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EDITORA DA lJNIVERSIDADE .fEDERAl DO ESPfRITO SANTO


Libânia Xavier
Av. Fernando Ferrari, 514- CEP 29075-91 O- Goiabeiras- Vitória-ESTe!:
(27) 3335 7852 ediufes@yahoo.com.br- livrariaufes@npd.ufes.br Elomar Tambara
EOUFES Antonio Carlos Ferreira Pinheiro
(Organização)
REITOR I Rubens Sérgio Rasseli
VICE-REITOR I Reinaldo Centoducate
SECRETÁRIA DE PRODUÇÃO E DIFUSÃO CuLTURAL I Rosa na Lúcia Paste
CooRDENADORA DA EouFES I E/ia Marli Lucas

CoNSELHO EDITORIAL

Cleonara M. Schwartz - Fausto Edmundo Lima Pereira


João Luiz Calmon Nogueira - José Armínio Ferreira
Cilvan Ventura da Silva - Mareio Paulo Czepak
Sandra Soares De/la Fonte- Waldir Cintra de Jesus Junior
Wilberth Clayton Ferreira Salgueiro -José Francisco Bernardino
Freitas e Rosana Lucia Paste
HISTÓRIA DA
PROJETO GRÁFICO- CAPA E MioLo
REVISÃO I Afina Bonella
I Denise R Pimenta -
EDUCAÇAO NO BRASIL:
MATRIZES INTERPRETATIVAS, ABORDAGENS
E FONTES PREDOMINANTES NA PRIMEIRA
Dados Internacionais de Cata logação-na-publicação (CIP) DÉCADA DO SÉCULO XXI
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

H673 História da educação no Brasil: matrizes interpretativas, abordagens


e fontes predominantes na primeira década do século XXI
I Libânia Xavier, Elomar Tambara, Antonio Carlos Ferreira Volume 5
Pinheiro (organização).- Vitóri a : EDUFES, 2011.
377 p.: il. -(Coleção Horizontes da pesquisa em história da
educação no Brasil ; v. 5)

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-7772-077-4

1. Educação - Brasil - História - Séc. XXI. 2. Pesquisa


educacional. 3. Educadores. I. Xavier, Libâni a Nacif. 11. Tambara,
Elomar. 111. Pinheiro, Antonio Carlos Ferreira. IV. Série.
§
EDUF"ES

CDU: 37(81 )(091)


ViTÓRIA
2011
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO 8 KA.S it: MATRIZES INTERPRETATIVA'\$, ABO RDAGENS~ E I'ONTfS PREOQ.\11NANTES NA PRIMEIRA Dl CADA DO S~CUlO XXI

fONTES E MÉTOOOS NA HISTÓRIA DA


EDUICAÇÃO

E/amar Tambara
Avelin o Rosa O liveira

O objetivo deste trabalh<O é debater alguns aspectos das


novas fontes e métodos na hi sttóri a das institui ções educativas na
área da hi stória da ed ucação. Em verdade, essa é uma temática
que cicli camente tem retorrn ado ao âmbito da discussão
acadêmica reforça ndo a ide ia1 de que os pesquisadores, apesar
de seus esforços, não têm co 1nseguido clarear suficientemente
essa questão a ponto de tra1nqui li za r-se em re lação a novos
proced imentos teórico-metO>do lógicos que co nstantemente
lhe são oferecidos em sua prá ti ca investigativa.
A ri gor, essa inseguramça não é um privil égio das
inovações ou mesmo dos "1modismos" que frequentemente
caracteri za m a "originalidadle" do mundo acadêmico, mas
reflete a natureza epistemmlógica relativamente complexa
e contraditória que identifica a pesquisa científica a partir
da modernidade. lntrincadats e desafi adoras interrogações,
reincidentemente, têm povoa1do o imaginário da maiori a dos
pesquisadores na área de hiistória de educação, a começar
pela sua própria identidade. 1Mas nenhuma, com tanta ênfase
como os estranhamentos ideológicos que questionam o papel
da causação na história e o <da possibilidade de neutralidade
axiológi ca na relação investigador/investigado.
Fazendo uma interpretaçã1o reducionista das possibilidades
de inserções dos investigadores em relação a esses
posicionamentos, os estudiostos os têm rotulado em categorias
dicotômicas tipo: realistas vewsus idealistas, positivistas versus

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COLEÇÃO HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL -vol,me 5 HI STÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASI L: MATRIZES INTE RPRETATIVAS, ABORDAGENS E fONTES PREDOMINANTES NA PR IMEIRA D~CAOA 00 S~CULO XXI

