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Viotti, E. (2013). Mudança linguística. In: José Luiz Fiorin (org.) Linguística.

O que é isto? São Paulo: Contexto.

Mudança linguística

Evani Viotti
Universidade de São Paulo

“And to imagine a language means to imagine a form of life.”

Wittgenstein, Philosophical investigations, § 19

1. Introdução

Dentre as várias áreas de estudos da linguagem, aquela que investiga as


mudanças pelas quais passam as línguas naturais talvez seja uma das que mais desperte
a curiosidade e o interesse de não especialistas. É comum vermos avós e pais
comentarem, chocados, o uso que seus netos e filhos fazem da língua; é comum
ouvirmos professores relatarem seu estranhamento com respeito ao uso da língua feito
por seus alunos em provas, monografias, dissertações e teses; até mesmo políticos
chegam a mostrar seu desconforto em relação às mudanças linguísticas, propondo leis e
baixando decretos que visam a garantir aquilo que eles consideram “o uso ideal” de
nossa língua, por meio do combate à utilização de palavras estrangeiras, ou por meio da
proibição do emprego de certas formas da língua em documentos oficiais, por serem
elas possíveis indicadores da ineficiência da administração pública.1

Curiosamente, parece que as reações às mudanças da língua só tendem a ser


negativas quando essas mudanças estão ocorrendo em tempo real. Quando
mencionamos que palavras usadas em nossa vida cotidiana, como alface, elixir, laranja,
ou xadrez vieram a fazer parte do léxico de nossa língua pelo contato que o português
teve com o árabe, ninguém parece incomodar-se. Ou se descrevemos o percurso
histórico de nosso pronome você, a partir da forma de tratamento vossa mercê, passando
por vossemecê e vosmecê até chegar à forma atual, todos se interessam. Até mesmo
detalhes mais técnicos parecem cativar a atenção das pessoas leigas, que, em geral
acham curioso saber que, com a substituição da forma de 2ª pessoa tu, por uma forma de

1
Refiro-me ao projeto de lei datado de 2001, do então deputado Aldo Rebelo, proibindo o uso de
estrangeirismos, e ao decreto datado de 2007, do então governador do Distrito Federal José Roberto
Arruda, “demitindo” o gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal.

1
3ª pessoa você, passamos também a usar o verbo na forma de 3ª pessoa, e não mais de
2ª, causando uma diminuição no paradigma de nossas desinências verbais.2 E muita
gente fica feliz em saber que é por causa do fato de você ter forma de terceira pessoa,
mas semântica de segunda, que podemos dizer, tranquilamente, algo como o enunciado
1, em que dois pronomes átonos de pessoas diferentes – se é de 3ª e te é de 2ª – são
usados para fazer referência à segunda pessoa.

1. Você se lembra daquele dia em que eu te encontrei na faculdade?

Entretanto, as reações deixam de ser tão tranquilas quando apontamos que o uso
da forma a gente para referência à 1ª pessoa do plural, em substituição ao pronome nós,
está, nos dias de hoje, passando por um processo semelhante ao que gerou a forma você.
Uma das posições mais brandas a esse respeito é aquela que sugere que o uso de a gente
não deve ser encorajado, pois, afinal de contas, nós temos um pronome de 1ª pessoa do
plural, nós. Mas essa posição pode ser um primeiro passo para começar a considerar um
“erro” o uso da forma a gente para a referência à 1ª pessoa do plural. Alguns chegam a
comentar que a situação é tão grave, que crianças já estão escrevendo agente, em vez de
a gente. E ficam atônitos quando alguém produz um enunciado como 2, usando dois
pronomes átonos diferentes – se de 3ª pessoa do singular e nos de 1ª pessoa do plural –
para a referência à 1ª pessoa do plural.

2. A gente se escreveu e combinou de nos vermos no fim de semana.

Ora, da mesma maneira que, de um pronome de tratamento formado por duas


palavras – vossa mercê – , passamos a ter, hoje, um pronome que corresponde a um
único item lexical – você –, é natural que aceitemos que o forma a gente, composta de
duas palavras, eventualmente venha a tornar-se uma única palavra, agente. Ainda, se no
enunciado 1, o pronome se faz concordância com o pronome você – formalmente de 3ª
pessoa – enquanto o pronome te faz concordância semântica com a 2ª pessoa, no
enunciado 2, o mesmo acontece: o pronome se faz concordância formal com o sintagma

2
Em boa parte do Brasil, o uso do pronome tu é preterido em favor da forma você. Mas mesmo em
regiões em que o tu é mantido, a forma verbal que acompanha o pronome nem sempre é a de 2ª pessoa,
mas, sim, a de 3ª. Podemos, então, ouvir alguns falantes usando tanto pronome como forma verbal de 2ª
pessoa (tu foste, tu vais comprar, tu gostas), quanto usando pronome de 2ª pessoa e forma verbal de 3ª (tu
foi, tu vai comprar, tu gosta).

2
nominal de 3ª pessoa a gente, enquanto o pronome nos faz concordância semântica com
a 1ª pessoa do plural.3

Observações de fatos de língua como esses fazem parte do dia a dia dos
linguistas. Estamos sempre deparando com novos usos para velhas expressões da
língua, com diferentes formações de palavras, com a incorporação de palavras de outras
línguas ao nosso léxico e com estruturas gramaticais que fogem, em maior ou menor
grau, do que é considerado padrão. A língua muda inexoravelmente. Não há nada que
possamos fazer para impedir ou controlar isso. Basta pensarmos, por exemplo, na língua
que é hoje falada em Roma e naquela falada por Cícero, na mesma cidade, mais de 20
séculos atrás. A mudança foi de tal ordem que consideramos esses dois sistemas de
comunicação, usados no mesmo espaço geográfico em tempos distantes entre si, como
duas línguas diferentes: uma, o italiano contemporâneo na variação regional romana, e
outra, o latim clássico. Mas, na realidade, devemos antes pensar em um contínuo, que já
vinha de antes do latim, passa por ele e evolui, fazendo emergir uma enorme família de
línguas aparentadas. Essas línguas, que formam o conjunto de línguas românicas, não
são outra coisa que não o latim que passou por incontáveis modificações ao longo dos
séculos, pelas mais variadas razões, em circunstâncias ecológicas e sociais diferentes.
Por meio do exame de documentos escritos ao longo desses séculos, e por meio de
estudos comparativos, a linguística tem conseguido levantar hipóteses que permitem
reconstruir, em grande medida, o percurso pelo qual passaram e têm passado as mais
diversas línguas no decorrer do tempo.

Neste capítulo, vou discutir as razões pelas quais as línguas constantemente


mudam e algumas das hipóteses que buscam explicar as mudanças. Entender a mudança
linguística e elaborar uma definição do que ela seja depende, fundamentalmente, do
entendimento que se tem do que é a língua. Como foi visto nos capítulos anteriores, a
linguística tem trabalhado com diferentes concepções do que é a língua humana. A
partir de cada uma delas, desenvolveu-se uma proposta para explicar por que e como as
línguas mudam. Vou, também, apresentar outra concepção de língua, que difere das
previamente apresentadas precisamente por entender a língua humana como um tipo de
sistema que se define por estar em constante mudança – um sistema complexo,

3
O mesmo raciocínio deve ser feito para a análise de uma construção bem comum em certas variedades
do português, mas muito estigmatizada, como A gente somos inútil. Enquanto o adjetivo predicativo inútil
concorda formalmente com a expressão de 3ª pessoa do singular a gente, o verbo concorda
semanticamente com a primeira pessoa do plural.

3
dinâmico e adaptativo. Mas, antes de entrar nesse terreno, passo à discussão de algumas
teorias de mudança associadas às concepções de língua já discutidas neste livro.

2. A mudança linguística no estruturalismo saussuriano

Nem sempre é fácil afirmar com certeza qual era o pensamento de Saussure a
respeito de alguma faceta da língua humana ou de algum fenômeno linguístico. Um dos
motivos para essa dificuldade é o de que o que conhecemos do pensamento de Saussure
chegou até nós por meio de anotações de suas aulas feitas por seus alunos. O outro é o
de que a importância das propostas de Saussure para a construção da linguística como
ciência fez com que, ao longo dos anos, algumas de suas ideias adquirissem um peso
maior do que outras, em sua apropriação por vários estudiosos da língua.

Esse parece ser o caso das consequências da separação entre língua e fala para o
entendimento da mudança linguística. Indubitavelmente, Saussure prioriza os estudos da
língua, em detrimento dos estudos da fala. Assumindo, como ponto de partida, que a
linguagem tem duas faces, uma social (langue/língua) e outra individual (parole/fala),
Saussure propõe que a linguística se dedique ao estudo da face social, embora afirme
que é impossível conceber uma dessas faces sem a outra (1969, p.16). Ele define língua
como “um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes
à mesma comunidade” (1969, p. 21, grifo meu), mas insiste que, é separada da fala que
a língua se torna um objeto de investigação científica (1969, p.22-23). A seu ver, é
quando se descartam todos os elementos que podem trazer qualquer instabilidade à
língua – esse “conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para
permitir o exercício d[a] faculdade [da linguagem] nos indivíduos” (1969 p. 17) – , que
se pode fazer ciência linguística.

No que diz respeito à mudança linguística, essa opção pela língua pode ser
problemática. Afinal, mudança linguística implica um processo histórico. E a história é
feita não a partir de entidades abstratas, como a langue, mas, sim, a partir de entidades e
fatos individuais, existentes em um determinado espaço, por um determinado período de
tempo (Croft, 2000, p. 1). Em outras palavras, a história de uma língua constrói-se pelos
fatos da fala; é na fala que residem as mudanças, ou, pelo menos, seu embrião.

Naturalmente, Saussure tem consciência desse fato. Por isso, embora sempre
reforçando a opção pela língua, ressalta a importância de não removê-la, primeiramente,

4
de sua realidade social, de não separá-la da massa falante sem a qual ela não existiria.4
Essa realidade social dá à língua um potencial de vida, mas não a torna viva. Para que
ela viva e seja um fato histórico, ao ver de Saussure, é necessário não excluí-la do
tempo.

A argumentação de Saussure é a seguinte (1969, cap. II). Assumindo-se a


arbitrariedade do signo linguístico5, seria necessário assumir-se, também, a
possibilidade lógica de que os indivíduos poderiam modificar a língua a seu bel prazer.
Ou seja, se não existe nenhuma relação que forçosamente conecte um significante a um
significado, os signos poderiam ser modificados segundo o interesse da massa falante.
Entretanto, não é isso o que acontece. Embora esteja constantemente sob a influência da
massa falante, para Saussure a língua não se abre totalmente às iniciativas de
modificação que eventualmente venham a ser propostas. Isso é assim, porque a língua é
a herança de um passado, e essa herança cerceia a liberdade de escolha da massa
falante. Existe, portanto, um vínculo e um equilíbrio entre duas forças antitéticas: a
convenção arbitrária que permite a livre escolha; e o tempo, que fixa a escolha. Isso
significa que, em princípio, porque os signos são arbitrários, nós poderíamos
arbitrariamente decidir, por exemplo, de um momento para o outro, fazer referência ao
primeiro mês do ano por qualquer nome que inventássemos. Não fazemos isso, no
entanto, porque já temos o signo janeiro, que é parte do sistema linguístico que
herdamos de gerações passadas e que denota o primeiro mês do ano. A continuidade da
língua é garantida pelo tempo.

4
São grandes as discussões sobre a questão do que Saussure entende por social, quando define a língua
como tal, opondo-a à fala, que considera individual. Do ponto de vista dos sociolinguistas, Saussure não
tem nada a dizer sobre a comunidade de fala como um fator que opera sobre a fala individual. Eles,
portanto, consideram que Saussure não chegou a romper com o psicologismo individualista proposto,
especialmente, por Hermann Paul no final do século XIX, cuja influência nos estudos de linguística
histórica foi grande (Weinreich, Labov e Herzog 2006 [1968], p. 56). Por outro viés, a psicologia
cognitiva e a filosofia também têm, por vezes, se visto às voltas com a dicotomia social/individual
proposta por Saussure. Ao associar o significado linguístico à langue, que Saussure considera social, ele
pretende torná-lo objetivo, e, portanto, um legítimo objeto de estudo da ciência linguística, na medida em
que, sendo parte da langue, é homogêneo e não está à mercê do falante. Entretanto, o que os estudiosos da
cognição e filósofos da linguagem observam é que o fato de o significado ser intersubjetivo (ou social,
como quer Saussure) não significa que ele seja não mental, ou seja, não quer dizer que se possa negar sua
subjetividade. Parece, então que, ao querer conferir uma objetividade epistêmica à língua e ao significado
linguístico, Saussure acabou por atribuir-lhes uma objetividade ontológica, o que contraria as propostas
das teorias da cognição (Cornejo, 2004, p.16-17).
5
Para Saussure, uma das características definidoras do signo linguístico é sua arbitrariedade. Com isso,
ele quer dizer que não há qualquer relação entre a sequência de sons que compõe o significante de um
signo de língua oral (no caso das línguas de sinais seria uma sequência de configurações manuais e
corporais) e o significado daquele signo (1969, p.81-84).

5
Entretanto, os signos linguísticos mudam. Como é que isso se explica?
Curiosamente, para Saussure, é precisamente por causa de sua continuidade no tempo
que a língua pode mudar. Essa contradição é apenas aparente: a língua se transforma
sem que a massa falante possa transformá-la por sua vontade. A língua sofre a
influência de todos os que a usam, mas, justamente por ser a liga que integra uma massa
social, não se deixa revolucionar (1969, p.89, nota 1).

