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Habitação social na América Latina: uma

metodologia para utilizar processos de auto-


organização.

Nikos A. Salíngaros, David Brain, Andrés M. Duany, Michael W. Mehaffy &


Ernesto Philibert-Petit (membros do ESRG — Environmental Structure Research Group).
Tradução no Português por Lívia Salomão Piccinini.

(Apresentado no Congresso Ibero-Americano de Habitação Social, Florianópolis,


Brasil, 2006)

Introdução por Lívia Salomão Piccinini.

Minha aproximação com Salingaros aconteceu quando eu pesquisava, na web, para


preparar as aulas para meus estudantes de arquitetura, da disciplina de Gestão e
Planejamento Urbano. Naquela época (2001) eu queria associar a questão do desenho
com o planejamento urbano, mas as ferramentas teóricas e conceituais disponíveis não
me satisfaziam. Encontrei, então, seu texto Linguagem de Padrões e Desenho Interativo,
orientando o desenho com as comunidades, baseado nas teorias e na experiência
prática de Christopher Alexander: um texto que apontava um caminho para pensar o
trabalho com os estudantes e discutir a organização da forma urbana. Mais tarde, os
conceitos de conexão, de teia e a busca incessante de uma ciência urbana, me
desafiaram e me aproximaram cada vez mais deste urbanista e pensador original.

Foi com grande contentamento que tomei conhecimento de seu texto sobre a
habitação social na América Latina, no final de 2006, um dos textos mais lúcidos sobre
o processo de habitação das populações de baixa renda. Particularmente importante
para mim, que estava trabalhando com a questão da habitação social, buscando
entender a relação entre padrões (ou a flexibilização dos mesmos) e a qualidade de vida,
abordada sob o ponto de vista da saúde dos moradores. Sua abordagem inspirada e

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criativa foi uma surpresa. Na abordagem de Salingaros, identifica-se a incorporação de
um novo paradigma no enfrentamento da questão habitacional dos pobres urbanos dos
países em desenvolvimento: uma concepção que abriga a qualidade do espaço. O texto
apresenta recomendações para a participação do morador nas decisões “de baixo para
cima” como maneira de garantir o bem-estar físico e psicológico dos habitantes; a
metodologia apresenta uma insistência constante e contínua em garantir a constituição
de espaços de prazer e de convívio, de socialização e de uso facilitado, descrevendo de
regras precisas para a construção da habitação. Mas, além disso, apresenta um
background filosófico e científico, baseado em evidências empíricas, para a
constituição da habitação social.

Em um momento em que o número de sem tetos e de pobres vivendo em más


condições nas cidades, assume proporções gigantescas na América Latina, o trabalho
de Salingaros e seu grupo, aparece como uma das formas possíveis para orientar a
organização dos espaços de vida destas populações. O enfoque e a metodologia,
resgatando a complexidade e interessados em proporcionar bem-estar físico aos
moradores, são absolutamente fundamentais no contexto da região, onde as soluções
que vêm sendo adotadas tentam resolver a questão da moradia em termos de números
de unidades construídas, abandonando a espacialidade e os sentimentos dos moradores.
Salingaros, que, tendo na espacialidade o objeto de suas análises, desenvolve uma
metodologia que propõe a intervenção sobre as áreas de baixa renda, a partir da
interpretação das práticas tradicionais de abrigo, desenvolvidas ao longo dos séculos,
nas formas que a moradia assume nas diferentes culturas e que são tomadas como
evidências empíricas para o apoio de suas análises.

Discutindo especificamente a questão da habitação social na América Latina,


Salingaros, considera que o espaço de sucesso é aquele capaz de garantir aos residentes,
bem-estar físico e emocional e propõe um back-ground científico e filosófico para a
elaboração teórica sobre a habitação social. A construção é tomada como um processo
que, quando e se, controlado pela população moradora (a participação dos moradores no
processo é determinante, ou os moradores “não irão amar o lugar”) e desenvolvida a
partir do entendimento da complexidade tanto da forma urbana como das relações
sociais, é capaz de gerar determinações físicas ricas e complementares, incorporadas à
complexidade social.

Essa ‘dialética’ da complexidade sócio-espacial é identificada pelo autor nos


assentamentos auto-produzidos, compostos de redes sociais complexas que requerem
uma morfologia complexa, não mono-funcional, não desconectada do resto da cidade,

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mas capaz de garantir o “mix” social, a qualidade e a sustentabilidade urbana. Nestes
assentamentos, contrariamente às formas rígidas e inumanas, de terríveis impactos
ambientais, desenvolvidas por programas estatais, com soluções formais do desenho
modernista monótono e repetitivo, com áreas específicas e imensas, designadas
exclusivamente para a moradia dos pobres, há espaços “vivos”. O autor defende que na
organização espacial das áreas das populações de baixa renda, produzidas
autonomamente, a geometria e a qualidade da superfície auxiliam na conexão
emocional, onde forma e padrão desempenham o papel de criar a conexão. Com este
entendimento e o auxílio dos princípios da biofilia, o autor propõe o desenvolvimento
de estruturas orgânicas, que estabeleçam uma relação complexa com os padrões
organizacionais de seus moradores.

O processo de urbanização na América Latina, implementado a partir dos anos 50


com a massiva migração do meio rural para as cidades criou, ao mesmo tempo, algumas
das grandes metrópoles mundiais e os mais representativos assentamentos informais do
planeta que continuam a desafiar os governos, os arquitetos e urbanistas e a sociedade
em geral diante do desafio de encontrar-se uma solução para o problema da degradação
do ambiente urbano e da crescente deterioração das condições de moradia de uma
ampla parcela de sua população.

Ao longo desse período significativas soluções urbanas e arquitetônicas orientadas


pelo movimento modernistas foram produzidas na região e alcançaram níveis de
qualidade internacional. Ao mesmo tempo, as soluções dos especialistas para o
problema da habitação dos pobres no meio urbano produziram resultados
qualitativamente desastrosos e quantitativamente irrelevantes, não sustentáveis desde o
ponto-de-vista ambiental, econômico e social.

O fracasso das políticas de habitação para os pobres no meio urbano pode ser
atribuído a diversas razões, dentre as quais se destacam o caráter formalista adotado
nas soluções tradicionais dos arquitetos e urbanistas, uma determinada visão de poder e
da ordem espacial dentro de um paradigma mecanicista dos processos no meio urbano.
Desse modo, a estruturação do aparato do Estado para regular e disciplinar as soluções
urbanísticas, com seus códigos cada vez mais abrangentes e rígidos, encontra nas
instituições formadoras dos arquitetos e urbanistas, os mecanismos de reprodução de
um modo de pensar formal incapaz de apresentar soluções viáveis para os problemas
concretos da cidade contemporânea latino-americana.

Adotando uma visão orgânica da cidade e utilizando uma metodologia de trabalho


baseada em evidências — que revê as melhores práticas acumuladas ao longo do

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processo de desenvolvimento das cidades, através dos séculos — os autores, liderados
pela perspectiva adotada por Salingaros, desenvolvem uma metodologia aplicável aos
projetos de habitação social, que representa uma proposta inovadora aos desafios
colocados pela necessidade de prover habitação para os pobres no meio urbano.

Ao invés de propor a aplicação de uma imagem idealizada através de um projeto


urbano e de habitação tradicional, os autores propõem explicitar os elementos, as
etapas e fases de um processo, através do qual, na medida do seu desenvolvimento, o
espaço urbano e da habitação vão sendo definidos. Apresentam de um lado, regras
práticas para a construção da habitação social e, de outro, uma análise filosófica e
científica sobre os processos sociais e culturais envolvidos na produção do espaço.

À prática do planejamento urbano, desenvolvida pelo movimento modernista, com


sua visão mecanicista e formal (com seus modelos de planejamento e gestão baseados
na idéia de comando e controle, hierarquizados e centralizados) e com princípios
abstratos aplicáveis a todas as situações, os autores respondem com uma visão orgânica
em que a complexidade do urbano é analisada enquanto relação entre a complexidade
da forma espacial e a complexidade do processo social, cabendo ao planejador gerenciar
essa complexidade, canalizando a energia das pessoas e ajudando no desenvolvimento
dessa complexidade emergente.

No contexto das idéias herdadas do movimento modernista — ainda dominantes —


as favelas representam uma solução espacial inapropriada, que deve ser removida tão
logo quanto possível. Segundo os autores, contudo, o desenvolvimento orgânico do
espaço das favelas resulta de um processo de auto-organização que, apesar de todas as
graves deficiências, representa uma solução econômica e social bastante eficiente da
qual pode-se aprender muitas lições sobre o urbanismo, como ideologia e sobre o
espaço, como expressão do poder.
Na solução do problema da habitação social, os autores propõem o estabelecimento
de tecidos urbanos complexos, garantindo a acessibilidade e a integração das áreas das
favelas com os espaços de usos múltiplos, integrando todos os habitantes
independentemente da sua condição social e demográfica, de tal maneira que a solução
da habitação social encaminhe o processo mais geral da criação de uma cidade baseada
em redes saudáveis.

Para além da forma física, é apresentado um conjunto de idéias que vinculam a


produção da habitação social ao mundo da percepção, da representação e dos valores
dos seus habitantes, ao que evidenciam a necessidade do conhecimento de como o ser

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humano é afetado pelo seu ambiente, em termos dos elementos físicos, artificiais e
naturais, que o compõe. Através da análise dos padrões de relacionamento dos
habitantes com o meio, um conjunto de conceitos-chave, que vão do psicológico ao
sagrado, propõe uma dimensão nova do processo de produção da habitação, para mais
além do material, alcançando o nível do simbólico, através da constituição de espaços
urbanos de encontro e de identidade social e cultural.

Para a estruturação do espaço, a metodologia de Christopher Alexander é abordada,


buscando a construção de um tecido urbano saudável, definindo os passos de
implantação dos elementos físicos de modo a garantir um tecido urbano vivo. Ao invés
do tradicional projeto desenvolvido em escritório, é proposto um processo de
implantação, direto no terreno, dos elementos principais: rotas de circulação, espaços
públicos, vias secundárias, espaços para os pedestres, implantação dos prédios e suas
conexões, a partir dos quais os próprios habitantes constroem as suas habitações, onde
o uso de padrões e códigos geradores apresenta a vantagem de incorporar soluções já
adotadas em outros casos e baseadas em evidências, com base em conhecimento
científico.

A longo do texto é descrito, de forma detalhada, os passos a serem adotados,


passando pela estratégia de construção e de layout, bem como de sugestões práticas
para o funcionamento dos projetos, incluindo o papel do arquiteto, os tipos de
materiais a serem empregados, as formas de financiamento e de manutenção das
habitações. Ademais, é discutido um elenco de problemas a serem resolvidos, dos quais
destaca-se a melhoria sanitária das favelas, os problemas da especulação imobiliária e o
preço da terra. Por fim, é discutida a visão que os próprios moradores da favela têm
sobre o modelo ideal de habitação — “escapar da pobreza, na mente de um morador a
favela significa escapar da geometria da favela” — pode conflitar com as soluções
propostas restando ao arquiteto a solução de um problema que combina as aspirações
de curto prazo com as exigências de longo prazo, sempre na busca da arquitetura que
toque às emoções.

É desta forma que o urbanista Salingaros, e seu grupo, nos auxilia a pensar soluções
que contemplam a complexidade espacial e social que constitui os assentamentos dos
pobres urbanos. É uma forma de conhecimento que tem como objetivo ajudar o
desenho de uma maneira estruturada, para obter uma forma de sucesso e geradora de
bem-estar. Não é um caminho livre de conflitos ou de dificuldades, mas é um percurso
possível para a preservação da qualidade do espaço urbano.

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Nikos Salingaros, físico e matemático, pesquisador e professor da Universidade do Texas, USA,
é o mais próximo colaborador de Christopher Alexander, com quem trabalha sobre a problemática
urbana e da habitação, desde os anos 1980. Na companhia de outros autores (latinos, europeus e
americanos, dentre os quais Andrés M. Duany, cubano, pesquisador da moradia de baixa renda
naquele país; David Brain e Michael W. Mehaffy americanos e Ernesto Philibert-Petit,
mexicano) compõe o ESRG — Environmental Structure Research Group, na pesquisa da
habitação. Sua teoria, baseada nas estruturas das redes complexas, explicativas das cidades, das
relações espaciais e das relações sociais coloca que a complexidade morfológica incorporada à
complexidade social, diferentemente dos espaços rígidos e geometrizados da arquitetura
modernista, é capaz de agregar qualidade à vida das populações e auxiliar no resgate do espaço de
sucesso: aquele que garante bem-estar físico e emocional aos moradores, sendo, portanto, o tipo de
arquitetura que deve ser buscada.

Lívia Salomão-Piccinini, arquiteta e urbanista, está na faculdade da Universidade Federal do


Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil.

Habitação social na América Latina: uma


metodologia para utilizar processos de auto-
organização.

Resumo: Nós oferecemos aqui um conjunto das melhores práticas para a habitação social,
baseadas em evidências, que são aplicáveis em situações gerais. Exemplos variados são discutidos
para o contexto latino-americano. Soluções adaptáveis que agem buscando uma sustentabilidade
duradoura e ajudam os residentes a vincularem-se ao seu (novo) ambiente construído. Buscamos
novos insights nas ciências complexas e, em particular, no trabalho de Christopher Alexander,
sobre como desenvolver a forma urbana com sucesso. Aplicando as ferramentas conceituais do
“Linguagem de Padrões” e “Códigos Geradores” estes princípios apóiam soluções prévias, derivadas
por outros, que nunca foram levadas adiante de uma forma viável. Novas metodologias
apresentadas aqui oferecem uma alternativa promissora ao fracasso das tipologias padrão da

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habitação social promovidas pelos governos em todo o mundo e que se provaram desumanizadas e,
por fim, insustentáveis.

SEÇÕES 1-4: BACKGROUND E CRÍTICAS

1. Introdução.

Este paper resgata promissoras novas soluções para o futura do habitação social.Ele
foi preparado na forma de um amplo relatório, por um de seus autores, (Nikos
Salíngaros — NAS) para o Brasil e é aplicável de uma maneira geral para toda a
América Latina. Um de nós (Andrés M. Duany — AMD), está projetando habitação
social na Jamaica e no Caribe, e dois outros autores (AMD e Michael W. Mehaffy —
MWM) estão diretamente envolvidos com a reconstrução após a devastação feita pelo
furacão Katrina no sul dos Estados Unidos, o que significa enfrentar realidades
similares, embora não idênticas. Outro autor (Ernesto Philibert-Petit — EPP), tem
pesquisado conexões para pedestres no tecido urbano e está envolvido em promover
soluções habitacionais através de programas governamentais, em grande escala, no
México. O último autor (David Brain — DB), vem há muito tempo estudando a
influência da forma urbana no bem-estar e na sustentabilidade da comunidade, um
fator crucial na nossa discussão.

O desafio da habitação social é o maior componente do crescimento urbano no


mundo e nós desejamos apresentar aqui uma ampla metodologia para melhorar,
radicalmente, o seu desempenho. O sucesso será medido em termos humanos, isto é, o
bem-estar físico e emocional do residente. Nós consideramos um projeto de sucesso se
ele é mantido e amado pelos seus residentes e também se o tecido urbano se junta ao
resto da cidade de uma maneira saudável e interativa. Por outro lado, nós consideramos
como não tendo sucesso (e, portanto, não sendo sustentável) um projeto que é odiado
por seus residentes, por um número de diferentes razões, que dissipa e não preserva
recursos desde o início da construção, que contribui para a degradação social, que isola
os residentes e que se deteriora em um curto período de tempo.

A essência da abordagem apresentada aqui é a de aplicar um PROCESSO ao invés de


uma IMAGEM específica do projeto e do edifício.A maneira como isto tem sido feito
no passado recente é o de construir de acordo com uma imagem preparada daquilo que

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os prédios deveriam ser e de como eles deveriam posicionar-se. Na nossa proposta, em
contraste, no início não existe imagem do projeto: ela emerge do processo em si e fica
claro somente quando tudo está terminado.

Nós podemos nos mover através de uma solução mais completa e satisfatória
baseados no trabalho de Christopher Alexander — um entre os vários pioneiros que
propuseram que o tecido urbano deveria seguir um paradigma orgânico — e podemos
incluir trabalho teórico e prático que por várias razões não são amplamente aplicados.
O que nós oferecemos é apoiado pelas evidências de muitos exemplos da prática
tradicional através dos séculos.Os governos, ao invés disso, escolhem impor esquemas e
tipologias que em última instância geram hostilidade, por parte dos próprios
ocupantes, em relação ao tecido da habitação social. Nós iremos analisar as razões
desta hostilidade com o objetivo de evitá-la no futuro. As relativamente simples
soluções apresentadas aqui são genéricas. Desta maneira, embora ajustadas para a
América Latina, elas podem ser adotadas pelo resto do mundo com modificações
mínimas. Este estudo resume idéias que são genéricas o suficiente para ser aplicadas a
países onde as condições locais para a produção da habitação podem ser muito
diferentes.

Nós podemos aprender através das abordagens inovadoras em habitação promovidas


por governos ou desenvolvidas por grupos independentes, em diferentes ambientes e
condições.Usando nosso critério de bem-estar físico e emocional dos residentes, a
análise de uma série de projetos, construídos ao longo de várias décadas, mostram que
muito poucos podem ser julgados como realmente de sucesso. Estas (poucas) soluções
excelentes tendem a ser negligenciadas porque elas falham em satisfazer certas
propriedades icônicas (que nós discutiremos mais tarde neste paper). Talvez, e
surpreendentemente, nós resgataremos tipologias de sucesso desenvolvidas para
comunidades de alta renda.

Este paper combina duas abordagens mutuamente complementares (e irá contrastá-


las com métodos existentes).Por um lado, vamos dar algumas regras práticas explícitas
para construir a habitação social. Qualquer grupo ou organização que deseje começar
imediatamente pode implementá-las — com as apropriadas modificações locais — nos
seus projetos específicos. Por outro lado, nós iremos apresentar um background geral,
filosófico e científico, para a habitação social e suas implicações culturais. O objetivo
deste material teórico é “dar permissão” para os argumentos do senso comum, criando
condições que irão, de maneira segura, apoiar o que, na verdade, acontece
naturalmente. As pessoas, agindo como agentes locais inteligentes, podem, então,

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aplicar métodos que emergiram durante milênios de construção da própria casa pelos
próprios moradores, com desempenho de sucesso, como parte da produção de
comunidades saudáveis construídas pelos residentes.

Esta metodologia reconhece e incorpora os atributos dos mais robustos


assentamentos humanos através da história, utilizando a abordagem “gerenciando-a-
complexidade” ao invés da abordagem linear “de-cima-para-baixo”. Nós propomos
canalizar o talento para o desenho e a energia para construir das pessoas, agindo como
agentes locais, dentro de um sistema que nós gerenciamos somente para ajudar a gerar
e a guiar a sua complexidade emergente. Neste tipo de abordagem, são permitidos que
se desenvolvam os processos do tipo “de-cima-para-baixo” de maneira orgânica, embora
com restrições baseadas em experiências anteriores. Por outro lado, intervenções “de-
cima-para-baixo” devem ser feitas experimental e cuidadosamente (isto é, com
feedback), permitindo mais interação com processos “de-baixo-para-cima” de escalas
menores.

Nossa proposta vai além da habitação que é apenas literalmente construída pelos
moradores, no sentido de que o morador é o que bate o prego e faz o concreto. É
importante que eles experenciem o processo de desenho e construção como SEU
processo. Trata-se de estabelecer conexões e engajamento. O ponto chave é o processo
que comporte real engajamento, que seja ágil o suficiente para responder a processos
adaptativos e que possa se engajar sem ser dirigido pela dinâmica social da desigualdade
em infelizes direções. Ainda mais importante: o processo pode tirar vantagem tanto da
tecnologia como da experiência. Nós estamos propondo algo mais do que deixar o
pobre defender-se por si mesmo — nós desejamos empoderá-los com as últimas
ferramentas da tecnologia e com entendimento altamente sofisticado da forma urbana.

Como muitos autores descreveram anteriormente, (tais como Alexander et. al. (1977),
Jacobs (1961), Turner (1976)) a prática de planejamento estabelecida vem tendendo a
seguir um ultrapassado modelo industrial, aquele modelo que surgiu em 1920 e que foi
amplamente adotado no período que seguiu a Segunda Guerra Mundial, baseado em
um modelo hierárquico, paradigmático de comando e controle de cima para baixo, que
levou ao planejamento do tipo “predizer-e-prover”. As pesquisas demonstram
amplamente que este modelo não reflete suficientemente o tipo de problema científico
que a cidade coloca, pois ele ignora a tremenda complexidade física e social de um
tecido urbano de sucesso. De uma maneira inacreditável ele nem mesmo considera as
interações humanas no ambiente construído. Os fracassos e as conseqüências não
esperadas são bem documentados. Assim como a ciência desenvolve ferramentas de

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pesquisa mais acuradas e de menor grão para o estudo analítico do fenômeno de auto-
organização (que inclui as cidades), é também necessário agora propor um novo
urbanismo radical. Nós desejamos empoderar as pessoas com a autoridade de uma nova
metodologia, que seja baseada na pesquisa urbana recente.

O problema não é apenas a falta de complexidade física. A chave que faz o espaço
urbano é, na verdade, a relação entre a complexidade da forma espacial e a
complexidade do processo social. Se fosse apenas uma questão de complexidade física
se poderia imaginar que um processo de cima para baixo poderia ser criado para
simular a complexidade — digamos, um algoritmo computacional. O ponto crucial é
que a complexidade incorpora e expressa a vida social. Ela é, em certos aspectos as
relações sociais por outros meios (por exemplo, artefatos e espaços construídos). Em
certa medida, a resposta começa por re-conceber o ambiente construído, ele próprio
como um processo social, não somente como um produto ou um contenedor. Esta
questão se tornará importante mais tarde, quando nós falarmos sobre manutenção, pois
o caráter processual deste tipo de posse meramente começa quando os residentes se
mudam.

Este paper é muito complexo e trata de muitas questões, então precisamos mapear as
formas de sua exposição. As primeiras quatro seções colocam o background e criticam
as práticas correntes. A seção 2 introduz a competição entre os assentamentos feitos
pelos próprios moradores e a habitação social produzida pelos governos. A seção 3 faz
uma revisão dos programas de habitação social em suas práticas-padrão e tipologias do
tipo “de-cima-para-baixo” e recomenda a sua substituição (ou no mínimo
complementá-las) com os procedimentos “de-baixo-para-cima”. A seção 4 assinala
como uma “geometria de controle” arruína mesmo o mais bem intencionado dos
esquemas, por fazê-los inumanos.
As próximas seis seções oferecem ferramentas específicas para desenho. A seção 5
discute os mecanismos para o estabelecimento de conexões emocionais com o
ambiente construído, onde a biofilia, ou a necessidade de conectar-se com a vida das
plantas é um componente crucial. Nós também discutimos os espaços sagrados e seu
papel no estabelecimento da comunidade. A seção 6 revê o trabalho de Christopher
Alexander, em especial seu trabalho recente em códigos geradores. A seção 7
argumenta contra a abordagem de um plano diretor fixo, sugerindo um processo de
planejamento interativo, que permita a retro-alimentação. A seção 8 revê os padrões
Alexandrinos e analisa a transição dos mesmos para os códigos geradores. A seção 9
apresenta, nos termos mais amplos possíveis, nossa metodologia para planejar um

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assentamento. Sugerimos que se peça licença para construir para um processo, ao invés
de licença para um desenho em um papel. A seção 10 contém um conjunto explícito de
códigos descrevendo o esqueleto de serviços em um projeto de habitação social. A
seção 11 introduz as ferramentas complementares de desenho descrevendo os códigos
geradores necessários para este tipo de projeto.

