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Vergílio Ferreira
APARIÇÃO
1) QUADRO-SÍNTESE
Em Aparição, Vergílio Ferreira volta-se para o problema do homem que procura a sua verdade mais
profunda e que quer entender o problema da sua relação com os outros, com a vida e com a arte.
Alberto é um solitário que parece querer espalhar a sua verdade junto dos outros, inquietá-los com os
problemas do Homem em face da vida. Mas a sua comunicação não acontece, mesmo com Ana, que
parece sua confidente; nem com Sofia, que prefere o absoluto da destruição, levando o mais longe
possível as consequências de estar no mundo; ou com Carolino, que entende ao contrário a sua mensagem
de vida.
Cada homem é único e cada um tem a sua verdade. Além disso, é um ser transitório, um ser para a
morte, que se tenta ultrapassar a si próprio e só se consegue perpetuar através da arte. Daí o lugar
especial concedido à música, que exprime cadência, fugacidade, e sempre transcendência rumo ao
absoluto. E também a montanha ou a planície, com os seus sentidos cósmicos, a ligar o Homem a esse
Dentro do pensamento existencialista, com Deus a perturbá-lo, há uma interrogação constante sobre a
condição humana, sobre os problemas existenciais mais profundos. Alberto tenta mostrar que a vida é
uma coisa maravilhosa e que o reconhecimento da morte ajuda a perceber o quão extraordinário se
perde.
O tema deste romance centra-se na problemática do SER. Oferece-nos a demanda da realização do ser
Alberto procura encontrar a verdade da vida, mas a sua angústia cresce perante a fragilidade da
existência e uma certa solidão e incompreensão no quotidiano. Querendo superar essa condição, cai na
consciência do fracasso. Recusa Deus e afirma a sua fé na omnipotência do Homem. As respostas para a
justificação da sua condição estão no próprio Homem. Mas tudo isto provoca angústia e uma conceção
trágica da realidade do ser humano: ao conceber a vida como criação, o ser humano defronta-se com o
absurdo da morte; a liberdade do Homem enquanto ser no mundo e responsável pelo que faz é
contrariedade pelas condições e atitudes dos outros e da sociedade, mas, sobretudo, pelos limites da
condição humana.
A vida coloca-nos perante o absurdo e a inverosimilhança da morte. Existir é ser para a morte. Por isso,
a morte é angústia e fascínio. Incita à vida na própria tensão que contém. Como diz Vergílio Ferreira, a
A MORTE: surge nas diversas circunstâncias – a morte do Pai (já velho, subitamente à mesa), de
Cristina (ainda criança, num acidente rodoviário), de Bailote (por suicídio), de Sofia (assassinada), a
morte dos animais (o cão e a galinha) – mas sempre como destino, fim último para quem não aceita a
intervenção de Deus. A morte intriga Alberto, pois é inexplicável e absurda, mas também uma “violenta
Em Aparição, há uma tentativa de alertar para a necessidade de consciência do homem sobre si mesmo.
Vergílio Ferreira reflete sobre o lugar do indivíduo personalizado, que resulta de um processo interior,
Toda a obra gira em torno do milagre de ser. O aparecer de nós a nós próprios resulta de uma reflexão
3) ESTRUTURA DA OBRA:
(ver páginas 291-292 do manual)
Estrutura fragmentada: a sequência narrativa é múltiplas vezes quebrada, por analepses (recuos no
tempo), produtos da memória, que introduzem, por seu lado, espaços associados a tempos diferenciados e
A escrita é uma experiência que conduzirá a uma descoberta. Coloca-se um problema que é dimensionado
entre os acontecimentos narrados e as reflexões do narrador; por outro lado, o desnudamento do “eu” do
Estrutura circular: inicia e termina com a frase “Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro.” A
interseção entre tempos distintos (passado e presente) pressupõe a circularidade cuja significação
simbólica é materializada pela “lua quente de verão” ou por “uma lua quente de fim de verão” (no final da
obra), numa alusão quer à sua forma em círculo, quer à realidade que a lua, enquanto elemento
cosmogónico, significa. A lua, associada à mãe, propõe o regresso à infância (não apenas a infância de
Alberto Soares, mas à infância da própria humanidade), ou seja, a descoberta que Alberto realiza em
relação ao seu próprio “eu” é o espelho da vivência humana ao longo dos séculos, numa tentativa de
A linha circular possui a qualidade dinâmica de se perpetuar, de não apressar um início e um fim. De
facto, no final, Alberto assume a sua condição humana – aceita que nem todas as interrogações têm
resposta (apesar de, nesta última fase, a tranquilidade substituir a inquietação inicial): “Sei, não talvez
como quem conquistou mas como se despoja: a minha verdade é o que me sobeja de tudo.”
