e representada por indivíduos alheios
às preocupações públicas, é na verdade, um Estado de mera agregação,
onde cada homem pensa em primeiro lugar em si mesmo, num cons-
tante estado de luta por reconhecimento e dominação. Nesse modelo
de cidade, os homens se relacionariam menos como uma família do
que como inimigos, através dos verbos aceitação, submissão e impo-
sição.
É evidente que as considerações feitas por Rousseau não podem
ser transportadas de seu tempo ao nosso sem as devidas adequações,
os clássicos precisam ser reinterpretados. Dessa forma, a missão dos
Emílios do século XXI é substancialmente diferente da desenvolvida
em seu tratado sobre educação.
A mensagem que queremos passar é clara, [P]olítica implica,
antes de tudo, a educação do homem. Apenas uma população mate-
rialmente educada poderá estabelecer uma sociedade justa.
Portanto, a educação é uma questão extremamente sensível à
política e à democracia. Informa a política pelas razões que já expomos
e é sensível à democracia, pois, é por meio da educação que é formado
o cidadão solidário e corresponsável pela escolha e promoção do bem
comum.
Desde Rousseau até nossos dias essa intrínseca relação nunca
deixou de ser percebida. Na verdade, trata-se de um consenso tão ro-
busto que agrega em torno dele autores de tradições filosóficas opostas.
Feita essa exposição, sobre a intrínseca relação entre um conceito
forte de democracia e um sistema educacional amplo e de qualidade,
passaremos a analisar a evolução das garantias do direito à educação
no Brasil.
Ao fim, pretendemos ter deixado claro que, apesar da proteção
normativa, nunca houve vontade política na concretização do direito
à educação.

26
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
2. Histórico do marco normativo Educacional no
Brasil

O primeiro texto constitucional a tratar em dispositivo próprio


e de maneira direta o direito à educação foi a Constituição do Império
de 1824. Tratava-se de um texto marcadamente anacrônico em função
da tentativa de conciliação de suas influências iluministas e dos privi-
légios das classes dominantes existentes no Império.
O tratamento dispensado à educação é bastante reduzido, trata-
-se, na verdade, da reprodução do pensamento vigente à época, de que
segundo (MALISKA, 2001, P.21) “a educação deveria ficar a cargo da
Igreja e da Família, freando seu potencial transformador”.
A primeira Constituição Republicana (1891) inaugura um novo
sistema político com o fim da monarquia, baseado nos ideais da de-
mocracia, da federação e do fim dos privilégios honoríficos. Ainda que
representasse avanços democráticos em relação ao Império, a literatura
sobre o tema aponta para o fato de que o regime republicano não re-
presentou o fim de um sistema elitista.
Porém, já naquela época, entendia-se a educação como a chave
para o desenvolvimento nacional e conforme (GHIRALDELLI JU-
NIOR, 1996, p. 16) “no bojo dessa discussão emergiu o entusiasmo
pela educação, insistindo na ideia de que os problemas do país só po-
deriam ser resolvidos com a extensão da escola elementar ao povo”.
Durante os anos inicias da Segunda República, a partir de 1930,
o Brasil viveu um dos períodos de maior radicalização política, conse-
quentemente, surgiram diferentes projetos para a organização da polí-
tica educacional, adequados às ideologias conflitantes.
Do ponto de vista da história do constitucionalismo, a Carta
Política de 1934 marca o abandono do constitucionalismo liberal

27
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
das constituições anteriores pelo chamado constitucionalismo social,
inaugurado pelas experiências mexicana (1917) e weimariana (1919).
Nesse sentido, o texto constitucional traz títulos relativos à or-
dem econômica, social e cultural e pretende atuar sobre instituições
como a família, a cultura, a saúde e a educação. Assim, é um docu-
mento de valor histórico substancial.
As evoluções sociais, notadamente no campo normativo, realiza-
das dentro do processo histórico brasileiro republicano são interrom-
pidas durante a experiência fascista nacional, sobre o Governo Vargas
no Estado Novo, quando há um abandono de uma posição garantista
assumida pelo Estado.
Esse é mais um fato histórico que atesta a importância da educa-
ção para a democracia. Assim que se formou um estado totalitário no
Brasil, uma de suas preocupações foi exatamente esvaziar as potencia-
lidades transformadoras de uma educação ampla e de qualidade.
Retomando o caminho da democracia, a Constituição de 1946,
marca do fim do Estado Novo, retoma os parâmetros normativos da
Constituição de 1934, não trazendo maiores inovações.
No entanto, ainda que não traga grandes novidades no campo
normativo, a Constituição de 1946 regia uma conjectura social bas-
tante distinta de sua antecessora republicana. Com efeito, foi durante
sua vigência que houve os debates político-partidários que levaram a
aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
de 1961.
A tomada de poder pelos militares e a instauração de um novo
regime autoritário no país retomaram os traços do Estado Novo e
trouxe graves prejuízos à educação.
A política educacional do regime militar se pautou pela privati-
zação do ensino e repressão aos opositores desse processo. De acordo
com (GHIRALDELLI JUNIOR, op. cit. p. 163), houve “exclusão de

28
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
boa parcela das classes populares do ensino de qualidade, instituciona-
lização do ensino profissionalizante, tecnicismo pedagógico e desmo-
bilização do magistério”.
O legado militar à educação não é positivo. Durante o período
militar, continua o autor acima, o país conseguiu produzir mais de 60
milhões de analfabetos e semiletrados para uma população de mais ou
menos 130 milhões de habitantes.

2.1 O Direito Fundamental à Educação na Constituição Federal


de 1988

É de fácil percepção que a forma e o conteúdo escolhidos pela


atual Constituição não foram criados a partir do nada, e sim, por um
processo cumulativo das experiências pregressas atualizadas ao contex-
to no qual estava imerso o espírito constituinte de 87/88.
O direito à educação é enunciado diversas vezes no atual texto
constitucional, sendo a mais generalista dessas aparições a sua presença
no art. 6º13.
A principal consequência dessa localização topográfica dentre os
direitos fundamentais é a garantia ao direito à educação do seu regime
especial de aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais.
É, no entanto, na regulação da ordem social, numa parte especí-
fica destinada à educação, compreendendo desde o art. 20514 até o art.
214, que a Constituição inova, traçando a mais completa e complexa
proteção da história do nosso sistema educacional.

13 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o


lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
14 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

29
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Vemos retomada a ideia de educação como um direito de todos
e essencialmente dever do Estado. A Sociedade colabora, sendo, por-
tanto, sujeito subsidiário do processo, invertendo-se a lógica aplicada
nas constituições de nossos regimes de exceção.
Ponto essencial é que não se trata de qualquer ensino, mas en-
sino de qualidade voltado ao preparo para o exercício da cidadania.
Nesse ponto, a Constituição reconhece a ligação necessária entre a
educação e o sistema democrático.
O acesso à educação de qualidade propicia o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária, possibilita o retorno do indivíduo
à sociedade dos investimentos feitos em sua formação, agora segundo
(SOUSA, 2010, p. 34) com plena “consciência de sua individualidade,
atrelado a forte sentimento de solidariedade social”.

Considerações finais

Nossa conclusão tem a pretensão de esboçar algumas respostas


para os seguintes questionamentos:
Sendo a preocupação com a educação uma questão de Estado
desde meados do século XIX, quais os motivos para a não concreti-
zação desse direito? O que levou nossas constituições a não lograrem
êxito nos projetos a que se propunham, sendo relegadas a um plano
meramente simbólico? E quais as perspectivas de superação dessa re-
alidade?
Nossa hipótese é que a não concretização de um direito à educa-
ção ampla e de qualidade é do interesse das forças políticas dominantes
no país, visto que favorece a manutenção das relações de poder estabe-
lecidas e mantidas desde o período colonial.

30
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Um aspecto que contribui(u) substancialmente para o fracasso
de nossos projetos constitucionais foi um mau uso do direito pelos
seus operadores ao longo da história.
Nesses termos, atua sobre todo o campo do direito, desde sua
ciência e ensino até a sua prática, uma força ideológica que, travestida
de suposta neutralidade na aplicação do direito e alicerçada num posi-
tivismo normativista, favorece a manutenção das relações de poder15.
A prática forense é partícipe na falta de concretização do tex-
to constitucional, porque segundo (MÉSZAROS, 2004, p. 57), “essa
atuação há muito se tornou um fazer simplesmente tecnológico, des-
politizado e exercido com total indiferença pelos critérios éticos de
justiça”.
Uma possível resposta para as questões levantadas e superação
dessa perversa realidade é o resgate da categoria da utopia16 no estudo
do direito, como ferramenta de preparação de uma nova prática jurí-
dica, capaz de contribuir positivamente com a transformação social.
Não se trata aqui, no entanto, da tradicional compreensão de
utopia como um estado irrealizável, meramente ficcional, mas uma
concepção de uma utopia concreta, desenhada a partir da realidade e
suas contradições e projetada para as possibilidades efetivas do presen-
te no futuro17.

15 Em nossa cultura liberal-conservadora o sistema ideológico socialmente estabelecido e


dominante funciona de modo a apresentar – ou desvirtua – suas próprias regras de seletivida-
de, preconceito, discriminação e até distorção sistemática como ‘normalidade’, ‘objetividade’
e ‘imparcialidade científica’. MÉSZAROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitem-
po, 2004, p. 57.
16 À ideologia opõe-se a utopia, forma de pensamento que corresponde aos interesses das
classes subjulgadas, tendo por objetivo não só justificar as pretensões desta classe, como tam-
bém revelar e destruir as bases sociais em que se alicerça a ideologia COELHO, Luiz Fernan-
do. Saudade do futuro: transmordenidade, direito e utopia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 198.
17 MASCARO, Alyson. Utopia e direito: Ernst Bloch e a ontologia jurídica da utopia.
São Paulo: QuartierLatin, 2008, p. 114.
31
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
É nesse sentido que compreendemos a Constituição de 1988
como uma utopia concreta. Enquanto fragmento histórico ela é sín-
tese da mais atual redemocratização brasileira, que encerra em si um
ideal de sociedade centrada na redução das desigualdades socioeco-
nômicas e na promoção e defesa da dignidade da pessoa humana. No
entanto, visto que ainda não foi realizada é um ser-ainda-não, porém,
baseada nas possibilidades reais do seu tempo.
O papel da educação é central nessa questão, uma vez que se tra-
ta de uma espécie de meta-direito que capacita o cidadão a ser sujeito
histórico na luta de outros direitos por meio do exercício preparado
da democracia.
Nesse contexto, acreditamos que os operadores jurídicos, atuan-
do na concretização do texto constitucional, sobretudo na realização
de uma educação nos termos propostos pela própria Carta, contribui-
riam na aproximação dos simulacros de democracia existentes com
aquela - tipo-ideal - de democracia baseada numa concepção de real
participação do povo no processo de tomada de decisões.

32
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Referências

BLOCH, Ernst. O Princípio Esperança. V1. Trad. Nélio Schneider.


Rio de Janeiro: EDUERJ, 2005.
BURGELIN, Pierre. Prefácio do contrato social. São Paulo: Marins
Fontes, 2003.
CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação.
Trad. Fernando Santos. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro: transmordenidade,
direito e utopia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2014.
_______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2012.
GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História da educação. 2. ed. São
Paulo: Editora Cortez, 1996.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e
democracia na era do império. Trad. Clóvis Marques. 2. ed. São
Paulo: Record, 2012.
MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social.
2 ed. São Paulo: Atlas, 2009
MALISKA, Marcos Augusto. O direito à educação e a
Constituição. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2001.
MASCARO, Alyson. Utopia e direito: Ernst Bloch e a ontologia
jurídica da utopia. São Paulo: QuartierLatin, 2008.
MÉSZAROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo,
33
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
2004.
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
POGREBINSCHI, Thamy. O enigma da democracia em Marx. In:
RBCS, vol. 23, nº 63, pgs. 56-67, fev. 2007.
SOUSA, Eliane Ferreira de. Direito à educação: requisito para o
desenvolvimento do país. São Paulo: Saraiva, 2010.

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
A LUTA DE MANOEL DANTAS PELA INSTRUÇÃO
PÚBLICA DO SERIDÓ (1889)

Isabela Cristina dos Santos Morais


Grinaura Medeiros de Morais

Introdução

O artigo reflete a instrução pública através de Manoel Dantas,


um intelectual que em suas ações manifestava os ideais quanto à im-
portância da educação para o povo seridoense. Esta escrita objetiva
compreender e identificar quais eram as tradições e costumes desse
povo, como era tratada a educação nessa época; como estavam organi-
zadas as escolas existentes nesse período e qual era o ideal pedagógico
que inspirava o modelo educacional da época.
Enquanto redator do jornal caicoense: O Povo, Seridó que es-
teve em circulação de 1889 até 1892, Manoel Dantas vem constatar
para as gerações atuais que o direito somente se torna realidade quando
lutamos por ele e que não basta estar positivado na perspectiva da lei.
Essa demonstração de luta está presente na consistência dos seus ideais
a favor da instrução pública, fervorosamente defendida pelo articulista
que batalhou exaustivamente pelo seu ideal colocando no papel a sua
opinião enquanto cidadão defensor da educação, enfrentando assim,
os conservadores da época que eram contra a implementação da ins-
trução pública e não consideravam importante a valorização da educa-
ção, além de tratar com descaso à população do Seridó, subestimando
a sua capacidade e inteligência para aprender e ignorando os benefícios
que proporciona ao país uma sociedade instruída, que tem como base
de sua formação, o conhecimento.

35
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Desenvolvimento

Manoel Gomes de Medeiros Dantas nasceu na zona rural de


Caicó/RN, mais especificamente na fazenda Riacho Fundo no dia 26
de Abril do ano de 1867. Seus pais eram Manoel Maria do Nascimento
Silva e Dona Maria Miquelina Francisca de Medeiros, os quais faziam
parte das famílias tradicionais do Seridó, descendentes do português
Tomáz de Araújo Pereira, um dos antigos colonizadores da Região do
Seridó. Foi casado com Francisca Bezerra Dantas, filha do Coronel
Silvino Bezerra que era chefe Liberal de Acari.
Era comum em meados do século XIX os fazendeiros mais
abastados enviarem seus filhos para estudar na capital. Dantas não
fugiu a esta regra, indo para Recife e formando-se bacharel em Ci-
ências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife no ano
de 1890. Na época em que adquiriu o título de bacharel, o contexto
social vigente era a transição do regime monárquico para a república.
Nessa época fervilhavam na mente de jovens como Manoel Dantas
(com 23 anos de idade), os ideais que o impulsionaram a assumir uma
postura de militante dos ideais políticos republicanos.
Ao regressar para Caicó, Dantas foi convidado por Olegário
Vale e Diógenes da Nóbrega para atuar como redator no jornal O
Povo, que foi por eles fundado no ano de 1889. A partir da fundação
desse jornal18, começa a professar suas ideias a convite19 de Olegário

18 No dia 9 de março de 1889 surgia no Caicó, então cidade do Príncipe – cidadezinha per-
dida nos confins da Província do Rio Grande do Norte – um jornalzinho intitulado O Povo.
De tiragem semanal, pertencia ao Sr. Renaud. Tinha o seu escritório em um sobrado, à Praça
Dinarte Mariz. Como redatores do jornal figuravam as pessoas de Diógenes Celso da Nóbrega
e Olegário Gonçalves de Medeiros Vale. Àquele ano, Diógenes Nóbrega contava apenas 28
anos e Olegário Vale 31. A partir de 15 de junho daquele ano, juntou-se ao corpo redacional o
moço Manoel Gomes de Medeiros Dantas, um jovem de apenas 22 anos de idade. (Medeiros
Filho apud SANTOS, 2006, p.11).
19 Convidado para tomar parte na redação do <<Povo>> sinto, nas condições aflictivas em
que estou, ver-me inibido de contribuir presentemente com o nosso pequeno concurso para
36
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Vale e Diógenes da Nóbrega.
Nesta passagem percebe-se o conteúdo político com que este
profere as suas palavras para o jornal O Povo. Dantas fala a respeito
do baque de uma instituição. Com isto, ele refere-se ao fim do regi-
me monárquico e a ascensão da república que viria para restaurar os
problemas causados pela monarquia. Sua preocupação em cuidar do
país é evidente, para fortalecê-lo diante das mudanças que estavam
acontecendo naquele contexto.
Inicialmente, Dantas começa a escrever poesias no jornal assi-
nando com pseudônimo, mas logo a seguir escreve artigos extensos
em defesa da instrução pública e do partido liberal, o futuro partido
republicano do qual fazia parte e comungava dos mesmos ideais. Sobre
a instrução pública este declara:
Tratamos no n. 15 da instrução publica, geralmente, em
relação à todo paiz, agora vamos encaral-a em relação à
nossa província, que pode ter tudo menos um systhema de
ensino regularmente organisado. Se achamos a instrucção
publica atrazada e deficiente em outros pontos do paiz em
que existe um arremedo de systhematisação do ensino, em
nossa provincia não podemos fazer numa analyse precisa
porque o terreno foge-nos debaixo dos pés. Quaes as causas
desse atrazo, não podemos por ora apreciar, porque para
fase-lo, seria preciso enveredar pela serie de tentativas e
desastres, que levaram a província ao estado actual que
pouco dista dos tempos de sua independencia.

