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CADERNOS IPPUR

Publicação semestral do Instituto de Pesquisa e Planejamento


Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Editor O CADERNOS IPPUR é um periódico


Henri Acselrad semestral, editado desde 1986 pelo Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio-
Con selh o Ed itorial nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmico
Ana Clara Torres Ribeiro interdisciplinar formado por professores,
Henri Acselrad pesquisadores e estudantes interessados na
Pedro Abramo Campos compreensão dos objetos, escalas, atores e
Rosélia Perissé Piquet práticas da intervenção pública nas dimen-
sões espaciais, territoriais e ambientais do
Consel ho Cien tífico desenvolvimento econômico-social. É dirigi-
do por um Conselho Editorial composto por
Aldo Paviani ( UNB )
Berta Becker ( UFRJ ) professores do IPPUR e tem como instância
Celso Lamparelli ( USP ) de consulta um Conselho Científico integra-
Inaiá Carvalho ( UFBA ) do por destacadas personalidades da pes-
Leonardo Guimarães ( FIJN ) quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe e
Lícia do Prado Valladares ( IUPERJ ) seleciona artigos escritos por membros da
Maria Brandão ( UFBA ) comunidade científica em geral, baseando-
Maurício de Almeida Abreu ( UFRJ ) se em pareceres solicitados a dois consulto-
Milton Santos ( USP ) res, um deles obrigatoriamente externo ao
Neide Patarra ( UNICAMP ) corpo docente do IPPUR. Os artigos assina-
Roberto Smith ( UFCE ) dos são de responsabilidade dos autores, não
Tânia Bacelar de Araújo ( UFPE ) expressando necessariamente a opinião do
Wrana Maria Panizzi ( UFRGS ) corpo de professores do IPPUR.

IPPUR / UFRJ
Prédio da Reitoria, Sala 543
Cidade Universitária / Ilha do Fundão
21941-590 Rio de Janeiro RJ
Tel.: (021) 590-1191 / (021) 260-5350
Fax: (021) 564-4046
E-mail: cadernos@ippur.ufrj.br
http:\\www.ippur.ufrj.br
CADERNOS IPPUR
Ano XII, N o 2
Ago- Dez 1998
Indexado na Library of Congress (E.U.A.)
e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.

Cadernos I PP UR / UF RJ /Instituto de Pesquisa e Planeja-


mento Urbano e Regional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. – ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) –
Rio de Janeiro : U FR J/ I PP UR , 1986 –

Irregular.
Continuação de: Cadernos P UR / U FR J
ISSN 0103-1988

1. Planejamento urbano – Periódicos. 2. Planejamen-


to regional – Periódicos. I. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional.

Apoio
EDITORIAL

O novo capítulo da história do capitalismo aberto com a crise do fordismo veio


redesenhar a dimensão espaço-temporal da economia mundial. Uma nova ordem
capitalista do trabalho e do lugar vem interpelando os planejadores, levando-os a
tentar definir os contornos de um novo tipo de esfera pública, a qual, espera-se,
venha a ser espaço de referência para as práticas democráticas frente às incertezas
da acumulação flexível. Como nos sugere Richard Sennett, de um lado, os poderes
dominantes da economia política emergente desfazem a durabilidade das instituições
em torno das quais desenvolveram-se até aqui lealdades, obrigações e solidariedade
redistributiva, enquanto de outro, e de forma aparentemente paradoxal, busca-se
correntemente legitimar a flexibilidade econômica por apelos à autonomia pessoal
dos trabalhadores e pela sugestão de que os indivíduos poderiam doravante garantir
a si mesmos a segurança que as instituições lhes negam. No plano das práticas
governativas, é visível a sedução representada pelos métodos e técnicas despolitizados
e centrados na administração de recursos. As cidades, em particular, reproduzem
cada vez menos a idéia de “casa da democracia”, lugar adequado, na concepção de
Hannah Arendt, à formação de lealdades e responsabilidades, o que vem dificultar
os esforços de reconstituição de um urbanismo sintonizado com os valores públicos.

Mas mesmo os processos de modernização globalizante, que alteram as relações


entre aparelhos de governo e âmbitos da vida social encontram, nas características
únicas de cada formação social, a diversidade de tempos sociais própria a países
desigualmente posicionados na cena mundial. As geografias sociais e culturais locais
parecem continuar servindo de referência nas decisões de investimento, fazendo
com que o lugar transformado ainda detenha poder, assim como, conseqüentemente,
o detêm as comunidades localizadas que se dispõem a desafiar as imposições da
globalização. No caso do planejamento urbano e regional, um eco a tais resistências
incluiria a crítica aos processos de desregulamentação do uso do solo e a construção
da capacidade de fazer de espaços grandes e impessoais locais duráveis do encontro
democrático da diversidade. Como exemplificam experiências recentes analisadas
neste número do Cadernos IPPUR, a liberalização do mercado de terras e a exclusão
do Estado de atividades de provisão de lotes, moradia e serviços urbanos não têm
levado ao aumento da oferta de terras e à redução do preço da moradia, mas ao
encarecimento do preço do solo, ao fortalecimento dos mercados especulativos e
ao estreitamento das possibilidades de se reconstituir uma cidade calcada nos valores
públicos – morada da democracia.
CADERNOS IPPUR

Ano XII, N o 2 SUMÁRIO


Ago-Dez 1998
A S S I S T E N T E D E C O OR D E N AÇ Ã O
Resumos e Abstracts , 7
Dulce Portilho Maciel Atualidade do Planejamento , 13
S EC R ET ÁRIA
Richard Sennett, 15
Jussara Bernardes O Novo Capitalismo

R EVIS ÃO D E POR T U GU ÊS
Artigos , 31
Claudio Cesar Santoro Josep Roca, Malcolm Burns, 33
La Liberalización del Mercado de Suelo
P R OJ E T O G R Á F I C O E E D IT O R AÇ Ã O en España: reforma de la legislación
Claudio Cesar Santoro urbanística de 1998
P R OJ E T O G R ÁF I C O D A C A P A
Mario Lungo, 61
André Dorigo
Reestructuración Económica, Reforma del
Estado y Mercados de Tierra Urbana
Lícia Rubinstein
Juçara Spinelli, Romulo Krafta, 83
IL U S T R A Ç ÃO D A C AP A Configuração Espacial e Distribuição do
Institut für Landeskunde, Bad Godesberg Valor do Solo Urbano
Institut Géographique National, France Opinião , 105
C O L A B O R A R A M N E S T E N Ú ME R O Ana Clara Torres Ribeiro, 107
Adauto Lúcio Cardoso Relações Sociedade–Estado: elementos do
Fania Fridman paradigma administrativo
Frederico G. B. de Araújo Pe squisas, 127
Hermes M. Tavares Eduardo Cesar Marques, 129
Hildete P. Melo Infra-estrutura Urbana e Produção do
Inaiá Carvalho Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro
Jaime Benchimol Marcos A. Pedlowski, 157
João Bosco M. Machado O Papel do Banco Mundial na
Leila Dias Formulação de Políticas Territoriais na
Lia Osório Machado Amazônia. O Caso de Rondônia
Maurício de Almeida Abreu Resenhas , 181
Mauro Kleiman
André Gorz, 183
Nílson do Rosário Costa Misères du présent, richesse du possible
Paulo Brígido Rocha Macedo (por Pedro Cláudio Cunca Bocayuva)
Rogério Haesbaert Pierre Jourde, 187
Tamara Egler Géographies imaginaires
Tânia Bacelar de Araújo (por Jamil Elias Coelho )
Resumos A b s tr a c t s

Richard Sennett

O Novo Capitalismo The New Capitalism

O capitalismo de grande mobilidade e The economically flexible and high mo-


economicamente flexível está mudando bile capitalism is changing the way we
o modo como as pessoas trabalham e work and giving different meanings to
atribuindo diferentes significados ao lu- place. The value of work is being impov-
gar. O valor do trabalho está diminuin- erished and the value of place is being
do e o valor do lugar está crescendo. As increased. The great uncertainties of the
grandes incertezas da nova economia new economy argue for a selfhood, as
sugerem a constituição de subjetivida- well as civic behaviour, unchained from
des e de comportamentos cívicos des- the conditions of labor. This paper sug-
conectados das condições de trabalho. gests that the places in which people
O presente artigo sustenta que os luga- could conduct a civic existence that did
res onde as pessoas poderiam ter uma not merely reflect their personal fortune
existência cívica que não refletisse sim- can neither be cities of the classical kind
plesmente sua fortuna pessoal não po- that Hannah Arendt admired, nor can
dem ser nem as cidades clássicas que they be defensive, inward-turning locali-
Hannah Arendt admirava, nem locali- ties. Urban planners need a new kind of
dades fechadas e defensivas. Os plane- public realm to cope with the new eco-
jadores urbanos necessitam um novo nomy.
tipo de esfera pública para lidar com a
nova economia.

Palavras-chave : planejamento urbano, Keywords : urban planning, public realm,


esfera pública, capitalismo flexível flexible capitalism

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 2, 1998, p. 7-12


8 Resumos / Abstracts

Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns

La Liberalización del Mercado de The Land Market Liberalization


Suelo en España: reforma de la in Spain: the 1998 Urban Law
legislación urbanística de 1998 Reform

Dentro de un contexto general de la libe- Against a general climate of liberali-


ralización, el gobierno del estado español sation, the Spanish Government has
ha hecho un esfuerzo grande para reducir made a concerted effort to bring about
los precios de la vivienda, y en general a reduction in house prices. A legislative
de los inmuebles. Una reforma legislativa reform in April 1998 has sought to libe-
en Abril de 1998 ha intentado liberalizar ralise land and planning through a) re-
el mercado de suelo y la política urbanís- defining the category of land previously
tica, a través de a) definir de nuevo la excluded from development to enable
categoría de suelo previamente excluido residential development to take place;
del desarrollo urbanístico, para permitir b) allowing for greater flexibility of land
su desarrollo; b) permitir una mayor flexi- uses and building controls; and c) re-
bilidad en los usos del suelo y edifica- ducing administrative controls. This
bilidades de los espacios urbanos; y c) paper discusses the extent to which such
reducir los controles administrativos. Este reforms are likely to meet their antici-
artículo pretende discutir hasta qué punto pated objectives, resulting in beneficial
es probable que estas reformas cumplan effects in the land and housing markets,
con los objetivos anticipados, resultando as well as the territorial impact of such
sus efectos beneficiosos en los mercados reforms from a sustainability perspective.
de suelo y vivienda, tanto como el im-
pacto territorial de dichas reformas desde
la perspectiva de la sostenibilidad.

Palabras claves : legislación urbanísti- Keywords : planning legislation, libe-


ca, liberalización, oferta de suelo, precio ralization, land supply, house prices, sus-
de vivienda, sostenibilidad tainability

Mario Lungo

Reestructuración Económica, Economic Restructuring, State


Reforma del Estado y Mercados Reform and Urban Land Markets
de Tierra Urbana

El trabajo se sitúa en un nivel de análisis The objective of this article is to explore


macroeconómico y político general y the consequences, on urban land mar-
Cadernos IPPUR 9

tiene por objetivo explorar las consecuen- kets functioning, of the economic re-
cias sobre el funcionamiento de los mer- structuration and state reform processes,
cados de tierra urbana de los procesos started since mid 1980’s in most of the
de reestructuración de la economía y la Latin American countries. Its contents is
reforma del Estado, experimentados por placed at macroeconomic and global
la mayor parte de los países latinoameri- political level. The main question posed
canos desde los años 80. La principal pre- by it is the following: which have been
gunta que guía el análisis trata de conocer the transformations in the specific char-
la modificación de las características espe- acteristics of the Latin American urban
cíficas que, hasta la década de los 80, land markets functioning? The work ex-
mostraban el funcionamiento de estos amines a particular case, El Salvador,
mercados en América Latina, apoyán- and concludes posing four proposal in
dose en el análisis del caso salvadoreño. order to discuss this issue.
El trabajo concluye planteando cuatro
proposiciones para la discusión de esta
temática.

Palabras claves : mercados de tierra, Keywords : land markets, economic libe-


liberalización económica, reforma del ralization, State reform
E stado

Juçara Spinelli, Romulo Krafta

Configuração Espacial e Distri- Urban Land Value Distribution


buição do Valor do Solo Urbano under Configurational Scrutiny

Este estudo aborda problemas de parce- This study evaluates land subdivision
lamento do solo sob o aspecto da confi- problems under aspects of spatial con-
guração espacial relacionada ao valor da figuration related to land value (lv). Par-
terra. No espaço urbano ocorrem casos adoxical cases occur in urban spaces,
dicotômicos, como baixa diferenciação such as low spatial differentiation and
espacial e alto valor do solo ou vice-versa. high lv, or vice-versa. Empirical studies
Estudos empíricos têm demonstrado have proved satisfactory results in terms
resultados satisfatórios quanto à corre- of the correlation between measures of
lação entre medidas configuracionais e configuration and lv. These studies verify
valores do solo. Isso permitiu verificar a the convenience of the models used to
conveniência do uso desses modelos describe significant aspects of spatial dif-
para descrever aspectos significativos da ferentiation. The complementation of
diferenciação espacial. A complemen- the methodological proposal is iden-
tação de uma proposta metodológica na tified, and other components of urban
qual são identificados e calculados outros space are calculated (plot dimension,
10 Resumos / Abstracts

componentes do espaço urbano (como infrastructure, normative aspects, etc.).


tamanhos de lote, infra-estrutura, aspec- These are determinant measures that
tos normativos etc.), determinantes de characterize the local factor associated
uma medida que caracteriza o fator local with measures that determine the mor-
associada a medidas que determinam a phological differentiation. This differen-
diferenciação morfológica, permitiu veri- tiation demonstrated that land value
ficar que a distribuição do valor do solo, distribution, besides following centrality,
além de acompanhar a centralidade, de- depends, in greater or lesser extent, on
pende, em maior ou menor grau, do fator the local factor. The results obtained,
local. Os resultados obtidos, através de through a model that combines mea-
um modelo que combina descrição de sures of centrality with local character-
privilégios locacionais com características istics, approached reality because the
locais, aproximaram-se mais à realidade model incorporated a greater number of
pois incorporaram um maior número de variables which allowed the verification
variáveis, permitindo constatações a res- of correlated socioeconomic and spatial
peito de questões socioeconômicas e es- matters related to parceling, value, and
paciais relacionadas ao parcelamento, configuration.
valor e configuração.

Palavras-chave : valor do solo, confi- Keywords : land value, spatial configu-


guração espacial, modelos urbanos ration, urban models

Ana Clara Torres Ribeiro

Relações Sociedade–Estado: Society-State relations :


elementos do paradigma elements of the administrative
ad ministrativo paradigm

Na fase contemporânea do capitalismo, Conservative interpretations of the eco-


têm sido difundidas diretrizes expressivas nomic crisis have been disseminated
de leituras conservadoras da crise eco- along the contemporary capitalist stage.
nômica. Parte dessas diretrizes sustenta Some of these views argue for a grow-
a crescente autonomia alcançada pela ingly autonomy reached by the resource
administração de recursos, com seus mé- managing practices, with its methods,
todos, técnicas e formas específicas de techniques and specific forms of tackling
interpretação dos desafios do presente e the present challenges. A new paradigm
do futuro. Trata-se da configuração de is being designed in order to build con-
um verdadeiro paradigma administrativo, sensus, differently from the previous
construtor de consensos e responsável ways by which policies and planning
por rupturas em formas anteriores de al- were legitimized. This paradigm con-
cance da legitimidade política e de plane- siders the desirable action independently
Cadernos IPPUR 11

jamento. Esse paradigma apóia-se na from economic and social contexts, cul-
codificação da ação desejável, indepen- tural choices, institutional trajectories
dentemente dos contextos econômicos e and social actors construction process.
sociais, das experiências coletivas, de The diffusion of this paradigm, as an ex-
orientações culturais, das histórias institu- pression of the economic globalization
cionais e dos processos de constituição process, is changing the society-state
dos sujeitos sociais. A difusão de elemen- relations as well as the kind of barriers
tos desse paradigma, expressivo da glo- to be outcome by the citizenship agenda.
balização da economia, tem alterado as
relações Sociedade–Estado e a natureza
dos obstáculos a serem superados na
conquista da cidadania.

Palavras-chave : conjuntura, ação so- Keywords : conjuncture, social action,


cial, ideologia ideologies

Eduardo Cesar Marques

Infra-estrutura Urbana e Urban Infrastructure and the


Produção do Espaço Space Production of the Rio de
Metropolitano no Rio de Janeiro Janeiro Metropolitan Region

Este artigo apresenta e discute as políti- This article presents and discusses the
cas de saneamento básico na Cidade do public policies of basic sanitary systems
Rio de Janeiro entre 1975 e 1996. Par- in the city of Rio de Janeiro between 1975
tindo de um exaustivo levantamento dos and 1996. Starting from a comprehensive
investimentos em obras e serviços de research of the state investments on pub-
engenharia, o texto analisa a distribui- lic works and services, it analyzes the allo-
ção dos recursos públicos nos diversos cation of financial resources among the
espaços e grupos sociais habitantes da several spaces and social groups in the
cidade. A análise permite discutir uma city. The analysis allows us to discuss a
série de argumentos presentes na litera- series of arguments found in the literature
tura sobre políticas urbanas a respeito on public policies concerning the social
da produção social do espaço carioca, production of urban space in Rio de Ja-
assim como sobre as conseqüências das neiro, as well as about the consequences
intervenções estatais na estruturação de of the state interventions on the structure
metrópoles brasileiras. of the Brazilian metropolis.

Palavras-chave : políticas públicas, Keywords : public policies, urban infra-


infra-estrutura urbana, saneamento bási- structure, basic sanitary systems, Rio de
co, Rio de Janeiro Janeiro
12 Resumos / Abstracts

Marcos A. Pedlowski

O Papel do Banco Mundial na The World Bank Role in


Formulação de Políticas Formulating Territorial Policies
Territoriais na Amazônia. for the Brazilian Amazon Region.
O Caso de Rondônia The Rondonia Case

Este artigo analisa o papel do Banco This article reviews the role played by
Mundial na formulação, financiamento the World Bank in the formulation,
e implementação de políticas de desen- financing and implementation of econo-
volvimento econômico após a II Guerra mic development policies after the
Mundial. Uma ênfase especial é dada à Second World War. Emphasis is given
análise das políticas de desenvolvimento to the analysis of regional development
regional implementadas pelo Banco policies implemented by the World Bank
Mundial no Estado de Rondônia a partir in the Brazilian state of Rondônia since
da década de 80. Em Rondônia, dois the 1980s. There, two regional economic
programas de desenvolvimento econô- programs funded by the World Bank
mico financiados pelo Banco Mundial (i.e., POLONOROESTE and PLANAFLORO ) had
(POLONOROESTE e PLANAFLORO ) tiveram sua their formulation and implementation di-
formulação e implementação controla- rectly controlled by the Bank’s man-
das pelos técnicos da instituição. Apesar agement. Despite containing a set of
de conterem uma série de salvaguardas programmatic safeguards, both pro-
programáticas, ambos fracassaram em grams failed in their goals of joining eco-
sua tentativa de unir desenvolvimento nomic development with environmental
econômico e proteção ambiental. Como protection. As a result, Rondônia has
resultado, Rondônia experimentou um faced an exponential population growth
crescimento exponencial em sua popu- that resulted in an explosive process of
lação que foi seguido de um processo deforestation and unmanaged exploita-
explosivo de desmatamento e explora- tion of natural resources.
ção descontrolada de recursos naturais.

Palavras-chave : planejamento ambien- Keywords : environmental planning, de-


tal, desenvolvimento, Banco Mundial velopment, World Bank
Atualidade do Planejamento
O Novo Capitalismo *

Richard Sennett

A palavra novo – adjetivo favorito dos states estão ruindo, o próprio capitalismo
publicitários – tornou-se suspeita. Ainda tornou-se maleável, com elevada mobi-
assim, nos últimos vinte anos ocorreram lidade, redesenhando suas estruturas na
profundas e até então inimagináveis mu- forma e no tempo. Essas variações es-
danças na vida material. As grandes bu- truturais vinculam-se a uma expansão
rocracias corporativas e as hierarquias súbita e maciça da produtividade; novos
governamentais do mundo desenvolvido bens, como computadores; novos servi-
pareciam seguramente entrincheiradas, ços, como os setores financeiros globais.
produtos de séculos de desenvolvimento Por ora, a cornucópia está repleta.
econômico e de construção de nações.
Os analistas se referiam ao “capitalismo Como resultado, o modo em que
recente” ou “capitalismo maduro” como trabalhamos sofreu alterações: empre-
se as forças iniciais do crescimento tives- gos de curto prazo substituem carreiras
sem alcançado sua fase final. estáveis, e as qualificações evoluem rapi-
damente; inquieta, a classe média sente-
Agora, um novo capítulo se abriu: a se tomada pelas incertezas e ansiedades
economia é global e faz uso de uma nova que numa era anterior diziam respeito
tecnologia; o governo-mamute e as bu- apenas à classe operária.
rocracias estão se tornando instituições
mais flexíveis e menos protegidas. As O lugar também tem um significado
garantias sociais dos chamados welfare diferente, agora, em grande parte graças

* Tradução de Marcos Reis.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 2, 1998, p. 15-30


16 O Novo Capitalismo

a essas mudanças econômicas. Há uma A segunda é que o valor do lugar


geração, acreditava-se em nações, e, cresceu. O sentido de lugar tem por base
nelas, as cidades eram capazes de deci- a necessidade de se pertencer não à
dir seu próprio destino; hoje, a rede eco- “sociedade” em abstrato, mas a algum
nômica emergente é menos suscetível ponto em particular. Dado que a insta-
aos controles da geografia. Medida da bilidade das instituições econômicas
relação mutante entre economia e lugar reduz a experiência de se pertencer a
é a imigração – uma força que deixa per- algum lugar especial de trabalho, au-
plexas cidades como Nova York e Viena, mentam os comprometimentos das pes-
já que o aparecimento de imigrantes não soas com lugares geográficos, tais como
é acidental, mas associado a sutis trans- nações, cidades e localidades. A questão
formações na economia dessas cidades. é: comprometimentos de que tipo? De
Ainda assim o surgimento desses es- fato, o nacionalismo ou a defesa sistemá-
trangeiros não abrange a magnitude de tica de interesses étnicos – sob a forma
transformação do lugar que vivencia- de xenofobia – podem constituir-se em
mos. Abriu-se uma fissura entre a forma refúgio defensivo contra uma ordem
política – no sentido de autogoverno – econômica adversa, mas a um preço
e a economia global. humano muito elevado. O homem que
odeia o que lhe é externo enfraquece-
A cultura dessa nova ordem capita- se, ao invés de se fortalecer.
lista do trabalho e do lugar é o foco de
minhas reflexões: que diferença a nova Ambas as proposições talvez sugiram
economia política produz em nossos uma visão irremediavelmente desoladora
valores éticos, em nossa percepção do da cultura da economia política emer-
“outro” como criatura social e em nosso gente, mas não é essa a minha opinião.
entendimento de nós mesmos? O trabalho emoldura o ser de modo bas-
tante precário, posto que tende a igualar
Como ponto de partida, gostaria de sucesso e mérito pessoal. E o valor reno-
introduzir duas proposições simples, que vado do lugar apresenta uma oportuni-
parecem estar emergindo dessa nova dade de construir um domínio público
ordem. no qual as pessoas pensem sobre si mes-
mas e atuem socialmente, de modo dife-
A primeira é que o novo capitalismo rente ao de animais econômicos, fazendo
está empobrecendo o valor do trabalho. com que sua cidadania não dependa de
Tornando-se mais flexível e temporário, suas riquezas.
o trabalho está deixando de servir como
ponto de referência para definir propó- Ao menos essa era a esperança de
sitos pessoais duráveis e um senso de Hannah Arendt quando propôs, em A
autovalor; sociologicamente, funciona Condição Humana (1958), sua famosa
cada vez menos como fórum de relações distinção entre trabalho e política: ela
sociais estáveis. esperava, em particular, que a vida urba-
Richard Sennett 17

na, com suas características de ampla crescimento numérico pode levar a alte-
escala e impessoalidade levasse as rações de estrutura.
pessoas a assumir uma existência cívica
que não refletisse ou dependesse, sim- Segundo Adam Smith, em A Rique-
plesmente, de suas fortunas pessoais. za das Nações, mercados maiores esti-
Hoje, as incertezas da nova economia mulam a divisão de funções no trabalho.
favorecem mais do que nunca a indivi- No passado, a burocracia governamen-
dualidade e o comportamento cívico tal e a indústria cresceram promovendo
desvinculados das condições de traba- aumentos de tamanho que induzem
lho. E os espaços em que isso poderá complexidade de estrutura. A tecnologia
ocorrer não serão em nada parecidos do novo capitalismo exemplifica esse
às cidades do tipo clássico, que Arendt tipo de crescimento através de uma es-
admirava, nem a localidades preocupa- trutura de serviços de informação cada
das em defender-se e voltadas para seu vez mais complexa a ligar o mundo.
próprio interior. Para lidar com a nova
economia precisamos de um novo tipo Um terceiro tipo de crescimento
de esfera pública. ocorre por meio da metamorfose: um
corpo muda sua forma ou estrutura sem
necessariamente aumentar em número.
Crescimento Uma lagarta virando borboleta cresce
desse modo, da mesma forma que os
Para termos uma idéia clara da cultura personagens de um romance. Muito do
que caracteriza a economia política crescimento interno das empresas mo-
emergente precisamos entender sua dernas ocorreu desse modo. Embora a
palavra-chave: crescimento. De forma imprensa dê destaque ao desemprego e
simplificada, ele ocorre por quatro vias. ao tamanho menor da economia moder-
na, metamorfoses radicais em estruturas
Sua manifestação mais simples é nu- empresariais podem, com freqüência,
mérica: formigas mais numerosas, num ocorrer mesmo quando o número de
formigueiro, ou mais aparelhos de te- empregados permanece relativamente
levisão, no mercado. Um crescimento constante; a metamorfose caracteriza a
desse tipo aparece no pensamento eco- reestruturação do setor bancário e de
nômico de escritores como Jean Baptiste outros setores de serviço financeiro, por
Say, autor de uma loi des débouchés, exemplo.
segundo a qual “o incremento da oferta
cria sua própria demanda”. Esse é o tipo Finalmente, um sistema pode crescer
de crescimento que acontece, por exem- por tornar-se mais democrático. Esse
plo, no setor de informática, em que tipo de crescimento é “não-fundante”,
uma sucessão ininterrupta e ultra-acele- como argumentou John Dewey: os ele-
rada de novos equipamentos e softwares mentos num sistema são livres para in-
impulsiona a procura por produtos. Um teragirem e influenciarem-se uns aos
18 O Novo Capitalismo

outros, de modo que os limites tornam- são igualmente possíveis ou igualmente


se oscilantes, as formas tornam-se mis- desejáveis?
tas; o sistema se contrai ou se expande
em suas partes sem coordenação supe-
rior. As redes de comunicação, como a O Paradoxo de Smith
Internet inicial, são exemplos óbvios de
como o crescimento pode ocorrer demo- Um paradoxo cultural do crescimento
craticamente. Tal processo difere de um tem perseguido o desenvolvimento do
mecanismo de mercado, no qual uma capitalismo moderno por toda sua longa
troca explica idealmente todas as transa- história: quando o crescimento material
ções e assim regula todos os atores no ocorre, a experiência qualitativa do tra-
sistema. Resistências, irregularidades e balho freqüentemente torna-se empo-
dissonâncias cognitivas assumem um brecida.
valor positivo nas formas democráticas
de crescimento. Eis por que a vida subje- A era do Alto Capitalismo – que por
tiva desenvolve-se através de algo como conveniência podemos situar nos dois
a prática da democracia interna – uma séculos seguintes à publicação de A Ri-
complexidade interpretativa e emocional queza das Nações, em 1776 – ansiou
emerge sem um plano mestre, sem uma por absoluto crescimento quantitativo
regra hegemônica, sem uma explicação do primeiro tipo, que já descrevi, mas
indiscutível. teve problemas em lidar com as conse-
qüências humanas do crescimento do
Minha opinião é que essa forma de segundo tipo, no qual o aumento de ri-
crescimento é mais do que uma questão queza ocorreu por meio de estruturas
de puro processo: a liberdade e flexibili- econômicas mais complexas.
dade do processo fazem surgir a necessi-
dade de sinais, de formas definidas, de Adam Smith defendia que a divisão
rituais tentativos e de decisões transitó- do trabalho – uma complexidade estru-
rias que importam para a conduta futu- tural – era promovida pela expansão de
ra, tudo isso ajudando as pessoas a se mercados livres com números cada vez
orientar. E meu argumento é que a eco- maiores de bens, serviços e trabalhado-
nomia flexível está destruindo exatamen- res em circulação: uma sociedade em
te esses elementos formais que orientam crescimento parecia-lhe uma colméia,
as pessoas no processo do crescimento onde cada nova célula seria o lugar de
verdadeiramente democrático. Formu- tarefas cada vez mais especializadas.
lando de outra maneira, o que precisa- Ocupando-se de todas as etapas do tra-
mos para lidar com a economia política balho, um artesão produtor de pregos
emergente é promover formas mais ver- podia fazer umas poucas centenas de
dadeiramente democráticas de cresci- pregos por dia; Smith calculava que se
mento flexível. A questão é: onde? Nos a feitura de pregos fosse dissecada em
locais de trabalho? Na comunidade? todas as suas partes componentes e
Para a democracia, esses últimos lugares cada trabalhador fizesse apenas uma
Richard Sennett 19

dessas partes, o produtor de pregos tornar-se-á desnecessário. Recente-


processaria mais de quarenta e oito mil mente, um executivo da AT&T assim
pregos diários. No entanto, a experiência resumiu o objetivo de se reorganizar o
de trabalho tornar-se-ia mais rotineira. trabalho: “(...) temos que promover o
Dividir as tarefas envolvidas na produ- conceito integral da força de trabalho
ção de pregos, até chegar a suas partes como sendo contingente, embora a
componentes, condenaria os trabalha- maioria dos trabalhadores contingen-
dores individuais a uma jornada tediosa tes estejam entre nossas paredes. ‘Em-
e estupidificante, consumida hora após pregos’ estão sendo substituídos por
hora num pequeno serviço. ‘projetos’ e ‘campos de trabalho’”. No
curso de suas vidas produtivas, os jo-
Chamarei essa junção entre cresci- vens trabalhadores com pelo menos
mento material e empobrecimento qua- dois anos de universidade deverão con-
litativo de Paradoxo de Smith – algo que frontar-se com o fato de mudar de em-
ele reconheceu sem nomear. Atualmen- prego, em média, onze vezes.
te, deriva do que chamamos “produção
fordista”, o tipo de trabalho de linha de Mais brutalmente, a divisão do tra-
montagem organizado na instalação da balho separa agora os que conseguem
Ford, em Highland Park, Michigan, du- e os que não conseguem emprego:
rante a Primeira Guerra Mundial. grande número de pessoas são libertas
da rotina do trabalho apenas para des-
Proponentes da nova ordem alegam cobrirem-se inúteis ou economicamente
que o Paradoxo de Smith está chegan- subutilizadas, em especial no contexto
do ao fim; a tecnologia moderna pro- da oferta de trabalho global. A geografia
mete atribuir todo o trabalho rotineiro não separa mais, simplesmente, o Pri-
às máquinas, deixando os trabalhado- meiro Mundo capacitado do Terceiro
res cada vez mais livres para tarefas fle- Mundo descapacitado; o código de com-
xíveis e criativas. Na verdade, porém, putador é escrito com igual eficiência,
ocorreu o contrário: o empobrecimento por exemplo, em Bombaim, por um
qualitativo assumiu novas formas. terço a um sétimo de seu custo nos escri-
tórios da sede da IBM.
A nova tecnologia freqüentemente
“desqualifica” os trabalhadores, pois Deixem-me dizer umas poucas pala-
tende, como os porteiros eletrônicos de vras mais sobre esse fenômeno parti-
máquinas robóticas, a realizar tarefas cular. As estatísticas sobre criação de
complexas que antes eram efetuadas empregos não captam o temor da inuti-
pelos próprios trabalhadores. As con- lidade; o número de empregos, mesmo
dições para se manter o emprego o de bons empregos qualificados, não
freqüentemente incluem a desqualifica- dita quem terá acesso a eles, por quanto
ção, pois os trabalhadores aprenderão tempo os empregos podem ser mantidos
a fazer bem um trabalho específico, ou, de fato, por quanto tempo os em-
apenas para descobrir que tal trabalho pregos existirão. Dez anos atrás, por
20 O Novo Capitalismo

exemplo, a economia norte-americana pessoal. Embora os termos citados acima


tinha um déficit de analistas de sistemas pareçam psicologicamente legitimadores,
de computador e hoje tem excedente eles podem de fato sobrecarregar o fardo
desses trabalhadores altamente treina- do sujeito que trabalha.
dos. E muitos não se reciclam bem, ao
contrário do que sugere a ideologia: suas Por sua vez, tem grandes implica-
habilidades são muito específicas. O es- ções psicológicas o fato de alguém sentir
pectro da inutilidade, ofuscando as vidas que fracassou pessoalmente na tentativa
da classe média educada, agora tem de ter grande valor nessa economia. O
feito parte do antigo problema da rotina temor de Michael Young, em seu ensaio
experimentada por trabalhadores menos profético, A Ascensão da Meritocracia
favorecidos: assim como muitos enge- (1959), realizou-se, afinal: como a eco-
nheiros qualificados, programadores, nomia carece de um número cada vez
analistas de sistemas, há uma saciedade menor de pessoas altamente educadas,
crescente de advogados, M.B.A. - Master a “distância moral” entre massa e elite
of Business Administration [mestres de aumenta. As massas, agora compreen-
administração de negócios], corretores dendo pessoas de terno e gravata assim
de seguros e acadêmicos. Os jovens como gente de macacão, parecem peri-
sofrem as angústias da inutilidade de um féricas ao cerne da elite produtiva; a
modo particularmente cruel, já que o sis- economia emergente lucra pelo enco-
tema educacional em expansão os treina lhimento de sua base de trabalho. A ên-
cada vez mais elaboradamente para fase da economia na agência pessoal
serviços que não existem. ajuda a explicar por que a dependência
do sistema do bem-estar social e o para-
A conotação subjacente de inutili- sitismo são questões tão sensíveis para
dade, desqualificação e trabalho tarefei- pessoas cuja sorte no mundo está agora
ro aponta para um eu dispensável. Ao perturbada.
invés do tédio da linha de montagem,
institucionalmente induzido, esse déficit Como se diz na Califórnia, entusias-
empírico parece estar situado dentro do tas da nova economia estão “em con-
trabalhador, que não se dotou de utili- tradição” sobre a questão do trabalho
dade duradoura para os outros, e corre disponível. Num clássico popular sobre
assim o risco de desaparecer. A lin- empresas modernas, Re-engineering the
guagem econômica em uso hoje – Corporation [Reengenharia da empresa]
“economia baseada em habilidades”, (1993), os autores Michael Hammer e
“competência informacional”, “traba- James Champy defendem a “reenge-
lho de tarefas flexíveis” e coisas do gê- nharia” da acusação de que seja uma
nero – transfere o foco de condições mera cobertura para demitir pessoas e
impessoais como a posse do capital afirmam que “reduzir e reestruturar ape-
para questões mais pessoais de com- nas significa fazer menos com menos. A
petência. A flexibilidade econômica é reengenharia, em contraste, significa
legitimada pelos apelos à autonomia fazer mais com menos”. O “menos” da
Richard Sennett 21

última frase reverbera com as rejeições de Smith. Damos a essa prática vários
de um velho darwinismo social: os que nomes: “autogestão”, “auto-adminis-
não são adequados de algum modo de- tração” ou, simplesmente, “mudança a
saparecerão. partir de dentro” – todas elas fortes va-
riantes de democracia social. Embora o
Alguns economistas empedernidos objetivo seja admirável, o ato de mudan-
argumentam que formas correntes de de- ça precisa ser analisado mais de perto.
semprego, subemprego, incapacitação e Tal ato supõe a reforma do trabalho e,
parasitismo são incuráveis na ordem mais amplamente, a justiça social, al-
emergente, já que a economia de fato cançada por meio de um ato decisivo
lucra em fazer “mais com menos”. O que de vontade coletiva.
desejo enfatizar é que a economia mo-
derna, assim como a economia capitalista O modelo de crescimento sobre o
clássica, não oferece uma solução para qual esses esforços estão baseados ecoa
o Paradoxo de Smith, para o problema a declaração de Ovídio, em Metamor-
da experiência do trabalho empobrecido. foses: “Meu propósito é falar de corpos
O aumento absoluto de empregos, a reor- que foram transformados em formas de
ganização da divisão do trabalho não são um tipo diferente.” Segundo sua crença,
formas de crescimento que aumentam a o mundo surgiu quando um deus trans-
qualidade da experiência do trabalho. Em formou em formas distintas a matéria
vez disso, esse empobrecimento qualita- “primal, amorfa, indistinta, a massa des-
tivo faz números crescentes de pessoas coordenada (...) cujos elementos mal
sentirem que, pessoalmente, não têm distribuídos eram indiscriminadamente
assento no processo de crescimento eco- amontoados em um lugar.” A mudança
nômico. E essa falta de posição postula a partir de dentro supõe que se possa
um profundo desafio político: podemos, obter ordem do caos por meio de um
por meios políticos, garantir às pessoas ato de vontade; em termos políticos, a
um senso de que são seres humanos va- comunidade organizada é autocriadora.
liosos, necessários e conseqüentes? A dificuldade social desse modelo surge,
portanto, do quadro temporal desse ato
de vontade.
Tempo durável
Vínculos sociais básicos como con-
Na economia moderna, os gurus da fiança, lealdade e obrigação requerem
administração pregam o crescimento um longo tempo para se desenvolverem;
através da metamorfose, isto é, o refazer não se pode instantaneamente criar leal-
intencional de instituições, de cima para dade de modo a formar uma nova cor-
baixo – uma forma de crescimento pela poração governamental – por simples
ruptura. Os social-democratas também ato de vontade, pela absoluta metamor-
já recorreram a essa imagem de cresci- fose. E o tempo igualmente desenvolve
mento, mas no sentido inverso, de baixo o senso de valor pessoal, que é basea-
para cima, para lidar com o Paradoxo do na convicção de que a experiência
22 O Novo Capitalismo

de alguém é mais do que uma série de pestade capitalista, assim como fonte de
eventos aleatórios. O tempo pessoal, honra pessoal e familiar.
como o tempo cívico, deve possuir dura-
ção e coerência. Forma-se um senso de Weber novamente temeu a ascen-
força subjetiva, de agência positiva, fa- são, no início do século XX, de grandes
zendo as coisas durarem, mas a vonta- corporações e burocracias nacionais que
de, isolada, é insuficiente para realizar faziam uso da ética do servir, ganhando
essa tarefa. a lealdade daqueles a quem proporcio-
navam segurança; Weber duvidava que
Na era capitalista anterior, a duração os empregados leais virassem cidadãos
tornou-se uma dimensão precária do objetivamente conscientes. Ainda assim,
tempo. O progresso do capitalismo do pequenos burocratas, oportunistas e
século XIX não foi constante e linear; outros do gênero tiravam um senso de
ao contrário, resvalou de desastre em status e honra pública de seus postos
desastre nos mercados de ações e num na burocracia. T. H. Marshall, o pai in-
investimento irracional de capital. Um telectual do moderno estado de bem-
certo tipo de personagem – presente nas estar social britânico, compreendeu isso
páginas de Balzac e nos anais de finan- bem: quão estáticas as grandes institui-
ças – alimentava-se dessas crises, pros- ções sejam, quão resistentes sejam a
perava na desordem, e a maioria desses mudanças a partir de dentro, elas ga-
personagens possuía uma capacidade rantem a seus membros um arcabouço
para a deslealdade. Para cada capitalista de lealdade mútua e de confiança em
responsável, como Andrew Carnegie, que os eventos podem ser controlados,
havia centenas de Jay Goulds, especia- atributos que constituem pré-requisito
listas em se livrar de seus próprios desas- da cidadania.
tres. Seres humanos menos poderosos
ou mais responsáveis dificilmente pode- O ímpeto que atualmente visa ani-
riam prosperar sob tais condições. quilar essa arquitetura institucional pre-
tende desfazer as dimensões social e
A famosa imagem de Max Weber cívicas do tempo durável. Considere-
sobre a vida moderna confinada em mos, por exemplo, a lealdade: na eco-
uma “gaiola de ferro” negligencia a esta- nomia política emergente, envolvida em
bilidade como um evento positivo nas trabalhos cada vez mais mutantes e cen-
vidas de pessoas comuns. Por exemplo, trados em tarefas, as pessoas sentem-se
a ética do servir, esforço constante e des- cada vez menos leais às instituições. Essa
pojado de toda uma vida que Weber generalização, evidentemente, precisa
evocou em A Ética Protestante e o Espí- de todos os tipos de qualificação: por
rito do Capitalismo (1930), ajudou seus exemplo, um estudo apurou que os pro-
contemporâneos menos favorecidos a gramadores da IBM, com mais de vinte
comprar uma casa; e a propriedade de anos de serviço, mantiveram o entusias-
uma casa, no século XIX, tornou-se um mo pela companhia mesmo depois de
dos principais bastiões contra a tem- demitidos, aceitando o fato como uma
Richard Sennett 23

fatalidade. Um senso menor de lealdade que pode parecer à primeira vista. A


aparece entre trabalhadores mais jovens, economia moderna não destruiu sim-
que têm enfrentamentos mais brutais com plesmente as lutas sociais e os valores
a nova ordem econômica; muitos desses pessoais formados numa fase anterior do
jovens consideram os lugares em que tra- capitalismo. O que foi trazido ao presente,
balham quase sempre como locais para vindo do passado, foi um conjunto de
fazer contatos com pessoas que podem valores subjetivos, valores para fazer o
conseguir-lhes melhores ou apenas ou- tempo coerente e durável, mas em ter-
tros empregos. mos inteiramente pessoais. Esse tempo
pessoal, durável, apresenta interseções
Nisso, os jovens não têm faltado a com a nova economia do trabalho por
seu dever, já que as novas instituições meios particularmente perturbadores.
econômicas não dão garantia de retor-
no, substituindo, sempre que possível,
trabalhadores permanentes por outros, Um eu coerente
temporários, ou por trabalho de “além-
mar”. A lealdade requer que a experiên- Os vitorianos consideravam seu senso
cia pessoal acumule-se numa instituição, de autovaloração na vida organizada
e a economia política emergente não a como um longo projeto: os valores ger-
deixará se acumular. De fato, a facilidade mânicos de formação, as virtudes in-
lucrativa com que o capital hoje funde, glesas de propósito eram duradouros.
vende e refunde corporações reduz a du- Carreiras nos negócios, na vida militar
rabilidade das instituições ante as quais ou nas burocracias imperiais tornavam
poder-se-iam desenvolver lealdade ou possível o projeto de toda uma vida,
obrigações. graduando o trabalho numa clara se-
qüência de degraus. Tais expectativas
O tempo, então, é tudo, no cálculo desvalorizam o presente em nome do
das conseqüências sociais da nova eco- futuro – um presente que está em cons-
nomia política. E como valor cultural, a tante tumulto e que pode tentar um indi-
ruptura – filha dileta do pós-modernis- víduo a adentrar estradas e prazeres
mo – é menos politicamente desafiado- evanescentes. Weber descreveu a orien-
ra do que a afirmação de que as pessoas tação para o futuro como uma menta-
têm que ter o direito de desenvolver leal- lidade de gratificação postergada. Mas
dade e comprometimento dentro das essa experiência vitoriana de tempo co-
instituições. Se os poderes dominantes nectado tem um outro lado, que é classi-
da economia política violam o tempo ficado sob a categoria ética de assumir
durável, poderiam os indivíduos garan- responsabilidade pela própria vida. A
tir para si mesmos ou informalmente vontade integra esse ato de assumir res-
entre si a configuração de tempo que as ponsabilidade pela própria vida, embora
instituições lhes negam? de um modo bastante oposto ao do ca-
ráter inovador da vontade de mudança
Essa questão é menos abstrata do a partir de dentro.
24 O Novo Capitalismo