antipositivistas ou lógico-empi ris tas versus hermeneutico- Em contrapartida, os positivistas acreditam que há
dialéticos. regularidades que podem ser estabelecidas no comportamento
Entretanto, nunca é demais ter em mente as advertências humano. Nesse sentido, a técnica do historiador é elaborar
propugnadas por Bourdieu em relação a determinados instrumentos para apreender as leis gerais que o explicam.
artificialismos que de prático apenas configuram a construção Tradicionalmente, os procedimentos epistemológicos
de um pseudointelectualismo de alguns autoidentificados tendem a dicotomizar-se entre investigadores mais
como detentores do conhecimento tido como verdadeiro e aproximados ao marxismo ou dele distanciando-se. No caso
obviamente identificadores dos falsos conhecimentos. do primeiro paradigma, é preciso ponderar que sua evo lução
teórico-metodológica tem contribuído para o surgimento de
O ensino perpetua e ca noni za oposições fictícias entre
novas perspectivas que têm reiluminado as investigações na
autores (Weber/Marx, Durkheim/Marx, etc.), entre métodos
(quantitativo/qualitativo, macro-sociologia/micro-sociol ogia, área de história da educação no sécu lo XXI.
estrutura/h istória, etc. ) entre concei tos, etc. Se, como todas as Sem dúvida, é um neomarximo redivivo e com novas
falsas sínteses de uma teoria sem prática e todas as prevenções potencia lidades como já, há bastante tempo, nos sinalizava
esterilizantes e inúteis de uma metodologia sem conce itos,
estas operações de catalogação são muito úteis para afirmarem Maurice Godel ier (19 97, p. 22):
a existência do professor, co locado ass im ac ima das divisões
por ele descritas, é sobretudo como sistemas de defesa contra Diferentemente do marxismo habitu almente praticado e que
os progressos verdadeiros da ciência, que ameaçam o falso rapidamente se torna materialismo vulgar, afirmamos que
saber dos professores, que elas funcionam (BORDIEU, 1989, Marx, desde o momento em qu e distinguiu infraestrutura e
p. 46) superestrutura e supôs que a lógica profunda das soc iedades e
da sua hi stóri a dependia em última aná li se das transformações
da sua infraestrutura, não fez outra co isa senão por pela
Apesar dessa advertência, de modo gera l, as matrizes que primeira ve z em evidência uma hierarq uia de distinções
orientam os diversos paradigmas da aná li se histórica podem funcionais e de ca usalidades estruturais, sem nada conj ecturar
efetivamente ser divididas, para efeito de aná lise acadêmica, acerca da natureza das estruturas que, em cada caso, tomam
a seu cargo estas fun ções (parentesco, política, religião ... )
em positivismo e historicismo caracteri zados pela priorização
nem do número de fun ções que uma estrutura pode suportar.
da vontade ou da causalidade. Segundo Rudiger (1991, p. 20):

Devido à importânc ia do paradigma marxista, particularmente


O historicismo tomou partido pela primeira, afirmando o
primado da compreensão do significado das ações humanas, na área de história da Educação, pois seguramente, em termos
dotado de liberdade, no método histórico. O positivismo, ao teórico-metodológicos, este continua como a referência ou de
contrá rio red uziu o conhecimento histórico a relações de assunção ou de contestação, mesmo de forma subliminar, faz-
causa lidade, cuja descoberta resume a tarefa do historiador.
Para o primeiro, o mundo histórico constitui uma rea lidade se importante caracterizar nosso entendimento da construção
própria que condiciona e distingue as ciências históricas histórico-social elaborada por Marx.
de ciências humanas, enquanto para o segundo as ciências Todo o empenho intelectual de Karl Marx (1818-
apresentam uma unidade metodológica, que se aplica a
1883) pode ser resumido como a busca incessante de
qualquer matéria.
uma elaboração teórica consistente, capaz de justificar
racionalmente a luta pela superação do modo de produção
capitalista. Evidentemente, uma tal crítica ao modelo de

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COLEÇÃO HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL - wlume 5 HI STÓRIA OA EDUCAÇÃO NO B RASIL : o\.V..TRIZES INTERI'RETATIVI'\51 ABOROAG[NS [ FONTES PRWOI>UNANTES N A PRIMEIRA O~Cr\OA DO S~CU LO XXI

sociabi Iidade vigente jamais poderia ser ex itosa senão dinâmica da complexidade. Em re lação ao desenvolvimento
alicerçada num modelo metodológico sólido que pudesse do raciocínio aí apresentado, pode-se afirmar que há três
sustentar inabalavelmente sua legitimação. Essa é a razão passos importantes, perfeitamente articulados entre si, a saber:
pela qual a preocupação com as questões de método foi uma a determ inação do caráter soc ial das relações econômicas,
co nstante ao longo da obra marxi ana, levando-o, mais de uma a apresentação da arti cu Iação lóg ica entre as categori as
vez, a abandonar empreendimentos teóricos e hercúleos ao econômi cas e, finalm ente, a exposição do método em sua
convencer-se de sua fragilidade metodológica. Dentre as obras formulação mais acabada.
interrompidas por motivos principalmente metodológicos, Como resultado da argumentação procedida nos do is
destacam-se os Manuscritos econômico-filosóficos (1844), passos iniciais, Marx (1982, p. 13) chega ao resultado de que
os Grundrisse (1857-1858) e os Manuscritos econômicos de todos os momentos do processo econôm ico, ou seja, produção,
1861-1863. distribuição, troca e consumo são " [... ] elementos de uma
Da importância que assumiu a questão metodológica na totalidade, diferenças dentro de uma un idade". Ademais isso
elaboração teó ri ca de Marx decorre também seu constante não ocorre unicamente no caso da Economia Políti ca. Desse
recurso a Hegel, a despeito de ter sempre mantido uma re lação mesmo modo deve ser investigado "qualquer todo orgâ nico"
bipolar com a obra desse pensador. Desde o rompimento com (MARX, 1982, p.14). Ass im, embora o terce iro passo da
os companheiros do Doktorclub, passando pelos inúmeros argumentação marxiana na Introdução aos Grundrisse sej a
estudos críticos de obras hegeli anas, até a utilização cr iativa intitul ado espec ifica mente "O M étodo da Economia Po lítica",
do modelo hegeliano como base argumentativa de seus é legítimo concl uir que os rac iocín ios metodo lóg icos ali
principais escritos, Marx equilibrou-se entre a atração pela desenvolvidos são adequados para a investigação de qualquer
força filosófica do método dial ético e o receio de ser tragado realidade complexa. Pode-se, portanto, co mpreender o
pelo idealismo do mestre. método da Economi a Política como o método da Educação,
M arx co meça a desenredar o problema metodológico da Históri a, da Socio logia, etc.
especialmente a partir das obras Miséria da filosofia e Manifesto Passemos, pois, a acompanh ar esse desenvolvimento. M arx
do Partido Comunista. No enta nto, é na Introdução aos ini cia a expos ição do método afirmando que, ao começarmos
Grundrisse' que alca nça a consistência metodológica que lhe o estudo de uma realidade pelo todo, pareceria que estamos
permitirá a abordagem do sistema do cap ital como articul ação arrancando do rea l e concreto.

