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São Gabriel D A COT DIANA

A REPUBLICA DE
WEIMAR
LIONEL RICHARD
l

N.Cham. 943.085 R512v.Pb


Autor: Richard, Lionel.
Titulo: A Republica de Weimar (1919-1933

267Í615 Ac. 30091


PUC Minas SG N° Pat 200S
Lionel Richard

Coleção "A vida cotidiana" A República de Weimar


(1919-1933)

Paris no tempo do Rei Sol — Jacques Wilhelm


A Itália no tempo âe Maquiavel — Paul Larívaille
A República de Weimar (1919-1933) — Lionel Richard

A sair:

A Holanda no tempo de Rembrandt — Paul Zumthor


Os cavaleiros da Távola Redonda — Michel Pastoureau
O faroeste (1860-1890) — Claude Fohlen

CoMFANiiuEks LETRAS ' cfccucoDOOVBO


SUMÁRIO
di Catalogação na Publicação (CIF) Internacional
(Câmara Brasileira do Livre. SP, Braill)

Richard, Lianel.
A RepJblica de Weimar, 1919-19» / LioneL
Richard. — São Paulo : Companhia das Lentas z
Círculo do Livro, 198B-
(A vida cotidiana)
Bibliografia.
ISBN 85-7164-009-2
L. Alemanha - Condições sociais - 1918-193Í
2. Alemanha - Historia - 1918-1933 3. AUnanhs - PREFÁCIO 9
Vida intelectual - Século 20 I. Titulo. II. Série

CAPÍTVLO I
índices para catálogo sistema l iço: Fim da guerra e fim do regime imperial 13
3. Alemanha i Vida intelectual, 1918-1933 943.085
A miséria, a fome. Da unanimidade nacional à sua
ruptura progressiva. Vasto movimento de oposi-
ção à guerra. Um marechal na legenda. Exigências
de democracia. Capitulação e revolução.

Editora Schwarcz Ltda.


Rua Tupi, 522
BIBLIOTECA DA PUC/MINAS 01233 São Paulo, SP CAPÍTVLO II
SÃO GABRIEL Fonei
825-5286/825-6498

Círculo do Livro S.A. Á República de Weimar e seu nascimento difícil . . . . 33


REGISTRO: Caixa postal 7413 Uma revolução, duas repúblicas. Esmagamento da
1051 São Paulo, Brasil
DATA:__ revolução. Escritores e artistas no banco das tes-
ACERVO: j Edição integral temunhas. Eleições para uma assembleia consti-
HfiiI SHinal: "La vie quotidienne au temps de tuinte. Um lugar histórico: Weimar. Uma fraque-
Ia Republique de Weimar (1919-1933)"
Copyright © 1983 Hachette za de nascença. Contradições difíceis de superar.
Tradução: Jônacas Batísta Neto
Revisão de originais: Eliana Rocha
Revisão de provas: Círculo do Livro
Capa: Ettore Bottini, sobre "Rua de Berlim" (1931), CAPÍTULO III
de George Grosz (Companhia das Letras); Agência Iça Press
(Círculo do Livro)
Antigos espaços e fronteiras novas 61
Licença editorial Fronteiras novas. Efeitos psicológicos. Cidades e
por cortesia de Éditions Hachette
campo. Supremacia de Berlim. Uma centralização.
Composto pela Línoart Ltda.
Impresso e encadernado pelo Círculo do Livro S.A.

2 4 6 8 1 09 7 5 3 1
89 91 92 90 88
CAPÍTULO IV CAPÍTULO VIU

Caos., reerguimento e retorno da crise 85 Lazeres e distrações 211


Desilusão e falta de confiança, Crescimento do de- Ritmos de jazz e americanização das distrações.
semprego. Um turbilhão de cifras. Transformação Estabelecimentos de variedades. Operetas e revis-
dos costumes. Especulação e xenofobia. Vítimas e tas. A moda dos cabarés. Uma distração de massa:
aproveitadores. Uma prosperidade relativa. Um de- o cinema. Concertos, representações teatrais, lei-
semprego único. O anúncio do terror. turas. Dança moderna, rádio, excursões, esporte.

CAPÍTULO V CAPÍTULO IX

Associações para todos 119 Clima intelectual 239


Vários centros de atividade cultural. Um culto do
Nacionalistas e nacíonal-racistas, Um movimento
campo. Força das ideias de direita. Efervescência
chamado Nacional-Socíalista. Socialistas e comunis-
à esquerda. Morte do Expressionismo e Nova Ob-
tas. Políticos ou religiosos, uma multidão de clãs.
jetividade. Pesquisas audaciosas.
O Movimento de Juventude. Em direção a uma
sociedade militarizada.
CAPÍTULO X
CAPITULO VI Elementos para uma autópsia 265
Poderio da herança imperial. Uma democracia de
Da escola à universidade 163 aparências enganadoras. Juízes nada imparciais.
Esforços por uma nova pedagogia. Uma reforma Em direção ao Terceiro Reích.
limitada. Instituição de cursos para os que traba-
lham. Nos estabelecimentos secundários. Univer-
sidades de alto nível e conservacjoras. ANEXOS 273

CAPÍTULO Vil NOTAS 285

Alojar-se, alimentar-se, vestir-se 191 REFERÊNCIAS CRONOLÓGICAS 305


A moradia tradicional. Miséria de todos os tipos.
Construções novas. A alimentação habitual. Vestuá- REFERÊNCIAS BIOGRÁFICAS 319
rio tradicional e moda internacional.
ORIENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA 325