Em Assim Falou Zaratustra, Nietzsche bem-estar social, deixa aos indivíduos


escreveu: “impotente contra o que foi somente seu sentido de responsabilidade;
feito, ele é um espectador zangado com o ethos vitoriano agora com freqüência
tudo que é passado. A vontade não pode mapeia uma trajetória negativa de von-
voltar ao passado”. No entanto, os tade derrotada, de se ter falhado em fazer
contemporâneos de Nietzsche faziam a a vida coerente por meio do trabalho.
vontade recuar no tempo. Os vitorianos
voltavam-se para trás a fim de compor – Vinte e cinco anos atrás – para o livro
a partir de deslocamentos, de mudanças As Veladas Injustiças de Classe,1973 –
acidentais de direção ou de capacidades entrevistei trabalhadores de Boston cien-
não utilizadas de uma vida – um registro tes de que o trabalho estava além de
pelo qual se responsabilizavam, pes- seu controle, tal qual os “espectadores
soalmente, muito embora os eventos zangados”, de Nietzsche, mas ainda
escapassem do controle de quem os vi- assim dotados de senso de responsabi-
venciava. As histórias dos primeiros casos lidade pelo que lhes acontecia. Naquela
de Freud, como seu estudo do “Homem- geração, uma catástrofe econômica que
Lobo”, giram em torno dos custos de se levasse um trabalhador, digamos, a
organizar o tempo de modo coerente – perder sua casa, despertava esta dupla
particularmente o ato de assumir res- consciência de ser um espectador zanga-
ponsabilidade, com seus conseqüentes do e um agente responsável. Hoje, os
sentimentos de culpa por fatos passados processos que expandem a economia
além do controle de cada um. O poeta colocam os trabalhadores nessa dupla
Senancour combinou o tempo subjetivo posição.
do futuro e do passado ao declarar que
“vivo para tornar-me, mas carrego o Tomemos o que ocorre quando as
fardo inelutável do que fui.” Freud obser- carreiras são substituídas por trabalhos
va que tais sentimentos de responsa- intermitentes. Muitos trabalhadores tem-
bilidade são sentimentos modernos, em porários têm uma consciência dual acer-
contraste com eras anteriores quando as ca de seu trabalho, sabendo que ele é
pessoas sentiam que suas histórias de da conveniência de companhias refra-
vida estavam nas mãos de deuses, de tárias à obrigação, embora de modo
Deus, ou do destino. algum acreditando que se tivessem con-
seguido administrar suas vidas de modo
Hoje, esse tardios valores vitorianos diferente teriam feito carreira a partir de
de responsabilidade pessoal são tão fortes suas aptidões e estariam permanente-
quanto há um século, mas seu contexto mente empregados. O novo mapa eco-
institucional mudou. A gaiola de ferro foi nômico que desvaloriza os projetos de
desmantelada, de modo que os indiví- carreira para toda uma vida transferiu
duos lutam por segurança e coerência as curvas de idade ótima para o trabalho
numa arena aparentemente vazia. A aos mais jovens e inexperientes (costu-
destruição dos apoios institucionais ao mava ir de pouco antes dos 30 anos até
trabalho, assegurados pelo estado de aproximadamente os 55; atualmente,
Richard Sennett 25

vai do início dos 20 ao início dos 40), vidas porque se julgam senhoras de seu
ainda que os adultos estejam vivendo próprio destino. Mas quando a cultura
mais e com maior vigor. Estudos sobre ética da modernidade, com seus códigos
trabalhadores de meia-idade demitidos de responsabilidade pessoal e propósitos
mostram que eles ficam ao mesmo de vida, é aplicada a uma sociedade sem
tempo obcecados e confusos com as abrigos institucionais, aparece não o or-
desvantagens da idade. Em vez de se gulho de si, mas uma dialética do fracasso
considerarem gastos e velhos, sentem em meio ao crescimento. O crescimento
que sabem o que fazer, são mais orga- na nova economia depende de enxugar
nizados e determinados que os mais o tamanho das empresas, de eliminar as
jovens, mas se culpam por não terem garantias burocráticas, de lucrar com o
dado os passos certos no passado, por fluxo e as extensões das redes econômi-
não se terem preparado. Suas histórias cas. As pessoas passam a ver tais desloca-
de trabalho são lembranças pesadas mentos como sua própria falta de direção.
como o fardo de Senancour. A ética da responsabilidade torna-se, iro-
nica e terrivelmente, um parâmetro subje-
Esse legado de responsabilidade tivo para medir o fracasso de alguém em
pessoal desvia a ira das instituições eco- ser coerente.
nômicas. A retórica da administração
moderna tenta disfarçar o poder na nova Eis por que eu gostaria de ver novas
economia fazendo o trabalhador acre- discussões sobre democracia social am-
ditar que é um agente que se autodirige; pliadas para além do quadro de refe-
como os autores de Reengenharia da rência da autogestão trabalhadora ou da
Empresa declaram, nas instituições participação coletiva. Temos que pensar
emergentes “administradores param de a social-democracia em termos desse le-
agir como supervisores e comportam- gado de subjetividade, no qual o tempo
se mais como treinadores”. Não é a falsa é profundamente pessoal, no qual a
consciência que torna tais afirmações autogestão do tempo durável torna-se
dignas de crédito para os que tendem a uma ética de responsabilidade. Essa
sofrer com isso; é antes um senso distor- subjetividade coexiste agora com práti-
cido da atividade moral. cas capitalistas de metamorfose e rup-
tura, como um terrível dueto – ou, se
Em seu Sobre a Dignidade do Homem quisermos, dialética – de continuidade
(1965), o filósofo da Renascença Pico e mudança.
della Mirandola declarou que “o homem
é um animal de natureza diversa, multi- Enquanto ouvia tal dueto, imaginei
forme e destrutível”; nessa condição flexí- se sua força poderia ser enfraquecida
vel, “é dado a ele ter com que escolher e pelo favorecimento da voz subjetiva; isto
ser o que quer”. O homem é seu próprio é, aliviando o fardo da auto-responsa-
empreendedor; o mestre de suas obras é bilidade e do tempo que as pessoas car-
seu autovalor. Na modernidade, as pes- regam na modernidade. E essa reflexão
soas assumem responsabilidade por suas me remete de volta à questão do lugar.
26 O Novo Capitalismo

L ug a r Grã-Bretanha trabalhando para o prínci-


pe de Gales para reproduzir a arquitetura
A cidade é a casa da democracia, de- inglesa “nativa” e na obra de renovação
clarou Hannah Arendt, que a imagina- da vizinhança no continente realizada por
va um lugar adequado à formação de Leon Krier. Todos esses fazedores de
lealdades e responsabilidades, livre dos lugar são artistas da claustrofobia, cujos
fardos da circunstância material e de sua ícones, porém, prometem estabilidade,
interpretação subjetiva. Porém, as cida- longevidade e segurança.
des que conhecemos, inclusive as me-
nores, têm muito pouca relação com Ao invés disso, precisamos de um
esse lugar ideal. Valorizados apenas tipo diferente de urbanismo, um urba-
como refúgios do deslocamento, os lu- nismo sintonizado com os valores pú-
gares fortalecem a voz cultural, subje- blicos e que evite fazer lugares nesses
tiva, em busca da estabilidade e da termos conservadores. Nesse sentido,
duração. Estou convicto, embora não concordo com Jürgen Habermas que a
possa prová-lo com estatísticas, que na esfera pública e a esfera democrática
América a ascensão da direita religiosa têm que ser consideradas idênticas, ao
nos subúrbios – um movimento que se passo que na história passada das cida-
espalha rumo à cidade a partir de sua des elas certamente não o eram. Mas,
tradicional base nos vilarejos – tem re- dado o que agora está acontecendo na
lação com um sentimento crescente de economia, uma cidade pública e demo-
fortunas econômicas ameaçadas. O crática tem que tomar forma através de
mesmo ocorre com nossa ênfase em três princípios concretos.
“valores familiares” numa época em que
muito poucas famílias podem assegurar Primeiro, tem que se afirmar fisica-
a tradição de uma só pessoa, homem, mente como uma forma política. As em-
sustentando a casa. presas modernas gostam de se apresentar
como se estivessem livres dos poderes
Em termos de urbano moderno, es- locais: uma fábrica no México, um escritó-
tamos vendo em muitas sociedades rio em Bombaim, um centro de mídia na
avançadas o surgimento de projetos de parte baixa de Manhattan, aparecem
construção que são exercícios de afasta- como meros nós de uma rede global.
mento de um mundo complexo, espa- Hoje, as localidades temem que, se exer-
lhando conscientemente uma arquitetura cerem a soberania, como quando um ne-
“tradicional” que remete a uma coerência gócio é taxado ou regulado localmente,
comunal mítica e a uma identidade parti- a empresa poderá facilmente encontrar
lhada no passado. Esses confortos de um outro nó, uma fábrica no Canadá se
uma era supostamente mais simples apa- não puder ser no México, um escritório
recem nos desenvolvimentos habitacio- em Boston se não for em Manhattan.
nais da Nova Inglaterra projetados pelos
planejadores Elizabeth Platter-Zyberg e Porém, já estamos vendo os sinais
Andreas Duwany, entre os arquitetos na de que a economia não é tão localmente
Richard Sennett 27

indiferente como tem sido presumido; funções coincidam em parte e interajam


pode-se comprar qualquer mercadoria em centros geográficos: planejadores em
que se queira em Dubuque, Iowa, mas Los Angeles estão procurando formas de
não se pode fazer um mercado nos cam- colocar clínicas, escritórios governa-
pos de milho; as torres de marfim de mentais e centros de terceira idade em
Harvard podem fornecer abundância de shopping malls antes devotados apenas
talento intelectual bruto, mas carecem a atividades de consumo; planejadores
da loucura, da confusão e da surpresa na Alemanha estão similarmente estu-
que fazem de Manhattan um lugar esti- dando de que modo zonas de pedestres,
mulante, ainda que desagradável para nos centros das cidades, podem se tornar
trabalhar. Do mesmo modo, no sudeste áreas de indústrias leves.
asiático, está ficando claro que as geo-
grafias sociais e culturais locais de fato Em honra de Arendt, muitos desses
contam muito em decisões de investi- planejadores chamam-se de membros
mento. Isso equivale a dizer que as co- de um movimento da “nova Ágora”. No
munidades realmente podem desafiar a caso dos planejadores da margem ativa,
nova economia ao invés de reagir defen- a crença que os anima é a de que quanto
sivamente a ela. Formulado de modo mais as pessoas interagem, mais se
simples, o lugar tem poder. envolvem com quem delas diferem; no
caso dos planejadores das zonas cen-
Segundo, um sentido moderno de trais, a crença é de que o valor do lugar
lugar tem que ser internamente estrutu- aumentará quando for mais do que
rado por uma geografia de limites locais, valor comercial. Tal planejamento é de-
e não de fronteiras internacionais. Uma mocrático na acepção que eu atribuo à
comunidade democrática não é apenas palavra democrático; a Ágora tem uma
diversa; as diversidades precisam ter um forma definida e essa forma visa aumen-
ponto de encontro físico, precisam crescer tar mais a complexidade do que a clare-
umas com as outras. O planejamento, es- za de propósito ou a hegemonia do uso.
pecialmente nos ambientes de grande
escala, pode abrir os grupos uns para os Terceiro, uma cidade pública, demo-
outros ao centrar-se nos limites geográfi- crática, tem que se ater às subjetivida-
cos de subcomunidades locais como des do trabalho que mencionei. Pode
zonas ativas. Por exemplo, planejadores fazê-lo criando esferas de impessoalida-
de “margens ativas” hoje procuram dire- de, lugares onde as pessoas possam re-
cionar novas construções para longe dos lacionar-se entre si positivamente como
centros locais e rumo a fronteiras que se- estranhas. Essa pode parecer uma pro-
param as comunidades: como em alguns posição abstrata ou fria, mas experimen-
experimentos em East London, a meta é tamos vividamente essa situação sempre
tornar a margem uma zona febril de in- que mergulhamos numa rua apinhada.
teração e troca entre diferentes grupos.
Uma outra estratégia é diversificar os es- Um clichê vetusto considera multi-
paços centrais, de modo que diferentes dões impessoais como um mal; ao longo
28 O Novo Capitalismo

de toda a história da cidade, as pessoas Os planejadores modernos são


têm usado seus pés para desacreditá-lo. maus, observou justamente o arquiteto
E um grande tema da literatura da cul- Rem Koolhas, ao trabalhar em grande
tura urbana moderna – de Baudelaire a escala. Nosso urbanismo foi enfeitiçado
Aragon, Benjamin e Jane Jacobs – pelo desejo de intimidade, como se so-
encontra na multidão um antídoto pe- mente o pequeno e o gemeinschaftlich
culiar ao individualismo com todos os fosse humano. Além do mais, há muitas
seus fardos, um alívio para uma exis- questões técnicas de projeto urbano
tência menos personalizada. Quando se envolvidas – com as quais não amolarei
mudou para Washington Square, em a paciência do leitor – sobre como fazer,
1906, começando um caso com uma a partir de espaços grandes e impes-
outra mulher, Willa Cather declarou: soais, assim como de margens vivas ou
“Finalmente posso respirar”. Ela preten- de espaços de funções mistas, locais du-
dia dizer que sua vida erótica deixara ráveis. Quero somente enfatizar que a
de determinar os termos de sua existên- libertação do eu a ser encontrada em
cia social – pelo menos no lugar denso ruas cheias, pubs mistos, playgrounds e
e impessoal para o qual se mudara. A mercados não pode ser tratada como
impessoalidade faz mais do que abrigar desprovida de conseqüências. Tais for-
forasteiros ou membros de subculturas; mas densas de sociedade civil afetam o
oferece a possibilidade do que Stuart modo como as pessoas pensam em si
Hall chama “hibridez”, uma mistura de mesmas como cidadãs; como Henri
elementos sociais para além de qualquer Lefebvre formulou, sentir “direito à ci-
definição única do eu. dade” ajuda as pessoas a sentirem-se
autorizadas a outros direitos, direitos não
A liberação impessoal tem um valor baseados em danos pessoais ou na viti-
particular em termos de classe social e mização.
fortuna material. Vários estudos sobre
áreas de mistura de classes em grandes Uma comunidade democrática como
cidades como Nova York e Londres pro- eu a compreendo alivia as pessoas de
duzem um retrato interessante: a intimi- certos fardos de identidade que são ine-
dade com a vizinhança é fraca, mas a rentes à classe e também da identificação
identificação com ela é forte: os pobres e da representação de suas próprias cir-
são aliviados do estigma social; os mais cunstâncias materiais. A impessoalidade
ricos – ao contrário do senso comum, o da cidadania me parece uma forte liber-
mais falível de todos os guias – consi- tação do dano psicológico que as pessoas
deram a vida cotidiana numa vizinhança experimentam na economia, libertação
diversificada mais estimulante do que mais forte do que a consciência de classe.
em lugares que servem como espelhos Evidentemente ninguém poderia argu-
privados. Esses estudos exemplificam a mentar que uma vida urbana demo-
proposição sociológica apresentada por crática extinguirá a realidade ou os
Durkheim de que a impessoalidade e a sentimentos despertados pelo fracasso
igualdade têm uma forte afinidade. econômico. Mas a “extinção”, assim
Richard Sennett 29

como a “ruptura”, pertencem à esfera do de um modelo de crescimento que ajude


crescimento vislumbrado através da me- as pessoas a transcender o eu como um
tamorfose. Imagino um tipo de consciên- fardo a carregar. A produção de lugares
cia concorrente, na qual um trabalhador com base na exclusão, na semelhança
de meia-idade tido como velho também ou na nostalgia, é um remédio social-
possa pensar em si mesmo de modo intei- mente venenoso e psicologicamente
ramente diferente, em virtude de onde inócuo; um eu sobrecarregado com suas
viva; essa duplicidade do eu me parece deficiências não pode desfazer-se da-
mais exeqüível do que o esforço para re- quele fardo simplesmente recolhendo-
nascer, como numa metamorfose. se à fantasia. A produção de lugares
baseada em contatos humanos mais
Para concluir: se procuramos demo- diversos, mais densos e impessoais deve
cracia em locais de trabalho ou nas cida- encontrar um modo para que esses
des, precisamos nos referir à cultura do contatos persistam; a Ágora tem que se
novo capitalismo. A economia não “de- mostrar uma instituição durável – eis o
senvolve” aptidões pessoais e propósitos desafio com que os urbanistas com os
duráveis, nem confiança social, lealdade quais me identifico devem se confrontar.
e comprometimento. No entanto, a prá-
tica econômica tem se combinado com Baudelaire definiu a modernidade
uma ética cultural durável, de modo que como a experiência do transitório e do
a desproteção institucional coexiste com fragmentado. Aceitar a vida nessas peças
a vontade de assumir responsabilidades disjuntas é uma experiência adulta de li-
pela vida pessoal. As formas políticas berdade, mas essas peças devem se fixar
que precisamos inventar devem ajudar e encaixar em algum lugar, num lugar
as pessoas a transcender ambos os ele- onde elas possam crescer e perdurar.
mentos dessa combinação: precisamos
30 O Novo Capitalismo

Referências bibliográficas

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Artigos
La Liberalización del Mercado de
Suelo en España: reforma de la
legislación urbanística de 1998

Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns

Introducción
En España se ha abordado recientemen- liberal, que desde 1996 ha recuperado
te un intenso debate acerca de la conve- el gobierno tras casi 15 años de oposi-
niencia de proceder a la liberalización ción, como por sectores de la izquierda. 1
del mercado del suelo. La existencia,
desde 1956, de un estatuto jurídico del El origen del actual debate debe
suelo caracterizado por un acusado situarse, en su contexto actual 2 , en el
intervencionismo público ha sido fuerte- diagnóstico que, de forma insospe-
mente criticado tanto por la derecha chada, realizó el Tribunal de Defensa de

1
Así, por ejemplo, el ex-ministro socialista Carlos Solchaga, el todopoderoso director de polí-
tica económica de finales de los 80' y primeros de los 90', ha sido un acérrimo partidario de
la liberalización (Solchaga 1993). En el mismo sentido Solbes, ministro de economía del
último gobierno socialista de Felipe González, se ha mostrado claramente partidario de pro-
ceder a «desamortizar» el suelo de sus vínculos administrativos, e introducirlo plenamente en
el circuito del mercado.
2
El debate sobre la liberalización del mercado inmobiliario tiene una amplia tradición en España.
Se inició en 1860 con la discusión sobre los elevados alquileres existentes en los cascos históri-
cos (amurallados, es decir, cerrados al exterior) y la política de demolición de las murallas y
ensanche de las poblaciones; siguió en 1920, mediante la discusión de proceder o no a la
intervención administrativa de los alquileres. Continuó en la post guerra civil mediante la pro-
posición por los propietarios de una amplia desregularización en la aplicación de las ordenan-
zas de edificación; y llegó a su paroxismo en el momento de aprobación de las leyes del suelo
de 1956 y 1975-76.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 2, 1998, p. 33-59


34 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

la Competencia 3 en un conocido infor- siones a la autoridad urbanística. La


me publicado en 1993: ley pretende acabar con la voracidad
de los propietarios que están intere-
“Que el uso del suelo debe estar in- sados sólo en el lucro y pasa la deci-
tervenido por los poderes públicos sión a las autoridades que son las
es algo que nadie niega, y así suce- que buscan el interés público. Este
de en todos los países. El problema es el eje principal de una legislación
en España es un problema de la for- que no ha cambiado en lo funda-
ma de intervención. El problema en mental desde 1956, ya que las re-
España es que, en vez de fijar unas formas de 1975 y de 1990 están
reglas generales de defensa de los planteadas sobre la misma filosofía.
intereses públicos, la autoridad urba-
nística va decidiendo todo hasta el El problema de esta normativa es el
extremo de poder determinar con el abismo que se produce entre unas
máximo detalle el uso de cada espa- buenas intenciones y unos resul-
cio. tados no tan buenos. A la vista está
como se han cumplido los objetivos
Al impedir a los propietarios decidir pretendidos a lo largo de los más de
el uso del espacio, se segmenta el 35 años de aplicación de estas leyes.
mercado de suelo, de tal forma que La destrucción de la costa y de mu-
los distintos usos no compiten por chas ciudades ha sido una caracte-
la utilización del suelo. Esta falta de rística en España desde el año 1956.
competencia entre usos alternativos
genera una mala asignación de re- Se suponía que una vez suprimida
cursos y da lugar a la aparición de la libertad se iba a crear el orden,
rentas monopólicas (...) La especial pero lo que se ha creado es el caos.”
normativa española que se carac-
teriza por un intervencionismo extre- La denuncia del Tribunal de Defen-
mo arranca en 1956 4 . Esa ley deja sa de la Competencia condujo, los años
sin capacidad de acción al pro- 94-95 a un fuerte debate 5 , el cual con-
pietario y traslada todas las deci- cluyó, una vez la derecha en el poder, a

3
Organismo gubernamental creado para combatir a los monopolios y fomentar la libertad de
m er ca do .
4
En 1956 se aprobó la primera Ley del Suelo española. Posteriormente dicha legislación fue
reformada en 1975, 1990 y 1998.
5
Aún bajo gobierno socialista, los años 94 y 95, se constituyó una Comisión de Expertos, la
cual, tras un amplio y duro debate, dictamen que debía procederse a la revisión de la legislación
urbanística. Para la mayoría de la Comisión, no obstante, era absolutamente necesario
mantener los elementos básicos ordenadores del urbanismo, tal como se habían diseñado
desde 1956, y desarrollado en 1975 y 1990. La caída del Gobierno de Felipe González
impidió el desarrollo de tal revisión legislativa. Para más detalles véase: C OMISIÓN DE E XPERTOS
SOBRE U RBANISMO (1994): Informe sobre suelo y Urbanismo, Ministerio de Obras Públicas,
Transporte y Medio Ambiente, Madrid, 1994.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 35

la nueva legislación en materia de suelo suelo con el objetivo declarado, por


acordada en abril de 1998 6 . Dicha ley medio del instrumento de aumentar la
pretende: oferta del mismo, de reducir el precio
de la vivienda. La solución del resto de
“(...) facilitar el aumento de la oferta desexternalidades (crecimiento difuso,
de suelo, a cuyos efectos considera desarrollo desordenado, despilfarro en
susceptible de ser urbanizado todo las infraestructuras, etc.), que probable-
el suelo que todavía no ha sido in- mente se deducirían de un urbanismo
corporado al proceso urbano, en el donde el plan no tenga un rol significado
que no concurran razones objetivas se pretenden dejar al funcionamiento del
determinantes de su preservación mercado 8 : La libre competencia por si
(...). Hay que tener presente, asi- sola se encargará de regular esas disfun-
mismo, que la reforma del mercado ciones, tendiendo en última instancia a
del suelo en el sentido de una mayor asignar los recursos de la forma más efi-
liberalización que incremente su cazmente posible.
oferta forma parte de la necesaria
reforma estructural de la economía
española (...). Esta es la idea gene- El presente artículo pretende discutir
ral de la que la ley parte con el las tesis citadas. Muy particularmente
propósito de no introducir, desde la busca analizar críticamente la concep-
definición del estatuto jurídico bási- ción de si aumentando la oferta po-
co de la propiedad del suelo, rigide- tencial de suelo urbanizable se puede
ces innecesarias (...)” 7 . producir realmente el efecto buscado de
normalizar el mercado, adecuar la oferta
y la demanda, y por tanto reducir los
Se ha consumado, por tanto, el trán- precios de la vivienda y, en general, de
sito hacia una mayor liberalización del los inmuebles.

6
Ley 6/1998, de 13 de abril de 1998, sobre Régimen de Suelo y Valoraciones.
7
Ley 6/1998, Exposición de Motivos.
8
En realidad los impulsores de la plena liberalización no han tenido la fuerza suficiente para
imponer un modelo urbanístico plenamente desregularizado. La ley 6/98 es, por tanto, un
compromiso entre las tesis liberalizadoras y la cultura urbanística mayoritaria donde el plan
aún representa el instrumento fundamental de ordenación urbana.
36 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

El estatuto jurídico de la propiedad del suelo


configurado por la legislación urbanística

En España, y desde 1956, el derecho a En este nuevo estatuto del derecho de


edificar 9 (jus aedificandi) se ha escindido propiedad que se implantó en 1956, juega
del derecho de propiedad. La concep- un papel determinante la clasificación del
ción liberal de propiedad inmobiliaria, suelo. Los planes urbanísticos delimitan
construida a lo largo del s. XIX, ha dado el suelo urbano (fácticamente consolidado
paso a la concepción social de propie- por la urbanización y edificación), el urba-
dad, implantada en las leyes urbanísticas nizable (suelo que el planeamiento con-
del 56 y 76 y ratificada por la Constitu- sidera apto para ser desarrollado en un
ción de 1978 10 . En este nuevo contexto futuro) y el no urbanizable (el resto del
la propiedad del suelo no posee ya de territorio, que por sus características am-
forma intrínseca la facultad de promover bientales, económicas o naturales, o por
su desarrollo urbano y edificación. Dicha no ser necesario para el desarrollo urbano,
capacidad de delimitación del derecho se excluye de la urbanización).
a urbanizar y edificar viene detentada
por los poderes públicos, los cuales, por A su vez la clasificación del suelo
medio de la acción planificadora deter- establece el estatuto jurídico de la pro-
minan qué suelos pueden soportar el piedad inmobiliaria: el régimen de dere-
proceso urbanizador y edificatorio, en chos y deberes. La clasificación modula
relación al resto del territorio que no se la función social de la propiedad para
considera apto para albergar el desa- cada tipo de suelo, estableciendo los de-
rrollo de la urbanización. beres urbanísticos 11 ínsitos a la misma,

9
Dicho “derecho de edificar” se ha de entender en sentido urbano, es decir como “derecho al
desarrollo urbanístico y edificación del suelo”. La facultad de edificar construcciones relacio-
nadas con el aprovechamiento rústico del suelo siempre ha permanecido en el derecho de
propiedad.
10
El artículo 33 de la Constitución establece la función social de la propiedad. Por su parte el
artículo 47 de la CE añade: “Todos los españoles tienen derecho a una vivienda digna y
adecuada. Los poderes públicos promoverán las condiciones necesarias y establecerán las
normas pertinentes por tal de hacer efectivo este derecho, y regularán la utilización del suelo
de acuerdo con el interés general por tal de impedir la especulación. La comunidad participa-
rá de las plusvalías que genera la acción urbanística de los entes públicos”.
11
A grandes rasgos estos deberes son: a) urbanizar y edificar en los plazos que el planeamiento
establezca, b) pagar la urbanización, c) ceder gratuitamente a la Administración los terrenos
destinados a viales, zonas verdes y equipamientos, e) Ceder a la colectividad el porcentaje
(actualmente un 10%) del aprovechamiento lucrativo que corresponda; d) distribuir
equitativamente entre los propietarios afectados los beneficios y los costes de la ordenación.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 37

de forma tal que no es posible materia- La ley del 90-92 introdujo una com-
lizar los derechos si no es mediante el partimentación del, hasta entonces uni-
previo o simultáneo cumplimiento de los tario, derecho al desarrollo urbano y a
deberes. la edificación: a) el derecho a urbanizar
(cuando los terrenos son rústicos y el
Se entiende así el significado pro- planeamiento los ha incluido en zonas
fundo del cambio experimentado desde urbanizables) 14 , b) el derecho al apro-
1956. La publificación del urbanismo vechamiento (una vez consumado el
realizada desde entonces no ha represen- proceso urbanizador), c) el derecho a
tado la extracción del derecho de urba- edificar (una vez obtenido el correspon-
nizar y edificar del derecho de propiedad, diente permiso de construcción), y d) el
para su socialización o nacionalización 12 , derecho a la edificación (cuando se haya
sino la delimitación exterior, desde los edificado de acuerdo con el plan y la
poderes públicos, de las facultades licencia de la edificación). Dichas facul-
urbanísticas del derecho de propiedad 13 , tades urbanísticas tan sólo pueden ma-
cuya patrimonialización efectiva, eso si, terializarse previo cumplimiento de los
se ha condicionado al efectivo cumpli- correspondientes deberes 15 , con lo que
miento de los deberes urbanísticos. se lleva a sus últimas consecuencias el
criterio, inaugurado en 1956, de patri-
Esa concepción es la que fue llevada monialización progresiva de las facul-
a sus últimos extremos en la reforma de tades urbanísticas por el derecho de
1990, y el texto refundido de la Ley de propiedad. Proceso, que en la ley del
1992, cuando se modificó el estatuto 90-92 no era unidireccional e irreversi-
jurídico del derecho de propiedad en el ble, sino que, en caso de incumplimien-
sentido de reforzar el proceso dinámico to por parte de los propietarios, deba
de patrimonialización de las facultades lugar a retrocesos en la “escalera de la
urbanísticas. patrimonialización”: en caso de incum-

12
Ese fue el objetivo de las leyes inglesas de 1947 y 1975: la plena publificación del derecho de
desarrollo urbano (“development right”).
13
Esa concepción queda expresada de forma inequívocamente clara en el art..76 de la LS 76
(actual art. 2 de la LS 98): “Las facultades urbanísticas de derecho de la propiedad se ejercerán
dentro de los límites y con el cumplimiento de los deberes establecidos en las leyes o, en
virtud de ellas, por el planeamiento con arreglo a la clasificación urbanística de los predios.”
14
Paralelamente puede hablarse de un “derecho a reurbanizar” en suelo urbano incluido en
operaciones de re-desarrollo, o reforma interior.
15
Sólo el “derecho a urbanizar” se alcanza mediante la acción pasiva del propietario: es la
aprobación del planeamiento (a la escala adecuada) el que confiere tal facultad a los titulares
del suelo. La obtención del derecho al aprovechamiento viene condicionada al cumplimiento
de los deberes de urbanización, equidistribución y cesión. Por su parte el derecho a edificar
viene precedido por el cumplimiento del deber de solicitar permiso de construcción en el
plazo fijado por el plan. Finalmente el derecho a la edificación viene condicionado al deber
de edificar según la licencia autorizada.
38 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

plimiento por los propietarios de sus es posible iniciar el proceso de urbani-


deberes urbanísticos no sólo no podían zación. El planeamiento establece, por
aquéllos acceder a las facultades urba- tanto, el régimen de uso y edificación
nísticas posteriores, sino que podían de todas las parcelas urbanas, sin otra
verse sometidos a un proceso de reduc- libertad para el titular del suelo que el
ción, o extinción incluso, de derechos, propio margen de flexibilidad que el plan
así como a su correspondiente expropia- se haya otorgado en la determinación
ción-sanción. de tales parámetros 17 .

A su vez el régimen jurídico del urba- En cuanto al proceso urbanizador


nismo vigente desde 1956 se completa dos son los elementos clave de su regu-
con otros dos rasgos esenciales: lación. Por una parte el reconocimiento
explícito de la no independencia de la
a) La concreción por el planeamiento acción urbanizadora respecto al planea-
urbanístico de los usos y edificabili- miento; esto es, la urbanización tan sólo
dades de cada espacio urbano. es admisible si se realiza en desarrollo
de las determinaciones del plan urbanís-
b) La atribución a la Administración tico. No son legalizables, “a posteriori”,
pública de la dirección del proceso actuaciones de urbanización del suelo
urbanizador. no amparadas por el plan. Y por otra
parte, que la dirección y responsabilidad
En relación el primero de ellos, la del proceso de gestión de suelo corres-
legislación urbanística ha atribuido al ponde a la Administración; la urbaniza-
planeamiento (general o parcial 16 ) la ción es una función pública. Lo que no
competencia exclusiva para poder deter- significa que la Administración deba en
minar los aprovechamientos del suelo, todo caso proceder directamente a la
es decir sus usos y edificabilidades. Sólo transformación del suelo 18 , sino que en
una vez acabado el proceso de ordena- la mayor parte de supuestos delega en
ción a la escala más detallada (plan par- los propietarios (siempre bajo su tutela
cial en suelo urbanizable; plan general y dirección) la gestión del proceso urba-
o de reforma interior en suelo urbano) nizador.

16
La legislación urbanística española ha desarrollado plenamente el conocido paradigma de la
dualidad de escalas en la ordenación urbanística: el plan general es un plan-estructura que
indica las grandes directrices del desarrollo; por su parte el plan parcial (o el propio plan
general en suelo urbano) es un plan de detalle, arquitectónico, que completa la ordenación.
17
A dichos efectos cabe decir que el plan puede atribuir de forma muy rígida usos y
edificabilidades, o puede establecer amplias compatibilidades de uso e incluso intensidad de
edificación de suelo; es decir puede ordenar de forma flexible el territorio. Nada en la ley
urbanística predetermina el tipo de planeamiento y zonificación urbanística a realizar.
18
Ello es así, tan sólo, cuando se aplica el sistema de expropiación. En el resto de casos (siste-
mas de compensación y cooperación) la Administración delega en los propietarios la
competencia de garantizar el proceso urbanizador.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 39

El sistema implantado desde 1956 pecífica: la propiedad empresa. Y todo


convierte a los propietarios en urbani- ello con relación a un asunto, o compe-
zadores y promotores forzosos, al depo- tencia fundamentalmente pública: ga-
sitar en ellos, y solamente en ellos, la rantizar la transformación del suelo de
responsabilidad del proceso urbanizador acuerdo con la ordenación urbanística
y edificatorio. La función social de la establecida en el planeamiento 19 .
propiedad adquiere, sí, una forma es-

Principales cambios introducidos por la


Ley del Suelo de 1998 (LS 98)

¿Qué cambios ha introducido la nueva Según el TC el urbanismo es mate-


ley del Suelo en relación al panorama ria de competencia autonómica. El Es-
descrito?. En líneas generales cabe indi- tado no puede condicionar los modelos
car la relativa incapacidad de la nueva urbanísticos implantados por las CCAA
ley de operar un cambio radical en el (y los municipios, a través de los planes
sistema legal urbanístico. El reparto de de ordenación) sino tan sólo:
competencias entre el Estado central y
las Comunidades Autónomas (CCAA), a) Establecer el estatuto básico del
producido en la Constitución de 1978, derecho de propiedad a fin de garan-
otorga la titularidad del urbanismo a las tizar la igualdad de todos los españo-
autonomías, lo que incapacita de entra- les en el ejercicio de los derechos.
da una amplia capacidad de acción al b) Establecer el régimen de valoracio-
Estado central en sus iniciativas legisla- nes, a fin de asegurar una cuantifi-
tivas. cación económica homogénea del
derecho de propiedad a lo largo del
La sentencia del Tribunal Consti- territorio nacional.
tucional (TC) de abril de 1997 20, que
declaró inconstitucional una parte sus- Prácticamente 21 “todo lo otro” co-
tancial de la LS 92, ha aclarado el pa- rresponde a competencias de carácter
norama competencial entre el Estado y autonómico, en relación a las cuales el
las CCAA, dejando un muy pequeño Estado central carece de capacidad de
margen de maniobra al primero para acción, ni siquiera de “coordinación” o
intervenir en materia urbanística. de “homogeneización”.

19
Para un análisis en profundidad de esta cuestión véase G ARCIA B ELLIDO , J. (1993): “La libera-
lización efectiva del mercado de suelo. Escisión del derecho de propiedad inmobiliaria en una
sociedad avanzada”. Ciudad y Territorio, nº 95-96, 1993.
20
Sentencia de 20 de marzo de 1997 del Tribunal Constitucional sobre la ley del suelo de 1992.
21
Permanecen entre las competencias del Estado el dictar normas generales en el campo de la
expropiación forzosa, derecho civil y otros aspectos de menor trascendencia.
40 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

No es extraño, por tanto, que la libe- dos para el desarrollo urbano” 22. Es
ralización del mercado de suelo pro- decir, y en última instancia, el suelo no
movida por la LS 98 haya tenido que urbanizable ha pasado a tener un carác-
limitarse a aspectos concretos, de li- ter reglado. Se trata del suelo que por
mitada trascendencia. La principal de sus específicos valores no debe ser urba-
dichas innovaciones es, sin duda, un nizado. Queda excluida, por tanto, la
nuevo modelo de clasificación del suelo visión tradicional que en España se tenía
sobre el que descansa una nueva defi- del no urbanizable como aquel suelo
nición del derecho de propiedad. que no debía ser urbanizado no sólo por
sus activos rurales específicos, sino tam-
La principal novedad radica en una bién porque no era necesario para el de-
redefinición de los suelos urbanizable y sarrollo urbano.
no urbanizable, que pretende incidir en
un incremento de la oferta de suelo en Dicha concepción del suelo no ur-
disposición a ser urbanizado, y, por lo banizable, implica, y esto es lo que aquí
tanto, en una presumible desrigidización es más relevante, una nueva definición
del mercado, cuyo efecto principal de- del suelo urbanizable. Según la nueva
bería ser la reducción de los precios del ley todo el territorio que no deba ser
suelo. La pieza clave de esta reforma específicamente preservado (“suelo no
consiste, paradójicamente, en la nueva urbanizable”) puede potencialmente ser
concepción del suelo no urbanizable, el desarrollado por la urbanización 23. El
cual ya no se define residualmente (“el suelo urbanizable se define, por tanto,
resto del territorio no incluido en suelo como una negación de la negación: es
urbano y urbanizable”, es decir no nece- urbanizable aquel que no es “no urba-
sario para el desarrollo urbano), sino de nizable”. El suelo virtualmente transfor-
forma positiva: el suelo no urbanizable mable por la urbanización adquiere, así,
es aquel que el planeamiento debe ex- pleno carácter residual.
cluir de la urbanización por sus elevados
valores agrarios, forestales, cinegéticos, Se pretende, con ello, ampliar de
arqueológicos, científicos, culturales, forma exponencial la oferta de suelo
paisajísticos o medioambientales, o bien disponible. Si un promotor no puede
“aquellos otros que considere inadecua- (porque el propietario lo impida) urba-

22
Art. 9 de la LS 98. Cabe indicar aquí como la redacción de este art. 9 ha variado a lo largo de
la tramitación parlamentaria de la ley. En una primera instancia se definía el suelo no
urbanizable únicamente como aquél que poseía unos valores específicamente rurales que
debían ser preservados. Posteriormente se introdujo la referencia a «aquellos otros» (valores)
que desaconsejaban la urbanización siempre que fueran «justificadamente» razonados por el
plan de ordenación. Finalmente la ley eliminó la necesidad de justificación expresa por el
plan, lo que ha conducido a algunos autores a pensar que en realidad el suelo no urbanizable
regulado por la LS 98 es de carácter discrecional, no reglado, y que por tanto permite un
amplio margen de acción a las Administraciones urbanísticas.
23
Artículo 10 de la LS 98.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 41

nizar un suelo inmediato al continuo empresa, concebida desde 1956. Es la


urbano, siempre podrá hacerlo en otro propiedad privada del suelo la verda-
lugar más alejado, dado el carácter vir- dera protagonista del proceso de desa-
tualmente urbanizable de todo el terri- rrollo urbano. Llamando la atención en
torio. este contexto, la débil consideración que
el legislador ha tenido hacia otras formas
Las rigideces resultantes de la clasi- igualmente posibles de potenciación de
ficación del suelo anterior deberían, por la iniciativa privada 25, como por ejemplo
tanto, ser corregidas. El mercado debería la inducida por la CCAA del País Valen-
fluir por cauces más ágiles y flexibles, ciano que ha depositado la confianza
provocando la incorporación de más en la acción promotora y no en la pro-
suelo en oferta, y reducirse así el precio piedad privada del suelo 26 .
de este activo, así como su repercusión
en el precio final de la vivienda y, en La ley, en este sentido, no es conse-
general, del producto edificado. Alcanzar cuente con sus objetivos proclamados
una vivienda plenamente asequible se de plena liberalización del mercado del
dibuja, así, como la justificación última suelo. Al otorgar un “numerus clausus”
de la reforma legal impulsada. en favor de los propietarios del suelo
excluye al resto de la iniciativa privada
Esta nueva concepción del suelo ur- (empresas promotoras y urbanizadoras)
banizable se apoya en un mayor prota- de la función de desarrollar urbanísti-
gonismo concedido por la Ley del 98 a camente el territorio, relegándola a un
la propiedad privada del suelo. Si bien la papel muy secundario. La ley, por
Ley no rompe con la tradición de que la tanto, consolida (paradójicamente) un
dirección del proceso urbanizador debe monopolio, a pesar de sus intenciones
recaer en la Administración pública, re- liberalizadoras: el monopolio de los
caba en la mayor medida posible la cola- propietarios en la apropiación de los
boración de la propiedad privada 24. aprovechamientos urbanísticos que la
comunidad ha creado, así como la prio-
Se lleva, así, hasta sus últimas con- ridad de los mismos en el desarrollo de
secuencias la concepción de propiedad- la actividad urbanizadora.