É, então, inserindo a língua no âmbito social de uma massa falante e


submetendo-a à ação do tempo, que Saussure permite que a língua ganhe historicidade.
Entretanto, será que no momento em que introduzimos os conceitos de “massa falante”
e “ação do tempo” não estamos dando um maior espaço para a fala, em detrimento da
língua? Em um primeiro momento, esse parece ser o caso. Saussure chega mesmo a
afirmar que tudo da língua que tenha alguma característica diacrônica (evolutiva)
emerge a partir da fala. A fala é a célula-mãe de todas as mudanças linguísticas (1969,
p.115).

Entretanto, não se pode entender, com essas afirmações, que Saussure tenha
pretendido dar à fala algum papel na ciência linguística. Ela é apenas o terreno onde
nascem as inovações e as modificações, mas estas só vão adquirir relevância científica
quando se tornarem fatos de língua, ou seja, quando forem adotadas pela comunidade e
passarem a fazer parte do sistema linguístico. A língua é um sistema opositivo de
valores (ver capítulo 2) que se organiza em relação a dois eixos: o sincrônico, ou
estático, que se ocupa das relações entre os valores que coexistem em um determinado
tempo no sistema; e o diacrônico, ou evolutivo, que se ocupa das transformações que
ocorrem em um dado elemento linguístico, ao longo de uma linha de tempo, de um
estado a outro do sistema. A visão de Saussure sobre a evolução e mudança linguística
é, portanto, como tudo o que sua teoria propõe, centrada na língua, e não na fala. Uma
análise evolutiva ou diacrônica consiste, fundamentalmente, no estabelecimento de
estados sucessivos do sistema linguístico, no apontamento das partes do estado anterior
que foram alteradas, e nas soluções operadas no estado subsequente para acomodar tais
alterações (Benveniste, 1966, p.10).

Sendo assim, mesmo tendo buscado conferir historicidade a seu modelo de


sistema linguístico por meio da admissão da participação da fala dos indivíduos na
construção de estados sucessivos desse sistema, a visão de mudança de Saussure
mantém o foco no estudo da língua, e não no da fala. Trata-se de um modelo estático, no

6
sentido de que o que interessa são as configurações de diferentes estados do sistema, ao
longo de um período de tempo. É importante ter isso em mente quando, mais adiante,
for apresentada outra teoria de mudança linguística, que considera a língua como um
sistema inerentemente dinâmico e não dicotômico (ou seja, um sistema que não separa
língua de fala).

3. A mudança linguística na gramática gerativa

Como foi visto no Capítulo 3 deste livro, a gramática gerativa proposta por
Noam Chomsky trabalha com uma noção de língua bem diferente da de Saussure.
Chomsky sugere, inicialmente, que se faça uma separação entre o que ele chama língua-
E e o que ele chama língua-I. A língua-E é um tipo de conhecimento que abrange os
eventos de fala reais ou potenciais, talvez acompanhados de uma descrição de seu
conteúdo semântico e de seu contexto de uso (1986, p. 20). A língua-I é parte da mente
de qualquer pessoa que conheça uma determinada língua, é aquele conhecimento que é
adquirido pela criança e que passa a ser usado em atos de comunicação (1986, p.22).
Existe, então, uma complementariedade entre os dois conceitos: a língua-E engloba o
conjunto de fatos linguísticos observáveis, e a língua-I é o conhecimento que permite a
uma pessoa produzir e compreender expressões linguísticas.6

Feita essa separação entre língua-I e língua-E, Chomsky propõe que a linguística
deve tomar como seu objeto de investigação a língua-I. Gramática, agora, passa ser a
teoria sobre um objeto mental – a língua-I –, construído a partir daquilo que se chama
Gramática Universal, que, por sua vez, é parte da dotação genética da espécie humana e
que, como tal, é universal e comum a todos os membros da espécie, independentemente
de esses membros falarem português, inglês, chinês, kimbundu, kuikuro, língua de
sinais brasileira, americana, inglesa, ou qualquer outra língua. Gramática, então, é um
construto de linguistas e deve descrever e explicar as propriedades que se aplicam a
todas as línguas do mundo. Ou seja, uma gramática gerativa deve retratar aquilo que
uma pessoa sabe, quando sabe uma língua: o que ela adquiriu como sua língua materna
a partir de princípios inatos, biologicamente determinados, que são parte da mente
humana (Chomsky, 1986, p.22).

6
A distinção entre língua-I e língua-E é semelhante à separação feita, também no âmbito da teoria
chomskyana, entre competência e performance. Competência equivale ao conhecimento linguístico que
um falante tem de sua língua. Performance diz respeito a como esse conhecimento é posto em uso.

7
Certamente a primeira questão que vem à mente quando se ouve dizer que a
língua é determinada geneticamente é: como se explicam as diferenças entre as línguas?
Afinal, se nosso conhecimento linguístico é determinado por uma dotação biológica de
nossa espécie, em princípio, todos deveríamos falar a mesma língua. E, na verdade, não
é isso o que acontece!

O primeiro ponto que deve ser enfatizado antes da explicação de como a


gramática gerativa vê a diversidade linguística é o seguinte: o conhecimento linguístico
que é proposto como sendo universal não abrange aquilo que nós cotidianamente
tomamos como língua. Nossa visão corriqueira de língua é mais próxima da noção de
língua-E e envolve nosso conhecimento sobre o significado dos itens lexicais de nossa
língua, de suas expressões idiomáticas, das sutilezas pragmáticas que palavras e
construções podem envolver e assim por diante.

Diferentemente, o que é proposto como sendo universal e biologicamente


determinado pela gramática gerativa é a Gramática Universal, que constituiu um
componente da mente humana, a faculdade da linguagem. Para a gramática gerativa,
essa faculdade da linguagem engloba dois tipos de princípios universais: aqueles que
são fixos, invariáveis; e aqueles que são abertos, no sentido de que precisam ser
especificados a partir dos dados linguísticos a que uma criança é exposta durante seu
processo de aquisição de língua. Esses princípios abertos são conhecidos como
parâmetros. Durante o período de aquisição, tomando por base os dados de língua a que
ela é exposta, a criança fixa os parâmetros de sua língua, fazendo emergir, assim, sua
língua-I.

É, portanto, a noção de parâmetros abertos que permite à gramática gerativa


explicar a diversidade linguística. Enquanto algumas línguas fixam o parâmetro com um
determinado valor, outras o fixam com outro. É também essa noção de parâmetros
abertos que está na base da explicação para a mudança linguística7. A ideia é a de que a
mudança emerge quando, no processo de aquisição, um falante individual fixa os
parâmetros de uma maneira diferente da dos falantes de gerações precendentes. A
língua-I desse falante vai, então, ser diferente da língua-I dos demais falantes, o que
pode causar grandes diferenças nos enunciados que virá a produzir (cujo conjunto é sua
língua-E).

7
Lembrem-se de que a gramática gerativa trata apenas da mudança nas estruturas sintáticas que
pertencem à língua-I.

8
Como já foi mencionado a respeito de Saussure, aqui também a visão de língua
como um objeto mental e abstrato é problemática para o estudo da mudança linguística.
Mudança envolve história, e a história envolve a descrição de ocorrências de fatos e
eventos em um tempo e espaço dados (Croft, 2000). Em se tratando de língua, fatos e
eventos correspondem a enunciados efetivamente produzidos. Como a gramática
gerativa exclui o uso da língua (língua-E ou performance) de seu programa de pesquisa,
o estudo do percurso histórico das línguas poderia ficar comprometido.

Entretanto, a hipótese da diferenciação na fixação de parâmetros abre uma


brecha para o estudo da evolução das línguas, associando-a ao processo de aquisição
linguística. Desse modo, a falha na transmissão de características linguísticas, que, em
última instância, ao ver da gramática gerativa, é o que acontece na mudança linguística,
passa a ser vista como uma falha de aprendizado. Como, em princípio, a característica
linguística que foi modificada poderia e deveria ter sido aprendida tal como ela era,
duas hipóteses são levantadas para explicar a falha na aquisição: a evidência disponível
para o aprendiz pode ser de algum modo obscura, fazendo com que ele tenha que
reanalisar as circunstâncias da fixação do parâmetro; ou o próprio aprendiz pode ser
diferente do aprendiz-padrão, como, por exemplo, no caso de já ter passado do período
crítico de aquisição de linguagem8 (Kroch, 2003, p. 700).

Apesar de manter uma visão abstrata do que é a língua humana, a gramática


gerativa encontra caminhos para tratar de questões de história da língua. Associar a
mudança ao processo de aquisição ajuda a dar alguma concretude a uma posição que, de
outra maneira, seria totalmente idealizada. Embora ainda trabalhando fundamentalmente
com hipóteses, os modelos propostos para explicar a mudança têm que lidar com
questões empíricas como, entre outras, as seguintes: (i) quais são as condições da
transmissão linguística – o aprendiz é criança, jovem, adulto?; (ii) qual é a cadeia de
inputs – dados produzidos pelos pais, por outras crianças, que estão usando novas
variantes – que constitui o ambiente linguístico propício para a refixação dos
parâmetros?; (iii) a frequência de exposição aos dados necessários à fixação de um
parâmetro é suficiente para que o aprendiz saiba como fixar aquele parâmetro?

8
Os especialistas em estudos de aquisição de linguagem não são unânimes quanto ao limite final preciso
do período crítico de aquisição da linguagem. Alguns o colocam por volta dos 5 anos de idade; outros, no
início da puberdade. De uma maneira ou de outra, parece ser consenso que, se o processo de aquisição
tem início depois de certa (tenra) idade, os resultados não têm a mesma qualidade daqueles obtidos em
um processo regular, em que a criança é exposta à língua-alvo desde seu nascimento. Tipicamente, casos
de aquisição tardia são aqueles de aquisição de segunda língua.

9
Apesar de forçada a admitir a participação, ainda que pequena, de contextos de
uso para explicar a mudança, a gramática gerativa, talvez mais do que o estruturalismo
saussuriano, privilegia um modelo de língua estático, em que a mudança é vista como
uma exceção, como o resultado de uma falha.

Considerar a língua humana como estática é uma questão que está em grande
medida associada à opção por definir a língua como um sistema idealizado e
homogêneo, seja ele de natureza mental (como no caso da gramática gerativa) ou não
(como no caso do estruturalismo). A sociolinguística, como foi visto no Capítulo 4, veio
mudar o foco da investigação linguística dando maior relevância para a observação da
fala e dos falantes. Com isso, a ideia de uma visão de língua homogênea passou a ser
questionada, o que fez emergir uma nova maneira de tratar mudança linguística.
Passemos, agora, a ver como a sociolinguística entende a mudança.

4. A mudança segundo a sociolinguística variacionista

Diferentemente do que propõem o modelo saussureano e a gramática gerativa, a


sociolinguística variacionista entende que as línguas não são desenhadas como sistemas
regulares perfeitos, mas se forjam pelo modo como os falantes as usam em contextos
interpessoais e sociais (Meyerhoff, 2010). Em clara ruptura com as teorias linguísticas
desenvolvidas desde o século XIX, os proponentes da teoria da variação 9 questionam a
ideia de que a língua deve ser vista como um sistema estruturado homogêneo, para
propor que ela seja vista como um sistema heterogêneo ordenado. Essa nova
perspectiva de entendimento da língua humana busca, então, compatibilizar duas ideias:
uma, a de que a língua é uma estrutura inerentemente ordenada, como propunha
Saussure; outra, a de que a língua é, também, inerentemente variável (Faraco 2006, p.
13).

Um sistema heterogêneo ordenado é um sistema que tem, dentre os elementos


que o constituem, elementos variáveis, ou seja, elementos que podem variar (Weinreich,
Labov e Herzog 2006 [1968], p.105, 107). As variações de um elemento variável são
chamadas variantes. Ao ver da teoria da variação, a distribuição do padrão de uso das
variantes de uma variável em uma determinada comunidade de fala depende de fatores

9
Refiro-me, aqui, a Uriel Weinreich, William Labov, e Marvin Herzog, autores do trabalho seminal
originalmente publicado em 1968, que colocou definitivamente a variação na agenda da pesquisa
linguística, a partir de uma sólida fundamentação teórica e de evidências empíricas inquestionáveis.

10
sociais, como o gênero do falante, seu nível de escolaridade, sua faixa etária, sua origem
étnica e a classe socioeconômica a que pertence (Croft 2000, p.54).

Há uma diferença entre variáveis estáveis e variáveis instáveis. A variação


estável é aquela em que não existe predominância de uma variante sobre outra, havendo
um equilíbrio relativo que tende a se manter por algum tempo. Diferentemente, a
variação é instável quando o processo pende para uma das variantes, em detrimento das
demais. É possível, então, que o uso dessa variante favorecida tenda a se generalizar,
fazendo com que as demais deixem de ser usadas. A mudança linguística é fruto da
variação que ocorre em variáveis instáveis. Por isso é que, algumas vezes, elas são
chamadas mudança em progresso (Mas, 2003, p. 3).