Não contestamos que tem havido boas intenções de


melhorar o ensino, mas isso não passa de aspirações de

o bom exito de nossa empreza. É tanto mais isso me é sensível quando desejava por-me ao
lado dos que combatem em prol das idéas liberaes e do progresso, advogando os interesses do
povo e trabalhando pela nossa regeneração. Atravessamos na época actual um periodo difficil
de reconstrução, no qual cada individuo deve assumir uma posição decidida, e promover,
quanto... (DANTAS, 1889, p.5).

37
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
algum espirito bemfazejo que vê-se logo supplantado pela
especulação política e partidária que tem sido sempre o
criterio porque se julgam as questões de ensino entre nós.
(DANTAS, 1889, p.1).
Manoel Dantas denuncia a situação precária e praticamente
inexistente de um sistema de ensino organizado na província, denun-
ciando ainda a forma como a política partidária influenciava de forma
negativa as questões relacionadas ao ensino. Em outro fragmento de
seu texto sobre a Instrução Pública no ano de 1889, afirma que:
Ha muitos annos que existe uma lei provincial, creando
uma Escola Normal, e, no entanto deixou-se esquecido esse
melhoramento, e continuam as vagas no professorado a ser
preenchidas por meio de concursos, nos quaes triumpham, não
aquelles que exhibem melhores provas de seu adiantamento,
mas aquelles que levam melhores recomendações.

Nada disto pode continuar.

A provincia tem um patrimonio moral encerrado no ensino


primario e secundario para cuja conservação dispende não
pequena somma de seus rendimentos, e é preciso não só
conservar esse patrimonio, como augmental-o cada vez
mais.

O ensino secundario é representado pelo Atheneu Norte


Rio Grandense, onde ensina-se de modo incompleto o
curso geral de humanidades.

Alem de ali não haver cadeiras de principios de sentencias


physicas e naturaes, e de linguas como o allemão e o italiano
hoje exigidas para a matricula em algumas Faculdades,
nas aulas, que funcionam, não existem os apparelhos
indispensaveis para o ensino pratico, o que é altamente
censuravel e deprimente contra os creditos da provincia.
(DANTAS, 1889, p.1)
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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
O articulista assume a sua indignação quanto à falta de compro-
misso para com a instrução pública, sobre a lei que assegura os direitos
desta e denuncia o “apadrinhamento”, ou seja: os cargos de professor
eram ocupados como o próprio Dantas diz, não pelo currículo do
candidato ou pelo seu desempenho, mas sim pelas recomendações que
estes apresentavam. Em decorrência disso muitas vezes os cargos eram
ocupados por pessoas que não estavam aptas a exercer a função de
professor.
O resultado dessas ações refletia de maneira desastrosa no ensino
da província, uma vez que, devido a maioria dos responsáveis incum-
bidos para exercer a função de professor não possuir uma formação
adequada para tal, não conseguiam colaborar de maneira significa-
tiva para a Instrução Pública. Dantas recomenda que é preciso além
de conservar o ensino já existente que resumia-se ao nível primário e
secundário, aumentar a oferta deste ensino, expandindo-o cada vez
mais.
Ainda sobre o mesmo fragmento do texto acerca da instrução
pública o articulista faz uma apologia ao Atheneu norte-rio-grandense
situado na cidade de Natal/ RN, como sendo este o único represen-
tante do ensino secundário, porém tratando de maneira incompleta o
curso geral de humanidades. Além da ausência de cursos de ciências
físicas e naturais, faltava ao Atheneu oferecer cursos de línguas estran-
geiras como o italiano e o alemão, assim como materiais para o ensino
prático. Para ele era preciso que fosse feito um maior investimento na
educação e também nos profissionais capacitados para tal.
Ao passo em que nos dias atuais a língua estrangeira mais in-
fluente é o inglês e cada vez mais aumenta o índice de pessoas que
buscam aprendê-la para enriquecer o seu currículo, no início do século
XX, os idiomas que eram exigidos como requisito para realizar matrí-
culas em alguns cursos eram o Italiano e o Alemão.

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
A instrução pública deve ser o pilar de sustentação de uma so-
ciedade. Com essa crença e atitude ele consegue desenvolver um ideal
de envolvimento do povo quanto a reconhecer a instrução como um
bem precioso do qual devemos cuidar e lutar para a sua realização. Em
seu trabalho monográfico sobre Manoel Dantas, a autora Maria José
do Nascimento afirma que:
Manoel Dantas abalizado por uma fé pedagógica, inspirado
nas luzes da razão, acreditava que a imprensa e a escola seriam
os meios estratégicos para convencer e seduzir a população para
o processo de modernização e de republicanização. Assim, a
população educada seria libertada da opressão obscurantista
em que vivia e passaria a compreender os seus direitos, pois de
acordo com o jornal O Povo explorado por Almir de Carvalho
Bueno, Manoel Dantas ressaltava em seus escritos que
“precisamos de ideias práticas e realizáveis; sobretudo educar o
povo ignorante e fazê-lo melhor compreender os seus direitos
(NASCIMENTO, 2012, p. 21)”.
Ao assumir a postura de um defensor da instrução pública atra-
vés do jornal, Dantas almejava atingir com maior abrangência boa
parte da população, despertando o interesse em lutar por seus direitos
e reconhecer-se enquanto cidadão que necessitava de educação para
evoluir, além de reconhecer que a instrução deveria ser a base de uma
sociedade. Assim, ele lutava com a melhor das armas. A inteligência,
os ideais esclarecidos e futuristas que o faziam enxergar o Seridó muito
além do que outras pessoas conseguiam ver.

Considerações finais

Ao concluir este artigo realçamos a contribuição de Manoel


Dantas para a valorização e implementação da Instrução Pública do

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Seridó na transição da monarquia para a república. Quiçá tenha sido
pelo clima de mudanças que assolava o país, onde a república ganhava
força e galgava os seus primeiros passos como novo regime político um
dos principais fatores que inspirou Manoel Dantas a lutar pelos seus
ideais.
Além do clima de mudanças e a renovação de ideias, pode-se
observar que o descaso que o regime político vinha tratando até então
o povo do Seridó, revoltava Manoel Dantas, que diante de tal situação
viu-se na qualidade de responsável por incentivar a população através
de seus artigos a conhecer os seus direitos, refletindo a sua opinião à
luz da intelectualidade concedida pela sua formação em bacharel em
ciências jurídicas e sociais, que contribuía para que ele se envolvesse
com os ideais políticos da época, aliando-se ao partido liberal, para
militar a favor um país melhor, cuidando primeiramente da instrução
da sua província.
Pode-se dizer sem preocupação alguma de estar cometendo exa-
geros, que, Manoel Dantas foi um dos maiores representantes do Se-
ridó na defesa pela instrução pública e que lutava para expandir cada
vez mais o acesso ao ensino. Como foi citado ao longo desse texto, a
educação deve ser a base; o pilar da formação de uma sociedade. Dan-
tas conhecia bem a importância da instrução e os benefícios que essa
traria para a população do Seridó.

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Referências

DANTAS, Manoel. Meus Amigos. O Povo. Cidade do Príncipe.


1889a,p.5.
DANTAS, Manoel. Instrucção Pública II. O Povo. Cidade do
Príncipe. 1889b, p. 1.
NASCIMENTO, Maria José de Medeiros. MANOEL DANTAS:
entre a escrita e a reescrita da história. Caicó, 2012. (Monografia
apresentada ao Curso de Pós- Graduação em História do Brasil,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
SANTOS, Ana Cristina Medeiros dos. Olavo de Medeiros Filho:
a escrita da história desvendando uma escrita de si. (Caicó, 2006.
Monografia de bacharelado e licenciatura em história, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte).

42
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
O ENSINO DE HISTÓRIA DA LITERATURA
NO IMPÉRIO: APONTAMENTOS SOBRE
AS HISTÓRIAS LITERÁRIAS DE CÔNEGO
FERNANDES PINHEIRO (1825-1876).

Carlos Augusto de Melo

Introdução

Era de se esperar que o historicismo nacionalista fosse adotado


nas Instituições de ensino como vinha acontecendo em vários espaços
culturais da época. Todavia, na história do ensino literário brasileiro,
constata-se um verdadeiro atraso nessa questão. A história da litera-
tura frequentou os programas escolares apenas no início da segunda
metade do século XIX. O Colégio Pedro II concede, em 1858 e 1859,
o “espaço ao historicismo – a ementa do sétimo ano diz com todas as
letras: história da literatura portuguesa e nacional” (SOUZA, 1999, p.
33). É de supor que essa situação ocorreu nos demais estabelecimentos
de ensino brasileiros, uma vez que esse colégio era modelo aos outros
das províncias do país.
A presença da história da literatura ocorreu apenas pela neces-
sidade nacionalista de ensino da literatura do país. Se, na nossa atua-
lidade, a presença da literatura portuguesa nas grades curriculares da
educação brasileira pode gerar desconforto, no período imperial quase
beirou à normalidade quando se avaliam as condições do pensamento
dos historiadores nacionalistas. No século XIX, o nacionalismo brasi-
leiro esteve condicionado às fontes de poder monárquico que carrega-
vam em si os valores da tradição monárquica portuguesa e os instintos
de civilização europeus, ditando os modelos de nação a seguir.

43
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
O espírito nacional foi despertado na população brasileira –
principalmente nos seus representantes intelectuais, porém se manteve
atrelado às bases disciplinares e ideológicas do Estado que cultivou um
determinado tipo de valorização nacional, cujos parâmetros relacio-
nam-se ao conservadorismo e à unidade, fazendo crer no que Ernest
Gellner acredita ser o nacionalismo “un princípio político que sostiene
que debe haber congruencia entre la unidad nacional y la política”
(GELLNER, s/d, p. 13). Essa situação diz respeito à forma política
conservadora e constitucional do Império Brasileiro.
Diante disso, parece ser natural o cultivo do estudo da literatura
lusitana, principalmente no Colégio Pedro II, estabelecimento com
evidente selo da política imperial. A estruturação do ensino naciona-
lista e historicista ficou atrelada a esse posicionamento conservador
dos intelectuais brasileiros que levavam em conta o condicionamento
do saber às medidas de solidificação das bases. A permanência dessa
história da literatura “luso-brasileira” simbolizava a integração de um
suposto passado e o presente nacional unificados do ponto de vista
cultural:
A literatura... crêmo-la nós um resultado das relações de um
povo; é um efeito cuja causa são os sentimentos cordiais,
muitas vezes gerais, de ordinário muito peculiares e algumas
vezes até excêntricos à vista das outras, como em relação
à poesia européia os poemas chins, à vista dos dramas
Schillerianos as tragédias índias (AZEVEDO, 1942, p.
339).
A crítica de Álvares de Azevedo insere-se nas questões valorativas
de que, no passado literário, antes do século XIX, as relações com os
aspectos nacionais tornaram-se bastante controversas pela formação de
seus intelectuais que se relacionam com a cultura portuguesa.
Na expressão “literatura nacional”, o termo “nacional” adqui-
ria uma concepção mais abrangente, porque a ideia de nação não se
44
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
restringe aos aspectos restritos da “brasilidade”. Envolvem-se questões
ideológicas e práticas que dizem respeito ao sistema natural do poder
instituído e da necessidade urgente de nacionalização do país. As fron-
teiras nacionais se ampliam por conta da necessidade de manter vín-
culos com um passado nacional em que a “nação brasileira” mescla-se
com a “nação portuguesa”. A unidade nacional comprova-se a partir
da valoração do elo entre língua, laços sanguíneos e culturais, princi-
palmente. Nesse caso, a colocação, por exemplo, de escritores como
Sá de Miranda e Camões no quadro “dos autores cômicos do grande
século da nossa literatura” (PINHEIRO, 1978, p. 102-103), torna-se
frequente e natural aos historiadores da literatura à época.
O estudo conjunto da literatura brasileira e portuguesa pode
ser visualizado como uma prática discursiva de destacar o processo de
independência literária brasileira. A análise comparativa insere numa
tentativa de acompanhar a formação progressiva dos “traços” nacionais
presentes na expressão literária do Brasil. O objetivo dos historiadores
da época era despertar nos estudantes de literatura o sentimento de
nacionalidade que se liga proporcionalmente ao surgimento do senti-
mento de “brasilidade”.

As histórias literárias do Cônego Fernandes Pinheiro

O Curso Elementar de Literatura Nacional (1862), de Cônego


Fernandes Pinheiro, foi projetado para servir de manual didático na dis-
ciplina de “Literatura Nacional” da turma do sétimo ano do Colégio de
Pedro II daquele período. O autor estava certo de seu pioneirismo. Em
“Ao leitor”, espécie de prefácio à obra, ressalta o lugar da obra20:

20 Nas citações, mantive a grafia das palavras e a estrutura sintática originais das fontes
oitocentistas consultadas.
45
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Não temos a vaidade de crer que completo seja o nosso trabalho;
é de suppor que tenha defeitos, originados uns da nossa
insuficiência, e outros da estreiteza do plano que abraçamos,
tendo em attenção a multiplicidade de matérias que estudam
os alumnos do setimo anno do referido collegio, para os quaes
principalmente o escrevemos. Consola-nos, porém a persuasão
de sermos o primeiro a realisar um pensamento que, quando
aperfeiçoado, será de grande vantagem para a juventude
(PINHEIRO, 1883, p. VII).
Esse compêndio foi dividido em quarenta e três lições, nas
quais trabalham o conteúdo específico do programa de ensino do
Colégio Pedro II. Nas duas primeiras lições, o autor concentra-se em
fazer um panorama histórico sobre as origens da língua portuguesa e
mostrar o conceito e divisão da literatura. As outras restantes analisam
diretamente as produções literárias. A segunda lição torna-se essencial
para o entendimento do pensamento histórico-literário do Cônego
Fernandes Pinheiro, uma vez que nela se obtém o conceito de nacio-
nalidade e a explanação do tipo de periodização utilizado no acom-
panhamento historicista do desenvolvimento literário nacional. O
Cônego adota uma periodização (vide quadro 1) baseada nas fases po-
líticas de Portugal ao encarar a literatura portuguesa e brasileira, tendo
como modelo o método do escritor Borges de Figueiredo, publicado
no livro “Bosquejo histórico da literatura clássica, grega, latina e por-
tuguesa”, o qual divide em cinco fases da literatura portuguesa: infân-
cia (1140-1279), adolescência (1279-1495), virilidade (1495-1580),
velhice (1580-1750) e renascimento (1750-1826). A única diferença é
que há o acréscimo de uma nova fase, a reforma, que marca a inaugu-
ração da escola romântica “em Portugal pelo exímio poeta visconde de
Almeida Garrett, e no Brazil pelo Sr. Dr. J. Gonçalves de Magalhães”
(PINHEIRO, 1883, p. 11), respectivamente, nos anos de 1826 e 1836
até a atualidade do autor. Nessa fase, percebem-se duas modificações

46
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
importantes: a primeira diz respeito ao fato de que a periodização dei-
xa de acompanhar a evolução da literatura por meio dos momentos
políticos da Metrópole. O evento literário é considerado independente
dos períodos políticos; a segunda marca o estudo da produção literária
brasileira independente da portuguesa, antes encaradas como coirmãs.
O conceito de literatura revela forte predomínio dos códigos
retóricos e poéticos de formação clássica, baseado na ideia de belas-
-letras. Outra característica da obra que revela a influência da retórica
seria a análise literária por gêneros poéticos. No Curso de literatura
nacional, o professor fluminense analisa os escritores e as respectivas
obras dentro da sua representação em cada gênero ou aspecto poético.
Os gêneros dividem-se em lírico, didático, épico e dramático; roman-
ce; diálogos; oratória; epistolografia, biografia, historiografia e viagens.
Aos dois primeiros, acrescenta-se uma subdivisão em espécies.
Cônego Fernandes Pinheiro enquadrou toda a produção lite-
rária brasileira colonial como pertencente à literatura portuguesa, se-
guindo os parâmetros do pensamento historiográfico lusitano. A inde-
pendência literária estava ligada apenas à originalidade dos escritores,
que, para ele, não se verificava antes do romantismo brasileiro.
Cônego Fernandes Pinheiro demonstra que a falta de originali-
dade de nossos brasileiros deve-se, em parte, à educação portuguesa,
enfim, europeia. A educação orientava-os a imitar os modelos literá-
rios já preestabelecidos pelas matrizes, afastando-os do caminho que os
levaria a obter uma literatura original e própria. A questão da origina-
lidade da literatura, no Curso de literatura nacional, é o fator decisivo
para distinguir a literatura brasileira da literatura portuguesa.
O autor admite uma literatura nacional a partir do momento
em que se observa, nas produções literárias de nossos brasileiros, o
“cunho original”. Ser original é possuir ideias próprias, independentes
das influências das matrizes europeias, alcançadas por meio da habili-

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
dade e da maturidade de cantar as “coisas pátrias”, principalmente, a
natureza brasílica. O marco é Domingos José Gonçalves de Magalhães
com seus Suspiros poéticos e Saudades, no qual o “sentimentalismo de
Lamartine, a suave melancolia de Chateaubriand, a vigorosa imagina-
ção de Lord Byron, ou de Victor Hugo, as graves e profundas cogita-
ções de Schiller e de Goethe, se acham reunidos neste livro, precioso
talismã dos novos romeiros” (PINHEIRO, 1978, p. 498).
O cânone literário brasileiro, desenhado nas páginas do Curso,
enquadra o poeta Manoel Botelho de Oliveira como o primeiro poeta
brasileiro e aparece na quarta época como representante do gênero líri-
co, mais especificamente da posição das produções das espécies líricas.
Há, também, a figura de Gregório de Mattos, o escritor da espécie sa-
tírica. Depois, na quinta época, o quadro dos nomes aumenta quando
são estudados os nomes de Sebastião da Rocha Pitta, Antônio Pereira
de Souza Caldas, Tomás Antônio Gonzaga, Manoel Ignácio da Silva
Alvarenga, José Basílio da Gama e Santa Rita Durão.
Na última lição, aparecem os nomes canônicos do Romantismo
que, posteriormente, estariam na maioria das histórias literárias bra-
sileiras. São eles: Gonçalves de Magalhães, Porto-Alegre, Gonçalves
Dias, Teixeira e Souza, Joaquim Norberto, Joaquim Manoel de Ma-
cedo, Dutra Melo, Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Pereira da
Silva, Varnhagen, João Francisco Lisboa.
O método de análise historiográfica de Cônego Fernandes Pi-
nheiro consistiu no “princípio básico da exaltação nacionalista das ex-
pressões brasileiras com relação às fontes europeias. Os critérios eram,
portanto, a diferenciação e a afirmação de autonomia.” (BARBOSA,
2003, p. 28). Mesmo analisando a produção brasileira do período co-
lonial conjuntamente com a portuguesa, depreende-se do discurso do
Cônego, por diversas vezes, um esforço em salientar que a literatura
brasileira caminhava em rumo a sua emancipação.