24
La nueva ley, en su art.4, indica que “los propietarios deberán contribuir (...) a la acción
urbanística de los entes públicos”, los cuales “suscitarán en la medida más amplia posible, la
participación privada en la actuación urbanizadora”.
25
La LS 98 dedica tan sólo una única referencia al concurso de “otras iniciativas privadas”
distintas de la propiedad del suelo. Así el apartado 3º del referido art. 4º indica que “en
supuestos de actuación pública, la Administración actuante promoverá, en el marco de la
legislación urbanística, la participación de la iniciativa privada aunque esta no ostente la
propiedad del suelo”.
26
Ley valenciana de 15 de noviembre de 1994, Reguladora de la Actividad Urbanística.
42 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

Dicha afirmación plena del derecho La desaparición del SUNP y su sus-


de propiedad frente a las autoridades titución por el suelo urbanizable “no
públicas y los promotores privados se incluido en ámbitos” de desarrollo
manifiesta de forma meridianamente parcial 28 elimina esa definitiva publifi-
clara en la supresión del suelo urbani- cación del urbanismo establecida en
zable no programado (SUNP). En dicha 1976 y retorna a la propiedad privada
clase de suelo, creado por la Ley de el pleno control sobre el proceso urba-
1976, los propietarios no tenían dere- nizador y la apropiación del aprovecha-
cho alguno de primacía. En el suelo no miento urbanístico.
programado la Administración decidía
(mediante la aprobación del correspon- La apuesta de la ley por el mayor
diente Programa de Actuación) cuando protagonismo de la propiedad privada
se desarrollaría la urbanización, qué se completa con dos elementos más de
aprovechamientos urbanísticos (fijados enorme trascendencia. Por una parte
por el Programa, no por el Plan Gene- con una reducción significativa de los de-
ral) tendría, así cómo (mediante el con- beres urbanísticos relativos a la función
curso de capital de promoción, y no sólo social de la propiedad: la cesión de apro-
la propiedad privada del suelo) se pro- vechamiento urbanístico a favor de la
cedería a desarrollar el proceso urbani- administración pública pasa del 15% al
zador. 10% en suelo urbanizable, mientras que
en suelo urbano consolidado 29 los pro-
En SUNP la legislación urbanística pietarios ya no deberán ceder a favor
anterior a 1998 había producido una de la colectividad aprovechamiento nin-
plena publificación del derecho de de- guno. La LS 98 consuma, de esta ma-
sarrollo urbano, convirtiendo éste en un nera, una significativa privatización al
tipo de concesión administrativa en el poner en manos privadas una consi-
que los propietarios no detentaban ya derable porción del aprovechamiento
el monopolio en el uso y disfrute del urbanístico con el que anteriormente
aprovechamiento urbano 27 . contaban las Administraciones públicas

27
En este contexto es de indicar que en SUNP los deberes urbanísticos fijados por la ley para el
suelo urbanizable tenían un significado de estándar mínimo. Así, por ejemplo, la cesión de
aprovechamiento (un 10% en la LS 76, un 15% en la del 92) tenía un carácter de mínimo.
Igualmente la Administración podía fijar los precios de venta o alquiler, u otras condiciones
en el desarrollo de la urbanización.
28
Artículo 16.2 de la LS 98. El suelo urbanizable al que nos referimos es aquél que el plan
General no ha ordenado ni siquiera de forma global (asignando aprovechamientos concre-
tos) y en el cual no se han delimitado los ámbitos o sectores para su desarrollo ulterior
mediante planes parciales.
29
En suelo urbano “no consolidado por la urbanización” la cesión obligada y gratuita de
aprovechamiento se reduce del 15% al 10%. Se produce así una asimilación de los deberes
urbanísticos de este tipo de suelo en los relativos al del suelo urbanizable.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 43

para desarrollar sus políticas urbanísticas. La ley de 1998 impulsa, en suma,


Se pretende con ello moderar el precio un modo “sui generis” de liberalización
del suelo, y en consecuencia el de las vi- del mercado de suelo. Incapaz de que-
viendas, al reducir las cargas urbanísticas brar de forma radical el modelo urba-
que deben soportar los propietarios en nístico implantado en 1956, su mayor
el ejercicio de la acción urbanizadora. preocupación consiste en otorgar a la
propiedad del suelo un máximo prota-
Por otra, y este es probablemente el gonismo y capacidad de desarrollo eco-
eje central de la reforma legislativa em- nómico. “Protagonismo” al confirmar, y
prendida, se elimina el sistema gradual otorgar en exclusiva, a la propiedad
de patrimonialización de las facultades privada del suelo, el monopolio a la
urbanísticas del derecho de propiedad apropiación del aprovechamiento urba-
(la “escalera” de deberes/derechos: nístico generado por la colectividad a
derecho a urbanizar  deber de urba- través de sus órganos públicos, así como
nizar/ ceder y equidistribuir  derecho al darle prioridad en su papel de coadyu-
al aprovechamiento  deber de solicitar gar a la Administración en el proceso
licencia de edificación  derecho a edi- de urbanización. Para ello configura las
ficar  deber de edificar en un plazo  facultades urbanísticas del derecho de
derecho a disfrutar de la edificación), propiedad con un máximo de garantías,
instituido por la LS 92, y se retorna al es decir: otorgándole la más plena segu-
sistema tradicional (de las leyes del 56- ridad jurídica. «Capacidad de desarrollo
76) por el que el planeamiento otorga económico» al configurar la totalidad del
de forma directa “expectativas de dere- suelo (excepto el excluido por sus valo-
cho”, cuya plena materialización viene res excepcionales) como potencialmente
condicionada al cumplimiento de los urbanizable, y extender así la virtualidad
deberes urbanísticos. Con la LS 98 el del desarrollo urbano a todo el territorio.
derecho al desarrollo urbano ya no se
genera como consecuencia del cumpli- La ley apuesta, en definitiva, por
miento previo del conjunto de deberes los propietarios, los cuales tendrán un
urbanísticos que la ley establece, sino papel preponderante no sólo frente a la
como resultado directo y material del Administración, sino también ante los
planeamiento urbanístico aprobado 30 . promotores. Esta es la peculiar libe-
Una vez aprobado el plan, la propiedad ralización de suelo emprendida por la
del suelo adquiere plena autonomía y nueva ley urbanística española.
dominio del proceso urbano.

30
Con ello se modifica, correlativamente, el sistema de valoración el cual retorna al tradicional
procedimiento de evaluar “expectativas”, y no ”derechos adquiridos” (como hizo la LS 92).
44 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

La nueva política de suelo diseñada en la LS 98:


hacia la liberalización del mercado

Como se ha indicado, el objetivo cen- bana, redundando en la moderación


tral que ha guiado la reforma de la le- final de los precios. En este sentido
gislación urbanística en España se dirige los redactores y apologistas de la Ley
a reducir los precios del suelo, con la fi- entienden que mayores costos de
nalidad de permitir una vivienda más transacción implican precios del
asequible para amplias capas de la po- suelo (y por tanto de la vivienda)
blación. Para ello la Ley, dado el estre- más elevados; por lo que una signi-
cho margen competencial que el Estado ficativa reducción de las cargas
central tiene en materia urbanística, se urbanísticas debería tener como re-
apoya en dos tipos de instrumentos fun- sultado real una efectiva reducción
damentales: en el precio del suelo urbanizado.

a) Por una parte una nueva concep- La nueva legislación parte del diag-
ción del suelo urbanizable, según la nóstico de que no pueden ponerse ba-
cual la práctica totalidad del territo- rreras al suelo urbanizable. De hecho
rio (excepto las áreas que deban ser parece sustentar que la simple existencia
preservadas por sus valores intrín- de cualquier tipo de barrera ha de tener
secos, así como aquellas otras ma- un efecto nocivo en el mercado de suelo.
nifiestamente inadecuadas para el Para ello los exégetas de la nueva política
desarrollo urbano) podrá ser objeto han aducido argumentos que en prin-
de urbanización. Se pretende con cipio parecen ser difícilmente discutibles:
ello ampliar de forma exponencial el precio de la vivienda en España (don-
la oferta de suelo, lo que debido al de existe el efecto frontera, fruto de la
juego de la oferta y la demanda de- clasificación del suelo) es más elevado,
bería significar una reducción acu- a igual nivel de renta, que en el resto de
sada en el precio del suelo, y en Europa 31 (donde no existe, por lo gene-
consecuencia de la vivienda. ral, el efecto frontera). La existencia de
barrera, o si se quiere de raya divisoria
b) Por otra la reducción de las cesiones entre el suelo urbanizable y no urbani-
obligatorias y gratuitas de aprove- zable, genera, para estos autores, la
chamiento urbanístico a favor de la existencia de monopolios intrínsecos del
Administración habrían de implicar suelo clasificado, cuyos efectos no po-
una correlativa disminución de los drían ser sino negativos en la formación
costes de transacción. Costes que, de las rentas de la tierra. Como de forma
en última instancia, podrían dedu- gráfica ha puesto de relieve J.E. Soriano
cirse del proceso de promoción ur- ( 19 9 5) :

31
C OMISION DE E XPERTOS (1994): Op. Cit., volumen II.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 45

“(...) la especulación es un comporta- Es justamente pues la delimitación


miento consistente en apostar por cerrada y el ‘efecto frontera’ provo-
una ganancia futura en un proceso cados por la limitación de la oferta,
de incertidumbre del mercado. Vere- la que provoca el juego estratégico
mos que aquí (en España) se pro- de la especulación” 32 .
duce exactamente lo contrario.
Especula el que sabe, a través de
múltiples medios no siempre correc- En el mismo sentido L. Orgaz ha
tos, que la Administración calificará puesto de manifiesto:
un terreno de una determinada ma-
nera o el que lo retiene en una situa- “ Así la operación especulativa típica
ción dada. En todo caso, es obvio consistente en comprar terrenos al
que la especulación es una situación otro lado de la raya y en esperar su
estratégica que se da en situaciones reclasificación, no sería posible si no
de escasez de oferta. Así quienes existiera raya, o si esta estuviera defi-
provocan artificialmente la escasez nida a un nivel que no restringiera
son los que provocan a su vez esa la oferta. La retención de terrenos
especulación. El aumento de oferta urbanizables, a la espera que se
es, sin duda alguna, el mejor correc- hagan más céntricos y de una mayor
tivo de esta situación, haciendo poco renta de situación, siempre sería po-
remuneradoras las ofertas especula- sible pero se vería contrarrestada por
tivas y permitiendo la concurrencia la disponibilidad de terrenos menos
de diferentes ofertas. (...) El suelo, a céntricos pero más baratos (...) Una
diferencia de lo que ocurre en los mayor disponibilidad de suelo urba-
mercados puramente especulativos, nizado haría inviables o mucho más
no debería tener esta característica difíciles los comportamientos espe-
especulativa. Se conoce de antema- culativos o de retención de suelo,
no su extensión, salvo el factor de pues siempre existirían alternativas
incertidumbre creado precisamente de comprar y urbanizar sobre otros
por los procedimientos de califi- suelos. La sustituibilidad entre suelos
cación y de clasificación. Estos son y la competencia entre propietarios
justamente los únicos factores de in- a la hora de vender garantizarían
certidumbre. La extensión de suelo precios más bajos y harían poco re-
es a priori conocida, puesto que no muneradores los comportamientos
se puede aumentar artificialmente. estratégicos” 33 .

32
S ORIANO G ARCIA , J.E. (1995): Hacia la tercera desamortización (por la reforma de la Ley del
Suelo). Idelco, Madrid.
33
O RGAZ , L. (1995): “Algunas reflexiones críticas a las recomendaciones de la Comisión de
Expertos sobre Urbanismo”, Ciudad y Territorio, nº 103.
46 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

De forma económicamente más ri- en 1956. Frente a dicha política sólo


gurosa otros autores 34 han puesto de cabría la plena liberalización. Dicha
relieve como la existencia de barreras actuación sería la única que garantizaría,
restrictivas en la oferta determinan incre- gracias a las fuerzas del mercado, el ópti-
mentos en los precios del suelo, con su mo locacional, junto a un precio del
correspondiente consecuencia en los suelo más ajustado. Sería el único sis-
precios de la vivienda. La figura nº 1 tema que permitiría hacer realmente
refleja dicho análisis. En principio, si la asequible la vivienda al conjunto de la
oferta fuese del todo libre, no habría in- población.
conveniente en urbanizar zonas cada vez
más alejadas del centro de la ciudad, En esencia la concepción en que
hasta el punto que la renta del suelo en se basa la liberalización del mercado
su opción urbanizadora igualase la renta descansa, por tanto, en dos ideas cen-
del suelo agrícola (línea de color gris trales:
claro en el ejemplo de la figura). En caso
que la oferta se restringiese artificial-
mente (línea de color gris oscuro), como a) Por una parte se supone que la exis-
sucede en la práctica de planeamiento tencia de “barreras” ha de implicar,
por el concurso de la clasificación del necesariamente, la restricción de la
suelo, el efecto no debiera ser otro, en oferta, y por tanto la utilización ine-
la hipótesis contemplada, que el enca- ficiente del recurso suelo, así como,
recimiento de la renta de la tierra. El su encarecimiento innecesario.
efecto «barrera», por tanto, comporta un
incremento en el precio del suelo y en b) Por otra se asume que, en el margen
consecuencia de la vivienda. urbano, el precio del suelo plena-
mente liberalizado debe igualar el
La especulación, más allá de la coste de oportunidad agrícola, desa-
“raya” delimitadora del suelo urbani- pareciendo las rentas “expectantes”
zable, la utilización ineficiente del suelo, o “absolutas”. La plena liberaliza-
producto del capricho del planeador ur- ción del suelo debe comportar, por
bano, y el encarecimiento del precio del tanto, el máximo abaratamiento del
suelo, resultado de las rentas de mono- suelo, junto a su utilización más efi-
polio generadas por la acción de restric- ciente.
ción de la oferta, estos son los principales
resultados que para los partidarios de la
liberalización del mercado inmobiliario Estas serán las ideas que analizare-
ha tenido la política de suelo inaugurada mos a continuación.

34
R IERA , P. et alt. (1997): Informe para el Banco de España sobre economía del urbanismo en
España, en comparación a otros países, Instituto Universitario de Estudios Europeos,
Universidad Autónoma de Barcelona, diciembre de 1997.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 47

Figura 1 : Efectos de la existencia de “barrera” en el precio del suelo

¿Garantiza el libre mercado una utilización eficiente


del suelo?

El diagnóstico elaborado por los impul- Dicho planteamiento parece ser


sores de la nueva legislación urbanística aceptado, incluso, desde las posiciones
parte de la hipótesis que toda regulación más matizadamente defensoras de la li-
del mercado de suelo, especialmente si beralización. Así P. R IERA et.alt. (1997)
establece restricciones en la oferta poten- han indicado que “el efecto más inme-
cial, genera de forma intrínseca ineficien- diato que puede tener [la plena liberali-
cias en la utilización del territorio. Sólo zación] es la liberación de la traba que
la “mano invisible” del libre mercado supone imponer desde la Administra-
permite garantizar una utilización plena- ción dónde y cuando construir, con lo
mente racional y eficiente del recurso que las situaciones de ineficiencia crea-
suelo. das por el mal planeamiento se ven fa-
48 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

vorecidas en su corrección. Así, más do por factores intrínsecos, producidos


suelo llegará más pronto a fase de ur- por su detentador (o transformador) sino
banizado y listo para edificar”. 35 fundamentalmente extrínsecos; es decir,
determinados por el entorno en el que
Parece, por tanto, como si de forma se inscribe. La accesibilidad, calidad
intrínseca el planeamiento generase ine- urbanístico-ambiental, y representati-
ficiencia, y que, alternativamente, el li- vidad social de dicho entorno se con-
bre mercado se encargase, de manera vierten en los elementos determinantes
igualmente estructural, de garantizar el del precio del suelo. En consecuencia,
óptimo locacional. ¿Es eso realmente el valor del suelo es, ante todo, un valor
cierto? ¿Garantiza el mercado una utili- de externalidad.
zación eficiente del suelo?.
En este contexto, y supuesta la hipó-
La respuesta dada desde la econo- tesis de libre mercado y de no existencia
mía urbana y la teoría del urbanismo no de barrera, la urbanización se dirigirá,
permite ser tan benevolente con el mer- probablemente, a las zonas de máximo
cado. De hecho el nacimiento mismo del atractivo para la demanda, es decir con
zoning no fue sino una respuesta desde un mayor valor de externalidad: las
la técnica del urbanismo por tal de ga- áreas más accesibles, mejor comuni-
rantizar el uso racional y eficiente del cadas, o de mayor nivel de calidad
territorio, puesto en peligro por el simple ambiental. La liberalización del suelo,
concurso de las fuerzas del mercado. Se contra lo que creen algunos apologistas
trataba de garantizar la maximación del ingenuos, no representará automática-
valor agregado de la ciudad. No de cada mente el incremento cualitativo de las
una de las parcelas privadas de terreno. opciones reales de urbanización. Las
zonas con auténtica demanda continua-
La lógica individual de cada propie- rán siendo limitadas y dicha limitación
tario u ofertante urbano no tiene por- en el atractivo real del territorio no
que garantizar el interés social de uso y vendrá a ser modificada de forma mági-
disfrute del territorio. El conocido dile- ca por la desaparición de la “barrera” o
ma del prisionero evidencia como el “raya” de clasificación del suelo.
óptimo social no siempre puede ser al-
canzado mediante la simple suma de Dado el elevado coste de las infra-
óptimos individuales. estructuras, las cuales deben continuar
siendo sufragadas por los propietarios-
El mercado de suelo se caracteriza promotores, es probable que lo que se
por la generación de externalidades y ponga realmente en mercado sea lo más
desexternalidades. El valor del suelo, a accesible, es decir el suelo inmediato a
diferencia del valor relativo a otros facto- las líneas de comunicación existentes.
res de producción, no viene determina- En consecuencia un modelo no plani-

35
R IERA , P. et alt. (1997): Op. Cit., pag 24-25.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 49

ficado de crecimiento generará, proba- urbanizado hasta ámbitos situados a 20


blemente, un desarrollo urbano estruc- ó 30 Km., y en algunos casos extremos
turado en “cinta”, articulado linealmente (grandes áreas metropolitanas) a 50 ó
a lo largo de las carreteras y otras infra- 100 Km, de los núcleos centrales gra-
estructuras de comunicación. Creci- cias a las mejoras en los sistemas de co-
mientos que la literatura especializada municación.
se ha encargado de discutir críticamente
desde la perspectiva de su racionalidad El crecimiento difuso, desparramado
y eficiencia 36 . a lo largo de las vías de comunicación,
comprometiendo extensiones cada vez
Asimismo, y dada la progresiva me- más grandes de territorio 38 , es uno de
jora de las infraestructuras viarias (au- los signos del urbanismo de final de siglo.
topistas) y ferroviarias (trenes de alta Modelo de desarrollo que sin duda se
velocidad, de cercanías, etc.) el proceso verá favorecido por una plena liberali-
urbanizador puede adoptar, en los al- zación del mercado, pero que no está
bores del siglo XXI, formas alternativas exento de dudas ni de incertidumbres:
a los típicos crecimientos suburbanos a cada vez parece más evidente el coste
lo largo de las carreteras. Cada vez son social que, en términos ambientales,
más frecuentes los largos desplazamien- tiene el actual modelo de crecimiento.
tos residencia/empleo. A la “fricción del Cada vez son menos sostenibles nues-
espacio” le ha sucedido la “fricción del tros artefactos urbanos. En este contexto
tiempo” 37, puesto que en la actualidad el paradigma de la ciudad compacta y
lo importante no es tanto estar cerca del planificada, frente a la ciudad difusa y
centro o de la ciudad en su dimensión desregularizada, vuelve a situarse en el
espacial, sino en su dimensión tempo- horizonte de lo socialmente deseable. 39
ral: la barrera psicológica de los 30/45
minutos como máximo tiempo de des- Los problemas con que se encuen-
plazamiento residencia/empleo continua tra la planificación urbanística en la
plenamente vigente. Sólo que esta ba- actualidad son enormes. El planea-
rrera se ha desplazado espacialmente miento físico de base municipal, único
desde lo contiguo o cercano al continuo instrumento que hasta ahora se ha

36
Véase, por ejemplo, S OLANS , J.A. (1998): El desenvolupament urbanístic i la consevació dels
espais naturals, Conferència dels Espais naturals de la Plana del Vallés, 1998.
37
Como es conocido estos temas han sido ya suficientemente analizados por la literatura espe-
cializada desde W INGO , L (1961): Transportation and Urban Land, 1961
38
Para un análisis de la dinámica de crecimiento metropolitana véase ROCA , J. (1998): La de-
limitació de l’Area Metropolitana de Barcelona. 1996, Centre de Política de Sòl i Valoracions,
UPC, Barcelona.
39
Véase RUEDA , S. (1996): Ciudad compacta y diversa frente a la conurbación difusa, en M INISTERIO
DE F OMENTO (1996): Primer catálogo español de buenas prácticas. Ciudades para un desarrollo
sostenible Habitat II. Madrid.
50 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

mostrado plenamente operativo para liberalización tan sólo puede conducir,


resolver las disfunciones urbanas, se dado el recurso escaso que es el suelo,
nos revela como insuficiente en cuanto a mayores y progresivas ineficiencias
el proceso urbanizador trasciende los sociales. El mercado no se nos presenta
límites municipales y abarca territorios como el demiurgo que resolverá todos
cada vez más extensos. Pero dichos los problemas. Tampoco, como se verá
problemas no se resuelven de forma a continuación, con los relativos al en-
mágica y misteriosa dejando el territorio carecimiento del suelo y su repercusión
a las fuerzas exclusivas del mercado. Por en la vivienda.
el contrario, parece claro que una plena

Mercado real vs. mercado virtual de suelo


¿Conseguirá la nueva política urbanísti- Sólo en el caso extremo de que el
ca implantada en 1998 abaratar el precio planeamiento haya limitado la cantidad
del suelo, y con ello hacer la vivienda de suelo urbanizable (Q 1 ) por debajo del
más asequible para toda la población?. umbral de la demanda (Q) se producirá
Veamos qué presumibles efectos tendrá un incremento injustificado del precio
la liberalización proclamada en el merca- del suelo (P 1 en vez de P). Por el contra-
do de suelo. rio si el Plan General ha dimensionado
de forma flexible y generosa el suelo de
En primer lugar, y como se ha indi- nuevo desarrollo (Q 2 > Q), como suele
cado en el epígrafe anterior, no es previ- ser lo habitual, el precio del suelo conti-
sible que la desaparición de la “frontera” nuará siendo P (no P 2 ), puesto que no
entre el suelo urbanizable y no urbaniza- existirá más demanda de terrenos a
ble genere automáticamente más suelo urbanizar. De ahí que situar la oferta po-
puesto en el mercado a más bajo precio. tencial más allá de Q 2, Q 3 en el supuesto
El suelo con atractivo para la demanda de “no frontera”, no parece haya de ge-
es limitado y tan sólo en el supuesto, nerar, de entrada, efectos significativos
realmente extremo (aunque no descar- en el precio del suelo, que continuará
table en algún caso), de que el pla- fijado (en el margen) en P. Más oferta
neamiento haya sido auténticamente potencial de suelo, por tanto, no compor-
restrictivo, se producirá tal abarata- ta automáticamente más suelo urbaniza-
miento. La figura nº 2 ejemplifica lo an- do y puesto efectivamente en mercado,
terior. Para un municipio concreto la ni por supuesto más viviendas construi-
demanda de suelo (y de producto edifi- das. Y, en consecuencia, no implica re-
cado, como se verá más adelante) deter- ducción en los precios del suelo, ni del
mina, dada una específica estructura de producto edificado.
la oferta real (no jurídica), la cantidad
(Q) y el precio (P) de suelo puesto en El hecho de que el planeamiento no
mercado. incorpore la totalidad del suelo munici-
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 51

pal disponible como urbanizable (una escaseces “perversas”, generándose en-


vez excluido el de necesaria preserva- tonces auténticos desequilibrios de la
ción por sus valores intrínsecos), y que oferta con relación a la demanda, con
por tanto implemente límites, o barre- el consiguiente encarecimiento de los
ras, a la urbanización no debe enten- precios. La práctica de planeamiento no
derse mecánicamente como generador suele llegar a tales extremos, produ-
de escaseces de suelo determinantes de ciéndose por lo general una oferta sufi-
incrementos injustificados en el precio. cientemente generosa y abundante 40
Sólo si el planeamiento está realmente como para evitar tales situaciones.
mal dimensionado se producirán tales

Figura 2 : Oferta y demanda de suelo urbano

40
El Suelo Urbanizable Programado suele dimensionarse sobre proyecciones de la demanda a
ocho años (periodo de vigencia del Programa de Actuación del Plan) mediante la aplicación
de coeficientes multiplicadores entre 2’5 y 5. Es decir el SUP permite acoger entre 2,5 y 5
veces la demanda previsible. Si a ello añadimos la oferta existente en Suelo Urbano, así
como en Suelo Urbanizable no Programado, puede advertirse, como norma general, la no
existencia de rigideces en el mercado del suelo. Esta es, por otra parte, la conclusión a que
han llegado todos los inventarios de suelo realizados en España en el curso de los últimos 20
años: existe suficiente suelo clasificado como para absorber la demanda residencial de los
próximos 30 años.
52 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

No es, por tanto, suelo lo que falta. más centrales. La figura nº 3 ejemplifica
En este sentido se hace patente la falta dicha hipótesis.
de rigor del análisis económico subya-
cente a la política de liberalización, la Si se amplía la cantidad de suelo
cual, en extremo, lleva a considerar ili- clasificado Q 1 hasta Q 2, no sólo se re-
mitada la propia demanda de suelo ur- ducirá el precio del suelo en el margen
bano. Efectivamente, y tal como pone (P 1  P 2), sino también en las coronas
de relieve la figura nº 2, la hipótesis centrales (P 3  P 4). La eliminación de
subyacente a la tesis liberalizadora iden- restricciones en la oferta pretende, por
tifica el precio del suelo en el “margen” tanto, reducir no sólo el precio de las
urbano con su coste de oportunidad áreas periféricas, sino también el de las
agrícola, haciendo abstracción de que zonas centrales.
no existe demanda real de ese suelo
marginal 41 (más a la derecha de Q). Dicho planteamiento, sin embargo,
no tiene nada que ver con el proceso
La política liberalizadora olvida dos real de la formación de los precios del
aspectos esenciales del mercado de suelo. Los valores urbanos se forman en
suelo, así como del proceso de forma- la realidad del centro a la periferia.
ción de los precios: Quiere ello decir que la demanda se di-
rige inicialmente a las áreas de mayor
a) Que el precio del suelo no se forma atractivo urbano, normalmente las situa-
“de la periferia al centro” sino del das más centralmente, de mejor accesi-
“centro a la periferia”. bilidad, representatividad social, o de
mayor calidad ambiental urbana, es
b) Que el suelo tiene un valor residual, decir, a las más escasas. Para luego
resultado de la demanda de pro- “vertir” (en la porción de la demanda
ducto edificado. no absorbida por aquella oferta) a zonas
progresivamente menos atractivas (de
Veamos con más detalle ambos as- menor centralidad, accesibilidad, etc.),
pectos. La tesis desreguladora asume, y así sucesivamente hasta llegar al peor
implícitamente, que los precios del suelo suelo puesto en mercado.
se forman “de la periferia al centro”.
Quiere ello decir que si se amplía sufi- Dicho proceso de formación de los
cientemente la oferta, y se reduce con valores urbanos puede entenderse por
ello el precio del suelo marginal (hasta medio del símil del teatro. Imaginemos
llegar a su coste de oportunidad agrí- que la ciudad es un teatro donde se re-
cola), dicha reducción en el precio del presenta una función muy especial (la
activo suelo ha de tener repercusión (a función de nuestra vida: residencia, tra-
la baja) en valor de las localizaciones bajo, ocio, etc.), y donde hay un número

41
El carácter marginal de dicho suelo es, por tanto, de naturaleza “jurídica”, no “económica”,
puesto que no existe del mismo demanda de tipo alguno.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 53

limitado de localidades (el suelo urba- a los de rentas progresivamente más re-
nizado, heredado históricamente). En ducidas a las peores localidades.
dicho teatro hay numerosas localidades
ya vendidas (¡como sucede a menudo Nuestro teatro tiene una caracterís-
cuando deseamos comprar entradas, tica interesante: no es completamente
por medio de algún sistema telemático, rígido. Más allá de la zona de butacas
de un espectáculo muy solicitado!). Hay preexistente se encuentra un amplio es-
algunas (muy pocas) vacantes bien si- pacio vacío en el que se pueden añadir
tuadas; algunas más algo peor localiza- localidades. De hecho así sucede. Sin
das; y bastantes mal localizadas. embargo no se ocupa la totalidad de este
espacio vacío, que realmente es muy
En este teatro se entra por estricto grande, sino tan sólo aquél, por lo gene-
orden de licitación. Las entradas vacan- ral de mejor situación, que es necesario
tes se “subastan” (y, en ocasiones, has- para ubicar a todos los espectadores. De
ta se “revenden”, como en los grandes esta forma el precio se forma de la mejor
acontecimientos deportivos) al mejor (el precio más caro) a la peor (el más
postor. Lo que significa que los “espec- barato, el «margen» del teatro) situación.
tadores” de mayor renta se apropian de Así se forman los precios en nuestro tea-
las mejores localizaciones (¡o las más tro, que no es otro que nuestra ciudad.
representativas socialmente!), relegando Y, así las cosas, tiene relativamente poca

Figura 3 : Proceso de formación de los precios del suelo según la política de la


liberalización
54 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

importancia cuanto espacio vacío queda la cesión de aprovechamiento urbanístico


al final del teatro, cuanta más oferta po- a favor de la Administración, que históri-
tencial del suelo se inyecta al mercado, camente habían introducido las leyes del
puesto que realmente es difícil añadir suelo. Dicha cesión de aprovechamiento,
localidades (suelo) bien situadas, y en que no representa sino un impuesto indi-
cambio es mucho más fácil incorporar recto, es un freno a la actividad inmobi-
ubicaciones menos deseables. Mayor liaria; razón por la cual su reducción (e
oferta de suelo menos atractivo no tiene incluso, supresión) representaría un im-
auténticamente efecto alguno en el mer- portante impulso a la urbanización y
cado urbano. construcción, el cual, al permitir la entra-
da en el mercado de más suelo urbani-
La segunda de las hipótesis erróneas zado debería permitir la reducción del
en que descansa la tesis de la liberali- precio del activo suelo, y por tanto del
zación del suelo consiste en el descono- producto edificado (viviendas). La reduc-
cimiento del proceso real de formación ción de la cesión de aprovechamiento se
de los valores urbanos. Desconoce el presenta, así, como otro de los instrumen-
proceso intrínsecamente residual por el tos clave para alcanzar el objetivo central
que se forman los precios del suelo. de la reforma urbanística impulsada: con-
seguir hacer más asequible la vivienda.
Dicha hipótesis parte del punto de
vista que el precio del suelo es un coste En contraposición al planteamiento
más del proceso inmobiliario, y que, en anterior cabe indicar que ya fue Ricardo,
consecuencia, mayores costes origina- en los albores del siglo XIX, el que esta-
rios del suelo determinan un precio de bleció que la renta del suelo se formaba
la vivienda, o en general del producto después de retribuir a todos los otros
edificado, más elevado, El precio del agentes involucrados en el proceso de
suelo determina el de la vivienda. producción. El valor del suelo se origina,
en esta perspectiva, de la deducción de
De igual forma, el planteamiento que los valores en venta (o de la capitali-
ha originado la reforma de la legislación zación de los rendimientos) del producto
urbanística en el camino de la liberaliza- edificado, el conjunto de costes de urba-
ción parte del reconocimiento que mayo- nización, construcción y promoción, así
res costes de transacción del suelo como el beneficio (o margen bruto) de
urbanizado, así como de la edificación, los promotores inmobiliarios.
determinan precios inmobiliarios menos
asequibles; razón por la cual deberían re- El método residual nos indica que a
ducirse las cargas que deben soportar los pesar de su apariencia como coste del
propietarios-promotores, especialmente proceso productivo 42 , el valor del suelo

42
Para un promotor concreto el suelo es un coste más de producción. Sin embargo el precio del
suelo, desde una perspectiva económica más profunda, se forma como residuo del proceso
de urbanización y edificación. El planteamiento liberal tradicional confunde el análisis
económico con la perspectiva concreta de cada uno de los promotores inmobiliarios.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 55

en realidad es un residuo del mismo. El De forma más precisa, el concepto


análisis económico permite deslindar las residual del suelo podemos establecerlo,
formas (que el suelo no es sino un coste según la teoría contemporánea de la in-
más) de los contenidos (el carácter resi- versión, como el valor actualizado neto
dual del activo suelo). No es el precio de la promoción urbanístico-inmobi-
del suelo el que determina el de la vi- liaria, una vez establecidos los precios
vienda, sino que es el precio de la vivien- de los productos inmobiliarios (determi-
da (o en general, del producto edificado) nados por la demanda de los mismos),
el que determina el precio del suelo. Así: sus costes de producción, así como la
retribución y financiación de la actividad
Vs = V i -  Costes -  Beneficios promotora (la tasa de descuento de la
inversión) 44 , según la conocida ex-
Siendo Vs , el valor del suelo, Vi, el presión:
valor de mercado (o de capitalización)
de los productos inmobiliarios, y  Costes Vs = VAN(i) =  (Ij - G j ) x (1/(1+i)n )
y  Beneficios, el conjunto de costes y
beneficios necesarios para desarrollar la Siendo i, la tasa de retorno de la in-
promoción urbanística. versión, I j, los ingresos de la inversión
en el año j, G j, los gastos de la promo-
ción en ese mismo año, y n, el número
El fundamento mismo de porque el de años (u otras unidades temporales)
suelo tiene un valor residual se encuen- que durará la inversión.
tra en el reconocimiento de que, por lo
general, el mercado de suelo es un mer-
cado derivado de la vivienda (o de otros Además el método residual nos per-
productos edificados). Los usuarios lo mite obtener el precio del suelo en sus
que demandan 43 es vivienda, no suelo, dos escalas de transformación física: el
el cual es tan sólo el soporte material valor de los productos edificados (por
para la edificación. El mercado origi- medio del descuento de la inversión
nario, por tanto, es el de la vivienda, re- edificatoria) determina el precio del
sultando el del suelo una derivación o suelo urbanizado; y este último (me-
residuo del aquél. diante el descuento de la inversión urba-

43
En España los usuarios residenciales demandan, por lo general, vivienda debido a la forma
compacta y densa de la ciudad mediterránea. En otras latitudes o culturas, tal vez los usuarios
demanden prioritariamente suelo (para vivienda unifamiliar); en estos casos el método resi-
dual no tiene un papel relevante para obtener el precio del suelo urbanizado, aunque conser-
va todo su interés para determinar el valor del suelo sin urbanizar (conocidos, por el método
de comparación, los precios de los solares urbanizados).
44
Dicho valor residual, si ha sido bien establecido, debería identificarse con el valor de mercado
(entendido como el precio más probable) del suelo. El método residual debe converger con el
método de mercado. No representa un mecanismo autónomo o independiente del mismo.
56 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

nizadora) el valor del suelo sin urbanizar. Igualmente permite demostrar la fa-
Al producirse en realidad dos procesos lacia en que esta última se instala al pro-
productivos, urbanización y edificación, clamar que la reducción de las cargas
el método residual para obtener el valor urbanísticas (las cesiones de aprovecha-
del suelo sin urbanizar es de naturaleza miento) determinan una acusada mode-
bietápica: ración del precio del suelo. Al no variar
las condiciones de la demanda, y por
Valor de la vivienda  Valor del suelo tanto el precio de los productos inmobi-
urbanizado  Valor del suelo sin urba- liarios, las cesiones de aprovechamiento
nizar lo que realmente representan es un
menor coste del suelo antes de proceder
Ese es el motivo por el que el valor a su desarrollo urbano. Implican una pu-
en el margen no puede, por lo general, blificación de una porción del precio del
igualar el coste de oportunidad agrícola, suelo antes de urbanizar, llevando a cabo
como erróneamente sostiene la hipótesis de forma material el precepto constitu-
liberalizadora. El precio en el margen se cional de participación pública en las
establece en virtud del precio de venta plusvalías generadas por la acción urba-
de las últimas 45 viviendas puestas en nizadora (art. 47 Constitución Española).
mercado 46 (en España, normalmente,
las más baratas suelen ser las de promo- El método residual clarifica, asimis-
ción pública y subsidio especial), dadas mo, el proceso de formación de las rentas
unas determinadas hipótesis de plazos expectantes, más allá del margen urbano.
temporales, de beneficio y financiación, En cuanto el precio del suelo es siempre
de la promoción inmobiliaria. un valor de expectativa, esto es: el valor
del suelo no es sino el valor actualizado
Dicho procedimiento de determina- neto de los rendimientos futuros espera-
ción residual del valor del suelo eviden- dos (se basen o no en las determinaciones
cia la existencia de rentas diferenciales del planeamiento urbanístico), nada im-
entre el último suelo puesto en merca- pide, en principio, que el suelo “más allá
do y el coste de oportunidad agrícola a de la raya” (en el caso de existencia de
diferencia de lo sostenido (contra toda frontera), o del “margen urbano” (en el
evidencia empírica) por la teoría liberal supuesto de mercado plenamente libera-
estándar. lizado) adquiera una renta expectante 47 .

45
Cabe entender el término “últimas” en el sentido de “margen”, esto es: las peores puestas en
el mercado.
46
O, en caso de suelo para vivienda unifamiliar, el precio de los “últimos” solares urbanizados.
47
Cabe, no obstante, diferenciar si nos encontramos ante una expectativa amparada en los
aprovechamientos autorizados por el planeaniento, o si dicha expectativa se origina en sim-
ples hipótesis especulativas de los detentatadores del suelo. Este último caso es el que se
produce intrínsecamente en los suelos situados más allá de la frontera urbanística delimitadora
del suelo urbanizable, a diferencia de los comprendidos en suelo urbano o urbanizable, en los
que el planeamiento regula y autoriza aprovechamientos urbanísticos.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 57

Renta producida, en dichos tipos de La figura nº 4 resume el sentido del


suelo, no en tanto en cuanto a su deman- cambio operado. Como puede verse,
da actual, sino a la posible demanda fu- lejos de conseguir rebajar el precio del
tura de dicho suelo. suelo, la liberalización (línea punteada
de color gris claro) lo que realmente hace
Queda entonces meridianamente es prolongar los valores del suelo reales
claro lo efectivamente realizado por la (generados dentro del margen urbano)
nueva política liberalizadora: mientras hasta el límite del coste de oportunidad
que con la legislación anterior al suelo agrícola, extendiendo las rentas expec-
situado “más allá de la raya” no se le tantes hasta Q 3. En cambio la existencia
asignaban aprovechamientos urbanísti- de “frontera”, como se deducía de la le-
cos, ni se reconocía a los propietarios gislación urbanística de 1956 a 1998, si
derecho alguno de desarrollo urbano, y, bien no abolía las rentas expectantes, si
por lo tanto, existía un elevado grado las reducía (línea punteada de color gris
de incertidumbre acerca de su urbani- oscuro) de forma acusada, al introducir
zación futura, la nueva ley, al eliminar una abierta incertidumbre en relación al
la frontera del urbanizable, y reconocer desarrollo urbano futuro de esos suelos.
derechos urbanísticos a (prácticamente) Con la legislación urbanística anterior
todos los propietarios de suelo, ha in- ningún promotor-inversor de suelo esta-
crementado de forma considerable las ría dispuesto a pagar por el territorio
expectativas de los titulares de terrenos situado “extra-muros” una cantidad ele-
situados más allá del margen urbano. vada: primero, por no existir demanda

Figura 4 : El mercado “virtual” de suelo generado por la nueva política urbanística


58 La Liberalización del Mercado de Suelo en España

efectiva de esas localizaciones en el reducir el precio del suelo y hacer la vi-


momento presente; en segundo lugar, vienda más asequible a toda la po-
por carecer de aprovechamiento urba- blación, la generación de un nuevo
nístico, y por tanto de la necesaria com- mercado de suelo: un mercado virtual,
ponente de cargas y beneficios; y en en el que las expectativas urbanísticas
tercer lugar por no existir decisión por no amparadas en la demanda actual y
parte de la autoridad urbanística de real, jueguen un protagonismo desor-
desarrollar el sector. Demasiadas incer- bitado, y hacia el que se dirijan capitales,
tidumbres para un operador econó- que de esta manera se convertirán en
micamente racional, lo que conduciría improductivos, o se detraerán de la fis-
probablemente a que, en caso de adqui- calidad (si se trata de dinero negro) 49 .
rir ese suelo, actualizase su particular
hipótesis de coste-beneficio a un tipo de El encarecimiento, y no tanto el aba-
retorno de la inversión con una elevada ratamiento, del precio del suelo; la crea-
componente de riesgo 48 . ción de un mercado virtual altamente
especulativo, de activos inmobiliarios:
El desarrollo de la política urbanís- esa es la perspectiva que nos depara la
tica de la LS 98 conseguirá, probable- nueva política inaugurada en 1998.
mente, frente al proclamado objetivo de

48
Digamos un 20 ó 25% neto, frente al usual 15% con que se opera en caso de existencia de
mayores certidumbres.
49
Puesto que la inversión en suelo, en España, prácticamente, está exenta de tributación, ya
que, gracias a su elevada dosis de falta de transparencia, permite blanquear con facilidad el
dinero negro.
Josep Roca Cladera, Malcolm C. Burns 59

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ble Habitat II. Madrid: Ministerio de la Universidad Politécnica de Cataluña
Reestructuración Económica,
Reforma del Estado y Mercados
de Tierra Urbana 1

Mario Lungo

Este trabajo se sitúa en el nivel macro- los cambios que está experimentando el
económico y al nivel político general. funcionamiento de los mercados de tie-
Trata de explorar las consecuencias, en rra urbana, los cuales presentan en las
el funcionamiento de los mercados de décadas anteriores características espe-
tierra urbana, de dos procesos que están cíficas en los países de América Latina
ocurriendo en casi todos los países de y el Caribe (Smolka, 1997). Los rasgos
América Latina y el Caribe, en diferentes actuales de los procesos de urbanización
grados y formas, durante los últimos en estos países, constituyen el marco
años: la reestructuración de las eco- contextual específico de estos cambios,
nomías, iniciada en los años 80 con la entre los que podemos destacar los si-
aplicación de los programas de estabi- guientes: la regularización y legalización
lización y ajuste, y la reforma del Estado, de la tenencia y la propiedad de la tie-
proceso que se desarrolla con fuerza, rra que se encuentra en situación ilegal;
principalmente, durante los años 90, y la modificación de los factores que de-
donde el rasgo más distintivo es la priva- terminan que estos mercados sean es-
tización. tructuralmente imperfectos, derivados
de los cambios en las políticas econó-
Ambos procesos conforman, se sos- micas y en el marco regulatorio; la emer-
tiene en este trabajo, el marco contex- gencia de nuevas formas de segregación
tual general que contribuye a explicar socio-espacial; etc.