Quando estudamos um dado país do ponto de vista da


1 Este texto fo i escrito de fins de agosto a meados de setembro de 1857. Com
ele M arx inicia os apontamentos feitos ao longo dos anos de 1857-58 e que Econom ia Políti ca, co meçamos por sua população, sua
somente fora m publicados em conjunto no ano de 1939. A esta pub licação div isão em cl asses, sua reparti ção entre cidades e ca mpo, na
os editores do Instituto Marx-Engels-Lenin atribuíram o título Crundrisse der orla marítima; os diferentes ramos da produção, a exportação
Kritik der politischen Okonomie (Rohentwurf). O mesmo escrito apa rece numa e a importação, a produção e o consumo anuais, os preços das
edição em língua portuguesa, na coleção Os Eco nom istas, da Abril Cu ltural, merca dori as etc . Parece que o correto é começar pelo rea l e
onde é apresentado como introdução a Para a crítica da economia política pelo concreto que são a pressuposiçãd. prévia e efetiva; assim,
(Zur Kritik der politischen Okonomie), obra redigida por Marx entre agosto
em Econom ia, por exemplo, começa r-se-ia pela popul ação,
de 1858 e j aneiro de 1859. No presente traba lho, embora tendo consu ltado
que é a base e o sujeito do ato socia l de produção como um
diversas edições, optamos por fazer as citações a partir da edição de O s
Econo mistas. Entretanto, diferentemente do modo como o texto é apresentado todo (MARX, 1982, p. 14).
pela Ab ril Cultural, referimo-nos a ele como Introdução aos Crundrisse.

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COLEÇÃO HORIZONTES OA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL · volume 5 Hi STÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: ,\\ATRIZES INli Rt'RfrATIVAS, ABORDAGENS E FONTES PREDOMIN ANTES NA PRIMEIRA D~ CADA DO S~CULO XX I

Em primeiro lugar, destaquemos que a referência feita por apreensão sincrética do todo como representação caótica,
Marx ao começar o estudo pela população, como o "real e é necessário ir a.diante para um processo de determinação
concreto" ou "sujeito do ato social da produção como um mais precisa da realidade, ou seja, é preciso o passo da
todo", dirige-se à prática costumeira da Economia Política de análise, o momento da decomposição desse todo em aspectos
então e tem o objetivo de demonstrá-la como equivocada. constitutivos cada vez mais simples. Mas qual é o resultado
Não é casual, portanto, seu recurso à categoria hegeliana do alcançado pela aná lise? Segundo Marx (1982, p. 14), "[ ...]
"aparecer". Na verdade, esse todo que se tem como primeira chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto
visão do real, na medida em que é uma apreensão sincrética, idea li zado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até
imediata, não pode ainda ser considerado conc reto. Ou, atingirmos determinações as mais simples".
dito de outro modo, o todo que se tem nesse primeiro Parece surpreendente, mas o particular, o caso, o
momento é tão somente um abstrato, carente das mediações e indivíduo, o fragmento, ou seja, o "cada vez mais simpl es"
determinações conceituais capazes de torná-lo compreensível. equivale a "abstrações cada vez mais tênues". Dito de
"A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo, outro modo, os fatos ou rea lidades mais particulares, que o
as classes que a compõem" (MARX, 1982, p. 14). O todo senso comum costuma identificar como o "con creto" são,
sincreticamente apreendido, ainda indiferenciado quanto a certamente, abstrações. A análise, na medida em que im plica
seus momentos constitutivos, permanece meramente no nível a particularização e o isolamento dos elementos mais sutis de
do co ncreto empírico. Assim como, num primeiro movimento qualquer realidade socia l, exige a categor ização por conceitos
analítico, descobre-se a população dividida em classes abstratos e permanece na impossibilidade de estabelecer
sociais, do mesmo modo, estas últimas são incompreens íveis, os nexos e relações que permitiriam recompor a complexa
sem a investigação de elementos como o trabalho e o cap ital. estrutura da sociedade.
É possível a Marx (1982, p. 14), portanto, concluir que o Desse modo, já se podem prever os próximos passos que
chamado todo de onde costumeiramente parte a Economia precisam ser dados. A superação dos limites da economia
Política, embora "apareça" imediatamente como real e políti ca tradicional e a estruturação de uma ciência capa
concreto, é, na verdade, um abstrato desordenado ou, melhor de dar a entender a intrincada rede de correlações do capita l
ainda, "[ ... ] uma representação caótica do todo". exigem duas cond ições: por um lado, é mister alcançar
Não se pode, entretanto, desconsiderar apressadamente o reordena mento das determ in ações abstratas resu ltantes
aquela representação caótica. Assim como nas mitologias do caminho analítico, de acordo com a própri a lógica
e cosmogonias pré-filosóficas, o caos configura-se como imanente a esta rede conceitua l; por outro lado, impõe-se
vazio obscuro e ilimitado, o abismo que precede e propicia o redimension amento da noção de concreto, superando a
a geração do mundo. No caso marxiano, ele constitui-se precari edade do concreto emp íri co, imediato. Voltemos, pois,
no ponto de partida do processo cognoscitivo. Uma vez a acompanhar o texto marxiano, no enca lço dessas duas
identificado o pretenso concreto apenas como ponto de facetas do problema.
partida da representação, como material bruto, impõe-se um Uma vez alcançado, como resultado da análise, o
passo analítico, capaz de determinar com a máxima precisão completo esquadrinhamento da realidade em estudo, ou seja,
seus elementos constituintes. Para Marx, iniciando-se pela tendo procedido ao exame minucioso de cada aspecto que