As próximas quatro seções continuam com sugestões práticas para fazer os projetos
funcionarem. A seção 12 sugere a indicação de um gerente de projeto para dirigir a
aplicação dos códigos geradores. A seção 13 defende o uso de materiais apropriados:
baratos, mas permanentes, duráveis mas flexíveis para serem modelados, sólidos mas
agradáveis ao toque e à vista. Discute-se também o uso de módulos industriais tais
como “caixa hidráulica”. A seção 14 traz o tópico de como financiar um projeto,
recomendando o envolvimento de organizações não governamentais com foco em
escalas pequenas. A seção 15 é política, investigando como se pode cooperar da melhor
maneira com o sistema existente criado para produzir habitações sociais que seguem
tipologias industriais muito diferentes. A seção 16 oferece estratégias que levam os
residentes a manter seus assentamentos depois que ele são construídos.

As quatro seções finais identificam alguns dos problemas. A seção 17 enfrenta o


difícil problema de re-urbanizar a favela para fazer dela uma parte aceitável do tecido
urbano. Algumas vezes isto não pode ser feito. Nós discutimos uma estratégia de
reforço para quando isto for factível. A seção 18 analisa algumas dificuldades no
entendimento da vida de um morador informal como, por exemplo, a sua necessidade
econômica de estar próximo ao centro. Isso faz com que a habitação social construída
nos arrabaldes afastados da cidade, seja pouco atraente. Nós também chamamos a
atenção para os grandes esquemas que podem se tornar em desastres econômicos. A
seção 19 culpa os arquitetos por imporem formas modernistas nas habitações sociais.
Aquela geometria as faz hostis aos residentes. A seção 20 culpa os residentes por
rejeitarem tipologias urbanas e de habitação adaptáveis, desejando as estéreis imagens
do modernismo. A seção 21 revê como as condições são diferentes, hoje, das décadas
passadas e demonstra otimismo ante a ampla aceitação da habitação adaptável.

O Anexo contém uma explícita seqüência geradora para habitação social numa área
de campo ou numa antiga área industrial aberta.

2. A analogia do eco-sistema.

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Aqui está uma incompatibilidade básica: o tecido urbano orgânico é uma extensão da
biologia humana, enquanto a construção planejada é uma visão artificial do mundo
imposta pela mente humana sobre a natureza. O primeiro é cheio de vida, mas pode ser
pobre e insalubre, enquanto o último é limpo e eficiente, mas estéril. Uma destas duas
morfologias urbanas contrastantes pode ganhar sobre a outra, ou elas podem, juntas,
alcançar algum tipo de equilíbrio de coexistência (como tem ocorrido na maior parte
da América Latina). No movimento de auto-construção os governos aceitam que os
moradores irão construir suas próprias casas e provê os materiais e treinamento para
ajudar a estabelecer as redes de eletricidade, água e esgotos.

A “habitação social” é usualmente entendida como um projeto para os pobres,


construída e financiada pelos governos ou organizações não governamentais. Os
ocupantes poderiam comprar suas unidades, mas a prática comum é alugá-las a preços
baixos, subsidiados, ou mesmo, prover as moradias gratuitamente. Nessa última
situação, os residentes vivem ali por cortesia (e, são sujeitos a variados níveis de
controle) da entidade proprietária. Um “assentamento invadido”, por outro lado, é um
loteamento auto-construído em terra que não é de propriedade dos residentes, e que é
freqüentemente, ocupada sem permissão. Como as invasões são ilegais, os governos
geralmente recusam-se a prover os serviços existentes nas terras dos lotes individuais
comprados legalmente. Na maioria dos casos recusa-se também a conectar aqueles
residentes à rede de serviços (eletricidade, água e esgotos) do resto da cidade. Como
resultado, as condições de vida nestes locais são as piores entre os assentamentos em
tempos de paz.

Habitações sociais e invasões são as regiões onde vivem mais de um bilhão dos mais
pobres habitantes do mundo. Nós iremos discutir esses dois fenômenos urbanos, lado a
lado, e nos oferecer para resolver a competição ideológica e espacial entre os dois. Para
começar, moradia para os pobres representam o nível mais baixo do eco-sistema
urbano mundial. Diferentes forças, dentro da sociedade humana geram ambos os tipos
de sistemas urbanos: a habitação social financiada pelos governos e os assentamentos
invadidos. Christopher Alexander (2005), Hassan Fathy (1973), N. J. Habraken (1972),
John F. C. Turner (1976) e outros reconheceram esta competição antes de nós e
propuseram uma acomodação entre os dois sistemas. Turner auxiliou a construir vários
projetos no Peru e no México, e aconselhou a implementação dessas idéias no mundo
inteiro.

A analogia do eco-sistema também explica, e em uma certa medida justifica, a


vigilância com a qual os governos impedem os invasores de ocuparem o resto da cidade.

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Se não são refreados pela lei e por intervenção direta, as ocupações avançam sobre as
terras públicas e privadas. Nós estamos descrevendo uma competição entre grupos pelo
mesmo espaço disponível. Cada grupo (tipologia urbana) quer deslocar todos os outros.
Os assentamentos invadidos querem tomar a cidade inteira se lhe for permitido (por
exemplo, no Cairo, eles tomaram as coberturas planas dos prédios comerciais; nos
Estados Unidos constroem abrigos temporários em parques e sob viadutos). O
governo, por seu lado, gostaria de fazer desaparecer todas as invasões. Os governos, ao
redor do mundo, assumem que eles devem construir moradias planejadas para
substituir as casas construídas pelos próprios moradores. Isso é muito caro para ser
factível.

Assim como qualquer outro verdadeiramente sistema orgânico, as cidades funcionam


melhor sem um controle central. No entanto, acomodar a competição de sistemas
urbanos nunca foi uma prática-padrão. Embora as idéias básicas sobre assentamentos
tradicionais estivessem certos, muitos elementos chave para compreendê-los estavam
faltando. Nós estamos agora oferecendo conhecimento e experiência em habitação
como um processo DINÂMICO (combinando linguagem de padrões com códigos
geradores: veja as seções seguintes). São necessárias intervenções partindo do zero, para
os novos projetos de habitação. O mesmo processo dinâmico pode também ser
aplicado a ambientes já construídos, quando buscando adaptar um grande número de
projetos habitacionais informais não planejados (favelas ou outros) a um nível aceitável
de condições de vida.

A competição ocorre entre todos os estratos econômicos (“espécies”) que ou usam a


terra urbana ou têm lucros com ela. Nas cidades da América Latina, a especulação da
terra urbana deixa uma grande quantidade de terra urbanizada, com todos os serviços,
vazia. As populações mais pobres têm então, que encontrar lotes na periferia, e pagar
preços mais altos para água e outros serviços sem ter o benefício de viver perto de suas
fontes principais de renda: o centro da cidade. Isso cria um grave problema para os
governos, mas ao invés de caracterizar essa prática como injusta ou errada (o que não
leva a nenhuma mudança) preferimos mostrar os imensos custos cumulativos gerados
para o futuro.

De todas as certezas sobre a habitação social que foram tentadas ao longo dos anos,
tem sido aceito amplamente (com algumas poucas exceções) que a favela não planejada
e construída pelo próprio morador é vergonhosa para o governo e que deve ser
demolida tão cedo quanto seja possível. Mas mesmo esta afirmação é errada. Muito
poucos em uma posição de autoridade para decidir, parecem considerar as vantagens

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econômicas da existência das favelas. Os padrões geométricos das construções, dos
lotes e das ruas desenvolveram-se na maior parte (emergiram), organicamente, e nós
iremos argumentar que esta auto-organização comporta um grande número de
conformações que são desejáveis. Mesmo com todas as suas graves deficiências, as
favelas oferecem uma demonstração instrutiva espontânea de um processo econômico,
rápido e eficiente de abrigar pessoas.

As desvantagens das favelas não são inerentes ao sistema urbano. A sua geometria
orgânica é perfeitamente boa, no entanto, é precisamente este aspecto que é
veementemente rejeitado. Ele não se adapta à estereotipada (e cientificamente fora de
moda) imagem daquilo com que um tecido urbano progressivo deveria se parecer —
organizado, uniforme, retangular, modular e estéril. A geometria orgânica da favela está
ligada ao ato ilegal de invadir e com a falta de lei generalizada. A geometria representa,
ela mesma, “uma inimiga do progresso” para uma administração. Nós não podemos
construir tecidos urbanos vivos (ou salvar porções existentes) até que esse preconceito
seja abandonado. As favelas tem um mecanismo de auto-cura que é ausente na maioria
dos esquemas de habitação social desenvolvidos de cima para baixo. O crescimento
orgânico também repara o tecido urbano em um processo natural, o que é uma coisa
inteiramente ausente dos projetos geometricamente rígidos de habitação.

Ironicamente, a geometria orgânica de uma favela está em conflito com os


imperativos da direita ou da esquerda do estado moderno, dado seu interesse em
responder às questões sociais de uma maneira que é apropriadamente controlada. Uma
parte deste interesse no controle tem relação com um interesse literal em um tipo de
ordem administrativa que é amarrada ao controle social. No entanto, muito disso pode
refletir a necessidade do Estado em legitimar suas intervenções demonstrando sua
racionalidade ou a necessidade de manter os rituais burocráticos da responsabilidade
quando distribuindo os recursos públicos, ou ainda, seu respeito pelas convenções da
propriedade privada. Pode ser também uma sincera preocupação reformista de elevar
os padrões de vida dos pobres de uma maneira que é tanto eficiente como justa em
termos de procedimentos e motivada por princípios democráticos.

Uma geometria ordenada dá uma impressão de controle investido na entidade que


constrói. Se isso é intencional (para expor a autoridade do estado) ou subconsciente
(copiando imagens dos livros de arquitetura), tanto os governos quanto as organizações
não-governamentais preferem ver uma expressão de sua própria “racionalidade” através
da construção. Sair deste conjunto de tipologias é sentido como um relaxamento da

14
autoridade; ou isto levanta possíveis questões relativas à legitimidade da distribuição de
recursos que não sejam sujeitos a cuidadosos responsáveis procedimentos burocráticos.

Ambas as situações são evitadas porque elas tendem a desgastar a autoridade do


estado, particularmente sob regimes onde os direitos da propriedade privada são uma
parte importante dos sistemas legal e regulatório. Assentamentos invadidos com
complexa morfologia são usualmente completamente fora do controle do governo.
Uma maneira de afirmar o poder é deslocar os residentes para habitações construídas
pelo governo. Em uma triste e catastrófica confirmação de nossas idéias, vários
governos na África, periodicamente destroem as moradias construídas pelos
moradores, levando seus moradores para viver fora das cidades em locais sem nenhuma
construção ou serviço.

3. Os anti-padrões da habitação social.

Vamos resumir algumas das crenças e tipologias correntes que guiam a habitação
social hoje, de tal maneira que possamos substituí-las por um quadro de referência
inteiramente diferente. Nós vamos sugerir as soluções que nós sentimos que
funcionaram melhor, como as mais “iluminadas” alternativas. Muito da nossa crítica
foca-se no controle de-cima-para-baixo. Esta abordagem leva a simplificações do
processo de planejamento. No entanto não se pode projetar e construir um tecido
urbano complexo usando ferramentas de-cima-para-baixo. Há ainda mais a criticar
sobre as imagens específicas que as pessoas têm da modernidade, o que preocupa tanto
arquitetos que carregam consigo um conjunto falso de imagens desejáveis, quanto
preocupa os residentes, que invariavelmente são influenciados por estas mesmas
imagens, através da mídia.

1. Os projetos para as habitações sociais são concebidos como e construídos como


dormitórios, e desta forma seguem uma filosofia de planejamento militar / industrial:
são construídas o maior número possível de unidades, da maneira mais barata e
eficiente possível. Nós deveríamos abandonar este hábito e construir, ao invés disso,
espaços urbanos. Construir um espaço urbano é uma responsabilidade muito mais séria
e que requer um comprometimento mais complexo, para além do pequeno círculo dos
fazedores de política e das elites profissionais.

2. Para desenvolver um projeto habitacional da maneira mais eficiente possível, a


entidade que o dirige quer ter o máximo controle sobre a geometria do processo

15
construtivo. Este requerimento prático significa que a participação do usuário é
excluída.

3. O próprio nome “habitação social” implica que somente um dormitório é


construído, e não um espaço urbano. Após a Segunda Guerra Mundial, o zoneamento
mono-funcional tornou-se o critério estabelecido pelo qual eram realizadas as
intervenções governamentais. Estas idéias já existiam antes da Guerra, mas a
reconstrução e a expansão do pós-guerra criaram as condições para aplicá-las em uma
escala muito maior.

4. A tipologia de construção industrial relega as plantas e os ambiente natural a um


papel puramente decorativo, ou os elimina completamente. No entanto, a saúde
humana só é possível se estivermos em conexão com as plantas e a natureza, em nosso
entorno imediato: é a “Hipótese da Biofilia”.

5. Um espaço urbano é constituído de uma complexa rede de relações sociais e


requer a apropriada morfologia urbana de uma rede. Ela nunca é mono-funcional, nem
é homogênea. Ela não pode ser construída pelo governo central, de maneira
convencional, de cima para baixo. As vilas individuais (os pueblos da América Latina)
que têm se desenvolvido por mais de 500 anos, e possuem uma rica herança,
proveniente da mistura de muitas culturas que vem de um longínquo passado como,
por exemplo, as culturas Tolteca, Maya, Inca, Caribenha e as culturas mais recentes
espanhola, portuguesa, africana, islâmica e outras tantas que também foram
incorporadas. Há muitas lições a serem aprendidas a partir dessa evolução.

6. Um projeto de habitação social convencional raramente está interessado pela


acessibilidade à rede social urbana, pois é normalmente construído em áreas
desconectadas (muitas vezes áreas rurais). Na maioria das vezes a coisa toda é
entendida como uma questão de “casa”, com as medidas de sucesso sendo tipicamente
as relativas ao número de “unidades” e do impacto imediato nos indivíduos, ao invés da
qualidade (ou sustentabilidade) da vida comunitária que resulta.

7. A localização típica dos projetos de habitação social nas áreas rurais tem a ver com
uma poderosa razão econômica: os proprietários de terra arrumaram uma maneira de
mudar o uso do solo e conseguiram, para eles mesmos, um extraordinário lucro. Isto é
parte da expansão orientada de nossas cidades. Além disso, o projeto, o governo e os
usuários raramente se beneficiam de alguma forma deste lucro.

16
8. Um projeto típico de habitação social, concebido como uma “ilha urbana”
desconectada tem um impacto terrível no ambiente natural. Ele é desconectado dos
ciclo econômico global e local.

9. A geometria de um projeto de habitação social, e a configuração das suas unidades


constituintes, oferecem a chance para muito poucas ou mesmo nenhuma forma de
desenvolvimento futuro. Eles apresentam um número de obstáculos geométricos para
sua evolução ao longo do tempo. Estes impedimentos frustram as esperanças dos
habitantes e suprimem suas perspectivas de desenvolvimento social e econômico.

10. Arquitetos, representantes dos governos e os futuros residentes, todos eles,


carregam em suas mentes uma “imagem de modernidade”. Este conjunto de imagens
entranhadas gera uma tipologia construtiva que é hostil para o uso corrente e apresenta
um dos maiores obstáculos para uma habitação social adaptativa.

Os governos ainda estão intransigentes em suas idéias de que a habitação social cria
trabalho numa área particular. A realidade é diferente: espaços urbanos saudáveis
conectam-se com conglomerados e as pessoas trabalham onde elas conseguem
encontrar trabalho. Em contraste, regiões urbanas que não são saudáveis são também
isoladas, desconectando as pessoas umas das outras e das oportunidades de emprego.
Apesar das forças sociais e econômicas que levam ao isolamento, nosso objetivo não é
codificar esse isolamento nos prédios e na forma urbana. Fazer isso é reforçar o
problema. Nós devemos, ao invés disso, usar a geometria urbana para impedir o
isolamento social.

A lista de tipologias e práticas, acima, leva à criação de projetos habitacionais não


saudáveis, que criam condições sociais insustentáveis. Para adquirir uma abordagem
mais adaptativa, estas tipologias precisam ser revertidas, e as forças que nos levam a
cometer os mesmos erros várias vezes seguidas devem ser redirecionadas. Alguns erros
surgem simplesmente por inércia: copiando as fracassadas soluções porque se tornou
um hábito fazer isso, sem identificar as alternativas viáveis. Esses erros são muito fáceis
de ser corrigidos, desde que a situação seja melhor entendida. Há outra classe de erros,
no entanto, que surgem porque as mesmas forças levam a manifestações similares nas
aplicações práticas. Estas condições não podem ser mudadas, e, ao invés disto devem
ser redirecionadas. A falha em entender as diferenças entre os dois problemas significa
que nós não iremos nunca ser capazes de melhorar a situação atual.

17
Um princípio fica claro: não há nenhum sentido em projetar “habitação social” da
maneira em que isso tem sido feito. Nós devemos projetar e construir tecidos urbanos
complexos e com usos mistos, e garantir que eles adaptem-se aos tecidos complexos e
de usos mistos já existentes. A habitação social e a habitação em geral precisam ser
parte de um processo saudável (e socialmente inclusivo) de urbanismo. A própria noção
de habitação mono-funcional é obsoleta e desacreditada, porque ela nunca funcionou
com a intenção de conectar os residentes ao seu ambiente. Todas as medidas de
planejamento que nós rejeitamos - originalmente bem intencionadas — foram adotadas
como um meio para melhorar a eficiência para enfrentar os sérios desafios urbanos.

As principais razões pelas quais elas falharam, no entanto, nunca foram admitidas
oficialmente. Como resultado, tem havido uma tendência do debate em focar nos
problemas do projeto da habitação social, enquanto construção: como se fosse
meramente uma questão de aparecer uma melhor proposta de projeto para ser imposta
com mais ou menos os mesmos aparatos de controle de-cima-para-baixo. Hoje em dia,
a idéia de um bom projeto, para um arquiteto, é normalmente um desenho opressivo e
impessoal para os usuários. Algumas iniciativas de habitação social nos EUA (como,
por exemplo, o projeto HOPE 4), têm feito um esforço para incorporar a participação
dos residentes nos projetos, mas de maneira superficial e com sucesso relativo. Nosso
ponto chave é que o processo de produzir espaços vivos que incorporem a habitação
social tem que ser mudado em suas raízes. Ele deve acomodar um comprometimento
mais fundamental e significativo, assentando a geração da forma urbana em um
processo que respeite, de maneira adequada, a complexidade organizada que é
distintiva da natureza da cidade.

Há a necessidade de misturar classes sociais para um tecido social mais saudável. A


mistura pode ocorrer naturalmente através de processos de melhoramento. É
importante que as pessoas que tem a possibilidade de escolher continuem na
vizinhança. O espectro mais amplo de criar uma vila faria sentido em lugares como a
América Latina, onde assentamentos inteiros, de população rural, criam favelas e
invasões nas periferias das cidades. Neste contexto, não há outra possibilidade do que
do que catalisar a geração de inteiros espaços urbanos construídos pelos residentes,
com a nossa ajuda. De uma maneira geral deveríamos ter cautela ao construir espaços
urbanos específicos para os pobres. Tecidos urbanos saudáveis não são mono-
funcionais, nem contém apenas um nível de renda. Nós temos consciência da tremenda
dificuldade social de encorajar habitação para população com renda mista, devido à
percepção de que as pessoas não gostariam de morar com outras pessoas levemente

18
mais pobres do que elas mesmas. No entanto, nós encontramos exemplos
encorajadores de mistura social nas cidades históricas e centros históricos, por toda a
América Latina. (o centro histórico de Querétaro é um bom exemplo). As diferenças
estão na percepção da comunidade (que pode superar diferenças de renda) em relação a
perceber a casa como estritamente moradia de caráter social produzida pelo governo
para os pobres. Comunidades de rendas mistas não são apenas possíveis, como são mais
resilientes.

Não se trata aqui apenas de uma questão de espaços urbanos separados, na periferia
urbana. Como se pode criar um único processo gerador de padrões para estes espaços
urbanos sem criar enclaves que se apartam dramaticamente do resto da cidade? Em
outras palavras, como se pode planejar habitação de baixa renda sem criar “projetos”,
bairros ou guetos? É fundamental para nós que este re-pensar a “habitação de social”
tenha que ser um re-pensar da casa de todos — isto é, do urbanismo — de tal forma
que a “habitação social” seja submetida a um processo mais geral de criar uma cidade de
redes saudáveis (Salingaros, 2005). È da maior importância que as habitações se
conectem com as redes globais da cidade: ruas principais, o sistema de transporte
público, os sistemas políticos e sociais, etc.

Parte da atitude dos governos baseia-se em que a habitação social deve seguir um
conjunto específico de políticas direcionadas a um específico problema e administradas
para um sítio específico. Nós temos projetos de super quadras (que são
desumanizadoras, mas fáceis de gerenciar) ou nós temos algo como o sistema de tickets
da Seção 8, nos EUA, que subsidia os aluguéis para os moradores de baixa renda. Neste
último caso, a habitação social se torna uma categoria abstrata — definida somente em
termos das patologias dos indivíduos que precisam de assistência e dirigida na forma de
pagamento aos proprietários. Neste caso, o sítio é uma categoria de indivíduos
separados de suas conexões com a comunidade.

Tipicamente, os pobres têm uma extensa e complexa rede de relações sociais na qual
eles se apóiam para sobreviver. Ao mesmo tempo, no entanto, o relativo isolamento
dessas redes é um problema sério. Embora seja freqüente que elas sejam densamente
conectadas num tipo de “sociedade de iguais” os pobres tendem a ter conexões
limitadas fora desses círculos e são isolados em suas próprias vilas. Elas fecham-se em
pequenas redes, mas não tem senso de si próprios como residentes de uma vizinhança.
Eles tendem, também a desconfiar das pessoas de fora do grupo. Essencialmente, eles
não têm capacidade de se identificar ou cuidar da sua vizinhança como ‘um grupo de
vizinhos”. O problema de um ponto de vista das redes, é o de como reforçar o padrão

19
tênue das amarrações de maneira que se possa incorporar as populações de baixa renda
na vida cívica. Além do que, isso precisa ser feito sem interromper as fortes redes de
assistência mútua nos quais estes sistemas se apóiam. A solução requer organizar estes
networks locais em redes que funcionem em larga escala.