1
Trabajo elaborado para el Lincoln Institute of Land Policy. En su elaboración se contó con la
valiosa colaboración de Francisco Oporto

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 2, 1998, p. 61-82


62 Reestructuración Económica, Reforma del Estado y Mercados de Tierra Urbana

Dos interrogantes surgen de la ob- en este libro, cuyo eje es, precisamente,
servación de estas transformaciones en relevar los rasgos que peculiarizan al
los marcos contextuales mencionados: funcionamiento de los mercados de tie-
rra urbana en América Latina. Ellas,
 ¿ Están modificando las característi- evidentemente, no pueden ser respon-
cas específicas del funcionamiento de didas dentro de los límites de este tra-
los mercados de tierra urbana en bajo, cuyo objetivo se limita a plantear
América Latina que habían prevale- ideas sobre los rasgos actuales del fun-
cido hasta inicios de la década de los cionamiento de los mercados de tierra
años 90 y generando otras nuevas? y su relación con los procesos de rees-
tructuración de la economía, la reforma
 O al contrario, ¿ Están conduciendo del Estado y el nuevo carácter que está
estos cambios al desaparecimiento asumiendo la urbanización, para pro-
de las peculiaridades del funciona- mover su discusión. Ideas que se pre-
miento de estos mercados, creando sentan bajo la forma de proposiciones
una tendencia a que este funciona- al final de este ensayo.
miento se asemeje al de los países
desarrollados como producto del Sin embargo, este intento se debe
proceso de globalización en curso? tener en cuenta que, aunque los procesos
de reestructuración de la economía y de
Esta última es, quizás, la interrogante reforma del Estado son comunes a la
clave a responder, pues ella está estre- mayoría de países de América Latina y
chamente asociada al proceso de glo- el Caribe, sus historias sociales y políticas
balización mencionado 2 . son diferentes, así como la dimensión de
sus economías, por lo que las proposi-
El caso de los programas de regula- ciones que se presentan, que podrían
rización de la tierra urbana en situación servir de base para la construcción de hi-
ilegal, cuyo peso ha constituido duran- pótesis, deben ser entendidas dentro de
te largo tiempo uno de los rasgos cen- las condicionantes particulares de cada
trales de los mercados de tierra urbana país. Basta señalar, por ejemplo, la dife-
en nuestros países, constituye un buen rente temporalidad del proceso de rees-
ejemplo de estos cambios y fundamen- tructuración de la economía colombiana,
ta la validez de las anteriores preguntas. derivada de sus peculiares condiciones
macroeconómicas, la dimensión territo-
La respuesta que se de a las mismas rial y la división político-administrativa de
es clave, además, para el objetivo del Brasil, o el carácter del sistema político
conjunto de trabajos que se presentan mexicano.

2
Existe una abundante literatura sobre el proceso de globalización. En un trabajo reciente
relacionado con los procesos de urbanización (Cuervo, 1996), propone en análisis diferen-
ciado de tres dimensiones: la mundialización financiero-monetaria; la mundialización pro-
ductiva; y la mundialización comercial. Cada una de ellas, y el nivel de sus relaciones, incide
de manera peculiar en los sistemas urbanos existentes en cada país.
Mario Lungo 63

Por otra parte, en poco tiempo los agrícola (Barraza, 1994). Casos como
límites de un proceso de globalización estos se repiten en muchos países de
mal entendido, que algunos imaginaron América Latina y el Caribe, afectando,
llevarían a la anulación de las particula- singularmente, el funcionamiento de los
ridades de cada país, han generado mercados de tierra urbana.
manifestaciones de resurgimiento de
nacionalismos de distinta índole y el re- No se debe, entonces, hablar de
forzamiento de los intereses y de las mercados de tierra urbana al nivel latino-
entidades locales, que se apoyan en los americano, ya que estos se concretizan
programas de descentralización, lo que a nivel nacional. La cuestión clave está
exige tomar en consideración, junto a en analizar los efectos de los ejes comu-
las tendencias generales, la persistencia nes de transformación que atraviesan a
de estas particularidades, para no caer nuestros países: la reestructuración de
en extrapolaciones de poca validez. la economía y la reforma del Estado
sobre el funcionamiento de estos mer-
Mencionemos algunos ejemplos al cados. Incluso habría que, en un análisis
respecto. En la ciudad de México, la más fino, hacer la diferencia entre los
nueva Ley Agraria que modifica el cambios que estos ejes comunes provo-
estatus de las tierras ejidales, hace que can en las condiciones en que funcionan
el papel, que hasta hace poco venían los mercados de tierra urbana, y las
jugando los ejidos, como oferentes de transformaciones en el funcionamiento
tierra urbana para los sectores popu- mismo de éstos. Los primeros podría-
lares, y como posible reserva territorial mos denominarlos como efectos indi-
para limitar el crecimiento de la ciudad, rectos, y los segundos como efectos
se vea drásticamente reducido (Cruz R., directos. A nivel de las políticas macro-
1993). El agotamiento de las tierras económicas, y dentro de la lógica de que
eriales en el caso de Lima hace que su el mercado es el mejor asignador de re-
importante rol en la solución de los pro- cursos, el énfasis se colocaría en el aná-
blemas habitacionales de los sectores de lisis y la intervención sobre los efectos
menores ingresos esté prácticamente indirectos.
desapareciendo, planteando nuevos
desafíos al desarrollo de esta ciudad A pesar de las dificultades anteriores,
(Driant y Grey, 1987). En San Salvador, consideramos de gran validez explorar
la Ley de Reforma Agraria de 1980 con- cuales son las consecuencias que los
geló, aunque sea temporalmente, la procesos de reestructuración de la eco-
incorporación al crecimiento urbano, de nomía y de reforma del Estado están
una importante área de 800 hectáreas provocando en el funcionamiento de los
cultivadas de café, situadas en los límites mercados de tierra en nuestros países a
de las colonias donde los precios de la un nivel general. En este sentido, es inte-
tierra son los más elevados de la ciudad, resante retomar la discusión levantada
al pasar esta área a manos de los traba- en una investigación urbana reciente
jadores constituidos en una cooperativa (Portes y Dore, 1996), respecto a la uti-
64 Reestructuración Económica, Reforma del Estado y Mercados de Tierra Urbana

lidad de la metodología de las “máximas aquellos cambios en el funcionamiento


diferencias”, de acuerdo a la cual las de los mercados de tierra urbana que
hipótesis que se cumplen en contextos sean comunes a los países de América
socio-políticos de gran diversidad tienen Latina y el Caribe, considerados como
mayor validez e importancia teórica que unidades de análisis de gran diversidad,
aquellas que se cumplen para contextos deberían ser el objeto de nuestra mayor
de mayor similitud. En nuestro caso, atención.

La reestructuración de la economía y la reforma


del Estado, y sus efectos directos e indirectos en el
funcionamiento de los mercados de tierra urbana

Es posible afirmar que la reestructura- ría de nuestros países; el segundo, a


ción de la economía y la reforma del partir de 1990, está marcado por la aper-
Estado constituyen constantes que re- tura hacia el exterior y una reactivación
corren la historia reciente de todos los del crecimiento económico.
países de América Latina y el Caribe.
Desde el ejemplo paradigmático de la
liberalización, apertura al exterior y des- A nivel general, los programas de los
regulación que es Chile, hasta las trans- procesos de reestructuración de la eco-
formaciones en curso en la economía nomía y de reforma del Estado que tie-
centralmente planificada que es Cuba, nen una mayor incidencia, directa e
es posible observar estos procesos, mo- indirecta, en el funcionamiento de los
dificando sustancialmente el panorama mercados de tierra urbana, se presentan
prevaleciente hasta los años 80. en el Cuadro 1.

Es necesario hacer una diferencia- Estos procesos y sus programas


ción en dos períodos que presentan ca- tienen límites cada vez más visibles, Sin
racterísticas diferentes y que tienen embargo, sus avances y el carácter ine-
consecuencias distintas en el funciona- ludible que tienen hasta el momento, ya
miento de los mercados de tierra: el pri- han provocado cambios en procesos
mero, entre 1982 y 1989, se caracteriza específicos como el que nos ocupa en
por un cierre hacia el exterior y una pro- este trabajo.
funda recesión económica en la mayo-
Mario Lungo 65

C uadro 1

1. Estabilización Macroeconómica
Control de la inflación
Estabilidad del tipo de cambio
2. Liberalización de Precios, Tarifas y Tasas de Interes
3. Modernización Tributaria
Reestructuración de la
4. Apertura Comercial
Economía
5. Cambios en la Estructura de las Exportaciones
6. Modernización Tecnológica
7. Promoción de Inversiones Extranjeras
8. Cambios en la Relación Capital/Trabajo
9. Privatización de Activos Estatales

1. Reducción del Aparato Estatal


2. Modernización del Aparato Estatal
Reforma del Estado 3. Privatización de Activos Estatales
4. Descentralización
5. Modificación en la Función Reguladora

Los efectos directos monedas nacionales, tuvo una inciden-


cia clara en el bien tierra urbana como
Veamos a continuación cuales son los una inversión que garantiza el valor de
efectos directos de estos procesos en el los ahorros y en los procesos de espe-
funcionamiento de los mercados de culación en torno al mismo, en los últi-
tierra urbana. mos al cambiar su carácter por el papel
cada vez más importante que juegan los
promotores inmobiliarios 3 , dos de las
LA R EESTR U C TU R AC IO N D E LA EC O N O M IA características que peculiarizan el funcio-
namiento del mercado de tierras urba-
La estabilización de los indicadores nas en América Latina y el Caribe.
macroeconómicos, especialmente al re-
ducir las tasas de inflación, que llegaron La liberalización de los precios, tari-
a alcanzar niveles extraordinarios en fas y tasas de interés, al traducirse en
varios países de América Latina, y al un incremento de los precios, acentúan
estabilizar las tasas de cambio de las otra de las características que singula-

3
Se observa, en varios países de América Latina y el Caribe, la presencia de compañías
inmobiliarias de carácter transnacional que operan en distintos segmentos de los mercados
de tierra, entre ellos las zonas costeras de alto potencial turístico.
66 Reestructuración Económica, Reforma del Estado y Mercados de Tierra Urbana

rizan a los mercados de tierra urbana La modernización tecnológica, pero


en América Latina y el Caribe: el alto sobre todo las profundas transformacio-
grado de segregación socio-espacial, nes en las relaciones entre el capital y el
aunque ésta asume nuevas formas en trabajo que la reestructuración de la eco-
las últimas décadas (Rolnik et al, 1990; nomía está introduciendo, afectan el fun-
Sabatini, 1997). cionamiento de los mercados de tierra
urbana al modificar las condiciones de
La modernización tributaria podría un segmento importante de la deman-
incidir, aunque no existen todavía evi- da: los trabajadores cuya inestabilidad
dencias al respecto, en la posibilidad de laboral y el carácter oscilante de los in-
captación de plusvalías inmobiliarias, gresos hacen obsoletos los esquemas de
cuyo poco desarrollo consideramos acceso a este bien, que aunque extre-
constituye otro de los rasgos propios de madamente limitados, existían en el pe-
la problemática que nos ocupa en nues- ríodo anterior en que el Estado jugaba
tros países. un papel de prestador directo de bienes
y servicios, y tenía una relativamente alta
Los programas de apertura comer- capacidad reguladora.
cial, los cambios en la estructura de las
exportaciones, y la promoción de las in-
versiones extranjeras, especialmente en LA R EFO R M A D EL E STAD O
aquellos sectores que buscan ventajas
de localización, van a replantear los tra- En lo que se refiere al proceso de refor-
dicionales esquemas de ubicación de los ma del Estado, al orientarse los progra-
establecimientos industriales y de loca- mas de reducción y modernización del
lización de los centros comerciales y de aparato estatal en el sentido de conver-
servicios, especialmente los financieros tir al Estado en “facilitador” de las acti-
y de gestión especializada. Se va con- vidades del mercado, se produce una
figurando, así, en todos los países, un práctica desaparición de su papel de
nuevo mapa económico y social, cada agente directo, a través de la inversión
vez más distanciado del mapa político- en la compra y la provisión de tierra,
administrativo oficial, con nuevas regio- vivienda, infraestructura y servicios ur-
nes ganadoras y perdedoras a nivel banos, para los sectores sociales de
nacional (Daher, 1990), y en el interior menores ingresos.
de las áreas urbanas, con una paradójica
integración/segregación entre los dis- Pero sin embargo, por otra parte, se
tintos sectores sociales de la ciudad, mo- plantea la necesidad de la incorporación
dificando las tradicionales formas de al mercado de los terrenos en que se
segregación socio-espacial. Estas di- asientan estos sectores, surgiendo, y
námicas territoriales están afectando de- desarrollándose con fuerza, los progra-
cisivamente en la demanda de tierra mas de modernización de catastros y
urbana, modificando el funcionamiento registros, y de regularización de impor-
de los distintos mercados de este bien. tantes segmentos de tierra urbana que
Mario Lungo 67

se encuentran en una situación legal que económicos, entre ellos los gobiernos
impide su incorporación al mercado for- locales, que se sumarán a los tradiciona-
mal (Calderón, 1996), programas que les agentes que han actuado en estos
pueden ser decisivos en la disminución merca dos.
del mercado informal de tierras urbanas,
otro de los rasgos emblemáticos del fun- La privatización, por último, en los
cionamiento de estos mercados en Amé- países en que la propiedad fiscal o pú-
rica Latina y el Caribe. blica de tierra urbana es importante, al
incorporar en los mercados cantidades,
Lo anterior se acompaña de las mo- a veces altamente significativas, de tierra
dificaciones en las funciones reguladoras pública (por ejemplo las tierras propie-
del Estado en este campo a través de dad de las empresas de ferrocarriles), in-
un doble camino: la liberalización y mo- troduce variaciones sensibles en la oferta
dernización de las normativas relaciona- de este bien de carácter finito.
das al desarrollo urbano, y la reducción
del papel y del poder de las instituciones Una especial atención debe ponerse
responsables del mismo. Un ejemplo de a un proceso que, aunque asociado a la
liberalización de las normas es la posi- liberalización generalizada que experi-
bilidad de tener un coeficiente de ocu- mentan las economías de América La-
pación del suelo mayor si establecido a tina y el Caribe, tiene implicaciones
cambio de algún tipo de compensacio- vinculadas a las peculiaridades históricas
nes (pago, transferencia de derechos de nacionales: la introducción en el merca-
construcción no utilizados en otras zonas do de importantes cantidades de tierras
de la ciudad, etc.). La intervención esta- de propiedad ejidal o comunitaria, las
tal en los mercados de tierra urbana que, aunque se ubiquen territorialmente
tiende a ser, en la mayoría de nuestros en áreas rurales o suburbanas, modifi-
países, cada vez más débil, aunque en can sustancialmente el funcionamiento
algunos casos, para lograr los cambios de los mercados de tierra urbana, tal
buscados, puede también ser fuerte, así como lo mencionábamos anteriormente
sea por períodos cortos. para el caso mexicano.

Pero contrariamente, existe un com- Aquí queremos señalar que, aunque


ponente del proceso de reforma del remite a otra problemática, es indispen-
Estado, que puede constituirse, en los sable incorporar en el análisis del funcio-
casos en que efectivamente de desa- namiento de los mercados de tierra
rrolle, en un contrapeso a la disminución urbana, los efectos de las transforma-
del papel regulador del Estado en el fun- ciones que están ocurriendo en los mer-
cionamiento de los mercados de tierra cados de tierra rurales, vínculo causal
urbana: la descentralización. Efectiva- mutuo que no puede ser dejado de lado.
mente, si se lleva a la práctica, la descen- En el caso de los países de poca exten-
tralización introduce un importante sión territorial, por ejemplo, especial-
número de nuevos agentes sociales y mente las tierras cercanas a las ciudades
68 Reestructuración Económica, Reforma del Estado y Mercados de Tierra Urbana

que se dedican a la agricultura, están indirectos es la transformación de los


sometidas a fuertes presiones de recon- mercados de trabajo urbanos, caracteri-
versión de sus usos. zados por su creciente informalización y
segmentación. A lo anterior hay que
sumar la creciente transnacionalización
LOS EFEC TO S IN D IR EC TO S provocada por los flujos de migración
internacionales, lo que es sumamente
Como decíamos anteriormente, los efec- importante en el caso de las pequeñas
tos indirectos se refieren a los cambios economías de Centroamérica y el Caribe.
en las condiciones de funcionamiento
de los mercados de tierra urbana, que El cuarto es la persistencia de altos
los procesos de reestructuración de la niveles de pobreza que el modelo actual
economía y de reforma del Estado están no ha logrado reducir sustancial y soste-
provocando. nidamente, a pesar de la disminución
del ritmo de su crecimiento que mues-
Hemos seleccionado aquellos cam- tran los indicadores económicos de algu-
bios de carácter más general provocados nos países.
por ambos procesos y que tienen una
incidencia a mediano plazo en estas El quinto, el crecimiento de las res-
condiciones de funcionamiento. Uno de tricciones ambientales, derivado del au-
ellos, el nuevo carácter de la urbaniza- mento de la conciencia, a nivel mundial
ción, que tiene también impactos direc- y en cada país, de que es necesario in-
tos, será analizado en el punto siguiente. corporar criterios de sostenibilidad al
desarrollo de nuestras sociedades. En
El primero es el predominio, en el este aspecto, los organismos de coope-
actual modelo de acumulación, del sec- ración internacional y multilateral están
tor financiero y los servicios especia- jugando un papel importante.
lizados de alto nivel dirigidos hacia las
empresas, pasando la industria y la agri- Por último, y aunque de desigual
cultura a ocupar un papel subordinado. trayectoria en los distintos países, es la
disminución de la importancia de la pla-
El segundo es la modificación de los nificación, en sus distintos niveles, que
patrones de localización, a nivel nacio- afecta la institucionalidad y los marcos
nal, de las actividades económicas que regulatorios vigentes que inciden en el
está generando el nuevo modelo de acu- funcionamiento de los mercados de
mulación económica orientado a las tierra urbana.
exportaciones, donde las vinculaciones
internacionales tienen, muchas veces, En efecto, se asiste en la mayoría de
preeminencia sobre los criterios que se países latinoamericanos, y de acuerdo
circunscriben a los espacios nacionales. a las actuales opciones de política que
reducen el papel del Estado al de facilita-
El tercer cambio generador de efectos dor del mercado, a una perdida de peso
Mario Lungo 69

de la función planificadora del primero de importancia de la planificación tiene


(en muchos de ellos se han suprimido un carácter coyuntural.
los Ministerios de Planificación y su
papel es asumido por los Ministerios de En el cuadro siguiente se sintetizan
Hacienda). No obstante, también se los efectos directos en el funcionamiento
observa un retorno a la planificación del de los mercados de tierra urbana, y los
desarrollo a nivel local, tendencia aso- cambios en las condiciones en que éstos
ciada a la descentralización, lo que operan y que ocasionan efectos de tipo
puede llevar a plantear que la pérdida indirecto:

C uadro 2

Procesos Efectos Directos en el Cambios en las Condiciones


Funcionamiento de los de Funcionamiento de los
Mercados de Tierra Urbana Mercados que Provocan
Efectos Indirectos
Disminución del rol de la tierra
como garantía del valor de los
ahorros
Cambios en los procesos de
especulación por el papel creciente
de los promotores inmobiliarios
Disminución en la oscilación de
los precios aunque éstos tienden
Reestructuración de a crecer Predominio del sector financiero
la Economía Modificación de las condiciones
y de servicios
de captación de las plusvalías Modificación de los patrones de
inmobiliarias localización de las actividades
económicas
Cambios en la demanda derivados
de los nuevos patrones de Transformaciones de los mercados
localización de las empresas y de de trabajo urbanos
la precariedad de los ingresos de Altos niveles de pobreza
los sectores populares Aumento de las restricciones
ambientales
Debilitamiento del marco
regulatorio y de la capacidad Pérdida de peso de la
de gestión institucional planificación
Incorporación al mercado de tierra
que estaba anteriormente en
Reforma del Estado situación de ilegalidad
Ampliación del número de agentes
intervinientes en los mercados
Incorporación al mercado de tierra
pública
70 Reestructuración Económica, Reforma del Estado y Mercados de Tierra Urbana

El nuevo carácter de la urbanización y sus


consecuencias

A pesar de que el proceso de urbaniza- y de servicios especializados, que han


ción marcha con un ritmo diferente al modificado el tradicional rol de las áreas
de los cambios en la economía (Lungo, centrales de las principales ciudades,
1995 ), son ya visibles, luego de casi dos adquiriendo cada vez más estas ciuda-
décadas desde que se inició la trans- des una configuración policéntrica.
formación del modelo de crecimiento
económico basado en la sustitución de Estas tendencias están en la base de
importaciones, algunos rasgos que ca- numerosos estudios que están revisan-
racterizarán el desarrollo de las ciudades do a nivel subregional cuestiones como
en los años futuros y que están relacio- la primacía y las redes urbanas (Lungo,
nados con los procesos de globalización, 1994), en el marco de un continuado
especialmente con la reestructuración de crecimiento de la población urbana que
las economías (Harris, 1996). Examine- hace que este momento, en América
mos brevemente aquellos que tienen Latina y el Caribe, más del 70% de la
más relación con el funcionamiento de población viva en áreas urbanas, una
los mercados de tierra urbana. proporción casi similar al de Europa
(H ABITAT , 1996) y que, en el marco del
Uno de ellos es el nuevo patrón de actual proceso de globalización, vuelve
localización de las actividades económi- a poner de relieve la utilidad de los en-
cas. La industria, especialmente la ma- foques como el de sistemas mundiales
quila, tiene requerimientos diferentes a para comprender la nueva dinámica de
los de la industria tradicional. Esto con- la urbanización (Smith, 1996).
duce al surgimiento de una nueva es-
tructura regional de la economía a nivel Otro de los rasgos relevantes es el
nacional y a cambios en la red urbana, contradictorio movimiento entre el mer-
con nuevas y más estrechas vinculacio- cado informal y el mercado formal de
nes transnacionales, que son, en algunos tierras urbanas. Se asiste, en algunos
países, de mucha importancia. En el países, a un incremento de la urbaniza-
caso de México, por ejemplo, el peso de- ción formal, no ajena a los programas
mográfico de la capital ha disminuido, de regularización que se están impulsan-
pasando de albergar el 20% de la po- do, mientras en otros la urbanización
blación nacional en 1980, a 18.5% en desregulada ha cobrado impulso, no
1990, mientras es visible el acelerado necesariamente asociada a la demanda
crecimiento e importancia de las ciuda- de tierra por parte de los sectores de
des de la frontera norte (Pradilla, 1993; menores ingreso. Un ejemplo de lo últi-
H ABITAT , 1996). Lo mismo ocurre a nivel mo es el creciente número de urbaniza-
intraurbano por las nuevas exigencias ciones para sectores sociales de altos
de localización de los centros financieros ingresos situadas cerca de las ciudades,
Mario Lungo 71

en terrenos de alta calidad, pero que Ligado al anterior, están las trans-
están fuera del radio territorial de las formaciones tecnológicas y de las formas
regulaciones urbanas vigentes. de provisión de la infraestructura y los
servicios urbanos (Mohan, 1994) que en
Una tercera característica es la emer- algunos casos modifican los requeri-
gencia de nuevas formas de segregación mientos de tierra urbana, que constituye
socioespacial. Efectivamente, encontra- un soporte para los mismos.
mos que la desregulación, al eliminar
restricciones al uso de la tierra urbana, Finalmente, y como rasgo que en-
provoca a la vez una mezcla de usos y globa a los anteriores, observamos la
el surgimiento de enclaves residenciales caducidad de las formas de gestión urba-
que evidencian el aumento de la desi- na 4 , heredadas del período anterior, y
gualdad social que genera el actual la búsqueda de nuevas formas de ges-
modelo de acumulación (Caldeira, tión del desarrollo de las ciudades,
19 96 ). donde muchas de las propuestas están
marcadas por dos hechos: los intentos
Otro rasgo de la urbanización actual de que estas nuevas formas de gestión
en nuestros países es la acentuación de se orienten a promover la liberalización
la degradación del medio ambiente en y la internacionalización de las funciones
las ciudades, lo que genera riesgos am- urbanas para que las ciudades cumplan
bientales, que combinan las amenazas un papel en el proceso de globalización,
de tipo natural y antrópico, con el au- y el sesgo de marketing que caracteriza
mento de los niveles de vulnerabilidad a varias de las acciones de estas nuevas
social existentes (Fernández, 1996). formas de gestión urbana 5.

Algunas evidencias empíricas a la luz de un caso


específico

Definitivamente no es posible, en el mostrar algunas cifras del comporta-


marco de este trabajo, aportar eviden- miento de las economías latinoameri-
cias empíricas sustantivas para funda- canas y caribeñas sobre los argumentos
mentar las ideas planteadas en los expuestos. Ellas se presentan a continua-
puntos anteriores. Es útil, no obstante, ción, haciendo énfasis, para algunos

4
Entendemos por gestión en este ensayo el conjunto articulado de acciones de planificación,
regulación, administración e inversión, que hacen tanto las instituciones públicas como el
sector privado (Lungo y Pérez, 1990).
5
Un ejemplo de esta tendencia se encuentra en la promoción de eventos deportivos como los
Juegos Olímpicos, o las ferias mundiales, así como los procesos de renovación y ampliación
asociados a su realización.
72 Reestructuración Económica, Reforma del Estado y Mercados de Tierra Urbana

aspectos, en el caso específico de El de registro y catastro inmobiliario.


Salvador, el cual presenta uno de los más
rápidos procesos de estabilización y Al nivel latinoamericano, aunque la
ajuste de la economía, y un alto grado reestructuración de las economías no ha
de desregulación de distintas actividades. producido los mismos resultados en la
Adicionalmente, este es uno de los países reducción de las tasas de inflación, es
donde el Banco Mundial está impulsando claro que, como tendencia general, este
una profunda modernización del sistema objetivo se ha ido logrando.

C uadro 3 : Tasas de inflación de países seleccionados (1982 - 1995)


1982 1987 1995
El Salvador 11.7 24.9 11.4
Argentina 164.8 131.6 1.6
Brasil 97.8 229.8 22.0
Chile 77.8 19.9 8.2
Colombia 11.7 24.9 22.6
Fue nte : Latin American and the Caribbean. Selected Economic and Social
Data. USAID, 1995

Respecto a la modificación de la estructura de las exportaciones, se observan


los sustanciales cambios operados en algunos países luego de 15 años de ajuste y
estabilización de las economías.

C uadro 4 : Estructura de las exportaciones en países seleccionados


1980 (%) 1987 (%) 1995 (%)
Primarios 59.6 50.4 23.0
Brasil Secundarios 38.7 44.8 72.5
Otros 1.8 4.8 4.5
Primarios 89.2 90.3 58.2
Chile Secundarios 9.5 8.8 41.8
Otros 1.3 0.9 0.0
Primarios 72.7 66.9 25.6
El Salvador Secundarios 23.4 31.0 34.9
Otros 3.9 2.1 39.5
Fue nte : Elaboración propia en base a CEPAL (1996) y World Bank (1990)
Mario Lungo 73

Bastan estos ejemplos para ver como Señalemos, previamente, que la es-
la reestructuración de la economía, de tabilidad de los indicadores macroeco-
mantenerse tendencias como las ante- nómicos que muestra este país se basa
riores, puede introducir modificaciones en no en la producción nacional, sino en
el funcionamiento de los mercados de tie- dos factores externos: el alto volumen
rra urbana en los países latinoamericanos. de fondos, en carácter de donación,
recibidos entre 1980 y 1995 6 , y el cre-
Si se analiza un caso específico como ciente monto de remesas que envía la
El Salvador, es posible observar en de- población salvadoreña que ha migrado
talle las consecuencias en este funciona- al exterior, principalmente hacía los
miento. Para ello observaremos algunos Estados Unidos (Lungo, 1997).
indicadores económicos.

C uad ro 5 : Evolución de las remesas provenientes de los migrantes con relación al


PIB, las exportaciones de café y la maquila (millones de US$)
El Salvador, 1991-1996
1991 1994 1995 1996
Remesas 900.820 1,106.300 1,219.500 1,264.400
% del PIB 14.9 11.9 11.1 10.5
Proporción con
relación a las
exportaciones
de café 4/1 5/1 6/1 6/1
Proporción con
relación a las
exportaciones
de maquila 7/1 2/1 2/1 2/1
Fue nte: Elaboración propia en base a datos del Banco Central de Reserva

Esta situación, sumada al control de ocurriera una expansión del consumo


la inflación y a la estabilización del tipo que no guardaba relación con la estructu-
de cambio 7, hizo que, entre 1989 y 1995, ra productiva interna, generando una

6
El Salvador, a raíz de la guerra de los años 80, y para promover las reformas económicas y del
Estado, y posteriormente para la reconstrucción del país, fue uno de los mayores receptores de
ayuda internacional a nivel mundial.
7
Desde mediados del siglo hasta 1985, el cambio monetario se mantuvo estable en El Salvador,
mostrando la economía una de las tasas de inflación más bajas de América Latina. Luego de la
devaluación de ese año, la tasa cambiaria se ha mantenido sin modificaciones nuevamente.
74 Reestructuración Económica, Reforma del Estado y Mercados de Tierra Urbana

importante demanda de bienes inmobi- apreciar el dinamismo adquirido por el


liarios y provocando una importante alza sector vivienda, en particular, y por el
en los precios de la tierra urbana. sector de la construcción en general,
incrementando su participación dentro
Al observar la dinámica general de del PIB durante los últimos años, gene-
la economía a través de la formación del rando un mayor dinamismo en los mer-
Producto Interno Bruto (PIB), es posible cados de tierra, en particular los urbanos.

C uad ro 6 : Estructura del PIB por rubros escogidos. El Salvador, 1989/1995


(Precios corrientes en millones de US$)(a)

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995


Agricultura 28.4 11.2 17.5 14.6 14.3 14.4 14.6
Industria 18.8 18.6 22.1 23.8 22.4 22.3 21.8
Construcción 2.8 2.6 3.5 4.4 4.4 4.6 4.5
Comercio 21.1 34.6 18.9 18.9 18.7 19.2 19.5
Vivienda 3.7 5.8 10.8 9.9 9.0 8.3 7.9
Total 3,704.6 4,719.2 4,895.9 5,728.9 6,956.6 8,116.4 9,656.4
Fue nt e: Revista del Banco Central de Reserva, varios años
(a) Las cifras, a pesar de estar en precios corrientes, permiten ver las tendencias

Dada las limitaciones territoriales del han crecido a razón del 300% o más en
país, el dinamismo adquirido durante la mayoría de los casos (Gráfico 1).
estos años por los mercados de tierra
urbana también se reflejaron en el alza El mayor incremento en los precios
de los precios. de la tierra se da en ciertas zonas dentro
del Area Metropolitana de San Salva-
Aunque no existe información de- dor (AMSS), la aglomeración urbana
tallada sobre la evolución de precios que concentra la mayor parte de servi-
dentro de los mercados de tierra urbana, cios, comercio y producción industrial
los datos proporcionados por una empre- en el país, lo cual económicamente hace
sa salvadoreña que se encarga de llevar más atractivo el desarrollo de los mer-
las estadísticas sobre la evolución del cados de tierra en esta zona. Basta com-
sector formal de la vivienda, permiten parar, en ese sentido, la evolución de
notar el fuerte incremento de precios ocu- los precios de la tierra dentro del AMSS
rrido durante los últimos años, los cuales y en las ciudades secundarias.
Mario Lungo 75

Gráfico 1 : Precio promedio de la vara cuadrada en zonas seleccionadas del Area


Metropolitana de San Salvador de las principales ciudades secundarias (a)

Fuente : Mc Cormack, “Estadisticas de la construcción”, 1995


(a) 1 vara cuadrada equivale a 0.7396 metros cuadrados

Las diferencias de precios están vin- las cifras denotan una mayor participa-
culadas a la evolución de los precios de ción del sector de la construcción como
construcción en las distintas las zonas, demandante de crédito durante los últi-
las cuales en el caso del AMSS eviden- mos años.
cian las diferencias de ingresos de los
diferentes sectores sociales. Esto está Pero al analizar en detalle el destino
también estrechamente ligado a las del crédito al interior del sector de la
orientaciones del crédito otorgado por construcción resaltan varias cuestiones.
la banca comercial, la cual fue privati- Durante los años en que la participación
zada nuevamente a partir de 1989. de este sector como demandante de cré-
dito era bastante baja (menos de 5 pun-
Observando la evolución de estos tos), más de la tercera parte se destinaba
créditos, es fácil notar el impacto positivo hacia la producción de tierra, mediante
experimentado en el sector de la cons- las urbanizaciones. En cambio, a partir
trucción. Aunque el mayor peso en el de 1992, año en que la industria de la
otorgamiento de créditos sigue estando construcción aumenta su demanda de
sobre los sectores comercial e industrial, crédito, el monto destinado a la produc-
76 Reestructuración Económica, Reforma del Estado y Mercados de Tierra Urbana

ción de tierras vía urbanización cae a timos años en el mercado de tierra y vi-
casi el 20% del total del crédito, amplián- vienda en general, lo que está provocan-
dose la cartera de créditos a la adquisi- do una ligera disminución de los precios
ción de viviendas, rubro que era cubierto de la tierra urbana y suburbana.
en buena parte con fondos del Estado.
Adicionalmente, en 1992, se trans-
A pesar de que el sector financiero forma la estructura fiscal anterior. Esto
está destinando mayores recursos a la conduce a la derogación del impuesto
adquisición de viviendas, lo que posi- al patrimonio, lo que incide en la dis-
bilita la mayor producción de tierras minución de recaudación de fondos
dentro del mercado formal, en la actua- mediante los rubros de venta de la pro-
lidad, por las características del fun- piedad y de transferencias, y lleva a la
cionamiento del sector financiero y el reducción de costos en el sector de la
agotamiento de la demanda de bienes construcción, vía la disminución de im-
finales ocurrido a partir de 1995, se puestos, así como reducción de la trans-
están generando problemas de realiza- ferencias hacia el sector público a través
ción del stock existente durante los úl- del impuesto de renta a la propiedad.

C uadro 7: Estructura de los ingresos corrientes. El Salvador, 1980/1996


1980 (%) 1985 (%) 1990 (%) 1995 (%) 1996 (%)
Tributarios 22.7 16.7 22.2 90.7 93.9
No tributarios 4.4 10.6 3.3 4.9 3.4
Bienes y servicios públicos 29.2 38.8 45.2 0.0 0.1
Renta de la propiedad 7.4 5.4 6.3 0.0 1.0
Transferencias 36.3 28.1 21.7 1.2 1.6
Otros 0.0 0.5 1.3 3.1 0.0
Total 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0
Fuente : Elaboración propia en base a datos del Ministerio de Hacienda

A partir de 1995, la economía sal- una extraordinaria liquidez generada por


vadoreña comienza a experimentar una los recursos externos antes menciona-
desaceleración del crecimiento que dos, y que no ha logrado desarrollar la
había observado desde 1989, y que es capacidad exportadora. Para efectos de
expresión de los límites de una política la problemática que nos ocupa en este
económica que ha privilegiado el predo- trabajo, esta evolución lleva a una situa-
mino del sector financiero, apoyado en ción paradójica: mientras se reduce la
Mario Lungo 77

capacidad de compra de la población Pero quizás una de las medidas que


por la recesión experimentada durante tendrá mayores efectos, por incrementar
los últimos dos años, se mantiene una aún más la liquidez del sistema finan-
importante oferta de crédito para la ciero (y estimular así la demanda por
construcción de viviendas para los sec- parte de los sectores de mayores ingre-
tores de ingresos medios y altos, tenien- sos, que es el factor clave en el incremen-
do como resultado una disminución to de los precios de la tierra urbana), es
poco significativa de los precios de la la privatización de los fondos de pen-
tierra y de las vivienda urbanas a pesar siones en los próximos meses.
de la dificultades de realización de estos
bienes. El panorama de las principales Por otra parte, muchas de las medi-
ciudades salvadoreñas se caracteriza por das para reformar el Estado, tienen una
la existencia de un importante stock de limitada incidencia en los mercados de
viviendas y terrenos urbanizados de difí- tierra, dada la incompatibilidad de
cil venta. muchas de las leyes secundarias con las
primarias, y el cruce de funciones entre
No obstante, el incremento de pro- ministerios y municipalidades. A todo
ducción de tierra de manera formal se esto hay que agregar la inexistencia de
ha visto fomentado a través del sistema leyes de ordenamiento territorial y de
financiero, o a través de fuentes alter- medio ambiente, las cuales tienen un im-
nativas de financiamiento, como lo las pacto importante en el funcionamiento
ONG’s, las cuales otorgan fondos para de los mercados de tierra.
la construcción de viviendas populares,
manteniendo una demanda de tierra En lo que concierne a los programas
urbana que, dada la poca participación de regularización de tierra, no es sino
estatal en el financiamiento de este tipo hasta 1991 que el gobierno salvadoreño,
de viviendas, es importante. dentro del marco de la modernización
del Estado, iniciada un año antes, crea
Respecto a las medidas tomadas el Instituto Libertad y Progreso, el cual
para reformar al Estado, éstas han con- tiene como mandato dar asistencia téc-
tribuido a reforzar las tendencias presen- nica al Ministerio de Justicia para impul-
tes en la economía. La reducción del sar estos programas. Posteriormente se
número de empleados públicos, aunque inicia el importante proyecto de creación
de consecuencias sociales negativas, no del Centro Nacional de Registro men-
ha tenido una proporción extraordinaria cionado antes, con apoyo del Banco
dada la limitada dimensión del Estado Mundial.
salvadoreño. Mayores efectos tendrá la
privatización de las principales empresas Al nivel de la modernización esta-
públicas (telecomunicaciones, energía, tal, este sería el aspecto a destacar y que
puertos y aeropuerto, etc.), al reducirse ha incidido positivamente en el desa-
el número de empleados e incremen- rrollo de los programas de regulariza-
tarse el costo de los servicios ofrecidos. ción de tierra. Aunque la información
78 Reestructuración Económica, Reforma del Estado y Mercados de Tierra Urbana

es parcial e incompleta, a partir de 1993 miento de los mercados de tierra ur-


el Registro Social de Inmuebles inicia un bana.
ambicioso programa de regularización
de tierras, las cuales se van incorporan- En su conjunto, la breve descripción
do al mercado formal, dado que ello es de las tendencias recientes de los proce-
básico para proseguir con los procesos sos de reestructuración de la economía
de urbanización de dichas tierras. y de la reforma del Estado en el caso
de El Salvador, muestran que los efec-
El panorama económico, al menos tos de estos procesos en el funcio-
en el caso salvadoreño, a pesar de las namiento de los mercados de tierra
medidas de reestructuración tomadas, urbana son complejos, y están estrecha-
no es promisorio a mediano plazo. A mente relacionados con las peculiares
la esperada disminución del ingreso de condiciones históricas de cada país, por
divisas se agrega la dificultad de re- lo que se debe tener cuidado al plantear
conversión del aparato productivo conclusiones generales para América
industrial y el abandono casi total del Latina y el Caribe. No obstante, la re-
sector agrícola. La devaluación es una visión hecha es útil para formular las
medida que podría ser implementada proposiciones que a continuación se
a corto plazo, lo afectaría el funciona- plantean para su discusión.

Proposiciones para la discusión

Las proposiciones que se presentan a (1997), se estructuran de cara a tres


continuación giran alrededor de las in- aspectos, centrales en nuestra opinión
terrogantes planteadas al inicio de este para el desarrollo de las ciudades de
trabajo, referidas a las características América latina y el Caribe: las condi-
específicas del funcionamiento de los ciones de vida, la productividad urbana,
mercados de tierra urbana en América y la gobernabilidad de las ciudades.
Latina y el Caribe, y se relacionan con
algunas de las temáticas abordadas por
otros investigadores: las políticas de Primera proposición
tierras, la regularización, la segregación
socioespacial, la captación de plusvalías, La tensión entre lo legal / formal, por
el acceso a la tierra y a la vivienda, etc. un lado, y lo ilegal / informal, por el otro,
que ha caracterizado a los mercados de
Estas proposiciones, que parten de tierra en América Latina, tiende, por los
las características específicas más rele- procesos de reestructuración de la eco-
vantes del funcionamiento de los merca- nomía y de reforma del Estado en curso,
dos de tierra urbana en nuestros países, a modificarse al disminuir la ilegalidad
señaladas por el trabajo de Smolka en las formas de tenencia y propiedad
Mario Lungo 79

de la tierra urbana. Esto puede contribuir Estas “distorsiones” implican meca-


a mejorar las condiciones de vida de los nismos distributivos de la riqueza de
sectores de menores ingresos de nuestras carácter profundamente regresivos. En
ciudades siempre que la incorporación este sentido, aunque la reestructuración
al mercado de estas tierras no provoque de la economía y la reforma del Estado
su desalojo, así sea voluntario a través pueden conducir a volver más raciona-
de la venta de sus propiedades. Lo ante- les los tributos y las regulaciones sobre
rior exige de regulaciones en este sentido este bien, e incluso hacer más transpa-
que, a su vez, constituyen factores para rente y accesible la información sobre
construir relaciones de gobernabilidad este mercado, no pueden hacer que la
urbana democráticas. accesibilidad a la tierra urbana sea ge-
neralizada, y que la exclusión social que
Es importante, entonces, valorar jus- genera pueda ser eliminada.
tamente lo que se gana y lo que se pierde
con los procesos de regularización de la Por esta razón el impacto negativo
tierra. Hay que recordar que el derecho y la apropiación de los beneficios que
a tener un lugar tiene una expresión más generan las externalidades sólo pueden
fuerte en las ciudades latinoamericanas ser, parcialmente, redistribuidos a través
que en las ciudades del mundo desa- de nuevas formas de regulación en que
rrollado. participen el Estado y la sociedad civil.

Aquí, de nuevo, estamos frente a la


Segunda proposición cuestión de la gobernabilidad de las ciu-
dades, sus vinculaciones con la necesi-
Estos procesos pueden modificar algu- dad de mejorar las condiciones de vida
nas de las “distorsiones” más visibles con de la población y con la productividad
que funcionan los mercados de tierra en de las economías urbanas, para poder
nuestros países: la irracionalidad de los impulsar un desarrollo sostenible.
tributos y de las regulaciones, la insufi-
ciencia de información, la concentración
de compradores y vendedores, y el de- Tercera proposición
sigual impacto y apropiación de las
externalidades negativas y positivas. La reestructuración de la economía y la
Hablamos de “distorsiones” entre comi- reforma del Estado posibilitan y exigen
llas, porque sostenemos que ellas son la la formulación de nuevas políticas sobre
regla y no la excepción, y son intrínsecas tierra urbana que recojan la larga tra-
al funcionamiento de los mercados de dición existente en América Latina y el
tierra urbana, razón por lo cual lo califi- Caribe en torno a esta problemática
camos de estructuralmente imperfecto, (Clichevsky, 1997), y las innumerables
debido a que se trata de la transacción acciones que, desde distintos ámbitos de
de un bien de carácter finito y cuyas ca- la sociedad civil se han impulsado en
racterísticas son irreproducibles. nuestros países (Carrión, 1997).
80 Reestructuración Económica, Reforma del Estado y Mercados de Tierra Urbana

Sostenemos que estos procesos tierra urbana, lo que se enfrenta, sin em-
constituyen una condición de posibi- bargo, a las visiones que reducen el
lidad, en la medida en que la liberali- desarrollo al logro del libre funciona-
zación de la economía exige que los miento del mercado, al confundir mer-
mercados de tierra urbana, estructu- cado con capitalismo. El desarrollo
ralmente imperfectos como sosteníamos sostenible exige, pensamos, mejorar
antes, funcionen con el menor grado de sustancialmente las condiciones de vida
distorsión posible; que la reforma del de la población de las ciudades, espe-
Estado, en el sentido de la democra- cialmente de los sectores de menores
tización de su funcionamiento, requiere ingresos y excluidos socialmente; el
que los efectos negativos y positivos de incremento de la productividad de las
este funcionamiento se distribuyan de economías urbanas; y el establecimiento
forma más equitativa. de nuevas relaciones de gobernabilidad
urbanas en las ciudades. Adecuadas po-
Esta doble condición de posibilidad líticas de tierra urbana pueden constituir
y necesidad es lo que hace factible la un instrumento valioso para alcanzar
formulación de nuevas políticas sobre este objetivo.
Mario Lungo 81

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Nueva Sociedad, 1996. Ma rio Lung o é professor da Univer-
sidad Centroamericana “José Simeón
ROLNIK, Raquel, KOWARICK, Lucio, SOMEKH, Cañas” e Diretor Executivo da Ofici-
Nadia. São Paulo: crise e mudanca. na de Planificación del Area Metropo-
São Paulo: Brasiliense, 1990. litana de San Salvador - OPAMSS
Opinião
Relações Sociedade–Estado:
elementos do paradigma
administrativo 1

Ana Clara Torres Ribeiro

“(…) mas o que não se pode entender é que se


assista de coração indiferente à morte do que
apenas esmorecido está, em vez de se lhe en-
contrarem novos estímulos e energias novas.”

