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Dívida pública e contrarreformas

A precarização do trabalho
docente no contexto da
universidade operacional
e suas inflexões na condição
do professor substituto
Daniele Gomes de Lima
Doutoranda em Serviço Social - Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
E-mail: danielegomes18@yahoo.com.br

Rita de Lourdes de Lima


Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
E-mail: rita.pires2@gmail.com

Resumo: Este texto apresenta algumas considerações introdutórias acerca da precarização


do trabalho docente no contexto da universidade operacional, especificamente as interfaces
desta precarização na condição do professor substituto, tendo em vista as exigências im-
postas pelo modelo de produção flexível. A metodologia utilizada para a consecução deste
trabalho refere-se à pesquisa bibliográfica acerca do referencial teórico de autores marxis-
tas, especificamente aqueles que problematizam acerca da política de educação superior no
Brasil e as inflexões sofridas a partir das exigências do capital. Para isso, centraremos nossa
discussão na relação entre a universidade operacional e a precarização do trabalho docente
a partir das análises de Chauí (1999), Alves (2000), Antunes (2014) e Lima (2000). Nesse
sentido, tem se intensificado a exigência de produtividade exacerbada e a precarização do
trabalho docente no ensino superior público. Tal quadro se agrava no caso dos professores
substitutos, que vivem a incerteza dos contratos de trabalhos temporários.

Palavras-chave: Precarização. Professor Substituto. Acumulação Flexível. Universidade Operacional.

Introdução às reconfigurações do trabalho no contexto de crise


do capital e das exigências da denominada universi-
Este texto faz parte dos estudos que vêm sendo de- dade operacional1 (CHAUÍ, 1999).
senvolvidos no Doutorado em Serviço Social na Uni- Levando em consideração o referencial teórico da
versidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN tradição marxista (que vem norteando a consecução
e tem como objetivo entender as nuances que envol- do nosso estudo), partimos da hipótese de que as re-
vem o trabalho docente e as interfaces da precariza- configurações do trabalho docente no contexto da
ção do trabalho na condição dos professores substi- universidade operacional só podem ser entendidas a
tutos das universidades públicas no Brasil, em meio partir das transformações no mundo do trabalho e

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da reestruturação produtiva que tem atingido o ce- I. Acumulação flexível, universidade
nário brasileiro, principalmente a partir dos anos de operacional e trabalho docente
1990, quando se instala a ofensiva neoliberal e têm
início a privatização e a precarização dos vínculos Partimos do pressuposto de que o trabalho do-
empregatícios públicos. Com isso, a universidade cente e o papel que a universidade vem ocupando
brasileira sofre com a contrarreforma do Estado
2 nas últimas décadas estão em total sintonia com as
que vem na contramão das conquistas obtidas com exigências impostas pelo ordenamento do capital a
a Constituição Federal de 1988, tendo como resulta- partir do novo modelo de acumulação flexível e dos
do a negação da educação como direito e tornando-a valores subjacentes a um tipo de universidade que
mercadoria necessária para a valorização e reprodu- Chauí (1999) denomina de operacional, uma vez que
ção do capital. passa a ser regida pelas ideias de gestão, planejamen-
Para expor nossos argumentos, dividimos este to, previsão, controle e êxito, totalmente voltadas às
texto em duas partes, além desta introdução e con- necessidades do mercado em detrimento aos valores
siderações finais. Na primeira, vamos discutir como pautados no conhecimento, na reflexão, na forma-
o trabalho docente encontra-se subordinado às exi- ção, no questionamento e no desenvolvimento de
gências do capital a partir do modelo flexível de pro- um senso crítico e transformador da realidade social.
dução e da universidade em sua fase operacional. Na Pensar nas mudanças no papel da educação supe-
segunda, nos deteremos especificamente à realidade rior, do trabalho docente e da universidade pública
de trabalho do professor substituto nas universida- brasileira na contemporaneidade remete a entender
des públicas nessa conjuntura de contrarreforma. o processo de reforma do Estado no contexto de crise