AUTOR E SUA OBRA .... 327


r
PREFÁCIO

No início de 1932, de volta de uma viagem à Alema-


nha, André Siegfried observava que a crise de 1918 havia
provocado lá uma transformação cujo alcance, infelizmen-
te, escapava à avaliação dos franceses.' Embora a nova
República alemã nasça oficialmente com a promulgação de
sua Constituição, a 11 de agosto de 1919, em Weimar, ela
surge diretamente, com efeito, da Primeira Guerra Mundial.
Ela permanece incompreensível sem as consequências diplo-
máticas dessa guerra, mas igualmente sem as mudanças que
esta, de maneira díreta ou indireta, põe em movimento no
próprio território alemão.
É por isso que me pareceu necessário, para mostrar as
origens profundas da República de Weimar, recuar aos mo-
mentos em que a derrota alemã se torna iminente. Não
procurei todavia relatar os eventos segundo um plano cro-
nológico. Quis captar a visão que a população, na sua diver-
sidade social, podia ter da situação, e como a vivia. Quanto
aos combates revolucionários, às oposições e às lutas intes-
tinas ulteriores, adotei uma perspectiva idêntica. Tentei des-
crever o terreno sobre o qual, material e moralmente, a
outra Alemanha era chamada a estabelecer suas bases.
Tal esclarecimento me pareceu com efeito indispensável
na medida em que os acontecimentos vividos coletivamente
pelo povo alemão, a partir de 1917 aproximadamente, per-
turbam-no em seu estado de espírito. Quando a derrota está
patente, ele se interessa muito pouco por suas causas mili-
tares.2 Todos têm tendência a se contentar, de acordo com
suas simpatias políticas, com explicações bem simples: in-
competência dos oficiais, insuficiência de recursos, passivi-
dade das tropas, traição interna. A obsessão da grande maio-
ria dos alemães está alhures. Quaisquer que sejam as solu-
ções que eles considerem, ela está nas consequências dessa
derrota. Choque psicológico duradouro, porque novos acon- Como esses hábitos não lhe pertencem propriamente,
tecimentos o sustentam: modificação das fronteiras, ocupa- mas à civilização alemã, não lhes dei muita atenção. Meu
ção do Ruhr, carga financeira das reparações que devem ser objetivo não era descrever os costumes dos alemães em
pagas aos Aliados pelos danos causados. Com a colaboração geral — o que seria a finalidade de um livro bem diferente.
da miséria, a angústia do presente e o medo do futuro se Era mostrar a originalidade que lhes traz um período par-
tornam então na Alemanha fenómenos coletivos. ticular. Pois a República de Weimar é um país novo nas
Pareceu-me portanto impossível separar o que se passa suas fronteiras, na sua organização, na sua cultura.
nas consciências das circunstâncias históricas. Inversamente Ensino, sexualidade, arquitetura, teatro, cinema —
só prestei atenção nestas na medida em que elas se prolon- quantas realizações e experiências em todos os domínios!
gam nas consciências, impondo linhas de força nas represen- Obrigado a cobrir em poucas páginas uma matéria tão vasta,
tações do mundo. nem sempre pude consagrar-lhe análises detalhadas. A con-
Num breve período de apenas catorze anos, que paisa- tragosto, precisei limitar-me às vezes a indicações rápidas,
gem contraditória foi a base social dessa República de Wei- contentando-me em estimular a curiosidade que pode levar
mar! Ela não conhece um desenvolvimento progressivo con- a outras leituras, a outras pesquisas.
tínuo, mas uma alternância entre situações extremas. Até o Quanto aos romances, às peças de teatro, aos filmes,
início de 1924, é a inflação, o aumento do desemprego, que não ignoro que eram muito mais variados do que os exem-
no último trimestre de 1923 atinge um quarto da população plos que retive de sua imensa produção. Mas meu objetivo
ativa. Depois, uma ajuda americana de 110 milhões de dóla- não era escrever uma história das artes na Alemanha de
res em 1924 e o plano elaborado pelo vice-presidente dos 1918 a 1933. Era preciso que eu me ativesse aos criadores
Estados Unidos, Charles Dawes, permitem aumentar a pro- e às obras que haviam exercido uma influência social, go-
dução, reduzir o desemprego e dar à Alemanha, ao lado de zando de uma consideração na vida cotidiana ou no clima
uma concentração industrial crescente, uma aparência de intelectual da época.
prosperidade. No fim de 1929, tudo desaba com a crise Eis algo muito relativo, é verdade. Não é impossível
económica. O ano de 1932 termina com um desemprego que, no cotidiano deste ou daquele cidadão alemão, O Ho-
que alcança 44% da população ativa, da qual um terço mem sem qualidades de Robert Musil, Os sonâmbulos de
apenas dispunha de um trabalho em tempo integral. Hermann Broch,3 os quadros de Max Beckmann ou a música
Em 1919, esse itinerário não era previsível. A desor- de Arnold Schõenberg tenham representado uma preocu-
dem económica e a confusão eram imputadas à guerra, à pação fundamental e marcado para sempre sua existência.
derrota, à revolução, aos açambarcadores, aos grevistas. Mas Os trabalhos e os dias se parecem muito, mas podem tam-
a contradição não estava instalada no próprio coração da bém, felizmente, diferenciar-se.
República nascente? O que me esforcei por traduzir, em definitivo, foi a
Por outro lado, nas suas formas de vida cotidíana, essa atmosfera de uma época. Seu quadro de vida.4 As esperan-
nova Alemanha não sai do nada. Ela recolhe a herança tra- ças e os rancores, as ambições e as desilusões, as tensões
dicional dos períodos que a precedem, especialmente do e os medos que, de um grupo social para outro, a atraves-
saram.
Império dos Hohenzollern. Como ainda hoje, a refeição da
noite, na maioria das famílias, consiste em algumas fatias
de pão preto, acompanhadas de queijo ou de salsicha. Os
alemães dormem sobre roupas de cama sem acabamento sob
um acolchoado de panos envolvido num cobertor. Disso
tudo, nada foi inventado.

W 11
CAPITULO I
FIM DA GUERRA E FIM DO REGIME
IMPERIAL

Na região de Compíègne, naquele dia 7 de novembro


de 1918, a chuva não parou. Os soldados franceses dos
postos avançados da 166.* Divisão permaneceram tensos e
vigilantes até a noite, na expectativa. De repente, uma man-
cha de luz surge ao longe, na direção de La Capelle.1 Eles
estão agora certos de que a espera não vai durar a noite
toda: eis a delegação alemã que lhes foi anunciada. Pouco
a pouco, através do nevoeiro, o comboio de automóveis se
torna visível. Presa ao primeiro carro, flutua uma bandeira
branca.
Esgotada, esfomeada, a Alemanha imperial finalmente
se rendia. A decisão havia sido demorada, difícil de tomar.
E, depois, quem enviar para negociar? Não se devia ceder
aos derrotistas, aos pacifistas, aos revolucionários. Em re-
sumo, ao inimigo interno.