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COLEÇÃO HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL - V<Jiume S HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: MATRIZES JNnRPRfTATIVAS, AIIOROAGEN5 E fONTES f'REDOMINANTES NA PRIMEI RA Di!CAOA DO SJ!CU LO XXI

configura o todo que se almeja compreender, " [... ] teríamos especialmente em O Capital, esse caminho é sempre feito de
que voltar e fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo tal modo que a realidade é apreendida em seu movimento
com a população, mas desta vez não como uma representação hi stórico-soci al, como fluxo de relações, nunca como eventos
caótica de um todo, porém como uma rica totalidade de estáticos ou seres definitivos. Com relação a isso, não se pode
determinações e relações diversas" (MARX, 1982, p. 14). Dito subestimar a potencialidade epistemológica da metáfora de
de o utro modo, é preciso agora recompor o todo, reunir os Heráclito, segundo a qual não pode um homem banhar-se
diferentes elementos num todo coerente, articulando toda a duas vezes no mesmo rio. Certamente, Marx extra i dessa matri z
comp lexa rede de relações entre os diferentes momentos. Isso di alética alguns importantes princípios que são inco rporados
significa que é preciso ir além da análise e enfrentar o passo à sua concepção de método. Em primeiro luga r, co nhecer
da síntese. As correl ações sugeridas por M arx demonstram não é o lhar o rio a parti r da margem, mas nele ba nhar-
que, efetivame nte, a articu lação das categorias abstratas, sob se, partic ipando completamente de sua dinâmica. Nessa
seu princípio ordenador, e a co mpreensão mais acurada da perspectiva, não há um sujeito completamente d iferenciado
noção de concreto co nstituem-se em partes de um mesmo do objeto e que o investiga desde fora. Pe lo contrário, o
prob lema. De fato, a "viagem de modo inverso" visava a suj eito está desde sempre mergu lhado na rea lidade, sendo ele
tomar as categorias abstratas resultantes do passo ana líti co e próprio um ser hi stórico-soc ial. Em segundo luga r, o ri o em
inter-relacioná-las como momentos de um único processo, que hoje mergu lhamos não é o mesmo de ontem. Entretanto,
co nstituindo, por meio do pensamento, uma totalidade não é também absolutamente outro; seu leito e seu curso
diferenciada e ricamente determinada. "O concreto é co ncreto determin am sua constância. Do mesmo modo, a rea lidade
porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade social é sempre d inâm ica e irrepetível no curso da história,
do diverso" (MARX, 1982, p.14). O ca minho da síntese, entretanto referências como a produção soc ial da ex istência, a
pelo fato de articular as catego ri as abstratas em uma rede de relação opress iva de classes, etc., permitem o estabelecimento
reflexão, confere-lhes sentido determinado dentro da o rdem de compreensões gerais. Em terce iro lugar, fato semelhante
da tota lidade. Assim, o todo imedi ato, o concreto empíri co ocorre co m aquele que se banha no ri o; hoje não é mais o
imediatamente apreendido é superado no co ncreto sintético. mesmo de ontem, sem, no enta nto, ser absolutamente outro.
Em suma, o núcleo fundamental do método em M arx é a Concluído o texto esboça do como Introdução aos
apreensão da realidade como unidade do diverso numa rede Crundrisse, a próxima alusão de M arx à questão do método
de relações, ou seja, como totalidade complexa multipl amente somente ocorrerá em j aneiro de 1873, no Posfácio da segunda
determinada. Tal apreensão, no enta nto, não ocorre de modo edição alemã de O Capital. Nesse texto, buscando esclarecer
imediato, sendo necessário fazer incidir sobre a rea lidade os leitores quanto aos elementos necessários para a correta
empírica capturada si ncretica mente os momentos de análise e compreensão de sua obra, adverte quanto à necess idade de
síntese. Somente ass im o real é apreendido, para além de sua se fazer distinção entre " método de exposição" e " método
aparência imediata, como tota lidade co ncreta. de pesquisa". Se, por um lado, tal discriminação é apenas a
É preciso ainda acrescentar outro importante elemento parti cularização dos passos de análise e síntese, por outro, tem
para a adequada compreensão da dinâmica metodológica rel evâpcia como sinalização quanto à forma de apresentação
de M arx. Lembremos que, nos estudos do próprio autor, dos resultados de investigações científicas. Assim, refere-