4. A geometria do controle.

O processo psicológico de controle influencia a forma urbana e o feitio da


habitação social numa extensão extraordinária. O controle pode ser manifestado na
geometria arquitetônica e também do layout urbano. Uma geometria rígida e mecânica
dita o feitio dos edifícios individuais e dos espaços urbanos, enquanto a geometria dos
seus layouts determina a relação entre os edifícios separados e a forma da rede de ruas.
Há muitas oportunidades para expressar controle em termos urbanos e na arquitetura,
e nós podemos encontrá-las em todas as habitações sociais construídas pelos governos.

Exemplos de estruturas urbanas geradas organicamente, de-baixo-para-cima, são


encontradas ao longo de uma linha de tempo universal, começando com as primeiras
cidades registradas no período Neolítico até os tempos modernos. A estrutura urbana
fabricada, mecanicamente, de-cima-para-baixo, é encontrada em nossa linha de tempo
desde que os padrões da colonização apareceram na história. Nós temos, então, modelos
desta estrutura mecânica, datando dos períodos imperiais da Grécia, de Roma, ou da
China, até hoje. No século XX, uma estrutura mecânica exacerbada foi imposta nas
cidades através da cultura da máquina dos pensamentos e valores modernistas. Este
último período tem sido decisivo em configurar a estrutura das cidades de hoje, e
certamente vai dominar os próximos anos. Num futuro próximo, a fragmentação
espacial pode se tornar na última conseqüência do passado recente. De maneira
alternativa, nós poderemos entrar em um período quando o paradigma emergente das
redes poderá ser sabiamente utilizado para conectar nossas estruturas e padrões
espaciais novamente, e trabalhar contra a fragmentação.

Há uma clara e reconhecível “geometria do poder” (Alexander, 2005; Salingaros,


2006). Ela é expressa mais claramente na arquitetura militar e fascista da segunda
Guerra Mundial (e bem antes dela), mas tem sido adotada por governos e instituições
de todas as filiações políticas (das mais progressistas às mais repressivas). Estas
construções são moldadas como exagerados blocos retangulares e posicionados em
grades repetitivas retangulares estritas. Os altos blocos de apartamentos dão a
impressão de controlar os seus ocupantes, que são forçados em uma tipologia militar /

20
industrial que obviamente é o oposto da geometria livre da favela. Nós temos duas
geometrias contrastantes: unidades habitacionais massivas em um ou mais blocos, ou as
unidades espalhadas irregularmente. A impressão psicológica de controle segue a
possibilidade REAL de controle, assim como a entrada de um edifício de apartamentos
pode ser facilmente fechada pela polícia, algo que é impossível em uma disposição
aleatória de casas individuais.

Os oficiais do governo e os promotores de terras têm esse mesmo ponto de vista


sobre o controle e isso tende a eliminar qualquer outra abordagem. O governo local
prefere ter melhor acesso a um sítio através de blocos de prédios regulares. Os
administradores são enlouquecidos pela noção de que as simplísticas formas
geométricas são as únicas tipologias que se pode usar para criar habitações eficientes.
Qualquer administração pode construir muito mais unidades pequenas do que blocos
de edifícios em altura, mas rigidamente fixados no solo, em uma quadrícula militar /
industrial. Unidades de habitação individuais são cópias exatas de um único protótipo.
O controle é exercido exatamente não permitindo variações individuais. Uma casa
modular é repetida para cobrir uma região inteira, com cuidadosa atenção ao
alinhamento retangular. Complexidade e variação são percebidas como maneira de
perder o controle, não apenas como uma tipologia construtiva, mas sobre a forma
como as decisões são tomadas, e então, são evitadas.

Vários fatores provêem motivação poderosa para a padronização e a relativamente


rígida regulação: eficiência administrativa, responsabilidade, manutenção dos padrões
pelos quais o sucesso de uma administração será avaliado e os requerimentos de
transparência e de correção nos procedimentos. A eficiência da produção modular
amarrada de maneira falsa ao progresso econômico, é usada como uma desculpa para a
geometria militar /industrial. A variação construtiva é percebida como uma ameaça e é
contida pelos argumentos de custos excessivos de produção. Estes argumentos apóiam
a crença de que um planejamento central é tanto uma necessidade social como
econômica. No entanto, estes argumentos já foram mostrados muitas e muitas vezes
como sendo inválidos. Isto é mais uma vez o paradigma industrial e mecânico da
produção linear (e o pensamento linear) que não permite que os promotores de
habitação social considerem a variação, a heterogeneidade e a complexidade como
elementos essenciais de seus projetos.

De uma maneira similar à aplicação de uma nova tecnologia na produção fabril, a


justificativa é sempre apresentada em termos de custos e de eficiência, mas a lógica
subjacente é a lógica do controle. No contexto do Estado moderno, é, com freqüência,

21
mais importante manter padrões, transparência e responsabilidade do que reduzir
custos em termos absolutos. Como resultado, torna-se muito comum para as estruturas
da administração burocráticas (com a melhor das intenções e indiferentemente às
tendências ideológicos da esquerda ou da direita) impor padrões que rompem com a
verdadeira coisa que eles desejam criar.

Adaptação às necessidades individuais requer liberdade de desenho para que cada


unidade possa ser diferente, com sua forma e posição decididas, em grande parte pelos
futuros residentes. È realmente possível fazer isso. No entanto, os dois lados do
espectro político fazem oposição à liberdade de desenho. A direita porque considera
que os pobres não merecem esta atenção e que somente a população de alta renda pode
ter o privilégio de casa “customizada”. A esquerda, por outro lado, na sua crença na
igualdade fundamental, que é interpretada como a proibição das casa dos loteamentos
sociais de serem minimamente diferentes umas das outras. Instituições tais como
bancos, companhias de construção e avaliadores de terra ficam assustados pela
perspectiva de ter que lidar com variações individuais.

Como resultado da padronização, o controle é exercido de outra maneira mais sutil.


Um módulo industrial barato, disponível no mercado, quando de tamanho suficiente,
substitui alternativas que são melhores. Os componentes modulares restringem a
liberdade de desenho porque influenciam o produto final resultante da sua montagem
(Alexander, 2005; Salingaros, 2006). Os governos que financiam a habitação social
gostam de promover os componentes e os módulos industriais e de desencorajar a
construção que é desenhada individualmente. No entanto, a produção local pode ser
adquirida por menor preço e resolver parte do problema de desemprego. Uma
geometria industrial incorporada nas tipologias arquitetônicas e urbanas é,
eventualmente, refletida no ambiente construído.
O ambiente natural torna-se mais uma vítima da geometria do controle. A natureza e
a vida são visualmente desorganizadas. Referência topológica tais como rochas, morros
e riachos assim como árvores e plantas vivas desafiam a geometria plana e retangular, e
são normalmente eliminadas. Os governos locais põem esforço em erradicar os
elementos orgânicos do Ambiente estéril “ideal”. Algumas vezes (mas não sempre) este
ato de agressão contra a natureza é, depois, amenizado, com a plantação de algumas
árvores não-nativas, em alinhamento geométrico rígido e a produção de uma paisagem
rochosa falsa como uma escultura visual. As plantas nativas não são bem vindas, a
aparência artificial da topiaria é aceita (porque elas são arrumadinhas e não crescem
desigualmente como as outras plantas). Nas habitações de baixa renda, mesmo isso é

22
considerado um luxo que não pode ser adquirido, e ao fim, o projeto adquire um
caráter sem vida e pouco natural, onde falta completamente a conexão com o
crescimento de vegetação.

SEÇÕES 5 – 11: FERRAMENTAS ESPECÍFICAS PARA O DESENHO


QUE AUXILIAM A ESTABELECER UMA POSSE INTELECTUAL

5. Biofilia, conectividade e espiritualidade.

A noção de “arquitetura biofílica” estabelece que a saúde e o bem-estar humanos


dependem fortemente da geometria do ambiente e isto é expresso em configurações
particulares, superfícies, materiais, detalhes, luz e acessibilidade a plantas e outras
formas de vida (Kellert, 2005). Todos estes fatores contribuem para o sucesso de
qualquer construção e para a habitação social em particular. O desenho baseado em
evidencias é baseado no conhecimento de como um ser humano é afetado pelo seu
ambiente.

A geometria apropriada que promove o bem-estar humano é baseada, o que não é de


surpreender, no oposto da geometria do poder descrita na seção anterior. Uma
geometria viva é solta, complexa e altamente inter-conectiva. É a geometria de uma
favela auto-construída e também a geometria de um rio, de uma árvore ou de um
pulmão. Sem nenhum condicionante imposto, os seres humanos irão construir de
acordo com essa geometria natural (Alexander, 2005; Salingaros, 2006). Note-se que
muitos dos projetos auto-construídos não seguem inteiramente esta geometria, porque
o governo define grades regulares de lotes antes de dar a terra para os construtores
individuais. Assim, ele realmente impõe uma grade industrial que é impossível de
mudar. Nós vamos discutir mais adiante como esta prática restritiva pode ser evitada.

As qualidades da geometria e da superfície podem tanto ajudar como impedir a


conexão emocional, a partir da maneira como os seres humanos as usam. Nós devemos
equilibrar o estudo da estrutura com o estudo de forma e de padrão. No estudo da
estrutura, nós pesamos e medimos coisas. Os padrões de interação não podem ser
medidos ou pesados, no entanto, eles devem ser mapeados e têm mais relação com a
qualidade. Para entender um padrão, nós precisamos mapear uma configuração de
relações. Nós acreditamos no conceito de cidade como um organismo, não somente no
sentido de que ele tenta desenvolver uma estrutura orgânica, mas também devido à

23
complexa relação que esta estrutura estabelece com o padrão organizacional dos
usuários. Aqui está a lista de alguns dos conceitos chave com os quais se deve trabalhar:

1. As pessoas ficam psicologicamente doentes e hostis em ambientes onde a


natureza não está presente. A biofilia é inata em nossos genes. Os espaços urbanos
devem “misturar-se com” e não “substituir” o habitat natural.

2. Nós nos conectamos às plantas através de suas estruturas geométricas, desta


maneira, algumas geometrias são mais conectivas com o espírito humano que outras.
Nós nos sentimos confortáveis em um ambiente construído que incorpore uma
geometria natural e complexa e que mostre uma hierarquia de subdivisões ordenada.

3. Os moradores devem amar suas casa e suas vizinhanças. Isto significa que a
forma do ambiente construído imediato deve ser espiritual, e não industrial.

4. Materiais e tipologias industriais geram ódio em relação ao ambiente


construído. Nós ficamos hostis às formas e às superfícies que não nos alimentam
espiritualmente, porque nós sentimos a sua rejeição à nossa humanidade. Quando não
são odiadas, elas geram com freqüência um tipo de indiferença que pode ser ainda pior
para as comunidades humanas. O uso destes materiais e tipologias tem sido
comumente apresentado como ditado pela natureza da tecnologia dos edifícios e pela
realidade econômica do dia. O resultado é que as pessoas freqüentemente consideram
normal o caráter alienado inevitável do ambiente construído, que apresenta quantidade
sem qualidades significativas.

5. O caráter sagrado das vilas tradicionais e dos espaços urbanos não pode ser
ignorado e tratado como antiquado nonsense (como tem sido feito atualmente). Esta é a
única qualidade que conecta a vila em larga escala às pessoas, e assim, indiretamente
umas às outras. Nós precisamos construir isto nos espaços urbanos.

Não é fácil identificar a estrutura sagrada de qualquer assentamento, mais difícil


ainda é planejar uma, em um novo assentamento. Nós precisamos olhar os padrões da
atividade humana nos assentamentos tradicionais e procurarmos identificar quais são
os nós de atividades que são os mais valorizados de todos. Normalmente é nos locais
onde os residentes se juntam para interagir. Estes nós (quando eles estão presentes),
podem ser interiores, mas freqüentemente eles são elementos do espaço aberto urbano
(Gehl, 1996). As pessoa podem, ao mesmo tempo, se conectar às plantas e às outras

24
pessoas em espaços urbanos projetados apropriadamente. Estes locais são então
responsáveis pela coesão societal da vizinhança.

Uma coisa é “sagrada” se atribuímos a ela um valor acima e além da sua estrutura
material. Uma boa regra é perguntar sobre se nós estaríamos disponíveis para lutar para
protegê-la do dano ou da destruição. Poderíamos perguntar também: será que muitas
pessoas, alguns necessariamente estrangeiros, sentem o mesmo a este respeito? Nós
consideramos o lugar como tendo significado para a comunidade como um todo, de tal
forma que um grupo viria proteger este lugar, objeto ou sítio? Nas cidades antigas, uma
árvore velha, uma grande pedra, uma montanha proeminente, um riacho ou um córrego
poderia ser considerado sagrado (no sentido religioso mais profundo) e ser protegido de
qualquer dano. Aquelas sociedades construíam cidades ao redor de lugares sagrados e
atribuíam a certas partes do que eles construíam um significado sagrado. Hoje, esta
qualidade infelizmente é descartada, como anacrônica.

Por exemplo, os mais velhos nós sociais são: as fontes de água (a torneira comunitária
ou o poço), o lugar de adoração (igreja ou templo), os lugares de encontro (bar / café
para os homens), o play-ground das crianças, etc. No caso da igreja, nós temos uma
estrutura genuinamente sagrada que é com freqüência construída no centro original do
assentamento. Ela serve à função coesiva da comunidade: “ecclesia” é a junção das
crenças religiosas comuns, que é tanto um ato coesivo social como é um ato puramente
religioso. Não é por coincidência que o lugar de encontro não-religioso, o café, é,
freqüentemente, situado na frente da igreja nas vilas tradicionais. Como um lugar
alternativo, o café substitui o espaço de reunião para os que não se inserem nos
significados sagrados da religião local.

Outro código da estrutura sagrada é a praça central, ou a praça aberta que nos climas
temperados acomoda a vida social, no fim da tarde. A tradição latina de caminhar à
tardinha na praça central estabelece um valor para a praça na coesão social da
comunidade. Aquilo a que nós nos referimos como “estrutura sagrada” neste paper se
refere A TODAS essas funções coesivas. Nós vemos a coesão como uma representação
natural e interpretamos suas várias manifestações como simplesmente diferentes graus
de conectividade em canais que se sobrepõem. Uma praça central é um lugar para a
coesão social, enquanto a igreja conecta seus crentes no mais alto nível, que é ao seu
Criador.

As sociedades não religiosas substituíram, em alguns casos com sucesso, os “espaços


sagrados” para manter suas sociedades coesas. Os países comunistas, por exemplo,
construíram, a Casa do Povo ou o Clube dos Trabalhadores, os quais tomaram o papel

25
de lugar de encontro, para pelo menos, parte da comunidade. Nos bairros de alta renda,
(por exemplo, comunidades que vivem em áreas cujo acesso se dá através de um único
acesso principal (portão)) as mesmas forças se aplicam, mas não são resolvidas, devido à
total dependência do automóvel. Neles, não há espaço sagrado, não há espaço comum
de encontro, nem lugar de interação social. Contrariamente às intenções dos
promotores imobiliários, nos clusters suburbanos da população de alta renda, as
piscinas e os clubes de ginástica dos empreendimentos não atendem a esta função. A
geometria urbana nunca estabelece uma vida social comum entre os residentes, o que
origina uma séria falta de socialização.

O lugar sagrado que nós estamos descrevendo, está ausente da construção urbana
contemporânea (Duany et. al., 2000). Nós vemos cópias superficiais criadas sem
qualquer entendimento do seu profundo sentido cultural. Como conseqüência, o
dramático declínio no sentido de comunidade leva a um igualmente dramático
aumento da alienação social. Tanto a esquerda quanto a direita, certamente jamais
reconheceram a necessidade de espiritualidade no tecido da habitação social. No
entanto, um sentido do sagrado está inerente em todas as habitações tradicionais (em
alguns lugares mais, em outros lugares menos) independentemente de suas origens. Em
contraste, os dormitórios militares /industriais não são apenas rejeitados pelos seus
ocupantes, mas são odiados, porque ninguém pode se conectar com as suas formas e
imagens. Um ser humano não pode, verdadeiramente, pertencer a estas construções,
nem pode a imagem deste tipo de prédio pertencer, emocionalmente, a um ser
humano, e então as pessoas passam a odiá-los, e mesmo a destruí-los. Prédios deste
tipo, construídos ao redor dos anos 60 com as melhores das intenções, são abundantes
em todo o mundo. Eles não canalizam um apego emocional à grande escala. Esquemas
propondo “shopping lineares” e jardins de infância (como um substituto dos lugares
sagrados) no quinto andar de um arranha-céu, se mostraram ridículos. Praças de
concreto tendem a ser desconectadas e hostis, gerando um sentimento de animosidade
ao invés do de conectividade.

Christopher Alexander e colaboradores construíram habitação social em Mexicali,


no México (Alexander et. al., 1985). Um conjunto-protótipo de casas foi construído ao
redor do canteiro de obras que servia às necessidades do bairro. Aquele espaço poderia
ter servido como o espaço sagrado. No entanto, enquanto as casas foram um tremendo
sucesso (e sobrevivem muitos anos após a construção, com os seus donos originais), o
espaço do canteiro de obras não sobreviveu. O governo não o manteve, nem o ofereceu
para outra comunidade ou para uso privado. Ele foi abandonado, e as conexões com as

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casas ao redor foram interrompidas pelos proprietários. O governo nunca tentou ajudar
para que ele se tornasse um lugar de reunião. Nenhum esforço foi feito para reforçar o
valor sagrado do canteiro de obras.

A categoria do “sagrado” tem sido definida de maneira genérica para englobar a


ordem normativa dos espaços cívicos, e ela é importante para incorporar o espectro
completo das relações sociais, desde as relações privadas, passando pelas comunitárias
(paroquiais) e chegando às públicas (cívicas). As vilas tradicionais crescem até o nível de
comunitária, mas NÃO ao nível da cultura cívica. Os locais de reunião são importantes
não somente porque eles encorajam a coesão comunitária (que tende a ser baseada na
homogeneidade), mas porque aos mais variados tipos de locais de reunião,
correspondem às mais variadas possibilidades de relações sociais. As relações no espaço
público têm significado tanto em relação a definir a distância social quanto a coesão
(social). Freqüentemente, a coesão associada com o urbano é associada com o
compartilhamento de um sentido comum de lugar. E, de uma certa forma, os lugares
são uma incorporação do que chamamos de “capital social”. Eles SÃO relações sociais,
não apenas contenedores ou facilitadores de relações sociais.

Pode haver um problema com a ênfase sobre o sagrado nesta discussão. No terceiro
mundo, mais do que em lugares como os EUA, as constituências da habitação social
são freqüentemente envolvidas em uma outra forma de movimento democrático.
Particularmente nas cidades globais, nós não queremos que pareça que estamos
promovendo o retorno a algum tipo de tribalismo (que é a forma como as vilas
tradicionais são vistas). Os lugares requerem a materialização do “sagrado”, mas não no
senso comum da palavra. Os lugares de reunião são importantes, mas a sua estrutura (e
a suas relação com a estrutura social) é mais complexa do que a de simplesmente atuar
como contenedora ou como oportunidade para as pessoas se juntarem. Nós precisamos
prestar atenção aos padrões de interação nas cidades tradicionais assim como nas vilas
e assentamentos tribais que são homogêneas em termos de classes. Esses padrões de
interação são estruturalmente variados e não se trata apenas de coesão comunitária.

Em conclusão, um assentamento deve, acima de qualquer coisa, estabelecer algum


tipo de estrutura sagrada que, de alguma maneira, possa conectar emocionalmente os
residentes. A estrutura sagrada também auxilia as pessoas a se conectarem a uma
ordem mais alta. Esta ordem mais alta engloba três determinações funcionais: (a) é
usada como um meio coletivo para formar a comunidade; (b) é construída a partir da
cooperação dos discursos de um grupo de pessoas e não é a decisão unilateral de um
individuo; (c) é carregado com um significado poderoso para a comunidade. Se a maioria,

27
ou todos, os residentes se conecta com a estrutura física sagrada, então, indiretamente,
eles se conectam, uns aos outros. Este simples princípio estabelece um sentido de
comunidade, que sobrevive as difíceis condições de vida. E isso mantém as forças
orientadas a manter a estrutura física da comunidade, ao invés de se virarem contra a
ela, como acontece nos casos em que a estrutura física não é valorizada.

6. Utilizando o trabalho de Christopher Alexander.

Muitas vezes, em sua longa carreira como arquiteto e urbanista Christopher


Alexander foi convidado a planejar e construir habitação social. Em todos os casos, e
muitas vezes em oposição ao memorial descritivo pretendido pela agência de governo
que o contratara, ele insistiu na participação do usuário. Ele viu claramente, muito
cedo, que esta era a única maneira de produzir e construir formas que fossem “amadas”
pelos seus ocupantes (Alexander, 2005; Alexander et. al., 1985). Cada um de seus
projetos começou com o envolvimento inicial dos futuros usuários em planejar o seu
espaço de viver, e desenhar a configuração das ruas e áreas comuns. Em alguns casos
isso fez com que os governos suspendessem o financiamento, o que evidencia o quanto
uma atitude deste tipo enfraquece o controle governamental sobre a geometria do
projeto.

Nós acreditamos que Alexander estava completamente certo ao insistir na


participação como um princípio básico. Ele predisse, corretamente, que as habitações
construídas por alguém que não estivesse envolvido no mundo e na realidade diária dos
residentes, teriam muitas de suas qualidades essenciais não atendidas. Como resultado,
seus habitantes nunca iriam amar o lugar. Mesmo se as casas fossem construídas
seguindo exatamente a mesma tipologia modular, a participação no planejamento ou
no processo de construção garantiria que o eventual usuário tivesse um aporte pessoal
no produto final. A maior parte das pessoas não têm a menor preocupação com as
virtudes formais do desenho, elas só desejam alguma coisa que possam verdadeiramente
considerar suas.

O mais recente trabalho de Alexander (Alexander, 2005) estabelece um ordenamento


temporal para qualquer construção que seja adaptável às necessidades humanas. Isto é,
faz uma imensa diferença o que é desenhado e construído antes e o que vem depois na
seqüência do desenho / construção. Esta prática foi seguida desde os tempos antigos,
no Oriente Próximo e codificada no urbanismo Bizantino e Islâmico que atingiu todas
as regiões influenciadas por estas civilizações (Hakim, 2003). Sua base científica, como

28
parte do processo geral pelo qual um sistema complexo surge é a nova contribuição, e
tem sido demonstrado, na teoria, o quanto ela é fundamental para o sucesso de
qualquer projeto. Tornou-se possível, agora, mostrar a ordem certa na qual os
componentes de um loteamento habitacional podem ser construídos para garantir a
sustentabilidade.

Alexander, por exemplo, revela os passos para o desenho de um tecido urbano


saudável. É lógico que isto depende muito da escala. Sendo uma das prioridades a
maneira como um assentamento se conecta com o resto da cidade, uma área de 1 Km²
(um quilômetro quadrado) será, normalmente, tangente a uma das vias principais,
enquanto áreas maiores precisarão, provavelmente, de uma via principal que a
atravesse.

1. As rotas de circulação principal são determinadas como parte do centro


integrador da cidade e da área urbana adjacente.

2. Os espaços públicos importantes são identificados para amarrar a topografia, as


formações naturais e as linhas principais de movimento.

3. Os alinhamentos das vias secundárias são posicionados, distando entre si de 60-


150 m, nas intersecções com os espaços e vias principais.