José Saramago, Viagem a Portugal

Estrutura e conjuntura

O tratamento do tema contemporâneo recente do país. Essas referências per-


da governabilidade – inscrito como pro- mitirão reconhecer continuidades, ou
blemática e meta no âmago das relações melhor, permanências que manifestam-
Sociedade–Estado – impõe a realização, se de forma simultânea à rápida difusão
ainda que breve, de referências à história de novas orientações para a ação, de

1
Este texto orientou conferência, realizada no dia 17 de setembro de 1998, no Curso de
Especialização, Educação e Desenvolvimento promovido pelo Departamento de Sociologia
da Universidade de Brasília e destinado ao quadro técnico do Ministério da Educação. Agra-
deço esta oportunidade ao Professor Brasilmar Nunes. Também agradeço aos alunos da
disciplina Teorias da Ação, ministrada no IPPUR/UFRJ ao longo do segundo semestre de
1998, as sinceras sugestões e críticas feitas à primeira versão deste trabalho e, especialmente,
a Jorge Luiz Borges Ferreira. Registro, também, o estímulo representado pela leitura cuidado-
sa, dessa primeira versão, realizada pelo Professor Jorge Natal.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 2, 1998, p. 107-125


108 Relações Sociedade–Estado: elementos do paradigma administrativo

novos códigos do agir, característicos da Frente à irregular intensidade desses


acomodação da sociedade brasileira aos processos, procuramos evitar a adesão
impulsos da globalização 2. a leituras que apontem exclusivamente
para o novo, omitindo marcas deixadas
por sucessivos e parciais processos histó-
Sem desconhecer as sérias críticas já ricos de modernização do país e, sobre-
realizadas à noção de globalização, gosta- tudo, as características únicas de nossa
ríamos de dizer apenas, nos limites deste formação social. De fato, a cada grande
texto, que reconhecemos através dessa momento de reorganização do capita-
noção a fase contemporânea do capita- lismo na escala mundial reproduz-se o
lismo, caracterizada pela hegemonia do diagnóstico do atraso do país; sendo que
capital financeiro e pela articulação ten- raramente se diz, como nos orienta Jessé
dencialmente mundial de processos pro- Souza (1998), qual é o real sentido desse
dutivos e, sobretudo, dos mercados. Para atraso. O autor nos alerta, também,
a análise preocupada com a organização contra a tendência à omissão das carac-
da sociedade, a globalização significa a terísticas societárias negativas das socie-
potencial radicalização do processo de dades que são assumidas como ideais a
ocidentalização do mundo, eivado de ris- serem perseguidos pela modernização
cos associados às crescentes conquistas econômica e social.
do pensamento pragmático e tecnocrá-
tico (Ianni, 1996; Latouche, 1996).
A fixação em modelos externos co-
labora para ocultar os interesses envol-
Na verdade, os impulsos da globali- vidos nas ondas modernizadoras e para
zação indicam tanto o adensamento postergar o exame da orquestração
(distante de preenchimento ou estrutura- entre tempos sociais que caracteriza a
ção) da escala mundial de fatos econô- vida social. Nesse ocultamento, desa-
micos, sociais e político-culturais – aos parece a possibilidade de apreensão
quais se subordina e se ajusta a socie- dos processos de arcaização do moder-
dade brasileira – quanto a difusão, mais no e de modernização do arcaico pro-
rápida, de orientações e comandos postos por Florestan Fernandes (l977)
absorvidos em países desigualmente para a análise da configuração assu-
posicionados na cena mundial (Santos, mida pelas classes sociais na sociedade
1996; Ribeiro e Silva, 1997). brasileira.

2
A minha percepção da relevância teórico-analítica da dialética permanência e mudança, na
compreensão da história do país, foi efetivamente construída durante os processos de pes-
quisa sobre a família desenvolvidos com a socióloga Ivete Ribeiro. Dessa trajetória de pesqui-
sa resultou o livro Família e desafios na sociedade brasileira: valores como um ângulo de
análise. Rio de Janeiro: Centro João XXIII; São Paulo: Ed. Loyola.
Ana Clara Torres Ribeiro 109

A partir dos anos 80, manifesta-se eficácia e do desempenho, podem ser


uma espécie de tomada de consciência difundidos – como demonstram tantos
do novo que deixa poucas oportunida- discursos dirigidos à educação e tantas
des para a reflexão concreta dos ritmos iniciativas empresariais expressivas da
e sentidos sociais da modernização. O manipulação da informação – sem que
novo novíssimo, nas palavras de Milton ocorra a ampla difusão da nova confi-
Santos (op. cit.), transforma-se em des- guração da empresa capitalista. Aliás,
tino ansiado, através, por exemplo, da esta é uma possibilidade já indicada por
percepção da influência exercida no Max Weber em A ética protestante e o
mundo contemporâneo pelas novas tec- espírito do capitalismo: “A forma capi-
nologias de informação e comunicação; talística de uma empresa e o espírito pelo
do reconhecimento de que a cultura qual ela é dirigida estão geralmente liga-
desempenha funções econômicas e po- dos por alguma relação de adequação,
líticas de grande relevância; da emergên- não, porém, numa relação de interde-
cia de atores políticos e identidades pendência necessária” (1987, p. 40).
coletivas expressivos de redes sociais e
técnicas que rompem os limites de vi-
vências locais e, mesmo, as fronteiras do Para Weber, o espírito do capitalis-
país. Os elementos apontados informam mo – racionalidade orientadora da con-
sobre mudanças no agir e nos ideários; duta – pode ser intensamente difundido,
porém, essas mudanças surgem, com sem a manifestação sincrônica das con-
mais clareza, quando percebemos a se- dições materiais da empresa capitalista
dução representada pelos novos méto- típica, da mesma forma que o espírito
dos, técnicas, equipamentos e disciplinas tradicional seria encontrável no âmago
articulados na administração dos re- da condução das firmas 3. Essa postura
cu rs os . analítica permite compreender como o
trabalho social, realizado neste século,
de formatação e codificação do “espíri-
Assim, existem elos sistêmicos entre to” do capitalismo – moral, atitude men-
relevância crescente da informação e tal, orientação da conduta expressivos
administração dos interesses e das rela- da racionalidade ocidental e da secula-
ções societárias. Esses elos, diretamen- rização –, permite a sua difusão em âm-
te expressivos da nova codificação da bitos sociais em princípio distantes da

3
De forma breve, com base no The Concise Oxford Dictionary of Sociology (Oxford University
Press, 1996, 2ª edição) podem ser localizadas no campo da teoria da ação as seguintes
correntes teórico-metodológicas que consideram a ação humana como o principal ou o único
objeto da sociologia: sociologia weberiana, sociologia fenomenológica ou hermenêutica,
interacionismo simbólico, etnometodologia e teoria da estruturação. Uma qualidade definitiva
da ação seria possuir, ao contrário do comportamento, um significado subjetivo para o ator.
110 Relações Sociedade–Estado: elementos do paradigma administrativo

empresa, como seriam a política, a reli- peração de alguns processos históricos


gião, a ciência e o Estado 4 . recentes também estimula a resistência
à absorção imediata de idéias (e ideá-
Os descompassos da modernização rios) difundidas por alguns atores da es-
são especialmente graves para as socie- cala mundial. Essa resistência torna-se
dades periféricas, já que estimulam a especialmente necessária pelo fato de
manifestação de correntes modernistas que conceitos e noções, com limitado
desvinculadas de compromissos com a apoio na análise de processos concretos,
compreensão e a transformação das re- têm encontrado rápida aceitação na
lações societárias. Nesse sentido, a recu- análise da sociedade brasileira.

A idéia da (in)governabilidade

Entre essas noções encontra-se a de go- Nesse enfoque atribui-se, com freqüên-
vernabilidade, estimulante implícito de cia, ao crescimento das demandas sociais
papéis a serem assumidos pelo Estado a responsabilidade pela crise do Estado
no tratamento das questões sociais. e, acrescentaríamos, pela inflação.
Marcus André B. C. de Mello (1995)
identifica o início da difusão da idéia de Segundo esse autor, a origem da
(in)governabilidade no Brasil ao final do idéia de ingovernabilidade, proposta pelo
governo Sarney, durante a crise da Nova diagnóstico conservador dos desafios
República. Trata-se da afirmação de um econômico-sociais, pode ser reconhecida
enfoque das questões político-adminis- nos anos 70 no quadro de estagflação
trativas, em que prevalece o diagnóstico dos países centrais. É naquele período
da incompatibilidade entre a multiplica- que a crítica ao Estado do Bem-Estar e à
ção das demandas sociais e a capacida- pressão política pela conquista de novos
de de resposta do aparelho de governo. direitos, realizada pelos movimentos

4
Weber também nos leva a refletir sobre o ativismo – as particularidades do sistema de ação
que caracterizaria o amadurecimento do capitalismo – do empreendedor capitalista: “A habi-
lidade de se livrar da tradição comum, um tipo de Iluminismo liberal, parece ser mais possi-
velmente a base mais adequada para o sucesso de um homem de negócio como este (…)
Tais pessoas, dominadas pelo espírito do capitalismo tendem hoje a ser indiferentes, se não
hostis para com a Igreja. A idéia do piedoso aborrecimento do paraíso exerce pouca atração
sobre sua natureza ativa.” (1987, p. 45-46) O ativismo, indicado por Weber, alerta-nos para
a possibilidade de que novos códigos de conduta (avaliações de desempenho e eficácia)
acompanhem e mesmo antecedam, em face da extensão alcançada pela reflexidade no mundo
contemporâneo, a difusão plena do sistema técnico. A percepção dessa possibilidade nos
permite indagar, através de orientação teórico-conceitual de Milton Santos (op. cit.), sobre a
relevância específica da psicoesfera nos vínculos entre sistema técnico e sistema de ação.
Ana Clara Torres Ribeiro 111

sociais, é canalizada em direção a uma ções Sociedade–Estado. Arranjos que


engenharia social que fosse capaz de ga- são concebidos, fundamentalmente, a
rantir a denominada governabilidade: partir da ótica do equilíbrio e não da
“Esse diagnóstico, hoje já quase clássico, ótica da mudança: “Os limites do cres-
continha três idéias-força: a de explosão cimento e do Estado social, a crise da
de demandas, a de saturação da agenda economia mundial, das finanças e do
pública (agenda overload) e a de prolife- meio ambiente, além da crise de legi-
ração de coalizões distributivas. (…). A timação e da ‘crise de autoridade estatal’
solução preconizada era o fortalecimento passaram a ser tópicos evidentes de
da autoridade política e a contenção de qualquer periódico conservador ou li-
demandas.” (Mello, op. cit., p. 24-25). beral para caracterizar o estado da so-
ciedade nacional e internacional. Que
Marcus André B. C. de Mello com- ‘assim não pode continuar’ é uma evi-
plementa a sua linha de argumentação dência hoje precisamente para os con-
indicando que o diagnóstico da ingover- servadores (…).” (1996, p. 28)
nabilidade se fez acompanhar, na Amé-
rica Latina e em particular no Brasil, de O deslocamento da compreensão da
um forte viés institucionalista, envolven- crise para o campo dos arranjos institu-
do o debate político em temas relativos cionais – acentuando os intentos de
aos arranjos institucionais necessários ao administração das relações Sociedade–
sistema produtivo. A esses elementos Estado – encontra, no Brasil, um amplo
acrescente-se a centralidade atribuída na espectro de adesões políticas e formas de
última década, pelo pensamento do- realização prática. Esse patamar de mu-
minante, à adequação da sociedade dança, intensamente refletido na mídia,
brasileira à velocidade da globalização, desfaz consensos políticos construídos
apresentada como destino irrecusável e, com base nas idéias de justiça social e
até mesmo, como anseio naturalizado. igualdade, reforçados na resistência à
ditadura militar e pela reivindicação de
Claus Offe também relaciona a idéia direitos dos anos 80. Surge um campo
de (in)governabilidade à emergência de discursivo, em que prevalece a crítica ao
um pensamento conservador sobre a corporativismo (coalizões distributivas) 5.
crise. Essa emergência significaria que Essa crítica veicula, no limite, o esgo-
a própria idéia de crise tendeu a ser des- tamento das possibilidades de preservar
locada da reflexão crítica do capitalismo e ampliar o acesso a garantias sociais;
para um diagnóstico pautado por preo- atingindo o pacto político expresso pela
cupações com novos arranjos nas rela- Constituição Federal de 1988.

5
A noção de corporativismo tem sido amplamente acionada, pela mídia e por porta-vozes do
Governo Federal, para nomear um amplo leque de reivindicações sociais e ainda para indi-
car, de uma forma difusa, a configuração do Estado que deve ser superada, por vezes mais
claramente referida através da denominação “Estado getulista”. Nesse sentido, o corpora-
tivismo surge como uma qualidade da ação indesejável, passível de ampla aplicação em
estratégias discursivas.
112 Relações Sociedade–Estado: elementos do paradigma administrativo

A análise da absorção, pelas elites cada vez mais rígidas, entre diretrizes para
políticas e econômicas, de novas cer- a política econômica e o redesenho do
tezas no enfrentamento das questões Estado. O diagnóstico da (in)governabi-
sociais exige a reflexão da influência lidade implica, também, no encontro de
exercida por modelos codificados e di- soluções político-administrativas de curto
fundidos a partir do agenciamento da prazo. Nessa direção, reconhece-se, na
crise nos (e a partir dos) países centrais. influência exercida pelo Banco Mundial,
Como pode ser percebido, a construção o lastreamento da idéia de governança,
da idéia de (in)governabilidade coadu- isto é, da face operacional e prática do
na-se, em sua fisionomia político-admi- diagnóstico da ingovernabilidade.
nistrativa, com orientações para o ajuste
de economias nacionais aos determi- Ainda nas palavras de Marcus André
nantes da globalização. B. C. de Mello: “O conceito (de gover-
nança) se distingue do de governabilida-
Como afirmam Eugenio Tironi e de, que descreve as condições sistêmicas
Ricardo A. Lagos: “Desde começos dos de exercício do poder em um sistema po-
anos oitenta, a partir de sinais emitidos lítico. Enquanto a governabilidade se
pelas instituições multilaterais de finan- refere às condições de exercício da auto-
ciamento e desenvolvimento – Fundo ridade política, governance qualifica o
Monetário Internacional (FMI) e Banco modo de uso dessa autoridade. Nessa
Mundial –, o conceito de ajuste estrutural perspectiva (…) se coloca um conjunto
passa a ser um elemento central das polí- de questões relativas ao formato institu-
ticas econômicas. Por ajuste estrutural cional dos processos decisórios, à defini-
entenda-se, de fato, a forma como as ção do mix público/privado nas políticas,
economias nacionais devem adaptar-se a questão da participação e descentraliza-
às novas condições da economia mun- ção, dos mecanismos de financiamento
dial (…).” (1991, p. 39) das políticas, e do escopo global de pro-
gramas (focalizados versus universa-
Existem assim complementaridades, listas).” (1995, p. 30) 6

6
No Brasil, mereceriam um estudo aprofundado os diversos usos da noção de (in)go-
vernabilidade. Essa noção adquire, juntamente com a noção de globalização, crescente rele-
vância, nos anos 90, na justificativa das decisões de governo. Também pode ser constatada a
tendência à sinonímia entre governabilidade e governança, o que reduz a consistência do
diagnóstico sistêmico que sustenta a teoria conservadora da crise. Dessa maneira, a
governabilidade adquire uma conotação quase exclusivamente referida ao Estado e, com
especial relevância, ao aprimoramento da máquina do governo. Exemplifica essa mutação
semântica o seguinte trecho do cap. IV (A reforma do Estado) da proposta de governo Mãos
à obra, do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso: “A reforma do Estado é indispen-
sável para a estabilidade econômica, o desenvolvimento sustentado, a correção das desi-
gualdades sociais e regionais. Ela irá torná-lo mais competente e voltado à inovação social
(…). É preciso criar as condições para a reconstrução da administração pública em bases
modernas e racionais. Isso significa assegurar a governabilidade e, sobretudo, tornar mais
eficaz e responsável a prestação dos serviços que a população requer nos campos da saúde,
previdência, educação e segurança.” (Cardoso, 1994)
Ana Clara Torres Ribeiro 113

A ênfase atribuída aos dilemas do do determinados ângulos das políticas


Estado contrasta, na experiência brasi- públicas: educação, habitação, sanea-
leira, com a reconstrução da vida social mento, transportes, saúde, assistência so-
durante o primeiro período da redemo- cial. As reivindicações sociais receberam
cratização. Assim, é importante reconhe- o apoio, no período, de um amplo leque
cer que as imposições da conjuntura de instituições com larga presença na his-
mundial acontecem pressionando (e, por tória política do país (igrejas, sindicatos,
vezes, reconfigurando) determinantes da entidades profissionais e de assessoria),
conjuntura nacional, ou seja, arranjos o que diz de sua capacidade de produzi-
políticos e alianças entre frações de classe. rem mudanças abrangentes nas relações
Os anos 90 significaram, em grande societárias (Fraga, 1996).
parte, retenção e tentativas de enqua-
dramento institucional de atores políticos No início dos anos 80, esses proces-
e sujeitos sociais construídos nas décadas sos de organização afirmam a sua força
anteriores (Ribeiro, 1991) e, como expres- política através de uma nova institucio-
são mais visível desse processo, uma nalidade, como exemplificam a criação
ampla difusão de novos formatos de in- de federações de associações de mora-
tervenção no tecido social. dores e a sua efetiva articulação em rei-
vindicações dirigidas aos governos
A disputa por recursos públicos tem eleitos (ver Grazia, 1993). Esse nível al-
sido, sem dúvida, especialmente dramá- cançado pela organização social encon-
tica na sociedade brasileira. Nos países tra expressão em plataformas, para a
centrais, inovações institucionais, cons- mudança da ação do Estado, defendi-
truídas a partir de imposições da rees- das na Assembléia Nacional Constituin-
truturação produtiva e do aumento da te; o que indicaria a existência, no caso
competição capitalista ao nível mundial, brasileiro, de correntes de pensamento
exigem a luta pela preservação de direitos virtualmente capazes de consolidar, com
sociais efetivamente usufruídos (Pereira, a presença dos movimentos sociais, um
1996). No Brasil, em contraste, o históri- projeto socialmente inclusivo de refor-
co alijamento de grandes parcelas da po- ma do Estado.
pulação do acesso a garantias sociais,
agravado pelas conseqüências da moder- Entretanto, ainda nos anos 80, acon-
nização conservadora dos anos 70, trans- tecem, no bojo da crise recessiva, as pri-
forma de imediato a defesa de direitos meiras alterações relevantes no quadro
em pressão por políticas redistributivas. institucional do país. Entre elas, pode
ser citada a extinção do BNH em 1986,
A luta contra a ditadura militar esteve um dos alvos dos protestos e reivindi-
associada à multiplicação de entidades e cações dos movimentos sociais urbanos,
de formas de organização política no e o início das mudanças ministeriais e
âmago do tecido social. Essas formas de das mudanças no trato da administração
organização permitiram a politização de pública que se acelerariam durante o go-
carências dos setores populares, atingin- verno Collor (Castanhar, 1991).
114 Relações Sociedade–Estado: elementos do paradigma administrativo

A presente década encontra-se mar- Sociedade–Estado, tendendo a fazer da


cada pela ênfase, quase exclusiva, no sociedade um referente emudecido do
enfrentamento da crise social e da crise projeto de reforma do Estado. Nesse
fiscal, trazendo, para o trato das ques- contexto, o aprimoramento da ação
tões nacionais, a reforma do Estado (tri- direciona, pelo menos aparentemente,
butária e na legislação trabalhista e a mudança desejada nas instituições
previdenciária). Essa alteração ocorre de públicas – conduzindo a percepção de
forma simultânea ao envolvimento de desempenho e eficácia –, enquanto a
atores sociais, antes afastados da formu- busca da legitimidade ocorre, sobre-
lação de políticas públicas e do apare- tudo, por meio de remissões aos setores
lho de governo, em questões relativas sociais identificados como excluídos ou
ao desemprego, à precarização dos vín- de referências genéricas à sociedade bra-
culos de trabalho (Sabóia, 1994) e aos sileira 7 . É em nome da sociedade e dos
novos formatos empresariais (Martins e excluídos – entidades sem discurso –
Ramalho, 1994). A atenção dirigida à que se defende, com freqüência, a re-
temática do emprego, associada à au- forma do Estado, como se a anunciada
sência de crescimento da economia bra- mudança institucional tivesse como fio
sileira, tem sido acompanhada por condutor exclusivamente parâmetros
projetos que visam à reforma da Cons- internos de eficiência e o correlato dis-
tituição de 1988. tanciamento de qualquer forma de sa-
tisfação a privilégios sociais ou interesses
Nesta década, elementos da teoria particulares. 8
da (in)governabilidade – mesclados a
referências à crise do Estado do Bem- Porém, mesmo os considerados ex-
Estar nos países centrais e, até mesmo, cluídos também podem ser conjuntural-
à enunciação da crise do próprio Es- mente associados a práticas corporativas
tado – pautam nitidamente as relações quando se apresentam organizados à

7
Evidentemente, não pretendemos reduzir a importância do fato objetivo da exclusão
socioeconômica, ao qual dedicamos seguidos estudos. Afinal, a exclusão social tem sido
analisada, desde os anos 60, na América Latina. Fazemos referência, neste momento, à
nomeação do Outro no discurso do Estado. Agradeço, neste momento, a Carlos Vainer, com
quem compartilho a disciplina Sociedade e Território, no Curso de Doutorado do IPPUR/
UFRJ, o permanente alerta para a centralidade do discurso na configuração dos sujeitos
so ciais.
8
Trata-se de uma alteração prático-discursiva que induz à auto-referência do ator. Este (o
Estado), a partir dessa alteração, torna rarefeito a remissão politicamente construída ao Outro
(a sociedade), indispensável ao processo democrático. Afinal, a consolidação do espaço público
depende dessa interlocução (embates, confrontos). Assim, o processo de auto-referência pode
ser apreendido noutros conceitos em rápida difusão nos anos 90, tais como empregabilidade
e trabalhabilidade, que acentuam a remissão de problemáticas sociais ao âmbito do indivíduo.
As qualidades do ator, considerado isoladamente, adquirem portanto relevância crescente
no quadro de valores difundido na década de 90. Nesse quadro, encontram-se cada vez
menos presentes os princípios morais garantidores e expressivos da solidariedade.
Ana Clara Torres Ribeiro 115

cena pública, como demonstram emba- rios quantitativos – ou da sociedade (lida


tes com o MST e alguns discursos referi- pelas pesquisas de opinião) tendeu a
dos à resistência social durante a seca que substituir a voz que iniciava a conquista
atingiu, em 1998, o Nordeste. Na década do espaço público por meio dos movi-
de 90, a ausência de voz dos excluídos – mentos sociais e da afirmação de antigos
identificados, sobretudo, através de crité- e novos sujeitos sociais.

Globalização e paradigma administrativo

Utilizamos a noção de paradigma admi- codificação crescente da ação, permitin-


nistrativo para indicar a sistematização do que a própria ação (aparentemente
de valores e de práticas que atualmente vazia de valores e sem referências subje-
traduz os ideais da eficácia, do bom de- tivas ou culturais) transforme-se num
sempenho e do sucesso e, portanto, a imperativo 9 .
conduta racional correspondente à atual
fase do capitalismo. Esse paradigma, cal- Além disso, a noção de paradigma
cado na empresa e no individualismo, administrativo transmite melhor a idéia,
corporifica o novo indivíduo desejável que desejamos acentuar neste texto, de
(trabalhador, administrador, governante, que o sistema de ação pode ser até certo
funcionário público, político). Esse indi- ponto autonomizado do sistema técnico.
víduo – verdadeiro protótipo divulgado A apreensão dessa possibilidade, indica-
por consultorias, assessorias, revistas es- da pela transformação paradigmática de
pecializadas, cursos (Ribeiro, 1995) – comportamentos e códigos de conduta,
emerge como síntese construída a partir favorece a análise dos efeitos sociocul-
da ação, codificada e positivada. Com turais do novo paradigma produtivo. E
estas breves palavras, queremos denotar mais, a noção de paradigma revela, con-
que a exacerbação da reflexidade, carac- forme proposto por Thomas Kuhn (1987)
terística das últimas décadas, estimula a para a ciência 10, a emergência de um

9
Nessa direção, Nicolau Sevcenko (1998) lembra-nos, em recente artigo publicado na revista
Carta Capital, que o governo de Margaret Thatcher realizou uma política insidiosa de corro-
são da solidariedade social. “Nunca é demais evocar seu imortal slogan de campanha: ‘Essa
coisa chamada sociedade não existe. O que existe são indivíduos’”.
10
Não podemos deixar de citar o seguinte trecho de Thomas Kuhn por ser especialmente
iluminador das potencialidades analíticas da noção de paradigma, também amplamente uti-
lizada por Edgar Morin (1996): “Tal como uma decisão judicial aceita no direito costumeiro,
o paradigma é um objeto a ser melhor articulado e precisado em condições novas e mais
rigorosas. Para que se compreenda como isso é possível, devemos reconhecer que um
paradigma pode ser muito limitado, tanto no âmbito como na precisão, quando de sua pri-
meira aparição. Os paradigmas adquirem seu status porque são mais bem-sucedidos do que
seus competidores na resolução de alguns problemas que o grupo de cientistas (no nosso
caso, o grupo no poder) reconhece como graves.” (p. 44)
116 Relações Sociedade–Estado: elementos do paradigma administrativo

estado de normalidade, ou melhor, nor- impõe o caráter deliberado na constitui-


matividade, apoiado por um consenso ção de redes. Com os recentes progres-
difuso, na vigência do qual deixam de sos da ciência e da tecnologia e com as
ser formulados questionamentos de prin- novas possibilidades abertas à informa-
cípio. Esse consenso distingue-se radical- ção, a montagem das redes supõe uma
mente do consenso político, conforme antevisão das funções que poderão exer-
tradicionalmente concebido, calcado no cer e isso tanto inclui a sua forma mate-
debate aberto de posições divergentes rial, como as suas formas de gestão.”
ou, quando sustentáculo do exercício le- (1996, p. 211) Acrescentaríamos que a
gítimo do poder, através de mecanismos antevisão indica, exatamente, a cres-
sociais de convencimento profundo. cente racionalidade, a ocidentalização
do mundo, apoiada pela rede técnica
Trata-se, atualmente, da difusão de mas dela se descolando para penetrar,
orientações discursivas e de práticas como intencionalidade e anseio sistêmi-
administrativas que expressam um novo co, na consciência social.
modo de fazer e de pensar favorecido
pela globalização. Os processos indicati- Novos desafios têm sido apresenta-
vos da globalização da economia, em que dos à ciência e à ética, como orienta
prevalece a força crescente do capital fi- Edgar Morin (1996). Fronteiras discipli-
nanceiro, dependeram, para o seu suces- nares são rompidas, assim como fron-
so, da renovação da base técnica da vida teiras culturais e psíquicas, possibilitando
coletiva (Santos, 1994). Os movimentos a instalação de um meio social propício
de articulação dos fluxos econômicos na ao uso das ciências sociais aplicadas no
escala mundial estão associados, tam- ordenamento da ação. As novas condi-
bém, à difusão de instrumentos de gestão ções técnicas da vida social modificam
e de manipulação de recursos. Esses a ação e os seus sentidos, mesmo que
instrumentos são indispensáveis tanto ao os significados da ação tendam a ser
aumento da produtividade quanto ao desgarrados do indivíduo.
controle dos mercados e da sociedade.
Propiciados pelas inovações tecnológi- Multiplicam-se as formas de interação
cas, alteram a ação na esfera da econo- e conexão, ao mesmo tempo que é ex-
mia, mas também a ação socialmente pandido o efeito potencial da ação infor-
desejável, pressionando as formas histo- mada. Essa expansão do sistema de ação
ricamente reconhecidas de conquista da altera elementos do tecido social através
legitimidade política. do monitoramento mais seguro das rea-
ções sociais. Bastaria citar, como exem-
Nas palavras de Milton Santos: “Se plo, o marketing político. Por outro lado,
compararmos as redes do passado às as práticas de monitoramento articulam-
atuais, a grande distinção entre elas é a se com o anseio por um maior nível de
respectiva parcela de espontaneidade na exatidão da ação. Essas qualidades,
(sua) elaboração (…). Quanto mais transformadas em metas, tornam-se al-
avança a civilização material, mais se cançáveis por meio da disponibilidade da
Ana Clara Torres Ribeiro 117

informação, permitida pelo novo meio; to, eficácia), a explicação em função de


mas, também, pelo controle da ação e, um único fator (o econômico ou o polí-
assim, pela expansão dos mecanismos de tico), a crença que os males da huma-
avaliação e feedback. nidade são devidos a uma só causa e a
um só tipo de agentes constituem outras
A idéia da avaliação (e, portanto, de tantas racionalizações. A racionalização
monitoramento e controle), cada vez pode, a partir de uma proposição total-
mais onipresente, reflete esta possibili- mente absurda ou fantasmática, edificar
dade; adquirindo, gradualmente, um uma construção lógica e dela deduzir
valor positivo em si mesma, indepen- todas as conseqüências práticas.”
dentemente do exame rigoroso do seu (Morin, op. cit., p. 157-158). A raciona-
significado para a vida social. Aliás, esse lização atinge o discurso da ética quando
é um dos caminhos de acesso ao alcan- permite que alguns se transformem em
ce do consenso difuso, apoiado pela autoproclamados defensores do prin-
mídia, que amplia o poder daqueles seg- cípio único, o que viabiliza uma proble-
mentos sociais que decidem e aplicam mática simbiose entre moral (concebida
os seus critérios. Seria necessário acres- a partir de valores elementares) e ética.
centar, ainda sob a orientação de Edgar
Morin (op. cit.), que a aguda codifica- As mudanças na ação atingem parti-
ção da ação racional introduz os riscos cularmente o Estado, dada a sua natu-
da racionalização 11 . reza de ente burocrático e planejador
(Ianni, 1963). Essa natureza torna mais
A substituição da racionalidade por elevados os riscos de racionalização
mecanismos institucionais e por práticas associados ao novo perfil da ação e agili-
de racionalização pode ser apreendida, zados pelo sistema técnico. A raciona-
em sua gravidade, na seguinte definição lização também pode ser analiticamente
proposta por esse autor: “A racionaliza- articulada com a crescente abstração do
ção é a construção de uma visão coeren- exercício do poder, colaborando para
te, totalizante do universo, a partir de afastar a sociedade da vivência da polí-
dados parciais, de uma visão parcial, ou tica. Esse afastamento constitui uma
de um princípio único. Assim, a visão ameaça à democracia, inclusive nos
de um só aspecto das coisas (rendimen- países centrais.

11
Edgar Morin propõe uma ampla rede conceitual articulada com a diferença entre racionalidade
e racionalização. Entre os conceitos propostos encontra-se o de manipulação, ligado à sua
proposta analítica da tecnologia. Por exemplo: “A tecnologia tornou-se, assim, o suporte
epistemológico de simplificação e manipulação inconscientes que são tomadas por raciona-
lidade.” (op. cit., p. 112).
118 Relações Sociedade–Estado: elementos do paradigma administrativo

Novas arenas, nova gestão

Os desafios contemporâneos não se li- promisso com o trabalho). A influência


mitam a ser aqueles, como indicaria o exercida pelo Estado, nesse nível, reflete
diagnóstico da (in)governabilidade, com a sua capacidade tanto de fornecer o
origem em demandas insatisfeitas e in- apoio necessário às tarefas exercidas
saciáveis – em crescimento pela conso- pela sociedade – através da garantia de
lidação da denominada sociedade de direitos – quanto de emitir e projetar
consumo – frente a recursos escassos. A orientações que a envolvam na constru-
nova base técnica e o novo teor da ação ção do futuro coletivo.
dizem da presença das grandes corpo-
rações (Dreifuss,1996) no comando de A própria complexidade do mundo
modos de pensar e fazer que, conforme contemporâneo exige o aumento da
referência anterior, alteram as relações capacidade de planejar e o encontro de
entre aparelho de governo e âmbitos da metas, de médio e longo prazos, que
vida social 12 . orientem a ação social; orientação que
depende do alargamento do espaço pú-
Os riscos trazidos pela racionalização blico. Essa exigência se torna mais aguda,
são particularmente significativos nas inclusive, frente à instabilidade econômi-
políticas sociais. Nelas, encontram-se ca e político-cultural decorrente dos fenô-
implicados os investimentos realizados menos associados à globalização 13 .
diariamente pela sociedade (criação de Como indica Milton Santos (1996), a
filhos, busca da educação formal, com- globalização traz um movimento extre-

12
Poderíamos acrescentar que, a cada grande momento de reconfiguração do capitalismo,
tornam a aflorar certezas orientadas pelo liberalismo que transformam-se em políticas
implementadas pelo Estado. Recorrendo a Gramsci: “A formulação do movimento da livre
troca baseia-se num erro teórico do qual não é difícil identificar a origem prática: a distinção
entre sociedade política e sociedade civil, de que distinção metódica se transforma e é apre-
sentada como distinção orgânica. Assim, afirma-se que a atividade econômica é própria da
sociedade civil e que o Estado não deve intervir na sua regulamentação. Mas, como na
realidade factual sociedade e Estado se identificam, deve-se considerar que também o libera-
lismo é uma ‘regulamentação’ de caráter estatal, introduzida e mantida por caminhos legislativos
e coercitivos (…). Portanto, o liberalismo é um programa político, destinado a modificar,
quando triunfa, os dirigentes de um Estado e o programa econômico do próprio Estado; isto
é, a modificar a distribuição da renda nacional.” (1968, p. 32)
13
Citando Alex Callinicus (1992): “(O) conflito entre forças e relações de produção é mais grave
no tocante ao caráter anárquico do capitalismo. A competição entre capitais constitui um
aspecto inerente a esse modo de produção, embora a forma que assume tenha variado de
acordo com o estágio de desenvolvimento capitalista e com a maneira como mudaram os
próprios agentes da competição: das firmas familiares da era vitoriana, passando pelos capi-
tais estatais militarizados na primeira metade deste século, e chegando às empresas
multinacionais do presente.” (p. 117)
Ana Clara Torres Ribeiro 119

mamente amplo de presentificação (aco- sem os correlatos efeitos sociais dese-


modação ao presente), impulsionado jáveis 14 .
pela própria natureza das redes técnicas.
Nesse processo, assim pensamos, a ação Nesse contexto, pode-se compreen-
positivada pelo pensamento dominante der que os processos de organização
volta-se para o imediato, para metas pal- social, fortalecidos nos anos 70 e 80,
páveis e controláveis. No movimento de sofrem os efeitos das mudanças societá-
presentificação, o planejamento tende a rias até agora assinaladas. A relação
ser substituído pela gestão dos recursos entre movimentos sociais e Estado
disponíveis, sendo a sua tecnicidade agil- passa, de um primeiro período caracte-
mente absorvida pelo Estado e por insti- rizado pelo confronto Sociedade–Es-
tuições sociais. tado, para um período de conquistas
institucionais, atingindo o atual momen-
Nesse ambiente, o planejamento to, quando são sistematizados projetos
adquire a fisionomia de projetos e pro- que visam à alteração de papéis e fun-
gramas. Sabe-se, ainda, que a globali- ções assumidos por movimentos, por
zação da economia fragiliza a autonomia mediadores institucionais e pelo Estado.
dos Estados nacionais e, portanto, a sua Entretanto, mesmo essa síntese, indica-
real capacidade político-administrativa. tiva da complexidade, ainda constitui
Retornando à orientação conceitual ofe- uma extrema simplificação.
recida por Milton Santos: “A tendência
atual é a que os lugares se unam vertical- No atual momento, permanecem ati-
mente e tudo é feito para isso, em toda vos os confrontos movimentos sociais x
parte. Créditos internacionais são postos Estado, assim como a luta social pela con-
à disposição dos países mais pobres para quista de uma institucionalidade de-
permitir que as redes modernas se esta- mocrática. São exemplos: o Movimento
beleçam ao serviço do grande capital Nacional pela Reforma Urbana; a força
(…). Na união vertical, os vetores de demonstrada pelo MST e a crescente visi-
modernização são entrópicos.” (op. cit., bilidade do Movimento dos Trabalhado-
p. 206) Ainda seria possível dizer que a res sem Teto (MTST). De fato, uma parte
entropia, quando referida ao sistema de significativa das respostas às reivindi-
ação, pode ser apreendida através da cações sociais ainda depende da ação
energia despendida na codificação, or- direta da sociedade: ocupações (de terras
ganização e controle da própria ação, e prédios públicos); saques; quebra-

14
No Concise Science Dictionary (Oxford University Press, 1996, 3ª edição) observa-se que:
“Em sentido amplo, entropia pode ser interpretada como uma medida da desordem; quanto
mais elevada a entropia maior a desordem. Como qualquer mudança real num sistema fe-
chado tende para uma mais elevada entropia, e desta maneira para uma desordem maior,
segue-se que a entropia do universo (se este puder ser considerado um sistema fechado) é
crescente e sua energia disponível é decrescente”. Em nossa compreensão, a busca auto-
referida da eficácia traz os riscos da entropia para as grandes instituições sociais.
12 0 Relações Sociedade–Estado: elementos do paradigma administrativo

quebras. Esta é a sociedade que Inaiá de As novas funções atribuídas às polí-


Carvalho e Ruthy Laniado (1993) de- ticas sociais alteram os seus clássicos vín-
nominaram de sociedade dos fatos culos com a conquista da legitimidade
consumados. A presente conjuntura ca- política e com mecanismos culturalmen-
racteriza-se, portanto, pela simultanei- te coerentes de integração social. Esses
dade de tempos sociais. vínculos, na experiência brasileira, foram
construídos tanto por conquistas da so-
Essa simultaneidade decorre da ace- ciedade organizada quanto por práticas
leração do tempo na periferia do capi- clientelistas e populistas de controle
talismo (Santos, 1993), da falta de social. Sob esse aspecto, deve ser obser-
resolução de questões estruturais em su- vado que atualmente, quando é ensaia-
cessivas moder-nizações da sociedade da uma ampla mudança no campo das
brasileira, da ampliação das carências políticas sociais, tende a ser salientada
coletivas e, também, da conquista de apenas esta última face, isto é, a que
direitos (Gohn, 1997). Além disso, as vincula as políticas sociais a formas ar-
mudanças antes observadas no plane- caicas de exercício do poder. Esquece-
jamento – que aproximam a ação do se, assim, da longa luta por direitos na
Estado do envolvimento prático imedia- sociedade brasileira.
to com uma multiplicidade crescente de
programas e projetos – também corres- A posição agora atribuída ao social
pondem à emergência de um campo de envolve mudanças no financiamento
intermediação e negociação das rela- das políticas públicas e na reconfigu-
ções Sociedade–Estado. ração do padrão de relacionamento
Sociedade–Estado. A busca de um en-
Não se trata, somente, da institucio- quadramento estratégico do social já
nalização de novas arenas políticas, pode ser observada no governo Sarney,
associadas a ganhos democráticos na quando foi ensaiada a sua tradução po-
gestão das políticas públicas (Schvas- lítica na figura do consumidor. Acre-
berg, 1993); mas, também, da posição ditamos não ser impróprio dizer que o
ocupada pelo social nas relações Socie- consumidor, dos anos 80, tem sido
dade–Estado. Manifesta-se um novo substituído, nos anos 90, pelo excluído.
ambiente do fazer associado à proble-
mática social, responsável pela estranha A atribuição e/ou a conquista de
situação hoje vivida, em que a vivaci- fundos dedicados às políticas sociais –
dade das práticas sociais – perceptível além do próprio acesso que o social via-
para aqueles com acesso ao universo biliza a recursos internacionais – têm des-
das ONGs e movimentos sociais – perde pertado o interesse, por esse campo, de
correspondência com propostas insti- agentes econômicos e atores políticos
tucionais abrangentes e com ganhos antes afastados da formulação das políti-
estáveis de democracia nas relações so- cas sociais. São exemplos: a multiplica-
cietárias. ção de organizações não governamentais
Ana Clara Torres Ribeiro 121

nos anos 80, a disputa entre igrejas pelo técnico, na substituição de atores sociais
acesso aos recursos públicos e a presença por mediadores distanciados da vivência
de entidades empresariais e centrais sin- popular.
dicais na área da educação. A atuação
de um leque heterogêneo de entidades e Na reconstrução institucional do
instituições no campo das políticas sociais país, desejada democrática, encontram-
pode ser apreendida, com facilidade, nos se em jogo o fortalecimento (ou não)
programas voltados para a qualificação dos movimentos sociais, assim como o
e a requalificação do trabalhador finan- desvendamento de caminhos para o
ciados com recursos do Fundo de Ampa- planejamento que reconheçam elemen-
ro ao Trabalhador (FAT). tos únicos da formação social brasileira,
além da diversidade de suas raízes cul-
Talvez possa ser afirmado, nessa di- turais. Esses caminhos talvez possam ser
reção, que são cada vez mais heterogê- reconhecidos naquelas experiências que
neos os desenhos das políticas sociais. A não despotencializem atores sociais, so-
heterogeneidade crescente tanto aponta bretudo os que representam interesses
para conquistas sociais como para os populares.
perigos da fragmentação. Afinal, os pro-
gramas passaram a refletir os investimen- A preparação para a cidadania plena
tos priorizados por um número crescente exige tanto a consciência de direitos e
de atores, transformando a natureza da deveres quanto a consolidação de uma
ação política. Observa-se, assim, a ten- institucionalidade socialmente integra-
dência ao lastreamento de um desigual dora. Para o real alcance dessas condi-
nível de institucionalidade nas diversas ções, é indispensável que as políticas
facetas das questões sociais. sociais percam as suas características de
favor e/ou de espaço da participação ou-
Nesse contexto, o exame da partici- torgada. A superação dessas caracterís-
pação social nas políticas públicas – um ticas depende da força da solidariedade
âmbito extremamente relevante para o social e de que os valores condutores
estudo da ação – impõe a consideração da ação sejam objeto de debate e de
de diferenças setoriais e, ainda, o re- amplo compartilhamento no âmago do
conhecimento dos atores políticos e tecido social. Na atual face da moderni-
agentes econômicos presentes em cada dade, o enfrentamento das tendências
processo. De fato, a participação nem à racionalização da ação social e à mani-
sempre significa o resultado concreto de pulação da vida coletiva impõe a valori-
conquistas sociais. Pode significar, ao zação, como indica Agnes Heller (1972),
contrário, um esforço de adaptação da da comunidade de valores. A influência
ação social a arenas distantes do apren- exercida pelo paradigma administrativo
dizado socialmente acumulado (Sousa, só pode ser contrarrestada por processos
1998). Além disso, a participação im- que fortaleçam a politização das ques-
plica, dependendo do seu ritmo e teor tões sociais. Os conflitos de interesse e
12 2 Relações Sociedade–Estado: elementos do paradigma administrativo

a sua negociação constituem, afinal, ele- nada à lógica dos negócios, subserviente
mentos indissociáveis da experiência da a noções de sucesso, ensina um huma-
democracia. O contrário da experiência nismo sem coragem, mais destinado a
democrática dos conflitos não é a eficá- ser um corpo de doutrina independente
cia, como se sabe, mas a violência. do mundo real que nos cerca, condena-
do a ser um humanismo silente, ultra-
A superação das faces lesivas da passado, incapaz de atingir uma visão
modernidade também depende de uma sintética das coisas que existem, quando
política para a educação – entendida em o humanismo verdadeiro tem que ser
sentido amplo – que favoreça a cidada- constantemente renovado, para não ser
nia. Nas palavras de Milton Santos: “A conformista e poder dar resposta às as-
educação corrente e formal, simplifica- pirações efetivas da sociedade (…).”
dora das realidades do mundo, subordi- (1987, p. 42)
Ana Clara Torres Ribeiro 123

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Pesquisas
Infra-estrutura Urbana e Produção
do Espaço Metropolitano no
Rio de Janeiro 1

Eduardo Cesar Marques

Este texto apresenta e analisa a política com técnicos do setor. Essas informa-
de saneamento na Região Metropolitana ções permitem a reprodução dos perfis
do Rio de Janeiro de 1975, data da fun- da política no tempo, assim como a dis-
dação da concessionária dos serviços, tribuição dos investimentos nos diversos
a Cedae, até 1996. 2 O estudo parte de espaços da Região Metropolitana do Rio
um levantamento exaustivo de informa- de Janeiro. Para tal foi utilizada uma
ções primárias sobre os contratos de base espacial produzida especialmente
obras e serviços de engenharia entre a para a análise. Esse esforço analítico nos
companhia e empresas privadas durante permite apresentar e discutir a política
o período, assim como de inúmeras en- nos vários espaços da cidade, analisan-
trevistas em profundidade realizadas do de forma concomitante os principais

1
Este artigo apresenta uma parte da tese de doutorado - Marques (1998a). Uma versão prelimi-
nar do mesmo foi apresentada no XI Encontro da ABEP, realizado em outubro de 1998 em
Caxambu, Minas Gerais.
2
A Cedae foi criada em 1975 a partir da incorporação à empresa de águas da Guanabara
(Cedag) de duas outras empresas: a empresa de esgotos da Guanabara (Esag) e a empresa
de saneamento do antigo Estado do Rio de Janeiro (Sanerj).