Como se vê, então, a variação pode ser estudada tanto de um ponto de vista
sincrônico, quanto diacrônico. O estudo sincrônico se concentra na variação que ocorre
em um ponto específico do tempo; o estudo diacrônico estuda a variação que se verifica
ao longo do tempo e que pode vir a causar uma mudança na língua. Desse modo,
variação e mudança são entendidas como fenômenos paralelos: são dois lados de um
mesmo processo linguístico. Uma variação observada hoje pode vir a ser a fonte de uma
mudança depois de certo tempo. Entretanto, não se pode assumir que toda variação leve
necessariamente a uma mudança (Weinreich, Labov e Herzog 2006 [1968], p. 126;
Meyerhoff, 2010). Por outro lado, toda mudança é considerada fruto de uma variação.
Sendo assim, quando a variação é abordada do ponto de vista sincrônico, um dos
objetivos da análise é determinar se a variação é estável ou não. Se não for, ela será
considerada uma possibilidade de mudança. Quando analisada do ponto de vista
diacrônico, a variação vai ser estudada a partir das variáveis instáveis registradas em
vários estados sincrônicos.

O argumento de que a língua é um sistema heterogêneo ordenado e a ligação


estreita que a sociolinguística faz entre variação e mudança têm sido respaldados por
um corpo de evidência empírica que não pode ser ignorado. Dados de língua em uso,
obtidos a partir de gravações de fala ou a partir de textos escritos, têm fornecido
munição para a sociolinguística questionar tanto a visão de mudança do estruturalismo
quanto a da gramática gerativa. A título de exemplificação, no que diz respeito ao
entendimento da mudança pelo estruturalismo saussuriano, a sociolinguística assinala,
por um lado, a vantagem de inserir o estudo histórico dentro de uma teoria que
considera a língua como um sistema de oposições, na medida em que isso permite

11
generalizar certos processos de mudança que, antes, eram considerados isoladamente.
Por outro lado, ela aponta, também, que esse tipo de posicionamento coloca outro tipo
de questão: como é que mudanças inicialmente não distintivas, ou seja, mudanças que
não envolvem uma oposição e que ocorrem lenta e gradualmente, de repente saltam para
dentro de uma categoria distintiva e passam a integrar o sistema de oposições? Trata-se
de um problema que a sociolinguística chama problema da transição, cuja solução está
no estudo de estágios intermediários da mudança, portanto anteriores à reclassificação
das mudanças em categorias opositivas (Weinreich, Labov e Herzog 2006 [1968], p.35;
p. 64-65).

Ainda a título de exemplificação, no que diz respeito à gramática gerativa, a


sociolinguística comenta que a ideia de atrelar o processo de mudança ao processo de
aquisição de língua leva necessariamente a algumas inferências. Uma delas é a de que
cada geração de falantes deve ser concebida, do ponto de vista linguístico, como uma
categoria discreta, e que elas se sucedem umas às outras, como um todo homogêneo (a
gramática dos pais precederia a gramática dos filhos, que precederia a gramática de seus
filhos, e assim por diante). As evidências, no entanto, mostram que não existe
uniformidade linguística dentro de uma única geração, e que as mudanças não precisam
necessariamente ocorrer de uma geração para outra, mas podem ocorrer, também,
dentro de uma única geração (Weinreich, Labov e Herzog 2006 [1968], p. 81-82). Uma
outra inferência decorrente da proposta de vincular o processo de mudança ao processo
de aquisição é a de que a mudança linguística deveria ser abrupta, ou seja, ela deveria
ocorrer em uma única geração. Não é isso o que acontece. As evidências empíricas têm
mostrado que a mudança linguística é, em geral, um processo gradual, em que, durante
um período de tempo, variantes de uma variável competem entre si, até que uma seja
preferida às demais (Weinreich, Labov e Herzog 2006 [1968], p. 126; Croft, 2000, p.49,
51, 54).

Apesar da visão crítica que a sociolinguística tem sobre o estruturalismo e a


gramática gerativa no que diz respeito a suas explicações sobre mudança linguística, ela
ainda mantém uma distinção categórica entre língua – o sistema estrutural – e a fala – o
sistema em uso. Mesmo dando um grande valor aos fatos empíricos (ou seja, a dados da
língua em uso), e mesmo mostrando que são eles que corroboram a variabilidade e a
heterogeneidade da língua, a sociolinguística vai ter como um de seus objetivos teóricos
mostrar que a noção de sistema pode ser mantida, apesar da heterogeneidade. O

12
comando que um falante tem de estruturas heterogêneas de sua língua não é visto como
uma mera questão de desempenho, mas, sim, como parte da competência linguística
desse falante (Weinreich, Labov e Herzog 2006 [1968], p. 36).

Em outras palavras, mesmo dando ênfase à hetereogeneidade da língua, o objeto


de estudo da sociolinguística não deixa de ser uma idealização, como no estruturalismo
saussuriano e na gramática gerativa. E, como já foi visto, do ponto de vista da mudança,
tratar a língua como uma idealização é problemático, porque idealizações não são
objetos históricos. Objetos históricos são fatos ou entidades reais que existem em um
determinado tempo e em um determinado espaço. Em linguística, os objetos históricos
são os enunciados efetivamente produzidos em um determinado contexto e os falantes
que produzem esses enunciados. É nesses enunciados, produzidos em meio à ação local
e conjunta dos falantes que a mudança vai ocorrer e é, a partir daí, que ela vai poder se
espalhar para o que se pode chamar língua comunal. Para explicar a mudança, não seria,
então, necessário assumir, em princípio, a existência no sistema de alguns elementos
que seriam váriáveis instáveis. A mudança seria vista como inerente a cada ato de fala, a
cada interação e poderia atingir todo e qualquer elemento do sistema. Algumas dessas
mudanças se espalhariam, outras não.

A seguir, passo a tratar de uma visão de língua diferente das que já foram
apresentadas neste livro, e da maneira como a mudança linguística é entendida dentro
dessa visão. Essa proposta assume que a língua é um sistema complexo, dinâmico e
adaptativo. O grande diferencial desse modelo está justamente no fato de que ele não
faz uma divisão categórica entre língua e fala, ou competência e performance, ou
sistema e uso. Seu objeto de estudo é considerado como sendo uno e inseparável.
Elementos que, em outras teorias, são considerados como pertencentes quer à língua,
quer à fala, são investigados por esse modelo em pé de igualdade, a partir dos mesmos
mecanismos e construtos teóricos. Fundamentalmente, para esse modelo – e nisso reside
seu interesse aqui – a mudança é definidora de seu funcionamento.

5. A língua como um sistema complexo, dinâmico e adaptativo

Há já algum tempo, vários pesquisadores têm, explicita ou implicitamente,


sustentado a hipótese de que a língua humana é mais bem caracterizada como um
sistema complexo, dinâmico e adaptativo. Esses pesquisadores vêm de áreas tão
diversas quanto a linguística e as ciências da computação, a sociologia e as ciências da

13
cognição, as neurociências e a filosofia.10 Seus trabalhos e os resultados que suas
discussões têm gerado devem ser considerados como uma primeira grande abertura para
pesquisas de caráter verdadeiramente interdisciplinar não só sobre a língua humana,
como também sobre a semiose em geral.

E o que são sistemas complexos, dinâmicos e adaptativos?

Alguns exemplos não linguísticos desse tipo de sistema podem ser vistos nas
fotos da Figura 1 e da Figura 2 abaixo:

Figura 1 – Cardumes11

Figura 2 - Revoada de pássaros12

Ao ver cardumes de peixes e revoadas de pássaros, ao vivo ou em filmes, vocês


já se perguntaram como é que os peixes e os pássaros sabem aonde estão indo; se eles

10
Ver, entre outros, Beckner et alii 2009; Bybee 2010; Halliday 1987; Keller 1994; Langacker 1991,
2000; Liberman 2011; Maturana e Varela 1987; McCleary 1996; Mufwene 2008; Raczaszek-Leonardi e
Kelso 2008; Varela, Thompson e Rosch 1993.
11
Fotos publicadas no Google Imagens, acessadas por meio dos seguintes links:
http://www.petfriends.com.br/news/news_materia132.htm;
http://www.iplay.com.br/Imagens/Divertidas/0zWe/Mergulhadores_Rodeados_Por_Um_Enorme_Cardu
me_De_Peixes_No_Fundo_Do_Mar
http://www.cenif.com/o-campo-morfogenetico/
12
Fotos publicadas no Google Imagens, acessadas por meio dos seguintes links:
http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC1692378-1641,00.html
http://www.culturamania.com.br/?page_id=777
http://blogdainteratividade.wordpress.com/2010/02/09/o-espetaculo-dos-passaros/

14
estão sendo guiados por algum líder; como é que eles fazem para não bater uns nos
outros; o que acontece se existe uma colisão entre dois animais; como é que um dado
animal evita distanciar-se do grupo; como é que o cardume, como um todo, muda de
direção, sem que haja colisão dos peixes que o compõem.

Outras fotos de um sistema complexo, dinâmico e adaptativo estão na Figura 3


abaixo:

Figura 3 - Trânsito13

Essas são fotos de situações em que aqueles de nós que vivem em cidades
grandes se veem, infelizmente, quase todos os dias – congestionamento de trânsito.
Cada vez que nos encontramos em uma situação dessas, certamente nos perguntamos
como é que, sem motivo aparente algum – sem acidentes, sem quebra de semáforo, etc.
– , isso foi acontecer. Também quando estamos dirigindo em uma grande avenida de
várias pistas, em que a velocidade permitida é alta, muitas vezes ficamos curiosos sobre
o que previne que dois carros se choquem, quando mudam de pista ao mesmo tempo,
ambos indo para a pista 2, um deles vindo da pista 1, e ou outro vindo da pista 3, em um
esquema como na Figura 4 abaixo.

13
Fotos publicadas no Google Imagens, acessadas por meio dos seguintes links:
http://www.siteuniethos.org.br/rse/?p=2434
http://www.deputadomarun.com.br/na-segunda-feira-capital-discute-desafios-e-solucoes-para-transporte-
transito-e-mobilidade-urbana-durante-seminario/engarrafamento
http://www.cabecadagua.com.br/2011/03/transito-viva-ou-morra/

15
Pista 1

Pista 2

Pista 3

Figura 4 - Ultrapassagem

Outra pergunta relativa ao trânsito que é feita praticamente quase todos os dias
em uma cidade como São Paulo é: como um acidente na zona norte da cidade pode ser
responsável por um engarrafamento na zona sul?

O objetivo deste artigo, naturalmente, não é o de discutir nem mesmo responder


essas questões relativas a cardumes, bandos de pássaros, ou problemas de trânsito. O
que interessa é observar que todos esses casos envolvem eventos que compartilham
algumas características. Essas características fazem deles sistemas complexos,
dinâmicos e adaptativos.

Dentre as características definidoras desse tipo de sistema, está o fato de que


todos eles envolvem uma multiplicidade de indivíduos em coletividade. Indivíduos e
coletividade estão todos em ação, e, mais especificamente, em interação, ou ação
conjunta. O nível individual e o coletivo são, em princípio, distinguíveis, mas estão de
tal modo conectados que não podem ser entendidos separadamente. Apesar disso,
alguns dos padrões que se formam no nível coletivo não podem ser atribuídos à
coordenação global da ação de cada indivíduo – ou seja, a ação do todo não pode ser
vista como a soma da ação das partes. O padrão global é emergente no nível coletivo e
resulta da longa e reiterada prática de interações locais e pontuais entre os indivíduos.
Isso significa que fenômenos observáveis no nível da comunidade não precisam,
necessariamente, ser pertinentes a todos os indivíduos, do mesmo jeito, ao mesmo
tempo (Beckner et alii 2009, p. 15).

Outra característica dos sistemas complexos, dinâmicos e adaptativos é a de que


cada indivíduo membro do sistema é único, no sentido de que cada um é fruto de suas
próprias e únicas histórias individuais. Isso faz com que sistemas complexos, dinâmicos

16
e adaptativos sejam intrinsecamente diversificados, de tal modo que não se pode
idealizar um único padrão de sistema, nem um único padrão de indivíduo para cada
sistema. Afinal, como foi visto, esses sistemas se definem pela interação de indivíduos
entre si e com a coletividade, e da coletividade com cada indivíduo. Como cada
indivíduo é único, cada sistema, em cada momento de sua existência, é único também.
No momento seguinte, ele já não vai ser igual a si mesmo. Tanto o sistema quanto cada
indivíduo pertencente ao sistema estão em constante mudança e em constante
reorganização. Não há momentos de estaticidade. O sistema e seus membros se auto-
(re)organizam dinamicamente à medida que o sistema interage com outros sistemas,
outras energias, outras forças e à medida que os membros do sistema interagem entre si,
com o sistema e com fatores externos a ele.

Sistemas complexos, dinâmicos e adaptativos encontram-se sempre entre o puro


caos e a pura robustez. A título de exemplificação, Kluger diz que o puro caos se
encontra em uma sala vazia, sem objetos, plantas, animais ou pessoas, mas cheia de ar.
A atividade nessa sala é enorme, na medida em que as moléculas de ar se movem sem
cessar, em todas as direções ao mesmo tempo, dispersando-se caoticamente e
dissipando-se em cada canto da sala. A pura robustez encontra-se em um pedaço de
carvão congelado até o zero absoluto – o ponto em que a atividade molecular é a menor
possível. Em nenhum desses dois extremos, encontra-se complexidade. A complexidade
está em algum ponto em que as moléculas começam a sair do puro caos, organizando-se
em algo como um peixe, um pássaro, um cardume, um bando de pássaros em revoada,
um automóvel, o trânsito, mas evitando chegar ao extremo de algo estático e fixo.
Imaginando-se uma curva que se eleva do ponto de puro caos, passa por um ponto alto,
e desce até a pura robustez, como no esboço de uma colina, por exemplo (ver Figura 5
abaixo), pode-se dizer que a complexidade se encontra em tudo o que vive buscando o
equilíbrio em torno do topo desse arco (2008, p. 27-29).