48
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
A escolha em colocar escritores lusitanos e brasileiros, lado a
lado, oferece muitas vezes a sensação de uma proposta de compara-
ção que destaca o processo de desligamento literário dos últimos em
relação aos primeiros. A preocupação em destacar o despontar de uma
literatura autônoma e diferente permeará por completo o discurso crí-
tico do Cônego Fernandes Pinheiro, desde a exposição da obra lírica
de Botelho de Oliveira, como já vimos, até análise de trabalhos de um
Basílio da Gama e Santa Rita Durão.
Em Caldas, Cônego Fernandes Pinheiro lamenta que seja “tal-
vez este o único lugar das Poesias de Caldas em que se reflete o céu
brasileiro, em que vigorosamente desenhada se vê a cor local, que tan-
tas vezes abrilhanta as páginas de Durão, Basílio da Gama e S. Carlos”
(PINHEIRO, 1978, 302). Cláudio Manoel da Costa é reconhecido
pela sua beleza poética, mas que deixou “escapar um pensamento pa-
triótico, tão imbuído se achava ele na leitura dos seus caros italianos,
tornando-se por demais europeu em suas imagens, o que lhe exprobra
o Sr. Ferdinand Denis” (PINHEIRO, 1978, p. 369). Destaca-se a in-
diferença de Gonzaga pela “natureza americana” e lastima a “falha” do
brasileiro, uma vez que lhe atribuía grande capacidade poética para a
inauguração de “uma escola nova”.
Por outro lado, Cônego Fernandes Pinheiro destaca a partici-
pação de outros escritores que produziram poemas brasílicos, como
foram: José Basílio da Gama e a sua obra o Uraguai; Fr. José da Santa
Rita Durão, com o Caramuru que “é o segundo poema épico que
contam as letras brasileiras” (PINHEIRO, 1978, p. 391) e, também, o
Fr. Francisco de São Carlos e a Assunção “um poema eminentemente
nacional; um desses poucos monumentos que nos legou a geração pas-
sada para a formação da nossa literatura” (PINHEIRO, 1978, p. 444).
Se a escolha dos brasileiros da fase colonial baseia-se inteiramen-
te em critérios de identificação de traços que denunciam o processo

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
de abnegação dos modelos europeus ou falta deles, a seleção canônica
dos românticos brasileiros liga-se à perspectiva de afirmação de auto-
nomia. Todos os escritores românticos selecionados necessariamente
apresentam o cunho de originalidade que os diferencia totalmente dos
seus “compatriotas” de além-mar. Por exemplo, Gonçalves de Maga-
lhães pertence ao quadro de escritores brasileiros, pois Confederação
dos Tamoios reflete “nestes versos a natureza basílica, e ninguém ao
lê-los poderá duvidar da nacionalidade do poeta. Tudo aqui é nosso;
os assuntos, os nomes, as comparações, as imagens, tudo é americano.
É com produções desta ordem que incontestavelmente firmaremos a
nossa independência literária” (PINHEIRO, 1978, p. 499). Exalta a
originalidade de outros poetas, colocando em destaque, a produção
poética de Joaquim Norberto de Souza e Silva, “de quem faríamos o
elogio, se ele disso houvesse mister, e se pelos estreitos laços da mais
fraternal amizade não estivéssemos a ele ligado”.
O esboço historiográfico sobre literatura brasileira romântica
mereceu ampliação no livro décimo, “Literatura luso-brasileira”, do
Resumo de história literária (1873). O autor conserva a conceituação
sobre a literatura produzida no Brasil. Ele continua a afirmar que ela
“é um garfo do tronco portuguez, um ângulo que se afasta do seu
vertice, à proporção que se distancia a epocha do descobrimento e
colonisação, e pela força das causas que modificão à indole e os costu-
mes dos dois povos coirmãos” (PINHEIRO, 1873, p. 9). Conforme
assegurou Virgínia Cortes de Lacerda, há “entre o Curso Elementar de
Literatura Nacional (1862) e o Resumo de História Literária (1873)
grande progresso, revelado, sobretudo, numa posição mais autônoma,
relativamente à literatura produzida no Brasil, posição que sabemos
ser um resultado da própria índole nacionalista do romantismo” (LA-
CERDA, 1958, p. 223-224).

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
O Resumo de história literária, publicado em dois volumes,
configura-se como uma história da literatura universal, onde se encon-
tra um estudo panorâmico da representação das literaturas. O autor
não revela à qual disciplina do Colégio Pedro II esteve direcionado.
É possível que tenha sido escrito para o uso nos cursos de “História
da Literatura em geral e especialmente da portuguesa e da nacional”
(1870-1876) e de “Literatura” (1877-1878), por conta do conteúdo
da obra, que reflete de perto as mudanças de caráter universalista do
programa curricular das disciplinas literárias do colégio. A comprova-
ção se tornou impossível pela lacuna nos registros do Colégio e, prin-
cipalmente, pela falta de referência nominal dos compêndios adotados
nas documentações existentes desse período. Por outro lado, é quase
certo de que a sua adoção oficial ocorreu na disciplina de “Português e
História Literária” da turma do sétimo ano de 1882, uma vez que na
sua ementa declare-se que o livro a ser utilizado seria “Postillas do pro-
fessor (em falta de compendio); Historia litteraria: conego Fernandes
Pinheiro” (SOUZA, 1999, p. 187).
O Resumo conserva os laços didáticos de exposição do evento
literário nacional, com o resumido sistema de apresentação autor e
obra, no qual há exaltação retórica das qualidades e dos defeitos. No
segundo volume, a literatura nacional é sistematizada, sem ser analisa-
da conjuntamente com a literatura portuguesa. Há uma nova perspec-
tiva de periodização, baseada em denominações diretamente ligadas à
evolução literária nacional e aos limites seculares: a formação, compre-
endendo os séculos XVI e XVII, o desenvolvimento, o século XVIII
e, por fim, a reforma, o século XIX. O terceiro período subdivide-se
em mais três épocas distintas sob a égide dos fatos históricos do país.
É interessante que Cônego Fernandes Pinheiro reconhece a fra-
gilidade da adoção mecanicista de periodização, pela delimitação dos
séculos. Essa perspectiva histórica antecipa os questionamentos dos

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
historiadores da literatura posteriores em relação a metodologias his-
toriográficas que delimitam a expressão literária:
Adoptando a divisão por periodos litterarios nas ordens dos
seculos não desconhecemos a incongruencia de semelhante
classificação, visto como prolongão-se indeterminadamente
no seguinte as ideias dominantes no anterior, não se sabendo
ao certo quando acabão as antigas, nem se podendo fixar o
ponto de partida das novas ideias. Na deficiencia, porém
de melhor methodo seguimos o mais geralmente praticado
pelos que nos hão precedido na senda, que ora timidamente
trilhamos (PINHEIRO, 1873, p.418-419).
No que concerne à ilustração dos autores e obras e à formação
do cânone literário nacional, há o acréscimo significativo de nomes.
Na fase colonial, estão Bento Teixeira, Manuel de Moraes, Eusébio
de Mattos, Antônio de Sá e os já consolidados Gregório de Mattos e
Botelho de Oliveira.

Considerações finais

Cônego Fernandes Pinheiro adota o método de história literária


que define como enumeração e rapida analyse das producções litterarias
(PINHEIRO, 1973, p. 9) Ele analisa as obras citando opiniões de
críticos românticos da época, como Torres-Homem e Gonçalves de
Magalhães, em defesa da emancipação literária. A literatura brasileira
é contemplada de vários modos, por exemplo, a poesia (lírica, épica,
dramática), a prosa, a filologia, o jornalismo (político e literário), a
memória, a história, a biografia, etc. Essa ampliação deve-se à concep-
ção ampla acerca da literatura como sendo o conjuncto das produções
escriptas d’um paiz e durante uma epocha, ou de todos os paizes e em todas
as epochas (PINHEIRO, 1873, p.9).
52
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
O cônego foi um dos intelectuais brasileiros mais interessados
pelo ensino da história da literatura nacional. Essas histórias literárias
demonstram o seu esforço de reconstituir a história do capital literário
nacional para a construção do sentimento de nacionalidade nos jovens
estudantes brasileiros. Nesse sentido, são obras importantes que con-
tribuíram para a formação da história da educação literária no Brasil.

53
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Referências

AZEVEDO, A. Literatura e civilização em Portugal: duas palavras.


In: ______. Obras Completas. Vol. 2 São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1942.
BARBOSA, J. A. A biblioteca imaginária. São Paulo: Ateliê, 2003.
GELLNER, E. Naciones y nacionalismo. (trad. de Javier Setó)
Madrid/Buenos Aires: Alianza Editorial, s/d.
LACERDA, V. C. Reivindicações críticas em torno da obra do
cônego Fernandes Pinheiro. Revista Trimestral do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Departamento de
Imprensa Nacional, vol. 240, julho-setembro, 1958, p. 223-224.
PINHEIRO, J. C. F. Curso de literatura nacional. Rio de Janeiro:
Cátedra; Brasília:INL/Ministério da Educação e Cultura, 1978.
_______.Curso elementar de literatura nacional. Rio de Janeiro:
Garnier, 1883.
_______. Resumo de historia litteraria. Rio de Janeiro: B. L.
Garnier, t. II, 1873.
SOUZA, R. A. de. O império da eloquência: retórica e poética no
Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: EDUERJ: EDUFF, 1999.

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
SAÚDE PÚBLICA E ODONTOLOGIA: A
QUALIDADE DE SERVIÇOS DE MÉDIA E ALTA
COMPLEXIDADE SOB A PERSPECTIVA DOS
DIREITOS HUMANOS

Bruna Katherine Guimarães Carvalho

Introdução

O aprimoramento de processos educativos socialmente relevan-


tes busca inserir, no cenário pedagógico, o diálogo crítico-reflexivo
entre professores e alunos, dando ênfase aos debates articuladores en-
tre teoria, prática, senso comum e sociedade. (MOYSÉS et al, 2003;
CARVALHO; ESTÉVÃO, 2013)
Simultaneamente, o incentivo à construção de futuros profissio-
nais impregnados de cidadania e preocupados com os eventos nocivos
ao bem-estar da sociedade em que atuam, adiciona o caráter humano
na formação de discentes capazes de refletir criticamente e promover
transformações nos espaços sociais (MOYSÉS et al, 2003; UNESCO,
1999).
Nesse contexto, as tradicionais ciências, exclusivamente curati-
vas, vão conquistando novos moldes, incorporando um olhar inter-
disciplinar inovador que provoca as aptidões do sujeito em formação,
motivando-o a buscar soluções que participam de múltiplas áreas do
conhecimento, baseando-se em evidências (UNESCO, 1999; OLI-
VEIRA et al, 2000).
Em concordância às premissas que assistem a transformação do
âmbito pedagógico, as Diretrizes Curriculares Nacionais de Gradua-

55
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
ção do Curso de Odontologia desenham um novo perfil para o futuro
profissional cirurgião-dentista, voltado para o desenvolvimento de ha-
bilidades respaldadas pelo conhecimento teórico-científico, o desem-
penho da prática sustentada pela ética e valores humanistas, além do
exercício de capacidades, como liderança e gerenciamento (BRASIL,
2002).
Ainda quanto aos elementos relevantes da nova prática odon-
tológica, o olhar crítico sobre o processo saúde-doença, contemplado
pela Prevenção, Recuperação e Reabilitação, deve compor o profissio-
nal, atendendo aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde
– SUS (BRASIL, 2002).
Para tanto, a grade curricular do Curso de Graduação em Odon-
tologia vem, gradualmente, conquistando reformas relevantes, inves-
tindo na ampliação e adequação de disciplinas, como uma estratégia
para a inserção do aluno no convívio com situações frequentes em sua
futura prática como cirurgião-dentista, a fim de motivar o raciocínio
crítico, que considera a interação dos fatores socioeconômicos e am-
bientais, a tomada de decisão apoiada na ciência e na conduta ética e,
sobretudo, o contato com a situação real, que alia o saber e a técnica,
e, vem a somar-se às experiências e vivências do profissional de saúde
promissor (BRASIL, 2002; MADEIRA, 2006).
A vivência de situações reais é fator determinante para conhecer
e compreender o sujeito de direitos que se traja como paciente, refletir
sobre os câmbios sociais que delimitam o modo como expressa, viven-
cia e qualifica o processo de adoecimento; qual é seu entendimento
acerca da assistência que recebe e como o ambiente que o circunda
interfere nessas questões (UNESCO, 1998; MANN, 1996).
Sob a ótica do aluno, o paciente e o meio passam a ser objetos de
estudo, preenchidos por responsabilidades sociais questionáveis, face à
transgressão dos Direitos Humanos (MANN, 1996).

56
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Nesse sentido, pensar o paciente como sujeito de direitos, dire-
ciona a reflexão para a qualidade do serviço ofertado. Estaria sendo o
paciente, como cidadão qualificado pelo cumprimento de obrigações
sócio-políticas e dotado de direitos intransferíveis, lesado por seu prin-
cipal provedor de assistência à saúde? Em que ponto as fragilidades da
Saúde Pública perturbam e desrespeitam direitos humanos esquecidos,
frente a programas de apoio de qualidade inferior? (MANN, 1996).
É na oportunidade de refletir dada ao discente que testemunha
e vivencia a realidade de programas de assistência à saúde, durante a
preparação para a vida profissional, que nascem questionamentos que
contrastam com o direito à saúde, serviço ofertado e acesso à qualida-
de, reflexões que fomentam este texto.

Discussão

A inclusão de discentes no contexto social como motivação à


formação de futuros profissionais de saúde humanizados e capazes de
compor percepções críticas sobre situações cotidianas e tomar decisões
nutridas pela ética e ciência baseada em evidências tem configurado o
panorama pedagógico do Curso de Graduação em Odontologia.
Nessa perspectiva, ao refletir sobre os quatro pilares da educação
contemporânea, (I) aprender a conhecer; (II) aprender a fazer; (III)
aprender a conviver; e (IV) aprender a ser, apontadas pelo Relatório
Delors, 1999, proposto pela Comissão Internacional para Educação
no Século XXI, Moysés (2003, p. 58-59) adiciona:
Tais aspectos indicam as exigências para um processo
educativo onde o conhecimento deve ser baseado na
compreensão da realidade, com base na manipulação de
instrumentos de conhecimento, como as tecnologias e as
ideias, centrado num processo autônomo que estimule o
57
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
“aprender a aprender”. O fazer como parte do processo
educativo, é adquirido pela ação sobre o meio, na preparação
para o trabalho que exige, cada vez mais, criatividade e
competências para a resolução de problemas concretos e
para o inesperado. [...] Finalmente, aprender a ser, aponta
para o desenvolvimento de valores para a construção de
uma sociedade mais igualitária e solidária.

Logo, a vivência de experiências como proposta pedagógica,


condiciona o aluno a transformar os conhecimentos adquiridos em
práticas voltadas para situações reais, agindo e participando ativamen-
te junto à realidade em que se envolve. Simultaneamente, amplia sua
compreensão dos processos históricos, políticos e sociais que deter-
minam o comportamento do paciente frente às próprias concepções
de saúde e doença, sem negligenciar o respeito ao direito à saúde e
até onde há seu cumprimento, considerando os programas de saúde
odontológica.
Frente à qualidade dos serviços de saúde odontológica, o direito
à saúde é suprimido, quando a reabilitação de pacientes violado torna-
-se foco de discussão.
Em 2010, a pesquisa nacional SB Brasil levantou a existência de
aproximadamente sete milhões de desdentados no território nacional,
compreendidos na faixa etária entre 65 e 74 anos, sem levar em con-
ta pacientes inclusos em outras faixas. São vítimas à luz dos Direitos
Humanos, uma vez que, na concepção de Carbonari (2007, p. 170):
Vítima são aquelas pessoa humanas que sofrem qualquer
tipo de apequenamento ou de negação de seu ser humano,
de seu ser ético. [...] À luz dos Direitos Humanos, vítima é
um ser de dignidade e direitos cuja realização é negada (no
todo ou em parte). É, portanto, agente (ativo) que sofre
(passivamente) violação.