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 2, 1998, p. 129-155


130 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

argumentos da literatura de estudos ço metropolitano. Na terceira discutimos


urbanos. 3 as características gerais da política para
os vários espaços da cidade. Na quarta
O presente artigo se divide em cinco analisamos os perfis temporais corres-
partes. Na primeira apresentamos em pondentes a cada espaço separadamen-
traços muito gerais o conjunto dos inves- te. A quinta e última parte retoma as
timentos no período. Na segunda expo- principais tendências observadas e apre-
mos a base espacial produzida para a senta as conclusões do estudo.
distribuição dos investimentos no espa-

Os investimentos na região metropolitana


O total de investimentos do período R$ 1.748.197.754,89 (reajustados para
incluiu 777 contratos na região metro- dez./1996). A distribuição temporal dos
politana, somando aproximadamente recursos é apresentada no Gráfico 1.

Gráfico 1 : Investimentos na Região Metropolitana


300.000.000

250.000.000

200.000.000
R$ (dez. 1996)

150.000.000

100.000.000

50.000.000

0
1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

Anos
Fonte : Extratos de contratos da Cedae
3
Em Marques (1998a) analiso também as relações entre as políticas local e nacional, o “padrão
de vitórias” dos capitais contratados nas licitações, especialmente para obras, e a comunidade
profissional do setor saneamento. A partir dessas variáveis, construo uma explicação alternativa,
de fundo relacional, às interpretações da literatura para as políticas e a permeabilidade do Estado.
Em uma pesquisa anterior (Marques, 1993 e 1996), essa mesma política foi analisada para
um período mais curto (de 1975 a 1991), partindo dos contratos de financiamento do BNH
e da CEF com a Cedae, e estudando apenas a distribuição da política, sem tentar investigar
os padrões de intermediação de interesse que a explicam. A utilização dos contratos de obra
torna os resultados apresentados neste artigo bem mais completos, além de muito mais pre-
cisos no tempo e no espaço.
Eduardo Cesar Marques 131

O investimento médio anual foi de no perfil geral dos investimentos: entre


R$ 80.362.308,00, mas houve grande 6.800 reais em um pequeno contrato de
variação anual, entre cerca de 6 milhões execução de sondagem em São Gonça-
de reais em 1975 e quase 260 milhões lo em 1978 até quase 62 milhões de reais
em 1987. O contrato médio foi de cerca em um dos contratos de ampliação da
de 2,3 milhões de reais, mas a variação estação do Laranjal em 1995.
nos contratos foi ainda maior do que a

O Rio de Janeiro e seus espaços

Para analisar a distribuição espacial dos conteúdo social nas unidades ocorridas
investimentos sem lançar mão de uma no período intercensitário. 5
estruturação espacial definida a priori, 4
construímos uma base espacial agregan- Como unidades mínimas de agrega-
do as unidades espaciais segundo a sua ção, usamos os distritos censitários com
similaridade social, medida através de dados publicados nos censos: as regiões
indicadores selecionados, como ocu- administrativas (RAs) do Município do
pação, renda, mortalidade infantil, co- Rio de Janeiro e os municípios no caso
bertura por serviços, entre outros. A do restante da região. A utilização de tais
construção da base seguiu a metodolo- unidades implicou em limitações, já que
gia desenvolvida em Marques (1993) e em alguns casos os conteúdos sociais
depois aplicada novamente em Marques obviamente não são homogêneos. Com
(1994) e em Marques e Najar (1995). esse tipo de base certamente não conse-
No caso da presente pesquisa, foram guiríamos estudar a estrutura social na
construídas duas bases, referentes a Cidade do Rio de Janeiro, mas como o
1980 e a 1991. Ambas foram estrutura- agrupamento das unidades é apenas um
das usando análise de agrupamentos passo metodológico para a análise das
segundo as variáveis escolhidas. Em se- grandes direções da política pública ao
guida, alteramos a base de 1980 para longo do tempo, a precisão alcançada é
levar em conta as grandes transforma- considerada satisfatória.
ções indicadas pela base de 1991. Nesse
processo se deu maior importância à pri- A localização dos grupos, assim
meira, e a segunda foi utilizada apenas como as unidades que os compõem, são
para controlar grandes alterações de apresentadas no Mapa 1.

4
Para uma crítica e uma descrição dos problemas da utilização de modelos apriorísticos como
metodologia de distribuição de eventos no espaço, ver Marques (1998a e b).
5
Para maiores informações sobre a metodologia de produção de base e de distribuição dos
investimentos, ver Marques (1998a).
132 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

Mapa 1 : Distribuição dos Grupos de Unidades Espaciais

Grupo 1: Franja Metropolitana - Espaços pobres e rurais muito pouco providos de serviços
urbanos: Itaguaí, Maricá, Itaboraí, Mangaratiba, Magé e Paracambi.
Grupo 2: Periferia 1 - Espaços pobres e urbanos muito pouco providos de serviços urbanos,
com proporção elevada de ocupados na indústria de transformação: Nova Iguaçu,
Duque de Caxias, São Gonçalo e Santa Cruz.
Grupo 3: Periferia 2 - Espaços pobres e urbanos pouco providos de serviços urbanos, com
grande proporção de ocupados na indústria de transformação: São João de Meriti,
Nilópolis e Anchieta.
Grupo 4: Campo Grande/Bangu - Espaços urbanos e pobres pouco cobertos por serviços, com
altas proporções de ocupados na indústria: Campo Grande e Bangu.
Grupo 5: Suburbana - Espaços de renda média bem atendidos por serviços, com ocupação alta
na indústria e baixo crescimento demográfico: São Cristóvão, Ramos, Penha, Irajá,
Madureira e Méier/Engenho Novo.
Grupo 6: Centro ampliado/Ilha do Governador - Espaços de renda média bem dotados de
serviços, com decréscimo populacional já na década de 1970: Centro, Portuária, Rio
Comprido, Santa Teresa e Ilha do Governador.
Grupo 7: Zona Sul/Niterói - Espaços de renda alta muito bem atendidos por serviços urbanos,
com baixa proporção de ocupados na indústria de transformação e na construção
civil: Botafogo, Copacabana, Lagoa, Tijuca/Vila Isabel e Niterói.
Grupo 8: Barra/Jacarepaguá - Espaços heterogêneos de renda média e muito alta com médio
analfabetismo e altíssimas taxas de crescimento demográfico: Barra da Tijuca e
Jacarepaguá.
Grupo 9: Favelas - As favelas não foram separadas por seus indicadores socioeconômicos;
foram consideradas como um todo por terem sido objeto de políticas específicas no
período, que apresentaram grande importância distributiva.
Eduardo Cesar Marques 133

Os investimentos nos espaços da cidade

Com as unidades espaciais agregadas A distribuição por grupo é apresen-


nos grupos acima, procedemos à distri- tada a seguir. Os espaços mais beneficia-
buição dos investimentos e, em seguida, dos foram a Barra/Jacarepaguá, com
ao cálculo dos valores per capita referen- 21%; a Periferia 1, com 17%; a Zona
tes a cada agrupamento em cada ano, Sul/Niterói e o Centro ampliado/Ilha do
de forma a anular a distorção gerada pela Governador, com 16% e 12%, respecti-
diferença de tamanho entre os grupos. vamente.

Gráfico 2 : Distribuição dos investimentos por grupo

Fonte : Extratos de contratos da Cedae

De uma forma geral foram mais culo XIX, apresentando, portanto, um


beneficiados os espaços habitados pela estoque de equipamentos muito supe-
população de maior renda. Esses altos rior. 6 No entanto, convém destacar que
valores ficam ainda mais realçados se as proporções alcançadas pelos espaços
considerarmos que espaços como a habitados pela população de baixa
Zona Sul e o Centro ampliado recebe- renda, especialmente a Periferia 1, com
ram investimentos desde o final do sé- 17%, mas também as Favelas e a Peri-

6
Sobre o padrão histórico de dotação dos serviços, ver Marques (1995 e 1998a, Capítulo 2).
134 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

feria 2, com 8% do total investido, são recursos públicos dirigidos àquelas


muito superiores às descritas ou consi- regiões, como podemos observar no
deradas pela literatura. Apesar de não Mapa 2, a seguir. Segundo a maior parte
serem extremamente elevadas, especial- da literatura, esses espaços não teriam
mente considerando que aqueles espa- sido objeto de investimentos expressi-
ços não haviam recebido quase nenhum vos, o que explicaria o quadro geral de
investimento até então, as inversões re- carência de serviços naquelas áreas da
presentam um volume significativo de cidade. 7

Mapa 2 : Investimento Total por grupo de unidades

Fonte : Extratos de contratos da Cedae

Para melhor visibilidade do aspecto vernador em um pólo, e as Periferias 1


geral da política, podemos agregar os e 2, as Favelas e Campo Grande/Bangu
grupos novamente em dois espaços po- em outro. O procedimento simplifica
lares com relação à população que neles muito os conteúdos dos espaços da cida-
habita: Barra/Jacarepaguá, Zona Sul/ de, mas permite uma comparação geral
Niterói e Centro ampliado/Ilha do Go- antes de discutirmos os grupos separa-

7
É interessante observar que os resultados obtidos por mim e Marques (1993 e 1996), para um
número menor de anos e considerando apenas os contratos de financiamento, indicaram a
mesma dinâmica, mas superestimaram a elevação proporcional dos investimentos nas peri-
ferias.
Eduardo Cesar Marques 135

damente. 8 Denominamos esses dois es- que analisa os espaços habitados pela
paços polares de espaços das classes altas população de baixa renda.
e espaços das classes baixas.
Para a maior parte da literatura, os
No conjunto do período, os espaços espaços periféricos se caracterizam,
das classes altas receberam 55% do total entre outras coisas, por não receberem
de recursos, enquanto os espaços das investimentos públicos expressivos. Se-
classes baixas receberam 45% dos inves- gundo numerosos autores, essa situação
timentos. Essa informação deve ser tra- seria prevalecente até pelo menos a
tada com cautela, já que os espaços não metade da década de 1980. A abertura
são homogêneos e uma certa segrega- política, associando a volta das eleições
ção na distribuição dos investimentos no diretas com a pressão crescente dos mo-
interior de cada um dos dois grandes vimentos sociais urbanos, teria invertido
blocos certamente esteve presente. Isso o perfil de investimentos nas principais
quer dizer que provavelmente uma parte metrópoles. Esse processo seria respon-
significativa dos investimentos em es- sável pela melhora das condições sociais
paços predominantemente de classes medida pelos indicadores, que veio a ser
baixas deve ter sido realizada nas áreas analisada pela literatura sobre a chama-
habitadas pela população de melhor da “década perdida”. 9
renda e condições de vida, sendo seu
efeito distributivo menor do que o in- Segundo essa hipótese, a significativa
dicado pela comparação geral. No proporção de recursos para os espaços
entanto, mesmo considerando essa pos- das classes baixas poderia ser explicada
sibilidade, a proporção de investimentos por grandes inversões ocorridas a partir
nas áreas de menor renda é muito subs- de meados da década de 1980. A hipóte-
tancial e põe em cheque a percepção se pode ser testada pela análise temporal
dominante da literatura, em especial da dos investimentos nos dois espaços, apre-

8
Estudos de detalhe utilizando setores censitários têm alcançado resultados semelhantes a esse
padrão segregado dicotômico, ao menos para o Município do Rio de Janeiro. Najar (1998),
utilizando componentes principais com inúmeras variáveis, definiu três fatores. O seu mapea-
mento produziu uma estrutura muito próxima a esses dois pólos. No primeiro fator, correlacio-
nado positivamente com a renda e as condições de vida, os setores censitários se reagregaram
englobando aproximadamente a Zona Sul, o Centro, a Tijuca/Vila Isabel, a Barra da Tijuca e
uma parte de Jacarepaguá. O segundo fator, correlacionado negativamente com a renda e as
condições de vida, agregou os subúrbios, a maior parte da zona oeste e uma área significativa
de Jacarepaguá. O terceiro fator, muito menos importante estatisticamente, é correlacionado
com o percentual de casas próprias e com o acesso às redes de água e esgotos. O seu mapea-
mento não segue o padrão dos dois primeiros. Para o autor, a sua dispersão expressa o fato
de a propriedade das moradias no Rio de Janeiro não ter relação com status social ou renda.
9
Sobre esse nexo causal, ver Olivera et al (1991) e Faria (1992). Sobre a década perdida, ver
Tavares e Monteiro (1994) e Faria (1992). Sobre a dinâmica dos indicadores nos espaços do
Rio de Janeiro, ver Marques e Najar (1995).
136 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

sentada no Gráfico 3. O gráfico mostra 1993, inverteu-se a situação. Nos três


que os espaços das classes baixas re- últimos anos do período, entre 1994 e
ceberam mais investimentos que os das 1996, os investimentos nos espaços das
classes altas em quase todos os anos entre classes baixas voltaram a superar os
1975 e 1985. A partir deste último e até efetuados nos das classes altas.

Gráfico 3 : Comparação das políticas por tipo de espaço

300
R$ per capita (dez. 96)

250

200

150

100

50

0
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983

1984
1985
1986

1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
Anos
Espaços com classes altas Espaços com classes baixas
Fonte : Extratos de contratos da Cedae

A distribuição dos investimentos é Esse fato não é contraditado pelas


absolutamente inesperada se conside- péssimas condições sanitárias de algu-
rarmos as explicações correntes da lite- mas dessas áreas, já que em sua maio-
ratura para a dinâmica das políticas ria os investimentos observados foram
públicas urbanas nos anos 1980. No os primeiros a alcançar aquelas regiões
início do período analisado, as eleições da cidade. Os demais espaços já tinham,
para os governos estaduais eram indi- no início do período, um grande esto-
retas, a política do BNH/Planasa estava que acumulado de equipamentos, o que
em seu auge, contando com vultosos explica as diferenças de atendimento.
recursos e grande poder sobre as buro- Além disso, e esta é uma dimensão
cracias locais, e a organização dos mo- muito importante no caso do saneamen-
vimentos sociais urbanos ainda era frágil to, os sistemas implantados na periferia
ou inexistente. Apesar disso, em 9 dos são muitas vezes incompletos e de má
11 anos a partir da criação da Cedae, qualidade. Em muitos casos, a chegada
os espaços das classes baixas receberam das obras não significa a chegada dos
proporcionalmente mais recursos que os serviços. Por pior que tenha sido o aten-
das classes altas. dimento, entretanto, ocorreram inúme-
Eduardo Cesar Marques 137

ros investimentos, o que sem dúvida ra et al, 1991), que as duas curvas se
alguma contribuiu para a melhoria dos cruzaram. Os investimentos indicam um
indicadores sociais e de mortalidade na processo inverso ao habitualmente con-
“década perdida”. siderado pela literatura.

A partir da segunda metade da déca- Observemos agora a distribuição


da de 1980, ao contrário, quando os proporcional dos investimentos por go-
movimentos já se encontravam organi- vernante (Tabela 1). Considerando que
zados em federações ativas e quando os cargos de presidente da Cedae e de
as eleições diretas haviam sido implan- membro do Conselho de Administração
tadas para todos os níveis de governo, da empresa são ocupados por pessoas
os investimentos nos espaços das classes de estrita confiança do chefe do execu-
altas passaram a superar os realizados tivo, pode-se imaginar que a política de
nos espaços das classes baixas. É interes- investimentos em cada administração
sante observar ainda que foi justamente segue grandes diretrizes de política ori-
durante os anos 1985 e 1986, marcados ginárias do núcleo do executivo e que
tanto pelo colapso da política nacional os ciclos de investimento estão de algu-
de saneamento do BNH como pela in- ma forma relacionados aos ciclos das
tensa atividade dos movimentos sociais administrações.
urbanos na Baixada Fluminense (Olivei-

Tab ela 1 : Investimentos por Administração Estadual


Governos Estaduais Espaços das Espaços das Total
classes altas classes baixas
Faria Lima R$/hab. 235,3 182,7 417,9
% 56,3 43,7 100,0
Chagas Freitas R$/hab. 85,6 167,7 253,3
% 33,8 66,2 100,0
Leonel Brizola R$/hab. 171,2 216,8 388,0
% 44,1 55,9 100,0
Moreira Franco R$/hab. 556,5 270,5 827,1
% 67,3 32,7 100,0
Leonel Brizola R$/hab. 226,2 106,9 333,1
% 67,9 32,1 100,0
Marcelo Alencar R$/hab. 107,4 161,9 269,3
% 39,9 60,1 100,0
Total R$/hab. 1382,2 1106,5 2488,7
% 55,5 44,5 100,0
Fonte : Extratos de contratos da Cedae
138 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

Os Governos Moreira Franco e De qualquer forma, essas informa-


Faria Lima se caracterizaram por altas ções aparentemente confirmam a carac-
proporções de investimentos nos espa- terização do primeiro governo Brizola
ços das classes altas, cabendo ao pri- como fortemente redistributivo, assim
meiro uma das maiores proporções. O como a do governo Moreira Franco, a
segundo governo Brizola apresentou do governo Faria Lima e a do segundo
volume total de recursos reduzido, mas governo Brizola como regressivos com
também direcionou a maior parte dos relação aos investimentos públicos. O
recursos para os espaços das classes governo Marcelo Alencar, apesar de in-
altas. Os três demais governos aplica- completo na série histórica, parece trilhar
ram mais nos espaços das classes os mesmos passos redistributivos do
baixas do que nos das classes altas. O primeiro governo Brizola. Convém des-
governo Chagas Freitas foi o que apre- tacar que o governo Chagas Freitas, con-
sentou maior proporção para os es- siderado pela literatura como populista
paços das classes baixas em todo o e conservador, foi o que investiu a maior
período, mas também foi o que apre- proporção de seus recursos em áreas das
sentou o menor volume total de recur- classes baixas.
sos. O primeiro governo Brizola, assim
como o governo Marcelo Alencar, tam- A distribuição proporcional por tipo
bém investiram mais nos espaços das de espaço analisada até aqui, entretanto,
classes baixas do que nos das classes sofre a influência do ciclo geral dos re-
altas. cursos. Essa informação é apresentada
no Gráfico 4, que mostra a proporção
A longa maturação de alguns pro- relativa de cada espaço no total inves-
gramas, no entanto, faz com que deva- tido em cada ano. Nesse gráfico fica
mos considerar essas informações com muito visível a existência de uma di-
cautela. Alguns programas de grande nâmica de médio prazo da distribuição
impacto social foram negociados com proporcional das duas linhas de política.
agentes financiadores durante um gover- Apesar das variações anuais (que são
no, mas implantados com maior intensi- responsáveis pelas oscilações menores
dade no governo seguinte. São os casos do gráfico), é inegável a presença de
do Programa de Esgotamento Sanitário tendências de queda proporcional dos
da Baixada Fluminense (Pebs) e do investimentos nos espaços das classes
Prosanear (saneamento em favelas), ne- altas entre 1975 e 1984, de elevação
gociados durante o primeiro e segundo entre 1985 e 1991 e novamente de
governos Brizola, respectivamente, mas queda a partir de 1991. Essas tendências
implantados quase em sua totalidade são contrárias às consideradas pela
nos governos Moreira Franco e Marcelo maior parte da literatura de políticas
Alencar. urbanas.
Eduardo Cesar Marques 139

Gráfico 4 : Participação dos espaços no total investido

100%

80%
% do total investido

60%

40%

20%

0%
1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996
Anos
Espaços com classes altas Espaços com classes baixas

Fonte : Extratos de contratos da Cedae

Aparentemente o período inicial da definida basicamente por fatores endó-


Cedae se caracterizou por uma paulatina genos à produção e gestão da política.
incorporação dos espaços das classes A quase totalidade da literatura urbana
baixas às áreas de investimentos da tem enfocado fenômenos e atores relacio-
empresa até meados dos anos 1980. A nados com o lado da demanda dos ser-
partir desse momento ocorreu uma recu- viços de infra-estrutura. O que indicam
peração constante da proporção de in- os dados apresentados aqui é que, apesar
vestimentos nos espaços das classes da importância do lado da demanda, a
altas. Tanto a queda como a elevação política de saneamento é muito mais defi-
são bem mais longas do que os manda- nida por atores e processos envolvidos
tos dos governadores, durando de 8 a diretamente com o lado da oferta dos ser-
10 anos. O mais intrigante é que esse viços. No conjunto da política, e ao con-
padrão consistente é construído pela trário do que gostariam os defensores dos
superposição de uma série de políticas papéis dos movimentos sociais e dos ca-
espaciais aparentemente erráticas, algu- pitais imobiliário e fundiário, a dinâmica
mas delas explicadas pelo surgimento e dos investimentos é ditada muito mais
desaparecimento de programas espe- por fatores como disponibilidade de re-
cíficos, como é o caso dos programas cursos financeiros, poder relativo de pres-
orientados para as favelas. são de certas parcelas da burocracia
técnica, ligações específicas de grupos
Esse padrão é explicado pelo fato de profissionais do setor com políticos e em-
que a dinâmica dos investimentos é preiteiros, entre outros.
140 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

As políticas nos diversos espaços

Os perfis individuais dos grupos serão perfil não analisado em detalhes é o


analisados a partir de agora, assim como correspondente à Franja Metropolitana,
os mais importantes investimentos e por apresentar pequena importância
contratos que os compõem. A Tabela 2 para a compreensão da dinâmica dos
apresenta as informações por ano e investimentos na cidade.
grupo de unidades espaciais. O único

Tab ela 2 : Investimentos por Grupo de Unidades Espaciais (R$ per capita de 12/96)

Anos Espaços

Área Campo Periferia Periferia Centro / Zona Barra / Franja Favelas


suburbana Grande / 1 2 Ilha do Sul / Jacarep. Metrop.
Bangu Gov. Niterói

1975 0,03 0,02 1,24 0,02 15,77 2,48 0 0,01 0,32


1976 2,87 0,04 46,75 0,98 27,85 22,71 0,39 1,12 0,03
1977 32,69 0,06 19,93 6,75 14,35 130,08 0 5,78 0,05
1978 11,32 4,09 48,17 7,27 9,48 12,15 0 22,27 0,03
1979 0,68 0,34 6,23 1,11 1,27 4,38 0,02 0,12 0,29
1980 4,55 0,62 48,15 7,65 4,19 15,22 23,70 0,11 0,52
1981 9,86 10,22 14,57 12,53 0,26 11,67 13,25 0 1,67
1982 27,02 0,79 18,72 0,68 3,18 8,23 0,26 0,74 1,45
1983 16,78 5,89 16,7 1,58 7,25 18,58 2,77 0,08 1,19
1984 1,26 0,73 5,63 3,8 1,53 1,45 0,01 0,34 27,22
1985 0,63 0,32 7,39 4,83 0,27 0,46 13,36 0 11,71
1986 6,32 5,09 5,02 9,11 0,19 0,32 124,9 0,11 85,59
1987 3,72 0,32 57,57 131,14 1,47 30,17 259,5 0,14 4,86
1988 19,06 2,74 29,05 10,54 0,75 51,23 118,50 115,54 0,01
1989 0,21 0,02 1,26 3,94 70,49 3,35 0 0,05 0,01
1990 4,58 1,11 0,32 0,04 11,93 9,03 0 7,30 0,04
1991 0,01 0 0,02 0 0 22,4 55,61 0 0
1992 5,55 2,29 39,99 8,26 92,19 31,07 0,17 5,50 2,49
1993 0,33 0,17 6,8 0,16 3,65 2,91 0,01 0,47 2,25
1994 2,43 0,43 10,76 0,26 0,63 17,52 0,01 69,1 24,72
1995 0,36 0,35 26,73 0,26 0,15 19,72 0,01 5,66 42,47
1996 3,35 17,1 61,16 5,28 65,56 7,2 14,78 1,47 4,86

Total 153,61 52,74 472,16 216,19 332,41 422,33 627,40 235,91 211,78

Fonte : Extratos de contratos da Cedae


Eduardo Cesar Marques 141

P e r if e r ia s ção, à implantação do abastecimento de


água no Pólo Industrial de Santa Cruz
A distribuição temporal dos investimentos (1976/77), mas principalmente à implan-
nas Periferias 1 e 2 e em Campo Grande/ tação da subadutora da Baixada Flumi-
Bangu é apresentada no Gráfico 5. 10 O nense e demais obras complementares
perfil da Periferia 1 é o de valores mais de abastecimento (1977/80). Esta foi a
altos, apresentando montantes signifi- primeira obra a disponibilizar água da es-
cativos entre 1975 e 1980, em 1987 e tação do Guandu para a região, a partir
entre 1992 e 1996. do reservatório do Marapicu. 11 Os con-
tratos referentes à obra, no valor aproxi-
Os valores registrados na década de mado de 20 milhões de reais, estão entre
1970 dizem respeito, em menor propor- os 50 maiores da história da Cedae.

Gráfico 5 : Evolução dos investimentos em espaços periféricos

250

200
R$ per capita

150

100

50

0
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996

Anos
Cpo Gr./Bangu Periferia 1 Periferia 2

Fonte : Extratos de contratos da Cedae

10
Para permitir a comparação entre os vários perfis, a escala dos gráficos relativos aos grupos
apresentados a partir desta seção é a mesma, independentemente dos valores máximos das
sé rie s.
11
Expressando um padrão típico do setor, a ligação da Baixada foi localizada em um ponto alto
no reservatório. Com isso, a adutora somente recebia água quando a vazão nas demais
adutoras já estava garantida. Essa captação era também a primeira a ser atingida em mo-
mentos de escassez. Segundo entrevista, essa situação foi alterada na reforma da estação em
19 9 2 .
142 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

Convém acrescentar que esse inves- parecem ser a grande distância no


timento, apesar de significativo (e pio- tempo entre a ocupação e o início dos
neiro), ficou longe do necessário para serviços e a baixíssima efetividade dos
abastecer a região em quantidade sufi- arranjos institucionais e da implantação
ciente. Durante a década de 1980, as das intervenções. A qualidade das obras
redes locais foram sendo ampliadas por na periferia é sempre inferior à das exe-
obras menores, inclusive executadas cutadas nas áreas centrais da cidade. A
com pessoal próprio da empresa, mas fiscalização da companhia é sempre
os volumes aduzidos assim como a ca- menos rigorosa em relação tanto aos
pacidade de reservação sempre estive- resultados quanto ao processo, sendo
ram muito abaixo do necessário. Por muito comum a permanência durante
isso, a falta de água e os rodízios e ma- semanas ou até meses de ruas interdi-
nobras sempre fizeram parte do cotidia- tadas, parcial ou totalmente obstruídas
no da população local. Os sistemas de com material escavado ou valas abertas.
esgotamento sanitário também inexis- Como quase sempre as redes são im-
tiam até a segunda metade dos anos plantadas sem as outras obras essenciais
198 0. (como pavimentação e drenagem), uma
parte significativa das redes é danificada
Os investimentos verificados nos pelas águas das chuvas e pelas inunda-
anos 1986, 1987 e 1988 representam a ções típicas da região, sendo necessárias
complementação do sistema de abas- desobstruções e reconstruções antes
tecimento da Baixada, assim como a mesmo do início da operação.
construção de redes de esgotamento sa-
nitário na região. A construção dessas Apesar disso, no entanto, não é pos-
redes é responsável pelos investimentos sível sustentar que os investimentos pú-
observados nas periferias 2 (principal- blicos não alcançaram as periferias na
mente) e 1 naqueles anos, formados ba- região metropolitana, como já ressaltado
sicamente pelo PEBS e pelo Programa em Marques (1993 e 1996). Os investi-
de Setorização do Abastecimento na mentos tiveram início já nos anos 1970,
Baixada Fluminense. Essas iniciativas ainda durante a ditadura militar, quando
aumentaram muito a cobertura de esgo- as eleições para governador ainda eram
tamento, como ajudaram a racionalizar indiretas, período áureo da política na-
o abastecimento, sendo impressionantes cional do regime militar e antes da con-
as metas físicas alcançadas. Quanto ao solidação de movimentos sociais de
serviço implantado, não é possível afir- peso na região.
mar o mesmo. As obras, especialmente
as de esgotamento, foram incompletas O fato de os investimentos terem
e de péssima qualidade e, em alguns ocorrido antes da volta das eleições di-
casos, foram perdidas. retas para governadores e da consoli-
dação de movimentos sociais de vulto
Duas questões-chave para a com- na Baixada Fluminense está relaciona-
preensão das intervenções na periferia do com as elites políticas locais e com
Eduardo Cesar Marques 143

as eleições. Nesse particular, é preciso No entanto, algumas das piores caracte-


que se explicite que a presença e a im- rísticas da representação política bra-
portância de fortes elites políticas locais sileira e da relação dos políticos com a
não desapareceram durante os gover- população periférica persistiram, embo-
nos militares. Na verdade, parte signifi- ra com outras regras de funcionamento.
cativa dessa mesma elite continuou ativa Não se quer dizer com isso que os inves-
após a redemocratização, como com- timentos sejam explicáveis somente (ou
provado pelos casos de Silvério do Es- principalmente) por essa dimensão, mas
pírito Santo, José de Amorim e Hydekel que, ao contrário do que considera a
de Freitas Lima, todos importantes po- maior parte da literatura sobre o espaço
líticos locais que continuaram a domi- urbano do Rio de Janeiro, o clientelismo
nar suas regiões após a volta das eleições continuou a imperar nas relações entre
diretas para os cargos executivos. os chefes políticos locais (nomeados
para cargos executivos ou eleitos para
Em alguns casos, determinados polí- legislativos) e as populações das peri-
ticos viram seu poder declinar a partir ferias.
da implantação do regime militar, mas
conseguiram transferi-lo parcialmente Uma outra dimensão do fenômeno
para herdeiros mais palatáveis ao regi- tem natureza institucional e nunca foi
me. O melhor exemplo é a dupla Tenó- explorado pela literatura. Até a fusão,
rio Cavalcante-Hydeckel de Freitas. as áreas da Baixada Fluminense e de
Tenório, chefe político e “coronel urba- São Gonçalo componentes das perife-
no” na Baixada a partir dos anos 1930, rias 1 e 2 eram atendidas (ou não eram
foi cassado e caiu no ostracismo a partir atendidas) pelo antigo Estado do Rio de
de 1964, mas Hydeckel, seu genro, foi Janeiro, muito menos capacitado técnica
deputado federal pela Arena em 1975, e financeiramente para a gestão dos ser-
pelo PDS em 1979, foi prefeito nomea- viços que o Estado da Guanabara, além
do de Caxias em 1982 e, no final dos de envolvido com grande quantidade de
anos 1980, prefeito eleito, suplente de sistemas de água e esgotos no interior.
senador e depois senador pelo PFL Com a fusão dos estados, a nova empre-
(Beloch, 1986). 12 sa, sob hegemonia dos técnicos da em-
presa de águas da Guanabara, ganhou
A implantação dos governos milita- uma ampla periferia desassistida, cujo
res certamente significou a supressão das atendimento, mesmo que precário, pas-
regras democráticas, assim como redu- sou a ser encarado como prioritário du-
ziu significativamente a representação rante o governo Chagas Freitas.
das camadas mais pobres da população.

12
A história de Tenório está tão ligada à da Baixada Fluminense que seu primeiro emprego na
região, recém-chegado de Alagoas, foi de apontador de obra da construção da rodovia Rio-
São Paulo, conseguido diretamente pelo engº Hildebrando de Góes, o responsável pela
dragagem da região nas décadas de 1930 e 40. Por um outro efeito de “social network”, o
filho de Hildebrando viria a ser presidente da Cedae em 1991 e 1992.
144 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

A elevação relativa dos investimen- Com o apoio dos grupos de base da igre-
tos nos espaços das classes baixas ja católica e de organizações não gover-
observada no Gráfico 4 é explicada em namentais, as federações conseguiram
primeiro lugar pela presença de impor- se articular em um fórum comum em
tantes políticos locais, com acesso aos 1984 – o Comitê Político de Saneamento
centros de decisão do executivo. No Básico da Baixada Fluminense, que
entanto, o fenômeno tem origem princi- realizou reuniões periódicas e mobiliza-
palmente na transformação institucional ções, incluindo passeatas à sede do go-
que representou a incorporação da Bai- verno estadual e a Brasília.
xada Fluminense e São Gonçalo à mes-
ma estrutura administrativa que gerava
os sistemas de áreas como a Zona Sul A partir de 1986, a Cedae iniciou
carioca. 13 uma experiência piloto de esgotamento
sanitário em São João de Meriti (Vilar
dos Teles) com tecnologia não conven-
Sobre os movimentos sociais, algu- cional, a ser usada em toda a Baixada
mas informações a respeito das mobili- Fluminense. As redes foram implanta-
zações devem ser apresentadas para a das no sistema condominial, em que as
melhor compreensão do quadro político redes internas às quadras são implanta-
que cercou os investimentos nas periferias das como em um condomínio até um
na segunda metade dos anos 1980. ponto de ligação na rede pública, redu-
Desde o início da década, numerosas zindo declividades, profundidades e diâ-
associações de bairro se organizaram na metros e simplificando os materiais
Baixada a partir de reivindicações ligadas utilizados. O tratamento testou a tecno-
a condições de vida e infra-estrutura ur- logia de tratamento eletrolítico, bastan-
bana. Essas associações unificaram suas te inovadora e experimental. As duas
lutas em federações municipais; a primei- iniciativas fracassaram e as licitações
ra, fundada em 1981 – o MAB de Nova realizadas a partir de 1987 utilizaram
Iguaçu –, e as duas outras, em 1983 – a apenas tecnologias convencionais.
ABM de São João de Meriti e o MUB de
Caxias. Essas federações se engajaram
em intensa mobilização em torno do Os investimentos efetuados a partir
saneamento básico e da saúde, especial- da segunda metade dos anos 1980,
mente na segunda metade da década. portanto, podem ser associados à pre-

13
A fusão das três empresas responsáveis pelos serviços, em 1975, representou também a fusão
das suas redes de relações pessoais, alterando significativamente a forma pela qual tanto os
políticos locais como o comando da administração estadual influenciavam as políticas. Essa
dimensão é importante para se entender a política, mas é ainda mais fundamental para a
compreensão das vitórias dos capitais “contratistas” nas licitações, embora esteja fora do
escopo do presente trabalho. Ver Marques (1998a).
Eduardo Cesar Marques 145

sença dos movimentos sociais ativos nas observável no Gráfico 5 na década de


periferias. 14 Os investimentos na região, 1990 diz respeito exatamente aos inves-
no entanto, como já descrevemos, co- timentos naquele espaço. O volume de
meçaram cerca de dez anos antes, em recursos aplicado foi extremamente ele-
grande parte devido a uma dinâmica vado, cerca de 55 milhões de reais exclu-
institucional completamente desconhe- sivamente para o município e cerca de
cida pela literatura que tem descrito as 62 milhões de reais para São Gonçalo
políticas urbanas no Rio de Janeiro. juntamente com outros municípios.

Embora o programa de esgotamento Como pode ser observado no Gráfi-


implantado a partir de 1987 na Baixada co 5, os investimentos em Campo Grande/
Fluminense incluísse oficialmente o Muni- Bangu foram muito reduzidos durante
cípio de São Gonçalo, os investimentos todo o período.
realizados de 1986 a 1988 praticamente
não o atingiram. O município veio a rece-
ber seus primeiros investimentos de vulto Favelas e Subúrbios
apenas no início dos anos 1990, já no
Programa de Despoluição da Baía da Os investimentos nas favelas e subúr-
Guanabara. A elevação da Periferia 1 bios são apresentados no Gráfico 6.