A miséria, a fome

Como a Alemanha chegou a esse ponto? Até meados de


1918, o círculo militar de Guilherme II ainda podia ter es-
peranças de obter a vitória sobre os países da Entente. Toda-
via, as chances tinham sido consideravelmente reduzidas pela
entrada dos Estados Unidos na guerra e o desembarque das
primeiras tropas americanas na França no início de julho de
1917. Embora tivesse sido aliviada a leste pelo tratado de
Brest-Litovsk, assinado em março de 1918 com a Rússia,

13
que se tornara soviética, a Alemanha estava muito mais en- Ainda em Berlim, o espetáculo da rua havia mudado. A
fraquecida do que seus adversários. Em vão se beneficiara atividade parecia reduzida. Por falta de pessoal, os bondes
das riquezas agrícolas da Ucrânia e ocupara os países bálticos e o metro, pela primeira vez, empregavam mulheres para o
e uma parte da Bielo-Rússia nas suas fronteiras orientais; controle das passagens. Nos trens, dava-se prioridade ao
continuava em estado de bloqueia. Nem a Áustria-Hungria, transporte das tropas. Os habitantes dos subúrbios eram
nem a Turquia e a Bulgária, suas aliadas, estavam em me- obrigados a fazer longas caminhadas a pé. As universidades
lhor situação; muito ao contrário. quase não tinham mais alunos nem professores: três quar-
O esforço de guerra havia absorvido a tal ponto as me- tos deles tinham-se apresentado como voluntários por oca-
nores atividades que acabara por esmagar tudo. O número sião da declaração de guerra.
de soldados havia mais do que triplicado desde 1914, atin- Em toda a Alemanha, os ginasianos que não tinham
gindo quase 10 milhões. Nas indústrias, o número de ope- aínda idade para partir para a frente eram submetidos a
rários diminuíra um quarto e o das operárias crescera 50%. exercícios intensivos de preparação militar. Por vezes, eram
No essencial, a mão-de-obra era utilizada para a manutenção mesmo engajados corno auxiliares nos serviços do exército.
ou construção de material bélico. Nas indústrias têxteis e A partir dos dezesseis anos, podiam ser enviados para a
alimentares, pelo contrário, caíra para 60%. Todo o país frente. A imagem do Brecht jovem pode parecer surpre-
havia se transformado, mergulhando rapidamente num de- endente, mas está inteiramente de acordo com a época: na
sequilíbrio económico e social. sua cidade natal de Augsburgo, na Baviera, ele se pusera,
A partir dos primeiros meses de 1916, o descontenta- assim como seus colegas, à disposição da defesa civil, e, en-
mento se havia instalado entre os operários, os artesãos, os quanto publicava poemas patrióticos na imprensa local, en-
pequenos comerciantes, que se queixavam de não mais en- tregava-se da forma mais séria possível à espionagem aérea.
contrar o que comer, enquanto os ricos se abasteciam no As lojas de luxo não tinham fechado, nem os restauran-
mercado negro. A 17 de junho de 1916, em Munique, mi- tes com terraço e os salões de chá. Mas com o passar dos
lhares de manifestantes se tinham revoltado contra a mi- meses a austeridade ganhara as avenidas mais elegantes da
séria e a divisão injusta dos produtos alimentares. Relató- capital. A iluminação a gás era racionada. As senhoras de
rios policiais indicam tensões e riscos de revolta entre a boa família não tomavam mais o chá das cinco em suas
população indigente na região de Hanôver. Com o rigoro- confeitarias habituais, as tardes de tricô tinham lugar na
so inverno de 1916-1917, a situação piorara ainda mais. casa de uma ou de outra. Algumas tinham encontrado uma
Leite, manteiga, batatas haviam passado à categoria de pro- ocupação nas creches improvisadas, que se haviam multipli-
dutos de luxo. A ração semanal de carne oscilava entre 100 cado, pois as crianças estavam cada vez mais entregues a si
e 190 gramas para o habitante da cidade. Beterrabas e na- mesmas. Na maioria dos casos, as mães trabalhavam. Mui-
bos constituíam o alimento mais comum.2 tas escolas eram transformadas em hospitais militares. Ou
Na fábrica de Berlim onde trabalhava em 1917 como fechadas nos meses de inverno, como consequência da in-
jovem operário, conta uma das testemunhas da época em corporação dos professores, ao exército.
suas memórias, as mulheres eram três vezes mais numero- A maioria dos cidadãos careciam dos produtos de pri-
sas do que os homens. Elas pertenciam também às equipes meira necessidade. Quando era possível o abastecimento, o
noturnas e frequentemente desmaiavam de cansaço sobre racionamento instituído dava direito a um ovo, 2,5 quilos de
as máquinas. Em pleno inverno, as oficinas não eram aque- batatas e 20 gramas de manteiga por semana. Em Berlim,
cidas. Na cantina, nabos eram servidos em todas as refei- as sopas populares eram frequentadas por quase 200 000
ções, às vezes com batatas, mas, mais frequentemente, sem fregueses. Haviam sido balizadas pelo comando militar que
c In s.1 as organizava e as controlava de "canhões de guisado".
14 15
gramas de banha por quinzena, quantos horizontes se abriam
Não somente se morria de fome, sobretudo nas cida-
à imaginação culinária!
des, mas era preciso adaptar-se ao sistema de penúria para
As condições de vida dos soldados variavam de acordo
se vestir. Era quase impossível encontrar roupas e calçados
com as frentes, de acordo com as regiões em que estivessem
nas lojas. Couro também. Os têxteis eram racionados. O
acantonados. Mas nada havia na vida deles que a população
Estado chegara a regulamentar a utilização dos tecidos; a fi-
das cidades pudesse invejar. Remendadas, usadas e gastas
xar o número e o tamanho dos bolsos nas vestimentas.
pelos produtos de limpeza, suas roupas de baixo não pas-
Quanto à roupa branca dos hotéis, fora requisitada.
savam de farrapos. Túnicas e calças, de cores alteradas pelas
Todo ano, desde 1914, em setembro e em março, em- intempéries, estavam estragadas, remendadas. Dos víveres,
préstimos de guerra eram lançados. Os escolares desfilavam
pouco restava aos homens da tropa quando o estado-maíor
pelas ruas com imensos cartazes: "Aquele que faz um em-
e, depois, a intendência e o pessoal da cozinha chegavam
préstimo encurta a guerra". Uns 30 milhões de bons cida-
antes deles. Era preciso ser esperto para pegar um prato
dãos haviam colaborado. Entrementes, o preço do pão,
com um pouco de pão e algumas migalhas de carne. E o
da farinha de trigo, da carne, da manteiga, do açúcar e do
fumo, racionado desde fevereiro de 1915, não passava em
café, havia dobrado. O das batatas e dos ovos havia tri-
1918 de uma mistura composta de 85% de folhas de faia
plicado. O poder de compra dos operários diminuíra glo-
secas.
balmente em um terço.