4) AÇÃO TRÁGICA
A ação trágica insere-se na ação principal e relaciona-se com a ideologia da obra. A tragédia consiste no
assassínio de Sofia, após a deturpação que Carolino realiza da mensagem transmitida a Alberto.
Ao longo da narrativa, os aspetos indiciais concretizam-se em episódios – Alberto funciona como aquele
que irá despertar as outras personagens de um sono letárgico e tranquilo, motivador de uma felicidade
conflitos.
revolta, mas apenas de consciência – o sofrimento das personagens que rodeavam esta menina angélica é,
aliás, traduzido de uma forma quase tranquila: a mãe chora baixinho, Ana opta pelo silêncio, Sofia canta
5) PERSONAGENS
(ver páginas 307 a 309 do manual)
Alberto: preocupado com as questões fundamentais da vida, não consegue superar a angústia, embora
Evaristo: irmão mais novo de Alberto; o narrador caracteriza-o como “magro e alto, articulado como um
boneco de lata”, irrequieto e quase sempre bem-disposto, mas que “tanto era cruel ou amável, egoísta ou
Alberto, saciando-se com aquilo que pode ver e possuir. O seu materialismo e ceticismo colocam-no no
mundo de uma atitude mesquinha. Cortará relações com os irmãos, aquando das partilhas, apesar de a
distribuição das terras ter sido feita através de sorteio, na presença de um advogado.
Sofia: olhos vivos; “uma beleza demoníaca” (cap. 7). Provocadora e sensual, o seu amor é feito de
entusiasmo, de desespero e de loucura. Revela-se difícil, desde criança, desafiando tudo e todos, as
convenções sociais e morais e a própria vida, tentando o suicídio. Dotada de excessiva energia, prefere o
absoluto da destruição (isto pode observar-se quando a irmã parte o braço de uma boneca e ela destrói
os brinquedos um a um). Sofia é uma personagem lunar, noturna. Tudo nela é enigma, com comportamento,
muitas vezes, desconcertantes. Carolino assassina-a (cap. 25) por considerá-la superior, enorme,
Sofia representa o duplo especular de Alberto: se considerarmos que Sofia é igual a Alberto na partilha
e na angústia existencial e na questionação constante, verificamos que são ambos reflexos da mesma
imagem, embora com atitudes diferentes perante a vida. Porém, enquanto Sofia utiliza a Palavra como
arma efetiva para contestar a ordem aparente do Universo em que ambos se procuram, Alberto utiliza o
Silêncio. Se a grandeza de Sofia é sinónimo de ação direta, na expressão solitária da sua individualidade,
Ana: revela-se, para Alberto, de uma enorme grandeza. Inquieta, parece, até certo momento, aceitá-lo e
compreendê-lo, embora resista à sua notícia “messiânica”. A sua sabedoria seduz o professor.
Lera dois livros de Alberto e sentira-se tocada pelas considerações existencialistas que neles se
vislumbram. Parece haver uma interseção entre a verdade de Ana e a verdade de Alberto.
A angústia perante a fragilidade e limitações da condição humana são para Ana o resultado de não poder
ter filhos, sente-se frustrada, infeliz e humilhada por ver que o marido (Alfredo Cerqueira) apenas se
preocupa em exibir “a sua posse” (cap. 9). Transfere o seu potencial de amor materno para Cristina, e
com a morte desta, transforma o seu comportamento. Ela representa a angústia metafísica e a
integridade, com o regresso ao equilíbrio interior. Consegue encontrar a paz de espírito quando, tempos
Cristina: ela é só arte; é criança e não questiona a vida, revelando, com a sua música, um mundo
maravilhoso de harmonia. A sua música tem, para o narrador, o dom da revelação. Parece não pertencer
ao mundo terreno. Através da morte, vai possibilitar a Alberto a exaltação integral da condição humana,
“ter a evidência ácida do milagre do que sou, de como infinitamente é necessário que eu esteja vivo, e ver
depois, em fulgor, que tenho de morrer”. Cristina e a força mágica da sua música continuarão vivas na
memória de todos.