Gráfico 6 : Evolução dos investimentos em favelas e subúrbios

250

200
R$ per capita

150

100

50

0
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996

Anos
Suburbana Favelas

Fonte : Extratos de contratos da Cedae

14
Em fevereiro de 1988 a região foi arrasada por uma inundação que resultou em 18 mortos e
4.150 famílias desabrigadas. As obras de esgotamento realizadas nos anos seguintes se con-
fundiram com as de controle de enchente na região. Para informações sobre os movimentos
sociais na região, as enchentes e a luta pelo saneamento, ver Oliveira et al (1991).
146 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

O perfil da área suburbana indica a 1986. De acordo com informações de


presença de dois períodos de investi- entrevistas, a implantação de um pro-
mentos médios, 1977/78 e 1982/83, grama com o objetivo de dotar as favelas
além de um ano com valor médio isola- de serviços foi uma decisão política
do, 1988. O primeiro conjunto de inves- oriunda diretamente do gabinete do go-
timentos destinou-se à ampliação da vernador. Para coordená-lo foi escolhida
estação de tratamento de esgotos da uma engenheira da estrita confiança do
Penha, construída em 1941 como parte presidente e do PDT, que só deixou essa
do esforço do governo federal para ocu- função para assumir a diretoria mais im-
pação daquela região pela indústria e o portante da empresa.
operariado urbano (Marques, 1995 e
1998a). No início dos anos 1980 (1982/ Apesar do envolvimento de parte
83), novos investimentos foram realiza- dos técnicos na implementação das pro-
dos na região, especialmente no reforço postas, também nesse caso a qualidade
do seu abastecimento. O Programa de das intervenções deixou muito a desejar.
Despoluição da Baía da Guanabara, Apesar de as obras nas favelas terem
iniciativa responsável pela retomada de sido significativamente mais bem execu-
altos índices de investimento nos dois tadas que as efetuadas posteriormente
últimos anos de nossa série histórica (ver na Baixada, as condições urbanísticas e
Gráfico 1), inclui novas obras na estação topográficas dos núcleos favelados agra-
da Penha e nas bacias de esgotamento varam os problemas, e alguns anos mais
que contribuem para essa estação, mas tarde a maior parte das intervenções já
tais obras não chegaram a ser execu- tinha fracassado totalmente, em especial
tadas até o final do período estudado. pela falta das outras infra-estruturas. A
partir do fim do Proface, com a troca
Durante o período estudado, as fa- do executivo estadual, os investimentos
velas foram objeto de duas políticas es- naqueles espaços voltaram ao patamar
pecíficas, o Proface, durante o primeiro anterior, próximo de zero.
governo Brizola, e o Prosanear, iniciado
no segundo governo Brizola e implemen- A partir de 1994 se iniciou um novo
tado na sua maior parte no governo pico nos investimentos. A história insti-
Alencar. Até o início do Proface as favelas tucional desse programa merece ser con-
não haviam recebido investimentos, e é tada com algum detalhe. Ao contrário
interessante observar que, apesar dos da política de favelas anterior, as origens
investimentos do governo Chagas Freitas do programa foram externas, pois tra-
em espaços das classes baixas e de suas tava-se de iniciativa de âmbito nacio-
ligações com políticos do MDB vincula- nal. Em 1992, a Cedae fora informada
dos a favelas, não ocorreram investimen- pela CEF de que havia uma dotação
tos nesses núcleos no seu governo. alocada há alguns anos para a favela
da Rocinha, e não aplicada, e que ela
O Proface foi responsável pelos altos seria redirecionada para outro estado.
valores dos investimentos entre 1984 e Em um mês a Cedae apresentou proje-
Eduardo Cesar Marques 147

tos para seis favelas, e como os custos Graças aos descontos oferecidos
previstos para esses projetos extrema- pelas empreiteiras e aceitos pela Cedae
mente simplificados e preliminares não e pela CEF, grande parte do valor do
consumiriam todo o recurso, a Cedae programa não seria utilizado. A Cedae
solicitou a inclusão de mais cinco fave- negociou então com os agentes financia-
las. As licitações de obra foram realiza- dores a inclusão de mais 42 favelas, ela-
das em 1993, com base nesses projetos borando para elas projetos no mesmo
elaborados às pressas. 15 nível de precisão dos anteriores. Essas
favelas foram divididas em dois novos
Em todas as licitações efetuadas, os pacotes de licitações.
vencedores apresentaram preços muito
menores que os estabelecidos pela em- Se no primeiro grupo de licitações a
presa, que não havia fixado preço míni- prática de dumping foi disseminada, os
mo. Os “mergulhos” (ou dumping), como seguintes parecem ter sido marcados
são comumente denominados os abati- pela cartelização. 17 É isso que sugerem
mentos estratégicos, variaram de 68 a os resultados dos certames: em três lotes
29% 16 . No caso de uma favela do pro- a empresa “C” teve o menor preço,
grama, por exemplo, o preço inicial era sendo secundada por “P”; em outros
de aproximadamente 11 milhões de três, “P” ficou em primeiro e “C”, em
reais, e a empresa vencedora se ofereceu segundo. Em apenas uma licitação, uma
para executar a obra por 3,8 milhões. terceira empresa venceu: “M” ficou em
Após sua vitória e a concessão de todos segundo, e com a desclassificação da pri-
os aditamentos possíveis, a empresa soli- meira colocada (“P”) por problemas de
citou o rompimento do contrato, auxilia- documentação, foi contratada. Como re-
da pela legislação referente a contratos sultado, “P” ganhou as obras em seis
com o Plano Real. A Cedae realizou nova favelas; “C”, em oito; e “M”, em duas.
licitação para as “obras complemen- Mais tarde, “C” faliu e suas obras foram
tares”, no valor de cerca de 14 milhões paralisadas.
de reais. Desnecessário dizer que essa
nova licitação foi vencida pela mesma Com todos esses problemas e os re-
empresa. cursos de uma favela sendo utilizados

15
Segundo entrevistas, os projetos foram elaborados por duas empresas projetistas que não
estavam contratadas para tal, mas que tinham outros contratos com a Cedae. Os serviços
foram pagos por contratos assinados no início de 1996 através de uma dispensa de licitação
no valor de cerca de 1,8 milhão de reais. A maior parte das informações sobre esse programa
é originária de entrevistas com técnicos do setor. Cf. Marques (1998a).
16
O dumping tem a seguinte lógica: as empresas realizam as partes mais lucrativas dos siste-
mas – elevatórias, reservatórios e outras obras civis e redes de maior porte – e em seguida
pedem todos os aditamentos possíveis aos contratos. Quando não é mais possível aditar,
ameaçam romper o contrato alegando desequilíbrio econômico-financeiro.
17
A cartelização se caracteriza pelo acordo prévio das empresas licitantes com relação a preços
ou demais condições, dividindo previamente as licitações existentes entre elas e acordando o
conteúdo das propostas dos “concorrentes”, supostamente sigilosas.
148 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

para 53 núcleos, o valor inicial do pro- questão central é que durante todo o pe-
grama pulou de 28 milhões de reais (13 ríodo não houve uma única política que
milhões do BIRD, 8,5 milhões da CEF apresentasse continuidade gerencial e
e 6,5 milhões do estado) para 79 mi- administrativa e conseguisse implantar
lhões de reais (os mesmos 13 milhões procedimentos técnicos (como normati-
do BIRD, 36 milhões da CEF e 30 mi- zações específicas para projeto e obra)
lhões do estado). Mesmo com esses e administrativos (de forma a dar conta
aportes financeiros, quase nenhuma fa- das especificidades das obras em tais
vela teve seus sistemas concluídos, em- espaços). Os investimentos ocorreram
bora em diversos casos redes tenham aos espasmos, quando houve diretriz
sido colocadas em funcionamento. Con- política clara (como no caso do Proface)
siderando as dificuldades de fechar as ou quando houve recursos externos de-
intervenções, o planejamento foi pau- signados especificamente para áreas
latinamente reduzido, e em meados de desse tipo (como no caso do Prosanear).
1997 a Cedae esperava concluir ape-
nas 10 obras. 18
Zona Sul/Niterói, Barra /
Não é muito difícil adivinhar que as Jacarepaguá e Centro / Ilha
intervenções desse programa também do Governador
apresentaram os problemas já citados
com relação à efetividade dos investi- Os perfis dos três espaços são apresen-
mentos. A durabilidade das obras nesse tados no Gráfico 7. As três curvas apre-
caso tem sido às vezes inferior a quatro sentam comportamento extremamente
anos, não apenas pela péssima quali- irregular, mas seus pontos altos têm os
dade da maioria das obras físicas, mas valores individuais mais altos dentre
pela não conclusão das mesmas. Como todos os perfis.
diversos desses núcleos estão sendo
também objeto de intervenções de ur- O perfil referente ao Centro am-
banização pela Prefeitura Municipal do pliado/Ilha do Governador apresenta
Rio de Janeiro, talvez parte dos investi- valores baixos nos primeiros anos do
mentos realizados não seja perdida. período (1975/77) e altos a partir dos
anos 1980 (1989/90, 1992 e 1996). Esse
No último ano da série histórica, os espaço congrega regiões heterogêneas
investimentos em favela caíram significa- sob os pontos de vista urbano e socio-
tivamente e é provável que se mante- econômico. A Ilha do Governador é um
nham baixos. No caso das favelas, a bairro suburbano de classe média, com
18
Institucionalmente, o Prosanear do Rio de Janeiro também merece menção. Em seis anos, o
programa passou por cinco superintendentes. Pesam sobre o programa acusações na Assem-
bléia Legislativa de uso da estrutura de trabalho social (que envolveu até a UERJ) para fins
político-eleitorais. Segundo várias entrevistas, essa estrutura, que no início do programa tinha
23 funcionários, passou a ter 140 no início do governo Marcelo Alencar e em determinado
momento chegou a contar com 2.000 funcionários. Em 1996, um assessor do trabalho social
se elegeu vereador e o coordenador, apesar de ter se candidatado, não obteve sucesso.
Eduardo Cesar Marques 149

condições socioeconômicas superiores dos investimentos em esgotamento do


às do restante do subúrbio. O elevado emissário submarino e pela ampliação
investimento nesse grupo verificado em da estação de tratamento de água do
1996 foi resultado de investimento na Laranjal, que abastece a margem es-
Ilha do Governador: a ampliação do sis- querda da Baía da Guanabara. No final
tema de esgotamento sanitário e de sua do período, numerosos investimentos de
estação de tratamento de esgotos (a valores médios foram feitos na região
Etig). Exceto por este, todos os demais em 1987/88, 1991/92 e 1994/95. Exceto
investimentos dizem respeito ao somató- pelos valores de 1991/92, explicados
rio de inversões pontuais superpostas. pelos recursos aplicados no conserto do
Emissário Submarino de Ipanema, os
A Zona Sul/Niterói apresenta um demais são explicados por um grande
perfil bastante regular em termos relati- número de obras de pequeno e médio
vos. Apresenta um elevado pico em portes superpostas.
1977, explicado pela complementação

Gráfico 7 : Evolução dos investimentos nos espaços das classes altas

250

200
R$ per capita

150

100

50

0
1975
1976

1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983

1984
1985
1986
1987
1988

1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995

1996

Anos
Centro/Ilha Zona Sul/Niterói Barra/Jacarep.

Fonte : Extratos de contratos da Cedae

De acordo com a literatura de estu- que se refere ao estoque histórico de in-


dos urbanos, esse seria o espaço mais vestimentos (como descrita por Coelho
beneficiado a longo prazo pelos investi- [1986] e Marques [1995], a região co-
mentos em infra-estrutura urbana. Em- meçou a ser esgotada na segunda meta-
bora essa afirmação seja verdadeira no de do século XIX), a idéia de que a maior
150 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

parte dos investimentos recentes é dirigi- relas judiciais seculares) e teve sua ocu-
da para a região não encontra respaldo pação regulada por plano urbanístico do
empírico. Apesar disso, exceto pelos arquiteto Lúcio Costa (Cardoso, 1988).
anos 1979 a 1986, os valores investidos A regulação do seu espaço foi comple-
sempre são expressivos, indicando uma mentada ao longo dos anos, sendo a
completa integração da região às rotinas Barra um dos primeiros bairros da cida-
de funcionamento da companhia. Ao de a dispor de um PEU (Plano Estra-
contrário das políticas de favela, os in- tégico de Urbanismo), condição para
vestimentos nessa área, assim como no poder receber novas construções a partir
Centro ampliado, representam o cerne do início dos anos 1990 (Monteiro,
da política rotineira da Cedae e apresen- 1995). A conjugação dessas caracte-
tam grande inércia. rísticas com as obras viárias realizadas
nos anos 1970 transformou a região nos
O perfil da Barra da Tijuca, ao con- anos 1980 no principal filão para a pro-
trário, indica uma grande variação dos dução imobiliária em grande escala atra-
investimentos na região ao longo do vés de grandes condomínios fechados
tempo. O pico da curva da Barra da Tiju- de alto padrão. Do total produzido na
ca indica o valor máximo mais elevado Barra da Tijuca entre 1979 e 1988,
de toda a metrópole. Exceto por esse 94,2% foram lançados pela incorpora-
investimento em 1986/1988 e por valo- ção imobiliária (Ribeiro, 1997).
res reduzidos em 1980/1981 e 1991, a
região praticamente não recebeu investi- Segundo alguns autores, como
mentos nos demais anos. Ribeiro (1997), grande parte da produ-
ção imobiliária formal na cidade durante
A Barra da Tijuca se constituiu no a década de 80 ocorreu na Barra, pas-
mais importante espaço de valorização sando de menos de 10% do total lança-
para os capitais imobiliários a partir da do em 1980 para 32% em 1984 e 50%
década de 1980. A região, até então um em 1989. Após passar por uma crise no
extenso areal entremeado com rios e la- início dos anos 1990, o mercado imobi-
goas, transformou-se em autêntica fron- liário do Rio de Janeiro retomou seu
teira urbana aberta com obras públicas ritmo a partir de 1994, novamente com
de infra-estrutura viária. Historicamente, liderança da Barra da Tijuca, dessa vez
essa forma de expansão espacial é carac- com 60% dos lançamentos (Monteiro,
terística da produção de habitação de 1 99 5) .
alto padrão no Rio de Janeiro, sendo a
Barra uma reedição em novas bases dos O aumento de participação da região
deslocamentos para Botafogo, Copaca- no total da metrópole se fez em um mo-
bana, Ipanema e Leblon desde meados mento de forte elitização do mercado,
do século XIX. com o preço médio por metro quadrado
crescendo 25% entre 1980 e 1989 em
A região é caracterizada por extrema termos reais e a área média se elevando
concentração fundiária (cercada de que- em 15% no mesmo período (Ribeiro,
Eduardo Cesar Marques 151

1997). Da mesma forma, enquanto objeto de investimentos de vulto em


81,6% dos lançamentos em 1981 eram futuro próximo.
de sala-quarto e 18,5%, de sala-quatro
quartos, em 1987, 51,3% eram de sala- Convém acrescentar que a existência
quarto e 38,6%, de sala-quatro quartos. de serviços de saneamento, especialmen-
Atualmente, o padrão da região é exem- te de esgotamento sanitário, era impres-
plificado por lançamentos como o “Barra cindível para a exploração econômica da
Golden Green”, com 132 apartamentos Barra pela produção imobiliária, uma vez
de 400 m 2, ao preço unitário de 500 mil que aquele espaço fora vendido como
dólares (Monteiro, 1995). região saudável e ecologicamente equili-
brada, onde seus moradores teriam uma
agradável proximidade com rios, lagoas
Nesse espaço se realizaram os e praias, em uma ocupação de baixa den-
maiores investimentos individuais e sidade. A ausência de esgotamento (e
agregados em saneamento de toda a tratamento) representava a poluição dos
região metropolitana. Os investimentos sistemas lagunares da Barra. Assim,
do início dos anos 1980 representaram menos de 10 anos depois do início da
a implantação inicial do sistema de ocupação, aquele espaço passou a ser
abastecimento de água na região, e os objeto de investimentos significativos,
realizados em 1986/88, a sua comple- que, se não equiparam completamente
mentação, assim como o início da im- a região, o fizeram de forma muito mais
plantação do sistema de esgotos. Este ampla do que como ocorreu na Baixada
último continuou a ser implementado Fluminense, que já esperava pelos ser-
em 1991 e provavelmente ainda será viços há pelo menos 50 anos.

Conclusão e resumo das tendências

A observação do padrão espacial e tem- sidera. Apesar disso, não houve uma
poral de distribuição dos investimentos inversão de tendências, e os investimen-
em saneamento na RMRJ deixa claras tos nas áreas mais ricas parecem conti-
algumas importantes tendências que nuar estruturando as ações rotineiras da
não seguem o descrito pela literatura de companhia. Os recursos nas periferias
estudos urbanos, indicando processos foram em sua maioria aplicados em sis-
muito mais complexos de produção das temas incompletos e tiveram menor efe-
políticas públicas e do espaço urbano. tividade. Estes eram por vezes até
mesmo desconectados dos grandes sis-
Em primeiro lugar, os investimentos temas e via de regra apresentavam pior
em periferias e favelas são muito maio- funcionamento que os implantados no
res e ocorrem mais cedo do que se con- restante da cidade. Como já descreve-
152 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

mos, em alguns casos o equipamento condições de vida durante a década de


chegou, mas o serviço não. 19 1980. O aumento das coberturas em
todos os espaços da metrópole liderou
Paralelamente, as regiões habitadas uma série de outros fatores na produção
pela população de alta renda continua- de uma apreciável queda dos coeficien-
ram a ser servidas, em especial nas áreas tes de mortalidade infantil, mesmo nos
em expansão e construção, pelo grande espaços de piores condições de vida. Na
capital imobiliário de incorporação, metrópole como um todo, o coeficiente
como no caso da Barra da Tijuca. médio caiu de 51 óbitos por mil nascidos
vivos para 30 por mil (Marques e Najar,
Embora não tenhamos detalhado 1985).
essa faceta da política neste artigo (ver
Marques, 1998a), ambas as políticas No início dos anos 1970, a existên-
foram financiadas por um “mix” de re- cia de serviços urbanos estratificava os
cursos oriundos do sistema nacional e espaços da metrópole, como destacado
de empréstimos internacionais, mas pela própria definição sociológica de
também e principalmente de recursos periferia. Apesar da persistência nos dias
próprios da empresa e de origem esta- de hoje de áreas não atendidas, os pro-
dual. Convém ressaltar a total prioridade blemas aparentemente passaram a ser
para a construção de obras novas, sendo mais a existência ou não de rodízio, a
muito raras as melhorias operacionais, presença (e a qualidade da água) nas
o controle de perdas (aliás, sempre altís- tubulações, a ausência de contamina-
simas), em padrão do “quanto mais caro ções, o tratamento de esgotos e o funcio-
melhor”. As políticas são orientadas para namento das redes.
esse tipo de intervenção, provavelmente
pelo nível denso das redes de relações Essa realidade, no entanto, não é
que ligavam desde o início do período apenas produto de contatos diretos entre
os técnicos do estado com os das empre- os grupos sociais mais ricos ou entre os
sas privadas do setor (Marques, 1998a). produtores da cidade com técnicos do
setor, que redirecionariam recursos para
É importante que se explicite, no áreas mais ricas ou em produção. Embo-
entanto, que os investimentos nas peri- ra existentes (e básicas para a explicação
ferias, mesmo que incompletos, contri- do “padrão de vitória” das empreiteiras
buíram para uma sensível melhoria das nas licitações, como descritas em

19
No caso paulistano essa situação é ainda mais visível. No início dos anos 1990 a região
metropolitana vivia uma situação dicotomizada, sendo dotada de elevatórias, estações de
tratamento, coletores tronco e interceptores (do sistema Sanegram, talvez o maior exemplo
de escolha técnica grandiosa) e sistemas dispersos com redes locais de água de abastecimento
precário ou de esgotamento desligadas dos sistemas de transporte e do destino final. O com-
ponente de esgotos do Projeto Tietê, implementado a partir de 1992 pelo governo estadual,
alardeado como solução nova, tem por objetivo simplesmente a ligação dos dois grupos de
instalações existentes e já previstas mais de dez anos antes.
Eduardo Cesar Marques 153

Marques, 1998a), essas ligações diretas camadas mais ricas da população. Esse
são complementadas por um fator origi- comportamento está relacionado a um
nário do campo da cultura: o referencial sentimento de pertencimento a esses
hegemônico dos quadros técnicos do grupos sociais e regiões da cidade, mas
setor se baseia no pressuposto de que é se deve principalmente à presença na
justo investir mais e primeiro (assim comunidade de um referencial hierar-
como operar sistemas melhor) para as quizado da sociedade (e da cidade).
154 Infra-estrutura Urbana e Produção do Espaço Metropolitano no Rio de Janeiro

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O Papel do Banco Mundial
na Formulação de Políticas
Territoriais na Amazônia
Brasileira. O Caso de Rondônia
Marcos A. Pedlowski

Ao final da Segunda Guerra Mundial, nizado como um grupo composto por


os governos dos Estados Unidos e do quatro agências distintas. O primeiro
Reino Unido realizaram em Bretton membro do chamado Grupo do Banco
Woods (no Estado norte-americano de Mundial, o Banco Mundial, faz emprés-
Massachusetts) uma conferência para timos para financiar projetos e progra-
discutir a reorganização do funciona- mas de seus países membros com taxas
mento do sistema capitalista em nível de juros vigentes no mercado interna-
mundial. Dentre as principais decisões cional, com períodos de carência de 5 a
ali tomadas estava a criação das cha- 10 anos para início do pagamento do
madas instituições de Bretton Woods – principal. Esses empréstimos são finan-
o Fundo Monetário Internacional (FMI), ciados primariamente através da venda
ao qual coube a normatização e a fisca- de bônus no mercado internacional. O
lização do funcionamento do sistema segundo membro do Grupo, a Corpo-
capitalista, e o Banco para a Reconstru- ração Financeira Internacional (IFC),
ção e Desenvolvimento Internacional estabelecida em 1956, financia e segura
(BIRD), ou simplesmente Banco Mun- investimentos de corporações em países
dial, que ficou voltado para o fomento pobres. O terceiro membro, a Associa-
de programas e projetos de desenvolvi- ção de Desenvolvimento Internacional
mento econômico. (IDA), criada em 1959, faz empréstimos
com taxas de serviços de cerca de 0,75%
Para melhor cumprir o seu papel de para cerca de 70 países com renda anual
agência multilateral de desenvolvimento per capita de menos de US$ 765 dólares.
econômico, o BIRD acabou sendo orga- Por fim, a Agência Multilateral de Garan-

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 2, 1998, p. 157-180


158 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

tia de Investimentos (MIGA) foi criada diminuído progressivamente a partir de


em 1988 com a finalidade de promover então 2. Além disso, os cinco maiores
investimentos em países pobres através acionistas (EUA, Japão, Alemanha,
da mitigação de riscos “não comerciais” Reino Unido e França) têm direito a um
(World Bank, 1989). Na prática, dada a diretor executivo, enquanto o restante
complexa teia de atribuições de todas da diretoria executiva é formada por um
as suas organizações, o BIRD tem esten- grupo de países, o que acaba reforçando
dido a sua atuação para um amplo arco o poder político dos países desenvol-
de atividades que extravasam o âmbito vidos no interior das instituições do
do fomento de programas de desenvol- Banco Mundial. É interessante notar que
vimento econômico inicialmente ideali- as subscrições acionárias dos países
zado em Bretton Woods. membros estão na forma resgatável e,
desse modo, apenas disponíveis para
Já em termos estruturais predomina serem concretizadas como empréstimos
uma unicidade relativa no funcionamen- do Banco Mundial quando necessário. 3
to do Grupo. O Banco Mundial e a IDA
são dirigidos por uma única Diretoria (o Este predomínio político dos países
Board of Governors) e por uma Diretoria desenvolvidos que, devido à sua posi-
Executiva 1 . Os diretores, um para cada ção acionária avantajada, detêm na prá-
país membro, realizam um encontro tica o controle decisório do principal
anual para decidir assuntos referentes ao organismo da instituição tem resultado
funcionamento do Banco. Entretanto, as numa importante preocupação formal:
decisões cotidianas da operação do a necessidade de se manter a “sobera-
Banco são delegadas aos diretores exe- nia” dos países tomadores de emprésti-
cutivos. Os países membros têm seu mos. Dentro da ortodoxia do Banco, a
poder de voto nos corpos diretivos do soberania estaria formalmente assegu-
Banco definido proporcionalmente às rada através de quatro itens básicos:
suas respectivas subscrições de capital
na instituição. Os Estados Unidos são o 1) o direito de ingerência dos países em
país com maior poder de voto desde a desenvolvimento, por meio dos go-
origem do Banco em 1947, ainda que a vernadores e diretores executivos que
participação norte-americana tenha os representassem 4 ;

1
Todas as agências do Grupo do Mundial estão localizadas fisicamente numa mesma área na
região central da cidade de Washington, capital dos Estados Unidos.
2
Em 1947 o percentual norte-americano, que era de 35%, diminuiu para 24% em 1971 e para
17% em 1991.
3
Nelson (1995) estima que apenas 10% das subscrições acionárias do Banco Mundial são
realmente pagas pelos países que as detêm.
4
Os chamados países em desenvolvimento são também os principais, senão únicos, tomadores
de empréstimo do Banco Mundial.
Marcos A. Pedlowski 159

2) a divulgação das decisões relaciona- uma instituição-chave no funcionamento


das às operações do Banco que leva- do sistema capitalista em nível internacio-
riam em conta a autonomia política nal. Tal relevância deve-se não só à sua
dos países tomadores de empréstimos; capacidade de investimento, mas tam-
bém à sua capacidade institucional, em
3) a prática administrativa de indicar se especial nos aspectos relacionados à
os projetos financiados são totalmen- formulação de políticas públicas para os
te formulados e controlados pelos países tomadores de empréstimos (que
países que tomam o empréstimo; em sua maioria são países subdesenvol-
vidos). 7 Nesse contexto, o envolvimento
4) a tentativa de o Banco assumir uma do Banco Mundial no desenvolvimento
postura de mero mediador entre os econômico da região ocidental da Ama-
países credores e os países devedores. zônia brasileira, especialmente no Estado
Segundo Nelson (1995), a eficácia de Rondônia (Figura 1), parece ser bas-
desses procedimentos tem pouca res- tante emblemático. Este artigo discutirá
sonância com o cotidiano do Banco, dois aspectos da ação do Banco Mundial:
principalmente pela percepção de
que a instituição é fortemente influen- 1) a sua atuação como agência multila-
ciada pelo peso norte-americano na teral de desenvolvimento econômico;
formulação de suas políticas 5.
2) a sua participação na formulação de
Do ponto de vista administrativo, o políticas públicas. A opção por estu-
Banco Mundial possui gerências regio- dar a influência do Banco Mundial
nais que são responsáveis pela formula- em Rondônia deve-se ao papel sin-
ção, implementação e acompanhamento gular que a instituição tem tido na
de programas e projetos de desenvolvi- implementação de seguidos progra-
mento econômico 6 . O corpo técnico do mas de desenvolvimento econômico
Banco inclui técnicos extremamente bem naquele estado, seja simplesmente
preparados nos diversos ramos do desen- como fornecedor de capital ou como
volvimento econômico. Assim, mesmo o principal formulador de políticas
sem esquecer as contradições entre as- públicas (ainda que não de direito
pectos formais e práticos que regem o mas de fato), desde que Rondônia
funcionamento do Banco Mundial, pode- saiu da condição de território federal
se seguramente afirmar que se tornou em 1981.

5
Essa noção é realçada não só pela localização física do Banco Mundial em Washington DC,
mas também pelo papel dominante dos Estados Unidos na formulação das políticas
implementadas pelo Banco.
6
O Brasil está incluído na Gerência para a América Latina e Caribe.
7
Convém ressaltar que, entre outras políticas de alcance global, o Banco teve participação tão
destacada quanto o FMI na formulação das chamadas políticas de estabilização que foram
aplicadas no Terceiro Mundo.
160 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

Figura 1 : Mapa Político de Rondônia

Localização de Rondônia

Região Norte - BRASIL

ÍNDICE

1. Vale do Paraíso
2. Nova União
3. Teixeirópolis
4. Urupá
5. Mirante da Serra
6. Ministro Andreaza
7. Castanheiras
8. Novo Horizonte
9. Rolim de Moura
10. São Felipe 0 8 16 24 km
11. Primavera
12. Nova Brasilândia Escala Gráfica

O Programa P OLONOROESTE : o início da presença do


Banco Mundial em Rondônia
O envolvimento direto do Banco Mun- financiamento da reconstrução e pavi-
dial com o processo de desenvolvimento mentação da Rodovia BR-364, que liga-
regional no Estado de Rondônia iniciou- ria Cuiabá a Porto Velho (Millikan, 1988;
se no final dos anos 70. Em 1979, o Brown, 1992). A pavimentação havia
governo federal brasileiro encetou ne- sido iniciada por volta de 1976, mas o
gociações com o Banco Mundial para o projeto fora abandonado após a pavi-
Marcos A. Pedlowski 161

mentação de poucos quilômetros por mecanismos de proteção para as ques-


falta de verbas. A suspensão do financia- tões sociais e ambientais (Mahar, 1983).
mento da obra deu-se principalmente
devido aos crescentes problemas com No final de 1980, o Banco Mundial
os saldos da balança comercial na meta- anunciou que financiaria a reconstrução
de da década de 70, que tinham sofrido da BR-364 e de uma rede de estradas
um agravamento durante a primeira secundárias, como parte de um amplo
crise do petróleo, em 1973 (Rich, 1994). programa regional, o Programa Integrado
de Desenvolvimento do Noroeste do
Durante as negociações entre o Brasil (POLONOROESTE ). Esse programa foi
governo brasileiro e o Banco Mundial, oficialmente criado em maio de 1981,
diversos membros do corpo técnico do através do decreto presidencial n o 86.029,
Banco expressaram suas preocupações com um orçamento estimado em 1,1 bi-
com o financiamento de uma estrada em lhão de dólares, para ser desembolsado
Rondônia. Esses técnicos argumenta- entre 1981 e 1985 (World Bank, 1981).
vam que a pavimentação da BR-364 iria O objetivo central do POLONOROESTE era
estimular o processo migratório, aumen- nominalmente promover o desenvolvi-
tar a possibilidade de invasões em terras mento “ordeiro” da região influenciada
indígenas e contribuir para acelerar o pela BR-364 8 . Entre outros compo-
processo de desflorestamento na região nentes, o programa incluiu o chamado
(Cultural Survival, 1981; Rich, 1994). “Projeto de Novos Assentamentos”, idea-
Contudo, durante o trâmite do progra- lizado para organizar o processo de colo-
ma dentro dos diferentes setores do nização em Rondônia. Esse componente
Banco, as críticas relativas aos potenciais antecipava o assentamento de cerca de
impactos negativos sobre as condições 15 mil famílias. Além disso, também
sociais e ambientais foram basicamente foram incluídos componentes nas áreas
desconsideradas (Schwartzman, 1984). de proteção do meio ambiente 9 e das
Paralelamente, acreditava-se no interior comunidades indígenas, supostamente
do Banco Mundial que o governo brasi- com o objetivo de minimizar os possíveis
leiro iria proceder à pavimentação da impactos adversos do programa.
BR-364 com ou sem o financiamento
da instituição. Desse modo, os defenso- Quando a BR-364 foi inaugurada,
res internos do envolvimento do Banco em 1984, os efeitos da ocupação
em Rondônia argumentavam que um indiscriminada de terras levaram ao des-
programa de desenvolvimento regional matamento incontrolado e foram ampla-
com um caráter amplo serviria para criar mente noticiados mundialmente. Em

8
Essa região incluiria o centro e o norte do Mato Grosso e a totalidade de Rondônia. A área
total coberta pelo projeto era de 410.000 km 2 .
9
O aspecto ambiental do POLONOROESTE incluía não só a demarcação de reservas e parques,
mas também o apoio ao desenvolvimento de sistemas agrícolas que fossem sustentáveis do
ponto de vista ambiental.
162 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

um contraste flagrante com os objetivos lação de Rondônia saltou de 111.064


do POLONOROESTE , as pressões causadas habitantes em 1970 para 593.094 habi-
pelo assentamento indiscriminado fica- tantes em 1980. A Tabela 1 mostra o
ram ainda mais fortes, ocorrendo uma crescimento vertiginoso da população
verdadeira corrida em busca de terras de Rondônia entre 1950 e 1996.
em Rondônia. Como resultado, a popu-

Tab ela 1 : Crescimento Populacional de Rondônia (1950-1996)

Ano População

1950 36.935
1960 70.232
1970 111.064
1980 593.142
1991 1.130.400
1996 1.229.036
Fonte : Perdigão e Basségio (1992); IBGE (1996)

Para complicar a implementação do correspondia a somente 12% das famí-


POLONOROESTE , a migração explosiva de lias que estavam buscando terras em
colonos vindos de diferentes partes do Rondônia naquele período.
Brasil não foi seguida por um planejado
processo de ocupação ordeira de terras. Por outro lado, as tentativas de esta-
Como Millikan (1988) sugere, um fato belecer sistemas agrícolas considerados
simples, mas difícil de ser admitido pelos ambientalmente sustentáveis, baseados
técnicos do Banco Mundial, foi o de que no estabelecimento de culturas perenes,
a maioria das terras férteis de Rondônia também falharam. Na verdade, os colo-
já se encontrava ocupada quando o nos rapidamente aprenderam que obte-
boom populacional ocorreu. Em conse- riam maiores retornos vendendo suas
qüência, a implementação dos chama- terras e procurando melhores condições
dos “Novos Projetos de Assentamento” em outras áreas do estado. O resultado
foi totalmente comprometida. Em 1987, final foi um aumento exponencial na co-
apenas 1.246 propriedades tinham sido mercialização de propriedades nas áreas
distribuídas em 3 grandes projetos de de colonização e a formação de uma
colonização (Urupá, Machadinho e classe de latifundiários e de uma outra
Cujubim). Esse total representava ape- de trabalhadores rurais sem terra (World
nas cerca de 30% do objetivo original e Bank, 1987).
Marcos A. Pedlowski 163

O quadro caótico de ocupação e utili- projetos. Os ecologistas norte-americanos


zação das terras em Rondônia teve outras utilizaram a discussão sobre os impactos
duas repercussões negativas. Primeiro, a do POLONOROESTE como um teste para
chegada de migrantes combinada com medir a disposição do Banco Mundial
a construção de estradas resultou num para assumir as mudanças por eles preco-
acelerado processo de perda da cobertu- nizadas (Rich, 1994). A resposta inicial
ra vegetal. Análises de imagens do satélite da diretoria do Banco Mundial foi mini-
AVHRR mostraram que o desmatamento mizar os problemas na implementação
em Rondônia saltou de 8.000 km 2 em do POLONOROESTE e também recusar a
1980 para 28.000 km2 em 1985, chegan- abertura do debate com os ambientalistas
do a um total de 41.000 km2 em 1987 norte-americanos.
(Malingreau e Tucker, 1988). Segundo,
algumas das estradas construídas durante Entretanto, essa postura teve que ser
o POLONOROESTE cruzavam áreas ocupadas alterada por causa da intensa discussão
por diversas nações indígenas, e várias que acabou ocorrendo dentro do con-
tribos foram levadas à beira de extinção gresso norte-americano, onde uma alian-
pelo contato com os colonos brancos ça inesperada entre ambientalistas e
(Greenbaum, 1984). A maioria das re- senadores democratas e republicanos do
servas indígenas de Rondônia sofreu con- subcomitê de Relações Exteriores forçou
tínuas invasões durante o POLONOROESTE , a suspensão temporária dos desembolsos
resultando em sérios conflitos entre colo- para o POLONOROESTE 10 , logo revogada
nos e povos indígenas (Brown, 1992). com a reorientação de alguns compo-
nentes do programa e a criação de duas
Quando a maioria dos problemas agências estaduais voltadas para o
relacionados à implementação do POLO - controle e proteção do meio ambiente
NOROESTE tornou-se pública em meados naquele mesmo ano. 11 Contudo, essas
de 1983, uma intensa campanha (a medidas tiveram pouco efeito prático
chamada “Campanha dos Bancos Multi- porque a maior parte do financiamento
laterais”) foi lançada por ONGs ambien- original já havia sido desembolsada pelo
talistas internacionais (principalmente as Banco Mundial e não havia muito inte-
sediadas nos Estados Unidos) para au- resse do governo estadual em alterar os
mentar a influência da sociedade civil na rumos do programa.
formulação de projetos do Banco Mun-
dial. O grande objetivo dessa campanha No entanto, o evidente fracasso do
era forçar o Banco Mundial a incluir sal- POLONOROESTE acabou resultando em mo-
vaguardas sociais e ambientais durante dificações importantes na estrutura do
a formulação e implementação de seus próprio Banco Mundial. Em 1987, o

10
Essa suspensão foi meramente simbólica pois durou apenas alguns meses, e a maior parte
dos fundos do programa já havia sido utilizada, principalmente com a construção da BR-364.
11
Essas agências foram a Secretaria de Meio Ambiente de Rondônia (SEMARO) e o Instituto
Estadual de Florestas (IEF).
164 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

Banco iniciou mudanças organizacio- cado a demonstrar que o Banco estava


nais que resultaram na criação do De- firmemente comprometido com a con-
partamento de Meio Ambiente e de três servação do meio ambiente. Nesse Rela-
escritórios regionais com seus respecti- tório, uma breve (mas importante) seção
vos setores ambientais. Contudo, mais noticiava a implementação de um novo
significativa foi a inclusão de salvaguar- programa de desenvolvimento econô-
das destinadas a garantir a proteção mico em Rondônia. Entre outros aspec-
ambiental na formulação e implemen- tos, desse novo programa o Relatório
tação de seus projetos. Do ponto de vista destacava o compromisso com a prote-
das relações políticas, a medida mais ção do meio ambiente e a democratiza-
relevante foi a garantia de que ONGs ção de seu processo de implementação
pudessem participar no processo de de- através da inclusão de organizações não
senvolvimento de projetos financiados governamentais nos seus órgãos direti-
pelo Banco Mundial. 12 vos. As próximas seções deste artigo
estão voltadas para uma análise do pro-
Desse modo, não foi surpresa que o cesso de formulação e dos resultados
Relatório Anual do Banco Mundial de práticos do sucessor do POLONOROESTE .
1992 (World Bank, 1992) fosse dedi-

P LANAFLORO : a nova etapa da saga do Banco Mundial


em Rondônia

A intrincada construção do Rondônia para que o mesmo pudesse


sucessor do PO LONO ROESTE ser aprovado pela diretoria do Banco
Mundial. A proposta inicial, que foi fina-
As primeiras negociações entre a gerên- lizada em 1988, batizava o programa de
cia do Banco Mundial e técnicos do go- POLONOROESTE II , mas dadas as reper-
verno de Rondônia para a formulação cussões negativas do POLONOROESTE I , o
de um programa para suceder o POLO - nome foi rapidamente abandonado. A
NOROESTE ocorreram ainda em 1986. nova denominação indicava as dificul-
Contudo, somente em 1987 o Banco dades que viriam acompanhar as dis-
Mundial enviou um grupo de técnicos cussões em torno do novo programa. A
para uma primeira discussão “in loco” versão inglesa era “Rondônia Natural
sobre a configuração que deveria ter o Resources Management”, enquanto a
novo programa, bem como as condições tradução adotada em português foi
institucionais que deveriam existir em “Plano Agropecuário e Florestal de

12
Alguns autores têm argumentado que a incorporação de ONGs ficou relegada às fases de
implementação dos projetos do Banco, inexistindo portanto nas fases de formulação dos
projetos e programas (por exemplo, Nelson, 1995; Rich, 1994).
Marcos A. Pedlowski 165

Rondônia”, ou simplesmente PLANAFLORO . desenvolvimentista que havia guiado a


Essa diferença sutil no nome do progra- implementação do POLONOROESTE . Depoi-
ma traduzia concepções diferentes no mentos de técnicos governamentais en-
âmbito do Banco Mundial e no do go- volvidos no planejamento do PLANAFLORO
verno de Rondônia. indicam que algumas das novas condi-
ções impostas pelo Banco Mundial eram
Como já foi dito anteriormente, na- vistas como interferência na soberania
quele momento o Banco Mundial pas- nacional do Brasil, sendo uma ingerên-
sava por mudanças políticas internas cia nos assuntos internos do governo de
que afetavam diretamente a formulação Rondônia (Pedlowski, 1997). 13 Apesar
de seus novos programas. Entre outras desse aparente clima de desconfiança,
cláusulas, o Banco Mundial começou a o governo de Rondônia sancionou em
exigir mais diretamente a inclusão de sal- 1988 uma lei estadual (o Zoneamento
vaguardas institucionais para garantir Agro-Ecológico de Rondônia) que aten-
proteção ambiental e a participação de dia a uma das condições centrais im-
grupos potencialmente afetados no pro- postas pelo Banco Mundial para a
cesso de formulação e implementação aprovação de um empréstimo que via-
de seus programas. Contudo, em Ron- bilizasse o PLANAFLORO . O Zoneamento
dônia pouco havia mudado na filosofia dividiu o estado em 6 zonas, com usos
operacional da máquina estatal, que bastante claros (Tabela 2).
ainda não abandonara a concepção

Tab ela 2 : Zoneamento Agro-Ecológico de Rondônia


Zona Tipo de Uso da Terra Permitido Área (km2 )
1 Intensificação da agricultura (incluindo consórcios agroflorestais) 61.950
e atividades pecuárias em propriedades individuais
2 Pequena produção baseada em unidades comunitárias, com o 30.150
plantio de culturas anuais consorciadas com culturas perenes
3 Comunidades ribeirinhas. Utilização de solos aluviais em áreas 5.890
sazonalmente inundadas para a prática agroflorestal e da pesca
4 Extrativismo. Extração de castanhas, borracha, gomas, frutas e 35.000
raízes com valor comercial
5 Manejo Florestal. Extração manejada de madeiras, com 24.350
recuperação e enriquecimento das espécies extraídas
6 Preservação e Conservação Permanente. Reservas indígenas, 64.000
reservas biológica s e parques nacionais
Fonte : Pedlowski (1997)

13
Entre outras condições estavam a garantia da demarcação de áreas indígenas, a participação
da sociedade civil na formulação do projeto e o estabelecimento de um zoneamento ambiental
que regulasse o uso dos recursos naturais em Rondônia.
166 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

Além disso, o novo projeto foi idea- implementação de fato do Zonea-


lizado em termos muito diferentes dos m en to ;
que guiaram o POLONOROESTE , principal- d) o apoio à implementação de con-
mente no relativo à preocupação com a sórcios agroflorestais com base em
proteção do meio ambiente. Os objeti- sistemas agrícolas ecológica e eco-
vos principais do PLANAFLORO incluíam: nomicamente sustentáveis.

a) a conservação da biodiversidade em Ainda em tese, o PLANAFLORO diferia do


Rondônia; POLONOROESTE em termos da alocação e do
b) a demarcação e proteção de unida- uso de seus recursos financeiros. Enquan-
des de conservação (parques nacio- to o POLONOROESTE havia concentrado os
nais, estaduais e municipais, reservas recursos nos componentes de infra-estru-
biológicas); tura e transporte, o PLANAFLORO destinou
c) a realização de investimentos priori- parcelas significativas deles aos compo-
tários em infra-estrutura e agências nentes de proteção ambiental e crédito
governamentais que agilizassem a para pequenos produtores (Tabela 3).

Tab ela 3 : alocação de recursos financeiros no POLONOROESTE e no PLANAFLORO


Componente POLONOROESTE (%) PLANAFLORO (%)
Proteção Ambiental 1,0 20,7
Transporte 57,3 17,6
Infra-estrutura 23,0 5,5
Regularização Fundiária 2,8 8,1
Extensão e Crédito Rural 12,7 25,0
Apoio para Comunidades Indígenas 2,1 1,7
Custos Administrativos 1,0 4,8
Pesquisa de Consórcios Agroflorestais 0,0 3,9
Outros 1,1 12,7
Total 100,0 100,0
Fonte : World Bank (1981 e 1987)

Quando os aspectos técnicos já reduzir a área da reserva indígena Uru-


haviam sido inicialmente acordados, Eu-Wau-Wau. Essa tentativa acabou re-
outras divergências de caráter político tardando ainda mais as negociações entre
impediram um avanço mais rápido das o Banco Mundial, o governo de Rondô-
negociações. O exemplo mais significa- nia e agências federais. As discussões em
tivo desse tipo de problema ocorreu em torno do PLANAFLORO acabaram sendo
1989, quando o governo federal tentou retomadas apenas em 1990, após a posse
Marcos A. Pedlowski 167

do governador Oswaldo Piana. O reno- graças a uma intervenção direta do


vado interesse do governador Piana pelo corpo administrativo do Banco, foi assi-
PLANAFLORO possibilitou a solução tem- nado o chamado “Protocolo de Entendi-
porária da questão Uru-Eu-Wau-Wau, e mento”, que garantiu a participação
o processo se encaminhou para a apro- paritária de ONGs sediadas em Rondô-
vação do empréstimo nas instâncias nia nos corpos diretivos do PLANAFLORO . 16
administrativas do Banco Mundial. Apesar de positivo do ponto de vista da
busca de democratização do processo
Contudo, um novo e sério problema decisório, o modelo de participação im-
político surgiu para protelar mais uma posto pelo Banco Mundial deixou se-
vez a formalização do programa. Em qüelas importantes entre os segmentos
março de 1990, um grupo de 20 organi- envolvidos localmente na implementa-
zações não governamentais enviou uma ção do projeto (técnicos governamentais
carta à diretoria do Banco Mundial pro- e lideranças de ONGs) e possivelmente
testando contra uma percebida aliena- explica parte dos problemas de imple-
ção dos potenciais beneficiários do mentação, discutidos em seguida.
PLANAFLORO do processo de formulação
do programa. 14 A atitude inicial do
Banco Mundial e do governo de Rondô- A História se repete na
nia foi rejeitar o pleito das ONGs. No implementação do PLANAFLORO :
entanto, a diretoria do Banco ficou farsa, tragédia ou ambas?
numa posição delicada quando José
Lutzenberger 15 enviou uma carta ao Como já mencionado anteriormente, o
presidente da instituição em que reque- PLANAFLORO incluía objetivos bastante au-
ria uma maior participação da sociedade daciosos em várias áreas. Entre os mais
civil no processo de elaboração do importantes, podem-se apontar: o forta-
PLANAFLORO . A intervenção de Lutzen- lecimento institucional das diferentes
berger acabou forçando a abertura de agências governamentais responsáveis
um complexo processo de negociação pela implementação do zoneamento
política que envolveu o governo de Ron- ambiental de Rondônia, a redução das
dônia, o Banco Mundial e ONGs (com taxas de desmatamento, a demarcação
atuação desde o nível local até o interna- de reservas extrativistas e indígenas e o
cional). Finalmente, em junho de 1991, desenvolvimento de sistemas agrícolas

14
Dentre os beneficiários diretos do PLANAFLORO foram nominadas 52.000 famílias de pequenos
agricultores, os grupos indígenas de Rondônia (cerca de 6.000 indivíduos) e as comunidades
de seringueiros e ribeirinhos (cerca de 3.300 famílias).
15
O conhecido ambientalista brasileiro que havia causado grande impacto nas audiências públicas
realizadas pelo Congresso norte-americano sobre o POLONOROESTE e que tinha sido recentemente
indicado para ser o secretário nacional de Meio Ambiente do governo Collor.
16
Tais corpos eram o Conselho Deliberativo (CD), o órgão superior de decisão política e as
Comissões Normativas de Programa (CNPs), responsáveis por conduzir as discussões de
caráter técnico.
168 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

ecologicamente sustentáveis. Além vam o INCRA e o IBAMA, haviam de


disso, o PLANAFLORO também contou, fato atuado contra os objetivos estraté-
ainda que tardiamente, com a partici- gicos do PLANAFLORO . Para corroborar essa
pação de ONGs que visavam democra- afirmação, deram-se como exemplos prá-
tizar o processo de tomada de decisão e ticos o estabelecimento de novos assenta-
implementação de seus diversos compo- mentos rurais, a legalização de atividades
nentes, o que garantiria o acesso direto madeireiras e derrubadas de áreas de
dos beneficiários à discussão sobre a alo- floresta nativa, especialmente nas áreas
cação dos recursos econômicos do pro- tidas como de preservação ambiental
grama. dentro do Zoneamento Ecológico de
Rondônia (Zonas 3, 4, 5 e 6).
Embora não se possa traçar uma con-
clusão final dos resultados do PLANAFLORO , Uma segunda crítica do COMAI es-
já existem evidências suficientes de que tava na alocação dos recursos financeiros
vários de seus objetivos ficaram bastante e de seus impactos sobre a implementa-
aquém do planejado. No final de 1994, ção do PLANAFLORO . O COMAI notou um
o relatório do Comitê de Avaliação Inde- predomínio de dispêndio de verbas em
pendente (COMAI 1994) indicava que a atividades ligadas à infra-estrutura (por
implementação do PLANAFLORO havia sido exemplo, construção de estradas e pon-
bastante deficiente nos dois anos iniciais tes) e na aquisição de veículos e outros
do programa. 17 O COMAI apontou de- equipamentos visando reequipar as agên-
ficiências sérias na implementação de cias governamentais. Enquanto isso, itens
praticamente todos os componentes do importantes como a Segunda Aproxi-
PLANAFLORO . Contudo, as críticas mais mação do Zoneamento Ecológico de
graves foram centradas em três aspectos. Rondônia e o crédito rural para o estabe-
Primeiro, o COMAI avaliou que ocorreria lecimento de consórcios agroflorestais
uma falta total de coordenação entre as estavam sendo subfinanciados (Tabela
diversas agências estaduais e federais en- 4). 19 O COMAI argumentava que a con-
volvidas na implementação do pro- tinuidade nessa tendência do ritmo de
grama 18 . Além disso, o relatório indicou desembolso poderia trazer sérias conse-
que instituições-chave para o sucesso do qüências para os componentes mais liga-
PLANAFLORO , entre as quais se encontra- dos à preservação ambiental.