Evidentemente, a desnutrição tornava as pessoas mais
Para economizar carvão durante os meses de inverno,
vulneráveis às doenças. Em Frankfurt, a mortalidade por
os fogões só eram acesos no momento das refeições. Mas
tuberculose subiu de 11,9% em 1914 para 17,3% em 1917.
era preciso achar algo com que fazer fogo. Nas grandes ci-
dades, todas as manhãs, mulheres se agrupavam em torno de Em 1916, Berlim conheceu tantas vítimas da tuberculose
quanto trinta anos antes, quando se começava a tratar dessa
uma carroça sobre a qual dois homens estavam empoleira-
doença. Nas escolas, classes inteiras estavam cobertas de fu-
dos: eles trocavam lascas de lenha por sacos de cascas de
rúnculos. Surgiram casos de tifo e de cólera. Milhares de
batata.
crianças, de mulheres e de velhos sucumbiram à epidemia de
Consequência inevitável dessa miséria: a corrupção e gripe que grassou em 1918.
o roubo. Na rua, arrancavam-se as pastas dos estudantes.
O comércio dos charlatães, no entanto, florescia. Quí-
Nos trens, desapareciam cortinas e correias. No primeiro
micos improvisados ofereciam ao público produtos milagro-
semestre de 1918, o montante das indenizaçÕes pagas pelas
sos para compensar a falta de calorias. Uma imensa indús-
companhias de seguros contra roubo equivalia a quase qua-
tria de sucedâneos se havia desenvolvido. Inventores, espe-
tro vezes o de todo o ano de 1915. Roubavam-se até os
cialistas, médicos e professores punham toda a sua ciência a
cães para matá-los. Muitas crianças haviam se habituado a
serviço da fabricação de vitaminas artificiais. A mais céle-
viver de algumas batatas ou de frutos apanhados nos quin-
bre das descobertas foi a do professor Haber, que permitia
tais.
utilizar a palha como substitutivo da farinha. Visando às fa-
Essas crianças, aliás, haviam sido iniciadas nesse tipo mílias abastadas, estabeleceram-se institutos de ginástica
de expediente pelos altos representantes do Estado. Elas
onde, através de exercícios de respiração apropriados, ten-
deviam recolher caroços de frutos para a extração de óleo, tava-se tornar o jejum suportável!
catar todos os papéis jogados fora para a fabricação de fio,
barbante e tecidos. Nos jornais, abundavam receitas miracu-
losas que ensinavam as mães a transformar em festins, gra-
ças a engenhosos sucedâneos, pratos feitos com batata e ra-
banetes regados com água salgada. Com uma ração de 225
17
16
Da unanimidade nacional à sua ruptura progressiva A guerra havia sido encorajada também por uma orga-
nização poderosa que, sem ter representação parlamentar,
exercia uma sedução sobre as elites: a Liga Pangermanista.
Diante de todos esses problemas, o fervor patriótico Fundada em 1894, era contra os judeus, os eslavos, os so-
que havia arrebatado o povo alemão no início de agosto de cialistas de todas as categorias. Conclamava os povos ger-
1914 começava a declinar. Estavam longe os tempos em mânicos à união e preconizava, para proteger a Alemanha,
que os vagões de soldados carregavam a inscrição feita com a anexação dos pequenos Estados limítrofes. Para ela, a
giz: "Logo nos encontraremos nos bulevares de Paris!" De guerra não era destrutiva, mas salvadora, geradora de pro-
24 greves em 1914, com um milhar de participantes, passa- gresso para a humanidade. Por intermédio de Alfred
ra-se em 1917 a seiscentas, com mais de 600 000 grevistas. Hugenberg, um de seus fundadores e, ao mesmo tempo,
É verdade que de início tinham sido causadas pelas más con- diretor das fábricas Krupp, ela havia estabelecido vínculos
dições de vida, mas traduziam também um movimento de com industriais como Stinnes, Kirdorf, Reusch e Borsig, que
oposição à guerra. haviam aprovado os seus planos de anexação, da Bélgica à
Logo ficara claro que a união sagrada, selada por um Ucrânia.
entusiasmo que, nas ruas de Berlim, se aproximara do de- Dessa bela unanimidade, a maioria dos jornalistas, es-
lírio, não tinha o mesmo sentido para todo mundo. Para a critores, professores e sábios não desejara ficar afastada!
aristocracia, os oficiais da atíva e uma boa parte da burgue- Não apenas os que, havia muito tempo, eram conhecidos
sia, ela queria dizer anexações, conquistas territoriais. As como partidários das ideias veiculadas pelos meios impe-
massas operárias, pelo contrário, tinham se unido a esse rialistas, como os romancistas de sucesso Gustav Frenssen
concerto belicista antes de tudo para defender a nação amea- ou Ludwíg Ganghofer, mas também muitos que até en-
çada. Os acontecimentos lhes haviam sido apresentados, com tão se haviam mantido à distância da política. Mesmo os
efeito, como a resposta a uma agressão exterior. "A espada que haviam adquirido renome por seu espírito crítico, co-
nos é posta na mão", havia declarado o imperador a 31 de mo os escritores da geração naturalista, tinham aderido.
julho de 1914, após a mobilização decretada pela Rússia Entre outros, Gerhart Hauptmann, Hermann Sudermann,
contra a Áustria. Richard Dehmel.
Todos os partidos, sem exceçao, tinham então dado ra- No dilúvio de cantos nacionalistas, havia um cuja le-
zão a Guilherme II. Naturalmente, ele havia obtido a ade- tra tinha por autor Gerhart Hauptmann, que fora agra-
são dos conservadores e dos nacional-liberais, que represen- ciado com o prémio Nobel de Literatura em 1912. Era
tavam as categorias sociais que sustentavam o Estado, os um canto de cavalaria. Primeiro, um francês queria rou-
industriais, os fidalgos, os oficiais superiores. O Partido So- bar a honra a Alemanha. Depois, chegava um russo. Por
cial-Democrata, seguido em geral pelas massas trabalhado- fim, um inglês. Mas a bela e corajosa Alemanha não cedera.
ras, também o havia aprovado. Da mesma forma que os Ela não cederia mesmo que fossem nove em lugar de três.
progressistas, que reuniam uma parte da burguesia liberal Porque tinha a proteção de Deus, do imperador, do exérci-
e intelectual. Finalmente, o influente partido católico do to alemão!. . . Quanto a Richard Dehmel, passara da palavra
centro, o Zentrum: sua ala esquerda, apoiada pelos operá- à ação. Embora tendo ultrapassado o limite de idade para
rios dos sindicatos cristãos, estava próxima dos socíal-demo- ser convocado, pedira para seguir para a frente.
cratas, mas sua direção estava nas mãos da outra ala, forma- Em São Petersburgo, Paris ou Londres, desenrolavam-
da por funcionários e membros do alto clero, que defen- se manifestações patrióticas semelhantes às de Berlim. Não
diam as posições chauvínistas dos conservadores e dos na- faltaram também escritores, para só citar, na França, Mau-
cíonal-liberais. rice Barres e Paul Bourget, que defendessem o extermínio