58
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Nessa compreensão, são sujeitos desvalidos do direito ao escla-
recimento e à assistência de qualidade, quando são ignorantes quanto
à necessidade individual de preservar a higidez dentária e dos tecidos
que compõem o sistema estomatognático; ao terem acesso ao trata-
mento reabilitador que, apesar de falho, é considerado como satis-
fatório. São lesados ao darem crédito a promessas de acesso à uma
qualidade questionável.
Apesar do investimento na contratação de profissionais habi-
litados, os programas de saúde odontológica que garantem procedi-
mentos de média e alta complexidade são abastecidos por materiais de
qualidade inferior e, ainda, estão submetidos a metas de produtivida-
de proporcionais ao incentivo repassado pelo poder público. Assim,
próteses dentárias descartáveis são produzidas em larga escala sob a
premissa da oferta de reabilitações de excelência.
Nesse sentido, são delineadas duas faces das políticas públicas:
uma que oferta o serviço, dando ao paciente, sujeito de direito, o aces-
so à saúde; outra, que não prioriza a qualidade do serviço ofertado.

Considerações finais

As Diretrizes Nacionais de Graduação para o Curso de Odonto-


logia orientam quanto à inserção de alunos em realidades que viven-
ciam programas assistenciais de saúde pública, oportunidade para o
desenvolvimento de capacidades individuais, aquisição de valores hu-
manos e tomada de decisões inovadoras, baseadas na contextualização
do processo saúde-doença nesses cenários.
Sob novas perspectivas, o profissional em construção depara-se
com o inusitado, aprendendo a transformar os fundamentos teóricos
em prática com ética, baseando-se em evidências. Perfil que ilustra o
resultado do câmbio do panorama pedagógico.
59
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
É, no contato com casos reais, que o discente passa a identificar
pacientes não por suas patologias individuais, mas por sua riqueza de
valores como pessoa humana, que, como tal, instransferivelmente, é
repleta de direitos.
Direitos que lhe são negados, bastando ofertar serviços de mé-
dia e alta complexidade sustentados por insumos desqualificados que
apenas multiplicam estatísticas de bancos de dados e ilustram propa-
gandas.
A opção por essas reabilitações configura a escassez de acesso a
alternativas condizentes com a dignidade humana.

60
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.


Câmara de Educação Superior. Diretrizes Curriculares Nacionais
do Curso de Graduação em Odontologia. Diário Oficial da União,
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CARVALHO, M.E.G.; ESTÊVÃO, C.A.V. Pedagogia crítica e
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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
MEMÓRIAS DO MOBRAL: INSTRUINDO-SE NA
ARTE DE OBEDECER, SILENCIAR E PROGRAMAR
A MORTE DE UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ

Grinaura Medeiros de Morais

Este artigo reúne uma experiência singular dos estudos pós-dou-


torais em realização no Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da
Universidade Federal da Paraíba. Marca um momento acadêmico de
aprofundamento dos estudos sobre as Memórias do Mobral21. O título
escolhido para apresentá-lo nos remete a uma série de perguntas, tais
como: a quem interessava a obediência e o silenciamento da palavra
do povo? Que espécie de programação se tramava na organização desse
modelo de instrução? Qual a concepção e tipo de cidadania de que se
fala? Que relações se estabeleciam entre o silêncio, a instrumentaliza-
ção e a educação de jovens e adultos com os princípios de humaniza-
ção e de cidadania?
A história da educação brasileira assinala o papel do Mobral
no processo de alfabetização do país no contexto da ditadura militar
como modelo de educação de jovens e adultos adotado logo após o
golpe civil-militar, o que mais se adequaria àquele momento de ajuste
e de uma “nova ordem” que se instalava no país sob o comando da
inteligência militar.
O momento político que antecedeu o referido golpe, dada a
sua marca populista e seu caráter democrático tendo o povo a frente
dos movimentos sociais é a chave para a compreensão da imposição
de um modelo ditatorial e em extensão, um modelo educacional de

21 MOBRAL – MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO - criado pela


lei número 5.379, de 15 de dezembro de 1967. Foi implantado durante a Ditadura Militar,
quando o desenvolvimento econômico era a meta prioritária do governo.

63
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
instrução ancorada na complexidade inerente aos múltiplos modos de
(des) dizer, de (des) pronunciar o mundo através da experimentação
de um trabalho pedagógico que devotou ao cidadão, o treinamento e
a esterilidade do diálogo e consequentemente, o aprisionamento aos
grilhões da ditadura e a uma pedagogia bancária22 que reinou absoluta
como uma onda nebulosa de proibição e de aniquilamento do espaço
coletivo, das proibições das relações democráticas e da ostentação do
autoritarismo de forma ampla.
Nos contextos discursivos sobre o Mobral, sua gênese conceitu-
al, legislação, e tendências políticas sobre as quais o modelo de edu-
cação estava pautado, era a instrução e o treinamento23 que estavam
sendo valorizados, alijando do cidadão o direito da exposição da fala e
os desdobramentos do pensamento, sem os quais ficamos privados da
vontade e da liberdade de ser, marcando um retrocesso aos processos
dialógicos e de construção de modelos educativos para uma cidadania
livre em conformidade com os direitos humanos.
No documento do Mobral (1973), que trata de sua origem e evolu-
ção, as palavras-chave que lhe dá sustentação e argumentação, estão expli-
citamente citadas: rotinas intensivas de treinamento, linguagem técnica,
planejamento estratégico, controle de resultados, etc. Tais palavras funcio-
nam como termômetro para averiguar as situações de fragilidade citadas
no diagnóstico da organização e métodos, a saber,
a) Inconsistência quanto ao uso da moderna tecnologia
administrativa nos pontos mais sensíveis e adequados
da estrutura do Mobral Central; b) receio à inovação,

22 Educação Bancária – compreende-se como sendo o modelo de educação que se compara


ao procedimento de depósito em um banco porque nela a “margem de ação que se oferece
aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los...Nela, o saber é uma
doação dos que se julgam sábios aos que se julgam nada saber”(FREIRE, 1987, p. 33).
23 “Se a finalidade da educação é trazer todos para o desenvolvimento econômico, colocado
como algo inquestionável, nada melhor do que tornar o treinamento o elemento ‘chave’,
pois que mais rapidamente prepara os quadros de mão-de-obra para o mercado de trabalho”
(JANUZZI, 1979, p. 54).
64
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
usualmente interpretada como risco aos resultados já
alcançados; c) falta de iniciativa por parte de alguns
gerentes e coordenadores; d) tendência à transmissão de
conhecimento pela via oral, dificultando a sistematização
de informações e a substituição de pessoal nas diferentes
rotinas; e) incapacidade profissional de importante parcela
de pessoal, em face das rotinas em operação; f ) resistência
ao reajustamento das rotinas em operação (p.16).
O golpe civil-militar sublevara a pretexto de proibição, as práti-
cas de alfabetização inspiradas na proposta do educador Paulo Freire
(Educação Transformadora ou Problematizadora)24, com grande su-
cesso no país. A proposta do Mobral tinha uma feição de cópia imi-
tadora destituída de conotação política, filosófica e social25 a que se
propunha a anterior. Palavras geradoras na proposta de Paulo Freire
eram aquelas que carregavam em si, processos criativos de vida, de
liberdade e de emancipação.
No Mobral, as palavras norteadoras que principiavam o proces-
so de alfabetização encerravam na discussão esvaziada do significado
da palavra pela palavra, assim como acontecia com as listas de verbos
que eram permitidos nos planejamentos programáticos que deveriam
guiar as ações dos professores e alunos nas escolas. O Programa de Al-
fabetização Funcional26 tinha como objetivo fazer com que os alfabe-
24 A concepção de alfabetização apresentada pelo Mobral é o que Freire chama de “visão
ingênua ou astuta”, na qual a alfabetização limita-se a um problema a ser resolvido através da
repetição das palavras, uma educação de caráter mecanicista. “A alfabetização, assim, se reduz
ao ato mecânico de ‘depositar’ palavras, sílabas e letras nos alfabetizandos” (FREIRE, 2006,
p. 15).
25 O objetivo do Mobral era erradicar o analfabetismo no Brasil num curto espaço de tem-
po, sob o pretexto de que ser alfabetizado era saber ler, escrever e contar com a aprendizagem
de técnicas de leitura, escrita e cálculo para que os cidadãos fossem enquadrados em seu meio
social.

26 O Mobral tinha um caráter funcional de alfabetização, desvinculado do papel social


e político do cidadão, mas completamente ligado a aspectos econômicos, tendo em vista
que naquela conjuntura política, o que se almejava era o crescimento econômico do país e
65
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
tizandos adquirissem habilidades básicas a exemplo de: Aprender a ler,
escrever e contar; · Enriquecer o vocabulário; Desenvolver o raciocí-
nio; Criar costumes em relação ao trabalho; Incentivar a criatividade;
Obter um senso de responsabilidade.
Essa constituía apenas uma das fases do Mobral, exatamente a
que se estendeu plenamente à maioria dos brasileiros e que por si basta
para fomentar a ideia desse artigo.
A proposta do Mobral corroborava com a ideologia política im-
plantada pela ditadura e por todo um conjunto de forças e de setores so-
ciais conservadores a quem não interessavam as mudanças do processo de
democratização do país idealizadas na década de 60 pelos representantes
dos ideais políticos voltados para os interesses das camadas populares. Pelo
contrário, aos setores conservadores da sociedade interessava a obediência,
o silêncio, o apagamento das reivindicações do povo.
Ler, escrever e contar se constituía numa tríade para fomentar a
formação de um cidadão enquadrado num contexto político antide-
mocrático e antipopular onde estava proibida a expressão do livre pen-
samento, do controle do cidadão através da coibição das manifestações
da fala, dos gestos e dos comportamentos.
O Mobral apresentava a ideia da funcionalidade numa pers-
pectiva econômica e não sociopolítica, a função exercida pelo sujeito
restringia-se ao mundo do trabalho, não as ações democráticas e de
participação política. Importava reduzir ao máximo o índice de anal-
fabetismo do país para melhorar sua imagem no ranking do desenvol-
vimento econômico frente às demais nações e ainda utilizar a educação
a seu favor como forma de garantir a dominação político-ideológica e
favorecer o Regime Militar.

a erradicação do analfabetismo, como possibilidade de desenvolvimento, de “integração no


mercado de trabalho de modo que possa penetrar no sistema de produção e distribuição de
renda” (JANUZZI, 1987, p. 52).

66
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Para reforçar o estilo de enquadramento a que me refiro de pas-
sagem, e utilizando-o como metáfora para criticar essa tentativa de
imposição, de um padrão dos militares, retomo o mito de Procusto27
ou ao mito da intolerância com práticas de esticamento, o que na mi-
tologia grega representa a intolerância do homem em relação ao seu
semelhante.
Em analogia a todo o período educacional da década de 70, o
mito de Procusto encontra raízes na forma de controle do saber que
o brasileiro devia adquirir como forma de pensar e de ser. A forma de
entendimento e de ligação do mito à realidade diz respeito à manifes-
tação e o direito a fala do cidadão brasileiro durante o regime militar
e no caso em estudo, aos estudantes do Mobral. Não havia gritos a
serem ouvidos como se dava com as vítimas de Procusto porque os
seus sons foram convertidos em silêncios, emudecimentos que seriam
ressuscitados da subterraneidade em que viviam, não em forma de re-
volução, mas sob o manto do sentimento de vergonha e de indignação
ou às vezes do nada, do completo ocultamento.
O mito de Procusto se aproxima do foco de discussão que trata
27 Procusto era um ladrão que levava a vida roubando as pessoas que passavam pela estrada
que ligava Mégara a Atenas, só poderia cruzar seu caminho quem passasse por um terrível
julgamento: o ladrão possuía uma cama de ferro do seu exato tamanho: nenhum centímetro
a mais ou a menos. Nela, ele fazia sua vítima deitar-se, se a pessoa fosse maior que a cama
amputava-lhe as pernas, se fosse menor, era esticada até atingir o tamanho desejado. Tudo teve
fim quando o herói Teseu fez a ele o mesmo que ele sempre fazia às suas vítimas, colocou-o
na cama, mas um pouco para o lado, sobrando assim  a cabeça e os pés que foram amputados
pelo herói. O mito de Procusto é uma alegoria da intolerância. Apesar da diversidade ser uma
característica humana, o ser humano tem agido como Procusto, em grande parte acreditando
estar sendo justo. Num dos episódios desse mito, Atena, a deusa da sabedoria, incomodada
pelos gritos das vítimas, resolveu tomar uma providência e foi ter com o bandido, mas ficou
sem palavras quando este argumentou que estava fazendo justiça porque sua cama nada mais
fazia do que acabar com as diferenças entre as pessoas. O silêncio de Atena foi interpretado
como aprovação e só fez reforçar a crueldade do bandido. Quando Teseu procurou por Pro-
custo, o ladrão pensando que seria uma visita amigável, tentou convencer o herói da legitimi-
dade de suas ações. No entanto, Teseu responde que injusto é tentar igualar as pessoas que são
diferentes por natureza, por isso cada uma tem o direito de ser como é.

67
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
da ditadura militar e do projeto de educação que destinaram aos jo-
vens e adultos do país. Uma definição do tamanho do cidadão e da
sua permissão de fala e de expressão, um modelo escolar tecido, orga-
nizado, planejado nos moldes da ditadura, da tecnocracia, dos instru-
mentais tecnicistas impostos fragmentariamente, podando a liberdade
de expressão através de uma condenação à repetição do pensamento e
da fala dos outros, dos alheios, dos vindos de fora, de outras paragens.
Os processos criativos de ensino e de aprendizagem foram su-
cumbidos, e no seu lugar modelos de repetição, de decoração de no-
mes, datas e heróis assumiram o lugar central de importância da for-
mação do cidadão. Quase tudo era proibido e tudo se iniciava a partir
de ações autorizadas pelos tecnocratas cuidadosamente preparados
para tal.
Ao lado e acima da formalização do método de alfabetização,
havia toda uma política de convencimento de que se estava retiran-
do o país do analfabetismo e da ignorância e uma responsabilização
do cidadão tanto pela condição educacional em que se encontrava o
país como pelo seu esforço individual em se alfabetizar para modificar
a situação. Para o governo a presença do analfabetismo indicava um
“mal”, uma “calamidade pública”, sendo os analfabetos culpados pela
condição de subdesenvolvimento do país, ficando sob sua responsab-
ilidade alfabetizar-se, porque o país só obteria o crescimento econô-
mico-político se esse “mal” fosse sanado. Essa conclamação estava
presente e se fez chegar ao povo sob todas as formas. Realça-se aqui
uma música tocada e permitida pelas ondas do rádio do cantor Antô-
nio Marcos (Você também é responsável), retratando a situação.
É por razão dessa proibição da palavra e do desprezo à expres-
são de liberdade do pensamento do povo que recorremos ao diálogo
com Paulo Freire e de Mikhail Bakhtin e suas postulações acerca da
importância do diálogo e do dialogismo. Suas leituras são primordiais
e indispensáveis para o entendimento da importância da palavra na

68
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
vida do cidadão com realce para A Pedagogia do Oprimido e Gêneros
do Diálogo, destacando os conceitos e as suas contribuições para a
humanidade acerca da produção que realizaram e da importância do
diálogo e do dialogismo no contexto da educação e da humanização.

Uma retratação dos autores e dos seus contextos

Freire e Bakhtim são contemporâneos, embora nascidos em


países diferentes e culturas distintas. Poucos anos fazem a diferença
entre vida e morte de ambos. Freire (1921-1997)28 e Bakhtin (1895-

28 Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, no bairro de Casa
Amarela -Recife, uma das regiões mais pobres do país, onde logo cedo pôde experimentar as
dificuldades de sobrevivência das classes populares. Filho de Joaquim Temístocles Freire, capi-
tão da polícia militar do Pernambuco e de Edeltrudes Neves Freire uma norte-rio-grandense,
do lar. Freire tinha uma irmã chamada Stela e dois irmãos: Armando e Temístocles. Freire
vivenciou a pobreza e a fome na infância durante a depressão de 1929, uma experiência que o
levaria a se preocupar com os mais pobres e o ajudaria a construir suas revolucionárias ideias
de alfabetização. No livro A sombra das Mangueiras, podemos conferir o que foi a vida para
Paulo Freire desde a mais tenra idade, uma infância vivida com muitos sacrifícios principal-
mente quando perdeu o pai aos nove anos de idade quando a família obrigou-se a se mudar
para Jaboatão. Somente aos onze anos frequentou a escola pela primeira vez. Sua filosofia edu-
cacional expressou-se primeiramente em 1958 na sua tese de concurso para a Universidade
de Recife e, mais tarde, como professor de História e Filosofia da Educação daquela Univer-
sidade, bem como em suas primeiras experiências de alfabetização como a de Angicos no Rio
Grande do Norte, em 1963. Freire casou-se com Elza Maia Costa Oliveira de quem teve cinco
filhos. Por esta época começou a lecionar no Colégio Oswaldo cruz em Recife. Trabalhou
inicialmente no SESI – Serviço Nacional da Indústria – e no Serviço de Extensão Cultural da
Universidade do Recife. Há uma vasta produção freireana conhecida no Brasil e no mundo,
assim organizada: A proposta de uma Administração; Conscientização e Alfabetização: uma
nova visão do processo; Pedagogia do Oprimido; Educação e Mudança; A importância do
ato de ler em três artigos que se completam; A Educação na Cidade; Pedagogia da Esperança;
Política e Educação; Cartas a Cristina; À sombra desta Mangueira; Pedagogia da Autonomia;
Mudar é difícil, mas possível. Ana Maria Freire com quem Freire se casou pela segunda vez
deu continuidade a sua escrita organizando importantes publicações que estavam a caminho
quando da sua morte em 1997.

