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último ano do século XIX, contando 55 anos, formou-se aos 21 advogado pela prestigiosa
Universidade de Coimbra, atuando na área até ingressar na carreira diplomática, pela qual
viajou continentes, hauriu farta cultura e pôde olhar com distanciamento o rincão natal, cujas
mazelas expôs impiedosa e ironicamente, sobretudo na chamada fase realista.
Como se sabe, o século XIX foi um período que assistiu a grandes transformações
classe burguesa, uma vez que a primazia dada ao indivíduo permitiu o rompimento com os
padrões artísticos clássicos e deu ensejo a novas formas literárias, menos aferradas às
convenções dos gêneros e mais afeitas à inspiração subjetiva do artista.
Ora, com a acentuação, ao longo do século XIX, das divisões de classe, a par do
fantasia, ao sonho, ao etéreo. Foi desta forma que surgiu a corrente conhecida como
Realismo: sob o influxo das ideias positivistas de Auguste Comte, dos socialistas utópicos e
para dar conta de uma representação artística mais fiel à realidade, prenhe de contradições e
injustiças, os escritores passaram a colher da sociedade do seu tempo o material para a sua
Homem do seu tempo, Eça de Queirós não se furtou, pois, a tomar parte nas querelas
artístico-filosóficas que o rondavam. Embora sua natureza fosse mais dada à fruição deleitosa
verdadeiro intelectual e propagador das ideias novidadeiras e que Eça conheceu muito jovem,
ainda estudante em Coimbra pelos idos de 1860, nem por isso deixou de participar da
efervescência intelectual do período. Não é de surpreender, portanto, que, em 1871, tenha
dado a sua contribuição nas notórias conferências do Cassino Lisboense, discursando sobre
Romantismo e defendeu a nova corrente, que deveria estar assente em bases científicas
sólidas e ter como escopo a crítica à decadência social.
Contudo, muito mais artista que intelectual, ele mesmo fracassou no intento de seguir
à risca as prescrições que concebera. Com efeito, muitos críticos consideram, ainda que
esquematicamente, a possibilidade de divisar três fases, por assim dizer, da trajetória literária
de Eça: uma inicial, em que seu estilo não se encontra consolidado, ainda debitário da estética
romântica; uma segunda, em que, socialista e nutrido de cultura francesa, entrega-se aos
- o clero, a aristocracia, a burguesia - lhe despertam o veio mais combativo; e, por fim, uma
tempo em que, do ponto de vista formal, vai refinando cada vez mais sua linguagem, de tal
sorte que, para alguns críticos, Eça tornou-se um parnasiano no fim da vida.
romance escrito a partir dele “A Cidade e as Serras”, buscando ver o que os aproxima e o que
Candido, presente no ensaio “Entre campo e cidade”, segundo a qual esta última fase de Eça,
autor, que o afastou dos ideais combativos da juventude e o reconciliou com a moral
tradicionalista portuguesa.
Candido afirma que toda a obra de Eça pode ser vista como um grande diálogo entre o
campo e a cidade: “os seus romances irão revelando, pouco a pouco, um abandono do ponto
de vista urbanista em proveito do sentimento rural; em proveito daquele mesmo passado que
ele a princípio renegou integralmente” (2000: 41). Enquanto as primeiras obras apresentam
trazem uma mirada mais campesina, em que Eça deixa-se levar pela “sedução do velho
Portugal”.
tecnológicos são colocados ambos sob suspeita. O conto é narrado em primeira pessoa por
José Fernandes, amigo íntimo do personagem principal, Jacinto. Trata-se, contudo, de uma
primeira pessoa discreta, que faz poucas menções a si mesma e que, na verdade, assemelha-se
a um narrador onisciente, uma vez que é capaz de revelar o que se passa na mente de Jacinto.
ironicamente chamado Jasmineiro, onde tem uma infância e uma juventude muito tranquilas,
sem nenhum percalço. Trata-se de um homem altamente civilizado, cuja biblioteca contém o
valor estratosférico de 25.000 volumes de livros e que detém uma infinidade de aparelhos
tecnológicos. Contudo, embora vivesse no maior luxo possível, no maior grau de sofisticação
e o mais próximo possível do que se pudesse chamar civilização e alta cultura, lê somente
impressão de que, no Jasmineiro, nada de novo ocorre sob o sol e de que a vida de Jacinto
consiste em correr atrás do vento: nem sua alta erudição nem o sem-número de instrumentos
que possui concorrem para que sua vida seja mais agradável e facilitada; ao contrário, vive a
repetir “Que maçada!” e aparenta estar sempre muito entediado e infeliz com tudo o que
possui.
