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Fabrício Filisbino1
Introdução:
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Bacharel em Filosofia pela Faculdade São Luiz, Brusque. <fabricio.fili@gmail.com>.
Como percurso metodológico a pesquisa foi realizada em três momentos.
Primeiramente identifica-se as tecnologias de subjetividade em Foucault. No segundo
momento, evidencia-se a crítica de Foucault às identidades contemporâneas. Por fim,
discutem-se as técnicas de construção de identidade no pentecostalismo da Assembleia de
Deus, tendo por base o conceito de subjetividade de Michel Foucault.
Na efetivação da pesquisa usaram-se duas estratégias: a análise bibliográfica e a
pesquisa de campo. Nos dois primeiros passos, somente a pesquisa bibliográfica. No
terceiro, os dados bibliográficos foram aplicados aos dados de campo para se compreender
o processo efetivo de constituição das identidades no interior do Movimento Pentecostal
das Assembleias de Deus (ADs).
O estudo dos dois primeiros objetivos específicos tem por fundamento as seguintes
obras de Foucault: História da Sexualidade; O sujeito e o poder, Vigiar e Punir; Hermenêutica
do sujeito. Os principais comentadores que enriqueceram a compreensão dessa temática
são Márcio Alves da Fonseca, Roberto Machado e Inês Lacerda Araújo.
Na pesquisa de campo, foram aplicados questionários e entrevistas a alguns fiéis
presentes no encontro internacional promovido pela AD de Camboriú, Gideões Missionários
da Última Hora, que aconteceu em Santa Catarina, abrangendo também outros fiéis e líderes
do mesmo estado. Além disso, para coleta de dados, contou-se com os registros efetuados a
partir da observação do pesquisador em reuniões e cultos de algumas igrejas em Santa
Catarina. Os dados são analisados através do método denominado "Análise de Conteúdo".
O Movimento Pentecostal é uma das manifestações religiosas que mais cresce no
mundo atual. No meio evangélico brasileiro já somam 60%, possuindo um crescimento
contínuo. Sua maior manifestação brasileira, as Igrejas Assembleias de Deus, tomam sobre si
a responsabilidade de governar cerca de doze milhões de pessoas. Diante das proporções
que o pentecostalismo tem assumido e a perspicácia do pensamento de Foucault, que abre
portas para se compreender os acontecimentos a partir de sua dimensão histórica, tem-se a
relevância em estudar o modo como o pentecostalismo das Assembleias de Deus atua na
construção da identidade dos seus fiéis. Espera-se, com a pesquisa, contribuir com as
discussões que se desenvolvem no campo da religiosidade no Brasil e com os estudos
foucaultianos, aprofundando o entendimento sobre as relações de poder nos domínios das
religiões.
1. As tecnologias de subjetividade
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Filósofo e epistemólogo contemporâneo, Michel Foucault nasceu em Poitiers, na França, no ano de 1926. Foi
titular da cadeira de Sistemas de Pensamento no Collège deFrance, desenvolvendo uma investigação sobre a
estrutura das instituições judiciais e penitenciárias da época moderna. Sua obra teve grande contribuição no
movimento antipsiquiátrico e antipedagógico. Faleceu em 1984 na cidade de Paris (SOUZA, 2010, p. 24).
que vê o poder apenas como forma de constrangimento. Assim, o poder mascara uma parte
importante de si mesmo, para se tornar tolerável (FOUCAULT, 2014, p. 94).
Sua análise é do poder enquanto relação, estando disperso em toda a trama social.
Assim sendo, parece que a hipótese repressiva, não consegue se aprumar aos dados
históricos (ARAÚJO, 2008, p. 165).
Entende-se a época clássica como a descobridora do corpo como objeto e alvo do
poder. Os sinais são evidentes no corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece,
responde, se torna hábil, tendo em vista a multiplicação das forças (FOUCAULT, 2004, p.
118).
Essa estratégia de governo denomina-se poder disciplinar, um poder que, em vez de
apenas se apropriar e de retirar, tem como função maior, adestrar.
[...]O sucesso do poder disciplinar se deve, sem dúvida, ao uso de instrumentos simples: o
olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é
específico, o exame (FOUCAULT, 2004, p. 143).