17
Organismo composto por consultores externos, técnicos de agências governamentais atuando
em Rondônia e membros de ONGs, que foi reunido apenas uma vez para avaliar a imple-
mentação do PLANAFLORO .
18
Um exemplo dessa falta de coordenação foi a suspensão de um convênio entre o IBAMA e a
Secretaria de Meio Ambiente de Rondônia (SEDAM), que inviabilizou a presença desta nas
atividades de fiscalização ambiental em áreas federais.
19
A primeira versão do Zoneamento Agro-Ecológico, publicada em 1988, é conhecida também
como a Primeira Aproximação, e por isso a nova versão em preparação é chamada de Segunda
Aproximação.
Marcos A. Pedlowski 169

Tab ela 4 : Utilização dos recursos financeiros do PLANAFLORO até dezembro/1993


Componente Total de Gastos (%)
Conservação ambiental 6,9
Infra-estrutura 51,6
Crédito rural 35,6
Administração do projeto 5,9
Total 100,0
Fonte : COMAI (1994)

De fato, os trabalhos da Segunda 1) diminuição do tamanho das áreas


Aproximação, cujo início havia sido mar- de conservação ambiental em rela-
cado para junho de 1992, começaram ção ao que havia sido planejado em
apenas em princípios de 1996. 20 Como 1992 (Tabela 5);
conseqüência dessa demora, é seguro 2) aumento das taxas de desmatamento
afirmar que houve uma nova corrida de 1992 a 1997, o que resultou num
pela terra (que eu decidi rotular de “zo- crescimento da área desmatada em
neamento de fato”) que comprometeu Rondônia para cerca de 52.000 km 2;
de maneira significativa a integridade 3) a contínua invasão de áreas de prote-
das zonas estabelecidas em 1988. Nesse ção ambiental (especialmente áreas
sentido, a expectativa de que a segunda indígenas e reservas extrativistas) por
versão do Zoneamento resultará numa madeireiros, garimpeiros e pescado-
redução nas zonas de preservação am- res, amplamente divulgada através
biental é corroborada pelos seguintes da imprensa por organizações não
fatos: governamentais. 21

Tab ela 5 : Demarcação de unidades de conservação em Rondônia até dez. / 1995


Unidade Área planejada em 1992 Área demarcada Diferença
(A) (km 2) (B) (km 2) (B-A)
Reserva extrativista 22.352 10.094 - 12.258
Parque estadual 8.670 6.762 - 1.912
Reserva biológica 689,7 767,4 + 77,7
Reservas em bloco 147,9 130,0 - 17,9
Total 31.859 17.755 - 14.104
Fonte : SEDAM (1996)

20
A nova versão do Zoneamento estava prevista para ser concluída em outubro de 1998, salvo
algum novo atraso, o que equivale a um retardamento de mais de 6 anos.
21
Entre os casos mais crônicos encontra-se o da reserva dos Uru-Eu-Wau-Wau, que tem estado
no centro das preocupações desde o início da década de 80.
170 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

Finalmente, o relatório do COMAI ridos no programa. Como resultado, um


também indicou que os mecanismos grupo de 25 ONGs decidiu preparar e
criados para a participação da socieda- entregar um pedido de investigação do
de civil (o Conselho Deliberativo e as PLANAFLORO ao Painel de Inspeção do
Comissões Normativas de Programa) Banco Mundial em julho de 1995
não estavam funcionando a contento. (Fórum das ONGs, 1995). 22 O pedido
Essa deficiência nos mecanismos parti- de investigação foi substanciado por um
cipativos tinha importantes conseqüên- documento técnico, preparado e for-
cias no processo de democratização das malmente apresentado pelo Fórum das
decisões dentro do PLANAFLORO e também ONGs e Movimentos Sociais de Rondô-
criava sérias dificuldades para o acesso nia, realizado segundo as mesmas linhas
direto dos beneficiários aos recursos fi- do relatório do COMAI. 23 No entanto,
nanceiros que lhes destinava o progra- o documento das ONGs foi mais incisivo
ma. Apesar de conter importantes e imputava uma grande parcela de culpa
elementos para possíveis correções de à gerência do Banco Mundial pelos pro-
percurso, o relatório do COMAI nunca blemas ocorridos durante a implemen-
foi oficialmente publicado e circulou tação do PLANAFLORO . Entre os pontos
apenas informalmente dentro do corpo citados no documento encontravam-se:
técnico do PLANAFLORO em meados de
1995, sem nunca ter sido formalmente 1) o fracasso do estabelecimento de um
avaliado. As conseqüências desse fato convênio entre o governo de Ron-
são discutidas na seção seguinte. dônia e o INCRA que viabilizasse o
processo de regularização fundiária
requerida para a implementação do
A reação do Banco Mundial Zoneamento;
ao pedido de investigação 2) o fracasso em estabelecer, institucio-
do PL ANAF LOR O : quando os nalizar e manter as unidades de
sinos dobraram pela defesa conservação preconizadas pelo
do status quo PLANAFLORO ;
3) a manutenção de incentivos a ativi-
O destino dado ao relatório foi visto pela dades predatórias por parte de agên-
maioria das ONGs que participavam das cias estaduais e federais;
instâncias do PLANAFLORO como um claro 4) a ausência de um plano para a pro-
sinal de que havia pouca vontade políti- teção das comunidades indígenas e
ca em corrigir os aparentes desvios ocor- suas reservas.

22
O Painel de Inspeção foi criado em 1993 pela diretoria executiva do Banco Mundial para
examinar se as operações realizadas pelo corpo técnico seguem ou não os procedimentos e
políticas operacionais da instituição.
23
ONGs internacionais como o Friends of the Earth e a OXFAM tiveram um papel decisivo na
preparação do documento, o que expõe o caráter supralocal do processo.
Marcos A. Pedlowski 171

A resposta da administração do parado pelo Painel de Inspeção ter


Banco Mundial ao pedido de investi- reconhecido a correção da maioria das
gação foi dúplice. Ao mesmo tempo que denúncias apresentadas pelas ONGs, a
reconhecia os problemas apontados, diretoria executiva do Banco decidiu
procurava demonstrar que não só as rejeitar o pedido de investigação em
questões levantadas estavam sob con- janeiro de 1996. Essa decisão reforça a
trole, como avanços significativos es- posição de críticos do Banco Mundial
tavam em curso na implementação do que postulam que, apesar dos discursos
programa. Além disso, a gerência do de mudança, a instituição mantém na
Banco Mundial adotou uma estratégia prática a noção de que os parceiros prin-
dupla para que o pedido de investigação cipais da instituição são países e não seg-
do PLANAFLORO fosse aprovado pela dire- mentos de sua população. No entanto,
toria executiva. Por um lado, a gerência dadas as evidências de que problemas
exigiu que o Estado de Rondônia, então realmente tinham ocorrido, a diretoria
governado por Valdir Raupp, adotasse do Banco decidiu convidar o Painel de
um calendário rígido para garantir o Inspeção para continuar acompanhan-
cumprimento de metas básicas que res- do a evolução do PLANAFLORO .
pondessem às críticas apresentadas pelo
Fórum das ONGs. 24 Por outro lado, a A resolução da diretoria do Banco
gerência iniciou um lobby político junto acabou gerando uma situação de impas-
a membros da diretoria executiva para se entre a gerência do Banco Mundial,
que eles se posicionassem de maneira o estado e as ONGs que haviam apre-
contrária, usando argumentos essencial- sentado o pedido de investigação, o que
mente técnicos para desqualificar as de- tornou mais grave a paralisia dos orga-
núncias das ONGs (World Bank, 1995). nismos deliberativos do PLANAFLORO . Por
outro lado, o corpo técnico do Banco
No entanto, um argumento essen- envolvido na implementação do PLANA -
cialmente político acabou sendo chave FLORO adotou, nos primeiros meses de
para que a gerência do Banco impedisse 1996, uma linha de ação que buscava
a abertura do processo de investigação. persuadir as ONGs de Rondônia de que
A gerência argumentou que uma possí- a persistência das denúncias na sede do
vel investigação afetaria negativamente Banco nos Estados Unidos poderia pôr
o balanço institucional em Rondônia, em risco a continuidade do programa.
deixando o governo do estado numa Assim, a gerência enviou diversas vezes
situação politicamente desfavorável ante seus representantes a Porto Velho para
as ONGs. A estratégia da gerência teve assegurar que uma agenda mínima de
êxito porque, apesar de o relatório pre- realizações para os diversos componen-

24
Durante a campanha, Waldir Raupp prometera redirecionar o PLANAFLORO visando diminuir o
peso da preservação ambiental, tida como danosa ao desenvolvimento econômico de
R o ndô nia .
172 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

tes do PLANAFLORO fosse estabelecida. 25 PLANAFLORO , o que pode ser verificado na


Essa postura acabou servindo para des- presença acentuada do responsável téc-
locar de Washington para Brasília e nico do programa em Rondônia. 26 Após
Porto Velho a discussão sobre os uma série de reuniões preparatórias, o
problemas que vinham ocorrendo no Banco Mundial organizou em Porto
PLANAFLORO , o que diminuiu o poder de Velho, no final de junho de 1996, o que
pressão das ONGs internacionais sobre ficou conhecido como “Seminário de
a gerência do Banco (além de reduzir o Avaliação de Meio Termo do PLANAFLORO ”.
poder de fiscalização do Painel de Esse seminário, que contou com a pre-
Inspeção). sença de líderes de ONGs locais e in-
ternacionais, de técnicos de agências
De maneira concomitante, a gerên- governamentais e do Banco Mundial,
cia do Banco começou a preparar a cha- acabou tendo um resultado inesperado.
mada “Avaliação de Meio Termo” do Depois de dois dias de deliberações, foi
PLANAFLORO , cujo objetivo teórico era ava- assinado um acordo que reestruturava o
liar a implementação e discutir possíveis programa quanto aos seus objetivos, à
correções nos objetivos do programa. O estrutura de órgãos deliberativos e à alo-
processo de avaliação acabou aprofun- cação do saldo de US$ 110 milhões que
dando a intervenção do Banco Mundial o PLANAFLORO ainda possuía (Tabela 6).
sobre as instâncias deliberativas do

Tab ela 6 : Estrutura e alocação orçamentária após o Seminário de Meio Termo

Componente Total alocado (US$ milhões)

Ambiental 23,0
Zoneamento 20,6
Cooperação técnica 3,0
PAICs 22,0
Transporte 30,0
Administração do projeto 7,3
Extensão e pesquisa 4,5
Total 110,4
Fonte : Notícias do Fórum (1997)

25
Entre outras medidas, o Banco Mundial obteve a alocação de cerca de US$ 500.000,00 para
a execução de projetos de iniciativa comunitária (PICs).
26
O escritório do Banco Mundial responsável pelo acompanhamento esteve até recentemente
localizado em Cuiabá, MT.
Marcos A. Pedlowski 173

Esse acordo foi inesperado porque do que a critérios técnicos. 27 O segundo


representou uma concessão das ONGs aspecto refere-se ao processo de desem-
às exigências do governo do estado para bolso dos recursos segundo a alocação
que mais verbas fossem alocadas para elaborada no Seminário de Meio Termo
o componente infra-estrutura (visto que do PLANAFLORO . De acordo com dados
aquela rubrica concentrava uma parte da administração do PLANAFLORO , o dese-
significativa dos recursos gastos pelo PLA- quilíbrio nos gastos entre os diversos
NAFLORO ). A aparente concessão feita às componentes continuam até o presente
ONGs foi a alocação de US$ 22 milhões momento (Figura 2).
para o Programa de Apoio às Iniciativas
Comunitárias (PAIC), que financiaria A persistência da predominância de
projetos apresentados e implementados gastos no setor de infra-estrutura de-
por organizações representativas dos monstra a dificuldade que o estado
segmentos sociais beneficiários do pro- rondoniense tem de implementar os
grama. Além disso, segundo o acordo, componentes conservacionistas do
as ONGs participariam de uma nova PLANAFLORO . Ao mesmo tempo, o Banco
forma de deliberação tripartite – as Câ- Mundial também demonstrou uma clara
maras Setoriais – composta por repre- dificuldade de implementar a sua face
sentantes de agências governamentais, “mais humana”, ao interferir apenas
entidades patronais e ONGs. timidamente na aplicação dos recursos
financeiros (através do chamado meca-
No entanto, fatos ocorridos entre nismo de desembolso pari-passu), o que
1996 e 1998 indicam que as expectati- acabou favorecendo a continuação das
vas de que o novo formato resultaria distorções observadas ao longo do
numa melhora na implementação do PLANAFLORO . 28 Além disso, essa atitude
PLANAFLORO foram frustradas em, pelo do Banco serviu também para neutra-
menos, três aspectos principais. Pri- lizar a ação das ONGs, visto que elas
meiro, as Câmaras Setoriais funciona- perderam definitivamente a capacidade
ram apenas precariamente no momento de pressão por não poderem interferir
da apreciação das propostas apresen- na utilização dos recursos do programa.
tadas para financiamento através do Finalmente, o terceiro aspecto é relativo
PAIC. Além disso, as ONGs reclamaram à perseverante fragilidade das agências
que a aprovação dos PAICs obedecia (SEDAM, IBAMA e FUNAI) responsá-
mais aos desígnios de políticos atuando veis pela fiscalização das unidades de
junto à coordenação geral do PLANAFLORO conservação existentes em Rondônia,

27
Contatos feitos com líderes de associações de produtores na região central de Rondônia
tenderam a corroborar essa afirmação. Além disso, o boom de criação de novas associações
que seguiu à criação do PAIC guarda grande semelhança com fatos ocorridos durante o
POLO NOROES TE , quando associações foram criadas apenas para gastar, nem sempre de forma
honesta, recursos do programa.
28
Através desse mecanismo o Banco procurou obrigar uma paridade de gastos nos componen-
tes de infra-estrutura e nos ligados à conservação ambiental.
174 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

que tem comprometido os avanços trazi- seguidos foi rapidamente dissipada pelas
dos pelo PLANAFLORO . Se tal fragilidade ações práticas dos diferentes atores
persistir, teremos a reedição de eventos sociais envolvidos na exploração dos re-
ocorridos durante o POLONOROESTE , cursos naturais em Rondônia. 29
quando a maior parte dos avanços con-

Figura 2 : Total programado e realizado entre componentes no PLANAFLORO


1993 a 1997

70

60

50
R$ milhões

40

30

20

10

0
A B C D E F G
Componentes
Programado Realizado

Legen das

A - Gerenciamento e Proteção Ambiental,


B - Fortalecimento Inst. Est. e Assist. Técnica
C - Programa de apoio à Iniciativa Comunitária
D - Estradas de Transportes Hidroviário
E - Adm. do Projeto, Monitoria e Avaliação
F - Pesquisa e Desenvolvimento Agroflorestal
G - Infraestrutura Sócio Econômico e Serviço

29
Para uma excelente discussão sobre a fragilidade do sistema de conservação ambiental criado
pelo POLONOROESTE , indica-se a leitura do artigo escrito por Fearnside e Ferreira (1985).
Marcos A. Pedlowski 175

Mesmo tendo em mente que não mento direto que foi dado aos be-
existe aqui a pretensão de uma análise neficiários nominais do programa;
global, há de se deixar claro que apesar
de ter nascido como um programa am-  exclusão política das organizações
bicioso, o PLANAFLORO acabou compro- não governamentais, especial-
metido em vários de seus objetivos. mente após o pedido de investi-
Dentre os principais podem-se destacar: gação do PLANAFLORO .

 persistência e, mais recentemente, Em suma, pode-se dizer que os re-


crescimento das taxas de desma- sultados do PLANAFLOR O são bastante
tamento; modestos e continuam sujeitos a um
comprometimento ainda maior pela di-
 atraso na edição da segunda ver- nâmica social que existe de fato, que não
são do Zoneamento Agro-Ecoló- foi modificada qualitativamente. É tam-
gico de Rondônia; bém importante frisar que os diferentes
atores institucionais envolvidos (Banco
 contínua falta de proteção às dife- Mundial, Estado de Rondônia e ONGs)
rentes unidades de conservação, enfrentaram grandes dificuldades de
inclusive às áreas indígenas e re- convivência, o que serviu para diminuir
servas extrativistas; ainda mais as chances de sucesso pleno
do PLANAFLORO . Esse balanço é particular-
 predominância de gastos com infra- mente importante para que possamos
estrutura em detrimento dos dis- situar a discussão sobre a formulação, já
pêndios financeiros com proteção em andamento, e a futura implemen-
ambiental e o limitado financia- tação da chamada Agenda Úmidas.

A Agenda Úmidas: a proposta do Banco Mundial


para o século XX I em Rondônia

Como já havia ocorrido no período final transição do POLONOROESTE , fica evidente


do POLONOROESTE , a conclusão do PLANA - que o Banco Mundial tem a intenção de
FLORO está sendo acompanhada por um permanecer como formulador (ainda que
novo esforço de planejamento, envol- não declaradamente) de políticas públi-
vendo o Banco Mundial, o governo de cas e financiador do Estado de Rondônia.
Rondônia e setores da sociedade civil Em tese, a Agenda Úmidas deve servir
rondoniense. Apesar de nominalmente para garantir os avanços obtidos pelo
não estar caracterizado que está em pre- PLANAFLORO , bem como para apresentar
paro um novo programa de desenvol- soluções para as questões que não foram
vimento regional, como foi o caso da plenamente resolvidas por ele.
176 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

Do ponto de vista teórico, é interes- Planejamento de Rondônia sobre o


sante observar que o processo iniciado assunto (SEPLAN, 1998) indica que as
em 1997 está referenciado na Agenda oficinas de trabalho conceberam que a
21, que foi o principal documento elabo- Agenda Úmidas deverá estar assentada
rado durante o “Earth Summit” realiza- em um conjunto de macrocondicionan-
do no Rio de Janeiro em 1992. O último tes e estratégias de desenvolvimento
documento liberado pela Secretaria de (Tabela 7).

Tab ela 7 : Macrocondicionantes e estratégias para o desenvolvimento de Rondônia


segundo a Agenda Úmidas

Macrocondicionantes Estratégias de Desenvolvimento


1. Fortalecimento institucional 1. Reforma do estado
2. Recuperação da capacidade de 2. Mudança na matriz energética
investimento do estado 3. Reforma agrária
3. Universalização da disponibilidade 4. Valorização da hidrovia do Madeira
de condições básicas de vida e saída terrestre para o Pacífico
4. Enraizamento cultural e ilustração 5. Agroindustrialização
científica e técnica da população
6. Promoção do turismo ecológico
5. Reconfiguração do padrão de
ocupação territorial 7. Implementação de práticas efetivas
de gestão ambiental
6. Prosperidade econômica e geração
de oportunidades de renda e 8. Melhoria da qualidade de vida
emprego 9. Promoção de uma política de
7. Integração de Rondônia aos enraizamento cultural e ilustração
eixos de transformação nacionais científica e técnica
e internacionais 10. Consolidação de democracia plena
8. Disponibilização espacialmente
equânime de recursos de infra-
estrutura e logística
9. Redefinição dos termos de inserção
de Rondônia no pacto federativo
10. Defesa da soberania territorial em
áreas de fronteira vulneráveis

Em que pese a aparente correção POLONOROESTE quanto o PLANAFLORO . Além


dos indicadores selecionados, estes repe- disso, a atual crise econômica do Brasil,
tem a mesma forma de abordagem de- que repercute fortemente na capacidade
masiadamente abrangente (e para não de investimento público, manifesta-se
dizer ambiciosa), que marcou tanto o ainda mais fortemente em Rondônia,
Marcos A. Pedlowski 177

que possui uma capacidade de arreca- inicial da Úmidas. As contradições sur-


dação fiscal bastante baixa. A situação gidas durante o PLANAFLORO , quando a
da economia internacional, que tem re- cooperação entre o Banco Mundial, o
sultado na fragilização das instituições estado e as ONGs foi bastante precária,
de Bretton Woods (em especial do FMI parecem ter criado um ambiente que di-
e do Banco Mundial), parece denotar ficultou a continuidade do diálogo entre
futuras dificuldades para obtenção de fi- esses setores e podem comprometer as
nanciamentos de alta monta que viabili- chances de sucesso da Úmidas. No en-
zem os objetivos da Agenda Úmidas. tanto, ainda é possível que sejam feitas
correções que aumentem as possibilida-
Além disso, o mesmo fator complica- des de cooperação política entre os dife-
dor que marcou a formulação do PLANA - rentes atores institucionais envolvidos no
FLORO repete-se também na Úmidas. Tal processo. Dada a posição estratégica de
fator relaciona-se à recusa formal dos Rondônia no desenvolvimento eco-
setores da sociedade civil organizada em nômico e nos esforços de preservação
Rondônia que participaram do PLANA - ambiental para toda a Amazônia, uma
FLORO (principalmente as ONGs que se eventual deterioração nas condições de
alinham em torno do FÓRUM de ONGs sua economia e meio ambiente certa-
de Rondônia) em reconhecer ou mesmo mente trará repercussões negativas para
em participar do processo de preparação toda a região.

Conclusão

O presente artigo discutiu o papel-chave fragilidade institucional é aguçada pelo


ocupado pelo Banco Mundial na estru- baixo desempenho fiscal do estado e
turação e sustentação do Estado em pelo acelerado processo de degradação
Rondônia, seja como formulador de po- ambiental associado à exploração irra-
líticas públicas seja como financiador cional dos recursos naturais que nele
majoritário de programas de desenvolvi- ocorre desde o início da década de 70.
mento regional que lá têm sido imple- Desse modo, avanços como o estabele-
mentados. Aqui foi demonstrado que, cimento do Zoneamento Agro-Ecoló-
apesar do grande aporte de capital e da gico acabam sendo comprometidos, em
capacidade institucional trazidos pelo sua eficácia, com graves danos sociais e
Banco Mundial através do POLONOROESTE ambientais para todo o estado, espe-
e do PLANAFLORO , Rondônia encontra-se cialmente para os setores socialmente
num estado de permanente fragilidade marginalizados (índios, seringueiros,
institucional (especialmente de suas ribeirinhos e pequenos proprietários
agências de proteção ambiental). Essa rurais).
178 O Banco Mundial e Políticas Territoriais na Amazônia Brasileira

A experiência do PLANAFLORO tam- casso relativo do processo participativo


bém demonstra que mudanças de cará- idealizado para o PLANAFLORO e uma pro-
ter normativo não são suficientes para posta muito limitada para o fortaleci-
garantir o sucesso de programas de de- mento institucional da sociedade civil
senvolvimento regional, principalmente dentro da Agenda Úmidas são claros
quando os atores sociais responsáveis indicativos dessa dificuldade. Finalmen-
pela implementação prática (no caso as te, é importante observar que, contraria-
agências governamentais operando em mente à sua ortodoxia oficial, o Banco
Rondônia) não estão dispostos – ou Mundial não é um agente neutro no pro-
mesmo capacitados – a implementar tais cesso de desenvolvimento econômico.
mudanças. Além disso, fica evidente que Assim, a continuidade da atuação do
o Banco Mundial, apesar de mudanças Banco Mundial em Rondônia deve ser
nominais no processo interno de formu- acompanhada por um escrutínio ainda
lação e de implementação de seus pro- maior, dados os custos social, econômi-
jetos, continua tendo dificuldades de se co e ambiental que têm acompanhado
relacionar com parceiros distintos do es- a presença da instituição naquela parte
tado, como é o caso das ONGs. O fra- da Amazônia brasileira.
Marcos A. Pedlowski 179

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Washington, DC: Latin America and
Caribbean Regional Office / World
(Recebido para publicação em novem-
Bank, 1981.
bro de 1998)
__________. Brazil: Northwest I, II and Mar cos A . Pe dlows ki é professor
III Technical Review. Final Report. do Laboratório de Estudo do Espaço
Washington, DC: Latin America and Antrópico do Centro de Ciências do
Caribbean Regional Office / World Homem da Universidade Estadual do
Bank, 1987. Norte Fluminense
Resenhas
Misères du présent, richesse du possible *
André Gorz
Paris: Éditions Galilée
1997, p. 230

Pedro Cláudio Cunca Bocayuva

Na sua obra Adieux au prolétariat: au- sociedades capitalistas avançadas. A


delà du socialisme (Paris: Éditions crítica ao processo social engendrado
Galilée, 1980) e, posteriormente, no pelo modo de produção capitalista, ao
seu trabalho de maior fôlego teórico, contrário da leitura clássica marxista,
Métamorphoses du travail. Quête du não aponta para uma autonomia nasci-
sens: critique de la raison économique da no seio do processo de socialização
(Paris: Éditions Galilée, 1988), André gerado nas formas fabris e nas estru-
Gorz abriu um filão analítico voltado turas produtivas das grandes empresas.
para uma análise do quadro de crise A autonomia e o controle operário da
do regime fordista de acumulação: o produção não seriam, portanto, o cami-
autor aposta no horizonte de uma re- nho para a construção de uma utopia
construção utópica do projeto de trans- do tipo socialista.
formação da sociedade capitalista.
A estratégia de recusa operária em
A construção de um projeto de relação ao domínio do capital e as
emancipação social passa a se rela- formas clássicas da organização cole-
cionar com a luta pela apropriação do tiva do trabalho no taylorismo-fordismo
tempo livre, gerado pelas condições so- originariam formas extremamente limi-
cioprodutivas que nascem da crise das tadas de poder alternativo. A autono-

* Trad. em espanhol, Miseria del presente, Riqueza de lo posible. Buenos Aires: Paidós, 1998,
160 p.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 2, 1998, p. 183-186


18 4 Re senha

mia não nasceria da heteronomia na balho sob regime fordista. Ao mesmo


disputa das formas capitalistas de pro- tempo, os processos de produção, ba-
dução, mas sim da crise da valorização seados na inteligência, na tecnologia e
do capital e da recusa à submissão ao na informação, expandem a produtivi-
poder do capital, que levariam a uma dade e reduzem o papel do trabalhador
perspectiva de geração de tempo livre, direto em tempo regulado e permanen-
de geração de condições sociomateriais te. Esse processo modifica os sistemas
para a autonomia. Essa nova dialética que conectam produção e consumo e
que dualiza trabalho autônomo e tra- que afetam o padrão redistributivo,
balho heterônomo se aprofunda em aprofundando a crise da forma taylorista
Misères du présent, richesse du possible. fordista de produção e consumo de
massas.
A crise da sociedade salarial e do re-
gime fordista tem sido o foco dos deba- O resultado desse processo, perverso
tes que questionam a centralidade do quanto à força das perdas sociais que
trabalho nas sociedades de capitalismo gera, é passível de ser reapropriado no
avançado. As formas de produção e tra- plano da política e da ação social cole-
balho pós-fordistas ou pós-industriais tiva, com vistas à superação da socie-
são o centro da maior parte das análises dade salarial.
sobre as tendências para uma transição
nos padrões de desenvolvimento. No ca- A estratégia de apropriação do tempo
pitalismo avançado a crise do regime de livre e de geração de formas sociais de
acumulação resulta, tanto para Gorz autonomia e cooperação, as quais redu-
quanto para outros estudiosos da ques- zem o tempo dedicado às atividades hete-
tão do trabalho, da combinação entre rônomas nas empresas, pode ser apoiada
luta de classes como estratégias de recu- por uma política que resolva a questão
sa e de autonomia e mutações tecnoló- social dos que estão desempregados ou
gicas e organizacionais. descartados, por força do potencial pro-
dutivo e das mutações técnicas e orga-
O modo de produção capitalista es- nizacionais. O gigantesco processo de
taria sofrendo modificações em duas produção, articulado pela base informa-
direções: a compressão e a limitação das cional e pelo trabalhador integrado às
formas clássicas de contratação fordista; novas formas de trabalho desmateria-
e a modificação do sentido da acumu- lizado em rede, em vez de apontar para
lação/apropriação do excedente, com uma emancipação impulsionada pelo
desconstrução de direitos e adoção de novo trabalhador intelectual de massa,
formas flexíveis de exploração e organi- do general intellect, criado pela mudança
zação do trabalho. A ligação entre a crise no modo de produção, acaba por gerar
de valorização do capital e as novas uma divisão entre trabalhadores integra-
formas de distribuição e organização do dos de forma individual e privilegiada e
trabalho se traduz numa mutação das trabalhadores temporários e precários, ao
formas coletivas e heterônomas do tra- lado da nova multidão de excluídos.
Pedro Cláudio Cunca Bocayuva 185

Assim, segundo Gorz, a base mate- cesso social deveria ir além da lei do valor.
rial e intelectual da nova produção pós- Deveria mudar as práticas e ocupações
industrial não seria capaz de originar no terreno dos trabalhos autônomos, so-
condições objetivas nem subjetivas para ciais e comunitários, assim como na redis-
a emancipação social. A saída para a tribuição da ocupação e na duração do
crise da sociedade salarial com a apro- trabalho no interior das esferas produtivas
priação positiva do tempo livre gerado heterônomas.
deveria ser orientada pela existência de
uma renda de base suficiente, que per- Para Gorz, a auto-organização e a
mitisse a construção das formas coope- auto-atividade podem ser apoiadas
rativas e associativas e engendrasse uma numa política da cidade enquanto base
redefinição de esferas de autonomia e para um projeto conscientemente vol-
de heteronomia (trabalho alienado). tado para uma outra sociedade. Alguns
desses elementos são encontrados em
A redução do tempo de trabalho e cidades como Copenhague e Bolonha,
as políticas sociais de proteção e inserção onde os espaços urbanos já são ordena-
social deveriam estar condicionadas, do dos por políticas de reconstituição do
ponto de vista ético-político, por uma re- mundo vivido. Citando Marcuse, o autor
distribuição baseada na renda suficiente de Misères du présent aposta na recons-
e necessária. Dessa forma, seria redefi- trução ativa de cidades. Estas nascerão
nida a luta contra o comando e o controle de uma nova densidade do tecido social
do capital na apropriação do general em que o formato das políticas públicas
intellect, em que a inteligência e a imagi- dará dimensão policêntrica à cidade,
nação se converteram na principal fonte onde os diferentes quarteirões dos bair-
de valorização do capital. ros oferecerão para todos, em todas as
horas, uma profusão de equipamentos
Ao contrário de buscar alternativa ao e atividades voltados para as auto-ati-
padrão hegemônico de precarização e vidades, auto-aprendizagens e auto-
exclusão do trabalho na crise da so- produções. A. Gorz cita um conjunto de
ciedade salarial, através das formas de experiências em que relações horizontais
economia solidária e social via terceiro e autônomas engendram práticas comu-
setor, André Gorz se aproxima das cor- nitárias e solidárias, por fora das relações
rentes políticas que apostam que a auto- mercantis capitalistas. Tais prefigurações
nomia social pode ser alavancada por indicam que já emergem agenciamentos
uma renda de base suficiente. Quanto às sociais e produtivos horizontais que for-
propostas que, como as de Claus Offe e talecem a autonomia dos sujeitos indivi-
Jeremy Rifkim, apostam em políticas de dual e coletivamente.
emprego e renda que estimulem a inte-
gração, via terceiro setor ou pelas ocu- O aproveitamento da potencialidade
pações de utilidade social, o autor de produzida pelas condições do trabalho
Misères du présent, richesse du possible desmaterializado e em redes nas formas
considera que uma reorientação do pro- pós-fordistas não se dará pela nova con-
18 6 Re senha

tratação e padrões cooperativos do tipo peração do regime salarial – quais são


desenvolvido no arco alpino europeu. as forças políticas que sustentarão o pro-
Para Gorz, a subjetividade integrada cesso de emancipação?
nesses arranjos reguladores não engen-
dra autonomia no interior do processo Para Negri, faltou a Gorz tirar todas
de produção. O mesmo ocorre com a as conseqüências e implicações do uso
simples redução e redistribuição do tem- da categoria marxista do general intellect,
po de trabalho, que não soluciona os ou seja, da relação entre trabalho difuso
problemas da transição. Distanciando- e intelectualidade de massa como base
se da perspectiva social-democrata de social do processo emancipatório, o que
esquerda ou das formas de capitalismo significaria reapresentar o tema da auto-
solidário, Gorz se aproxima das corren- nomia do trabalho construída no interior
tes que pretendem gerar dinâmicas an- do processo de produção. Essa questão
ticapitalistas de luta. Sua avaliação ontológica de fundo, recusada na análise
dualista da crise da sociedade salarial de Gorz, repercute na precariedade da
minimizaria o potencial antagonista e sua proposta de uma transição politica-
emancipatório das novas formas de tra- mente orientada pelo fio condutor da
balho. renda suficiente.

O problema, bem enunciado por


Antonio Negri 1 , desde seu cárcere na
Itália, onde resenhou esse livro de Gorz,
é saber – se separarmos o potencial so- Pe dro Cláudio Cunca Bo cayuva
ciomaterial que condiciona as novas é doutorando do Instituto de Pesquisa
formas de trabalho e as suas forças sub- e Planejamento Urbano e Regional da
jetivas da perspectica crítica para a su- Universidade Federal do Rio de Janeiro

1
Antonio Negri. “Recension: Misères du présent, richesse du possible, de André Gorz”. Futur
Antérieur, n. 43. Paris: Éditions Syllepse, 1997-1998/3.
Géographies imaginaires
Pierre Jourde
Paris: J. Corti
1991, 352 p.

Jamil Elias Coelho

Escrita no século do Renascimento, a marco físico em que se desenvolve a


Utopia de Thomas Morus constitui o pri- ação para assumirem o estatuto de ele-
meiro país imaginário criado pela prosa mento significante essencial à estrutura
narrativa, já que as descrições de Heró- narrativa e à compreensão de seus as-
doto, na Antiguidade clássica, não obs- pectos simbólicos. Borges idealiza cida-
tante o muito que encerram de mítico e des, Michaux ensaia a etnologia de um
legendário, dizem respeito a povos e na- povo estranho e inédito, Julien Gracq
ções de existência real, mais ou menos atravessa fronteiras nunca suspeitadas
conhecidos dos gregos de seu tempo. e Tolkien chega ao extremo de traçar,
Inaugurando um novo modelo narra- com relativa precisão de detalhes, a re-
tivo, a Utopia tem inspirado, desde a sua presentação cartográfica dos mundos
aparição, inúmeras viagens imaginárias nascidos de sua imaginação. A incomum
por países cujas instituições, cultura e geografia produzida por esses quatro
organização do espaço diferem quase “inventores de mundos” fornece a maté-
sempre de maneira radical do mundo ria para o ensaio de Pierre Jourde, obra
que conhecemos. exploratória em que o autor se interroga
sobre a especificidade da paisagem
É com os escritores do século xx que imaginária e sugere uma tipologia dos
a literatura ocidental se torna literalmen- espaços criados pela narrativa contem-
te pródiga em inventar povos, países e porânea. Géographies imaginaires é um
até continentes inteiros, ao mesmo ensaio de interpretação dessa redesco-
tempo que os espaços criados pela berta de um mundo mítico e fabuloso, e
ficção literária deixam de ser o simples é também uma proposta de análise

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XII, N o 2, 1998, p. 187-189


18 8 Re senha

estrutural dos seus elementos constitu- de temas, e não de uma divisão por re-
tivos. Para Pierre Jourde, os mares, flo- giões desses territórios imaginários. Os
restas, acidentes naturais, em suma, as acidentes geográficos e as características
formas da geografia física engendradas da paisagem física e humana constituem
pela imaginação literária, importam tópicos para cuja análise o autor recorre
sobretudo pela sua função na configu- ora a um ora a outro dos textos narra-
ração geral de um espaço imaginário e, tivos que fornecem a matéria da sua
por conseguinte, “possuem significação investigação. Seu método inclui uma
também em suas relações, em sua arti- leitura intertextual dessas obras, poden-
culação, e não apenas em si mesmos”. do-lhe atribuir um papel determinante
em função dos objetivos propostos. É o
Quem pretende escapar ao mundo, que ocorre, por exemplo, quando con-
ao seu modo também o traduz, consta- fronta a Utopia de Morus e O Senhor
ta Henri Michaux. A ficção literária nos dos anéis, de Tolkien, no capítulo dedi-
transporta a terras longínquas, “espaços cado ao tema da representação carto-
desconcertantes que nos surpreendem gráfica. Ou quando, ao estudar o que
e encantam pelo que têm de inusitado”, define como uma etnologia imaginária,
e “onde as montanhas, os rios, os ani- recorre paralelamente a Tolkien (obra
mais, as próprias leis da natureza não citada) e a Henri Michaux (Ailleurs, ciclo
são aquelas que nós conhecemos”. Re- de novelas de cunho surrealista, das
criando um espaço mítico ao construir quais a primeira foi publicada em 1936).
os seus territórios de fábula, o escritor
contemporâneo coloca o leitor precisa- Pierre Jourde inicia seu estudo pela
mente face a face com o mundo, a que análise dos espaços naturais e acidentes
se busca escapar e paradoxalmente se físicos. Deixando de lado “qualquer pre-
regressa através de um processo com- tensão científica”, busca nesses elemen-
pensatório que implica fuga e reaproxi- tos a paisagem – “essa entidade vaga e
m aç ão . em si mesma não significante” – e os con-
teúdos simbólicos de que se revestem as
Os manuais de Geografia dividem suas formas mais amplas no contexto
o nosso globo em continentes, países e narrativo. Desertos, mares, florestas e
regiões. Em si mesmos, espaço e paisa- montanhas constituem esses imensos
gem constituem realidades neutras, so- “domínios do visível” que preenchem os
mente adquirindo significação a partir espaços geográficos. Sua metodologia
das formas de ocupação determinadas implica uma interpretação global da
pelas intervenção humana. Para Pierre paisagem, uma visão do sítio geográfico
Jourde, essa significação decorre da equivalente à de um observador debru-
forma como intervém a imaginação do çado sobre um mapa. Nessa perspectiva,
escritor na construção da narrativa e na os diversos elementos da paisagem pas-
configuração dos seus mundos fictícios. sam a formar um todo articulado: vista
Por isto mesmo, a sua peculiar geografia do alto, a montanha será contemplada
se organiza em primeiro lugar a partir em relação com outros acidentes, oposta
Jamil Elias Coelho 189

à planície ou à vastidão do oceano. A No romance moderno, a imagina-


representação cartográfica, no entanto, ção não se aplica apenas a criar fatos e
interessa-o particularmente em função personagens. Ela cria também novos
das relações que entretém com a própria espaços, povos e cidades. No momento
narração. Ela possui o dom, escreve, de em que a Geografia, ciência da organi-
clarificar o texto, desmenti-lo ou alterar- zação do espaço na sociedade humana,
lhe a significação. O mapa impõe limites, se interroga sobre a especificidade e o
tende a encerrar o espaço imaginário âmbito do seu objeto, o livro de Pierre
numa ordem rígida, estreitando a mar- Jourde pode ser considerado um ma-
gem de independência do leitor frente nual dessa outra geografia, que nasce
ao mundo criado pelo narrador-demiur- da imaginação e mesmo do inconscien-
go. Mas também possibilita comple- te. Partindo da paisagem como realida-
mentar a leitura linear do texto por uma de concreta de uma espécie particular,
“visão sinóptica”, definindo um campo Pierre Jourde esboça uma antropologia
que o olhar poderá “percorrer ordena- dos mundos imaginários e chega ao
damente ou de modo errático”. limite de uma abordagem filosófica do
imaginário na literatura. Precisamente
Como explicar a gênese desses mun- porque impregnado de conteúdos sim-
dos imaginários? Qual o seu fundamen- bólicos, é este um conhecimento bem
to, qual o impulso que os faz emergir menos objetivo na formulação das suas
como realidade? Para Pierre Jourde, a hipóteses.
origem dessa estranha geografia reside
na linguagem, no próprio ato de escre-
ver e nos segredos que encerra. Mas essa
revelação somente lhe virá a posteriori,
vencidas uma por uma as etapas do seu Jamil E lias Coel ho é mestrando
itinerário, não diferente, afinal, segundo em Língua Espanhola e Literaturas
o confessa ele mesmo, do percorrido por Hispânicas da Universidade Federal do
outros inventores de mundos. Rio de Janeiro
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justiça do lobo. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 60.
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b) artigo - nome do autor; título do artigo
(entre aspas); nome do periódico (em itá- _______________________________
lico); volume (se houver) e número do pe- Endereço _______________________
riódico; data da publicação; número da
página. _______________________________
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tamorfose da arribaçã”. Novos Estudos, nº E stado ___ CEP _________________
27, julho de 1990, pp. 67-92.
País ____________________________
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