17
Figura 5 – Arco da complexidade (baseado no gráfico em Kluger 2008, p. 28)14

O que se diz, então, de sistemas complexos, dinâmicos e adaptativos é que eles


vivem à beira do caos. Ou seja, eles vivem em um constante e dinâmico movimento de
busca de equilíbrio entre o puro caos (a completa desordem) e a pura robustez (a ordem
estática). Esse ponto de equilíbrio não pode ser entendido como estático. Ele é
dinâmico, no sentido de que é necessário um constante esforço para a manutenção de
sua estabilidade. Os sistemas complexos, dinâmicos e adaptativos vivem num
movimento sem-fim de autorregulação para obter e manter uma dose de ordem,
necessária para que haja um sentido de permanência e continuidade, como também uma
dose de caos, para que haja inovação, crescimento, diversidade e imprevisibilidade.
Mais do que apenas um ponto de equilíbrio, a beira do caos é o ponto de emergência de
novos e imprevisíveis comportamentos do sistema. É nesse ponto que o sistema
desenvolve novas propriedades globais e novos níveis de complexidade que não podem
ser previstos apenas pela observação das atividades locais dos indivíduos que
constituem o sistema (McGill, 2007).

Tratar a língua humana como um sistema complexo, dinâmico e adaptativo


significa, antes de mais nada, não assumir uma postura dualista para defini-la e
investigá-la. Não é possível separá-la em duas faces, como língua e fala, ou
competência e performance, ou sistema e uso, nem ontologicamente, nem
metodologicamente. Sistemas complexos são unidades indivisíveis de uma só face.
Como já foi dito, podem-se distinguir níveis nesses sistemas. No caso da língua, por
exemplo, sem grande esforço podemos distinguir o nível idioletal e o nível comunal. O

14
Agradeço ao monitor do Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo, Cauê Alves
Tanan da Silva, pela ajuda com a confecção do gráfico.

18
nível idioletal (ou do idioleto) é o nível do conhecimento linguístico e da prática
linguística própria de cada um dos falantes de uma língua.15 O nível comunal é o nível
global do sistema.16 Entretanto, como níveis de um sistema complexo, não é possível
conceber um sem o outro. Tampouco é possível considerar um como sendo em essência
diferente do outro. Não é possível nem mesmo separar um do outro para fins de
investigação científica, sob pena de essa separação levar eventualmente o analista a
conclusões equivocadas sobre o fenômeno linguístico.

Outra consequência da assunção da língua como um sistema complexo,


dinâmico e adaptativo é a de que nem ela, nem os falantes podem ser idealizados. Os
idioletos resultam da experiência única e singular de uso linguístico de cada falante, em
cada ato de fala. Como o nível comunal da língua é fruto da interação dos idioletos (ver
nota 16), tampouco esse nível global pode ser idealizado. A diversidade é intrínseca ao
sistema e permeia todos os seus níveis.

Ainda, ver a língua como um sistema complexo, dinâmico e adaptativo significa


assumir que não há estaticidade na língua, em qualquer nível que seja. O sistema está
sempre em movimento em todos os níveis e entre níveis, num processo constante de
auto-organização. A mudança é, então, considerada como inerente ao sistema
linguístico. Não há como concebê-lo, em qualquer nível que seja, sem ela.

São incontáveis os fatores que podem determinar a dinâmica de um sistema


complexo. Todos eles interagem para manter o sistema em fluxo e em evolução. Por
vezes, um pequeno fator pode levar a uma grande mudança do sistema. No início, a
mudança é pequena e local e seu ritmo é lento e gradual. A partir de certo ponto, a
mudança se intensifica com uma aceleração do processo e atinge níveis mais altos da
organização. Em uma terceira fase, há uma desaceleração até que a mudança se

15
Definido dessa maneira, idioleto é todo o sistema linguístico de um falante individual (Crystal 1988, p.
142). Outros autores preferem definir idioleto como os hábitos de fala de um indivíduo (Robins 1980,
p.40). Essa segunda definição claramente se baseia em uma separação das noções de língua e fala,
colocando o idioleto no âmbito da fala. Como estamos aqui sugerindo tratar a língua como um sistema
complexo não dicotômico, a primeira definição parece mais apropriada.
16
A definição de nível comunal ou de comunidade linguística não é trivial. Mesmo na sociolinguística,
que é uma área de estudos que toma a noção de comunidade de fala como base social para a descrição das
variedades, não existe um consenso sobre ela. Aqui, adoto a visão proposta em McCleary 1996, p. 211,
baseada na etnometodologia e bem de acordo com a noção de sistemas complexos, dinâmicos e
adaptativos. Para McCleary, qualquer organização social é fruto das realizações de seus membros. Uma
organização social só existe porque é reconhecida como tal e demonstrada como tal pelos membros, em
suas ações. Uma comunidade só existe como entidade de ordem superior por causa da ação local e
coordenada dos indivíduos que a compõem.

19
complete e o sistema se reorganize como um todo.17 Isso é exatamente o que se sugere
que acontece prototipicamente na mudança linguística (Weinreich, Labov e Herzog
2006 [1968], p. 124-125).18 A mudança linguística está, então, em perfeita consonância
com o tipo de mudança que ocorre em sistemas complexos.

O ritmo e frequência da mudança estão associados a outra questão importante:


como é que os indivíduos, buscando satisfazer seus interesses pessoais, muitas vezes
conflitantes com os de seus pares, acabam produzindo certos efeitos que eventualmente
convergem entre si no nível global da população (Mufwene, 2008, p. 2)? Essa questão é
análoga à inicialmente proposta por Adam Smith, em 1776, para explicar o
funcionamento dos mercados econômicos – também um sistema complexo, dinâmico e
adaptativo. Smith dizia que cada indivíduo, com seu trabalho, pretende ganhar seu
próprio sustento, garantir sua segurança e satisfazer seus interesses pessoais. Em
momento algum, ele tem interesse em promover o interesse público. Mas, ao conduzir
seus negócios visando a seu próprio benefício, cada indivíduo acaba sendo guiado por
uma mão invisível para promover algo que não era sua intenção fazer: o bem da
sociedade (Smith 1976 [1776], p. 456).19 Embora vaga, a noção de mão invisível tem
sido usada até hoje por vários economistas e cientistas da complexidade para explicar as
forças estabilizadoras do mercado (Kluger 2008, p. 36).20

17
Isso tem sido chamado formato de curva em S da mudança linguística (S-shape curve of language
change). Esse parece ser o padrão das mudanças em sistemas complexos em geral e na língua em
particular. Entretanto, há exceções. Sistemas complexos admitem casos de mudanças abruptas. Na língua,
a mesma coisa pode acontecer (Keller 1994, p.6).
18
Kroch 1989 apresenta uma proposta diferente, segundo a qual a mudança se dá em uma frequência
constante.
19
Um exemplo de ato individual que acaba sendo benéfico para a regulação do mercado é evitar comprar
mercadorias com preços julgados mais elevados do que necessário. Quando cada indivíduo deixa de
comprar essa mercadoria, o preço tende a baixar, o que acaba sendo um resultado positivo para a
coletividade.
20
Como nos informa Kluger (2008, p. 36), alguns estudiosos do mercado financeiro como um sistema
complexo não têm problema em admitir que eles, de fato, não sabem exatamente como certos
comportamentos desse tipo de sistema emergem. Outros estudiosos, no entanto, são céticos em relação ao
uso de uma noção tão pouco explícita como a da mão invisível. Eles sugerem que, atrás das mãos
invisíveis, existem cérebros invisíveis e propõem que é um poder cerebral coletivo que guia os
comportamentos dos sistemas complexos humanos. Estudos de várias atividades coletivas demonstram
que, nessas atividades, grupos de indivíduos obtêm melhores resultados do que indivíduos agindo
isoladamente. Ainda, quanto maior e mais diversificado for o grupo, melhores vão ser os resultados. Um
exemplo desse tipo de análise foi feito com grupos de investidores compostos por não experts em
mercados de ações. As escolhas de ações do mercado feitas colaborativamente pelos grupos foram mais
bem sucedidas do que as escolhas feitas individualmente. Por mais interessante que seja a noção do
poder da coletividade de cérebros e por mais que ela pareça mais adequada para a explicação de sistemas
complexos humanos e sociais, ela não pode servir para explicar fenômenos naturais, como o clima, que
também é um sistema complexo.

20
Keller propõe que a mesma coisa acontece com a língua humana. Para explicar o
tipo de fenômeno que ele considera que a língua é, ele compara seu funcionamento com
o do trânsito. Fundamentalmente, trânsito e língua são fenômenos coletivos. Eles
emergem a partir da ação de muitos indivíduos. Essas ações têm algumas semelhanças,
que, localmente, não têm muita relevância, mas que, juntas, acabam gerando certas
consequências. Keller faz sua argumentação a partir da apresentação de um modelo
simplificado que busca capturar a origem de um congestionamento de trânsito. Vamos
imaginar um cenário em que, em uma pista de uma única mão e de tráfego pesado, os
carros estão movendo-se a uma velocidade de 100 km por hora, a uma distância de
aproximadamente 30 metros um do outro. De repente, por algum motivo que não vem
ao caso, um carro, que vamos chamar A, breca, reduzindo a velocidade para 90 km por
hora. Naturalmente, o motorista do carro B que vem logo atrás de A, para evitar o
choque entre os dois carros, breca também. Mas, como ele não sabe para qual
velocidade o carro A reduziu sua marcha, ele reduz sua velocidade um pouco mais –
talvez para 85 km por hora – para ter segurança de que não vai haver colisão. O mesmo
vai acontecer com o carro C, que vem atrás de B. Para garantir a segurança, o motorista
de C reduz a velocidade de seu carro para 80 km por hora. E, assim, sucessivamente, de
modo que o carro S e todos os que vêm atrás dele vão ter que parar. O
congestionamento que se verifica do carro S em diante foi produzido pela ação dos
motoristas dos carros A até S. Entretanto, nenhum desses motoristas teve a intenção de
produzir o congestionamento. Sua única intenção foi garantir a sua segurança (e, espera-
se, a dos motoristas à sua volta). Dada essa intenção, cada motorista apenas reagiu
apropriadamente à ação de outro indivíduo. Com isso, mesmo sem ter a intenção e até
mesmo sem saber, cada um acabou contribuindo para a criação de uma situação global
de congestionamento. O congestionamento é, então, a consequência não intencional de
todas as ações individuais conjuntamente consideradas. Essas ações individuais tiveram
todas uma intenção, e todas as intenções eram semelhantes; mas, crucialmente,
nenhuma dela teve a intenção de criar o congestionamento (1994, p.60-62).

A mão invisível é justamente um recurso explanatório para fenômenos que


emergem de um processo que envolve uma multiplicidade de indivíduos, cada um
cuidando de seus próprios interesses, sem que eles tenham a intenção de produzir o
resultado final e sem que eles sequer tenham consciência de sua participação no
resultado final (Keller, 1994, p. 68). Ao criar inovações em suas interações

21
comunicativas, nenhum falante tem a intenção de mudar nem seu idioleto nem a língua
comunal. Sua intenção é a de entrar em interação com seu interlocutor, construindo
significação e agindo em parceria com ele. Além disso, dois ou mais falantes não fazem
a mesma coisa ao mesmo tempo, nem planejam conjuntamente estratégias para criar
novas formas linguísticas. Mesmo assim, padrões emergem e espalham-se até o nível
comunal. Essa emergência de padrões vem da mão invisível.

Mufwene expande a comparação de Keller entre trânsito e língua e vale-se da


noção de mão invisível para reforçar sua visão de que a língua é um sistema complexo,
dinâmico e adaptativo, que tem as seguintes características: (i) a língua comunal é uma
extrapolação dos idioletos de seus falantes, só podendo ser concebida a partir dos
idioletos; (ii) a língua é intrinsecamente mutante, porque os idioletos dos quais ela
emerge não são idênticos (eles vêm de mentes diferentes e de experiências individuais
diferentes) e porque, em cada ato de comunicação, os idioletos têm que se adequar uns
aos outros em benefício do projeto de ação conjunta em que os falantes estão
envolvidos; e (iii) a língua não evolui de maneira uniforme e ordenada, porque a rede de
comunicação de um falante é diferente da de outro, porque a experiência comunicativa
de cada falante é única e singular e porque a ecologia do sistema muda a cada ato de
fala (2008, p. 62).

Apesar de, aparentemente, o tráfego em movimento ser um único organismo, ele


não é outra coisa que não uma função de veículos individuais. Seu movimento é uma
função do movimento de cada veículo, que, por sua vez, se afeta (é afetado) pelo
movimento dos veículos à sua volta e pelo conjunto do tráfego – seu volume, por
exemplo. Analogamente, a língua é uma função dos idioletos individuais. Suas
mudanças são parcialmente decorrentes das mudanças que ocorrem no nível idioletal, à
medida que os indivíduos vão criando inovações linguísticas e adotando inovações
criadas por outros indivíduos. Ao mesmo tempo, as mudanças idioletais ocorrem dentro
da ecologia global do sistema.

Mufwene ressalta que essa comparação entre tráfego e língua tem a vantagem de
colocar em evidência a agentividade dos indivíduos na mudança linguística. Tanto
quanto o tráfego depende da ação dos motoristas, a evolução da língua depende da ação
dos falantes. O tráfego vai ser mais lento quando os motoristas dirigirem em velocidade
mais baixa, ou mais rápido, se os motoristas forem rápidos. De modo geral, os
motoristas tendem a seguir o ritmo do tráfego – se ele está movendo-se rapidamente, os

22
motoristas tendem a se mover rapidamente também. Com a língua acontece o mesmo.
Os idioletos mudam porque os falantes tendem a manter-se afinados com outros
falantes.

