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A par de Machado de Assis, Eça de Queirós, sem dúvida, avulta como um dos

maiores ficcionistas de língua portuguesa da história. Tendo nascido em 1845 e morrido no

último ano do século XIX, contando 55 anos, formou-se aos 21 advogado pela prestigiosa

Universidade de Coimbra, atuando na área até ingressar na carreira diplomática, pela qual

viajou continentes, hauriu farta cultura e pôde olhar com distanciamento o rincão natal, cujas

mazelas​ ​expôs​ ​impiedosa​ ​e​ ​ironicamente,​ ​sobretudo​ ​na​ ​chamada​ ​fase​ ​realista.

Como se sabe, o século XIX foi um período que assistiu a grandes transformações

sociais, que se fizeram acompanhar pelo surgimento de novas escolas artísticas. O

Romantismo, por exemplo, no início do século, sem dúvida é caudatário da consolidação da

classe burguesa, uma vez que a primazia dada ao indivíduo permitiu o rompimento com os

padrões artísticos clássicos e deu ensejo a novas formas literárias, menos aferradas às

convenções​ ​dos​ ​gêneros​ ​e​ ​mais​ ​afeitas​ ​à​ ​inspiração​ ​subjetiva​ ​do​ ​artista.

Ora, com a acentuação, ao longo do século XIX, das divisões de classe, a par do

progresso técnico-científico, o Romantismo encontrava-se fora de lugar, com o seu pendor à

fantasia, ao sonho, ao etéreo. Foi desta forma que surgiu a corrente conhecida como

Realismo: sob o influxo das ideias positivistas de Auguste Comte, dos socialistas utópicos e

para dar conta de uma representação artística mais fiel à realidade, prenhe de contradições e

injustiças, os escritores passaram a colher da sociedade do seu tempo o material para a sua

ficção,​ ​que​ ​muitas​ ​vezes​ ​assumia​ ​um​ ​teor​ ​abertamente​ ​panfletário.

Homem do seu tempo, Eça de Queirós não se furtou, pois, a tomar parte nas querelas

artístico-filosóficas que o rondavam. Embora sua natureza fosse mais dada à fruição deleitosa

da vida que à entrega ao escrutínio racional do pensamento, à diferença de Antero de Quental,

verdadeiro intelectual e propagador das ideias novidadeiras e que Eça conheceu muito jovem,

ainda estudante em Coimbra pelos idos de 1860, nem por isso deixou de participar da
efervescência intelectual do período. Não é de surpreender, portanto, que, em 1871, tenha

dado a sua contribuição nas notórias conferências do Cassino Lisboense, discursando sobre

“A literatura nova - o Realismo como nova expressão da arte”, na qual criticou o

Romantismo e defendeu a nova corrente, que deveria estar assente em bases científicas

sólidas​ ​e​ ​ter​ ​como​ ​escopo​ ​a​ ​crítica​ ​à​ ​decadência​ ​social.

Contudo, muito mais artista que intelectual, ele mesmo fracassou no intento de seguir

à risca as prescrições que concebera. Com efeito, muitos críticos consideram, ainda que

esquematicamente, a possibilidade de divisar três fases, por assim dizer, da trajetória literária

de Eça: uma inicial, em que seu estilo não se encontra consolidado, ainda debitário da estética

romântica; uma segunda, em que, socialista e nutrido de cultura francesa, entrega-se aos

preceitos do romance realista e procede a um verdadeiro escrutínio da sociedade portuguesa,

profundamente atrasada e incapaz de acompanhar o ritmo do tempo, cujos grupos de destaque

- o clero, a aristocracia, a burguesia - lhe despertam o veio mais combativo; e, por fim, uma

terceira, em que parece abandonar, progressivamente, os preceitos realistas, procedendo a um

elogio do campo em detrimento da cidade (algo inesperado para um socialista), ao mesmo

tempo em que, do ponto de vista formal, vai refinando cada vez mais sua linguagem, de tal

sorte​ ​que,​ ​para​ ​alguns​ ​críticos,​ ​Eça​ ​tornou-se​ ​um​ ​parnasiano​ ​no​ ​fim​ ​da​ ​vida.