É interessante notar que Eça, fino estilista e já em pleno domínio de sua linguagem,
transporta para a narração a pachorra em que vivia Jacinto: nesta parte em que o Jasmineiro é
descrito, o conto assume um tom demasiado lento, ultra descritivo e monótono, a descrever as
dispõe para fazer uma simples refeição e os incontáveis aparelhos que atulham o palácio.
Sarcástico, Eça ironiza e desdenha do excesso de civilização num episódio cômico do conto,
quando um fonógrafo repete continuamente a frase “Quem não admirará os progressos deste
século?”, a tal ponto que as pessoas dentro do Jasmineiro são obrigadas a fugir de perto dele
para que não ouçam mais, até que vão para fora da casa.
Jacinto sente, então, o desejo de ir para sua residência no norte de Portugal, situada no
campo. Como, porém, tem essa fixação pela modernidade, não parte sem antes recolher um
bom conjunto de apetrechos que, mesmo no campo, o façam sentir um homem civilizado.
Quando finalmente chega, depois de quase uma Odisseia, ao norte, descobre que toda a sua
bagagem, por uma confusão com seu funcionário que a levaria, não chegou. Inicialmente
desconfortável por dormir de uma forma simples, vai pouco a pouco se encantando pelo
campo e percebe que pode encontrar um meio termo entre uma vida urbana, porém supérflua
e entediante, e uma vida campesina desamparada e frugal: passa a viver, então, no campo, em
contato com a natureza quietante e tranquilizadora, usufruindo do que a civilização pode lhe
campo toma corpo na descrição, que se torna mais viva e vibrante.
O romance, por sua vez, publicado postumamente em 1901, embora tenha se
primeiro lugar em decorrência da mudança de gênero, o que torna a narrativa muito mais
distendida no tempo. A bem da verdade, ela se inicia duas gerações antes de Jacinto,
mostrando como seus antepassados saíram de Portugal e foram para a França. Esta é outra
das diferenças: enquanto no conto tem-se uma oposição entre um Portugal agrário e um
Portugal urbano, no romance a dicotomia é entre a Paris, capital do século XIX, e Portugal,
Fernandes. Ele é muito menos discreto, por assim dizer, do que no conto, mostrando a si
mesmo e narrando o que se passa consigo muito mais do que no conto.
Uma outra diferença crucial é que, enquanto no conto, embora Jacinto leve uma vida
monótona e entediante, ele jamais duvida das maravilhas da civilização enquanto está no
Jasmineiro. É preciso que ele saia do ambiente urbano para, só então, render-se aos encantos
do campo. Já no romance, desde os primeiros capítulos, Jacinto parece duvidar da sua própria
teoria de que suma ciência x suma potência = suma felicidade e vai, pouco a pouco, com as
falhas que seus aparelhos vão mostrando, com o que vai observando da rotina massacrante da
cidade, se convencendo, como diz Candido, de que suma ciência x suma potência = suma
servidão.
O fim do romance assemelha-se ao fim do conto: Jacinto, agora casado, vive a sua
vida no campo, no meio termo entre a simplicidade deste e o que a civilização pode oferecer,
sem excessos.
É importante, porém salientar que Eça não é um árcade extemporâneo, uma vez que o
homem do campo não é, para ele, o bom selvagem rosseauniano, tampouco os avanços
técnicos são inteiramente desprezados em detrimento de um campo idealizado. Eça
civilização com a paisagem idílica e tranquilizadora do campo. A par disso, há uma volta para
a própria linguagem, nessa fase reconciliadora e menos combativa de Eça, que para Candido,
representa um recuo ideológico, mas que buscamos ver neste trabalho que não. Nessa fase de
sua trajetória, Eça deixa de ver a linguagem como um meio usado para expor, friamente, as
mazelas do tempo, mas um fim em si: converte-se, pois, num parnasiano, à cata das palavras
mais justas, que possam exprimir esse Portugal campesino, porém não obsoleto; civilizado,