Outra semelhança que existe entre o tráfego e a língua é a de que ambos se


mantêm vivos, independentemente de alguns de seus membros sairem de cena e de
novos membros entrarem. Tráfego e língua não existem sem seus membros, mas isso
não implica que os membros precisem ser sempre os mesmos. Veículos chegam a seu
destino e saem do tráfego, e idioletos desaparecem quando seus falantes morrem. Novos
veículos aderem ao tráfego, e novos idioletos emergem quando bebês começam a falar.
Alguns veículos formam subgrupos porque querem entrar ou sair de uma pista ou
porque querem virar à direita ou à esquerda. Os motoristas que estão aproximando-se
desse subgrupo e querem fazer a mesma conversão podem acelerar para se juntar aos
demais veículos do subgrupo. Aqueles que querem evitar esse subgrupo desaceleram e
desviam. De modo semelhante, falantes associam-se a diferentes pessoas em momentos
diferentes, e entram em interação com elas por causa de seus interesses individuais e
temporários, dando origem a subgrupos linguísticos. A participação dos falantes em
diferentes subgrupos (que podem se interseccionar de maneiras diversas a cada caso)
afeta o desenvolvimento dos idioletos, de tal modo que cada idioleto sempre se encontra
em uma posição evolucionária diferente em relação aos demais.

Em suma, a ideia é a de que a mudança da língua comunal é uma função de


como os idioletos mudam sob a influência de uns sobre os outros e do acúmulo dos
ajustes feitos entre os idioletos durante as interações comunicativas. Mas isso não é
tudo: as mudanças dos idioletos ocorrem sob a influência do sistema global do qual eles
são membros. A propagação da mudança do nível individual para o nível global e a
emergência de novos padrões no nível global são explicadas pela mão invisível – elas
são consequências não intencionais das ações intencionais e parcialmente semelhantes
dos indivíduos integrantes do sistema.21

21
Croft admite que a mão invisível possa ser considerada um dos mecanismos da propagação da mudança
linguística, mas não o único e não o mais importante. Para ele, os falantes escolhem uma variante em
detrimento de outra, a partir de fatores sociais como gênero, vínculos sociais, classe, etc. (Para uma
investigação da expansão da flexão do infinitivo em português brasileiro feita dentro dessa visão, ver
Canever 2012). Além disso, a seu ver, se a propagação de todas as mudanças pudesse ser explicada pela
mão invisível, a expectativa seria a de que as mudanças se espalhariam rapidamente em uma determinada
comunidade, em condições ecológicas semelhantes (2000, p. 60). Entretanto, duas observações precisam
ser feitas: primeiro, pelo que se viu acima, as condições ecológicas nunca se estabelecem com um padrão
rígido. Elas podem variar – e normalmente variam – de um momento para outro. Idioletos precisam

23
6. A mudança vista pelo prisma da língua como um sistema
complexo, dinâmico e adaptativo

Considerar a língua como um sistema complexo, dinâmico e adaptativo abre


novas perspectivas de entendimento para a mudança linguística. A mudança deixa de
ser vista como uma falha ou como uma exceção, para ser vista como uma das principais
características inerentes ao sistema. Não se pergunta mais se a língua muda, quando ela
muda ou por que ela muda. Sendo um sistema complexo, dinâmico e adaptativo, a
língua muda sempre. Ela muda por necessidade (Keller 1994, p.5). Sem mudança, o
sistema não poderia equilibrar-se no topo do arco da complexidade, descambambando
para ou caos absoluto ou estagnando-se por completo.

A mudança linguística é constante e perene. Não há instâncias de uso de língua


em que mudanças não se verifiquem. A comunicação não é uma troca de mensagens
empacotadas pelo falante num momento e desempacotadas por seu interlocutor num
momento subsequente.22 A comunicação tem uma natureza situada e construída
(McCleary 1996, p. 201). A cada ato de fala, o falante busca adequar seu idioleto à
situação em que se encontra, aproximando-o do idioleto de seu interlocutor (que, por

adequar-se constantemente às saídas de alguns e às entradas de novos idioletos. Falantes constantemente


se realinham com outros falantes, em redes que não se mantêm sempre idênticas e que interagem com
outras redes de maneira diversificada. Desse modo, a propagação da mudança não precisa – nem deve –
ter sempre o mesmo ritmo. Ela pode ocorrer ora rápida, ora lentamente, justamente porque depende das
condições ecológicas, que raramente se mantêm constantes. A segunda observação, e mais importante, a
ideia de sistema complexo não admite pressões de cima para baixo, como a de fatores sociais gerais,
como classe social, nível de escolaridade, etc. Tudo, num sistema complexo, vem de baixo para cima,
partindo sempre das ações locais e conjuntas entre os membros do sistema. É dessas interações locais que
surgem as diversas comunidades sociais, e não o contrário.
22
Essa é a visão de comunicação mais conhecida dos estudos linguísticos. Em sua reconstrução do
circuito da fala, Saussure diz que o ponto de partida está no cérebro de um dos participantes da
comunicação. Nesse cérebro, os conceitos se acham vinculados às imagens acústicas que servem para
exprimi-los. O cérebro transmite um impulso aos órgãos de fonação, que produz os sons. As ondas
sonoras propagam-se da boca desse participante até o ouvido do outro. Nesse outro participante, o
percurso toma o sentido inverso: do ouvido ao cérebro, em que ocorre uma associação da imagem sonora
com o conceito correspondente. (1969, p. 19). Em seu estudo seminal sobre as funções da linguagem (ver
capítulo1), Jakobson toma como base um modelo de comunicação verbal que se alinha à proposta
saussuriana: o remetente envia uma mensagem para o destinatário; essa mensagem requer um contexto ao
qual se refere, que deve ser apreensível pelo destinatário; é necessário um código que tem que ser total ou
parcialmente conhecido do remetente e do destinatário – agora, codificador e decodificor,
respectivamente; e, finalmente, é necessário que haja um canal físico e uma conexão psicológica entre o
remetente e o destinatário, que permita que ambos entrem e permaneçam em comunicação (1969, p. 123).
Esse tipo de visão sobre a comunicação é refletido em nossa linguagem cotidiana por meio de uma
metáfora conhecida como metáfora do conduite (Reddy 1979), que aparece em expressões como O João
me passou a informação sobre o aumento da gasolina; As ideias de Platão só chegaram até mim através
do Prof. Rui; Essa ideia está contida nas palavras de Pedro. Em todos esses exemplos, vemos a
expressão do entendimento de que a comunicação é algo pronto, que passa do destinador para o
destinatário em pacotes fechados, que são os signos. A ideia de que a língua é um sistema complexo,
dinâmico e adaptativo é contrária a essa visão.

24
seu lado, vai estar também adequando o seu idioleto ao de seu interlocutor), em um
processo de construção de comunicação, que se dá conjuntamente, pela ação
coordenada dos membros nela envolvidos, em uma determinada situação particular. A
língua precisa, então, ser maleável e flexível para permitir essa construção.

Sendo não só construída, mas também situada, a comunicação é parte de um


ecossistema. Ela não existe num vácuo, mas sim em uma constante interação que ocorre
não só entre os falantes (pessoas dotadas de um corpo e de uma cognição), mas entre
eles e o mundo natural, social e cultural que os cerca.23 Como toda mudança linguística
vem de uma interação comunicativa e como toda interação comunicativa deve ser
entendida como situada, toda mudança linguística deve ser vista como estando
vinculada a uma situação ecológica particular. Não é possível entendê-la, sem entender
o seu em-torno, ou seja, as condições históricas, geográficas, sociais e econômicas em
que elas tiveram início e em que se propagaram.

Esse entendimento desfaz um velho dilema da linguística histórica e dos estudos


da mudança linguística: a natureza interna ou externa da mudança. A questão é se a
língua muda por pressões internas do próprio sistema ou se ela muda por influência de
outras línguas. Sapir, por exemplo, afirma que todas as línguas se movem no fluxo de
sua própria correnteza, em uma deriva que acaba por afastá-las da norma (1949 [1921],
p. 150). Seriam, então, pressões internas à língua as grandes responsáveis por sua
mudança, por sua diversificação em dialetos, ou por sua especiação.24 Essa posição de
Sapir é corroborada por seu ceticismo em relação aos efeitos de influências externas no
processo de mudança de uma determinada língua. Tomando por base os estudos de
morfologia disponíveis em seu tempo, Sapir afirma que as influências de uma língua
sobre outra se restringem a fenômenos morfológicos superficiais. Em sua análise da

23
O entendimento de que a comunicação é situada está atrelado ao entendimento de que nossa cognição é
também situada. A ideia central é a de que a atividade cognitiva é sempre dependente do contexto em que
ocorre. Pode tratar-se de um contexto relativamente local – aquele relativo ao corpo –, ou de um contexto
relativamente global – aquele relativo à estrutura do ambiente natural e social onde o processo cognitivo
se verifica. Ainda, a cognição situada trabalha com a ideia de uma mente expandida, no sentido de que o
processo cognitivo transcende os limites dos organismos individuais. Como, nesse modelo, a mente é
concebida como um sistema dinâmico, ela se estende para o corpo e para o mundo (Robbins e Aydede
2009, p. 3 e.8).
24
O termo é emprestado da biologia e significa o processo evolutivo pelo qual as espécies se formam. A
especiação pode ser o processo de transformação gradual de uma espécie em outra ou pode ocorrer pela
divisão de uma espécie em duas. Desde o século XIX, especialmente a partir dos estudos de August
Schleicher, a diversificação linguística tem sido comparada à diversificação das espécies vivas.

25
história da morfologia do inglês, ele conclui que todas as mudanças verificadas podem
ser explicadas pela deriva natural da língua (1949 [1921], p.203-204).25

Outra posição afirma que mudanças internas e externas têm natureza diferente e
que apenas as primeiras podem ser consideradas como fonte de especiação linguística.
Línguas formadas a partir de longo e intenso contato entre línguas diferentes, como é o
caso das línguas crioulas26, não poderiam, portanto, ser classificadas geneticamente,
sendo assim consideradas excepcionais. Mufwene cita os trabalhos de Thomason e
Kaufman (1988) e Thomason (2001, 2002) como perpetuadores dessa visão (2008, p.
29).

Dentre os muitos equívocos que levam à visão de que existe uma diferença entre
a emergência de crioulos e a evolução natural de novas variedades linguísticas,
Mufwene ressalta a limitação de entender colonização apenas como o processo
decorrente da expansão mercantilista europeia dos séculos XV a XIX. As línguas
românicas também emergiram de um processo de colonização empreendido pelo
Império Romano. A difusão da cultura romana, de seus sistemas militares, políticos e
econômicos e de sua língua – o latim – , atrelada a grandes movimentos populacionais e
a longos e intensos contatos entre várias línguas tiveram como resultado consideráveis
mudanças linguísticas (2008, p. 31). Mesmo assim, o fato de as línguas românicas
modernas serem fruto de contato linguístico não as exclui de uma classificação genética.
Por que deveriam, então, as línguas crioulas ser consideradas excepcionais?

O entendimento da língua como um sistema complexo, dinâmico e adaptativo


torna a distinção entre mudança motivada por fatores externos ou internos irrelevante de
um ponto de vista linguístico. Toda mudança linguística tem origem no contato entre
idioletos, na construção de atos comunicativos entre falantes e nas acomodações que se
fazem nos idioletos para aumentar a compreensão mútua entre os participantes da
comunicação.27 Uma vez iniciada, a mudança gera certa perturbação no sistema. Para

25
Sapir admite, no entanto, que essa deriva possa ter sido acelerada pela influência que o inglês sofreu de
algumas normas do francês (1949 [1921], p. 202).
26
Línguas crioulas são línguas faladas em várias ex-colônias europeias nas Américas (especialmente na
região do Caribe), na costa oeste da África, em algumas ilhas e regiões costeiras do oceano Índico e do
oceano Pacífico. Elas são resultantes do extenso contato de línguas europeias com línguas africanas e
emergiram em uma ecologia sócio-historica-econômica particular (Mufwene 2008).
27
A aquisição de língua por crianças e os fluxos migratórios populacionais têm um peso importante no
processo de mudança linguística. A aquisição de língua ocorre por meio da interação da criança com
outros falantes da língua, muitos dos quais são também crianças que não estão em um estágio de evolução
linguística muito mais avançado do que o dela. O processo tem prioritariamente o objetivo de servir à
comunicação. A “correção” ou a “adequação às normas” não são preocupações da criança nesse processo,

26
recobrar seu equilíbrio e manter-se no topo do arco da complexidade, o sistema vai se
auto-organizar e gerar outras mudanças, numa dinâmica constante de interações internas
e externas.

Outra grande questão da linguística histórica e das teorias de mudança


linguística que ganha novos contornos com a ideia de que a língua é um sistema
complexo, dinâmico e adaptativo é a da previsibilidade de mudança. Keller faz uma
descrição de vários fenômenos que, como a língua, explicam-se pela ação da mão
invisível, por serem sistemas complexos e dinâmicos. Uma dessas descrições é a da
emergência de trilhas nos gramados dos campi universitários. Essas trilhas não surgem
pela intenção dos pedestres de criá-las, mas sim por sua intenção de fazer um caminho
entre os vários prédios da universidade que seja mais curto e mais sensato do que aquele
sugerido pelas calçadas planejadas pelos construtores dos campi. A emergência dessas
trilhas de atalho reflete o fato de que atos individuais não intencionais em uma
comunidade acabam produzindo padrões comuns. A convergência dos comportamentos
de vários indivíduos é motivada por uma certa ecologia – a grande distância entre os
prédios, a economia de tempo, a preguiça dos pedestres, o calor ou o frio, etc. A partir
dessa discussão, Keller imagina o seguinte cenário: vamos assumir que exista um
gramado entre a entrada da biblioteca da universidade e a do restaurante, e que as
calçadas construídas formam um quadrado cercando o gramado entre os dois prédios.
Apesar de estarmos diante da condição ideal para a emergência de uma trilha pelo
gramado, será que podemos prever, com exatidão, que ela vai mesmo emergir?