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COLEÇÃO HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL- volume 5 H ISTÓR IA D A EDUCAÇÁO NO B RASIL: MATRI ZES INTERPRH ... TIVAS, AOORDAGENS E FO NTES PR EDOMIN ANTES N A f'RIM EIRA D~CADA DO slCUI O XX I

se primeiro ao método de pesquisa, afirmando ser este o O ataque das elites aos redutos do progressismo que marcou
a trajetória do séc ul o XX, além de ter buscado mostrar a
momento de " [ ...] captar detalhadamente a matéria, anal isar as
inviabi Iidade do marxismo nos mais variados aspectos,
suas várias formas de evo lução e rastrear sua conexão íntima" atingiu igua lmente um campo em que ele tem sido acatado
(MARX, 1983, p . 20). É essa decomposição do todo em suas e respeitado, inclus ive por intelectuais que nunca fizeram
partes constitutivas e seu estudo detalhado e minucioso, ou dele um cam inho de militância política: referimo-nos aq ui ao
marx ismo como metodo logia váli da para se compreender a
seja, é a "análise" que possibilita qu e o pesquisador apreenda rea li dade (LO PEZ, 1997, p. 13 ).
a rea lidade em todos os seus pormenores e compreenda as
múltipl as correlações que se estabelecem no seu interi or. Em termos teórico-metodológicos, d isputam co m as
Outra co isa, entretanto, é a expos ição. "Só depois de reco nstruções neomarxistas novas formatações decorrentes
concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente de novas sínteses ep iste mo lóg icas derivadas da evo lu ção
o movi mento rea l" (MARX, 1983, p. 20). E essa apresentação de estruturas arg umentativas vincu ladas à " nova hi stó ri a",
terá ago ra a forma da "síntese", evitando que o leitor se perca de modo espec ial, descolando-se de um pos ic io namento
entre a infinidade de dados, detalhes e determinações simpl es ali enado muitas vezes identificado com esse paradigma por
levantadas, a fim de melho r conce ntra r suas atenções no seus críti cos.
movimento da totalidade. Evidentemente, tal procedimento Lopes (1 997) assoc ia a " nova hi stóri a" à co nso li dação de
enqu anto reso lve um problema, pode trazer outro. Por isso, um a nova ordem mundial caracteri zada pela globa li zação,
M arx (1983, p. 20) adverte: "[ .. .] caso se consiga isso, e cuj o paradigma ep istemo lóg ico está co nsubsta nc iado no
espe lh ada idealmente agora a vida da matéria, talvez possa neo li berali smo e, em última, na análi se na pós-modernid ade.
parecer que se esteja tratando de uma construção a priori". Categori as, segundo ele, q ue co mpori am a compreensão
Ou seja, uma vez que o leitor não é forçado a passa r pelo teórico-metodo lógica da " nova hi stó ri a".
penoso traba lh o de análise da matéri a e tem ago ra di ante dos
o lhos o concreto exposto como tota lidade, pode parecer-lh e, Instrumentali zada para dotar as pessoas de uma vi são
erro nea mente, que não há base empíri ca suficiente a lastrea r ab rangente e consc ienti zadora, a históri a, sob o rótu lo
de nova hi stó ri a, também se co locou a serviço da 'nova
a síntese. Por isso, é forçoso que a exposi ção tenh a, sim, a
ordem', retrocedendo de estudos abrangentes e po liti zados,
fo rm a da síntese mas qu e, simu ltaneamente, poss ibilite ao mostrando o homem como agente das transform ações, para
leito r o acesso ao material investi gado sob a form a de análi se, estudos inócuos sobre o cotidi ano do passado, tornando-se
uma inofensiva vi agem no tempo, acumul ando informações
no momento da pesquisa. Esse foi o procedimento de M arx,
curiosas, atraentes, circunstancialmente úteis e, o que é o
por exemplo, na obra O capital. principal, vendável para o grande mercado editorial. Com seu
Não restam dúvidas de que no iníc io deste novo séc ul o, tom saboroso, literário, mesclando o informal e o acadêmi co
ressurgem com força novas co nstruções ep istemo lógicas e tangenciando o folclórico a nova hi stória ex imiu a ciência
históri ca de suas responsabilidades políticas (LOPES, 199 7,
que intentam reconstruir o marxi smo numa perspectiva não p. 13).
dogm ática. Nesse sentido, pode-se antever uma ac irrada
disputa dentro do próprio paradigma e deste com outros, em Portanto, é preciso considerar a pertinência da utilização
termos de reconhecimento acadêmico e de modo especia l de acrítica desses novos paradigmas, que, de maneira geral,
eficácia teóri co-metodológ ica. construindo uma "crise dos paradigmas", descontrói a ação