4. Os espaços para pedestres são definidos pelas fachadas dos prédios, e são
acessados por veículos, mas são fisicamente protegidos deles.

5. Os prédios são posicionados de tal forma que as suas fachadas definam o espaço
urbano da maneira mais coerente possível — sem recuos e com poucas falhas na
seqüência entre eles.
6. As ruas surgem como conseqüência da linearidade, conectando segmentos de um
espaço urbano bem definido.

A falha em seguir esta seqüência inevitavelmente leva a um tecido urbano morto.A


aplicação correta desta seqüência só pode aparecer após convencer as autoridades a
implementarem uma prática construtiva diferente da que é comum atualmente. No
entanto, existem poderosas razões teóricas para insistir nessa seqüência. Esses passos
foram seguidos em incontáveis assentamentos tradicionais, formando cidades e espaços
urbanos antes da era industrial. Quando o modo de transporte era ainda o de pedestres
e tráfico de baixa velocidade (animais, charretes, pequenos ônibus e caminhões de

29
pequeno porte, etc.) era fácil dar prioridade para o espaço e para a construção. Quando
o automóvel assume, no entanto, ele começa a ditar uma nova prioridade, que inverte a
seqüência acima. O planejador, então, sacrifica o tecido urbano tradicional para
acelerar o movimento transversal e isto, em última análise, é o que cria o desenho
disfuncional e insustentável.

Alexander tem aplicado estes princípios em muitos projetos de habitação social,


incluindo Santa Rosa de Cabal, Colômbia (Alexander, 2005, livro 3, páginas 398-408) e
Guasare New Town, Venezuela (planejada, mas não construída) (Alexander, 2005, livro
3, páginas 340-348). Outro exemplo recente de sucesso é Poundbury, na Inglaterra,
feita por Leon Krier (1998). Interessante é que este último empreendimento é um
assentamento de alta renda, na qual uma parcela significativa — mais de 20% — de
moradores subsidiados é incluída, financiados pelo Guinness Trust, uma organização
não-governamental. Nós vamos extrair regras de trabalho destas experiências e
apresentá-las neste paper.

7. O desenho descontinuado e a emergência da forma.

Uma nova comunidade não pode ser simplesmente inserida numa terra limpa (na
verdade, poderia ser, mas então, não seria adaptável e não formaria uma comunidade).
Nós visualizamos um crescimento gradual ao invés de construir tudo de uma só vez.
Deve ser permitido ao desenho emergir e isso não pode ser feito no início. Um plano
diretor — no sentido de decidir onde exatamente a futura construção vai ser localizada
e qual a exata forma o prédio terá — é muito restritivo, e, portanto, altamente
incompleto.

A habitação social que segue esta atitude — de planejar no papel e depois construir
de acordo com o plano — é falha para constituir um ambiente vivo. Assim como
Alexander, nós defendemos um processo no qual cada futuro passo seja influenciado
pelo que existe em cada momento.

A cuidadosa consideração das características topográficas, da vegetação existente,


dos pontos de acesso, etc. é suficiente para indicar, por alto, a morfologia do
assentamento inteiro, no início do processo de planejamento. Após formar uma idéia
aproximada sobre a localização dos prédios e das principais vias de acesso, então os
lotes individuais podem ser mentalmente localizados, ao longo das vias, que não
estarão, também, completamente especificadas. Nada ainda esta construído, e as
decisões principais são feitas utilizando estacas de madeira e outras marcações no solo.

30
Para garantir a coerência morfológica, o que é construído deve ser influenciado pelo
seu entorno. Esta interação é experimentalmente determinada e não pode ser decidida
no papel, ou antecipada, devido à complexidade de todos os mecanismos envolvidos.
Em um empreendimento parcialmente construído, a próxima casa ou o próximo
segmento de uma via a ser construído tem que adaptar sua geometria ao que já foi
previamente construído.

Qualquer decisão feita no início do projeto deve ser entendida como recomendação,
e não como uma regra ditada (diferentemente do que acontece nos planos diretores). À
medida que o projeto se desenvolve no tempo, as decisões que foram feitas no começo
para as áreas não construídas vão ser vistas agora como incorretas, não mais relevantes,
então nós precisamos da possibilidade de mudar o desenho continuamente, à medida
que mais construções vão acontecendo. Isto é exatamente o que ocorreu nas
comunidades históricas construídas num espaço de tempo de séculos. Este
procedimento adaptável (que se adapta à sensibilidade humana, em relação às formas e
espaços que aos poucos emergem) gerou geometrias extremamente coerentes e
complexas nas tradicionais vilas e cidades e esta coerência não pode, matematicamente,
ser adquirida de uma só vez.

Um processo descontinuado constitui-se de um vai-e-vem entre seus passos,


melhorando cada um deles. Isto é o que nós estamos descrevendo no planejamento e
no desenho adaptativo: primeiro se forma a idéia conceitual no solo, então, são
introduzidas as posições e os tamanhos dos futuros elementos sem, ainda, construí-los.
Então, volta-se para refinar o espaço urbano, e assim por diante. È somente assim que a
interação de todos os componentes entre si e com o seu entorno pode efetivamente
acontecer. Uma vez que os componentes comecem a ser construídos eles tornam-se
partes do entorno, e por sua vez, influenciam todos os futuros elementos construídos.
Um tecido urbano saudável é um sistema extremamente complexo e não pode ser
desenhado e construído de uma maneira estritamente de-cima-para-baixo. Alguns
componentes podem ser realizados de-cima-para-baixo por alguém que entenda a
complexidade requerida. O ordenamento tem que emergir do processo e não
simplesmente ser um final imaginado e imposto por uma regulação arbitrária. Deve
haver uma capacidade adaptativa que seja distributiva e ampla, em um processo
includente. Cidades e vizinhanças são “coisas que as pessoas fazem juntas”, onde a
comunidade exerce sua territorialidade de uma maneira positiva. Qualquer intervenção
de-cima-para-baixo tem que ser orientada para facilitar a colaboração, não ditando os
seus termos ou a forçando abertamente a ser um contenedor racionalizado.

31
8. Exemplos de padrões e códigos geradores

Os padrões resumem soluções de desenho descobertas e que fazem as pessoas mais


confortáveis ao usar ou experimentar a forma construída. Os seus méritos relativos
estão em que eles foram decididos sobre (em muitos casos cientificamente) bases
firmes, ao invés de ser apenas uma outra opinião. O uso de padrões e da linguagem de
padrões é descrito em uma literatura que está facilmente disponível (Alexander et. al.,
1977). Nós agora descreveremos alguns padrões para aqueles que não os tenha visto
antes. O urbanismo convencional tem negligenciado o tremendo potencial oferecido
pelo desenho baseado-em-padrões, principalmente por razões ideológicas. O desenho
baseado-em-padrões libera o indivíduo, mas suprime alguns dos mais lucrativos
(embora inumanos) aspectos da indústria da construção.

Ao construir um tecido urbano denso, um padrão impõe um limite de quatro andares


de altura para residências (Padrão 21: Limite de quatro andares). Acima desta altura,
um morador se sente desconectado do solo e de qualquer função social, que sempre
ocorre no solo. Este padrão imediatamente invalida os prédios altos de apartamentos,
que são simplesmente um falido experimento social, em larga escala, proposto por um
simbolismo icônico. Outro padrão requer acesso às árvores (Padrão 117: Lugares com
árvores). As árvores são necessárias para o ambiente humano e o seu plantio deve ser
cuidadosamente pensado para cooperar com os edifícios próximos e definir um espaço
urbano coerente (Gehl, 1996; Salingaros, 2005). Alternativamente, as árvores já
existentes devem ser salvas e os prédios introduzidos da mesma maneira cuidadosa e
flexível (e não de acordo com uma rígida malha arbitrária) de tal forma que os prédios e
as árvores cooperem para criar um espaço urbano. As árvores combinam-se com a
geometria dos caminhos e as paredes externas para definir o espaço urbano utilizável
cujas dimensões e estrutura de caminhos convidam ao uso.

O ponto para o qual se está chamando atenção aqui (resumido neste padrão
particular) é o de usar um conjunto de árvores para definir um espaço sagrado. Isto,
filosoficamente, está muito distante da idéia de plantar árvores simplesmente como
uma “decoração” visual, o que simplesmente reforça a geometria do poder. Há uma
razão pragmática para isso. A não ser que a árvore seja protegida, fazendo parte de um
lugar sagrado, ela será logo cortada e usada como material de construção ou como
combustível para aquecer e cozinhar. Esta idéia segue o mesmo princípio de proteger
as vacas necessárias para o arado, tornando-as animais sagrados. Assim, as vacas não são

32
comidas durante os períodos de fome, e então elas podem ser utilizadas para a
agricultura na próxima estação.

Na prática, se pode escolher vários diferentes padrões do livro de Alexander,


“Linguagem de Padrões” (Alexander et. al., 1977) e começar um assentamento. À
medida que o trabalho avança, se tem que voltar e trabalhar com mais padrões, porque
surgem novas necessidades de desenhos. Um outro conjunto de padrões ajuda a guiar o
layout da rua. Alexander usou originalmente os padrões em 1969, para desenhar
habitação social no Peru (Alexander, 2005, livro 2, página 352). A maneira como os
diferentes padrões têm que se combinar é explicado in (Salingaros, 2005, capítulos 8 e
9). Alguns arquitetos caracterizaram os padrões como um método incompleto, porque
eles não os puderam combinar com sucesso. No entanto, padrões são apenas um
componente de um sistema de desenho e sua combinação tem que seguir princípios
que não estão contidos nos padrões propriamente. Trabalhos de Alexander e outros
(incluindo o autor) continuam a desenvolver a aplicabilidade da linguagem dos padrões
na arquitetura. Uma visão particular tem sido obtida a partir do dramático sucesso da
linguagem dos padrões no desenho de software de computador.

Um outro fator, e mais sério, que tem funcionado contra a adoção dos padrões para o
desenho, é que a arquitetura e o urbanismo têm se apoiado, por várias décadas, na base
filosófica do relativismo qualitativo. Esta alegação significa que todos os julgamentos
na arquitetura são uma questão de opinião e de gosto, e a arquitetura é só um pouco
mais do que um ato de expressão pessoal. Este relativismo está em contraste marcante
com a visão da ciência, onde fatos descobertos sobre a estrutura da realidade são
entendidos como subjacentes às questões de aparente opinião individual. Os arquitetos
e urbanistas inculcados na tradição relativista desconsideram efeitos estruturais
observáveis e soluções mais avançadas. Eles consideram os padrões como apenas mais
uma opinião, e uma que pode ser tranqüilamente ignorada (especialmente se os padrões
contradizem diretamente a tipologia militar / industrial). Mas os padrões são
agrupamentos observáveis de configurações recorrentes, de respostas recorrentes a
problemas de desenho e que constituem uma forma, passível de ser descoberta, de
“inteligência coletiva” na civilização e na vida humana. Esta inteligência coletiva
relaciona-se à maneira como nós operamos no contexto da relação entre a forma
construída e nossos valores, aspirações, práticas sociais, etc.

Na era da especialização profissional, o ambiente construído tem sido


crescentemente, sujeitado a um conjunto que se prolifera de especialistas, cada um
levando sua disciplina para entender um particular tipo de problema. Isso acontece

33
freqüentemente às expensas da habilidade de ver (muito menos de discutir) o completo
desafio de criar lugares vivos, bonitos e sustentáveis. A noção de uma inteligência
coletiva incorporada em padrões não deveria ser entendida como uma alegação de se
haver descoberto a verdade final, mas como o reconhecimento da importância de um
processo vivo. Isto re-estabelece a capacidade cultural de se engajar na construção do
espaço como um processo social colaborativo. O sucesso não é medido em termos
abstratos, mas pela experiência local de melhoria contínua da qualidade e na
sustentabilidade dos assentamentos humanos. O uso de padrões no desenho
proporciona a base necessária para um método colaborativo que é adaptável e
particular para um local (isto é, os condicionantes do momento) e ainda é capaz de
responder às aspirações humanas por alguma coisa melhor.

Mesmo quando os padrões são usados para o desenho, o desenhista deve ter certeza
que o projeto está sendo executado e construído na seqüência correta. Esta nova
abordagem do planejamento é baseada no reconhecimento de que a emergência de uma
forma adaptável tem que seguir uma específica seqüência de passos. Um desenho
adaptável requer um “processo gerador”. Um desenho vivo nunca é imposto: ele é
gerado por uma seqüência na qual cada passo depende dos passos anteriores. Os
padrões, eles mesmos, no entanto, não contam nada sobre a seqüência. Para isso é
necessário consultar o trabalho mais recente de Alexander (Alexander, 2005). Há
outros autores que apóiam a necessidade de um processo gerador. Besim Hakim
chegou a esta conclusão através da impressionante evidência disponibilizada por sua
pesquisa sobre as cidades tradicionais (Hakim, 2003).

9. A estratégia de construção.

Tanto a linguagem de padrões como os processos e os códigos geradores (sejam eles


explícitos ou implícitos) têm estado presentes por milênios. A linguagem de padrões foi
codificada em uma forma prática há trinta anos atrás. Os códigos têm sido usados na
arquitetura tradicional e códigos fixos (não geradores) foram amplamente
implementados por um dos autores (Duany & Plater-Zyberk, 2005). Os códigos fixos
são baseados-na-forma e contam exatamente como estruturar a geometria de um
ambiente urbano. Os códigos geradores são mais recentes e possuem a adicional
capacidade de alterarem a forma ao longo do projeto. Eles mostram a seqüência de
passos, mas deixam a forma e o produto final não-especificado. Eles também se
distinguem entre conjunto de códigos adaptáveis e conjunto de códigos não adaptáveis
(isto é, aqueles que ou geram ou impedem o tecido urbano vivo).

34
Mesmo considerando que um projeto particular vai requerer um cuidadoso
ajustamento às condições locais, esses dois métodos agindo juntos servem para a
maioria dos casos. Nós podemos começar sua imediata aplicação utilizando material
publicado com experiências no sítio, o que levará a conseqüentes refinamentos no
processo. Em termos mais amplos, aqui está como alguém pode seguir nossas
sugestões:

1. Use a linguagem de padrões para planejar a rede de transportes antes que


qualquer construção seja feita. Isto é essencial para gerar centros para as vilas e as
vizinhanças. Malhas em xadrez, do tipo facilitado pelos governos, não criam a
necessária conectividade nodal do espaço urbano.

2. Use a linguagem de padrões (e desenvolva novas, apropriadas para a localidade)


para construir um espaço urbano para uma sociedade complexa consistindo de
crianças, adultos, idosos e que inclua casas, lojas, escolas, distribuidoras, espaços
informais, pontos focais de transporte, etc.

3. As existentes zonas mono-funcionais simplificadas (e conseqüentemente anti-


humanas) devem ser anuladas pelo governo central. Sem este passo, todos os esquemas
planejados impedirão a vida urbana desde o começo, indiferentemente ao que ela possa
parecer.

4. Encoraje os sistemas de construção (controlados de-cima-par-baixo) a trabalhar


com os futuros residentes locais (trabalhando de-baixo-para-cima) de maneira a gerar
habitações de baixo custo e de alta qualidade.

5. Use a linguagem de padrões para reabilitar as casa dos habitantes de baixa renda
e para converter as unidades alugadas em casas próprias. Isto requer uma injeção de
dinheiro, mas também gera trabalho na construção.

6. Use a linguagem de padrões e a noção de cidade como uma rede para orientar as
intervenções globalmente. Processos de larga escala e de longo tempo irão garantir que
além de construir casas os projetos são concebidos e implementados para completar
uma vizinhança sustentável, bem conectada em um grande cenário urbano.

O processo começa por identificar a terra certa. Um grande problema é que muito da
habitação informal é empurrada para terras problemáticas e marginais, nas quais é
impossível a melhoria. È necessário que o arquiteto / planejador responsável tenha

35
conhecimento na linguagem de padrões e em sua aplicação. Como muitos arquitetos,
hoje, não sabem, recomendamos os governos, que ao menos nos próximos anos,
apóiem-se em quem é familiar com este material para coordenar os projetos de
construção. Um certo número de profissionais com este conhecimento estão
disponíveis, embora não em número suficiente para satisfazer a demanda. Temos
esperança que nas próximas décadas se possa treinar um número suficiente de jovens
arquitetos para dirigir novos projetos.

Um ponto importante refere-se ás licenças para construção. Devido à variabilidade


orgânica de diferentes componentes do projeto, é proibitivo, tanto em termos de
custos como em termos de tempo, preparar desenhos finais e tê-los, cada um,
aprovados. A permissão para o projeto é dada usualmente através de um documento
explícito que especifica cada detalhe do desenho, ao invés de um plano geral do
processo que pode gerar desenhos similares, mas individuais. Alexander resolveu este
problema conseguindo licença do governo para um processo de construção específico
(um conjunto de operações construtivas, dentro de parâmetros claramente definidos)
que gera resultados distintos, mas semelhantes. Todos os produtos do processo eram
então, aprovados automaticamente sem necessidade de futura licença individual
(Alexander et. al., 1985). É importante conseguir a aprovação das autoridades para o
PROCESSO, ao invés de para um conjunto final de desenhos. Se isso não for possível,
então o melhor é conseguir uma aprovação que seja conveniente para a estrutura geral,
e que possa ser modificada durante o processo.

10. Estratégia de layout: o esqueleto dos serviços.

O que segue é uma estratégia de layout baseada em regras que um de nós (AMD)
observou durante seu trabalho em São Domingos, na República Dominicana. Ela
oferece um esqueleto de referência simples, mas efetivo no qual um assentamento
saudável e humano pode se auto-organizar.

O que segue são as regras para uma favela de renda MÍNIMA. Há mais regras para o
grupo localizado em uma escala acima, em termos de renda, incluindo acomodações
para carros. Mas qualquer coisa menos do que este conjunto de regras tende a não
funcionar, pois ele forma o núcleo sobre o qual outras regras são acrescentadas.

1. O governo deve fazer um esquema dos lotes e garantir a posse da terra, através
de um documento em papel. Isto pode começar com “noções” sobre os lotes, que

36
poderão ser definidos mais tarde, através de um processo “gerador” que poderá ser,
num outro momento, pesquisado e documentado.

2. Os lotes deverão estar dentro de quadras definidas pela previsão de uma rede de
ruas. Cada quadra deve ter a previsão de um caminho de pedestres atrás de cada lote.
Os lotes podem variar em tamanho e forma, mas não devem ser menores do que 6 m de
frente e 20 m de fundos.

3. O governo deve fazer um canal, na terra, que drene das quadras para as ruas e
das ruas para fora da área habitada.

4. O governo deve construir passeios de concreto nos dois lados das ruas previstas
(mas não necessariamente pavimentar as ruas). O canal formado entre os passeios
conterá as águas da chuva. E também será uma forma de prevenir contra a propagação
do fogo.

5. No mínimo em um ponto do caminho de pedestres, deve haver um poste com


eletricidade, do qual os residentes possam se conectar e utilizar a eletricidade
livremente. O mesmo deve ser feito com alguns pontos de água potável. Deve haver
uma grande latrina com separação por gênero, a cada quadra. Estes serviços podem
começar a ser taxados, desde que os trabalhos estejam avançados.

6. À medida que os lotes vão sendo construídos, deverá ser mantida uma passagem
bem definida do caminho de pedestres para a rua. Isto encoraja a construção de peças
com janelas e também permite o lote e a quadra a drenarem para a rua.

7. Os moradores irão construir as suas casas eles mesmos, ao seu próprio ritmo,
mas eles devem iniciar construindo a parede do caminho de pedestres em primeiro
lugar. A parte de trás é feita mais tarde. Pode ser pedido para que a parede frontal seja
de blocos de concreto. Os telhados não devem drenar suas águas para o lote vizinho.
8. Os lotes de esquina são reservados para o comércio. Todos os lotes podem ser
unidades de habitação e comércio.

9. Nenhuma iniciativa comercial não-criminosa, nem operações privadas de


trânsito devem ser proibidas. Ao contrário, deverão ser encorajadas.

10. As várias responsabilidades dos residentes e do governo, listadas acima, deverão


ser estabelecidas em um simples contrato do tipo: “O governo fará isto ...” e “Os
residentes farão isto ...”

11. É possível requerer que os residentes paguem pelos lotes, através de pequenas
mensalidades, após a construção ter sido concluída.

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Há ainda várias questões de controle social sobre as quais não estaremos lidando
agora, mas que precisam ser observadas empiricamente. Este é apenas um código físico,
portanto apenas parte da solução completa que irá fazer o projeto vivo. O
estabelecimento dos limites legais é uma função do governo. No entanto, não deve ser
entendido que isto deva ser feito antes, como um ato de-cima-para-baixo. A proposta
de layout dos lotes envolve uma participação preliminar dos moradores. A questão mais
importante sobre a morfologia dos lugares planejados pelos moradores, é o seu poder
de auto-organização, e é isto que o processo dos “códigos geradores” de Alexander está
tentando explicitar.

11. Estratégias de layout II: código gerador.

Alexander (2005, livro 3) aplicou “códigos geradores” mais avançados a projetos e nós
resumimos aqui parte de seu procedimento. Esta é uma versão mais incremental da
metodologia de layout descrita anteriormente para o “esqueleto de serviços”.

Alexander observou os processo de auto-organização que criaram vários


assentamentos informais ao longo da história humana, e tentou desenvolver “códigos
geradores”, baseados em regras, para explorar estes processos. As suas geometrias
naturais são tão fortes, que por exemplo, ao observar as fotos aéreas de Querétaro, no
México (onde um de nós realiza pesquisas) verifica-se que a morfologia dos
assentamentos se parecem muito com as pequenas vilas admiradas no mundo inteiro de
Provença, na França e de Toscana, na Itália. Todas elas utilizam artifícios para
adaptarem-se ao terreno, para as visuais, a diferenciação das funções comerciais e
outras representações autopoiéticas (de auto-organização).
O desafio é não construir, por antecipação a partir de uma estrutura baseada em um
modelo, sobre uma tabula rasa (isto é, arrasando para limpar), mas colocar as instalações
e outros elementos humanos nestas já complexas e sofisticadas “cidades medievais”.
Nós desejamos a complexidade orgânica e o caráter adaptativo da atividade de-baixo-
para-cima com alguns dos standards e condições de eqüidade social sobre as quais se
assentaram as intervenções de-cima-para-baixo. Há uma maneira como isto pode ser
construído de forma seqüencial, descontinuada, de acordo com uma simples série de
regras, que é como os códigos geradores propõem que seja feito. Após isto ser feito,
então os resultados são levantados e os limites são marcados para propósitos legais.

38
Um layout gerador que inclui ruas estabelece os lotes de acordo com a topografia,
com as aflorações naturais e a percepção psicológica dos melhores fluxos conforme é
determinado ao se caminhar no solo. Então o processo de desenho acontece — e não o
inverso. Este seria a abordagem “Alexandrina” para “cidades medievais com
encanamentos”. Embora isto possa ocorrer antecipadamente, como parte do processo
“código gerador” pela comunidade, ele tem que acontecer gradualmente. O layout não
deve ser baseado em um modelo ou desenhado para ser visto de um avião.

