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3.2 De elite para elite Por outro lado, se olharmos para os (pou-
cos) dados existentes sobre o mercado, verifi-
Na situação atual, que não se modificará ca-se que os consumidores "bio" correspon-
substancialmente no curto ou médio prazo, a dem a um nicho ainda restrito, constituído
produção biológica é, fundamentalmente, ba- por elementos com maior poder de compra,
seada numa elite de produtores, como se tem mais informados e com mais consciência em
demonstrado em vários estudos e ilustrado no matéria de saúde humana e ambiente. Mar-
quadro seguinte, com base em trabalho re- ques e Teixeira (1998), em trabalho sobre o
cente, coordenado por Carvalho (2000), que consumo de azeites em Portugal, traçam o
confirma e pormenoriza as conclusões de an- perfil do potencial consumidor de azeites bio-
teriores estudos (Cristóvão e Pereira, 1995; lógicos, que se caracteriza pela origem urba-
Silva, 2000). Como vemos, o produtor biológi- no, um mínimo de 11 anos de escolaridade e
co médio apresenta traços bem distintos do preferência pela compra em hiper e super-
produtor agrícola nacional médio, em termos mercados. No quadro do estudo que realiza-
de idade, nível de escolaridade e formação pro- mos recentemente (Cristóvão et al., 2000: 67-
fissional, sendo as suas explorações dominan- 68) entrevistamos três comerciantes especi- 41
Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001
A rtigo
alizados e certificados, 3.3 A Heterogeneidade
com importância sig- de Motivações dos
nificativa em termos Produtores
do volume de vendas.
Todos sublinharam As motivações dos
que a procura está a produtores "bio" têm
crescer e o mercado a evoluído substancial-
mudar. Todos defini- mente nos últimos
ram os clientes atuais anos. Assim, se há
como pessoas bem in- uma, duas ou mais dé-
formadas, com rendi- cadas o desenvolvi-
mentos acima da mé- mento da agricultura
dia e criteriosos na biológica era sobretudo
escolha dos alimentos. movido por razões ide-
A quebra deste ciclo ológicas, hoje parece
"de elite para elite" ser particularmente
passará por mudanças dominado por razões
a vários níveis, em par- econômicas. Há aqui,
ticular: (1) um substancial aumento do nú- certamente, matéria de interesse para refle-
mero de produtores, associada a uma cres- xão, da qual se podem tirar interessantes li-
cente heterogeneidade das suas caracterís- ções em vários domínios.
ticas; (2) um substancial aumento e diversi- No caso das motivações ideológicas, é cla-
ficação da oferta; (3) a diminuição dos preços ra a presença de um quadro de valores que
ao consumidor; e (4) um crescimento signifi- questiona as bases da agricultura convencio-
cativo do número de consumidores e altera- nal e do próprio modelo de desenvolvimento
ção do seu perfil. Daqui decorrem algumas agrícola e rural. Estamos a falar de um seg-
questões críticas como: Quando o ciclo se que- mento de agricultores que possui uma visão
brar, i. e., com muitos mais produtores, con- alternativa sobre a prática da agricultura e a
sumo alargado e poucos (ou nenhum) apoios sua relação com o ambiente e a sociedade.
comunitários, até que ponto continuará a Poderíamos até, em muitos casos, falar de
haver vantagens econômicas para os produ- uma visão diferente do mundo. Estamos, na
tores? Que impacto terá uma previsível alte- verdade, perante agricultores que colocaram
ração deste quadro de vantagens? em causa o paradigma dominante e que, in-
A experiência da Áustria, referida por Gra- dividual ou coletivamente, passaram a uma
ça e Carvalho (1999, 9), mostra que, enquan- ação inovadora e de ruptura, recusando a
to se manteve o ciclo "de elite para elite", ou estandartização das técnicas e a homogenei-
o equilíbrio entre uma minoria de produtores zação dos produtos e indo contra a corrente
"verdes" e uma minoria de consumidores "ver- da industrialização da agricultura, movida
des", os produtos biológicos tinham preços bem pelos interesses das grandes agroindústrias
superiores aos dos produtos da agricultura e do grande comércio. Pode dizer-se que com-
convencional. preenderam (cedo) o desafio da sustentabili-
Porém, "quando o equilíbrio se rompeu, os dade da agricultura e remaram contra a maré
preços dos produtos biológicos desceram apro- dos sistemas estabelecidos de formação, ex-
ximando-se ou igualando aos preços dos pro- tensão e investigação, criando redes infor-
42 dutos não-biológicos". mais de aprendizagem e desenvolvendo a sua
5 Referências Bibliográficas
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Uma Alternativa para Trás-os-Montes? Revista GMO Production: A New Challenge for Agricultural
Notas
1
Esta parte da comunicação segue de perto área semelhante à de 1999. No final de 2000
o artigo "Novas Agriculturas em Portugal: O a SOCERT-Portugal, uma das duas instituições
longo caminho para o desenvolvimento da de controlo e certificação, era responsável por
produção biológica", de A. Cristóvão, T. cerca de 44.000 ha no continente, 28,5 ha
Koehnen, A. Strecht e D. Vilas Boas, para nos Açores e 23,3 ha na Madeira.
Publicação pelo Centro de Estudos Geográficos
3
da Universidade de Lisboa. Comunicação de Fabio Piccioli, Vice-Presidente
da AGRIBIOMEDITERRANEO, ao Colóquio sobre
2
Dados fornecidos oralmente pelo "Agricultura Biológica e Desenvolvimento
Presidente da AGROBIO apontam para a Sustentável", promovido pela AGROBIO e realizado
existência actual de 800 operadores e de uma em Tavira no dia 28 de Abril de 2001.
47
Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.4, out./dez.2001