Tudo vai depender da ecologia global do cenário. Será que existem leis que
proíbem pisar na grama? Essas leis são postas em prática? Qual é o tipo de educação das
pessoas envolvidas? Qual é sua atitude em relação a gramados? Que tipo de sapato elas
usam? Qual é sua atitute em relação à possibilidade de sujar seus sapatos? Ao levar tudo
isso em consideração, vê-se que explicações que têm por base a mão invisível têm, na
melhor das hipóteses, um valor prognóstico: se X e Y acontecerem, então um certo
padrão P vai poder emergir, dadas as condições W e Z. É isso o que se verifica nas
previsões meteorológicas e nas previsões econômicas (que muitas vezes falham!). A
mesma coisa acontece com a língua: no caso da fonologia do alemão, por exemplo,
Keller observa que é possível considerar que as sílabas átonas apresentam uma

o que dá espaço à produção de desvios, que, podem vir a se tornar divergências. A mesma coisa acontece
no processo de aquisição de segunda língua por imigrantes (Mufwene 2008, p. 3).

27
tendência ao desaparecimento, dado o fato de que o processo já começou; mas, vindo
elas a desaparecer, só se pode especular – não se pode prever com nenhum rigor – que
um signo, como o verbo haben, possa vir a se tornar ham nos próximos séculos (1994,
p. 71).28

Isso posto, passo a casos que têm sido considerados exemplos de mudança no
português brasileiro para analisá-los a partir do entendimento de que a língua é um
sistema complexo, dinâmico e adaptativo.

7. Análise de fatos do português brasileiros considerados


como exemplos de mudança linguística

Como parte da cognição humana, a língua reflete alguns fenômenos cognitivos


gerais, que são essenciais para sua organização e seu funcionamento. Dentre eles,
destacam-se, para os fins de entendimento do que se considera a mudança linguística, o
arraigamento, a esquematização e a categorização (Langacker 1987, 2000; 2008).

O processo de arraigamento29 diz respeito ao fato de que a ocorrência de


qualquer experiência de evento psicológico cria algum tipo de atividade neural, que vai
servir como facilitador no caso de reocorrência de eventos psicológicos do mesmo tipo.
A repetição de eventos, mesmo no caso daqueles que têm um alto grau de
complexidade, acaba por gerar uma rotina, fazendo com que o evento seja percebido
como um todo, sem que haja necessidade de atentarmos, individualmente, para cada
etapa que o compõe. Nesse caso, a rotina ganha um estatuto de unidade30. Dirigir
veículos, por exemplo, acaba por se tornar uma atividade arraigada de nossa cognição.
No início, quando estamos aprendendo a guiar, precisamos prestar atenção a cada
movimento que fazemos, precisamos lembrar-nos de olhar para os espelhos retrovisor e
laterais, precisamos controlar a pressão que fazemos nos pedais de aceleração e breque,

28
A sílaba final de haben (ter) se reduziu a ponto de a vogal não ser pronunciada. Isso faz com que o
verbo seja pronunciado [habn], com uma consoante nasal [n] seguindo uma oclusiva vozeada [b]. Como o
alemão tem uma oclusiva nasal [m], pode-se conjecturar que, no futuro, uma eventual assimilação entre
nasal e oclusiva venha a transformar o verbo haben em ham.
29
Arraigamento traduz o termo entrenchment, do inglês. Muitas vezes, usam-se os termos automatização,
rotinização ou formação de hábito para a referência ao mesmo fenômeno.
30
O uso do termo unidade para fazer referência a essas rotinas cognitivas que emergem de nossa
experiência pode levar à interpretação equivocada de que o conjunto dessas unidades forme um “estoque”
de entidades prontas, guardadas em algum lugar, disponíveis para uso quando necessário. A ideia, no
entanto, não é essa. Como já foi ressaltado, não existe estaticidade no modelo que estamos discutindo
aqui. O modelo é totalmente dinâmico: tudo o que é considerado uma unidade ou estrutura cognitiva/
linguística e todas as relações entre elas residem em processamentos cognitivos, que, por sua vez, são
identificados com atividades neuronais (Langacker 2000, p.96).

28
precisamos controlar a retirada da pressão do pedal da embreagem, etc. Depois de
algum tempo, fazemos tudo isso automaticamente, sem atentar para cada um desses
detalhes. Só vamos voltar a considerar cada uma dessas etapas, caso algo saia da rotina
a ponto de chamar nossa atenção para alguma delas.

O arraigamento é um processo gradiente. A repetição de uma rotina tem sempre


um impacto positivo em seu grau de arraigamento, do mesmo modo que a falta de
repetição tem um impacto negativo. Quanto mais arraigada for uma rotina, mais ela vai
ter um estatuto de unidade.

A esquematização é um processo de abstração. A partir de várias experiências,


extraímos o que há de comum entre elas, para chegar a uma unidade de nível mais
abstrato. Por esse processo, a partir de cada situação ou evento que experienciamos,
retiramos aquilo que não é recorrente, para manter apenas aquilo que existe que é
compartilhado por todas as situações ou eventos. Por exemplo, todos nós temos um
esquema do evento de almoçar. Sabemos que esse é um evento de alimentação que
ocorre por volta do meio do dia. Se comemos ao meio-dia, à uma hora ou à uma e meia,
não faz diferença; se comemos arroz, feijão, bife, batata frita ou se comemos lombo de
porco com tutu de feijão e couve, não importa; se comemos sozinhos ou em companhia
de amigos e familiares, tampouco influi. Todos são eventos de almoçar.

Esquematização também envolve gradiência. Cognitivamente, operamos com


vários níveis de abstração. Podemos dar a nossas experiências diferentes níveis de
resolução ou de granularidade (Langacker 2000, p. 93). Isso significa que podemos ter
uma ideia bem genérica do evento de almoçar, mas podemos ter outras com maior nível
de especificidade, como almoçar com a família, almoçar no bandejão da universidade,
etc., ou mesmo ideias com altíssimo nível de especificidade como o meu almoço com o
Pedro ontem.

A categorização é a habilidade que temos de interpretar novas experiências


tomando por base estruturas cognitivas que já temos, em vários níveis de arraigamento e
esquematização. Trata-se de um caso particular de comparação entre duas estruturas:
uma nova, chamada alvo, e outra arraigada e esquemática, chamada padrão (Langacker
2000, p. 94).31 Uma criança que vive em São Paulo, por exemplo, tem mais experiências
com cachorros que com cavalos. De todos os cachorros que ele vê e com os quais ela

31
Enfatizo que essas estruturas não podem ser consideradas reificadas, ou seja, entidades de um conjunto
de representações. Elas são rotinas cognitivas associadas a atividades neuronais.

29
brinca, ela faz uma esquematização de um animal de quatro patas, com focinho
molhado, rabo – mas não muito mais do que isso! Como ela vê cachorros de diferentes
raças, cores e tamanhos, ela abstrai essas diferenças e cria uma estrutura esquemática de
cachorro, que ela associa com o signo auau. Quando ela vê um cavalo pela primeira
vez, sem saber bem que tipo de entidade é aquela, ela pode, num primeiro momento,
considerá-lo como um auau. Afinal, trata-se de um animal de quatro patas, com focinho
molhado e rabo! Aos poucos, à medida que sua experiência com cavalos for
aumentando – e que seus pais (ou seus cuidadores) e professores forem guiando seu
processo de conhecimento de mundo –, ela vai dar-se conta de que existem diferenças
entre cachorros e cavalos, e vai, então, passar a ter duas categorias: cachorro e cavalo.

Tanto quanto o arraigamento e a esquematização, a categorização também


envolve gradiência. No exemplo da categorização de cachorros e cavalos, acima, num
primeiro momento, apesar de a criança ter categorizado um cavalo como membro da
categoria cachorro, ela certamente percebeu que aquele novo membro não estava tão
próximo dos cachorros prototípicos com os quais ela costuma brincar; ele seria, então,
considerado um membro da categoria, mas estaria distante do protótipo. A psicologia
experimental tem demonstrado justamente que, de maneira geral, as categorias
organizam-se em torno de protótipos, que são os exemplares que contêm os atributos
mais representativos dos itens que formam a categoria e os atributos menos
representativos dos itens que não pertencem à categoria (Rosch 1999 [1978], p.191). Os
membros de uma categoria podem estar mais próximos ou mais distantes dos protótipos.
Se pensarmos em uma categoria como a das frutas, certamente a laranja vai estar
próxima do protótipo e o tomate vai estar bem longe dele, embora tanto laranja quanto
tomate sejam frutas.

Vejamos, primeiro, como esses fenômenos cognitivos se refletem na língua e,


em seguida, como se coadunam com o que foi dito sobre sistemas complexos,
dinâmicos e adaptativos.

A aquisição de língua envolve, necessariamente, a experiência com a língua.32 À


medida que a criança vai expondo-se mais e mais a eventos de língua e vai pondo a
língua em prática, mais e mais arraigadas vão ficando as rotinas associadas às

32
Como foi visto acima, mesmo teorias que concentram suas análises no estudo da langue, como o
estruturalismo, ou da competência, como a gramática gerativa, não ignoram a importância da parole para
a constituição da langue, no primeiro caso, e do input linguístico para o desenvolvimento da língua-I, no
segundo caso.

30
expressões linguísticas que ela experiencia. Assim é com o vocabulário, com as
estruturas fonológicas, morfossintáticas, semânticas e discursivas. O exemplo de auau
dado acima serve para mostrar o arraigamento de um signo linguístico que vem das
múltiplas experiências da criança com cachorros (ou imagens de cachorros), sempre
associadas ao som produzido pelos pais (ou outros cuidadores) no momento da
experiência. A criança automatiza o todo – auau – sem levar em consideração que se
trata de duas sílabas idênticas reiteradas.

Do mesmo modo, expressões como quer mais ou vai lá ou caiu nenê, com a
frequência de uso, tornam-se rotinas arraigadas e a criança passa a usá-las, sem se dar
conta das partes que formam essas estruturas linguísticas. Com o tempo, expressões
mais e mais complexas vão tornando-se rotinas arraigadas na prática linguística dessa
criança. Paralelamente ao arraigamento, a esquematização e a categorização vão
também entrando em ação. A partir da experiência com muitas ocorrências de
expressões como aquelas entre 3 e 7, a criança, já em idade um pouco mais avançada,
abstrai um esquema como aquele em 8, abaixo.

3. O bebê já almoçou.
4. O menino correu.
5. A criança dormiu.
6. O papai chegou.
7. A vovó saiu.
8. [SN [SV [V]]]33

Nesse caso, trata-se do arraigamento e da esquematização de um padrão de


sentença que a gramática geralmente chama intransitiva. O mesmo vai acontecer com
outros padrões de sentença. A partir da experiência com sentenças como aquelas entre 9
e 13, o falante faz uma abstração e chega ao esquema de sentenças comumente
chamadas transitivas, como em 14:

9. O menino chutou a bola.


10. A mãe beijou o nenê.
11. Meu irmão beliscou a menina.
12. A vovó amassou a banana.
13. O João tomou um sorvete.

33
SN é a sigla usada para referência a sintagma nominal; SV é a sigla usada para sintagma verbal; e V é a
sigla usada para verbo.

31
14. [SN [SV[V SN]]]

Um esquema como aquele em 19 abaixo vai ser formado a partir de instâncias de


uso de sentenças como aquelas entre 15 e 18. Trata-se aqui de um esquema de sentenças
com complemento preposicionado.

15. O Pedro esbarrou na menina.


16. A polícia atirou no ladrão.
17. O motorista bateu no muro.
18. A criança tropeçou na raiz da árvore.
19. [SN [SV[V SP34]]]

Esquemas como os exemplificados em 8, 14 e 19 são padrões – ou rotinas


cognitivas esquemáticas – que emergem a partir da interação entre os falantes em suas
práticas linguísticas diárias. Uma vez estabelecidos como abstrações dessas práticas,
eles vão servir como padrão de comparação para novas instâncias de usos linguísticos.
Tanto no que diz respeito à produção quanto à compreensão de novos enunciados, o
conjunto total ou partes deles vão ser avaliados em relação a unidades de língua já
arraigadas e esquematizadas. Entretanto, essa avaliação não significa que esses padrões
arraigados e abstratos devam ser entendidos como regras ou modelos categóricos que
precisam ser respeitados a todo custo. Nesse processo de categorização – ou de
comparação entre novos enunciados e padrões esquemáticos arraigados – duas
possibilidades podem ocorrer. A primeira delas é aquela em que a nova instância de uso
– o alvo – satisfaz em grande medida as especificações da estrutura categorizadora.
Nesse caso, dizemos que o novo evento de uso elabora ou instancia a estrutura
categorizadora (Langacker 2008, p. 17); ou dizemos que há uma sanção plena da
estrutura categorizadora em relação ao alvo (Langacker 1987, p. 66). 35 Sendo assim, ao

34
A sigla SP faz referência a sintagma preposicionado.
35
Na verdade, nunca existe uma identidade absolutamente perfeita entre a estrutura categorizadora e o
alvo, mesmo que a estrutura categorizadora tenha um nível baixo de esquematização. A fórmula de
cumprimento bom dia é uma estrutura arraigada de nosso sistema linguístico que tem um nível baixo de
esquematização (na medida em que existe enquanto tal – [bom dia] – e não como uma estrutura sintática
mais abstrata, como [SN Adj N]). Ela serve como estrutura categorizadora de todos os reais eventos de uso
da expressão bom dia. Por mais semelhantes que sejam esses eventos reais de uso da expressão bom dia e
a estrutura categorizadora, o evento real de uso é sempre mais especificado e detalhado que a estrutura
categorizadora. Imaginem, também, que eu aponte para uma figura geométrica e diga – Isto é um
triângulo. A conceitualização que estou fazendo daquele objeto para o qual eu apontei certamente é mais
rica e detalhada do que é a conceitualização semântica convencional do item lexical triângulo (Langacker
1987, p. 66-67). Isso reforça a ideia apresentada anteriormente de que cada ato de uso linguístico envolve
uma mudança, por menor que seja. Cada ato de uso linguístico ocorre em momentos diferentes dos
falantes, em ecologias diferentes, em ações diferentes.