Junto à disciplina, no século XVII, o biopoder aparece como política coerente, assim
se torna possível a constituição do indivíduo moderno normatizado. Foucault, esclarecendo
essa noção afirma:
Deveríamos falar de biopolítica para designar o que faz com que a vida e seus mecanismos
entrem no domínio dos cálculos explícitos e faz do poder-saber um agente de
transformação da vida humana [...] O homem moderno é um animal em cuja política sua
vida, como ser vivo, está em questão (FOUCAULT, 2014, p. 154).
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Identidade (lat. tardio identitas, de idem: o mesmo): Relação de semelhança absoluta e completa entre duas
coisas, possuindo as mesmas características essenciais, que são assim a mesma. 1. A identidade numérica
Na perspectiva foucaultiana, as relações de poder que constroem as identidades são
as ações de uns sobre os outros.
Foucault entende que a missão de hoje não parece estar em descobrir uma
identidade que revele quem somos, mas justamente, recusar o que somos. Haja vista que,
com o advento da modernidade, se vivenciou um duplo constrangimento político, que é a
simultânea individualização e totalização próprias às estruturas de governamentalização do
poder moderno (FOUCAULT, 2013, p. 283).
Para discutir o papel das identidades nas relações de poder, no que tange a noção de
crítica a essas identidades constituídas na trama histórica, Foucault, utiliza do conceito
kantiano de Aufklärung.
Aufklärung relaciona-se ao estado de menoridade, no qual a humanidade estaria
mantida autoritariamente. Para Kant, aufklärung é uma espécie de saída, um processo que
liberta desse estado de menoridade. E, por menoridade, ele entende um certo estado de
vontade que nos faz aceitar a autoridade de algum outro para nos conduzir nos domínios em
que convém fazer uso da razão. Kant pressupõe que é o próprio homem o responsável por
seu estado de menoridade. Então, só poderá se libertar desse domínio por uma mudança
que ele próprio operar em si mesmo. A palavra de ordem que se trabalha em si e nos outros
é: Tenha coragem e audácia de saber (FOUCAULT, 1990, passim).
Perante essas considerações kantianas, assim afirma Foucault:
O que Kant descrevia como a Aufklärung, é o que eu tentei até agora descrever como a
crítica, como essa atitude crítica que se vê aparecer como atitude específica no ocidente a
partir, creio, do que foi historicamente o grande processo de governamentalização da
sociedade (FOUCAULT, 1990, p. 6).
indica que duas coisas são, na realidade, uma única. Ex.: Vênus é a Estrela da Manhã. 2. A identidade temporal
significa que podemos identificar um mesmo objeto que nos aparece em momentos diferentes: Ex.: Uma
mesma árvore no inverno sem folhas e na primavera coberta de flores. 3. Na lógica, o princípio da identidade,
uma das três leis básicas do raciocínio para Aristóteles, se expressa pela fórmula "A=A", ou seja, todo objeto é
igual a si mesmo (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 103).
as considerações da sujeição moderna, num comparativo com o sujeito que se constituía por
meio do cuidado de si.
Foucault propõe que o indivíduo do presente possa reconhecer a necessidade de
construir uma ética que represente possibilidades de constituição de si, diferente daquela
que o expropria, fazendo dele um objeto e um sujeito (FONSECA, 2011, p. 103).
Essas reflexões de Foucault, quando atualizadas, alargam seu horizonte teórico
proporcionando a interpretação de fatos sociais. Por isso, a partir desse aporte teórico,
propõe-se discutir as técnicas de construção de identidade no pentecostalismo da
Assembleia de Deus. Haja vista que no atual contexto, um dos fatos sociais que tem
despertado o interesse das ciências humanas é o emergir do fenômeno religioso (LIBÂNIO,
2002, p. 21). Pois, “dentro do anúncio da morte da religião e da secularização em avanço,
brota o rebento robusto e cheio de vida das mais diferentes expressões religiosas [...]” (
LIBÂNIO, 2002, p. 11).
Aqueles que não têm Jesus estão no sofrimento e, por isso, vemos em nossa sociedade
tantas pessoas optando pelo suicídio. É no momento em que se conhece Jesus que
podemos experimentar uma transformação em nossa vida. Diz a palavra: é necessário
nascer de novo! Deixar o homem velho e nos tornarmos uma nova criatura.4
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R.M. Resposta 2 do questionário. 02/05/2015. São Paulo: São Paulo. 2015.
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R.M. Resposta 2 do questionário. 02/05/2015. São Paulo: São Paulo. 2015.