Neste trabalho, nosso intuito é estabelecer um paralelo entre o conto “Civilização” e o

romance escrito a partir dele “A Cidade e as Serras”, buscando ver o que os aproxima e o que

os diferencia. Além disso, perseguiremos o objetivo de avaliar a hipótese de Antonio

Candido, presente no ensaio “Entre campo e cidade”, segundo a qual esta última fase de Eça,

em que se encontram tanto o conto quanto o romance, representaria um “recuo ideológico” do

autor, que o afastou dos ideais combativos da juventude e o reconciliou com a moral

tradicionalista​ ​portuguesa.
Candido afirma que toda a obra de Eça pode ser vista como um grande diálogo entre o

campo e a cidade: “os seus romances irão revelando, pouco a pouco, um abandono do ponto

de vista urbanista em proveito do sentimento rural; em proveito daquele mesmo passado que

ele a princípio renegou integralmente” (2000: 41). Enquanto as primeiras obras apresentam

uma perspectiva urbana, de um jovem socialista e combativo, as últimas invertem o pólo e

trazem uma mirada mais campesina, em que Eça deixa-se levar pela “sedução do velho

Portugal”.

De fato, se analisarmos o conto “Civilização”, publicado em 1892, portanto já no fim

da trajetória literária de Eça, veremos que a modernidade excessiva e os apetrechos

tecnológicos são colocados ambos sob suspeita. O conto é narrado em primeira pessoa por

José Fernandes, amigo íntimo do personagem principal, Jacinto. Trata-se, contudo, de uma

primeira pessoa discreta, que faz poucas menções a si mesma e que, na verdade, assemelha-se

a​ ​um​ ​narrador​ ​onisciente,​ ​uma​ ​vez​ ​que​ ​é​ ​capaz​ ​de​ ​revelar​ ​o​ ​que​ ​se​ ​passa​ ​na​ ​mente​ ​de​ ​Jacinto.

O protagonista é, então, descrito como um homem de posses, criado em um palácio

ironicamente chamado Jasmineiro, onde tem uma infância e uma juventude muito tranquilas,

sem nenhum percalço. Trata-se de um homem altamente civilizado, cuja biblioteca contém o

valor estratosférico de 25.000 volumes de livros e que detém uma infinidade de aparelhos

tecnológicos. Contudo, embora vivesse no maior luxo possível, no maior grau de sofisticação

e o mais próximo possível do que se pudesse chamar civilização e alta cultura, lê somente

escritores pessimistas, como Schopenhauer e o livro bíblico Eclesiastes. E, de fato, tem-se a

impressão de que, no Jasmineiro, nada de novo ocorre sob o sol e de que a vida de Jacinto

consiste em correr atrás do vento: nem sua alta erudição nem o sem-número de instrumentos

que possui concorrem para que sua vida seja mais agradável e facilitada; ao contrário, vive a
repetir “Que maçada!” e aparenta estar sempre muito entediado e infeliz com tudo o que

possui.

É interessante notar que Eça, fino estilista e já em pleno domínio de sua linguagem,

transporta para a narração a pachorra em que vivia Jacinto: nesta parte em que o Jasmineiro é

descrito, o conto assume um tom demasiado lento, ultra descritivo e monótono, a descrever as

prateleiras infindáveis da biblioteca do Jasmineiro, os inumeráveis talheres de que Jacinto

dispõe para fazer uma simples refeição e os incontáveis aparelhos que atulham o palácio.

Sarcástico, Eça ironiza e desdenha do excesso de civilização num episódio cômico do conto,

quando um fonógrafo repete continuamente a frase “Quem não admirará os progressos deste

século?”, a tal ponto que as pessoas dentro do Jasmineiro são obrigadas a fugir de perto dele

para​ ​que​ ​não​ ​ouçam​ ​mais,​ ​até​ ​que​ ​vão​ ​para​ ​fora​ ​da​ ​casa.

Jacinto sente, então, o desejo de ir para sua residência no norte de Portugal, situada no

campo. Como, porém, tem essa fixação pela modernidade, não parte sem antes recolher um

bom conjunto de apetrechos que, mesmo no campo, o façam sentir um homem civilizado.