32
deparar com um evento de uso como o exemplificado na sentença 20 abaixo e ao
compará-lo com o esquema arraigado em 8 acima, dizemos que 20 elabora ou instacia 8,
ou que existe uma sanção plena de 8 em relação a 20.

20. O professor riu.

A sanção plena entre uma estrutura categorizadora e uma instância de uso não
ocorre apenas com expressões já de uso frequente, como em 20. Neologismos também
podem servir como parte de estruturas que elaboram um determinado esquema.
Considerem os exemplos entre 21 e 24 abaixo:

21. Eu deletei o arquivo.


22. O professor escaneou o artigo.
23. Eu te escaipo algum dia desses.
24. O aluno xerocou o material.

Esses enunciados todos elaboram o esquema em 14 acima, embora todos tragam


exemplos de verbos novos do português. Deletar, escanear, escaipar e xerocar são
neologismos que surgiram do contato com o inglês, mas que elaboram esquemas
fonológicos, morfológicos e sintáticos já arraigados em nosso conhecimento linguístico.
Vejam, então, como a língua incorpora os neologismos: eles se adequam tanto
fonológica, quanto morfossintaticamente aos esquemas categorizadores da língua.36

A outra possibilidade é a de ocorrência de uma discrepância entre o novo evento


de uso e o esquema arraigado categorizador. Tomemos como exemplo as primeiras
ocorrências de uso da palavra barraco, com o significado de confusão. Todos nós,
falantes de português, já tínhamos um padrão de ativação, um esquema arraigado
associado ao signo barraco, cujo significado é o de casa pequena, precária, mal-feita e
bagunçada. Existe uma relação semântica entre os dois significados. O sentido de
confusão é uma extensão do sentido de bagunça e precariedade. Por hipótese, no início,
a cada uso de barraco com o sentido de confusão, os falantes continuavam a invocar o
antigo esquema de barraco, com o sentido de casa precária e bagunçada, para
categorizar as novas ocorrências que passavam a ser vistas como extensão do esquema
categorizador (Langacker 1987, p. 69). Com o aumento da frequência do uso de barraco
com o sentido de confusão esse signo com esse significado se tornou arraigado e

36
Por adequação fonológica e morfossintática, estou querendo dizer que os verbos do inglês,
primeiramente, passaram a ser pronunciados de acordo com os padrões do português; além disso, eles se
transformaram em verbos transitivos da 1ª conjugação (terminados em {-ar}).

33
ganhou estatuto de uma unidade linguística e de um novo esquema categorizador.
Entretanto, ele continua ligado à categoria de barraco com o sentido de casa precária e
bagunçada, como uma extensão que emerge dinamicamente a partir dela, constituindo
uma rede categorial que se chama categoria complexa. Categorias complexas, também
chamadas categorias radiais, são redes categoriais que se irradiam como extensões de
uma dada categoria e se entrelaçam umas com as outras. A categoria a partir da qual
outras categorias surgem por extensão passa a ser considerada o protótipo da categoria
complexa (Langacker 2000, p. 101).37

Aquilo que é tradicionalmente conhecido como mudança linguística se torna


notável quando há discrepâncias. À medida que novas ocorrências de uso apresentam
alguma discrepância em relação à estrutura categorizadora com a qual são comparadas e
à medida que essas novas ocorrências passam a tornar-se frequentes, novas categorias
surgem como extensões da categoria original, fazendo emergir grandes redes categoriais
e novos padrões de categorização. Langacker diz:

“I suggest that repeated applications of such processes, occuring in different


combinations at many levels of organization, result in cognitive assemblies of enormous
complexity. The vision that emerges is one of massive networks in which structures with
varying degrees of entrenchment, and representing different levels of abstraction are
linked together in relationships of categorizations, composition, and symbolization. I
believe that all facets of linguistic structure can be reasonably described in these terms.”
(2000, p. 95).38

Essas grandes redes categoriais parecem nem sempre envolver extensões de


caráter semântico, como no caso do exemplo de barraco, discutido acima. Um possível
exemplo de extensão motivada pela forma – ou seja, pelo significante – é o de novas
formações de particípios que vêm sendo observadas no português brasileiro (Chagas de
Souza 2011). Canonicamente, o particípio passado dos nossos verbos é formado com o
radical temático, ou seja, aquele que contém a vogal temática (amado, vendido,
partido), mais o morfema de particípio {-d} e mais o morfema de gênero e de plural, se
for o caso. Há, no entanto, certo número de verbos que aceitam uma segunda forma de

37
A partir desse exemplo, pode-se ver que, nesse modelo, toda metáfora é entendida como uma extensão
de padrões arraigados de uso com o qual forma uma categoria radial (Lakoff 1987).
38
“Sugiro que as repetidas aplicações desses processos, ocorrendo em diferentes combinações em muitos
níveis de organização, resultam em estruturas cognitivas de enorme complexidade. A visão que emerge é
a de massivas redes em que estruturas de vários níveis de arraigamento, e representando diferentes níveis
de abstração, estão ligadas em relações de categorização, composição e simbolização. Acredito que todas
as facetas da estrutura linguística possam ser adequadamente descritas nesses termos.” (Tradução minha).

34
particípio em que não há a presença da vogal temática, nem do morfema de particípio.
Esses particípios são chamados particípios atemáticos por Chagas de Souza. Exemplos
são os verbos pegar (pegado – pego); pagar (pagado – pago); ganhar (ganhado –
ganho), entre outros. O que tem acontecido no português brasileiro recentemente é que
verbos que tradicionalmente não apresentavam essa forma atemática de particípio têm
passado a apresentá-la na fala coloquial. Exemplos são chego (para chegar-chegado);
acho (para achar-achado); mando (para mandar-mandado); falo (para falar-falado);
compro (para comprar-comprado), como nos seguintes exemplos:

25. O João já tinha chego quando a Maria saiu.


26. A gente tinha acho que o Rui tava mesmo muito doente.
27. O gerente já tinha mando embora muitos empregados da fábrica.
28. Eu também tinha falo a mesma coisa pro Pedro.

Interessantemente, as formas atemáticas que, originalmente, eram restritas à 1ª


conjugação (verbos terminados em {-ar}), estão aparecendo também com verbos da 2ª e
da 3ª conjugações (verbos terminados em {-er} e {-ir}), como trago (para trazer-
trazido); peço (para pedir-pedido), como nos exemplos abaixo:

29. Eu teria trago tudo o que você precisava pra festa.


30. O Pedro tinha peço pra a gente comprar mais refrigerante.
Como observa Chagas de Souza, essas novas formas aplicadas a verbos da 2ª e
3ª conjungações indicam que a formação dos particípios atemáticos não pode ser
explicada como um caso de eliminação da vogal temática e do morfema de particípio.
Afinal, se fosse assim, deveríamos ter trazo e pedo, e não trago e peço. Isso sugere que
essas formas vêm da forma de 1ª pessoa do singular do presente do indicativo desses
verbos.

A explicação que Chagas de Souza oferece para esse fenômeno é a de que ele é
uma manifestação de um processo morfológico chamado sincretismo direcional. No
modelo que está sendo apresentado aqui, esse fenômeno pode ser explicado da seguinte
maneira. Uma rotina arraigada – ou um padrão de ativação – que é a 1ª pessoa do
singular do presente do indicativo de verbos da 1ª conjugação serve como estrutura
categorizadora para as primeiras e antigas instâncias de uso das formas hoje
consideradas canônicas dos particípios atemáticos, como pago, ganho, aceito. Essas
formas podem ser concebidas como extensões (não semânticas, mas formais) da 1ª
pessoa do presente do indicativo. À medida que essas formas estendidas se tornam mais
35
frequentes, elas tornam-se também mais arraigadas e ganham estatuto de unidade,
passando a servir como novas possíveis estruturas categorizadoras para formas
inovadoras de uso de particípio atemático de verbos da 1ª conjugação, como acho,
mando, falo, etc. Essas novas formas, por sua vez, à medida que se tornam mais
frequentes e mais arraigadas, podem passar a servir também como estrutura
categorizadora de formas de particípio atemático das outras conjugações verbais do
português. Trata-se, portanto, de uma grande e complexa rede de categorias – ou de uma
categoria radial – que emerge e se constitui dinâmicamente a partir do protótipo que é a
1ª pessoa do singular do presente do indicativo.39

Passemos, agora, à análise da formação de categorias sintáticas complexas,


como a que envolve as estruturas apresentadas entre 3 e 19 acima. Tradicionalmente,
estruturas como essas têm sido consideradas membros de categorias estanques, com
limites claros e bem definidos. Dentro dessa visão, por exemplo, uma abstração como
[SN [SV [V]]], em 8, corresponderia à categoria de sentenças chamadas intransitivas, e
uma abstração como [SN [SV[V SN]]], em 14, corresponderia à categoria de sentenças
chamadas transitivas diretas. Como foi discutido acima, essas categorias resultam de
um processo de esquematização de incontáveis instâncias de usos de sentenças
construídas com verbos que, no primeiro caso, pedem apenas um argumento
(tradicionamente chamados verbos intransitivos), e, no segundo, pedem dois
(tradicionalmente chamados verbos transitivos). Os verbos almoçar, correr, chegar e
sair são considerados verbos intransitivos, porque comumente constroem sentenças com
apenas um argumento, como nos exemplos 3, 4, 6, e 7 acima. Entretanto, sentenças
como as exemplificadas entre 31 e 34 abaixo têm sido atestadas no uso do português
brasileiro:40

31. A mãe já almoçou as crianças.


32. O professor correu os alunos para fora da sala.
33. O Pedro chegou o sofá até a janela.

39
Esse percurso aqui sugerido não pode ser entendido como uma sucessão de fases de limites discretos e
categóricos. Ele deve ser concebido como um processo altamente dinâmico e complexo, em que novas
formas vão aparecendo, tornam-se cognitivamente arraigadas para alguns falantes, atingem certo nível de
abstração, passam a servir como estruturas categorizadoras e se propagam até o nível comunal, num fluxo
contínuo. Também não se pode entender que, do momento que uma nova forma se torna arraigada, a
outra mais antiga deixa de servir como um padrão de ativação. Mais adiante, vamos ver que essas formas
similares vão agrupar-se em um feixe de atração, com alto poder de ativação, para o qual as novas
instâncias de uso vão tender a dirigir-se.
40
Ver Whitaker-Franchi 1989.

36
34. O homem saiu o carro da garagem.

Nesses exemplos, verbos prototipicamente intransitivos aparecem com dois


argumentos. Situação análoga ocorre com verbos prototipicamente transitivos usados
em sentenças em que aparece um único argumento. Alguns dos exemplos atestados no
português brasileiro estão entre 35 e 38 abaixo:41

35. Meu jardim destruiu todo.


36. O programa que eu queria não instalou.
37. O Luiz nunca torceu tanto pra um saque errar.
38. Não tem nenhum concurso que anulou por causa de mérito.

Fatos como esses se acomodam perfeitamente em um modelo dinâmico que


envolve grandes redes de categorias complexas e dinâmicas, como o que está sendo
apresentado aqui. Já vimos que os esquemas em 8 e 14 emergem, como uma rotina de
ativação, a partir do uso reiterado e frequente de enunciados como os que foram
exemplificados entre 3 e 7, e entre 9 e 13, respectivamente. Esses esquemas não são
abstrações apenas de uma estruturação sintática; eles são também abstrações de uma
conceitualização. No caso do esquema transitivo, ele carrega consigo um modelo de
conceitualização de eventos que partem de uma fonte de energia e afetam outra entidade
(Langacker 1991, p. 282-286). Quando dizemos O menino chutou a bola, o menino é
conceitualizado como a fonte de energia e a bola é conceitualizada como a entidade
afetada pela energia do menino. No caso do esquema intransitivo, trata-se de uma
conceitualização que envolve uma elaboração de evento mais baixa do que no caso da
conceitualização associada a um esquema transitivo (Kemmer 1993). Há apenas um
participante nesse evento, e ele pode ser, ao mesmo tempo, a fonte de energia e o
elemento afetado pela própria energia (como em O menino correu), como ele pode ser
apenas o elemento afetado (como em A criança dormiu).42

Esquemas como os em 8 ([SN [SV [V]]]) e 14 ([SN [SV[V SN]]]) são, então, duas
estruturas categorizadoras arraigadas, que podem sancionar novas instâncias de usos
linguísticos. Enunciados como os que foram exemplificados entre 31 e 34, em que
verbos que codificam eventos de baixa elaboração aparecem em sentenças transitivas,
envolvem uma extensão semântica dos verbos, que passam a conceitualizar também

41
Para uma análise dessas sentenças, ver Negrão e Viotti 2008, 2010, 2011a e 2011b.
42
Existem grandes diferenças conceituais entre esses dois casos, mas, para fins da argumentação feita
aqui, elas não são relevantes.