18 19
do alemão, esse inimigo hereditário. Mas na Alemanha — e
tira-se a princípio constrangido, e distanciado do tumulto.
isso é singular — todas as profissões intelectuais haviam
Depois, enquanto o trem seguia para Munique, passara per-
desejado integrar-se a esse movimento de entusiasmo. Diante
to dos soldados, partilhara da alegria ambiente, vibrara com
da "cultura" alemã, que eles pretendiam ameaçada pela "ci-
vilização" latina, poetas e pensadores se haviam levantado. as aclamações da multidão, e se comovera ao ver os campo-
neses e camponesas que vinham às estações para celebrar
O filósofo Max Scheler exteriorizara sua alegria ao ver uni-
dos pelas mesmas aspirações o indivíduo e o povo. Consi- as partidas.4
derado primordialmente um esteta, o célebre autor dos O círculo dos discípulos de Stefan George havia igual-
Buddenbrook, Thomas Mann, indispondo-se por alguns anos mente mergulhado na vertigem nacionalista. O próprio mes-
com seu irmão mais velho Heinrich, havia saudado a pode- tre ficara à margem, menos porque frequentara os simbolis-
rosa reunião da nação alemã. O historiador Friedrich tas franceses no final do século e traduzira Baudelaire para
Meínecke se rejubilara ao constatar que o tempo da separa- o alemão do que em nome da arte pela arte. No fundo, ele
ção entre a política e a cultura estava definitivamente en- não desaprovava a política belicista. Mas só a poesia lhe
cerrado. parecia digna de ser ativamente vivida. No entanto, entre
a minoria de eleitos aos quais ele as destinava, suas concep-
Desde 1848 a Alemanha não conhecia semelhante im-
ções haviam provocado uma adesão à guerra. Friedrich
pulso de fervor coletivo. Há muito tempo os grandes pro-
Gundolf, mais tarde brilhante professor da Universidade de
blemas da nação não eram colocados no centro dos deba-
Heidelberg, replicou ao famoso apelo que Romain Rolland
tes intelectuais com essa paixão sem discórdia. Nos primei-
lançara em setembro de 1914 em favor da união dos espí-
ros dias de outubro de 1914, toda a imprensa alemã publi-
ritos europeus pela paz, Acima da contenda: "O que é bas-
cara um texto no qual 93 personalidades negavam que a
tante forte para criar", disse ele, "deve sê-lo também para
Alemanha tivesse desejado a guerra. Não, dizia o manifes-
destruir, e a Alemanha, de qualquer forma, é a única em
to com veemência, os alemães não são capazes das brutali- condições de assegurar a ressurreição espiritual da Europa".
dades bárbaras de que são acusados! Assinavam-no histo- Uma torrente de peças patrióticas havia submergido os
riadores e teólogos, os pintores Max Klinger e Max Lieber-
teatros. Nos cartazes, os títulos eram eloquentes: No acam-
mann, os sábios Wilhelm Ostwald, Max Planck, Wilhelm pamento, Sete contra dois, Como batem os corações ale-
Roentgen, o arquiteto Peter Behrens, o díretor teatral Max mães. Cânticos da Guerra dos Trinta Anos e das guerras de
Reinhardt. libertação de 1813 eram reeditados. Os jornais só abriam
Entre os raros que se recusaram a apor sua assinatura suas colunas aos que exaltavam o ódio e a vingança. O mais
estava o físico Albert Einstein. E quando o fisiologista ber- célebre poema, difundido sob forma de panfleto em milha-
linense Nicolal propôs lançar o Apelo aos europeus como res de exemplares, era um Cântico de ódio contra a Ingla-
contramanifesto, apenas três de seus colegas tiveram a co- terra. O que dizia ele? Bala por bala, e golpe por golpe aos
ragem de associar-se -a ele, entre os quais o mesmo Albert russos, aos franceses. Mas para a Inglaterra, era preciso
Einstein. Não obstante, uma organização pacifista nasceu, acrescentar o ódio sagrado de setenta milhões de alemães em
a liga Nova Pátria, que foi proibida em 1916 sob pretexto uníssono! Ernst Líssauer, autor dessa obra imorredoura, era
de manter relações com estrangeiros, com Romain Rolland
de origem judia. Obrigado a emigar em 1933, lamentou o
por exemplo, bem como com países inimigos. Até mesmo que havia escrito quando se deu conta da loucura assassina a
o pacato poeta Rainer Maria Rílke perdeu a cabeça (para
que podia conduzir o chauvinismo.
depois voltar completamente a si) na embriaguez que o cer-
Essa participação de um alemão de origem judia na
cava. Detido na Alemanha no momento em que, provisoria-
histeria coletiva de agosto de 1914 não tinha nada de exe-
mente instalado em Paris, fazia uma viagem a Leípzig, sen-
cepcional. Hoje, ela parece estranha. Como explicá-la? O
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morte para a humanidade", na medida em que é capaz de
anti-semítismo era antigo na Alemanha) existia desde muito
antes de 1914. O primeiro partido a propor abertamente transformar "em possessos milhões de seres dotados de
um combate anti-semita, o Partido Operário Cristão-Soei aí razão".
do pastor Adolf Stõcker, datava de 1878. Em 1879, o jor- Individualmente, no entanto, alguns se recusavam a
nalista Wilhelm Marr havia fundado um liga anti-semita. integrar o coro patriótico. O poeta anarquista Erich Muh-
Em 1881, o pseudo-filósofo Eugen Duhring pretendera es- sam era um desses. Redigiu um Manifesto idealista pre-
tabelecer as bases "científicas" do anti-semitísmo ao denun- gando a paz entre os povos, para o qual solicitou as assina-
ciar uma fantasista "dominação judia". Pelo fato de certos turas de personalidades. Obteve tão-somente a simpatia de
judeus terem escolhido exercer uma atividade na imprensa Heinrich Mann,6 e nada dos outros. Em razão da atmosfera
após sua emancipação política, adquirida na segunda me- local não era muito fácil tomar posição publicamente.
tade do século XIX, Bismarck costumava designar como Hermann Hesse sabia disso. Quando a guerra estourou,
"judeus" os jornalistas de oposição. Mas como, escrevia um ele vivia na Suíça havia dois anos. Espontaneamente, ele se
deles, Theodor Lessíng em 1890, os judeus manifestassem apresentou ao consulado da Alemanha em Berna, a fim de
geralmente sentimentos apaixonadamente alemães, não com- ser eventualmente incorporado às tropas de reserva.7 Julga-
preendiam que se pudesse levantar a menor dúvida com re- va que não devia ficar à margem, que aquela guerra poderia
lação à sua condição de alemães. E, para muitos, a guerra ser uma experiência enriquecedora e sem dúvida fonte de
tinha sido justamente a ocasião de provar sua dependência uma mudança benéfica na Alemanha imperial. Todavia, não
nacional em relação à Alemanha 5 . No seu semanário Die se deu atenção à sua proposta de incorporação. Pouco mais
Zukunft, o temível jornalista Maximilian Harden, que não tarde, desgostoso com o ódio despejado cotidianamente
perdoava nada a Guilherme II e sempre o havia pintado em escritos de todo o tipo, ele se levantou B publicamente
como um fantoche ridículo, expressou dessa forma seu entu- contra a brutalidade satisfeita com a qual todos os valores
siasmo diante da guerra e da coesão nacional que resultava espirituais eram convocados para a destruição. Acreditava
dela: "Jamais a Alemanha foi tão bela", escrevia a 5 de se- que o amor era mais digno do que o ódio, que a paz era
tembro de 1914. Quanto a seu colega, o brilhante carica- mais nobre que a guerra, e que o culto à vida era de um in-
.turista Thomas Theodor Heine, igualmente forçado a emigrar teresse superior à experiência da morte. Por causa disso,
em 1933, orientou o jornal satírico Simplicissimus, até en- foi conspurcado em toda a imprensa alemã como o protótipo
tão muito anticonformista, para um nacionalismo fanático. do apátrida e do canalha intelectual.
Raramente os desenhos do Simplicissimus, que agora ridi- As primeiras medidas draconianas de racionamento e a
cularizavam quase exclusivamente os países da Entente, ti- insatisfação social crescente tinham tido sobre a população,
nham tido um público tão vasto. Poucos povos, alegrava-se
portanto, o efeito de romper a aprovação unânime à polí-
Thomas Mann numa carta da época, possuem um jornal
tica imperial e à guerra. Aliás, no dia 4 de outubro de
dessa qualidade, a um tempo humorístico e nacionalista.
1915, Hermann Hesse escrevia de Berna a Romain Rolland
Entre os escritores, foi somente em torno de pequenas
que, após ter passado alguns dias no sul da Alemanha, tinha
revistas, como fórum, de Wilhelm Herzog, ou Die Aktion,
de Franz Pfemfert, que desde o início se criou um núcleo a impressão de que, entre o povo, o ódio declinara.9
de oposição à política imperial. A 1.° de agosto de 1914, À medida que a hipótese de uma vitória rápida desmo-
por exemplo, Pfemfert publicava um editorial em Die ronava e que, malgrado uma censura impiedosa, afluíam os
Aktion onde lamentava que qualquer resolução em favor da testemunhos sobre a realidade da situação, os raros oposito-
paz fosse inútil agora. Prognosticava um imenso massacre. res não ficaram isolados. No seio da opinião pública, os
Pois o chauvinismo, escrevia ele, representa um "perigo de partidos propriamente ditos logo deixaram de contar verda-