69
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
1975)29. Muitas diferenças marcaram a trajetória pessoal e profissional
de ambos, mas o que assinalamos como semelhança nesta pesquisa é a
obstinação dos dois na crença de que o diálogo é uma fonte propulsora
que dá origem a uma sociedade com pessoas livres, criativas e autôno-
mas. Assim como o diálogo em Paulo Freire, o dialogismo, tido como

29 Bakhtin nasceu em 1895, na cidade russa de Oriol, desde a mais tenra idade teve saúde
frágil, sendo acometido de grave enfermidade ao longo de sua vida, tendo amputados mem-
bros do corpo e sofrendo algumas privações materiais, falecendo no ano de 1975, com oitenta
anos. Decidiu-se pelo casamento em 1920 com Elena Aleksandrovna Okovitch, a qual foi
fiel colaboradora na sua vida intelectual durante meio século, conforme se pode constatar na
biografia do autor amplamente descrita e publicada nas redes sociais e nas fontes documentais.
As fontes sobre a formação acadêmica de Bakhtin são escassas, de uma magra capacidade de
volume em relação à fortuidade das ideias que legou ao mundo. Estudou primeiramente na
Universidade de Odessa, seguindo para a de São Petersburgo de onde saiu diplomado em
História e Filologia no ano de 1918, então com 23 anos. Segundo Clark e Holquist (1998,
p. 21), “seus escritos abarcam, ao lado da linguística, da Psicanálise, da Teologia e da Teoria
Social, a poética histórica, a Axiologia e a Filosofia da pessoa”, o que evidencia a pluralidade
de pensamento do autor. Na sua trajetória teve que enfrentar uma conjuntura histórica extre-
mamente adversa até a década de 1960, aproximadamente. Trata-se da Revolução Soviética
de 1917, que impôs perseguições políticas e privações materiais a um grande número de in-
telectuais, obrigando-os a uma vida errante, em constante exílio, voluntário ou imposto. Em-
bora os registros biográficos assinalem a sua origem nobre, pelo menos em uma família com
recursos materiais, a revolução russa não dispensou a Bakhtin a oportunidade do convívio e
das dificuldades vividas junto a outros exilados. Essa conjuntura explica a descontinuidade das
publicações das obras de Bakhtim. Postas em retraimento por ocasião da revolução, suas obras
apresentam um hiato de mais de trinta anos entre a primeira fase, quando publicou algumas
de suas obras, como O freudismo (1925), o método formalista aplicado a crítica literária
(1928), Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929), e a segunda fase, marcada pela publica-
ção de uma nova edição de Os problemas da criação em Dostoiévski e da sua tese de douto-
rado, intitulada Rabelais e a Cultura Popular da Idade Média e do Renascimento. No cenário
intelectual não perdeu a oportunidade de debater contra o dualismo de sua época. Criticou
as tendências teóricas da linguística contemporânea, categorizada em duas grandes correntes:
o objetivismo abstrato, representado, principalmente, pela obra de Saussure e o subjetivismo
idealista, representado por Humboldt, Croce e Vossler. Considerou-as reducionistas e um
obstáculo à apreensão da natureza real da linguagem como código ideológico, uma vez que a
primeira corrente prioriza o fator normativo e estável da língua em detrimento do seu caráter
mutável, ao passo que a segunda prioriza a criação individual, portanto o aspecto interno, o
lado subjetivo da criação significativa, em detrimento do social. Desse modo as duas tendên-
cias contrapõem-se às suas ideias, que ressaltam o valor da língua viva, em constante mutação,
dentro de um contexto social.

70
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
conceito central na obra bakhtiniana, é assumido nesta pesquisa como
plataforma de recurso indispensável na construção da relação com o
outro.
Toda a pedagogia freireana encerra a valorização do diálogo como
construção, pronunciamento e transformação do mundo através da pa-
lavra “verdadeira” que é aquela elaborada no conjunto dos interesses dos
grupos, dita e problematizada num contexto dialético de elaboração e ree-
laboração do pensamento pelos sujeitos “pronunciantes a exigir deles novo
pronunciar. Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 1987, p. 44).
Logo o diálogo é “esse encontro dos homens, mediatizados pelo
mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-
-tu”.(p. 45), mas em um nós que está envolvido e comprometido na
proposta dessa construção humanista e democrática cuja horizonta-
lidade é a condição sobre a qual, os sujeitos se reconhecem nas suas
relações consigo e com os seus semelhantes, somente possível numa
condição humanamente existente, na capacidade que somente o ho-
mem tem de se rever, de reconhecer-se nos seus erros e acertos, nas
decisões que toma.
A proposta é, sobretudo coletiva, mas passa pelo individual,
pelo autoconhecimento, pela busca permanente de um encontro con-
sigo mesmo, de uma reflexão pessoal a procura do ser mais e melhor,
vencendo, superando, reelaborando posições intrapessoais e interpes-
soais que se manifestam e se desdobram no jeito de ser consigo mesmo
e com os outros, na extensão dos conteúdos constitutivos de uma pe-
dagogia humanizadora e humanizante cujo conteúdo está forjado pela
amorosidade, o respeito, a compreensão, a tolerância, a humildade, o
altruísmo, a esperança e a confiança em si e nos outros.
A educação problematizadora tem a criatividade e a reflexão
como princípios da ação “dos homens sobre a realidade, responde a

71
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
sua vocação, como seres que não podem autenticar-se fora da busca
e da transformação criadora” (p.41). Tem a categoria histórica como
fundamento da sua construção e a consciência como característica es-
sencialmente humana.
As conexões entre o pensamento de Freire e de Bakhtin firmam-
-se na questão da interação social – o primeiro ligado às questões da
emancipação humana, o segundo, explorando a questão da linguagem
como recurso radicado no social, tomando a interação como categoria
de estudo no campo da linguagem onde através do sujeito bakhtiniano
(social, histórico e ideológico), evidencia a indissociabilidade entre a
enunciação e seu contexto social.
Bakhtin realça as relações humanas enfatizando que o homem
nasce ou emerge do outro e que quando fala não está agindo solitaria-
mente sobre ou pelo outro, mas com o outro. Por isso a noção de dia-
logismo ocupa a centralidade nas suas reflexões acerca da linguagem.
O autor entende e concebe o diálogo “não apenas como a co-
municação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda
comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (1986, p. 123). A na-
tureza dialógica da vida dispõe da palavra “como uma espécie de pon-
te lançada entre mim e os outros”. Se ela se apóia sobre mim numa
extremidade, na outra apóia-se sobre meu interlocutor. A palavra é o
território comum do locutor e do interlocutor” (p. 113).
Os dois autores acreditam no poder da palavra como sustenta-
dora do diálogo que mantém viva a força transformadora da realidade
social, o que está muito além do diálogo formalmente produzido ou
da retórica ostentadora destituída do poder transformador, o que Frei-
re denomina de verbosidade ou de pura sonoridade.
Do remetimento às suas leituras depreende-se que o esvazia-
mento da palavra e a proibição do diálogo e da livre manifestação do
pensamento veiculado pela proposta do Mobral só poderia ir paula-

72
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
tinamente produzindo a morte do cidadão, o apagamento do huma-
nismo e a negação do homem, sinais de uma necrofilia que no dizer
de (Fromm apud FREIRE, 1987, p. 37) se constitui numa espécie de
morrer para viver, expressa na passagem a seguir: “El indivíduo necró-
filo ama todo lo que no crece, todo lo que es mecânico. La persona
necrofila es movida por un deseo de converter lo orgânico em inorgâ-
nico, de mirar la vida mecanicamente”.
A coisificação da vida é portadora desse assalto e violação dos
sentimentos, dos pensamentos e das palavras, de uma morte da vida
na sua essência e plenitude orquestrada pela sede de poder e de con-
trole do outro. É esse o modelo que implica na negação do homem,
através da restrição das suas ações, do aniquilamento do seu poder de
argumentação e de pensamento, de igual modo, um modelo de morte
que se sobrepõe a vida em sua plenitude através da manipulação, de-
pósito, condução, prescrição, negação da fala, morbidez e descrença
no cidadão.
Este artigo encerra a discussão levantada acerca do Mobral apre-
sentando-o como modelo de prescrição da formação de um cidadão
cujo perfil se caracterizava pela ausência de palavra vincada, sem letra
solta e independente, obediente, dócil, repetidor, afeito à mecânica
da vida, costurado em silêncios por trás da porta que se fechara para
ele com a chegada dos tempos de escuridão da ditadura envolta numa
enigmática comunicação que nem de longe se parecia com um diálo-
go.
E convenhamos que sem diálogo não há comunicação, mas ape-
nas repasse de comunicados envoltos na moldura de um tempo auto-
ritário, responsável por toda a programação de uma morte velada que
se impingia sorrateiramente na alma de cada estudante do Mobral: a
morte da cidadania e do que está vivo dentro de cada um de nós.

73
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
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74
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
AOS LEITORES DOS JORNAIS DA PARAÍBA E DO
RIO DE JANEIRO, NOTÍCIAS SOBRE OS LICEUS
NO IMPÉRIO30

Fabiana Sena

No século XIX, o jornal brasileiro foi um suporte de debates de


ideias e de trocas de opiniões publicamente. Segundo Araújo (2012), a
imprensa é um privilegiado espaço de intercâmbio entre as aspirações
privadas e o bem coletivo. Em meio a esse intercâmbio, a carta tor-
nou-se uns dos gêneros textuais mais comuns, assumindo a forma de
intervenção pública. Leitores escreviam para o jornal com a intenção
de reclamar, de solicitar, de discutir e de anunciar algo. É na perspec-
tiva das intenções que se pretende dar visibilidade aos discursos sobre
a instrução pública secundária, de leitores anônimos ou identificados,
sob a forma epistolar, publicados nos jornais O Governista Parahiba-
no, Correio Mercantil e Diário do Rio de Janeiro, do ano de 1850, das
províncias da Paraíba e do Rio de Janeiro, respectivamente.
Na busca de compreender como os periódicos nas províncias
da Paraíba e do Rio de Janeiro veiculavam as notícias sobre educação
e instrução pública no Império por meio da escrita epistolar, esta pes-
quisa atentou para as seguintes questões: Quem eram os signatários e
os destinatários dos discursos sobre educação e instrução nos jornais
do Rio de Janeiro e da Paraíba? Quais as reivindicações, os pedidos, as
ordens ou comunicados que os signatários faziam por meio da escrita
epistolar? Quais são as estratégias discursivas que os autores utilizaram
para transmitir o conteúdo das epístolas? Qual o modelo de composi-

30 O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desen-
volvimento Científico e Tecnológico - Brasil. Este também foi publicado, primeiramente, nos
anais do VII Congresso Brasileiro de História da Educação, 2013, Cuiabá.

75
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
ção epistolar que os signatários se apropriaram para transmitir o con-
teúdo da carta?
Embora se reconheça as peculiaridades entre as províncias da
Paraíba e do Rio de Janeiro, bem como as semelhanças entre os jornais
– conforme aponta Barbosa (2011) quando defende que a produção
desse suporte, seja na Inglaterra, em Portugal ou no Brasil, possuía
um modo comum de escrever e publicar as suas notícias próprias da
época – foi necessário estreitar as relações entre elas para situar a rede
de comunicação que havia entre ambas. Nesse sentido, as epístolas
localizadas nos jornais dessas províncias foram analisadas por meio
das regras e modelos de composição, difundidos pelos manuais epis-
tolares, como uma arte do bem escrever, por considerar a estrutura
discursiva das epístolas estarem impregnadas de intenção persuasivas,
as quais são relevantes para a transmissão do conteúdo.
Assim, analisar as epístolas nos jornais sob essas condições é “es-
tudar o modo como o texto opera” (DARNTON, 2005, p. 83), ou
seja, a maneira pela qual ele se encaixa no suporte do texto escrito. Os
periódicos tratados aqui não são especializados em educação e ensino,
entretanto, estes registram fragmentos do cotidiano escolar, os quais
nos possibilitam compreender determinados aspectos da educação e
da instrução pública no Império. O corpus que se baseia esta pesquisa
é constituído de 10 cartas publicadas nos jornais paraibanos e cariocas
por professores, diretores da instrução pública, pai de alunos e anôni-
mos, de um total de 188 cartas identificadas, sendo 80 nos jornais da
província da Paraíba e 108 do Rio de Janeiro.
Nos últimos anos, tem crescido a produção acadêmica tomando
o jornal como objeto e fonte para as pesquisas na área de História,
Literatura, Sociologia e Educação. No que tange a essa última área,
esse suporte apresenta questões que revelam dados para a história da
educação, tais como livros didáticos, alunos, professores, instituições,

76
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
diretores da instrução pública, inspetores, recursos financeiros e etc.
Uma produção relevante é o estudo de Gondra (2003), o qual apre-
senta e discute a relação entre a imprensa e a epístola, por meio das
cartas do professor Manoel José Pereira Frazão publicadas no jornal
Constitucional, em 1864.
Ao considerar esses elementos importantes para compreender
uma história da educação por meio da imprensa no Império e consta-
tar o considerável lugar de destaque ocupado pela epístola enquanto
modo discursivo que proporcionava aos leitores a intervenção públi-
ca (GONDRA, 2003; BARBOSA, 2010, 2011, 2012; SENA, 2011,
2012), esta pesquisa buscou dar visibilidade aos discursos epistolares
nos jornais sobre a educação e instrução pública nas províncias da
Paraíba e no Rio de Janeiro durante o Império, identificando e ana-
lisando as proximidades e as diferenças discursivas entre as cartas nos
jornais dessas províncias.
O estudo das cartas no jornal possibilita compreender o coti-
diano de uma comunidade de leitores por meio de sujeitos célebres e
comuns, tomando conhecimento do que faziam, liam, escreviam ou
pensavam em uma determinada época e lugar. Possibilita também aos
estudiosos que tratam esse suporte textual como objeto e/ou como
fonte de pesquisa adentrarem à cultura letrada do Brasil. Por abordar
diversas temáticas, este suporte pode ser considerado como uma espé-
cie de “museus de tudo”, segundo Pecheman, (2002), no qual retrata
uma sociedade em um dado momento por meio dos múltiplos gêne-
ros textuais, a exemplo de anúncios, crônicas, poesias, comunicados,
romances, relatórios, editais, cujos textos tratam de diversos assuntos,
como morte, moda, política, literatura, concursos, saúde, hospeda-
gem, livros, escolas, compra e venda, leilão, crimes e delitos, transpor-
te, eventos sociais, guerra entre outros.

77
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Epístolas ao Diretor do Liceu Paraibano e ao Reitor
do Colégio Pedro II: discurso sobre o controle das
instituições de ensino secundário

Os jornais O Governista Parahibano31, Correio Mercantil32 e


Diário do Rio de Janeiro33 são de caráter político, embora apresentem
também outras características, como o oficial, a literatura e a instru-
ção. Desses três periódicos, apenas o paraibano, tem caráter oficial.
Mas independente das suas características, os jornais veiculavam notí-
cias sobre a instrução pública de suas províncias, por meio de cartas.
Tendo um destinatário identificado, ao Diretor do Liceu Paraibano,
ao Reitor do Colégio Pedro II e ao Diretor do Liceu de Niterói, pois
nas cartas o remetente inicia com “Ao diretor do lycêo” ou “Ao reitor
do colégio Pedro II”. Nelas ainda é possível atribuir outro destinatário,
o professor dessas instituições escolares, quando este é mencionado no
conteúdo das cartas. Quanto à identificação do remetente, as epístolas
não foram assinadas, embora a narrativa permita supor que o reme-
tente fosse um membro da Direção da Instrução Pública da província
da Paraíba e do Rio de Janeiro pelo teor dos conteúdos, os quais só
poderiam ser escritos por pessoas relacionadas à Direção da Instrução
Pública.
31 Esse jornal surgiu em 1849, de cunho oficial, político e literato, impresso pela tipogra-
fia de José Rodrigues da Costa, localizada na rua Direita, nº 8. Publicado aos sábados, esse
periódico compunha suas páginas com as correspondências e comunicados relativos aos in-
teresses políticos e morais da província da Paraíba e do Brasil, dividido por duas seções, a
editorial e parte oficial.
32 Correio Mercantil e Instructivo, Político, Universal era propriedade de Francisco José dos
Santos Rodrigues e circulou de 1848 a 1860. Apresentando-se como um periódico de cunho
instrutivo, universal e político era impresso na Tipografia do próprio jornal, localizada na Rua
da Quitanda, nº 13.
33 Diário do Rio de Janeiro circulou na Corte durante os anos de 1821 a 1878, de caráter in-
formativo e independente. Era publicado diariamente, exceto nos dias ditos de guarda, sendo
impresso na Tipografia da Rua da Ajuda, nº 79. Foi fundado por Zeferino Vito de Meireles.
78
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Os leitores-escritores dessas cartas escreviam para o jornal com
o objetivo de ordenar ou requerer, os quais possuem uma posição de
destaque na hierarquia social. Conforme já dito, são possivelmente
Diretores da Instrução Pública das províncias do Rio de Janeiro e da
Paraíba em virtude das ordens dadas aos subordinados. Estas cartas
podem se configurar como aviso, uma espécie de comunicação, no-
tícia curta comparada às demais cartas localizadas. Por meio dessas
mensagens, os signatários designam aos seus subordinados as suas ati-
vidades, conforme os exemplos abaixo:
- Ao director do lycêo que com quanto os estatutos pareção om-
misses acerca das faltas de comparencia a congregação dos professores
não justificadas, e sem participação, com tudo determinado o artigo
24 1)a reunião dos lentes para deliberarem sobre os objectos do arti-
go 75 necessariamente deve haver um coercivo para que o artigo seja
cumprido, e não se realise o inconveniente da falta de comparencia,
e o coersivo é consignado no artigo 86. Este artigo pune as faltas não
justificadas em geral, e nenhuma duvida pode haver de que a não com-
parencia na congregação é uma dessas faltas; devendo, portanto Sme.
fazer conta-las, quando não justificadas, para o que, a ser preciso fica
autorisado em conformidade do & 1º do artigo 88 dos citados estatu-
tos; ficando assim respondido o officio de Sme. de 3 do corrente..
(O GOVERNISTA PARAHYBANO, 10 de agosto de 1850, grifo
meu).34
SETEMBRO 6. – Ao director do lyceo para que
informe com brevidade sobre a conducta, applicação e
aproveitamento de Pedro Paulo filho de José Baptista dos
Santos que consta estar matriculado n’aula de latim. (O
GOVERNISTA PARAHYBANO, 07 de setembro de
1850, grifo meu).