37
uma fonte de energia, adquirida do esquema categorizador 14, que eles elaboram. É por
isso que, diante de um enunciado como O homem saiu o carro da garagem, entendemos
que o homem foi a fonte de energia que fez com que o carro saísse da garagem.
Similarmente, enunciados como os que foram exemplificados entre 35 e 38, em que
verbos que codificam eventos de dois participantes aparecem em sentenças intransitivas,
explicitam outro tipo de extensão semântica dos verbos; desta vez, trata-se de uma
extensão pela qual esses verbos passam a codificar eventos autônomos, que não
envolvem uma fonte de energia. Isso faz com que, diante de um enunciado como Meu
jardim destruiu todo, interpretemos a destruição do jardim como tendo ocorrido
naturalmente, sem que alguma agentividade tenha sido responsável pelo evento.

Desse modo, esquemas como os em 8 ([SN [SV [V]]]) e 14 ([SN [SV[V SN]]]) são
protótipos que se estendem formando grandes categorias radiais que se conectam,
constituindo uma complexa rede de organizações cognitivas dinâmicas. Nessa grande
rede, padrões transitivos e intransitivos se encontram ligados de tal modo, que os limites
entre eles se tornam difusos. Transitividade, então, passa a ser vista como uma noção
gradiente, e não categórica.43

Dessa rede, faz parte também outro esquema, que é aquele exemplificado em 19
acima ([SN [SV[V SP]]]. A conceitualização associada a esse esquema é a de um evento
do qual participam dois constituintes, um deles a fonte de energia, e o outro um
elemento afetado. Entretanto, a ligação entre eles não é direta, mas se dá por meio de
alguma outra entidade (não necessariamente codificada). Um enunciado como O
motorista bateu no muro significa que o motorista bateu seu veículo no muro; ou,
quando dizemos A polícia atirou no ladrão, sabemos que foi uma bala, lançada por
meio de uma arma que afetou o ladrão.

Considerem, agora, os seguintes exemplos de enunciados atestados no dialeto


mineiro:

39. O cachorro mordeu no menino.


40. O policial chutou no estudante.
41. Eu machuquei no meu irmão.
42. A mãe beliscou no filho.
43
Hopper e Thompson 1980 discutem a gradiência da noção de transitividade, apresentando outros
fatores que influem na decisão do que é uma sentença transitiva. Entre eles, destacam-se a definitude ou
indefinitude dos sintagmas nominais que codificam os participantes do evento, seu nível de genericidade
em oposição a sua especificidade e o aspecto verbal.

38
Em todos eles, aparecem verbos prototipicamente transitivos. Mas, o esquema
que eles elaboram é aquele que envolve um complemento preposicionado, como em 19.
Ocorre, aqui, uma extensão semântica dos verbos, que passam a codificar eventos de
transferência indireta de energia: a conceitualização de morder, chutar, machucar e
beliscar é a de que a afetação do segundo participante do evento não é tão direta nem
tão extensa, como seria o caso, se tivesse sido usada uma estrutura transitiva. O
esquema 19 é, então, o protótipo de outra categoria radial que integra a grande e
complexa rede de conexões dinâmicas, de vários níveis de esquematização e
especificidade, e de vários níveis de arraigamento, que constituem as estruturações
sintáticas de períodos simples do português brasileiro.

O tratamento dos fenômenos linguísticos como uma rede de várias estruturas de


diferentes níveis de arraigamento e de esquematização dinamicamente conectadas se
adequa totalmente ao modelo de sistema complexo, dinâmico e adaptativo que
apresentamos. Primeiramente, dentro desse tratamento, todo o entendimento que se faz
do fenômeno linguístico parte de fatos que emergem da interação de idioletos e que são
dados reais de língua, não idealizações. Os dados de língua obtidos dessa interação são
fruto da intenção dos falantes de construir, em ação conjunta com seus interlocutores,
certa significação, relevante para os dois e adequada à ecologia em que se dá a
comunicação.

À medida que esses fatos de língua se tornam recorrentes em incontáveis


interações, eles tornam-se rotinas cognitivas que apresentam maior ou menor grau de
arraigamento. Dizer que algum dado de língua se torna arraigado não significa dizer que
ele é algum tipo de representação que fica estocada em algum lugar de nosso cérebro
para uso futuro. Ele torna-se, sim, comparável àquilo que, na teoria da complexidade, se
chama atrator (Langacker 2000, p. 96). Um atrator é uma determinada situação para a
qual um sistema complexo é atraído, que emerge a partir das condições iniciais do
sistema. Todo atrator é fruto das complexas interações que ocorrem dentro do próprio
sistema. Ou seja, atratores não são estabelecidos a priori, nem de fora para dentro, nem
para sempre. Eles são gerados pelo sistema, de acordo com a dinâmica do próprio
sistema (McGill 2007).

Como foi visto, sistemas complexos vivem não só das interações locais de seus
membros, mas dos padrões que emergem, no sistema, a partir delas. É isso o que vimos
quando tratamos da emergência de padrões abstratos, por meio de um processo de

39
esquematização que parte das instâncias de uso. Em sistemas complexos, a existência de
diferentes níveis no sistema não implica que esses níveis sejam diferentes em essência.
A esquematização não é outra coisa que não a atribuição de um estatuto cognitivo
particular ao que existe em comum a múltiplas experiências.

A esquematização pode ser comparada a uma bacia de atração (Langacker


2000, p. 97). Como foi visto, quando várias instâncias de experiência são frequentes
elas se arraigam, tornando-se atratores. Quando vários atratores são similares, eles se
mantêm muito próximos uns dos outros em um espaço do sistema chamado bacia de
atração.44 O uso repetido de instâncias similares vai facilitar a emergência dos padrões
comuns a todos os atratores dessa bacia. Um esquema pode ser descrito como essa
bacia, na medida em que ele captura o que há de comum entre todos os atratores.

A categorização de que tratamos acima não é outra coisa que não a captura de
uma nova ocorrência de experiência linguística por um atrator. A cada vez que o
sistema se defronta com uma nova instância, padrões já arraigados, de vários níveis de
abstração, são ativados. Quando um novo dado linguístico ativa e elabora um padrão já
arraigado – isso é o que vimos com o exemplo 20 em relação ao padrão em 8 – , ele é
atraído por esse padrão. Isso é equivalente a dizer que o novo dado linguístico é um
membro da categoria representada pelo padrão, que vai tornar-se mais arraigada, e, em
consequência, vai ganhar mais poder de ativação. Quando, por outro lado, o novo dado
linguístico é discrepante em relação aos padrões já arraigados, o sistema vai se auto-
organizar, estendendo os padrões de ativação já existentes até formar categorias radiais
e rearranjando as conexões de rede entre as categorias que o consitutem, para acomodar
aquela inovação.

Absolutamente todas as inovações são absorvidas pelo sistema. A mudança é a


vida do sistema. Portanto, a noção tradicional de que a mudança é estranha ao sistema
não se mantém na perspectiva da língua como um sistema complexo, dinâmico e
adaptativo.

Todas as mudanças começam a partir de interações locais e conjuntas entre


falantes que buscam a construção de alguma significação particular. Algumas mudanças
se propagam até o nível comunal; outras não. Isso vai depender do tipo de interação da
qual ela surgiu, de sua recorrência e das condições ecológicas em que o sistema se

44
Ver o exemplo dos particípios atemáticos discutidos acima.

40
encontra em um dado momento. Sua propagação até o nível comunal é guiada pela mão
invisível: quando ela ocorre, é um fenômeno totalmente não intencional, que, no
entanto, tem como fonte primária as interações intencionais dos falantes.

8. Considerações finais

Este capítulo teve dois objetivos. O primeiro foi o de apresentar e discutir a


noção de mudança linguística a partir da visão de língua de três consagradas teorias: o
estruturalismo saussuriano, a gramática gerativa e a teoria da variação. O que existe de
comum entre essas três teorias é que elas isolam a fala (ou a língua-E/performance) – os
fatos linguísticos que aparecem em interações comunicativas reais – da língua (ou
língua-I) – um sistema idealizado e estático. Mesmo a teoria da variação, que,
diferentemente dos outros dois modelos teóricos, dá grande importância ao uso da
linguagem, acaba por fazer da variação uma característica do sistema, que passa a ser
concebido não mais como homogêneo, mas como heterogêneo e ordenado.

Especialmente para o estruturalismo saussuriano e para a gramática gerativa, que


trabalham com noções idealizadas e estáticas de língua, a acomodação da mudança no
modelo não é tranquila. Afinal, mudança implica fatos históricos – não idealizações – e
dinamicidade. A teoria da variação não teria, em princípio, esse mesmo tipo de
problema. Entretanto, ao colocar a variação no sistema, acaba tornando-a idealizada e
estática, também.

O segundo objetivo foi o de apresentar um novo modelo de língua (e de


mudança) que tem surgido de discussões em foruns interdisciplinares. Segundo esse
modelo, a língua é concebida como um sistema complexo, dinâmico e adaptativo,
semelhante a todos os organismos vivos, desde os menores – pensem, por exemplo, em
quão complexos, dinâmicos e adaptativos são os vírus! – até os maiores; a todos os
sistemas sociais, como o mercado financeiro, por exemplo; e a sistemas físicos, como o
clima, por exemplo. Sistemas complexos, dinâmicos e adaptativos são sistemas que se
organizam sempre a partir interações locais entre membros integrantes do sistema, em
uma ecologia particular. Ao se repetir, essas interações – apesar de jamais serem
idênticas – acabam por se arraigar como rotinas do sistema. Essas rotinas se tornam
atratores, no sentido de que elas ‘puxam’ as novas instâncias de interação de membros
do sistema para si. Toda nova instância de interação apresenta alguma inovação em
relação a outras instâncias. Mas esses atratores têm, em geral, certo nível de abstração,

41
de modo que, várias vezes, não existe grande discrepância entre as novas instâncias
geradas pelas relações locais dos participantes do sistema e os atratores. Muitas outras
vezes, no entanto, as novas instâncias apresentam uma diferença um pouco maior em
relação aos atratores disponíveis. Um atrator então se estende para acomodar a nova
instância, fazendo emergir novas conexões entre a vasta rede de membros que
constituem o sistema.

Esse tipo de sistema é altamente dinâmico, na medida em que, a cada microação


local e conjunta de seus participantes, o sistema como um todo se reorganiza – nem
participantes, nem o sistema global, nem a ecologia em que o sistema se insere se
mantêm os mesmos. A mudança é inerente e necessária ao sistema para que ele se
mantenha vivo. Conceber a língua como um sistema complexo, dinâmico e adaptativo
nos leva, então, a conceber o que tradicionalmente se chama mudança linguística de
uma maneira bastante diferente da tradicional. A mudança passa a ser vista como
necessária à língua. Sem ela, a língua vai deixar de ser funcional, no sentido de que ela
não vai poder servir aos propósitos dos falantes.

A língua emergiu na espécie – se por adaptação ou exaptação, não vem ao caso –


para exercer um papel dentro de uma ampla e igualmente complexa ecologia. Entender
a língua como um sistema complexo, dinâmico e adaptativo leva à ideia de que, ao fazer
ciência da língua, é preciso, primeiro, não ignorar que a língua existe para um
determinado fim; e, segundo, não isolá-la da ecologia em que ela vive. Imaginemos
uma situação em que retiramos uma parte de um organismo vivo. O que sobra desse
organismo não pode ser considerado uma unidade significativa. A parte retirada,
tampouco. Quanto será que efetivamente podemos dizer sobre a parte retirada ou sobre
a parte restante, se uma sem a outra não vai ter, nem pode ter, o mesmo comportamento
ou o mesmo funcionamento que tinha antes de elas terem sido separadas (Bedford 2003,
p. 171)? Com a língua, é a mesma coisa. De acordo com o modelo de língua como um
sistema complexo, dinâmico e adaptativo, o isolamento de algumas de suas facetas para
estudo faz com que a possibilidade de análise do funcionamento do todo se perca e faz
com que a entendimento que venhamos a ter das facetas isoladas seja apenas parcial e
limitado.

Alguns exemplos do português brasileiro foram discutidos para ilustrar a


operacionalidade do modelo de língua como sistema complexo, dinâmico e adaptativo
para a análise de fatos da língua. O primeiro deles foi um caso de extensão metafórica

42
de um item lexical – barraco – que passa a significar confusão, além de casa precária e
bagunçada; a seguir, foi discutido um caso de extensão de formas morfológicas, relativa
a inovações nas formas de particípio passado; por fim, foi feita uma proposta de análise
para a formação da complexa e dinâmica rede de conexões que se estabelecem entre os
protótipos de sentenças simples.

Ao encontrar fatos inovadores da língua, como os que foram apresentados aqui,


deve-se vê-los não como ameaças à língua, mas sim como exemplos de sua riqueza, da
maleabilidade que ela tem para realizar sua função, da sua presença na construção das
experiências daqueles que a usam, de sua força vital. Afinal, língua é uma forma de
vida!

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