Para conseguir a complexidade emergente de uma vizinhança viva, ela tem que ser
descontinuada e determinada no sítio. Deve ser garantido que o desdobramento
orgânico possa acontecer, e isto não é fácil em um mundo rigidamente codificado. Nós
temos o desafio de invocar bons processos a partir de circunstâncias que apresentam
muitos condicionantes e obstáculos.

Isto reflete o padrão medieval de projetar ruas e lotes. Isso também segue o princípio
de Leon Krier de que os prédios e os espaços sociais vêm antes, e depois vêm as ruas
(Krier, 1998). Nas cidades medievais, o processo era altamente regulado. Uma cidade
baseada numa malha também pode ser bem ordenada: nosso ponto é que se use a malha
que mais se adapte ao local, e que surge do terreno. A implementação prática, mesmo
de um processo gerador radical, não é tão difícil como se poderia pensar. Pode-se
contornar os problemas legais colocados pela lei convencional de loteamentos ao criar
uma seqüência de lotes irregulares “encaixados” que serão após detalhados de acordo
com o processo gerador, então é feita a versão final do esquema, com os ajustamentos
na linha dos lotes e oferecidos os acessos para direito de passagem. Normalmente há
alguma maneira de passar por cima dos processos convencionais para esse tipo de
atividade, mas o governo precisa apoiar e não bloquear o processo, porque isso parte de
práticas já estabelecidas.
Entrando ainda mais no detalhe do layout, a rua principal deve ser proposta com base
na topografia e na conexão com a parte externa. Depois, decidir sobre os espaços
urbanos, que devem ser vistos como nós de atividades para pedestres, conectados pelas
ruas. Nova decisão: as ruas laterais que alimentam a rua principal são decididas —
mesmo pensando que essa decisão significa a marcação com estacas no solo. Depois:
definir a posição das casas (não ainda do lote, apenas a construção) usando estacas
marcadas no solo, de tal maneira que as fachadas frontais reforcem o espaço urbano.
Agora, cada família decide o plano total da casa que considera um pátio e um jardim,
nos fundos. Este processo sofre limitações pelas ruas do entorno, caminhos de
pedestres e vizinhos, mas espera-se que o pátio e o jardim formem um conjunto o mais

39
coerente possível, isto é, uma área semi-aberta confortável para as pessoas ficarem e
trabalharem, e não apenas um espaço residual. Esta parte, finalmente, permite fixar o
lote, que é então, gravado. Os planos são desenhados com gravetos no chão.

À medida que as linhas dos lotes começam a ser decididas, então as ruas podem
começar a tomar uma forma mais definida no plano (mas ainda não construídas).
Espera-se que as ruas conectem e alimentem os segmentos dos espaços urbanos, que
são definidos pelas frentes das casas. (Note-se que isso é o oposto de posicionar as
casas para seguir as ruas existentes). A flexibilidade no desenho das ruas será mantida
até que todas as casas sejam construídas. Claramente, não se verão muitas ruas retas
cortando o loteamento (para o espanto dos burocratas do governo), porque elas não
foram colocadas no início. Nem as ruas precisam ter uma largura uniforme, elas se
abrem para o espaço urbano. As ruas surgem à medida que surge todo o loteamento.
Agora começa a construção. Primeiro construir os passeios, depois então as casas, e,
por último, pavimentar as ruas — se é que isso vai ser feito.

Uma seqüência de layout mais detalhada está incluída no Anexo.

SEÇÕES 12-16: SUGESTÕES PRÁTICAS PARA FAZER OS


PROJETOS FUNCIONAREM

12. O papel do arquiteto / coordenador.

Nossa experiência com a construção de projetos nos leva a propor uma regra
administrativa. É a de fazer um único indivíduo responsável por conseguir a
“humanidade” de um projeto individual. O governo ou a organização não-
governamental que financia o projeto irá apontar a pessoa que vai supervisionar o
desenho e a construção e que vai coordenar a participação dos usuários. Nós sugerimos
que esta tarefa não seja desempenhada por um empregado da burocracia governamental
ou da empresa construtora, pela simples razão que esta pessoa não tem a necessária
especialização no processo de desenho que nós estamos defendendo aqui. Idealmente,
seria uma pessoa que tivesse um entendimento profissional dessas questões e que
tivesse um sentido de responsabilidade profissional independente para supervisionar a
apropriada implementação.

Este arquiteto / gerente de projeto será o responsável por fazer a diferença entre
criar uma aparência militar / industrial versus um projeto construído final que seja

40
humano e que propicie um sentimento de vida. De novo: isto não é uma questão de
estética (que seria imediatamente descaracterizado pela agência financiadora como
irrelevante para as pessoas pobres), mas de sobrevivência básica. Um projeto percebido
pelos seus habitantes como hostil será eventualmente destruído por eles, e ao mesmo
tempo destruirá, neles, o próprio sentido de si mesmos. Tanto quanto nós acreditamos
em participação, tem sido mostrado que as pessoas que necessitam de habitação social
não têm, sempre, a capacidade organizativa para trabalharem juntas e terminarem o
projeto. O seu aporte é absolutamente necessário nos estágios de planejamento, mas
aqui nós estamos falando de alguém “de fora” que será responsável junto aos residentes
e que irá garantir o bem-estar quando forem pressionados a cortar custos e alterar o
projeto de construção.

Uma parte crucial no papel do gerente de projetos tem que ser definida em termos
da facilitação do processo em vários níveis. O gerente terá com freqüência, não apenas
que encorajar o engajamento no trabalho, mas também ensinar às pessoas que não
estão acostumadas a ele, e que podem não ter a habilidade e o hábito de uma ação
efetivamente participativa. Os participantes podem vir para o processo com uma
profunda descrença em qualquer método que dependa do esforço dos outros. Parte do
desfio em um novo assentamento será, então, criar um ordeiro, confiável e efetivo
processo colaborativo que engaje a população — mas estas pessoas podem estar
traumatizadas devido a experiências com re-assentamentos anteriores e com violência
social. Não se pode assumir que a comunidade pré-existente já tivesse estabelecido
normas adequadas e comprometimento requerido para esse tipo de engajamento. Ao
gerente vai ser requerido um papel que inevitavelmente envolverá uma parte do que é
chamado de “construir a comunidade”, organização e treinamento em liderança.

Quando o projeto estiver completo, arquiteto / gerente do projeto deverá ter um


pagamento pelo seu trabalho, ajustado pelo grau de quanto o projeto estiver bem-feito.
O depoimento dos residentes sobre o processo, ao invés das declarações dos críticos de
arquitetura deve ser a base para julgar esse sucesso. Não é impossível que um projeto
que se mostrará sustentável e de sucesso pelas décadas futuras seja julgado e condenado
pelas mentes estreitas dos ideólogos como parecendo antiquados e /ou muito parecidos
com favelas, para permitir conforto político. Muitas pessoas no poder fixaram a visão
de que uma cidade deve ser “limpa, industrial e moderna” — baseados em irrelevantes
conceitos científicos fora de moda — e referem-se a estes modelos utópicos quando
julgando um ambiente vivo.

41
Nós estamos, na verdade, defendendo uma abordagem de-baixo-para-cima, com um
nível intermediário, estritamente administrativo, do tipo de-cima-para-baixo. A não ser
que uma clara responsabilidade e um sistema administrativo autônomo sejam
colocados, o que nós queremos ver acontecer não vai jamais ocorrer. A burocracia
impessoal do governo nunca vai se incomodar em fazer um lugar vivo e humano,
porque eles podem com muito mais facilidade seguir regras não-criativas de modulação
e combinação mecânica. O grupo que constrói não é responsável: ele quer terminar o
seu trabalho no menor tempo e com as menores alterações possíveis. Os residentes não
são suficientemente poderosos para garantir um ambiente vivo. Na realidade da
construção, um projeto requer um defensor com o poder de coordenar todas estas
forças.

13. A necessidade de materiais adaptáveis.

O mais difícil e negligenciado fator na escolha de materiais é a sua atração ao usuário.


As pessoas ricas pagam muito por materiais “amigáveis” para que seu entorno propicie
um preenchimento emocional. As casas auto-construídas seguem os mesmos princípios
inconscientes, utilizando material barato e descartado, em maneiras criativas para criar
um ambiente emocionalmente satisfatório (descaracterizado meramente como
“primitiva” expressão artística). Compare-se isto com as superfícies hostis que são
regularmente escolhidas para habitação social, num esforço de fazer aquelas estruturas
mais duráveis. Estes tipos de materiais e de superfícies “duras” dão a impressão de
dominação e de rejeição. É possível criar superfícies duráveis e que sejam amigáveis,
mesmo que os planejadores não tenham pensado que valesse a pena ter esse trabalho
para fazer habitação social.

Para complicar este quadro ainda mais, a questão dos materiais de construção
desejados, vai diretamente agir sobre os preconceitos escondidos e as imagens de auto-
estima, que são específicas culturalmente e talvez, até mesmo, localmente. As agências
de controle, em alguns casos, banem certos materiais considerados de “baixo status”,
como, por exemplo, o adobe (cuja superfície é tanto amigável como fácil de ser
moldada, diferentemente do concreto). Em muitos casos são os próprios donos /
proprietários os que rejeitam os materiais adaptáveis, nas regiões onde eles são usados
na construção tradicional. Hassan Fathy não conseguiu fazer com que os pobres
aceitassem viver nas casas de barro (Fathy, 1973). Este é um grande problema em todo o
mundo: é a imagem representando um passado desprezado ao invés de um futuro
utópico, promissor.

42
A solução definitiva para este problema deve ser cultural. Os cidadãos devem
descobrir orgulho nas suas heranças e construções tradicionais, e o grande prazer e
valor que eles trazem. Ao mesmo tempo, o mito de uma utópica abordagem
tecnológica precisa ser exposto pelo que ele é — uma imagem de marketing para feita
para um público inocente — enquanto os reais benefícios da modernidade são
mostrados como sendo inteiramente compatíveis com as práticas tradicionais (os
encanamentos de água, a eletricidade, eletrodomésticos, etc.). Desta forma nós
podemos gerar a “inteligência coletiva” que está incorporada na tradição cultural e
imbuí-la com as melhores novas adaptações.

Como foi colocado por Jorge Luís Borges: “entre o tradicional e o novo, ou entre a ordem e
a aventura, não há uma real oposição; o que nós chamamos de tradição hoje é a trama de séculos de
aventura”.

Quando um governo constrói habitação social, ele está querendo resolver dois
problemas de uma só vez: abrigar as pessoas que não tem os meios para prover a sua
própria moradia e para promover a indústria de materiais e estimular a economia. Há
uma boa razão para a última, pois o governo é associado aos maiores produtores de
indústria de materiais de construção. É do interesse da economia consumir estes
materiais em projetos financiados. No entanto, esta pode não ser a melhor solução para
a moradia. Há duas razões para isto: uma relacionada à economia e outra com conexão
emocional.

Uma favela auto-construída usa material barato e disponível tal como madeira,
papelão, folhas de metal corrugado, pedras, plástico, restos de blocos de concreto, etc.
Embora haja uma óbvia deficiência quanto a durabilidade destes materiais (o que se
torna catastrófico durante tempestades e inundações) a enorme vantagem que estes
materiais possuem é a adaptabilidade. Os proprietários têm uma enorme liberdade para
determinar a forma e os detalhes de suas casas. Eles utilizam esta liberdade de desenho
para adaptar a estrutura às sensibilidades humanas. Isto não é possível quando o
governo constrói módulos habitacionais com materiais muito mais duráveis, tais como
concreto armado. As pessoas têm que poder fazer modificações em suas casa como
uma questão de princípio. Aqui nós temos uma oposição entre permanência/rigidez e
impermanência / liberdade, no que influencia a forma dos prédios.

A habitação social deve ser feita de materiais permanentes, pois construções baratas
e frágeis são um desserviço para a população. Favelas construídas com gravetos e
papelão são modelos inaceitáveis de serem seguidos. No entanto, nós desejamos
preservar tanto quanto possível, a LIBERDADE DE DESENHO, inerente à utilização

43
de materiais impermanentes. Isto é essencial para garantir os ajustamentos no desenho
que irão permitir uma geometria viva. Nas melhores casas auto-construídas, cada lasca
de material é utilizada em uma maneira muito precisa para criar um tecido urbano vivo
— um processo sofisticado que se compara às grandes aquisições arquitetônicas em
qualquer lugar. A única solução que nós vemos para este conflito é o governo prover
material apropriado (permanente, mas fácil de organizar, de cortar e de modelar) para
que seja usado pelos moradores na construção ou na modificação de suas casas.

Nós voltamos sempre para a competição entre permanência e adaptabilidade.


Mudanças adaptativas na forma são próximas do reparo e da auto-cura de um
organismo, mas são com freqüência mal interpretadas como uma degradação do
projeto. Na verdade a geometria está tentando curar-se (através da ação humana)
depois da imposição de uma forma não-natural, alienada. Esta é a evolução orgânica
natural e não deveria ser desencorajada só porque ela contradiz a visão “pura” de um
arquiteto sobre como as pessoas DEVERIAM viver. Nós devemos enfaticamente
condenar como não humana esta prática de proibir qualquer modificação na habitação
social feita por seus moradores. Desde que amarradas a nossas sugestões para a
propriedade, nós defendemos o direito fundamental de um proprietário / residente de
modificar sua moradia de qualquer maneira desde que não invada os direitos dos
vizinhos ou o espaço urbano.

Embora a intenção original da legislação de proibir mudanças na moradia fosse bem


intencionada, ela não atingiu os seus objetivos. Sua intenção era de impedir legalmente
que o prédio construído pelo governo, e onde ele investiu dinheiro, fosse destruído.
Isto, no entanto, nunca funcionou. Prédios que são odiados por seus residentes (devido
a suas superfícies e geometrias hostis) têm sido sistematicamente vandalisados e
destruídos, e nenhuma legislação tem sido capaz de prevenir isto. O crescente uso de
materiais duros, leva a unidades habitacionais que parecem fortalezas, mas os seus
moradores, cada vez mais, as odeiam e as destroem. Espaços e superfícies opressivas
impedem o sentido de bem-estar, gerando reações hostis. A solução está numa
diferente direção: fazer unidades habitacionais que os moradores amem, e eles as
manterão ao invés de destruí-las.

Em seu projeto em Mexicali, México, Alexander introduziu um método inovador


para produzir tijolos, no sítio, usando uma prensa manual e o barro local (Alexander et.
al. 1985). Ele enfatizou isto como um aspecto determinante do projeto, mesmo
considerando que havia blocos de concreto prontos e disponíveis. Uma razão era a de
estabelecer um suprimento local para todos os futuros residentes. Blocos de concreto

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não são caros, mas eles colocam um desafio financeiro. Outra razão é que eles limitam
as possibilidades de desenho. Blocos de concreto padrão levam a configurações
estruturais padrão, inviabilizando algumas das formas adaptativas que Alexander
desejava introduzir.

Há oportunidade para a indústria da construção participar — através dos esforços


diretos dos governos — provendo elementos industrializados, que podem, em muitos
casos ser incluídos nos projetos. Um dos autores (EPP) desenvolveu um modelo para a
auto-construção com materiais baratos e disponíveis no local, tais como terra socada
para os perímetros, junto com a introdução de módulos sanitários industrializados de
baixo custo. Estes módulos incluem depósito de água, vaso sanitário, pia, chuveiro e um
filtro para o tratamento de águas usadas, para reciclagem. Eles podem ter também usos
estruturais e incluir células solares para eletricidade e painéis solares para aquecimento
de água e mesmo para cozinhar. Estes módulos podem ser construídos em grandes
quantidades, baixando os custos e oferecendo tecnologia, ao mesmo tampo em que
permitem a necessária flexibilidade e liberdade para o desenho e o desenvolvimento
futuro das unidades.

Um de nós, (AMD), investigou este conceito mais recentemente para um projeto em


Kingston, na Jamaica. Este “módulo-molhado” oferece, de modo custo-efetivo, os
elementos básicos mecânicos e sanitários de uma casa, que são justamente os mais
caros, ao mesmo tempo em que se combina com a habilidade dos moradores de
construírem suas próprias casas bem adaptadas.

Nós devemos mencionar um caso em que estes módulos industriais foram reduzidos
em complexidade, de maneira que a construção pode ser inicialmente mais adaptável às
necessidades sociais. Alexander, em 1980, trabalhou em habitação social na Índia, e
pensou em usar uma caixa de concreto pré-fabricado, contendo encanamentos para
banho, vaso sanitário e cozinha (Alexander, 2005, livro 2, página 320). Esta solução
seguiu as soluções de sucesso, anteriormente desenvolvidos por Balkrishna V. Doshi.
No entanto, logo se mostrou claro que construir, para cada casa, uma base sólida (um
espaço que representasse um padrão tradicional) era na verdade mais importante na
seqüência da construção (porque era uma prioridade para os residentes) do que ter um
módulo de concreto pré-fabricado com as instalações hidro-sanitárias. Então Alexander
decidiu gastar a quantidade limitada de dinheiro disponível em um terraço, deixando
uma passagem para a futura adição de encanamentos. Os residentes, então, utilizaram
água e sanitários comunitários até que puderam construir os seus próprios. A fundação

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era mais vital para a vida da família do que o módulo de concreto pré-fabricado com as
instalações.

14. A estratégia de financiamento se concentra na pequena escala.

A construção de habitação social não pode ser financiada apenas pelos residentes,
desta maneira o governo e as entidades não-governamentais tem que sustentar os
custos. Esta simples dependência traz a tona questões que afetam a forma da
construção. Envolver os residentes na construção de suas casas reduzirá os desembolsos
iniciais. No entanto, quanto maior o valor investido por uma agência externa, na
habitação social, maior será o controle que a mesma vai querer ter sobre o produto
final. Essa conseqüência natural leva inevitavelmente à subconsciente adoção de uma
geometria de controle, nos moldes em que foi mostrado em seções anteriores.

Nós podemos oferecer alternativas:

1. As fontes de financiamento determinam agora a morfologia da habitação social. O


governo central querendo construir da maneira mais eficiente, investe em uma
abordagem altamente prescritiva, que sacrifica a complexidade da forma. Esta atitude
não pode gerar um espaço urbano. Nós precisamos desenvolver um padrão flexível e
baseado no desempenho para a morfologia. Nós também precisamos identificar fontes
alternativas de financiamento para quebrar o monopólio prescritivo e assim, acabarmos
com este anti-padrão.

2. Levantar fundos, a partir de várias fontes, para garantir casas que sejam acessíveis
para os moradores das vizinhanças. Uma parceria-público-privada (PPP) é o caminho
mais efetivo para usar a economia de mercado para gerar espaços urbanos, ao invés do
monstro monolítico favorecido pela burocracia do governo.

3. O envolvimento com uma organização não governamental (ONG) irá impedir um


governo central suspeito, de tentar sabotar o uso da linguagem de padrões na
construção de um espaço urbano ou em transformar um projeto disfuncional em um
espaço urbano.

Nós estamos tristemente conscientes sobre numerosos projetos de habitação social


que não servem aos pobres, mas apenas oportunidades para os construtores e donos de
terras de drenar dinheiro do governo. Se o governo subsidia aluguéis, então a

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oportunidade para a construção especulativa, que irá recuperar os investimentos
iniciais na construção existe (como juros) dos próprios aluguéis. Nestes casos, a
condição física das residências tem pouca importância. Além disso, a manutenção e a
futura condição do tecido construído não é uma parte da equação dos lucros, pois não
há expectativas de recobrar os investimentos feitos nas estruturas construídas. É
esperado que as estruturas construídas sofrerão deterioração, então (porque não)
encorajar construções não-permanentes desde o início. Claramente, aluguéis
subsidiados podem trabalhar contra uma habitação social humana, contrariando a
intenção da legislação original.

Freqüentemente, soluções sustentáveis, factíveis e possíveis de serem financiadas, são


rejeitadas motivadas por excessiva avidez. Boas casas possíveis de serem compradas têm
a desvantagem de que as margens de lucro são sempre pequenas (exceto se o mercado
for manipulado para criar uma artificial escassez). Se o governo ou os promotores
imobiliários não conseguem ver uma oportunidade de enriquecer no processo, eles
decidem abandonar seu apoio para o projeto, mesmo que inicialmente eles tenham
empenhado seu apoio. Você precisa de um lucro para encorajar a participação, mas este
tem que ser equilibrado com o retorno por estar resolvendo um sério problema social.

O envolvimento com ONGs requer que as autoridades voltadas à habitação social


construam não apenas PPP para a reurbanização, mas também para elaborar networks
de parceiros locais. Todos se beneficiam do dinheiro alocado. No entanto, um dos
pontos fracos aqui é que embora as agências sejam boas em conseguir provedores para
os serviços sociais e os órgãos municipais para colaborar, elas não são tão boas em
conseguir o engajamento dos ocupantes das terras. A maioria dos provedores de serviço
social ainda está operando de acordo com o velho modelo de provisão de serviço, ao
invés do novo modelo emergente de soluções “baseadas na comunidade” para uma
ampla gama de problemas. O velho modelo de serviço social engaja as pessoas em redes
baseadas em suas patologias particulares (e há uma inteira indústria de serviços que
depende daquilo que as pessoas necessitam). O novo modelo engaja as pessoas
baseando-se nas suas habilidades e no que elas aportam à rede (e não no que elas
“precisam”). Este novo modelo, assentado na idéia de desenvolvimento comunitário
baseado-nos-recursos, tem tido ampla aplicação na saúde pública e de uma maneira
geral, na organização das comunidades.

Nós também enfrentamos um problema com as fontes de financiamento que


desejam minimizar a incumbência administrativa concentrando-se nos trabalhos de
larga escala. É muito mais fácil entregar dinheiro numa grande soma, do que controlar a

47
mesma quantidade dividida e distribuída para muitos diferentes tomadores de
empréstimos. Reduzir o número de transações toma precedência sobre os outros
sistemas baseados em oferta e demanda. No entanto, é fundamental para as pessoas
exatamente essa flexibilidade do micro-financiamento para terem a possibilidade de
construir suas próprias casas. Restaurar um bairro requer um vasto número de
pequenas intervenções. Um trabalho promissor tem sido feito para desenvolver um
sistema efetivo de gerenciamento que permita esses micro-empréstimos (por exemplo,
o Banco Grameen). Novamente, este é um modelo de financiamento muito mais
sofisticado e avançado, pois é altamente diferenciado.

Conforme foi colocado anteriormente, nós mencionamos o obstáculo que significa


ter essas imagens geométricas de controle incorporadas na mente. Elas são também
amarradas a um profundo preconceito contra a pequena escala. Um projeto
governamental tem uma certa dificuldade para ser administrado, que independe do
tamanho do projeto. Naturalmente, os burocratas desejam minimizar o número total
de projetos, o que os leva a aprovar um número pequeno de grandes projetos. Por
exemplo, em face à construção de um novo espaço urbano, eles querem construir o
maior possível e todo ao mesmo tempo, para economizar os problemas burocráticos
gerados por sua administração. Esta forma de agir contradiz nossas sugestões para a
construção de um espaço urbano pedaço por pedaço, ao longo do tempo, com
interrupções e idas e vindas entre os passos do projeto.