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COLEÇÃO HORIZONTES DA PESQU ISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL- volome 5 HiSTÓRI A DA ED UCAÇÃO NO BRAS IL: MA TRIZES INTERPRETATIVAS, ABORDAGENS E rO NTES PREDOMINANTES N A PRIMEIRA D~CAOA 00 StCUlO XXI

de instrumentos teórico-metodológicos tradicionalmente distanciam da dualidade original, incorporando elementos


vinculados aos elementos concretos da sociedade e, de modo que identificam um caráter mais purista ou mais eclético.
geral, aos seus conflitos. Nesse sentido, procura, por meio de Em termos epistemológicos, é preciso ter cuidado com
uma exegese com efetiva densidade teórica, revelar o que há a tentação de enveredar por um "vale-tudo científico" com
no fundo da realidade aparente. fortes repercussões negativas na necessária densidade teórica
A rigor, em muitos dos novos métodos e teorias que os diversos constructos investigativos devem ter. Como
epistemológicas que embasam está subsumida uma crítica bem nos alerta Brandão (19 98, p. 11 0):
ao caráter "holi sta" com que as posturas "modernas", de
modo geral, estruturaram suas metanarrativas. Entretanto, essa A aproximação dos ca mpos di sc iplinares potenc iali za da
nesta década vem apresentando outros problemas que estão a
é justamente o que diferencia, a priori, o que poderíamos exi gir qu e nos encontremos ca da vez mais alertas qu anto aos
compreender como "teoria da inércia" em contraposição à riscos do fascínio pelas novidades acadêmi cas. E entre elas
"teoria da ação". estão, seguramente, as novas roupagens, os novos objetos e
as novas abord age ns em Hi stóri a da Educação, ass im como o
A ênfase do primado do indivíduo na an álise dos
trânsito fác il pela antropologia e literatura.
problemas de pesquisa habitualmente predominantes na área
da história da educação tem contribuído para minimizar e
Em verdade, o que precisa ser plasmado é que qualquer
mesmo margina lizar fenôm enos, como dominação de classe,
das atitudes epi stemológicas está eivada de Iimitações e
exploração socia l, e o próprio conceito de classe social,
que naturalmente condu zem o investi gador a determinados
desconhecendo ou relevando as intencionalidades inerentes
resultados.
ao papel historicamente desempenhado pelo aparelho escolar
Nesse aspecto, penso que a principal necessidade é que o
no processo de constituição social das sociedades.
pesquisador tenha presente o efetivo alca nce do in strumental
A primazia dada à utilização de elementos teóricos
teóri co-m etodológi co que está a utili za r.
metodológicos voltados prioritariamente à análise de
Obvi amente, essa compree nsão lhe oportuni za ri a distinguir
microrrealidades, como corriqueiramente é característica de
e "perseguir" as fontes ca pazes de respaldar os elementos
muitos novos paradigmas, tem limitado o alcance do horizonte
analíticos em investigação, priori za ndo ou não novas fontes e
teórico dos investigadores que os utilizam e, de modo especial,
novas estruturas interpretativas.
tem obliterado a responsabilidade política desses intelectuais.
Como analisa De Certeau (1975), os estudos históricos
A partir dessa dualidade inicial, é que se estabelecem as
remetem a condições sociais determinadas que fixam os
d iversas correntes e tendências que configuraram o espectro
termos a pesquisar, os enfoques possíveis, as técnicas de
metodológico no campo da história e da história da educação
pesquisa, a concepção teórica do historiador.
em particular, derivando através de eventuais combinações as
É preciso ponderar que a tecnologia de per se é portadora
interpretações marxistas, hermenêuticas, dialéticas, da nova
de ideologia. Assim as ditas novas tecno logias representam
história, neopositivistas, reconstrutivistas, pós-modernistas,
também um novo processo de percepção da história e, que,
etc.
portanto, a reconstrói a seu modo.
A rigor, tais premissas interpretativas encaminham
É importante avaliar o papel da estrutura narrativa no
para posicionamentos analíticos que se aproximam ou se
processo de construção do discurso histórico. Há aqui uma

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HISTÚRIA DA EDU CAÇÃO NO BRASIL: MATRI ZES INTEII.PRETATIVA$1 ABOROAG<NS E FONTES PRE DOMINANTES NA I'RI.~IEIRA O~Co\OA 1)0 StC UlO XXI
COLEÇÃO HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL- ><>l,me S