Susana: é a mãe de Alberto. Subjugada por instituições sociais, como o casamento, revela uma submissão
tranquila, uma desistência de si mesma enquanto pessoa individual, com desejos e vontade próprios, para
viver em função de um grupo dominado por figuras masculinas – o seu mundo é a representação de uma
sociedade patriarcal, onde a mulher foi, desde menina, ensinada a viver para o lar e para a maternidade.
Com a morte do marido e o afastamento dos filhos, vive como se fosse um fantasma, encarando de frente
Tia Dulce: será através do seu álbum que Alberto mergulhará, mais tarde, no tempo da sua infância
6) NARRADOR
(ver páginas 293-294 do manual)
Aparentemente temos:
Estes dois narradores constituem uma unidade: ambos contam os acontecimentos, ambos são
protagonistas; são momentos temporais distintos que nos levam a considerá-los entidades também
distintas.
7) TEMPO
8) ELEMENTOS SIMBÓLICOS
NOITE: frequentemente acompanhada da lua, surge ligada a acontecimentos trágicos que afetam o
narrador (mortes do Pai, de Cristina, de Sofia e de Mondego). A noite favorece a germinação das
Sugerindo silêncio e solidão, torna-se propícia à revelação da verdade da vida – é a “noite germinadora”.
NEVE: associa-se à pureza e à purificação. Cobre o mundo para que um novo surja. As neves provocam a
destruição mas, derretidas em água, favorecem a germinação. A neve liga-se, assim, à génese da vida.
MONTANHA: incógnita e enigmática. É um verdadeiro símbolo cósmico, exprime as origens dos tempos, o
halo genesíaco (o brilho da génese, da origem); imutável e grandiosa, aparece como seio acolhedor,
proteção dos perigos da cidade, onde há ausência do mal e se estreita a relação com o sagrado.
LUA: surge como força purificadora, de pureza original e absoluta. Associada à noite, permite a
CHUVA: ligada à água, é o símbolo da fertilidade da terra. Alberto gosta de andar à chuva pois ela surge-
VENTO: conota o sopro criador (“o vento do espírito”). É a voz das origens. Mas o vento passa e, por isso,
SOL: simboliza a vida, a luz, a energia. Mas o sol pode também ser símbolo da morte, pois torna a terra
calcinada. Ao ser luz, o sol simboliza a revelação de si e dos outros. Pode ser também entendido como
do ser.
FOGO: conota, naturalmente, a destruição para a renovação. O fogo é ambivalente, exprime a catástrofe
e a vida. No Alentejo, os “restos do incêndio” permitem com o esforço consciente do homem, o renascer.
O fogo pode também traduzir a força e o aniquilamento da paixão, como sucede em Sofia, ardente e
MÚSICA: revela a sensibilidade, a harmonia e o próprio fluir da escrita. A música parece estruturar a
narrativa, simbolizando o vibrar da vida, nas suas múltiplas manifestações. O Noturno em dó sustenido
menor, obra póstuma de Chopin, associa a imagem da noite a escuridão e a nostalgia. Com a noite, e as
presenças constantes da morte, este Noturno favorece o tom angustiado de Aparição. A música, o grito,
ALENTEJO (a planície): símbolo do espaço terrestre. A planície e a montanha falam a mesma voz
primordial, mas a planície surge também ligada ao destino trágico de Sofia. Terra calcinada, deserto
CIDADE (ÉVORA): cidade branca “semeada de ruínas, de arcos partidos, de nichos de santos das
MORTE (violenta): fim do passado, do esplendor, de quem se sentia criador, mas nunca tomou consciência
sensualidade (Sofia). Símbolo da destruição nas mão de quem quer ser senhor (Carolino): “O homem é que
é Deus porque pode matar” (capítulo 10). Símbolo do que não comporta o intemporal (Cristina).