34 Mantenho a ortografia da época.


79
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Ao diretor do lyceu Nictheroy, determinando, que
faça entrega ao engenheiro archivista, o capitão A. P. de
Figueiredo Mendes Antas, dos livros sobre architetura,
dos instrumentos de physica e dos reagentes chimicos,
que se comprarão para o dito lyceu, e que hoje lhe são
desnecessários. – Communicou-se ao referido engenheiro.
(DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, 10 de abril de 1850,
grifo meu)

Essas três cartas evidenciam as ordens e determinações dadas


às pessoas que estão abaixo do Diretor da Instrução Pública, conforme
os destaques nos trechos acima. O discurso nessas cartas demonstra
o controle a que os diretores das instituições de ensino no Império
estavam submetidos, de modo que o jornal se configura como um
instrumento de poder, pois as publicações dos escritos passam pela
seleção do redator e por ter o papel de guias e de censores dos povos. É
o redator que determina o que é publicado ou não, bem como o que
merece ser estampado na primeira página ou não. A epístola publicada
no suporte do jornal se configura como um dispositivo de poder para
que as Direções da Instrução Pública da Paraíba e do Rio de Janeiro
controlem as ações dos professores e alunos e, consequentemente, o
diretor, já que as cartas foram destinadas a ele.
Há cartas com o objetivo de apenas informar e não ordenar,
conforme os exemplos abaixo demonstram esse tipo:
Ao reitor do collegio Pedro Segundo, declarando-se que
não póde ter logar a concessão de emolumentos a favor
do secretario, pelos diplomas dos bacharéis em letras e
attestados dos alumnos (DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO,
27 de março de 1850).

80
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Ao coronel José da Costa Azevedo, communicando que
n’esta data fora exonerado do logar de director do liceu de
Nictheroy; nomeando-se para o substituir o desembargador
João Candido de Deus e Silva. – Communicou-se ao
nomeado e á thesouraria provincial (DIÁRIO DO RIO DE
JANEIRO, 5 de abril de 1850).

Ao reitor do collegio de Pedro 2º, approvando-se a proposta


que fez, do professor público de latim Jorge Furtado de
Mendonça, para a regência interina da cadeira de latim do
2º e 3º ano; e do Joaquim Manoel, professor da 1ª cadeira de
geographia e historia do Brasil, durante o impedimento do
professor das ditas cadeiras o bacharel Antonio Gonsalves
Dias (DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, 7 de abril de
1851).

O discurso utilizado pelos Diretores também é possível


compreender, por meio das cartas aqui apresentadas, que as elas têm
uma forma de intervenção pública, situando-as como uma carta aberta,
a qual se vale de uma estrutura argumentativa com um tom persuasivo,
pois o remetente pretende – nos casos aqui apresentados – alcançar o
seu público, fazendo com que o destinatário tome uma decisão, a de
se fazer cumprir as ordens do Diretor da Instrução Pública. Este tipo
de carta tem um importante valor perlocutório, pois visa interferir no
comportamento do seu destinatário, incitando-o a uma ação ou a uma
tomada de posição. Desse modo, verifica-se que a forma da escrita é
relevante para a transmissão do conteúdo.
O discurso pronunciado nas epístolas pelo signatário, Diretor
da Instrução Pública, para se comunicar com o destinatário, Diretor
do Liceu Paraibano, ao Reitor do Colégio Pedro II e ao Diretor do
Liceu de Niterói demonstra que:

81
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
[...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo
tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída
por certo número de procedimentos que têm por função
conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento
aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade
(FOUCAULT, 2000, p. 08).
Assim, o conteúdo das epístolas tão-somente poderia ser pro-
ferido por alguém de direito, qualificado, e segundo o ritual requerido,
a da escrita epistolar, os quais estão relacionados ao exercício do poder
a quem lhe atribuiu, o Presidente da província ao Diretor da Instrução
Pública. A este último era dado o poder de designar, poder controlar,
poder organizar, poder criar. Foi através da escrita epistolar que a in-
formação a respeito do ensino secundário se transformou em notícia.
Estas cartas são classificadas como ordem ou comando, esta última é
definida pelo manual Le Secretaire à la Mode (1650), de Sieur de La Serre:
Apenas ouça o que eles querem ou deixam fazerem. E nem
sempre precisa usar a razão para convencê-los, porque a
autoridade do orador toma o lugar da razão. Mas, às vezes,
se for considerada a respeito, eles podem representar a facilidade
e a igualdade de comando que lhes é dado, o dispositivo de
promessas de recompensa, se eles obedecem e ameaças de
punição, se eles fizerem o oposto. E para conclusão dizer que a
gente espera que eles façam o dever e nos deem todo sujeito
de se contentar com eles.35 (SERRE, 1650, p. 12, grifo
meu).
Embora não se tenha dados de que esse manual circulou no Bra-
sil, o seu conteúdo gerou o habitus para a escrita de outros manuais.
35 Trecho original: Il n'est point besoin d'en donner de regles. Les plus simples sont de meil-
leures. Il suffit de leur faire entendre, ce qu'on veut qu'ils farent ou qu'ils laissent. Et n'est pas
toujours besoin d'user de raison pour les persuader, parce que l'autorité de celui qui parle tient
lieu de raison. Mais si quelquefois on le juge etre à propos, on leur peut representer la facilité
et l' equité du commandement qu' on leur donne, et adjouter des promisses de recompense
s'ils obeissent et des menaces de punition s'ils font le contraire. et por conclusion dire qu'on
espere qu' ils feront leur de voir e nous donnernt tout sujet d' etre contens d'eux.
82
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Cada livro que aborda o conteúdo da arte epistolar o faz a seu modo,
de acordo com a importância que confere a essas regras, levando em
consideração o seu destinatário, por considerar as normas de leitura
que definem para comunidade de leitores, modos de ler, procedimen-
tos de interpretação (CHARTIER, 1999). Entretanto, os manuais de
O Secretário Português36 (1801), da autoria de Francisco José Freire e
Novo Secretário Portuguez ou Código Epistolar (1846) de José Ignácio
Roquette, não apresentam definição acerca da tipologia da carta de
ordem e de requerimento, apenas oferece exemplos de cartas, o que
permite verificar por meio deles as semelhanças com as cartas publi-
cadas acima.
No que se refere aos signatários não identificados, nem pelo uso
dos pseudônimos, estas ausências revelam um jogo epistolar que ocor-
re entre o remetente, às vezes oculto, e o destinatário explícito, no
qual um escreve para o outro, que, por sua vez, pode responder ao seu
remetente. Ora um pode assumir a função de emissor da mensagem,
ora pode se tornar receptor dela, dependendo da resposta, se houver.
Entretanto, a ausência de resposta não significa que não houve comu-
nicação. E é por isso que se estabelece o jogo epistolar, pois a comu-
nicação não se funda apenas na troca de mensagens, mas também no
envio, pois não se pode “perder de vista a repercussão que provocou
nesse correspondente”, como alerta Rocha (1985, p. 18). De acordo
com Gondra (2003, p. 30), a carta no jornal “inscreve o leitor de
cartas, bem como de outros tipos de fonte, em um jogo cujas regras
exigem, dentre outros aspectos, que fique assumida a sua condição de
observador inserido em um tempo”, funcionando “como uma espé-
cie de atestado de acumulação de um determinado capital simbólico”.
Considerando a editoração do suporte textual do jornal no século XIX
36 Esta obra do mesmo autor também foi publicada sob o título Secretário Portuguez ou
methodo de escrever cartas pela tipografia Rollandiana no ano de 1801 em Portugal. Cf. Barbo-
sa (2011) a respeito do processo de adaptar manuais de escrever cartas no século XIX.
83
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
e a função do redator que seleciona e ordena os textos que são publi-
cados, o sentido da escrita epistolar pode ter outro significado, o de
se divulgar para um público específico o que está ocorrendo na ins-
trução pública de uma determinada província. No caso das cartas que
ordenam, supõe-se que os comandos foram executados, mesmo com
a ausência da resposta. Entretanto, um exemplo abaixo mostra uma
carta que responde a outra carta:
Ao diretor da instrução pública em resposta ao seu ofício de
hoje em que consulta se os alunos matriculados nas aulas de
instrução primária são ou não isentos do recrutamento que a
Presidência julga-os compreendidos na disposição do artigo
7 da instrução de 10 de abril de 1843, que assim determina.
Item os estudantes de todas as classes que apresentarem
atestado dos respectivos professores visto que a expressão
vaga-estudante de todas as classes abrange também os alunos
de instrução primária (O GOVERNISTA PARAHIBANO
17 de maio de 1851).
Nas cartas apresentadas nesse estudo, verifica-se um traço co-
mum por meio de uma escrita ordinária. Os vocativos utilizados nas
cartas nos jornais como “Ao diretor” e “Ao reitor” apresentam o pri-
meiro destinatário, mas no conteúdo delas se encontram outros. Esses
vocativos são praticados como a função apelativa na qual busca uma
exclusividade do discurso. O signatário expõe o motivo da sua escrita
logo no primeiro parágrafo. Em seguida, apresentam os argumentos.
Por fim, ele solicita, faz o pedido. Entretanto, nas cartas curtas, as três
últimas apontadas, é dispensável quase todos os recursos de retórica
epistolar, pois o signatário transmite diretamente o seu discurso ao
destinatário, de modo que a ordem dada não deixa dúvidas a respeito
do que se quer.
A epístola pode ser comparada aos sermões portugueses dos
século XVI, XVII e XVIII, cujos textos são estudados por Hansen

84
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
(2000), pois ambos os gêneros textuais apresentam a fórmula da pro-
posição: “alguém diz algo sobre alguma coisa para alguém”. Consi-
derando que o discurso epistolar é escrito e não falado, como o do
sermão, no entanto, este tipo de escrita faz do ausente presente o que
permite aplicar essa fórmula retoricamente a partir de duas articula-
ções, conforme Hansen (2000, p. 31):
Uma delas, ‘alguém diz [escreve] para alguém’, refere-se ao
ato da fala [escrita], como relação pragmática de sujeito da
enunciação e destinatário, ou relação dialógica ‘eu/tu’, que
define o contrato enunciativo [...] A outra articulação, ‘algo
sobre alguma coisa’, refere-se à construção do discurso como
estrutura sintática (sua ordenação sequencial) e estrutura
semântica (sua significação).
Nessa perspectiva, esse autor (2000, p. 32) afirma que “o ‘eu’ da
enunciação e o ‘tu’ da recepção não eram categorias psicológicas, mas
representações de posições sociais preenchidas por outras representa-
ções hierárquicas extraídas de todo o social objetivo”. As cartas publi-
cadas nos jornais cariocas e paraibanos revelam esses lugares apontados
acima, os quais são hierárquico: Diretor da Instrução Pública/Diretor
do Liceu e das escolas públicas; Professor/Câmara dos vereadores; Um
interessado/Diretor da Instrução Pública; Um por todos/Diretor da
Instrução Pública.

Considerações finais

As epístolas publicadas nos jornais O Governista Parahibano,


Correio Mercantil e Diário do Rio de Janeiro, de 1850 mostram a
posição do professor, subordinado ao controle e à disciplina do Di-
retor da Instrução Pública, explícitos no discurso epistolar destinado
ao diretor do Liceu Paraibano e ao Reitor do Colégio Pedro II. Esse
85
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
tipo de epístola apresentada assumiu a função de ordenar ao diretor da
instituição de ensino supracitada as regras para o bom funcionamento
desse nível de ensino: a frequência dos professores, o horário de fun-
cionamento das cadeiras, os substitutos de professores e a criação de
uma determinada cadeira.
A carta publicada no jornal se constituía como um modo de co-
municação do espaço público, podendo o leitor reclamar, solicitar ou
avisar alguém sobre qualquer coisa. Tal procedimento era um modo
de apresentar a opinião de leitores desconhecidos a respeito de um
determinado assunto. Entretanto, nos periódicos apresentados onde se
publicaram as cartas permitia à Direção da Instrução Pública contro-
lar através desse veículo o ensino secundário sob os olhos dos leitores
desse jornal.
Compreender os jornais do século XIX como fonte é verificar
esse suporte como “o lugar do diálogo, do debate, da fofoca e das po-
lêmicas, sejam aquelas comezinhas, sejam as grandes e célebres” (BAR-
BOSA, 2007, p. 17). Sendo assim, as cartas nos jornais não se confi-
guram como um retrato fiel da realidade, mas sim uma representação
do discurso epistolar de uma instância do poder paraibano que deixou
vestígios através da escrita epistolar, mostrando as relações entre o jor-
nal supracitado e aquele a quem era destinado.
Nessa perspectiva, um estudo da carta no jornal, como objeto
material, traz vestígios de uma cultura, em um espaço e em um tempo
sobre a instrução pública secundária, Liceu Paraibano, Liceu de Ni-
terói e Colégio Pedro II nas Províncias da Paraíba e do Rio de Janeiro,
respectivamente. Pois, Isto vai de encontro com um discurso sedimen-
tado de que para estudar estas instituições escolares a legislação é a
única fonte disponível.

86
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Referências

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século XIX. Porto Alegre: Nova Prova 2007.
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métodos de escrever cartas: a tradição luso-brasileira. In: Veredas:
Revista da Associação Internacional de Lusitanistas. Santiago de
Compostela. Volume 15 – junho 2011.
_______. A escrita epistolar como prosa de ficção: as cartas
do jornalista Miguel Lopes do Sacramento Gama. In: Revista
Desenredo. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade de Passo Fundo. V. 7. N.2 - p. 331-344 - jul./dez.
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na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Trad. Mary Del Priore. 2.
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não convencional para o século XVIII. São Paulo: Companhia das
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DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, 27 de março de 1850.
DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, 5 de abril de 1850.
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DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, 10 de abril de 1850.
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87
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GONDRA, J. Ao correr da pena: reflexões relativas às cartas
de professores do século XIX. In: MIGNOT, Ana Cristina V. e
CUNHA, Maria Teresa S. Práticas de memória docente. São Paulo:
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SENA, F. As epístolas nos jornais paraibanos: o discurso pedagógico
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do Império. In: Antonio Carlos Ferreira Pinheiro; Cláudia Engler
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SERRE, S. L. Le Secretaire à la Mode. Chez Louys Elzeuier, 1650

88
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
A CAMPANHA DE PÉ NO CHÃO E SUA LEITURA
A PARTIR DA PEDAGOGIA CRÍTICA: UMA
MEMÓRIA IMPORTANTE PARA EDUCAÇÃO EM
DIREITOS HUMANOS.

Kléber de Araújo
Patrícia Araújo Rocha

Todos sabemos quais são os problemas, e todos sabemos o


que prometemos para solucioná-los.(Kofi Annan37)
A princípio se fôssemos detalhar o processo histórico da edu-
cação brasileira desde a chegada dos jesuítas até os dias atuais, como
geralmente acontece, teríamos a imagem de uma estrada acidentada,
na qual não deixa claro o seu início e muito menos o destino final,
mas sabemos que esta contém várias armadilhas que podem ser letais
e altamente tendenciosas.
No intuito de destacar as inquestionáveis contribuições dessa
experiência, faremos um recorte do momento histórico vivenciado no
Brasil no período de 1960 a 1964, quando foi desenvolvida a “Cam-
panha de pé no chão também se aprende a ler”, na cidade de Natal
(RN). Trata-se de um momento de grandes avanços na cultura, edu-
cação e na forma de participação das camadas populares, e se percebe
o desejo de exercer a cidadania que emanava da população brasileira,
sobretudo os mais desassistidos pelo poder público. Logo, não pode-
mos deixar de relatar a importante contribuição dos ideais freireanos.
Mas é importante refletir sobre o que de fato, provocou nas pessoas o
desejo de participar, de exercer o direito a sua cidadania.
A educação, certamente, foi e sempre será um dos principais

37 Secretário-Geral das Nações Unidas (1997-2007)


89
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
caminhos para a vida em sociedade38, mas sabemos que o momen-
to histórico tem um fator preponderante neste processo. Para melhor
compreender a importância da “Campanha de pé no chão” e a sua
contribuição para educação em direitos humanos necessitamos conhe-
cer um pouco o que acontecia no cenário nacional e do Rio Grande do
Norte no período em que a mesma ocorreu. Assim, certamente, ire-
mos entender sua contribuição e real importância diante dos desafios
da efetivação da Educação em Direitos Humanos.