vinculação à utilização de recursos estratégicos que, em absoee o intérprete de eventuais ilações generalizantes que
última instância, permeiam a capacidade de construção de suas interpretações possam conter.
estruturas argumentativas pelo historiador e de estratégias de As novas tecnologias, por suas capacidades técnico-
persuasão do discurso histórico. operacionais, são instrumentos privilegiados no processo
Entretanto, o que se busca é a verdade histórica, com as de construção da memória. Sem dúvidas, as capac idades
falseabilidades que essa categoria carrega intrinsecamente. Há desveladoras de fontes até agora, sob certo prisma, in acessíveis,
sempre, com maior ou menor ênfase, uma busca do respaldo se tornam objeto de análise histórica e descortinaram uma
à prova fática dos dados, tentando com isso não ficar apenas gama de possibilidades até agora não utilizadas em plenitude.
numa percepção novelesca da história. Para Furet (1977), a Assim, nesse aspecto, pode-se perceber como o processo
história oscilará provavelmente sempre entre a arte narrativa, de digitalização de acervos que agora são "socializados"
a inteligência do conceito e o rigor das provas; mas, se essas e que até bem pouco tempo estavam restritos a poucos
provas forem mais seguras, os conceitos mais explicitados, o pesquisadores que, por sua posição geográfi ca ou de estrutura
conhec imento ganhará com isso e a arte da narrativa nada socioeconômica, conseguiam ter acesso a determin adas
perderá. fontes, contribuíram para a democratização ao acesso a um
Uma das principais questões vinculadas às novas maior número de bancos de dados. No caso brasil eiro, em
tecnologias e metodologias no campo da história da educação particular, as dificuldades ocasionadas por sua dimensão
diz respeito à fragmentação do objeto de estudo que, de certa continental, dificultando o acesso a acervos, por exemplo, que
forma, assoc ia-se à própria fragmentação do pesquisador. Tem- distam milhares de quilômetros do domicílio do pesquisador,
se observado um relativo afastamento da ideia de totalidade. foram amainadas.
Há um privilegiamento de aspectos micro-históricos e que, Esse processo, ain da muito incipiente, tem oportun izado a
não poucas vezes, contribuem para uma reconstrução bastante troca de informações e a consequente agili zação do processo
pecul iar, quando não exótica, do elemento histórico. de pesquisa em âmb ito que até então não era efetuado.
Atribui-se ao fragmento o poder de um demiurgo, que tem Processos investigativos que demandavam meses ou mesmo
a capac idade de reproduzir o todo a partir de um átomo. Se anos de cansativa e, às vezes, infrutíferas buscas em acervos
é verdade que uma visão essencia lmente estruturalista tem mal conservados, deteriorados, contaminados, mofados, etc.
frequentemente obliterado facetas particulares da realidade e, em muitos casos, com acesso bastante restrito, atualmente,
histórico-educacional, isso não legitima a compreensão de com frequência, estão ao alcance do pesquisador em poucos
que o desvelamento de determinados aspectos até então minutos por meio da internet.
considerados irrelevantes tenha o dom de reinterpretar o Sob esse aspecto, investigações que se mostravam técnica e
fato histórico e considerá-lo como o acontecido. E preciso economicamente irreal izáveis passam a apresentar viabilidade
ponderar que a ciência é promovida por seres humanos devido a todo um acervo digitalizado de documentos que
incrustados em um determinado lócus ideológico social e do a cada dia se torna mais volumoso e democraticamente
qual não consegue se desvincular. socializado.
Parece que evidenciar que se pretende fazer uma exegese a Para exemplificar, há muito acalentávamos o sonho de
partir de um posicionamento eminentemente subjetivista não realizar um estudo comparado em história da educação,

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COLEÇÃO HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL -volume 5 HISTÓR IA D A EDUCAÇÃO N O B RAS IL: MATRIZES INTERPR ETATIVAS, ABORDAGENS E FONTES PREDOMIN ANTES NA PRIMEIRA D~CADA DO S~CULO XXI

tendo como objeto a construção dos sistemas educacionais Os problemas, de toda ordem, também afloram. Dentre
nas diversas províncias brasileiras durante o século XIX. Tal eles, destaco a necessidade de universalizar o acesso à rede
tarefa pretendia utilizar-se dos relatórios dos respectivos mundial de internet, a construção de software gratuitos,
presidentes de província, o que demandava um incursão aos o incremento no processo de digitalização de acervos, o
diversos acervos nos respectivos Estados e com a perspectiva incremento da acess ibilidade a esses acervos, etc. Nesse
de não encontrar os relatórios, ter dificuldade de acesso, aspecto, é importante fomentar o que há de bom nas novas
custos econôm icos elevados, desgaste pessoal com viagens, tecnologi as purgando o que elas trazem de mau. É imperioso
e muitos outros entraves que poderíamos fac i Imente elencar, que se cri em mecan ismos de control e, transparentes,
o que tornou o projeto algo irrealizável. Entretanto, hoje democráticos e de cu nho internacion al, que impeçam que
estamos desenvolvendo o projeto, praticamente sem custo as regras de mercado do sistema capitalista contam inem e
extraordin ário algum, a partir de nosso centro de pesquisa, restrinj am o acesso da sociedade a esses bancos de dados.
acessando todos esses relatóri os vi a internet, na Universidade Uma questão que, sob certo aspecto, tem passado
de Ch icago. "desperceb ida" mas que, no futuro, será de crucia l importância,
Da mesma form a, as novas tecnologias têm oportuni zado a é a acelerabilidade das mudanças dessas tecnologias tornando
formação de uma biblioteca virtual, desonerando o pesquisador os registros extremamente fuga zes.
de uma série de gastos que muitas vezes o sacrificavam e a sua Assim, por vezes, aspectos da vida escolar registrados em
família, uma vez que, frequentemente, tinha que optar entre determin ados meios eletrônicos, disquetes por exemplo, em
um livro e uma outra necess idade familiar. Éevidente que esse questão de poucos anos, tornam-se in acess íveis. De outro
processo apenas está em seu iníc io, mas, sem dúvida, em uma lado, as manipulações possíveis em determin adas fontes, I