O discurso assembleiano incute uma visão messiânica na vida dos fiéis. Assim, o
messianismo não é a causa deles estarem na Igreja, mas o efeito de subjetividade que
resulta da frequência à Igreja, do conjunto de práticas desenvolvidas pela instituição.
A segunda categoria, obediência, diz respeito à maneira própria da instituição
manter-se enquanto tal. Percebe-se que esse papel disciplinar divide e define aqueles que
são seus fiéis e aqueles que não o são. Animados pelo empolgante discurso de uma segunda
vinda de Jesus, em breve, os fiéis respeitam aquilo que entendem que são as regras e os
costumes determinados pela vontade do próprio Deus. Então, por mais que os preceitos
sejam rigorosos, é a palavra de Deus que atesta esse apelo à santidade. Por isso, é preciso
vigiar sempre e punir para que não se caia mais no pecado. É preciso escapar das garras do
Diabo com um autoexame de seus atos, pedindo perdão a Deus.
O posicionamento disciplinar é tão importante que afirma o pastor O.B.
“O ser humano perde seu valor pela imoralidade, diferente até dos animais que se mantêm
numa lei natural. A imoralidade é o pecado, esta destrói os valores e assim acaba por
destruir o ser humano. A recuperação dessa dignidade só pode acontecer em Jesus Cristo,
na obediência a ele”.6
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O.B. Resposta 2 do questionário. 02/05/2015. Criciúma: Santa Catarina. 2015.
do Diabo, mas sempre existe uma solução para esses comportamentos promíscuos, porque
Jesus pode libertar de todos os males e pecados. 7
O livro de teologia sistemática pentecostal da CPAD, esclarece a vivência da
sexualidade quanto aos gêneros:
Essa distinção entre o homem e a mulher é de fundamental importância. Daí ter sido
mencionada no texto que narra a criação do ser humano. E também a base para a
reprovação de Deus ao homossexualismo, pois, se Ele quisesse que o homem ou a mulher
mantivessem relações homossexuais, teria, decerto, feito — de modo simultâneo — um
casal de homens e outro de mulheres.
Desde o princípio, Deus os fez macho e fêmea (Gn 1, 27b). Afinal, a ordem para crescer e
multiplicar-se sobre a Terra jamais poderia ter sido dada a dois seres de igual sexo!
(GILBERTO; et al., 2008, p. 259-260).
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Cf. Dionísio Cardoso. Respostas da entrevista. 12/10/2015. Nova Veneza: Santa Catarina. 2015.
assembleianos, que eles podem ser muito mais livres do que imaginam, sobre o que eles
têm por verdadeiro, por evidente, no que tange a maneira própria de viver e as normas que
devem ser obedecidas. A atitude crítica perante a própria identidade pode demonstrar
quanto os discursos que se assumem como verdadeiros, em um momento particular da
história, respondem a tecnologias de instituições que precisam da sujeição para se manter.
Portanto, tais discursos podem ser criticados, transformados, ou até mesmo destruídos.
Referências:
ARAÚJO, Inês Lacerda. Foucault e a crítica do sujeito. 2.ed. Curitiba: Editora UFPR, 2008.
DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault: Uma trajetória filosófica: Para além do
estruturalismo e da hermenêutica. 2. ed. Tradução de Vera Portocarrero e Gilda Gomes
Carneiro. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 2013c.
FONSECA, Márcio Alves da. Michel Foucault e a constituição dos sujeitos. 3. ed.São Paulo:
EDUC, 2011.
FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel
Foucault: Uma trajetória filosófica. 2. ed. Tradução de Vera Portocarrero e Gilda Gomes
Carneiro. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 2013.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento daPrisão. 29. ed. Tradução de Raquel
Ramalhete. Vozes, 2004.
GILBERTO, Antônio. et al. Teologia Sistemática Pentecostal. 2. ed. Rio de Janeiro: CPAD,
2008, p. 259-260.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2001.
LIBÂNIO, João Batista. A religião no início do milênio. São Paulo: Loyola, 2002, p. 21.
MACHADO, Roberto. Por uma Genealogia do Poder. In. FOUCAULT, Michel. Microfísica do
poder. 27. ed. Tradução de Roberto Machado. São Paulo: Graal, 2013.
ORO, Ivo Pedro. O fenômeno religioso: Como entender. São Paulo: Paulinas, 2013.