1-A educação no cenário nacional de 1960-1964

Nos anos de 1960-1964 várias transformações aconteciam no


cenário nacional. Um período marcado por mudanças significativas
no campo político, econômico e educacional brasileiro.
Em 21 de abril de 1960 a capital do Brasil é transferida para
Brasília. Em 3 de outubro, Jânio Quadros é eleito Presidente do Brasil,
em 1964 o Brasil sofre o Golpe Civil-Militar, iniciando-se o período
da Ditadura Militar, o que significou um grande retrocesso nos diver-
sos setores, principalmente na educação.
Mas, o sonho de uma educação brasileira e sua efetivação não
perdurou por muito tempo, pois, em 1º de abril de 1964 é deflagrado
o Golpe. Os seus líderes entenderam que ações como a da “Campa-
nha de pé no chão” tinham interesses diretos com os ideais do Regi-
me Comunista, logo, esta se tornou um dos alvos deste movimento.
Em pouco tempo, tudo que havia sido idealizado e construído com
a participação popular, estava totalmente destruído, ou pelo menos
38 De acordo com Dalari [...] A sociedade humana é um conjunto de pessoas ligadas pela
necessidade de se ajudarem umas às outras, a fim de que possam garantir a continuidade
da vida e satisfazer seus interesses e desejos.

90
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
no seu aspecto físico (a Biblioteca, os Acampamentos, parte dos seus
documentos), pois as experiências vivenciadas por homens, mulheres
e crianças ficaram guardadas na vida de cada um deles, os quais, hoje
podem ser compartilhados através de suas memórias.

2-Natal: um marco na educação brasileira

Apesar dos imensos desafios que permeavam o governo na ges-


tão de Djalma Maranhão, este deixou um importante legado para
educação brasileira. A “Campanha de pé no chão” se destaca entre
outras experiências vivenciadas, em especial na década de 1960, a qual
apresenta como grande referencial o fato de ter sido uma proposta
construída pelo povo, com o povo e para o povo.
E foi com o apoio popular que nasceu a sua principal meta de
governo que era de investir na educação, embora a princípio, os inte-
resses fossem diversos. Djalma Maranhão vislumbrava o desenvolvi-
mento industrial e o crescimento econômico, mas tinha a percepção
de que, para isto, necessitava mudar o quadro de educação de Natal
que apresentava um grande número de analfabetos, situação essa, que
não era diferente no cenário nacional.
Para a população potiguar era a oportunidade de oferecer a
princípio a seus descendentes, um futuro melhor, o que acaba ganhan-
do força com o apoio dos movimentos populares, os quais estavam em
ascensão neste período quando se levantava a bandeira de defesa da
educação popular.
Do exposto acima, pode-se começar a compreender a impor-
tância desta experiência. O conceito de promover educação assume
uma conotação muito mais ampla que o simples ato de ir à escola
aprender a ler e escrever: “[...]a Campanha de pé no chão é a resposta

91
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
de um povo que se levanta para lutar contra a miséria, contra a espolia-
ção(...); por uma escola brasileira, consciente, crítica e demonstrativa
[...]” (GERMANO,1989, p 94).
Ao observarmos o quadro atual da educação nacional podemos
perceber que as mudanças se fazem necessárias e que muitas vezes as
ideias não são efetivadas por falta de vontade política e por diversos
outros fatores e interesses que exercem grande poder, engessando a
nossa educação, o que não quer dizer que não sejam possíveis. Uma
prova disso é a experiência da “Campanha de pé no chão”.

3- A importância de reconstituir a memória

A “Campanha de pé no chão” permanece na memória daqueles


que a vivenciaram, contrariando os ideais dos líderes do Golpe Civil-
Militar de 1964. A mesma não foi totalmente apagada, embora o seu
acervo documental tenha sido criminosamente destruído, em nome
dos interesses dominantes, os quais se sentiram profundamente inco-
modados e ameaçados com a ideia de um povo que começava a tomar
ciência do seu poder. (GERMANO, 1989, p 156), descreve uma de-
claração, vinculada na época, no Diário de Natal, a qual dizia: A paz e
a tranquilidade do Brasil não seriam mais perturbadas, tendo os bra-
sileiros o clima de respeito e ordem para trabalhar pelo bem da Pátria.
Naquele contexto tornam-se claros os ideais dos líderes do gol-
pe, uma vez que, nos permite elencar os seguintes questionamentos: a
paz e a tranquilidade “de quem” estava sendo ameaçada? Quem eram
os considerados brasileiros, já que se falava no respeito e ordem para
trabalhar e, ao mesmo tempo, negava à população o direito de estudar
e aos educadores da “Campanha”, o direito de educar?
Toda uma história da educação popular foi “simplesmente des-
truída” sem qualquer cerimônia, onde pessoas inocentes morreram e
92
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
tinham como único crime ter oferecido a uma população analfabeta
e oprimida o direito de aprender e de reivindicar os seus direitos, vis-
lumbrando um futuro digno. Quem era a Pátria? Quem de fato estava
sendo ameaçado? Enfim, é muito claro que o medo que pairava sobre
os setores da classe dominante foi decisivo para por fim à “Campanha
de pé no chão” e às outras experiências educacionais que estavam sen-
do desenvolvidas na época.
Nesse contexto, destacamos o quanto é importante a reconsti-
tuição da memória, o que nos ajuda a melhor compreender o porquê
do Brasil ainda permanecer com um dos piores índices de educação,
quando comparado ao cenário mundial.
Investir na educação é um risco muito grande para as classes
sociais dominantes, principalmente em um país, onde historicamente
as desigualdades sociais sempre estiveram presentes.
Compreender o que se deu na educação brasileira, em especial
no Rio Grande do Norte e Pernambuco, no período de 1960 a 1964
é essencial, pois nos fornecem elementos imprescindíveis para reflexão
sobre os dados atuais da educação no Brasil, além de nos remeter a
pensar sobre como estaria hoje se experiências como a “Campanha de
pé no chão” e “40 horas de Angicos” não tivessem sido interrompidas.
O processo de valorização de experiências como estas e o cui-
dado para não perder esta memória é um dos desafios que temos. É
importante que não se perca, pois é muito importante no processo de
compreensão e de efetivação de uma educação humana, como relata
(CARVALHO, 2013, p.76):
[...] O processo de (re) significação das lembranças ocorre
pela atividade reflexiva, pelo próprio dinamismo peculiar
à memória, que a faz modificar, transformar, construir
e reconstruir reminiscência para atribuir um sentido
satisfatório à vida e para que exista correspondência entre
identidades passadas e presentes.
93
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Sem o interesse e busca pelo resgate histórico da educação brasi-
leira, dificilmente existirá a consciência plena do poder que emana da
educação. Como relata (GERMANO, 1989, p 161), sobre a indaga-
ção feita a professora Mailde [Pinto Galvão]39 quando submetida a um
dos interrogatórios. “A senhora é muito perigosa...”. Assim, é possível
perceber o quanto a educação era ameaçadora. Investir na educação
significava e ainda significa apoderar o povo, e isto seria fatal para um
sistema político secularmente dominador.
Neste contexto, percebemos o quanto a educação pode ser peri-
gosa e ameaçadora, assim compreendemos o descaso e as “maquiagens”
que permeiam, ainda hoje, a nossa história educacional repercutindo
em todo o seu contexto político e social. Muitas foram as vítimas da-
queles que temem o poder da educação, entre eles Djalma Maranhão
que morreu no exílio, em 30 de julho de 1971.
Assim, percebemos que após todas as tentativas dos líderes do
Golpe de 1964 de apagar esta memória da população potiguar, a mes-
ma permaneceu, mesmo que fragmentada.

4-O olhar da pedagogia critica sobre a experiência da


“campanha de pé no chão”

Da mesma forma que a Pedagogia Crítica defende uma abor-


dagem de ensino na qual incita os discentes a questionarem e a desa-
fiarem as práticas que lhe são ensinadas, promovendo assim, a cons-
ciência crítica; a “Campanha de pé no chão” nasce como resposta de
uma reivindicação popular, vítima de um retrocesso da escola pública,
ao combate do alto índice de analfabetismo e, consequentemente, a

39
94
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
violação de direitos à educação, marcando a cidade de Natal no Rio
Grande do Norte.
Desse modo, a percepção que se pode alcançar através da cons-
ciência crítica, obviamente, liberta um indivíduo e/ou uma sociedade
no sentido de que essa consciência faz possível ou reconhece as verda-
deiras razões que estão na raiz de seus problemas. Portanto, a “Campa-
nha de pé no chão” é a resposta popular que se acorda e vai à luta pela
afirmação do direito de todos à educação e pela autenticidade de uma
cultura. Essa experiência superou expectativas e se engajou definitiva-
mente, na luta de emancipação de um povo solidário e comprometido
com a igualdade social.
Para ilustrar essa consciência crítica e da afirmação do direito
de todos à educação, destacamos alguns objetivos da Pedagogia Crítica
apontados por (MAGENDZO, 2002, p.2) que diz:
(a) Crear nuevas formas de conocimiento através de
su énfasis em romper com las disciplinas y em crear
conocimiento interdisciplinario;

(b) Rechazar la distinción entre cultura superior y cultura


popular, de manera que el conocimiento curricular responda
al conocimiento cotidiano que constituye las historias de
vida de las personas de manera diferente.
A Pedagogia Crítica percebe a relação ensino-aprendizagem
numa conotação muito abrangente e complexa que vai muito além da
escrita, leitura, da fala e do contexto social. É um processo contínuo de
“desaprender, aprender, reaprender, refletir e avaliar” (MAGENDZO)
e do impacto que essas ações têm sobre quem aprende.
Para corroborar com essa afirmação (MAGENDZO) traz a
seguinte definição para a Pedagogia Crítica do livro intitulado “Em-
powering Education”, que diz

95
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
[...] Pedagogía Crítica, vale decir ubicando el proceso de
la enseñanza y el aprendizaje al interior ... proporcionado
excelentes e interesantes aportes, a partir de la teoría crítica,
en el campo del control y el poder político, institucional
y burocrático que se ejerce sobre el conocimiento, los
estudiantes y los docentes. (Disponível em: http://www.
iidh.ed.cr/documentos/herrped/pedagogicasteoricos/12.
pdf . Acesso em 30 de ago. de 2014.)
Aliado a isso, (GIROUX, 1986, p.236), traz uma crítica
interessante quanto à fundamentação teórica e a prática educacional
com relação à transmissão da cidadania, quando afirma
Uma falha importante no modelo de educação para
a cidadania é que ele não reconhece nem responde às
disfunções sociais e estruturais; ao invés disso, as falhas
sociais e institucionais são interpretadas como falhas
pessoais.
Tanto a Pedagogia Crítica como a “Campanha de pé no chão”
trazem no seu arcabouço teórico-prático, uma mudança pessoal e so-
cial levando as pessoas inseridas nesse processo a uma plena expansão
da liberdade e autonomia. É o que poderíamos chamar de “empode-
ramento” defendido tanto pela Pedagogia Crítica como conquistada
com a “Campanha de pé no chão”, como diz (COUNT apud APPLE,
1996, p. 22):
[...] pode a escola ousar em construir uma nova ordem
social? Questionar radicalmente as escolas e outras entidades
pedagógicas, de perguntar quem se beneficia de suas formas
dominantes em termos de currículo, ensino, avaliação e
políticas, de discutir sobre o que elas poderiam fazer de
diferente [...]
O foco da Pedagogia Crítica enquanto prática pedagógica e a
experiência da “Campanha de pé no chão” trazem uma memória sig-

96
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
nificativa e uma grande influência para todos aqueles que trabalham
com a educação e que se perguntam “qual conhecimento é o de maior
valor?”. Pergunta essa que (APPLE, 1996, 2000, 2004) reformulou
e nos desafia a responder: “O conhecimento de quem é o de maior
valor?”.

5-As contribuições da campanha de “pé no chão”


para efetivação da educação em direitos humanos

É indispensável, quando pensamos nas inúmeras contribui-


ções que a “Campanha de pé no chão” trouxe para a educação em
direitos humanos, a própria afirmação do direito humano à educação,
como defende Machado e Oliveira, a educação como “um direito so-
cial proeminente, como um pressuposto para o exercício adequado
dos demais direitos sociais, políticos e civis” (MACHADO e OLIVEI-
RA, 2001, p. 56).
Outro aspecto preponderante que apontamos é do direito à
educação no Brasil, que, mesmo já concebida como direito de todos e
dever do Estado, só passa a ser efetivada com a promulgação da Cons-
tituição Federal de 1998 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional, Lei nº 9.394/96, que consagram o direito de acesso à educação.
Apesar, desses dois aspectos mencionados anteriormente, sa-
bemos que o direito de todos à educação ainda está distante do que
defendemos como uma educação pautada no exercício da cidadania,
no respeito às diferenças e na igualdade social. E, como defende Bob-
bio de maneira enfática:
Uma coisa é proclamar esse direito, outra coisa é desfrutá-
lo efetivamente [...] O importante não é fundamentar os
direitos do homem, mas protegê-los [...] O problema
97
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
real que temos de enfrentar, contudo, é o das medidas
imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses
direitos (BOBBIO, 1992, p.10).
A “Campanha de pé no chão” através de sua práxis evidenciou,
além da efetivação desse usufruto, demonstrou para a sociedade, um
pleno exercício de democracia e cidadania e, consequentemente, uma
possibilidade na educação em direitos humanos, que nos leva à com-
preensão dessa tríade ligação indissolúvel. Como afirmam (MAUÉS E
WEYIL, 2007, p 109)
A educação em direitos humanos requer em torno das
condições de possibilidades, reprodução e justificação das
formas simbólicas, sociais e políticas permissivas, que tornam
banal a violação da natureza e vulgarizam violações diversas
e naturalizam relações humanas de submissão, exclusão,
exploração, discriminação, da violência, preconceito e
perseguição.
A educação em direitos humanos concebe uma educação onde
as pessoas desenvolvam uma consciência, no sentido de orientá-las
para empoderamento para que sejam sujeitos de direitos, para que
não sejam meras expectadoras, mas, que construam socialmente uma
alternativa para os desafios que enfrentam. Dessa forma, a “Campanha
de pé no chão” foi um movimento participativo e integral da demo-
cratização de um povo que nos ensinou, dentre muitas coisas, que o
respeito e o exercício efetivo não pertencem apenas à dimensão polí-
tica da democracia, mas também, as dimensões sociais, econômicas e
culturais.
Não negamos, contudo, que apesar de todas as legislações na-
cionais, incluindo o próprio Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos (PNEDH), que afirma e protege o direito à educação, ainda
existe um número significativo de pessoas sem acesso à escola e a ensi-
no de qualidade no Brasil. Mas, são experiências como a “Campanha
98
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
de pé no chão” que oportunizam e transformam os indivíduos e a so-
ciedade em seu meio, fazendo-nos acreditar que ainda é possível, caso
não percamos nosso entusiasmo diante de tantos entraves no nosso
contexto educacional.
O grande diferencial na experiência da “Campanha de pé no
chão” foi não só a valorização dos saberes e a oportunidade, mas, sobre-
tudo, a busca pelo/a educando/a, o/a colocando/a como protagonista
nesse processo, respeitando a sua dignidade humana, sem quaisquer
distinções, com o devido olhar cuidadoso em oferecer uma educação
de qualidade.

Considerações finais

A “Campanha de pé no chão também se aprende a ler” certa-


mente foi um marco na educação do nosso país, onde a mesma se des-
taca principalmente pela participação popular, de forma ativa, onde
o povo se fez presente em todos os momentos, tendo o diálogo como
base e o respeito à valorização dos saberes do povo, oportunizando a
busca pela garantia dos seus direitos, onde cada homem e cada mulher
tiveram a sua participação garantida, inclusive, para àqueles que não
conseguiram ir até a Escola - para estes, a escola veio até eles, entretan-
to, não foram simplesmente ignorados. É notório o olhar cuidadoso
presente em todo o processo, bem como, a preocupação com a forma-
ção dos profissionais, além de reconhecer a importância da cultura,
oferecendo aos seus atores, a oportunidade do acesso à informação,
onde os mesmos não mediram esforços e, aos poucos, foram se empo-
derando e transformando a sua realidade.
Trazer à memória a experiência da “Campanha de pé no chão”
a partir de um olhar da Pedagogia Crítica é uma contribuição imen-

99
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
surável não só para a Educação em Direitos Humanos, mas é a possi-
bilidade de compreender de que o crescimento pessoal é um processo
contínuo, é aprender a acreditar na natureza humana e no potencial
ilimitado das pessoas.
Embora tenha sido barbaramente interrompida acreditamos
que mesmo diante do medo, lá estava presente o direito daquelas pes-
soas, de poder indignar-se.