15. Trabalhando com o sistema existente.

O atual sistema de planejamento e de construção cria e perpetua uma dependência


que é difícil — e, na maioria dos casos, impossível — de quebrar. Ao aumentar os
padrões construtivos além do ponto no qual eles podem ser, de maneira razoável,
satisfeitos pela auto-construção, ele muda inteiramente a indústria da habitação, que
passa de local e de pequena escala, a funcionar somente em grande escala. Os padrões
para a construção desenvolveram-se em resposta a ameaças sérias e reais à saúde e à
segurança. No entanto, como muitos outros sistemas tecnológicos, suas conseqüências
não pretendidas não são triviais e podem ser desastrosas. Isto está acontecendo
atualmente na reconstrução da região do Golfo do México, após o furacão Katrina.

O sistema em funcionamento trabalha tanto para beneficiar burocratas do governo


quanto grandes empreendedores, que estão freqüentemente ligados por apoio mútuo.
Mas o que pode ser visto como benefício para um sistema comercial ou de governo

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pode significar desastre para outro, e maior, segmento da sociedade. Um de nós
(AMD) tem defendido, em relação à reconstrução a pós a devastação do Katrina, o uso
de estratégias que permitam o florescimento dos mesmos processos sociais que
ocorriam anteriormente (Duany, 2007). Estas estratégias enfrentam desafios
desencorajadores devido à presença dos atuais sistemas de construção, financiamento e
regulação.

Muitas das casas destruídas no furacão, particularmente aquelas dos bairros de baixa
renda, eram auto-construídas e não acompanham os atuais códigos ou padrões de
financiamento. O tecido urbano existente era o produto de animados processos de
auto-construção ao longo de gerações, com a vantagem de que ele não era baseado em
dívidas. Esta era uma sociedade de proprietários que eram livres de dívidas, cujas vidas
poderiam ser estruturadas ao redor de atividades de suas escolhas (Duany, 2007).
Aquelas casas estavam fora do sistema, porque devido à sua construção em
desconformidade com os códigos as tornavam impossíveis de serem financiadas. O
sistema agora requer um contrato de dívida, já que os novos padrões de construção não
podem ser alcançados sem a intervenção comercial. Na maioria dos casos isto significa
que o governo deve intervir e construir a habitação social, resolvendo um problema que
ele próprio criou (Duany, 2007). E o ciclo de conseqüências não desejadas continua.

Citando Duany: “A barreira criada por desenhos, permissões, construtores, inspeções


— o profissionalismo disto tudo — elimina a auto-construção. De alguma maneira deve
haver um processo através do qual as pessoas possam construir casas simples,
funcionais para si mesmas, seja por construção própria ou por troca (escambo) com
outros profissionais. Deve haver projetos gratuitos de casas que possam ser construídas
aos poucos e que não requeiram um arquiteto, nem licenças ou inspeções complicadas;
deve haver padrões técnicos baseados no senso-comum. Sem isto, haverá o desconforto
do débito para todos. E débito, no Caribe, não significa apenas dever dinheiro — é a
eliminação da cultura que emerge do lazer.”

Embora isto possa ser “lazer” nos moldes dos padrões da classe média, isto
representa uma vida difícil para um tecido cultural fértil e vibrante que é simplesmente
negligenciado (mesmo que seja uma parte direta dela) pela economia convencional. Os
habitantes da moderna classe média, em todo o mundo, consideram um sistema
dominado pelo débito, como dado: muito do tempo de trabalho das suas vidas é gasto
apenas para pagar o financiamento da moradia. De fato, o sistema funciona impedindo
outras opções para obter um teto sobre a cabeça. A classe média consegue liberação do
sistema financeiro somente após a aposentadoria, quando o financiamento de 30 anos é

49
finalmente pego. A habitação erigida por auto-construção, com dinheiro e troca
(escambo) é uma fuga deste sistema, e é visto pelo governo e pelos grandes empresários
como uma ameaça a sua hegemonia. Este é um problema estrutural, não uma intenção
malévola. A dívida é a chave, mas ela é apenas uma variável de um sistema
interconectado.

Não é fácil implementar este tipo de inovação, porque na maioria dos países e
regiões, já existe um sistema bem estabelecido que produz, rigidamente, habitação
social inumana (mas que ele acredita, ao contrário, ser uma solução iluminada e
progressista). Muitas vezes nos nossos projetos a primeira coisa a ser feita é começar a
estudar o sistema de produção habitacional, para superá-lo. Estes sistemas são criados
por uma engrenagem composta de burocracias, especialistas, instituições financeiras,
entidades políticas, etc. É possível construir os tangíveis físicos, mas não nos sistemas.
Há muito que precisa ser superado, mas que resistirá a ser abandonado.

Nós (o grupo de urbanistas) não podemos estar diretamente envolvidos nesta


estratégia, que é a responsabilidade do cliente e das organizações de apoio. As
entidades locais devem resolver problemas de como proceder e estabelecer as alianças
que sustentarão o projeto, onde nós estaremos agindo como catalisadores da mudança.
Embora enfrentando a oposição do resto da burocracia, uma pequena parte, ou várias
unidades independentes dentro do governo, poderiam estar promovendo nosso
projeto. A maior parte do tempo, os problemas com habitação social inovadora, não
são as soluções técnicas, sociais ou mesmo financeiras: elas são quase sempre políticas.

Você pode tentar forçar mudanças na abordagem do desenho, e alguma coisa boa
pode vir daí, mas só afasta você do processo. Um projeto tende a ser uma luta de poder
que tira tempo e esforço da construção. Alternativamente, podemos tentar cooperar
com o sistema, juntando financiadores e facilitadores de uma maneira inesperada. Mas
isso vai requerer que nós reconheçamos estar trabalhando com um sistema existente
como um diferente tipo de problema, não linear, mas multi-variado e “cultural”. É
necessário estar mais enraizado no sistema de operação local (uma cultura forte
existente) para resolver aqueles problemas, para ter alguma chance de ver onde estão as
alavancas (para podermos acioná-las para efetuar a mudança) e ver como as decisões são
tomadas, nos vários níveis.

Na maioria dos casos, uma estratégia de sucesso vai combinar aspectos de


“trabalhando com o sistema” com “reformando o sistema a partir de fora”. Ao fazer
uma avaliação, mostrar as limitações críticas que nós encontramos no sistema de
produção existente é o primeiro e mais determinante dos passos a serem dados. Então,

50
deveríamos trabalhar para negociar uma forma de “atalho” que considere, desde o
início, as limitações encontradas antes de tentar desmantelar, completamente, o
sistema existente. Pode ser realmente necessário transformar radicalmente o sistema
existente, mas este é um problema separado do desenho e da construção do tecido
urbano, e nós não desejamos gastar todas as nossas energias lutando contra o sistema.
Por outro lado, se não forem possíveis atalhos, vai haver pouca alternativa que não seja
pressionar por uma reforma do sistema.

Alexander (2005, livro 2, página 536) mostra sua própria experiência com este tipo de
luta. Ao longo de um período de trinta anos gerando projetos, ele se deu conta que o
maior problema é que a implementação exige muito. “Nas nossas primeiras experiências,
nós freqüentemente entramos em situações inacreditáveis para fazer um novo processo ser
implementado, e funcionar. Mas a quantidade de esforço que nós tivemos que fazer para tê-lo
funcionando — a verdadeira fonte do nosso sucesso — era também o lado fraco do que nós
conseguíamos. Em muitos casos, a magnitude do esforço especial que tinha que ser feito para
sustentar um novo processo era massivo — grande demais, para facilmente ou razoavelmente, ser
copiado”.

Alexander, em cada um dos casos, teve sucesso substituindo o sistema existente


combinando o procedimento, o processo, a atitude e as suas regras de funcionamento
com um sistema inteiramente diferente. Mas o esforço requerido para mudar o sistema
inteiro, mesmo nos casos em que ele conseguiu, não era facilmente replicável. Ele
conclui que aqui, como em qualquer experimento científico, é a REPLICABILIDADE
que é importante, não a singularidade da ocorrência. Se o processo não é facilmente
replicável, em última instância, ele não é útil. Então, se um método de produção tem
tanto componentes que são totalmente diferentes do sistema que funcionava
anteriormente, ele não é facilmente acomodável dentro do velho método, não pode,
então, ser copiado amplamente em regiões onde a velha metodologia ainda é aplicada.

Uma analogia genética, proposta por Alexander, sugere caminhos para ter sucesso no
longo termo. Um processo apresentado como um sistema complexo, completo (como
um código genético para um organismo inteiro) requer que sua implementação seja, ou
inteira, ou nenhuma. Neste caso, o sistema existente de implementação deve mudar
para permitir o projeto ser construído. Se, por outro lado, nosso projeto é apresentado
(e entendido) como uma coleção de peças semi-independentes, cada uma das quais
pode ser implementada facilmente, então, há uma chance maior de que uma ou mais
das peças se juntem. Grupos pequenos de operadores, desta forma, poderiam aplicar
cada peça do processo, sem requerer o apoio do sistema. Alexander tem esperança que

51
peças de metodologia copiadas facilmente irão se espalhar independentemente e que,
eventualmente, este processo de difusão levará, ao longo do tempo, a um “sistema
operacional” inteiramente novo.

16. A estratégia de manutenção se concentra no usuário.

A não ser que se façam provisões, no começo, para a manutenção continuada do


ambiente construído, ele irá tornar-se disfuncional. Os projetos de habitação social e as
favelas podem ter problemas muito sérios, mas alguns são, claramente, de menor
sucesso do ponto de vista social, do que outros, e a deterioração física é vista crescer ao
longo do tempo. Esta idéia está de acordo com a concepção orgânica do tecido urbano.
Todas as entidades vivas requerem manutenção contínua e reparo: é parte de estar vivo.
Aqui nós podemos distinguir os dois componentes principais da vida, separados entre
mecanismos genéticos e metabólicos. Em primeiro lugar, processos genéticos
constroem o organismo, enquanto os processos metabólicos o mantém e
continuamente o reparam.

Os mesmos processos, ou seus análogos próximos são aplicáveis ao tecido urbano


como uma entidade orgânica. Uma vez construído, ele tem que incorporar em si
mesmo, os mecanismos para sua manutenção. A manutenção não vem de um processo
de-cima-para-baixo. Nós estamos desapontados pela ampla negligência das forças
responsáveis pela evolução temporal do tecido urbano, e pelo que é requerido para
mantê-lo numa ordem saudável. Muitas pessoas têm uma concepção não-realística,
estática da forma urbana.

O modelo orgânico leva a várias recomendações:

1. Encoraje e apóie os ocupantes a manter suas moradias ao garantir uma conexão


emocional, desde o início do processo. A solução de aluguel tradicional tem sido
desastrosa. Não é razoável para um ocupante valorizar uma estrutura material, sem
feições, e que é de propriedade de um outro. No entanto, é possível estabelecer um
sentimento de propriedade e de responsabilidade coletivas. Numa situação de aluguel,
a coisa mais importante é criar condições para controle e auto-gestão coletivos que
sejam efetivos e significativos. Propriedade literal não é sempre necessária. Um
investidor, no sentido usual, pode também ser alguém com um sentido de propriedade
no processo.

52
2. Torne possível possuir uma casa que a pessoa possa comprar, mesmo se ela for do
tipo mais primitivo de moradia. Encoraje o governo a comprometer-se com o
financiamento, visto como uma forma saudável de investimento futuro que previne a
habitação social de ser destruída por seus habitantes.

3. Estabeleça um código legislativo estrito de responsabilidade para os residentes. A


chave para o sucesso deste tipo de código é que os residentes devem ter um sentido de
propriedade em relação ao código. È fundamental que eles participem em sua
formulação. Os proprietários podem ser mantidos como os responsáveis pela
manutenção do seu ambiente, o que é o mais difícil de conseguir com os que alugam. Já
que o suprimento não vai nunca ser suficiente para a demanda, os proprietários podem
cuidar de suas habitações.

4. Uma regra observada no urbanismo é que o nível dos serviços providos é


proporcional ao nível de regulações e de restrições. As favelas não têm serviços, e não
têm regulações. No outro extremo, as comunidades cercadas, de altas rendas, recebem
muitos serviços, mas são também altamente reguladas.

A habilidade dos ocupantes em manter suas moradias não pode alcançada através do
requerimento de uma autoridade central (com poder suficiente para expulsá-los, caso
não cumpram as regras) de que disponham seu tempo trabalhando. “Manutenção” tem
que estar conectado com “governança”. Na reurbanização do Columbia Point, em
Boston, a companhia de loteamento assinou um contrato que concordava em dividir as
responsabilidades de controle do gerenciamento meio a meio com os residentes. O
problema tradicional com habitação pública tem sido que as pessoas mantêm a parte
interna das suas casas, mas não há uma capacidade coletiva de assumir a
responsabilidade pela parte externa. A solução para “o espaço defensável” tem sido o de
privatizar ou abandonar as áreas públicas, tanto quanto possível — o que é expresso na
geometria do projeto. Isso, no entanto, leva a um crescente isolamento e em mudanças
fundamentais, em direção a uma sociedade cada vez mais introvertida.

A melhor solução é simplesmente um padrão com uma distinção bem definida entre
as esferas públicas e privadas, MAIS uma capacidade coletiva de tomar
responsabilidade pelo espaço. Uma parte desta capacidade tem a ver com um desenho
que facilite “olhos na rua” (pórticos frontais, janelas, etc.), mas “olhos na rua” tem
sentido somente se estiverem respaldados por condições de confiança, reciprocidade e
eficácia coletiva. As pessoas tendem a esquecer, freqüentemente, que o bairro de Jane

53
Jacobs funcionava não somente porque as pessoas podiam ver as ruas, mas porque as
pessoas possuíam um sentido de obrigação como membros de um tipo de comunidade
(Jacobs, 1961). Ela descreveu uma característica do ambiente social que é agora descrito
em termos de “capital social”. Isto é como alguém cria um efetivo “código de
responsabilidade”. Se você tentar impor isto (como tentam as autoridades que regulam
a habitação social), então você gera uma ampliação da recusa, em face da qual nenhum
mecanismo de reforço vai funcionar, não importa quanto intrusivo ele seja.

A propriedade das moradias parece ser uma boa coisa a ser encorajada, a partir de
todas as evidências. No entanto, não é verdade que os moradores não podem ser
responsáveis por manterem seu ambiente de entorno. Os proprietários podem ser
responsáveis na medida em que eles tenham interesse em suas casas, o que significa que
eles são motivados pela preocupação pelo valor de troca incorporado nas suas moradias.
Os que alugam também podem ter um envolvimento no lugar, mas somente se as
relações sociais envolvidas não estão reduzidas ao frio nexo do dinheiro — isto é, uma
quantidade de metros quadrados por uma quantia mensal de aluguel. È possível, (e
freqüentemente acontece) que os inquilinos podem construir seus “investimentos” no
valor de uso do lugar, dependendo da extensão a qual eles se beneficiam do network
específico de relações sociais que definem a vizinhança. (Note-se que a vizinhança de
Jane Jacobs não era uma vizinhança de proprietários).

Também é importante incluir uma mistura de oportunidades de aluguel e de compra.


Não é todo o mundo que quer se responsabilizar com a incumbência da propriedade de
uma casa, e não são todos que tem possibilidade de manter uma casa. Uma das coisas
que deveria ser conseguida pela “habitação social” é que os custos cotidianos da
moradia fossem socializados, e não somente o preço de compra. Pense sobre a forma
como o movimento de co-habitação tem feito a mesma coisa. Algumas das idéias do
movimento de co-habitação devem ser incorporadas para ajudar a garantir a
manutenção. (Para os que não são familiarizados com o termo, co-habitação refere-se a
um conjunto de moradias que dividem a mesma área de terra, e que normalmente inclui
compartilhar um prédio para reuniões e refeições em comum — veja o Padrão 37:
Conjunto de Casas, em Alexander et. al. (1977). Na nossa experiência, o padrão
funciona melhor quando moradores de classe média são relacionados fortemente por
crenças religiosas comuns, como nos kibutzim israelenses ou certas seitas cristãs. Por
outro lado, ter em comum a pobreza não é, por si só, um fator unificador suficiente!).

SEÇÕES 1-17: ALGUNS DOS PROBLEMAS A ENFRENTAR

54
17. A re-urbanizando e a promoção sanitária da favela: problemas e
soluções.

Embora este paper analise o processo de construção de assentamentos sociais


NOVOS, nossa abordagem pode ser ajustada para a re-urbanização de favelas. Em
termos ecológicos, a partir da competição, nós aceitamos e aprendemos, ao invés de
tentar exterminá-las, (no espectro mais baixo do urbanismo, as “espécies”). Os governos
desejariam simplesmente que as favelas desaparecessem (recusando, mesmo a desenhá-
las nos mapas das cidades) e que seus residentes espontaneamente se mudassem para o
campo, mas poderosas forças econômicas globais garantem que isso não vá acontecer.
Nós, como urbanistas preocupados em abrigar os pobres, precisamos aceitar as favelas
como um fenômeno social e urbano, e tentar fazer o melhor possível dentro da situação
existente.

Não é sempre possível, e mesmo desejável, aceitar uma favela existente e transformá-
la em um melhor lugar para viver. Primeiro, porque é freqüente que as ocupações
cresçam em solo poluído ou tóxico, ou em solo instável, em altas declividades ou em
áreas inundáveis. Periodicamente seus habitantes são mortos por desastres naturais e
há pouco que possa ser feito para re-urbanizar um assentamento localizado em um solo
perigoso de maneira a torná-lo mais seguro. Segundo, os assentamentos irregulares
invadem reservas naturais que são necessárias para regenerar o oxigênio necessário para
a cidade inteira. Estes são os “pulmões” de uma população urbana, e precisam ser
preservados da destruição e de serem invadidos. Terceiro, os assentamentos irregulares
produzem poluição e dejetos humanos que causam danos ao resto da cidade. Este
problema não pode ser ignorado. Mesmo se o governo não deseja legitimar uma favela
particular, tratar o lixo beneficia a cidade inteira.
Vamos assumir, por um momento, que os problemas sociais (que são particularmente
presentes e ameaçadores nas favelas) possam ser atacados independentemente dos
problemas provenientes da forma arquitetônica e da forma urbana. Alguém pode
facilmente ir a um assentamento existente e tentar repará-lo, com o auxílio dos
correntes ocupantes. John F. C. Turner (1976) fez exatamente isto, estabelecendo um
precedente para várias intervenções de sucesso, na América Latina, especialmente, na
Colômbia. O único obstáculo — e esse é um muito profundo — é a convicção filosófica
de que a geometria da favela está ultrapassada em uma sociedade moderna. Para este
tipo de pensamento, qualquer “reparo” torna-se destruição e substituição. Nós
precisamos verdadeiramente compreender o processo de reparação e de auto-cura do

55
tecido urbano, sem as influências dos preconceitos correntes.

Discordando das crenças do planejamento convencional, nós aceitamos a geometria


da favela e chamamos a atenção para as suas principais deficiências: falta de serviços,
falta de condições sanitárias e de espaços naturais. Na maioria dos casos o tecido
urbano é perfeitamente adaptado à topografia e às características naturais da paisagem
(simplesmente porque os proprietários-construtores não tiveram acesso a buldozzers e
dinamite). O que usualmente falta são espaços verdes e árvores. A triste verdade é que
as árvores existentes são cortadas e utilizadas como material de construção. A
vegetação compete com as pessoas pelo espaço. A pobreza da favela freqüentemente
inclui pobreza em plantas vivas: isso é um luxo aqui devido às extremas condições de
vida. Mesmo assim, muitos residentes tentam manter um pequeno jardim, se isso for
possível.

Nosso método é altamente flexível e seus princípios se mantêm válidos mesmo se a


situação muda. Uma série de passos, dados pouco a pouco (e, portanto, muito
econômicos) pode recuperar o complexo tecido urbano da favela. Mais do que qualquer
coisa, nós advogamos um processo de REFORÇO, adotando muito da geometria ali
presente onde ela parece funcionar e intervindo para substituir as estruturas
patológicas. Os encanamentos e as instalações sanitárias são fundamentais. Os passeios
são as coisas mais importantes e extremamente necessárias em uma favela, que é
basicamente o reino do pedestre. A existência de passeios verdadeiros eleva a favela a
uma tipologia urbana de mais “alta-classe” e mais permanente. As fachadas frontais
existentes determinam exatamente onde os passeios devem ser construídos. As ruas de
uma favela são usualmente de má qualidade, isso se elas forem pavimentadas, então as
redes de água, esgoto e eletricidade devem ser introduzidas sob as ruas. Depois que
muitos prédios sejam reforçados, pode-se finalmente, pavimentar a via.
A adoção de medidas sanitárias, imediatas, pode minimizar a sujeira e a doença. Não
é preciso buldozzer a favela para ter uma área mais saudável. Certamente, isso não irá
aumentar os níveis de renda de seus residentes, nem melhorar suas condições sociais.
Botando as mesmas pessoas em apartamentos do tipo bunkers de concreto pode
aparecer bem em uma fotografia, mas na verdade corta as suas conexões societais,
tornando piores, em última análise, suas condições. Nós sabemos que quando os pobres
são forçados a se mudarem de um bairro de escala humana para blocos de apartamentos
em altura, a situação de coesão social piora catastroficamente. Por outro lado, muitos
problemas sociais não são solucionáveis através da morfologia urbana por si só.

Uma favela é usualmente construída de materiais frágeis e não-permanentes. O

56
governo pode auxiliar seus residentes a reconstruir suas casas gradualmente usando
materiais mais permanentes. Nós não queremos dizer, com isso, em substituir a
tipologia das suas casas, mas em substituir uma cobertura instável ou as paredes
(usando esta oportunidade para inserir as canalizações de água e de eletricidade). Uma
casa feita de papelão e de telhas corrugadas de maneira semelhante, usando tijolos,
blocos de concreto e painéis mais sólidos providos de maneira barata pelo governo.
Algumas vezes os residentes estão apenas esperando até receberem um documento
legal para a terra onde eles estão vivendo, e então eles reconstroem suas casa com
materiais mais permanentes, financiados pelas suas economias acumuladas. Não sendo
assim, eles são relutantes em investir o mínimo que seja na estrutura.

Alguns leitores irão objetar em aceitar a super-ocupação que existe nas favelas e
talvez até mesmo achem ultrajante que se sugira manter estas altas densidades. Aqui
nós temos que estudar as altas densidades dos assentamentos de alta-renda, na mesma
sociedade, para decidir quanta densidade pode ser tolerada. Não é a densidade por si só
que é objetável, mas as condições difíceis de vida que resultam desta densidade. Então
se pode ver que porções do tecido urbano podem ser mantidas com altas densidades
quando possuem melhores condições sanitárias. Infelizmente, estas sugestões têm sido
execradas até agora.