sociedade democrática, tem demonstrado a potencialidade de a iconográfi ca, por exemplo, estão a exigir do pesquisador
uma efetiva democratização da cultura. uma atenção e um conhecimento técnico redobrado . Muitas
Mesmo assim, é necessário ter presente, como nos adverte vezes nos chegam às mãos dados que foram redesenhados por
Bou rdi eu, que há uma relação visceral ente o desenvolvimento outros artistas e cuja manipulação nem sempre são possíveis
cie ntífico e as condições econômico-sociais sob as quais ele é de identifica r.
produzido. O que estou a afirm ar não significa reconhecer que, de certa
form a, não houvesse esses mesmos problemas e dificuldades
Não há dúvida que é preciso ter sempre presente - contra nas fontes tradic iona is, mas apenas atestar que, com as
todas as form as de determinismo tecnológico - que as
potencialidades oferecidas pela lógica relativamente novas tecnologias, assumiram uma proporção muito maior.
autônoma do desenvolvimento científico só podem advir à Assim, fazer desaparecer pessoas ou excertos de textos em
ex istência socia l enquanto técnicas - e intervir, se for caso determinadas fontes iconográficas ou man uais escolares, por
disso, como motores da mudança econômica e sociais
exemplo, pode ter sido práticas corrique iras em determin adas
parecerem conformes aos interesses dos detentores do poder
econôm ico, quer dizer, apropriados a co ntribuírem para a situações para atender a específicos regimes políticos, mas hoje
valorização máxi ma do cap ital nos limites da rep rodução das assumem proporções técnicas que desafiam o investigador.
condi ções sociais da dominação necessá ria á obtenção dos
E isso requer uma preparação especial do investigador, o
ganhos (BORDIEU, 1998, p. 101).
que nem sempre existe. Como aponta Warde (1998, p. 97):

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COLEÇÃO HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL- volumeS HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: MATRIZES INTERPRHAl'IVAS, "60ROAGENS E FO/'.'TES PREOOMINANTE5 NA PRIME IRA Dk:ADA DO S~CULO XXI

"Tenho me espantado com a incapacidade dos que se iniciam REFERÊNCIAS


nos estudos e pesquisas históricas, incapacidade da qual não
estão isentos os mais veteranos, de formular perguntas que BEBBINGTON, David. Patterns in History. Michigan: Baker
digam respeito às suas fontes e, em relação a elas, sugerir Book House, 1990.
hipóteses explicativas".
BOURDIEU, Pierre. O J>Oder simbólico. São Paulo: Difel,
As estruturas não aparecem senão com uma observação
1989. (
praticada exogenamente, e essa observação nunca pode
apreender os processos que não são objetos analíticos, mas BRANDÃO, Zaia. A historiografia da educação na
a maneira particular pela qual uma temporalidade é vivida encruzilhada. In: SAVIANI, Demerval et ai. (Org.). História e
por um sujeito. Dessa forma, estabelecem-se a história e história da educação. São Paulo: Ed itora Autores Associados:
a educação em uma relação de simetria, relação em que a HISTDBR, 1998.
história toma lugar como reconstituição do passado e em que
BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo: Unesp, 1992.
a educação aparece de forma secundária, mas fundamental.
Assim, a oposição entre a estrutura-forma e a estrutura DE CERTAU, M. L'ecriture de l'histoire. Paris: Gallimard,
significativa é, na verdade, irredutível, se está à procura de 1975.
verdades a-históricas totalmente descoladas da rea lidade FURET, Franço is. O quantitativo em história. In: Le GOFF,
concreta dos agentes que fazem o dever históri co. j acques; NORA, Pierre (Org.). Fazer hi stória, novos problemas.
Em suma, os novos métodos e as novas fontes neles Lisboa: Livraria Bertrand, 1977.
legitimados devem ter um discernimento crítico sobre as
FURET, F. A oficina da história. Lisboa: Gradiva, 1986;
condições de reprodução de uma formação econômica social,
reconhecendo, portanto, a importância específica e desigual GODELIER, Maurice. Horizontes da antrorologia. Lisboa:
que diversas estruturas podem ter para a sua consolidação. Edições 70, 1977
Por fim, deve-se ter cuidado para a submissão fácil às lu zes
LOPEZ, Luiz Roberto. Karl Raymund Popper: neoliberalismo,
dos holofotes priorizando estruturas argumentativas, fontes e
história e filosofia. In: CARRION, R. A.. Luz e Sombras: ensaios
métodos com forte apelo ed itorial e penetração em círculos
de interpretação marxista. Porto Alegre: Centro de Estudos
universitários com luminosidade meteórica, mas deixando
Marxistas, 1997.
poucos resíduos, pois seu único elemento consistente é a
originalidade. MARX, Karl. Para a crítica da economia rolítica; salário,
preço e lucro; o rendimento e suas fontes: a economia vulgar.
São Pau lo: Abril Cultural, 1982.

MARX, Karl. O capital: crítica da econom ia política. São


Pau lo: Abril Cultu ral, 1983. v.1.

RUDIGER, Francisco Ricardo. Paradigmas do estudo da


história. Porto A legre: Instituto Estadual do Livro, 1991.

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WARDE, Miriam Jorge. Questões teóricas e de método:
a história da educação nos marcos de uma história das
disciplinas. In: SAVIANI, Demerval et AL. (Org.). História e
história da educação. São Pau lo: Editora Autores Associados: \
HISTDBR, 1998.

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