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deiramente. Duas tendências acabaram por surgir. Uma era tava a esperança de alcançar rapidamente a paz e liquidar,
pela guerra a qualquer custo. A outra, pela paz. ao mesmo tempo, o regime imperial. Esse era o objetivo da
propaganda clandestina dos spartakistas. A revolução bol-
chevista, dizia o boletim Spartacus, é apenas o prólogo de
uma revolução europeia.
Vasto movimento de oposição à guerra Entre os artistas e os escritores, sobretudo os jovens,
a militância pacifista também havia progredido considera-
velmente. Em torno de Franz Pfemfert e de sua revista Die
Um partido suportou no seu seio a prova dessa divi- Aktion, se reunira uma parte dos expressionistas, assim cha-
são: o Partido Social-Democrata. Era, no entanto, com 34% mados porque reagiam contra as correntes artísticas anterio-
dos votos nas eleições legislativas de 1912, o elo mais só- res, especialmente o impressionismo. Nascidos em geral por
lido da Segunda Internacional Operária, Em 1914, tinha volta de 1890, eles já tinham se revoltado contra a socie-
mais de um milhão de partidários. Organização modelo, dade de seus pais antes de 1914. Com Die Aktion, fundada
havia desenvolvido por toda parte clubes, bibliotecas, coope- em 1911, as tendências de protesto se estenderam a todas
rativas. A atitude dos seus dirigentes tinha provocado, à es- as artes, da pintura ao teatro. Uma outra revista, Der Sturm,
querda, o nascimento de um novo partido em abril de 1917: fundada um ano antes por Herwarth Walden, canalizava
o Partido Socialista Independente. essencialmente uma revolta estética dirigida contra as for-
Os que permaneciam membros do Partido Social-De- mas tradicionais. Mas todos se haviam reunido contra o
mocrata eram comumente chamados de majoritários, en- conformismo social. Com a descoberta da realidade da
quanto os que o deixavam se deram o nome de independen- guerra, já que poucos dentre eles tinham sido poupados pela
tes. Esse grupo comportava uma ala revolucionária, a Liga hecatombe dos primeiros combates, eles foram levados a
Spartakista, que publicava clandestinamente o boletim interessar-se mais pela política.
Spartacus10 Embrião do futuro Partido Comunista, ela tinha Embora tivessem sido voluntários para a frente de
por principais dirigentes Karl Liebknecht e Rosa Luxem- combate em agosto de 1914, alguns haviam se transforma-
burgo, que haviam sido condenados à prisão. Neles, a po- do, após ter vivido as atrocidades das trincheiras, em opo-
pulação operária tinha encontrado seus porta-vozes da sitores notórios da política imperial. Era o caso de Rudolf
luta pela paz. Advogado e filho de Wílhelm Liebknecht, Leonhard e de Ernst Toller, ou do pintor um pouco mais
um dos membros mais destacados do Partido Social-Demo- velho Heinrich Vogeler, que fora colocado num asilo de
crata nos seus inícios, Karl Liebknecht tornara-se, nas pró- alienados por ter ousado enviar a Guilherme II, em 1917,
prias palavras de seus adversários, o dirigente político mais uma carta em que lhe pedia para ser finalmente o que se
popular nas trincheiras. proclamava — o Soberano da Paz. Outros haviam deserta-
Um movimento organizado de oposição à guerra, im- do. Tinham sido, como Wieland Herzfelde e Franz Jung,
pulsionado ou influenciado pelos independentes e, mais par- condenados à prisão por tribunais militares. Finalmente, al-
ticularmente, pelos spartakistas,11 fora posto em ação. As guns puderam deixar a Alemanha e refugíar-se na Suíça. Foi
greves, por vezes violentas, haviam aumentado a partir do para a Suíça, mais exatamente para Berna, que o alsaciano
final de 1917. Mais de um milhão de manifestantes tinham René Schíckelé transferiu sua revista, Die Weissen Blàtter,
desfilado nas ruas das grandes cidades em janeiro de 1918. onde publicou trechos do romance pacifista de Barbusse,
Em Berlim, a polícia havia reagido, matando inúmeros ope- O fogo. Em Zurique se instalara Hugo Bali, com quem
rários. Nas fábricas, a consciência política crescera.12 A re- Richard Hiilsenbeck viera encontrar-se temporariamente
volução vitoriosa na Rússia em novembro de 1917 alimen- em 1916. Walter Serner fundou aí, igualmente, a revista