Em alguns lugares, aceitar as favelas e legalizar seus lotes tem vindo sob uma crítica
poderosa da parte de vários ativistas sociais, que vêm aí uma solução fácil a ser tomada
pelos governos. A acusação é de que ao simplesmente legalizar um assentamento não
saudável, o governo se desresponsabiliza de construir habitações sociais mais
permanentes. Em nossa opinião a magnitude do problema representado pela habitação
social é tão vasta, ao ponto de ser quase impossível de ser resolvido. A simples questão
econômica põe uma solução ampla fora das possibilidades. Nossa abordagem atua com
um passo a cada momento, re-urbanizando aquelas porções da favela que podem ser
tornadas mais saudáveis, e, ao mesmo tempo, construindo novas habitações seguindo o
paradigma orgânico. Se estes passos acontecem, então eles podem ser repetidos
definitivamente, progredindo na direção de uma melhoria no longo prazo.

Os bancos, os governos e as companhias construtoras são cativados pela economia de


escala e são menos sensíveis às economias do lugar e da diferença necessárias para
restaurar uma vizinhança. A partir de uma percepção limitada e utilizando
relativamente primitivos instrumentos econômicos, eles preferem arrasar um
assentamento e construí-lo de novo. Fazer isto é muito menos problemático e menos
custoso em termos monetários. Mas claro que a insustentabilidade deste modelo

57
econômico desequilibrado (e seu terrível custo para a sociedade) está se tornando
dolorosamente evidente.

Os governos são relutantes em preocupar-se com as intervenções urbanas em


pequena escala, e ao contrário, financiam somente os de larga-escala, o que economiza
a contabilização dos custos (Salingaros, 2005, Capítulo 3). Mais ainda, um tecido
urbano vivo tem que ser mantido por um enorme número de intervenções de pequena-
escala, que é uma parte essencial do processo de reparo orgânico. Instituições como os
bancos (com a exceção antes notada de micro-financiamento do Banco Grameen) não
querem se incomodar com pequenos empréstimos para a construção de pequena escala
nas áreas pobres. No entanto, todos os bancos operam também em pequena escala,
administrando pequenos empréstimos e contas. Eles possuem a habilidade técnica para
servir pequenos empréstimos, fazendo isto rotineiramente com cartões de crédito,
financiamento de carros e as linhas de crédito pessoal. A tecnologia desenvolveu-se na
direção da diferenciação e da customização, ajudada em parte pela revolução na
tecnologia dos softwares. Estas inovações têm ainda que ser aplicadas no reino da
habitação social, que tende a seguir os velhos e inflexíveis formatos institucionais.

Em uma visão mais positiva, muitos grupos descobriram soluções de pequena escala
de enorme valor. Por exemplo, em anos recentes, conceitos do tipo micro-
financiamento, geração de micro-energia, centros de mães, centros de tecnologia,
fazendas urbanas, banheiros de compostagem e outras idéias vem sendo implementadas
com sucesso. Estes processos de pequena escala podem, eventualmente, fazer grandes
diferenças, tanto para as favelas como para a habitação social. Elas estão de acordo com
nossa insistência na pequena escala como um mecanismo de auto-ajuda nestas
comunidades e também em estabelecer um sentido de comunidade para uma
população disfuncional (Habitatjam, 2006). Estas soluções de pequena escala que
representam independência de recursos, oferecem uma alternativa saudável às forças
que atuam tentando impor um controle central.

18. Realidades desconfortáveis: ascensão dos preços da terra, corrupção,


desestabilização nacional.

Nós gostaríamos de anteceder alguns dos problemas que poderiam surgir em um


sistema imperfeito (como o ambiente da área imobiliária) com o objetivo de analisar a
dura realidade do mercado. A decisão de destruir, de reforçar ou de apenas ignorar as
favelas é do governo. Nós encaramos decisões desconfortáveis, que afetam as vidas de

58
muitas pessoas, já em desesperadas situações. Não há uma solução simples, nem
método universal que possa ser aplicado em todos os casos. O máximo que nós
podemos sugerir é uma abordagem cautelosa, sem preconceito ideológico que
beneficiará a população como um todo. Com freqüência, significativos, embora
anônimos assentamentos tem sido destruídos em nome do desenho “racional”, que é
nada mais do que uma ferramenta para manter o status quo.

As ocupações requerem proximidade com a cidade, que é o local para onde as


populações se mudam, em primeiro lugar. A proximidade é essencial para eles, muito
mais do que para as móveis classes médias. Presentear os pobres com bem-construídas
casas longe do centro da cidade não é presente valioso. Transferir os pobres para as
habitações sociais construídas pelo governo fora da cidade pode empurrá-los ainda mais
profundamente na desvalia, pois eles terão que gastar uma maior porção dos seus
ganhos em transporte. Nossa recomendação para estabelecer a propriedade contribui
para desfazer as soluções visadas, pois as casas bem-construídas são freqüentemente re-
vendidas para moradores de classe média, enquanto os pobres retornam para os
assentamentos irregulares (tanto para os originais, como constroem outros). Eles
preferem usar o lucro da venda das suas casas financiadas pelo governo. Na economia
de aluguel, um sistema de sub-locação substitui os residentes de classe média pelos
mais pobres.

Logo que uma peça imobiliária é registrada legalmente, o título transferível da terra
se torna uma mercadoria negociável e entra no mercado livre (que pode ser um sub-
mercado ilegal). Mesmo se um lote é localizado no meio de uma favela, ou em um não
muito desejável projeto de habitação social, o seu preço pode subir. As oportunidades
para o ganho orientam a consolidação dessas parcelas de terra para poucas mãos, não as
dos residentes originais. Isto, na verdade, ocorreu em muitos países ao redor do
mundo, levando a um corrupto pós-mercado imobiliário das favelas. Ironicamente, o
acréscimo de infra-estrutura na favela aumenta seu valor, o que pode expulsar seus
ocupantes originais. Em antecipação a este processo, a especulação pode correr
amplamente na terra não construída.

Um sistema ligando oficiais corruptos a organizações criminosas permeia o processo


encontrando maneiras de lucrar tanto das favelas como da habitação social. Apesar da
aparentemente insolúvel natureza sócio-legal do problema, nós acreditamos que nosso
método realmente auxilia no longo termo. Primeiramente, ao estabelecer uma
apropriação mais amarrada do tecido urbano (tanto em termos sociais quanto
emocionais) são reduzidas as oportunidades para a exploração, evitando-a. Segundo,

59
muito dos centros de exploração que oferecem serviços que o governo se recusa a
prover para os moradores das favelas, é simplesmente suprido pela demanda, embora a
preços exorbitantes.

Uma preocupação muito diferente vem com a nossa recomendação de engajamento


em organizações não governamentais (ONGs). Enquanto elas podem ser uma muito
melhor opção do que a inflexível burocracia governamental, nós enfrentamos um
problema com graves conseqüências. As maiores ONGs freqüentemente promovem
“desenvolvimento” tecnológico na forma de grandes projetos como eletrificação, infra-
estrutura e construção. Eles vêm o quadro em termos de larga escala, e gostariam de ver
os maiores contratos nas mãos das companhias estrangeiras que possuem a experiência
comprovada de desenvolverem projetos complexos destes tipos. O problema é que
muitos países não podem pagar por intervenções em larga escala.

Apesar desta realidade, os governos com freqüência são seduzidos a entrar nestes
contratos, que em última instância, eles não podem pagar. Um país em
desenvolvimento conta com suas reservas naturais para pagar a conta para uma rápida
modernização. No entanto, as flutuações econômicas e os eventos inesperados são
usualmente suficientes para balançar a fragilidade destes acordos. O resultado é que o
país fica afundado na dívida. Ao tornar-se um país devedor, a nação pode ser
estabilizada apenas com a ajuda do BID ou do Banco Mundial. A reestruturação via os
Programas de Ajustamento Estruturais (SAPs), impõem condições econômicas muito
duras, que pioram as vidas dos setores mais pobres da sociedade. Não apenas o país
perde parte de sua soberania como, deste ponto em diante, fica em posição de não
poder ajudar seus pobres de nenhuma forma.

A lição a ser aprendida a partir disto — uma lição que muitos países infelizmente
falharam em aprender — é a necessidade de trabalhar na pequena escala. Projetos
novos, amplos e caros, são factíveis para as nações ricas, mas muito arriscados para as
nações em desenvolvimento. (Projetos em larga escala são, na maior parte, baseados em
processos insustentáveis que desperdiçam grandes quantidades de energia e de
recursos). A habitação social deveria crescer de-baixo-para-cima, aplicando soluções
locais para projetos de pequena escala. Se estas soluções funcionarem, elas poderão ser
aplicadas indefinidamente. Há muitas ONGs independentes e que podem auxiliar, e
especialistas estrangeiros que oferecem seu conhecimento e experiência graciosamente.
É melhor apoiar-se tanto quanto possível nos recursos, no know-how e no capital
financeiro local. Uma solução de longo prazo, baseada na evolução adaptativa dos

60
padrões e da construção da habitação é mais sustentável do que a tecnologia do “faça
rápido”.

19. Os arquitetos contribuem para fazer os projetos existentes alienados.

Um número de projetos construídos na América Latina resolveu uma miríade de


problemas sobre como lidar com a burocracia, concordando com os fatores práticos e
com a estrutura política existente. Grupos envolveram construção privada com
organizações não-governamentais e o governo local para construir e financiar habitação
social. No entanto, ainda há uma grande distância entre técnicas para implementação e
como o produto final realmente é. Como foi notado anteriormente, a evidência
científica sugere que isto não é uma questão de “gosto pessoal”, mas que há uma ampla
área de consenso na avaliação humana, enraizada em processos universais de percepção
e da biologia humana. Estas áreas de consenso podem ser estabelecidas através de
“metodologias de consenso” do tipo das que nós usamos rotineiramente nos nossos
processos de desenho colaborativo.

Neste ponto nós estamos menos entusiásticos sobre o que tem sido alcançado na
América Latina. Apesar de todas as melhores intenções e da enorme quantidade de
esforço investido, nós vemos muitos projetos que, em uma ampla gama de avaliações,
são entendidos como tendo um caráter impessoal e industrial. Claro está que nem
todos eles possuem o sentimento “mortal” do totalitarismo das habitações dos blocos
de apartamento, mas a ambiência do espaço construído varia desde o horrível para o
neutro. Em nosso julgamento, a forma e o layout falham em se conectar
emocionalmente com os usuários. É interessante pesquisar as razões pelas quais estas
soluções não são levadas através de todos os passos do desenho adaptativo.
Nossa explicação é a seguinte: aqueles projetos são dirigidos por arquitetos, que
ainda carregam suas bagagens intelectuais de tipologia e desenho industrial e
relatividade dos gostos pessoais, mesmo quando eles tentam auxiliar as pessoas de
maneira pessoal. A linguagem do arquiteto é influenciada pela sua ideologia de
desenho, e isto não é universal. Muito poucos arquitetos escaparam da estética
modernista que estabeleceu uma parte pivotal em sua formação (uma tradição nas
escolas de arquitetura, estabelecida há muitas décadas). É muito difícil escapar destas
imagens arquitetônicas entranhadas — para quebrar as tipologias fundamentalistas de
cubos, janelas horizontais, blocos modulares, etc. — e a lógica do funcionalismo
abstrato que freqüentemente serve como uma justificativa ideológica para posturas de

61
auto-engrandecimento estético (Alexander, 2005; Salingaros, 2006). Especialmente na
América Latina, as tipologias modernistas arquitetônicas são adotadas como parte do
estilo arquitetural nacional, popularmente pensado, de maneira errada, como ligado a
crenças políticas progressistas.

Deixar algumas de nossas críticas explícitas auxilia o leitor a saber do que nós
estamos falando. Nós encontramos prédios com escala humana modesta (o que é bom),
mas eles estão arranjados numa rígida malha retangular que não tem outro propósito do
que o de expressar a “claridade da concepção”. O plano aparece perfeitamente regular
do alto (sendo concebido para essa simetria que não se percebe) e expressa modulação
ao invés de expressar variação. O arranjo matematicamente preciso é arbitrário, em
relação à preocupação com a percepção e a circulação humanas, pois não contribui para
a coerência urbana. Na escala dos prédios individuais, nós vemos as usuais
obsessivamente paredes planas, sem superfície de articulação, retangularidade estrita,
telhados planos, portas e janelas sem esquadrias, janelas estreitas, casas levantadas em
pilotis, pátios posteriores sem sentido, sem curvas onde elas reforçariam a estrutura
tectônica e paredes curvas colocadas por efeitos estéticos, espaços urbanos com
tamanhos exagerados ou fragmentados, etc.

Estas são as características identificadoras da tipologia modernista dos anos 1920.


Uma afirmação reforçada que está por trás da imposição deste vocabulário formal para
a casa das pessoas é que uma pessoa comum, sem treinamento, é incapaz de criar forma
e espaço, e somente um arquiteto (agindo como “especialista”) é capaz de fazê-lo. Isso
tem a ver com a arrogância abertamente expressa pelos arquitetos modernistas que
mostraram seu desdém pelo tecido urbano orgânico. Contrariamente aos hábitos de
grande parte do desenho e do planejamento modernista, as necessidades físicas e
psicológicas devem ser entendidas não em termos de quantidades abstratas, mas em
termos da capacidade de respostas locais, adaptativas às necessidades e aos desejos. As
vidas dos indivíduos são experenciadas como parte de comunidades vivas particulares.
O processo alternativo proposto aqui pode ser aplicado de maneira geral para chegar a
soluções de desenho não estandardizadas e vivas — vivas porque elas são conectadas,
enraizadas localmente, e habitadas com o espírito assim como com o corpo.

É muito fácil de reconhecer a diferença entre morfologias orgânicas e industriais,


baseado na sua complexidade percebida. Aqui estão três critérios que qualquer um
pode usar: (a) A geometria em todas as escalas, desde o tamanho do projeto inteiro até
o detalhe de 2mm, é complexa (única, variada) ou simplística (vazia o simplificada
demais)? (b) Há uma transição geral regular das grandes para as pequenas escalas, sem

62
saltos abruptos? Ou, se há passagens abruptas, elas terminam com geometrias mais
complexas na próxima escala? (c) Se a geometria é visualmente complexa, a forma
cresce e se adapta às necessidades humanas físicas e psicológicas ou ela é de um
complexo “alto desenho” imposto arbitrariamente? Estes três critérios distinguem um
tecido urbano vivo das formas industriais mortas. (O terceiro critério é mais difícil de
aplicar sem alguma experiência).

Paradoxalmente, o segmento da sociedade (isto é, intelectuais progressistas e


ativistas promotores de causas sociais) mais interessado em auxiliar as pessoas é
também aquele que, por razões políticas e ideológicas, de maneira naïve assume que a
solução deve estar de acordo com a tecnológica “imagem da modernidade”. Eles não
podem pensar fora das imagens sedutoras do paradigma militar / industrial do século
vinte. Eles sinceramente acreditam nas promessas de liberação feitas pelos ideólogos
modernistas, mas falham em ver que estas formas e geometrias são basicamente
inumanas. Por contraste, aqueles privilegiados indivíduos que conseguem criar um
ambiente quente, vivo e que responde (e que sabe como implementá-lo) o fazem
principalmente para si mesmos, mantendo-se despreocupados com as necessidades dos
pobres.

20. A imagem irreal que as pessoas possuem sobre casa ideal.

Há um ponto que nós não discutimos ainda, e que pode sabotar a melhor intenção da
habitação social humana. È a imagem que o potencial residente tem da “mais
maravilhosa casa no mundo”. As pessoas carregam consigo imagens de desejo,
freqüentemente o oposto do que eles realmente requerem. A propaganda funciona
convencendo as pessoas a consumirem o que elas não precisam, a gastarem seu
dinheiro em coisas frívolas ou perniciosas, ao invés de comida saudável, medicina ou
educação. Da mesma maneira, nossa cultura propaga imagens artificiais de casas
“bonitas” na mente do pobre urbano, e mesmo no mais isolado dos moradores rurais.
Quando um indivíduo migra para a cidade, ele/ela irá trabalhar para adquirir a casa que
corresponde à imagem dos seus sonhos. Este é certamente o caso quando esta imagem
choca-se com as tipologias das casas adaptativas.

Como arquitetos e urbanistas nós estamos constantemente competindo em um


universo de imagens e idéias que são validadas por propriedades icônicas mais do que
por qualquer outra contribuição a ambientes adaptativos vivos (Alexander, 2005;
Salingaros, 2006). A percepção humana do espaço construído é governada por valores

63
não declarados e sutilezas. É uma batalha frustrante, porque as pessoas são distraídas da
consideração do que é bom ou saudável. A arquitetura vernácula maravilhosamente
adaptativa é identificada com a herança da qual os pobres estão tentando escapar. Eles
estão fugindo de seu passado com a sua miséria. As pessoas originárias do campo
abandonam as tipologias tradicionais rurais: elas estão abandonando os símbolos do
campo com todas as suas restrições e correndo para a cidade “libertadora”. Uma nova
casa naquele estilo iria desencadear um profundo desapontamento. Prover casa
humana, desta forma, entra em conflito com manter a “imagem de modernidade”.

Um morador do campo que se muda para a favela, ou alguém ali nascido, não deseja
ver isto recuperado: ele/ela deseja desesperadamente se mudar, logo que for possível,
para um apartamento de classe-média. A favela não representa a “imagem de
modernidade” amplamente aceita, ao contrário, carrega um estigma social. Escapar da
pobreza, na mente de um morador da favela significa escapar da geometria da favela. E
esta idéia é reforçada pela dramática transformação na geometria que se vê nas casas da
classe média. Residências de classe média tendem a ser monótonos complexos
modernistas de apartamentos ou casas isoladas pseudo-tradicionais com gramado e
cerca. Aquelas insípidas imagens de modernidade dominam o pensamento das pessoas
pobres, que as ingerem de programas de televisão e outros meios de marketing.

Um novo projeto de habitação social que seja de sucesso em nossos termos,


inevitavelmente assemelha-se às tipologias tradicionais urbanas e arquitetônicas locais,
simplesmente porque estas se desenvolveram para ser as mais adaptáveis às
necessidades humanas. Esta semelhança, no entanto, condena sua imagem como não
progressista. Muitos residentes esperam ver suas novas casas construídas à “imagem da
modernidade”, como elas são definidas pelas casas dos ricos e famosos em todo o
mundo. Casas e escritórios em estilo modernista high-tech são constantemente
mostradas em filmes e na televisão junto a seus ricos residentes. Os pobres aspiram a
este sonho. Por outro lado, os ricos aristocratas, que vivem e trabalham em mansões
coloniais não são mais modelos para serem copiados, devido a suas associações com o
passado pré-modernista e a ordem política conservadora. Isto é uma pena, pois as
tipologias construtivas do século XIX contém muito da herança arquitetônica de um
país, e oferece soluções adaptáveis que não tem nada a ver com qualquer ordem política
ou social. (As pessoas esquecem que o estilo tecnocrático atual representa agora o
domínio econômico global de uma elite poderosa).

Como foi notado anteriormente, acreditamos que o problema é, inescapavelmente,


cultural em sua natureza. E parece para nós que o “x” da questão é valorização — como

64
a comunidade valoriza suas opções e, então, toma suas decisões de acordo com elas.
Ou, mais propriamente, se é a questão de um sistema verdadeiramente inteligente (isto
é, que se auto-corrige e aprende) de tomar decisões coletivas que está funcionando.
Então, nossa tarefa não é apenas oferecer escolhas, mas também oferecer um quadro
(ou a escolha de um conjunto de quadros) que permita fazer aquelas escolhas ao longo
do tempo.

Se os moradores escolhem “riqueza” como é definida em simples termos reduzidos


pelos mercados monetários, então eles irão logicamente concluir que o caminho ótimo
é arrasar o sítio e colocar ali um único edifício de apartamentos com um Big-Box-Mart
ao lado. Se eles tem uma definição de longo-termo para “valor” — que inclua noções de
“qualidade de vida” que sejam mais sutis, mas não menos vitais — então eles tem a base
para acessar e modificar seu ambiente construído de uma maneira mais complexa, mais
inter-relacionada e mais “orgânica”. Isto é o que uma cultura tradicional é e faz, por
definição.

Esta simples noção de “riqueza”, nos termos reduzidos dos mercados monetários,
não pode distinguir entre os sutis processos de vida. Por esta razão, ele não pode
combinar os recursos de-cima-para-baixo, como as “instalações molhadas” (caixas de
concreto contendo o banheiro e a cozinha com a pia) ou caminhões cheios de material
de construção aparecendo nos limites do sítio, com recursos “de-baixo-para-cima” tais
como pessoas trabalhando em suas próprias casas, economias locais de pequena escala,
ou seguindo códigos geradores adaptáveis.

Combinar métodos de-cima-para-baixo com métodos de-baixo-para-cima é o “x” do


problema, e irá requerer uma complexa abordagem integradora, ao invés de uma
aplicação linear dos recursos e das soluções de variáveis-simples. Este é um problema
complexo, com multi-variáveis de auto-organização e de complexidade organizada, e
requer um conjunto de ferramentas diferente daquele que as pessoas estão acostumadas
a usar.

Como, então, nós consideramos as aspirações das pessoas seriamente, sem


necessariamente valorizar o que pode ser um desejo manipulado deles, um que encoraja
a troca de um valor insubstituível de longo prazo por um perecível ganho de curto
prazo? Como nós vimos, em um moderno contexto econômico, as culturas tradicionais
são desafortunadamente muito vulneráveis a este tipo de troca desigual. Como
conselheiros profissionais nós temos a responsabilidade de tomar seriamente suas
aspirações, mas também de tomar seriamente suas necessidades de longo prazo, mesmo
que eles não as estejam realmente considerando. Nós não devemos agir em seus lugares

65
— isto seria arrogante — mas ter um tipo de conversação, onde nós, profissionais,
apontaríamos as opções possíveis de uma maneira mais conectada e mais completa.

O que é óbvio para nós, não é necessariamente considerado positivo por uma ampla
parte da população. Isso faria sentido e evitaria os perigos, se viesse a partir de um
processo colaborativo que estivesse grandemente em mãos dos locais. Isto precisa ser a
tradição vernácula deles. De outra maneira há o perigo real deste esforço aparecer
como presunçoso e condescendente. Há aí um equilíbrio muito delicado entre o
respeito pela cultura local, que é muito uma cultura da pobreza — o urbanismo do dia-
a-dia, em certo sentido — e o reconhecimento das aspirações, mesmo dentro desta
cultura (e nos indivíduos) por alguma coisa que eles imaginam ser melhor.

Com freqüência, as pessoas precisam aprender a apreciar o que eles realmente


possuem (isto é, as capacidades, a riqueza e a beleza de suas adaptações culturais
particulares às circunstâncias). Isto é ainda mais urgente porque nós estamos numa
cultura global que é principalmente dedicada a dar às pessoas fome pelo que elas não
têm. Nós estamos bem conscientes, por exemplo, da tendência das comunidades de
baixa renda a defenderem o Big-Box-Marts. Se nós tentamos expor todos os problemas
sérios causados pelo Big-Box-Marts como resultado da forma do prédio ou pelo
modelo de negócios, as pessoas podem nos acusar de racismo: “Porque vocês não querem
que a gente tenha o resto do que vocês já têm?”. É uma coisa muito delicada quando se está
trabalhando com pessoas na pobreza — como respeitar aquilo a que o respeito é devido
e também reconhecer onde as coisas poderiam estar melhores, sem ofender? Isso
requer um processo que irá utilizar a energia criativa e a auto-confiança da cultura
local.