Quando finalmente chega, depois de quase uma Odisseia, ao norte, descobre que toda a sua

bagagem, por uma confusão com seu funcionário que a levaria, não chegou. Inicialmente

desconfortável por dormir de uma forma simples, vai pouco a pouco se encantando pelo

campo e percebe que pode encontrar um meio termo entre uma vida urbana, porém supérflua

e entediante, e uma vida campesina desamparada e frugal: passa a viver, então, no campo, em

contato com a natureza quietante e tranquilizadora, usufruindo do que a civilização pode lhe

oferecer,​ ​porém​ ​sem​ ​os​ ​excessos​ ​de​ ​antes.

Da mesma forma como no início do conto o tédio de Jacinto é incorporado

formalmente à narrativa, também nesta segunda parte o maravilhamento de Jacinto com o

campo​ ​toma​ ​corpo​ ​na​ ​descrição,​ ​que​ ​se​ ​torna​ ​mais​ ​viva​ ​e​ ​vibrante.
O romance, por sua vez, publicado postumamente em 1901, embora tenha se

originado do conto, dele se diferencia (embora a estória em si seja muito semelhante), em

primeiro lugar em decorrência da mudança de gênero, o que torna a narrativa muito mais

distendida no tempo. A bem da verdade, ela se inicia duas gerações antes de Jacinto,

mostrando como seus antepassados saíram de Portugal e foram para a França. Esta é outra

das diferenças: enquanto no conto tem-se uma oposição entre um Portugal agrário e um

Portugal urbano, no romance a dicotomia é entre a Paris, capital do século XIX, e Portugal,

nesse​ ​período​ ​um​ ​país​ ​sobretudo​ ​agrário.

A narrativa também é ligeiramente diferente, embora também venha do amigo José

Fernandes. Ele é muito menos discreto, por assim dizer, do que no conto, mostrando a si

mesmo​ ​e​ ​narrando​ ​o​ ​que​ ​se​ ​passa​ ​consigo​ ​muito​ ​mais​ ​do​ ​que​ ​no​ ​conto.

Uma outra diferença crucial é que, enquanto no conto, embora Jacinto leve uma vida

monótona e entediante, ele jamais duvida das maravilhas da civilização enquanto está no

Jasmineiro. É preciso que ele saia do ambiente urbano para, só então, render-se aos encantos

do campo. Já no romance, desde os primeiros capítulos, Jacinto parece duvidar da sua própria

teoria de que suma ciência x suma potência = suma felicidade e vai, pouco a pouco, com as

falhas que seus aparelhos vão mostrando, com o que vai observando da rotina massacrante da

cidade, se convencendo, como diz Candido, de que suma ciência x suma potência = suma

servidão.

O fim do romance assemelha-se ao fim do conto: Jacinto, agora casado, vive a sua

vida no campo, no meio termo entre a simplicidade deste e o que a civilização pode oferecer,

sem​ ​excessos.

É importante, porém salientar que Eça não é um árcade extemporâneo, uma vez que o

homem do campo não é, para ele, o bom selvagem rosseauniano, tampouco os avanços
técnicos são inteiramente desprezados em detrimento de um campo idealizado. Eça

tão-somente manifesta desprezo pelos excessos da modernidade, que tornam o cotidiano

pachorrento e melancólico. Trata-se, portanto, de reconciliar as vantagens trazidas pela

civilização com a paisagem idílica e tranquilizadora do campo. A par disso, há uma volta para

a própria linguagem, nessa fase reconciliadora e menos combativa de Eça, que para Candido,

representa um recuo ideológico, mas que buscamos ver neste trabalho que não. Nessa fase de

sua trajetória, Eça deixa de ver a linguagem como um meio usado para expor, friamente, as

mazelas do tempo, mas um fim em si: converte-se, pois, num parnasiano, à cata das palavras

mais justas, que possam exprimir esse Portugal campesino, porém não obsoleto; civilizado,

contudo​ ​não​ ​entregue​ ​ao​ ​mecanicismo​ ​pessimista​ ​de​ ​Jacinto.

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