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r

Mistral, transformada a seguir em Sirius, Com eles, e gra- Um marechal na legenda


ças ao seu gosto pela provocação^ iam nascer as primeiras
manifestações do dadaísmo.
Poetas, pintores e músicas que se opunham à guerra Poder dos militares, com efeito. A 29 de agosto de
tinham adquirido, em Berlim3 o hábito de se reunir uns nas 1916, enquanto os exércitos alemães fraquejavam na frente
casas dos outros, em pequenos grupos, despistando a vigi- de Verdun, Guilherme II destituiu o general von Falkenhayn
lância. Textos subversivos eram lidos em voz alta. Em se- de suas funções de chefe do estado-maior e nomeou em seu
guida, passavam de mão em mão. Assim tornaram-se co- lugar o marechal von Híndenburg, com o general Luden-
nhecidas na Alemanha certas novelas pacifistas de Leonhard dorff como adjunto. Tendo ocorrido após a declaração de
Frank, escritas no período em que ele vivia na Suíça, ou guerra da Roménia à Áustria-Hungría, essa nomeação re-
poemas tirados de Die Weissen Blatter, do Zeif-Echo de confortou uma boa parte dos alemães, que se sentiram ali-
Ludwig Rubiner, de Mistral, revistas que, a partir de Zu- viados de ver Hindenburg, vitorioso sobre os russos em
rique, eram introduzidas clandestinamente em território Tannenberg em 1915, assumir o comando das operações!
alemão. De fato, embora permanecendo como autoridade suprema,
Mas o ponto de encontro preferido da boémia de Ber- Guilherme II quase não tinha mais nada a dizer sobre es-
lim era ainda, mesmo em plena guerra, o café. Discussões tratégia militar, e pouca coisa sobre assuntos civis. O estado-
relativamente Hvres não eram impossíveis, desde que se to- maior obtivera o poder de fazer e desfazer chanceleres à
masse cuidado com os espiões e os informantes da polícia, sua vontade.
que pululavam. No Café do Oeste se formou uma rede Para não desmoralizar a população, um dos princípios
de ajuda aos desertores. Eram-lhes fornecidos documentos do governo foi manter as ilusões. Híndenburg foi promovi-
falsos e trabalho. O lugar era, portanto, particularmente vi- do a herói nacional. De estatura alta, espáduas quadradas,
giado. Não obstante, lá se reuniam os pintores Ludwig cabelos brancos cortados curtos, bigode frisado levantado
Meidner, Mopp, Grosz (que, para protestar contra a anglo- nas pontas, esse velho de uns sessenta anos encarnava o
fobía do momento, havia anglicizado seu prenome para eterno guerreiro alemão em todo o seu vigor.
George, assim como Helmut Herzfelde tinha decidido cha- Em agosto de 1914, quando já havia sido reformado,
mar-se doravante John Heartfield!) e muitos outros. Abala- ele se colocara à disposição do Império. Até então, a sua
da pela morte de seus amigos Hans Leybold, Franz Marc e carreira não tivera qualquer brilho. Ele era apenas um oficial
Georg Trakl, Else Lasker-Schúler, aconselhava a quem obscuro como tantos outros. Mas eís que, nomeado para o
quisesse ouví-la como fazer para ser reformado, fornecendo comando do exército do Leste, ele havia vencido os russos!
endereços de médicos complacentes. "Era no Café do Oeste Os jornais nacionalistas tinham descoberto o ídolo que lhes
que nós todos nos reuníamos", escreve Grosz. "Nós nos ins- faltava. Fizeram dele o símbolo da vitória.
talávamos lá no fim da tarde ou à noite e discutíamos. Po- Reportagens, cartões postais e cromolítografias o popu-
liticamente, nossas opiniões divergiam. Mas, tanto toman- larizaram. Divindade tutelar, ele cuidava da sorte da Ale-
do a direção da razão quanto a direção da religião, tínha- manha. Velas com a sua imagem eram fabricadas para os
mos sempre alguma coisa em comum — não gostávamos da soldados da frente. Perto da Coluna da Vitória, em Berlim,
classe reinante dos militares e dos grandes industriais e, sua imensa estátua de madeira foi erguida sobre três andares
desde 1916, sabíamos que nada de bom resultaria dessa construídos como terraços. Escadas permitiam subir até o to-
guerra".13 po, onde os basbaques se amontoavam, orgulhosos de plan-
tar cada um o seu prego como prova de veneração. Para os
empréstimos de guerra, era a sua cabeça que, de perfil, orna-
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um relato detalhado sobre a^aneira de organizar a defesa
vá a página inteira dos anúncios, com a seguinte legenda: nacional. A Chancelaria recebera milhares de cartas de pro-
"Os tempos são duros, mas a vitória é certa!" fessores e de funcionários, que lhe pediam que não capitu-
lasse. O poeta Richard Dehmel, alvo de uma réplica contun-
dente do pintor pacifista Káthe Kollwitz, se declarara de-
cidido a retornar à luta na frente.11
Exigências de democracia Pela força dos acontecimentos, mudanças tinham sido
introduzidas. Greves, manifestações, protestos acabaram por
conduzir à libertação de Karl Liebknecht, recebida na opi-
No entanto, chegou um momento em que, de todos os
nião pública, sobretudo nas famílias operárias, como sinal
lados, surgiam reivindicações de democracia. O que havia
de que a paz estava próxima, de que as transformações na
mudado pouco a pouco nos espíritos era a própria ideia do
Alemanha eram iminentes. Confirmou essa certeza a nomea-
Estado. A razão era simples: nada fora modificado desde a
ção do general Wilhelm Gròner para substituir Ludendorff.
Constituição de 1871. Presidida por um imperador, a Ale- No mesmo dia, a 26 de outubro de 1918, uma série de leis
manha era um Estado federal. Compunha-se de 25 Estados modificava a Constituição de 1871. As atribuições do Par-
membros, incluindo três repúblicas e 22 monarquias, mais lamento eram ampliadas, as decisões militares, submetidas ao
o território da Alsácia-Lorena, que dependia da Prússia. O seu controle. A Alemanha se transformava numa monarquia