21. Está o mundo mudado para aceitar uma habitação social humana?
Em todo o mundo os projetos foram construídos seguindo um paradigma orgânico,
usando a participação do morador. Nós observamos um fenômeno cíclico: tanto os
governos quanto as organizações não-governamentais apóiam partes do que nós (e
outros antes de nós) propomos, então esta proposta cai em desgraça e é substituída por
tipologias modernistas inumanas, que voltam quando mudam os oficiais eleitos e os
diretores das agências. Esta flutuação temporal mostra o modelo de competição das
espécies, onde uma espécie competindo desloca outra (mas não a leva à extinção).
Quando as condições mudam, aquelas espécies fazem um modesto retorno.

66
O paradigma urbano orgânico tem sido sempre aceito marginalmente pelos poderes
em ascensão, mesmo considerando que ele representa a vasta maioria do tecido urbano
correntemente construído. Na analogia ecológica, casas não planejadas, construídas
pelos moradores, são as espécies dominantes, embora, na mente das pessoas (em
gritante contradição com os fatos) é assumido que seja uma espécie minoritária. A
explosão da população urbana mundial ocorreu nos estratos mais pobres das
sociedades, com uma menor parte sendo abrigada por mecanismos de habitação social
do tipo de-cima-para-baixo, enquanto a maior parte emergiu como favelas
(assentamentos irregulares). É esse desequilíbrio — entre as poderosas forças que
geram, no mundo, a morfologia urbana irregular e as tentativas ineficazes de impor
ordem — que nós desejamos corrigir com este paper. Nós dependemos de três
estratégias: (a) os leitores verão que alguns dos velhos preconceitos contra a habitação
construída pelo próprio morador estão ultrapassados e que são social e
economicamente dispendiosos. (b) as pessoas reconhecerão as raízes deste conflito
como ideológicas, e não como exclusivamente legais. (c) nós temos, finalmente,
ferramentas muito poderosas para um reparo e desenho eficientes, os quais não
estavam disponíveis no passado.

O movimento do Novo Urbanismo (encabeçado por um dos autores — AMD), tem


ajudado a acordar o mundo para o valor do urbanismo tradicional e para a necessidade
de preservar as porções existentes do tecido urbano vivo. Nossa abordagem tenta
canalizar a necessidade humana natural por ambientes enriquecedores e sustentáveis, o
que foi o caso durante muitos milênios da existência humana. Muitos loteamentos de
sucesso feitos pelo Novo Urbanismo foram construídos em um caráter tradicional,
mostrando que isto pode ser feito hoje. O planejamento não está mais preconceituoso
em relação à visão modernista. Existe uma nova consciência, ao menos nos países
economicamente mais desenvolvidos. Enquanto nos anos 1960 bairros de classe média
saudáveis eram destruídos impunemente (um ato eufemísticamente chamado de
“renovação urbana” (Jacobs, 1961)), esse tipo de agressão urbana é mais difícil de
acontecer hoje em dia. Isso ainda não impede que os modernistas mais duros tentem,
publicamente, desacreditar o Novo Urbanismo, rotulando-o como algo que serve
apenas para os ricos. O presente paper é uma das muitas provas (se é que alguma era
necessária) de que as mesmas técnicas se aplicam para abrigar os pobres de todo o
mundo.

As pessoas tiveram sempre um conhecimento INSTINTIVO de como construir,


mas tudo foi simplesmente abandonado pelas tipologias modernistas que falsamente

67
proclamaram uma exclusiva validade “científica” racional. A partir da recente entrada
de cientistas treinados em arquitetura e urbanismo, esta confusão vem finalmente
sendo desfeita, e nós podemos separar o método genuíno do dogma dirigido pela
imagem. Nossos corajosos predecessores, que construíram um tecido urbano vivo,
foram todos frustrados por um establishment arquitetônico convencido da absoluta
correção do paradigma industrial de desenho do início do século XX. Várias e várias
vezes projetos e idéias foram marginalizados e tiveram que ser reinventados em outros
lugares e em outros tempos. Nós acreditamos que nossa era está finalmente pronta
para aceitar um tecido urbano vivo como parte da própria vida e que esta idéia pode
assumir seu apropriado papel central em nossa consciência.

22. Conclusão.

As práticas do século XX para construir habitação social podem ter sido bem
intencionadas, mas na verdade estavam equivocadas. Elas não ajudam a conectar os
residentes ao seu ambiente. Uma grande parte do tecido urbano poderia ter sido feito
mais saudável e sustentável, pelo mesmo custo, mas ao contrário exerce um efeito
mortal em seus residentes, e, em última instância torna-se insustentável. Infelizmente,
os planejadores dos governos estiveram determinados a impor um experimento social
mal concebido como parte de um utópico programa de industrialização. Nós
apontamos aqui, por outro lado, soluções práticas e sensíveis que podem ser aplicadas
imediatamente a qualquer contexto, com algumas pequenas modificações para atender
as condições locais.

Os autores fazem estas recomendações baseados em considerável experiência em


projetos práticos. Nós seremos os primeiros a nos comprometermos e a fazer as
necessárias adaptações para implementar nossa metodologia a qualquer projeto
particular, no espírito da adaptação incremental. È muito melhor se comprometer e ter
alguma coisa construída, do que insistir em seguir cada componente de nosso sugerido
processo, mas ter o projeto rejeitado. Desta maneira, nós podemos efetivar uma
transição rápida para um tipo de casa do futuro mais robusta, mais vivaz e mais
sustentável.

Agradecimentos:

NAS é agradecido aos colegas membros do Environmental Structure Research Group


(ESRG) que entusiasticamente juntaram-se a ele para escrever este paper. Através da

68
ESRG uma eficiente colaboração on-line foi possível. Os membros da ESRG, Besim
Hakim e Yodan Rofè nos mandaram incisivos e importantes comentários. Outros
indivíduos que contribuíram com material e referências inclui Ana Cecilia Ambriz e
Alfredo Ambriz da Universidad Autónoma de Guadalajara, Pablo Bullaude da Fundación
CEPA, Andrius Kulikauskas do Global Villages Group e Fausto Martinez, da IPFC.

Referências:

Christopher Alexander (2005) The Nature of Order: Books One to Four (Center for
Environmental Structure, Berkeley, California).

Christopher Alexander, Howard Davis, Julio Martinez & Donald Corner (1985) The
Production of Houses (Oxford University Press, New York).

Christopher Alexander, S. Ishikawa, M. Silverstein, M. Jacobson, I. Fiksdahl-King &


S. Angel (1977) A Pattern Language (Oxford University Press, New York).

Andrés Duany (2007) “Restoring the Real New Orleans. How do we save the
Crescent City? Recreate the unique building culture that spawned it”, Metropolis,
February 14, pages 58-60. <www.metropolismag.com>.

Andrés Duany & Elizabeth Plater-Zyberk (2005) Smart Code, Version 6.4
<www.dpz.com>, Miami, Florida.

Andrés Duany, Elizabeth Plater-Zyberk & Jeff Speck (2000) Suburban Nation (North
Point Press, New York).

Hassan Fathy (1973) Architecture for the Poor (University of Chicago Press, Chicago,
Illinois).

Jan Gehl (1996) Life Between Buildings: Using Public Space (Arkitektens Forlag,
Copenhagen, Denmark).

Habitatjam (2006) World Urban Forum Website <http://www.habitatjam.com>

N. J. Habraken (1972) Supports: an Alternative to Mass Housing (Urban International


Press, London & Mumbai).

Besim Hakim (2003) “Byzantine and Islamic Codes from the Mediterranean”, in:
CNU Council Report III/IV, Style and Urbanism: New Urban Codes and Design Guidelines
(The Town Paper, Gaithersburg, Maryland, 2003), pages 42-43 & 63. Shorter version
available online from <http://tndtownpaper.com/council/Hakim.htm>.

69
Jane Jacobs (1961) The Death and Life of Great American Cities (Vintage Books, New
York).

Stephen R. Kellert (2005) Building for Life: Designing and Understanding the Human-
Nature Connection (Island Press, Washington, DC).

Léon Krier (1998) Architecture: Choice or Fate (Andreas Papadakis Publisher, Windsor,
England).

Nikos A. Salingaros (2005) Principles of Urban Structure (Techne Press, Amsterdam,


Holland).

Nikos A. Salingaros (2006) A Theory of Architecture (Umbau-Verlag, Solingen,


Germany).

John F. C. Turner (1976) Housing by People (Marion Boyars, London).

Apêndice: Códigos geradores para a habitação social em áreas verdes ou


em áreas industriais abandonadas.

O corpo deste paper na verdade demonstra um método de métodos, que pode ser
usado para formatar um número infinito de abordagens. Todas as abordagens que
surgem de nossas recomendações tem em comum uma adaptabilidade às sensibilidades
humanas. Nesta qualidade essencial, no entanto, elas diferem marcadamente dos
outros métodos correntemente em uso. Evidentemente, um planejador deve criar um
novo método, que sirva melhor as condições e as exigências locais. Para os leitores que
desejam implementar nosso método sem demora, nós demonstramos aqui um
procedimento que pode produzir habitações em terras vazias. Uma abordagem
levemente diferente é necessária para trabalhar num sítio que já tem construções, e
ainda outra para re-configurar um assentamento existente. Por favor, lembre-se de que
este representa apenas UM de um número infinito de métodos relacionados que
satisfazem nosso critério e que não deve ser adotado como um conjunto de regras
universais.

Nós assumimos que um conjunto de planejadores irá trabalhar com alguns ou com
todos os potenciais futuros residentes em todos os passos do layout. Isto é crucial para
ter uma “leitura” de todos os necessários fatores humanos que precisam ser
considerados. A construção real é dividida em dois componentes: os que são de
responsabilidade da agência financiadora e os que são de responsabilidade dos
proprietários / residentes. Uma rápida divisão do trabalho atribuiria ao governo a

70
construção do espaço público e aos moradores a construção de suas próprias casas, mas
estas responsabilidades podem ser sobrepostas de qualquer maneira, de acordo com as
condições específicas do local. Mesmo se os proprietários / residentes vão fazer toda a
construção nas suas casas, o grupo de planejadores deve estar preparado para apoiá-los
e guiá-los durante o processo. As referências abaixo são para padrões individuais na
“Linguagem dos Padrões” (Alexander et. al., 1977).

È extremamente importante fazer uma afirmação inicial de que nós temos aqui um
diferente tipo de abordagem para a habitação social e para o planejamento em geral. A
novidade desta abordagem é evidente em três de nossos procedimentos. Primeiro, nós
começamos delineando a rede de ruas e de lotes com a ativa participação dos
residentes, não como um plano pré-concebido, feito em algum lugar. O segundo
elemento não comum é permitir (na verdade, encorajar ativamente), que os usuários
ornamentem os passeios na frente de suas casas, antes mesmo que a casa seja
construída. O terceiro elemento não comum é construir o espaço urbano antes que
qualquer das casas seja completada. O espaço urbano irá definir o caráter do
assentamento como um todo — sua qualidade espacial e sua identidade na escala
grande — mais do que qualquer outro objeto construído. Ele irá jogar um papel
importante em fazer com que os moradores sintam o lugar emocionalmente.

Nós recomendamos os passos a seguir, à medida que nós enfatizamos os aspectos não
comuns de nosso método, e deixamos os detalhes mais óbvios da construção para o
grupo local:

1. Caminhe na área para diagnosticar a sua condição, suas qualidades, seus problemas,
suas excepcionais oportunidades, áreas que precisam de reparo, etc. Identifique os
espaços candidatos ao lugar sagrado, como por exemplo, montanhas, rochas
proeminentes, grandes árvores, etc. Eles deverão ser protegidos e mais tarde
incorporados ao espaço urbano.

2. Em muitos casos o assentamento vai ter um limite que determina as conexões das
ruas. Onde isto não acontece, (isto é, no campo) a limitação da área deve ser fixada,
porque ela terá um impacto no padrão geral das ruas. (Padrão 15: Limites do Bairro,
de Alexander et. al. 1977).

3. Caminhe na área para determinar a rua principal e a rua principal transversal a


partir do fluxo de pedestres de acordo com a topografia e as características físicas
locais. Elas irão representar o Cardo e o Decumanus romanos, mas não necessitam ser

71
retas, nem ortogonais, uma em relação à outra. Marque-as fortemente, com postes e
bandeiras vermelhas. Deixe espaço para as ruas e para os passeios nos dois lados.

4. Caminhe na área mais uma vez para visualizar onde o espaço urbano pode ser
definido (decidido pelos pontos identificados como os melhores para se estar e que de
alguma maneira focalize os sinais positivos de toda a área). Estas serão as saliências na
rua principal, próximo do centro, e que deverão conter algum espaço sagrado, se for
possível. Aplique o princípio do fluxo tangencial ao redor de um espaço urbano (isto é,
as ruas vão ao longo do espaço, não através do seu centro). Um espaço urbano pode ser
tão longo quanto for necessário, mas não deve ser maior do que 20 m. (Padrão 61:
Pequenas Praças Públicas). Marque os limites dos espaços urbanos com bandeiras
vermelhas.

5. Decida as áreas que as casas irão ocupar, para cercar e reforçar parcialmente os
espaços urbanos. As paredes frontais das casas, sem recuos, definirão os limites dos
espaços urbanos.

6. Agora, algumas das decisões importantes sobre os layouts deverão ser tomadas.
Uma possível tipologia é criar quarteirões com a profundidade de duas casas em
seqüência, não necessariamente retas, cada um com dimensões de 40-60 m de largura e
de mais ou menos 100-150 m de comprimento. A construção dos quarteirões inicia no
limite do espaço urbano e das ruas principais. Os seus limites irão definir as ruas
secundárias, que são marcadas com bandeiras vermelhas. As ruas secundárias formam
junções em T (Padrão 50: Junções em T) nas intersecções e não cruzam a rua
principal. As ruas secundárias são mais estreitas do que as ruas principais.

7. Ao mesmo tempo, as questões sobre a drenagem das águas são acertadas porque as
direções das ruas devem coincidir com o fluxo das águas. Decida onde será localizado o
dreno principal para fora do assentamento, para evitar inundações. Verifique se alguma
rua deve ser desobstruída.

8. As ações sobre a terra iniciam somente agora, com o governo fazendo as divisões
da terra de tal modo que os lotes drenem para os dois lados das ruas. As ruas deverão
ser desimpedidas, onde for necessário, para facilitar o escoamento do fluxo de água,
como foi definido anteriormente.

9. Os futuros residentes que estejam participando podem marcar as dimensões de


suas casas colocando bandeiras azuis. As casas devem acomodar-se aos caminhos
laterais e ocupar toda a frente do terreno. Fora estas restrições, há completa liberdade
no planejamento da casa. Se houver um quintal, defina-o usando o volume da casa para

72
envolvê-lo parcialmente (Padrão 115: Quintais que vivem). Variações individuais são
essenciais para garantir exposição ao sul nos quintais, de outra maneira eles não serão
utilizados (Padrão 105: Áreas abertas de face sul). Primeiro defina os prédios ao
redor dos espaços urbanos principais e nas entradas principais.

10. Uma vez que um número suficiente de casas alinhadas tenha sido marcado,
complete o limite do lote usando bandeiras amarelas. Cada lote deve ser no mínimo 20
m de profundidade e 6 m de largura. Os lotes são separados por uma avenida nos
fundos e por um caminho de pedestres, a cada lado. Os lotes são marcados e o trabalho
é iniciado. O que é admirável neste processo é que agora é a primeira vez que o
assentamento é desenhado em papel (até agora estivemos trabalhando somente com
bandeiras no solo).

11. O governo põe a infra-estrutura que ele provê: geradores de eletricidade nas
avenidas, sistema de água ou uma distribuição regular de torneiras públicas, canos de
esgoto ou algumas latrinas separadas por gênero, etc.

12. O primeiro ato desta construção é fazer um passeio de concreto posicionado ao


longo de todas as frentes de casas marcadas. O governo faz isto em todos os lotes
demarcados, mas não nas partes do assentamento que ainda não foram planejados. É
conveniente completar um quarteirão de casas de cada vez. O passeio, por si mesmo,
deveria ser bem amplo (um passeio de 1.5m é inútil para formar uma vizinhança) e
levantado da rua (Padrão 55: Passeios altos).

13. Os residentes preparam desenhos usando pedaços coloridos de restos de materiais


não mais grossos do que 1 cm (pedrinhas, pedaços de tijolos, etc.) e os empurram
dentro do concreto molhado, logo que o concreto seja derramado e alisado. Qualquer
coisa pode ser usada, desde que não comprometa a integridade estrutural do concreto.
Juntas de dilatação são incorporadas como parte do desenho. Este ato personaliza o
pedaço do passeio de cada um e estabelece a prioridade da expressão humana sobre as
formas industriais.

14. A construção da casa pode começar, feita pelos próprios residentes, com a
fachada frontal se erguendo primeiro, no limite com o passeio. Desta maneira, os
espaços urbanos, ao invés das casas, são os primeiros elementos espaciais a serem
fisicamente construídos. (Padrão 106: Espaço externo positivo).

15. A entrada, ou as entradas, para o assentamento devem ser claramente definidas


por construções mais proeminentes, pois eles são pontos de transição óbvios (Padrão
53: Acessos principais).

73
16. O governo pode solidificar o espaço urbano construindo um quiosque — um
espaço coberto e aberto (Padrão 69: Espaços públicos cobertos). Garanta que haja
degraus confortáveis para que as pessoas sentem (Padrão 125: Degraus para sentar).
Este elemento pode catalisar o uso do espaço urbano e reforçar os elementos sagrados
tais como uma grande árvore, por exemplo.

17. Os proprietários completam suas casas individuais no seu próprio ritmo. Eles têm
completa liberdade no desenho da planta com suas características originais. Se for
apropriado para a cultura local, podem construir um muro baixo para sentar ou uma
platibanda integrada à fachada frontal, próxima à entrada (Padrão 160: Construindo
um avanço e Padrão 242: Banco na porta da frente). Isso poderá, por sua vez,
influenciar um avanço da cobertura.

18. A descrição da seqüência da construção depende na disponibilidade local de


materiais, do sistema de entrega e das mais econômicas alternativas. As decisões do
tipo: preencher o piso e colocar concreto, ao mesmo tempo, nos passeios; se há
encanamento disponível que precisa ir embaixo do piso; se é preciso encher de
concreto canos para fortalecer os cantos da casa; que material usar para preencher as
paredes; escolher ou não um módulo pré-fabricado de concreto para o banheiro; a
forma do telhado e como ele vai ser construído são melhor feitas pelos consultores
locais.

19. Os consultores podem recomendar aos proprietários / construtores como formar


a entrada da casa e as janelas. A entrada principal deve ter os marcos e as bordas
engrossadas dramaticamente para representar a transição de fora para dentro (Padrão
225: Marcos como bordas engrossadas). Encoraje as pessoas a construir um espaço
de transição, por modesto que seja (Padrão 112: Transição de entrada). Isto enfatiza
a entrada como um processo, o oposto de uma porta da frente desenhada como uma
imagem de uma descontinuidade mínima na parede reta.

20. Os mesmos princípios também se aplicam às janelas: ajude os construtores /


proprietários a criar janelas com profundas aberturas e com esquadrias e marcos
grossos. (Padrão 223: Aberturas profundas).

21. Talvez a regra simples mais importante para criar peças em uma construção seja
que elas devem ter luz natural de dois lados. (Padrão 159: Luz em dois lados de todas
as peças).

22. À medida que as frentes das casas estiverem próximas de estarem completadas, o
governo supre os moradores com materiais e tintas e oferece um prêmio monetário

74
para a mais artística ornamentação, de preferência usando motivos tradicionais
inteiramente escolhidos pelos moradores (Padrão 249: Ornamento). A ornamentação
deveria ser mais detalhada e mais intensa ao nível dos olhos e naqueles lugares onde o
usuário possa tocar o prédio.

As propostas acima podem parecer interessantes e talvez extraordinárias para os


planejadores convencionais. Alguns irão sem dúvida, criticá-las, mesmo que elas sejam
apoiadas pelo mais importante documento de planejamento da América Latina: as Leis
das Índias. (As Leis das Índias explicitamente orientam um assentamento para que seja
projetado ao redor de seu espaço urbano central, que deve ser estabelecido primeiro).
Nós acreditamos que nossas sugestões podem ser aplicadas e que nós as devemos
tentar e implementar em todos os graus possíveis. Não é necessário ao construtor ter
acesso à inteira descrição de cada padrão descrito aqui, um simples resumo e um
diagrama são suficientes. Nós listamos os padrões somente com propósitos de
referência. O objetivo da ornamentação NÃO é para fazer alguma coisa “bonita” para
distrair os moradores das suas difíceis condições de vida. Na verdade, isto serve para
conectar os residentes, de uma maneira profunda, ao seu ambiente, dando-lhes a
propriedade intelectual da estrutura física. Por esta razão, é absolutamente necessário
que os residentes mesmos gerem todos os ornamentos e os criem com suas próprias
mãos.

FIGURAS.

75
Figura 1. A média dos caminhos que demarcam os fluxos naturais dão a
localização da rua principal AB e do cruzamento constituído pela rua CD.

76
Figura 2. Cardo e Decumanus são estabelecidos e marcados com bandeiras
nas extremidades.

77
Figura 3. Os espaços urbanos são identificados com expansões ao longo dos
caminhos principais, constituindo-se de áreas onde é agradável estar.

78
Figura 4. O espaço urbano é a característica geográfica primária, definida e
reforçada pelas construções do entorno.

79
Figura 5. Os espaços deixados entre as quadras definem as ruas, os espaços
urbanos e a drenagem — o que é o oposto de adequar os lotes às vias já
existentes.

80
Figura 6. Os pátios são parcialmente circundados pela planta da casa e são
orientados, individualmente, para exposição ao Sul. (Note-se que no
Hemisfério Sul, a orientação é para o Norte).

81
Figura 7. Exemplo de um desenho possível feito pelo próprio morador para
um padrão de passeio, usando diferentes tipos de materiais pressionados ao
concreto, imediatamente após a concretagem.

82
Figura 8. As fachadas dos prédios, os passeios e os muros para sentar
envolvem o espaço urbano. Todos os elementos construídos cooperam para
fazer o espaço coerente e vivo.

83
Figura 9. A transição com uma moldura grossa e uma entrada larga definem
a porta da frente como uma transição e não como uma imagem plana.

Figura 10. São oferecidos aos moradores tintas e materiais coloridos que os
encoraje a ornamentar suas casas.

Nikos A. Salíngaros

Department of Mathematics

University of Texas at San Antonio

One UTSA Circle

San Antonio, TX 78249 USA

David Brain

Department of Sociology

84
New College of Florida

5700 N. Tamiami Trail

Sarasota, FL 34243 USA

Andrés M. Duany

Duany Plater-Zyberk & Co.

1023 Southwest 25th Ave

Miami, FL 33135 USA

Michael W. Mehaffy

Structura Naturalis Inc.

900 Cornell Street

Lake Oswego, OR 97034 USA

Ernesto Philibert-Petit

Departamento de Arquitectura y Diseño

Tecnológico de Monterrey, Campus Querétaro

Epigmenio González 500

76130 Santiago de Querétaro, QRO

MÉXICO

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