100
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Referências

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movimentos contra-hegemônicos e como participamos dele, 2012.
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GERMANO, J.W. Lendo e Aprendendo: a Campanha de Pé no
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MAUÉS, A. W.P. Fundamentos e marcos jurídicos da educação

101
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
em direitos humanos. In. SILVEIRA, R.M.G. et al. Educação em
Direitos Humanos: Fundamentos Teórico-Metodológicos. João
Pessoa. Editora Universitária, 2007.

102
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
EDUCAR EM DIREITOS HUMANOS: PARA
UMA PEDAGOGIA DA SENSIBILIDADE E DO
EMPODERAMENTO

Luciana Martins Teixeira dos Santos


Maria das Graças da Cruz Barbosa
Maria Elizete Guimarães Carvalho

Introdução

Querida Professora: Sou um sobrevivente de um campo


de concentração. Meus olhos viram aquilo que nenhum
homem deveria testemunhar; câmaras de gás construídas por
engenheiros instruídos; crianças envenenadas por médicos
educados. Por isso desconfio da educação. Meu pedido é:
ajude seus alunos a se tornarem humanos. (GINOTT, apud
CARVALHO; MACEDO (Orgs.), 2010, p. 9).
Nessas palavras, que revelam o desrespeito à dignidade humana,
frequente em momentos históricos autoritários, e no caso em destaque
ao nazi-fascismo, em que pessoas instruídas protagonizaram o horror e
a barbárie ao utilizar a razão insensível do conhecimento para cometer
atrocidades e injustiças, percebemos um apelo ao educador e à educa-
ção.
Na verdade, um apelo para que contribuam para a humanização
da educação ou para que façam da educação um processo humanizado
e humanizador. Nas palavras de Ginott (apud CARVALHO; MACE-
DO, 2010, p. 9), também percebemos a esperança na educação como
ponto de partida para a construção de processos educativos direciona-
dos para a percepção e reconhecimento da dignidade humana.
Essa educação capaz de humanizar as pessoas e as relações pode

103
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
ser fortalecida e orientada pela Educação em Direitos Humanos
(EDH), considerando que “educar e educar-se em direitos humanos é
humanizar-se e pretender humanizar as pessoas e as relações” (CAR-
BONARI, 2009, p. 141).
Mas, de que forma promover essa educação que humaniza
quando situações de negligência e injustiça machucam a dignidade
contribuindo para a descrença nos direitos humanos? Como educar
em e para os direitos humanos quando a razão insensível reduz nosso
olhar para não percebermos a dignidade do outro?
As respostas para esses questionamentos encontram na EDH a
proposta favorável ao fortalecimento do ser humano, pelo fato de ser
uma educação sensível aos princípios de liberdade, igualdade, solida-
riedade e empoderamento das pessoas diante das situações de negação
e/ou violação de direitos. Uma educação comprometida com a trans-
formação da realidade, que além de sensibilizar empodera os sujeitos.
A pedagogia do empoderamento deve fortalecer as
capacidades dos atores - individuais e coletivos - em níveis
local e global, nacional e internacional, público e privado,
para sua afirmação como sujeitos no sentido pleno e para a
tomada de decisões (CANDAU et al, 2013, p. 39).
Partindo dessa compreensão, propomos refletir sobre as contri-
buições da Educação em Direitos Humanos enquanto uma pedagogia
da sensibilidade humana e em prol do empoderamento, por ser capaz
de “humanizar as pessoas e as relações”, ou seja, “empoderá-las” para o
enfretamento de injustiças e desigualdades.
Diante dessas perspectivas, de sensibilização e empoderamento
da EDH, retomamos as garantias legais pós-ditadura militar, pelo fato
do Estado democrático de direito constituir-se em um regime de go-
verno viável para a prática de uma educação humanizadora, pautada
pelos direitos humanos.

104
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Decorrente das garantias fundamentais, a Educação em Direi-
tos Humanos é abordada sob a ótica pedagógica da sensibilidade, que
“ressoa” entre razão e emoção, em prol do empoderamento.
Diante dessas intenções, dialogamos com Carvalho (2008), Car-
bonari (2009), Candau (2003; 2013), Dias; Porto (2007), Sacavino
(2007), entre outros estudiosos da Educação em Direitos Humanos.

Garantias fundamentais pós-ditadura: a Educação


em Direitos Humanos em pauta

O término do regime autoritário da ditadura civil-militar bra-


sileira encontrou na Carta Constitucional de 1988, inspirada pelos
princípios da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, a
possibilidade de recomeço. Era chegado o momento de redefinir os
conceitos, normas e valores impostos pela ditadura, e o Estado demo-
crático de direito foi o modelo de governo mais propício à incorpora-
ção de novos princípios, tanto de direitos humanos, como de Educa-
ção em/para os Direitos Humanos.
Nesse momento pós- ditadura, a Constituição Federal (CF) de
1988 representou a projeção dos direitos fundamentais (sociais, polí-
ticos, econômicos, culturais, individuais e coletivos) do ser humano.
E sua promulgação foi um marco, além de jurídico, histórico, pois
propôs conceber a pessoa sob o prisma da dignidade humana, consi-
derando que,
O valor da dignidade humana impõe-se como núcleo básico
e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como
critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação
e compreensão do sistema constitucional instaurado em
1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm
constituir os princípios constitucionais que incorporam

105
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
as exigências de justiça e dos valores éticos (PIOVESAN,
2003, p. 339).
O princípio da dignidade humana é incorporado ao rol de status
jurídico, em outras palavras, este princípio passou a ser expressamente
previsto pelo ordenamento legal.
Sobre o percurso histórico brasileiro da EDH entendemos que
esta é uma prática recente datada de meados da década de 1980, em
pleno contexto de (re) definição da sociedade brasileira que ficou re-
fém do regime ditatorial durante o tempo de vinte e um anos, pois:
Em anos anteriores, os militantes e as organizações de direitos
humanos concentram seus esforços, por motivos óbvios, na
denúncia das violações, assim como nos mecanismos de
proteção das vítimas e das pessoas ameaçadas de terem seus
direitos e sua vida ameaçada (CANDAU, 2003, p.73).
Ora, frente ao contexto de violações cometidas pelo regime au-
toritário, a prioridade era a defesa da vida, por isso, conforme Candau
(2003),
É no contexto das buscas de construção de um novo
estado de direito que emerge a preocupação com a
construção de uma nova cultura política e uma cidadania
ativa, profundamente atravessada pelo reconhecimento
e afirmação dos direitos humanos. Nesse horizonte, a
educação em direitos humanos aparece com um potencial
especialmente relevante e significativo (CANDAU, 2003,
p. 73).
Dessa forma, durante os anos de ditadura, ações mais sistema-
tizadas em prol da EDH eram impraticáveis, pois nesse momento, os
militantes políticos buscavam ao menos a preservação mínima da vida
e da dignidade das pessoas perseguidas. Por isso, apenas com os anseios
democráticos, após ditadura, instaurados pela nova Constituição, é
que a atuação dos Direitos Humanos adquiriu contornos mais defi-
106
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
nidos através da criação de polos de direitos humanos em diferentes
pontos do país40. Alguns desses núcleos receberam apoio do Instituto
Interamericano de Direitos Humanos (IIDH).
Outros organismos internacionais como a Organização das Na-
ções Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a Rede
latino-americana de Educação para a Paz também influenciaram o de-
senvolvimento da EDH em nosso país.
É nesse cenário de reabertura e declínio dos paradigmas ditato-
riais, que a CF de 1988 dedica o artigo 5º aos direitos fundamentais,
assegurando, à sociedade brasileira, direitos e garantias fundamentais,
para que todos possam usufruir de uma vida com dignidade, dispon-
do: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature-
za, [...]” (ANGHER, 2008, p. 35).
A partir desses preceitos, temos a dignidade da pessoa huma-
na como a representação mais fecunda do modelo democrático, pois
“a dignidade humana e os direitos fundamentais vêm constituir os
princípios constitucionais de 1988, que incorporam as exigências de
justiça e dos valores éticos” (PIOVESAN, 2003, p. 339).
A partir de então, como princípio previsto no ordenamento ju-
rídico, a dignidade humana passa a tutelar as garantias individuais e
coletivas da sociedade brasileira.
Dentre as garantias fundamentais pós-ditadura, destacamos o
direito à educação sob o prisma da Educação em Direitos Humanos
enquanto um direito humano que preserva a dignidade, e por isso:
Essencial para o desenvolvimento humano, sem o qual não
há qualquer chance de sobrevivência (física e intelectual
– no que diz respeito à concorrência de trabalho e sua

40 Conforme Candau (2003, p. 74), “no Nordeste pela Universidade Federal da Paraíba
e pelo Gabinete de Assessoria às Organizações Populares (GAJOP), no Rio de Janeiro
pelos professores do Departamento de Ciências Jurídicas da PUC-Rio e, em São Paulo,
pela Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo”.
107
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
consequente qualificação técnico-profissional) ou, se houver
essa sobrevivência estará comprometida com a qualidade
(LIBERATI, 2004, p.212).

Sem a possibilidade de crescimento intelectual, de desenvolvi-


mento das aptidões cognitivas, o ser humano não poderá desfrutar dos
outros direitos, pois será tratado à margem, tendo o desenvolvimento
de sua humanidade comprometida.
É o que nos ensina Carvalho (2008, p.15), quando assinala que
“a educação é considerada um direito humano, uma dimensão do di-
reito social constituindo um direito de todos e dever do Estado”.
Ora, considerar a educação um direito humano implica conce-
bê-la enquanto uma proposta pedagógica caracterizada pela sensibili-
zação a situações de violação aos direitos humanos e como uma prática
de enfrentamento.

Educação em Direitos Humanos: por uma pedagogia


da sensibilização, em prol do empoderamento

Enxergar a escola com as lentes da Educação em Direitos Hu-


manos implica concebê-la enquanto um espaço, por excelência, da
diversidade, da socialização de experiências, saberes e aprendizagens, e
de formação continuada, em que:
Na experiência de professores e professoras o dia a dia na
escola é um lócus de formação. Nesse cotidiano, ele (a)
aprende, desprende, reestrutura o aprendido, faz descobertas
e, portanto, é nesse lócus que muitas vezes vai aprimorando
o exercício de sua profissão (CANDAU et al, 2013, p. 83).

108
História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Nessa perspectiva, de uma formação continuada de educadores
em direitos humanos, a escola é mais que um espaço educacional, mas
o lugar de construção de posturas questionadoras da realidade, e ao
mesmo tempo sensíveis aos direitos humanos, pois:
Não se trata de apenas socializar o conhecimento relativo aos
Direitos Humanos. Em outros termos, não basta conhecer,
é preciso incorporar esse conhecimento, transformando em
modo de estar no mundo (CANDAU et al, 2013, p. 86).
Na escola, o conhecimento sistematizado deve ser mesclado
pelo sentimento de indignação e tomada de posicionamento diante da
vida, no sentido proposto por Paulo Freire (2001, p. 102), de que “essa
educação ligada aos direitos humanos tem que ver com o conhecimen-
to crítico do real e com a alegria de viver”.
Diante dessa gama de possibilidades que envolvem o espaço
educacional, a proposta pedagógica pautada pela Educação em Di-
reitos Humanos pressupõe relações mais profundas de sensibilização
e envolvimento das pessoas com a prática de uma cultura respaldada
no reconhecimento e promoção dos direitos humanos. Pois, “estamos
falando de um conhecimento que passa pelo cérebro, mas deve inva-
dir o coração, provocando uma relação intelectual e ao mesmo tempo
amorosa” (CANDAU et al, 2013, p. 87).
Essa relação “amorosa” com os direitos humanos se fundamenta
nos preceitos de que educar em direitos humanos significa sensibilizar
as pessoas e as relações, mas também sensibilizar-se para a essenciali-
dade do respeito à dignidade de todos, e de cada um.
As constantes violações aos valores humanos de liberdade, igual-
dade e justiça social, aliadas a incorporação de práticas competitivas
decorrentes da vertente neoliberal capitalista, e até a correria do dia
a dia, promovem o distanciamento das pessoas e a descrença de que
os direitos humanos são princípios orientadores da vida, inerentes a
todos e a cada cidadão do mundo.
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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Esse distanciamento das pessoas e descrença nos direitos huma-
nos, além de fortalecer a negação do ser humano enquanto pessoa
dotada de dignidade, também reforça a insensibilidade diante de situ-
ações violadoras e injustas. Desse modo, é necessário promover uma
educação que humaniza.
Enfim, o fato é que a humanidade precisa “reaprender a ser huma-
na” em outros termos, a sensibilidade diante das negligências aos direitos
humanos precisa ser estimulada e vivenciada no espaço educativo.
Buscando atender a esses preceitos, bem como ao apelo de Gi-
nott (apud CARVALHO; MACEDO, 2010) de “ajudarmos nossos
alunos a se tornarem humanos”, é proposta à humanidade a Educação
em Direitos Humanos, enquanto uma pedagogia humanizadora que
toca os sentidos e as práticas de um saber escolar pautado pela sensibi-
lidade no olhar, para enxergar além das violações. A EDH sensibiliza
também os gestos para promover a esperança.
Assim, educar em Direitos Humanos implica relações pedagógi-
cas mais profundas de sensibilização e envolvimento das pessoas com
a prática de uma cultura de direitos humanos direcionada para o res-
peito e promoção da dignidade humana, de forma a contemplar temas
como: valores éticos, subjetividade, história conceitual e institucional
dos direitos humanos, pluralidade cultural e política, respeito à di-
versidade, construção de diálogos inter-étnico e inter-religioso. Nesse
contexto relacional, incluem-se as relações interpessoais e a socializa-
ção dos valores que compõem a especificidade dos direitos humanos,
como noções de respeito à diversidade, solidariedade, tolerância, paz e
dignidade humana.
Para o processo de efetivação da EDH, é necessária a conscientização
dos atores educacionais por uma ação transformadora e emancipatória.
Tem-se, então, que a Educação em Direitos Humanos
implica, necessariamente, numa mudança de mentalidades,

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
impulsionada pelo movimento constante de criação e
recriação, invenção e reinvenção de outras sociabilidades que,
efetivamente, contribuam para o processo de consolidação
de relações democráticas na escola e na sociedade. (DIAS;
PORTO, 2010, p. 36)
Educar em Direitos Humanos é vivenciar o respeito à dignidade
humana, é ser igual em direitos mesmo que diferente na diversidade.
É ter como alicerce uma concepção de cultura de paz, buscando ao
mesmo tempo sensibilizar e sensibilizar-se, em um processo dialético,
despertando a sociedade como um todo para a essência do ser huma-
no, que é justamente sua dignidade.
Dessa forma, a EDH, enquanto prática educativa, não pode ser
desenvolvida de forma isolada, pelo contrário, precisa articular-se com
os conteúdos, com o contexto escolar, com a história de vida dos alu-
nos. Pois assim como nos explica Freire (1996, p. 47) “ensinar não é
transferir conhecimento” e educar em direitos humanos também não.
Partindo dessa compreensão, de que educar em direitos humanos
não significa transferir conhecimento, para que a EDH de fato seja efeti-
vada, precisamos senti-la e vivê-la no cotidiano de nossas ações e relações.
Educando nossos sentidos e atitudes para a sensibilidade e respeito à dife-
rença; reconhecendo no outro, e em nós, a essência da dignidade humana.
É nesse contexto educacional de desenvolvimento de processos
de sensibilidades que se configura o sujeito de direitos em sua plenitu-
de, sendo esse sujeito que a EDH pretende formar, ao proporcionar a
estudantes o domínio de sua própria aprendizagem.
[...] uma pessoa - sujeito de direitos – necessariamente
deve desenvolver habilidades que lhe permitam dizer ‘não’,
com autonomia, liberdade e responsabilidade quando se
defrontam com situações que ameaçam sua dignidade;
poder de recusar pedidos arbitrários, injustos e abusivos que
lesionem seus direitos; [...]. (KOLESTREIN, 2012, p.5)

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Essas habilidades devem permitir aos educandos e educandas
assumirem posturas e comportamentos pela dignidade, atuando frente
às injustiças e violações de direitos, como sujeitos éticos e políticos.

Considerações finais

Educar em direitos humanos é também se educar, em todos os


significados, cognitivamente na medida em que nos formamos a res-
peito dos aspectos históricos e conceituas dos direitos humanos; mas,
sobretudo, quando nos tornamos sensíveis às questões de violação e/
ou violência aos direitos humanos.
Por tais razões, a proposta pedagógica da Educação em Direitos
Humanos contempla a prática de uma cultura de direitos que preten-
de envolver o saber, o sentir e o agir pessoal e coletivo das pessoas sob
a perspectiva dos princípios dos direitos humanos.
Uma das formas de promover essa cultura de direitos é praticá-la
na vivência do dia a dia, não só na escola, mas em todos os lugares,
educando nossos sentidos e pensamentos para a defesa dos princípios
humanos de dignidade, liberdade e respeito à diferença. Esse processo
de sensibilização está em articulação com uma nova proposta peda-
gógica – a EDH -, que objetiva a formação e o empoderamento de
sujeitos de direito.

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História, Educação e Direitos Humanos: Leituras e Representações
Referências

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