imperador possuía o poder executivo. Um parlamento cen- parlamentar.
tral, eleito por sufrágio universal, tinha simplesmente o di-
Monarquia ainda, no entanto! O que não podia satis-
reito de propor leis. O Conselho Federal, que representava
fazer os independentes, que reclamavam a partida de Gui-
os Estados membros e não era composto por deputados elei-
lherme II, a libertação de todos os prisioneiros políticos,
tos, era mais poderoso do que ele. Tinha até mesmo o po-
entre os quais Rosa Luxemburgo, a dissolução das institui-
der de dissolvê-lo, com a anuência do imperador. Além
ções parlamentares. Desde março, inspirando-se no que ha-
disso, o sistema repousava sobre a hegemonia da Prússia.
via ocorrido na Rússia, a palavra de ordem dos spartakistas
Não apenas o rei da Prússia era de pleno direito imperador
que circulavam nas fábricas era organizar por toda parte con-
alemão e nomeava o chanceler, como também a Prússia
selhos de operários e de soldados.
dispunha do maior número de deputados. Todo o edifício do
De repente, o desencadear de uma revolta no porto
Império da Alemanha tinha portanto fundamentos antide-
de Kiel, a 3 de novembro, veio alterar tudo.15 Os mari-
mocráticos.
nheiros se haviam recusado a seguir os oficiais que queriam
Debates tiveram lugar no Parlamento a fim de mudar
continuar a guerra no mar. As más condições de vida fize-
toda essa organização e dar mais poderes aos deputados.
ram o resto: a bandeira vermelha foi hasteada nos navios
Mas em vão. Foi só quando ficou certo da derrota que o es- e 20 000 marujos armados ocuparam o porto. Desarmaram
tado-maíor nomeou um novo chanceler: Max de Bade, pri-
os oficiais, libertaram os prisioneiros nos quartéis, elegeram
mo de Guilherme II, encarregado de iniciar negociações um conselho de soldados. Com esse exemplo, os operários
com o presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson,
interromperam o trabalho nas fábricas. Os grevistas forma-
com vistas à assinatura de um armistício.
ram um conselho de operários.
Guerra ou paz? A necessidade de negociar não agra-
Após Kiel, o processo se repetiu em Stuttgart e Ham-
dava a todos. Protestos tinham surgido. Hausmann, alto
burgo. As estações foram ocupadas, as tropas se levantaram
funcionário, esboçara uma proclamação em favor da conti-
contra os oficiais, os comandantes militares foram substi-
nuação da guerra. O presidente da companhia geral de ele-
tuídos, os meios de transporte requisitados por soldados em
iricidade, Walter Rathenau, enviara ao ministro da Guerra
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revolta. Símbolos de séculos de opressão, as insígnias foram o estabelecimento de um cordão sanitário em torno da ci-
por toda parte destruídas; bandeiras vermelhas foram hás- dade.
teadas; organízaram-se conselhos de operários e de solda- Apreciador de arte, mecenas, editor e diplomata, o
dos. conde Harry Kessler, vai à Chancelaria na quarta-feira, 6 de
A 4 de novembro, de acordo com o governo, um diri- novembro, e encontra por acaso nas escadas um dos altos
gente social-democrata, Noske, foi despachado para Kiel. funcionários designados para acompanhar Matthias Erzber-
Como Max de Bade escreveu depois em suas Memórias, ger. "O tempo urge", exclama ele, "a partida da delegação
ele fora considerado o mais capaz de "debelar a infecção". está marcada para as cinco horas. . ." E o conde Kessler,
Quanto ao próprio governo, estava reunido permanente- logo após o relato dessa entrevista, resume a situação, acres-
mente. Era preciso dominar a situação, reprimir a revolução, centando nos seus Cadernos: "A derrocada é completa, ca-
que se propagava agora em Berlim. No dia 5, foram rom- pitulação e revolução. . . "l6
pidas as relações com a Rússia soviética. Os majoritários A assinatura do armistício coincidia assim com o fim
recomendavam que se respeitasse a ordem e a disciplina e do reinado dos Hohenzollern. Para muitos civis e soldados,
não se desse ouvidos às palavras de ordem que podiam um sonho estava prestes a se realizar. Para outros, naciona-
conduzir à aventura. listas de todo tipo, os mais ingénuos dos quais tinham che-
gado a dar ao Estado a sua corrente de relógio de ouro para
que a guerra continuasse, um sonho desmoronava.
A Alemanha estava no limiar de uma nova era. Limiar
ainda difícil de transpor, sobre o qual se amontoavam mi-
Capitulação e revolução
lhares de esfomeados, de revoltados, mas também de indi-
ferentes, de vingadores. Atrás de toda essa gente, l milhão
No carro que anda aos solavancos, conduzindo-o até o e 800 mil vítimas, escombros incalculáveis. Era sobre eles
marechal Foch, em Rothondes, na sede do quartel-general que devia nascer agora um novo Estado. Mas o passado
francês, o enviado do governo alemão tem muito sobre o podia ser apagado?
que refletir! Quem é ele? Eminência parda do gabinete de
guerra formado por Max de Bade, pertence à ala esquerda
do Zentrum e se chama Matthias Erzberger. É um homem
pequeno, vivo e ligeiramente obeso, antigo professor e pro-
tótipo do parlamentar.
É o mensageiro de uma Alemanha humilhada no seu
orgulho nacional, mais do que das massas, para as quais a
paz chega como uma libertação. Tem na cabeça a intenção
de discutir para obter o máximo possível, a fim de atenuar a
humilhação. Mas sabe também que a revolução ameaça a
Alemanha e que o governo se arrisca, se recusar as condi-
ções do armistício, a não estar em condições de enfrentá-la.
Ora, assim como seus colegas ministros, ele é contra as rei-
vindicações dos revolucionários. Quando se discutira no go-
verno sobre o motim dos marinheiros no porto de Kiel, em
vão ele havia preconizado uma intervenção enérgica, com

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