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Dívida pública e contrarreformas do capital, cujo pressuposto é modernizar e racio- (HARVEY, 1996, p. 140). A acumulação flexível tam-
nalizar as atividades estatais redefinindo os serviços bém pode ser denominada de toyotismo, em fun-
operacionalizados pelo Estado, dentre eles a educa- ção de muitos dos seus princípios terem emergido
ção, que, junto à saúde, à cultura e às utilidades pú- na fábrica japonesa de veículos Toyota. Esse novo
blicas, passam a compor os serviços não exclusivos modelo de produção ocorre sob a faceta neoliberal5
do Estado – ou seja, aqueles que o Estado provê, mas da mundialização do capital, com o predomínio de
não executa diretamente e passam a ser geridos por transações comerciais mundiais e o surgimento de
contrato de gestão via “Organizações Sociais” (O.S.), oligopólios financeiros mundiais. Segundo Chesnais,
a partir das exigências impostas pelo padrão de acu- a mundialização do capital:
mulação flexível na tentativa de reversão da crise es-
[...] é o resultado de dois movimentos
trutural do capital3.
conjuntos, estreitamente interligados, mas
Esta crise, que tem início a partir da década de distintos. O primeiro pode ser caracterizado
1970 e persiste até os dias atuais, diz respeito ao esgo- como a mais longa fase de acumulação
tamento do modelo de produção taylorista-fordista, ininterrupta do capital que o capitalismo
com o sufocamento do Estado de Bem-Estar Social4, conheceu desde 1914. O segundo diz respeito
às políticas de liberalização, de privatização,
revelando que tal modelo era incapaz de conter as
de desregulamentação e de desmantelamento
revoltas operárias – que reivindicavam melhorias na de conquistas sociais e democráticas [...]
situação de opressão dos trabalhadores – e de possi- (CHESNAIS, 1996, p. 34, grifos do autor).
bilitar a manutenção da fase áurea da economia ca-
pitalista vivenciada durante os trinta anos dourados A partir deste contexto, a esfera da produção tor-
nos países centrais. A partir de então, uma nova rees- na-se crescentemente globalizada, mediante a abertu-
truturação econômica, social e política se fez neces- ra de mercados e de forte competição internacional,
sária, florescendo em um contexto de desregulamen- as unidades produtivas de grande porte ficam mais
“enxutas” e aumentam a produtividade; a atividade
produtiva passa a exigir trabalhadores polivalentes,
Pode-se observar que as repercussões desse processo flexíveis às determinações mercadológicas; a parcela
de mutação das formas de organização do trabalho, do trabalho fora do foco principal da empresa passa
com traços mais visíveis de exploração no período de
a ser subcontratada a outras empresas; o setor in-
hegemonia do capital financeiro, é um fenômeno que afeta
dustrial perde volume frente ao setor de serviços e a
globalmente os trabalhadores.
flexibilização das atividades produtivas leva também
a um aumento da precarização dos contratos de tra-
tações e flexibilizações. Tal reestruturação recebeu a balho; na esfera sindicalista, o desemprego e a infor-
denominação de “acumulação flexível”, impulsionada malização corroem grandemente o poder de agencia-
pela globalização e seus efeitos tecnológicos, que di- mento das instituições sindicais (ALVES, 2000).
minuíram as fronteiras espaço-temporais. Tal mode- Pode-se observar que as repercussões desse pro-
lo de produção apoia-se nos processos de trabalho, cesso de mutação das formas de organização do
envolvendo rápidas mudanças, com incremento no trabalho, com traços mais visíveis de exploração no
setor de serviços (HARVEY, 1996). período de hegemonia do capital financeiro, é um fe-
Ainda segundo o autor, a acumulação flexível se nômeno que afeta globalmente os trabalhadores. Na
sustenta na flexibilidade dos processos de trabalho, análise de Antunes (2011), esse fenômeno compre-
dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de ende a classe-que-vive-do-trabalho, abrangendo a to-
consumo. “Caracteriza-se pelo surgimento de setores talidade daqueles que vendem sua força de trabalho.
de produção inteiramente novos, novas maneiras de Refere-se aos trabalhadores produtivos, mas envolve
fornecimento de serviços financeiros, novos merca- também os trabalhadores improdutivos, entendidos
dos e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de como aqueles que não produzem diretamente mais-
inovação comercial, tecnológica e organizacional” -valia; nesse sentido, envolve um leque de assalaria-

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dos que incluem os trabalhadores inseridos no setor sistemas de instrução (incluindo os provedores

A precarização do trabalho docente


de serviços. de educação privada e a distância) [...]” (LIMA,
2000, p. 23, citando documento do Banco
Diante desse cenário de mutações, o caso brasi-
Mundial, 1999).
leiro6 apresenta particularidades em seu processo de
reestruturação produtiva do capital e do projeto neo- Desse modo, no Brasil, mais particularmente a
liberal, que já estava em curso nos países centrais. Foi partir dos anos 1990, busca-se reestruturar as políti-
apenas nos anos 1980, ao final da ditadura civil-mili- cas educacionais, conforme as exigências internacio-
tar, que esse padrão de produção sofreu suas primei- nais e as necessidades do mercado. Tais medidas tra-
ras transformações na realidade brasileira, ocorren- zem repercussões graves para a educação, tais como:
do através de novos padrões de gestão e de tecnologia deterioração das condições de trabalho dos professo-
e com novas formas de organização do trabalho. “Ini- res; subordinação do trabalho docente à mercantili-
ciou-se a utilização da informatização produtiva e do zação do conhecimento; desprestígio das atividades
sistema just-in-time; germinou a produção baseada de extensão; e introdução de um modelo avaliati-
em team work , alicerçada nos programas de quali-
7
vo que prioriza a quantidade, gerando incentivos à
dade total, ampliando também o processo de difusão competitividade (MANCEBO et al, 2007). Com isso,
da microeletrônica” (ANTUNES, 2014, p. 46). a universidade pública também precisou ser rees-
A contrarreforma do Estado também aparece truturada no sentido de atender às necessidades de
como mecanismo de sustentação deste novo mode- modernização da economia e do desenvolvimento
lo produtivo na conjuntura de crise. Desta forma, as social, com o foco na qualidade e no gerencialismo
estratégias do grande capital na década de 1990 não
se reduziram a modificações apenas no âmbito da
A contrarreforma do Estado também aparece como
economia, mas na reestruturação do aparelho estatal,
mecanismo de sustentação deste novo modelo produtivo
cujo objetivo central consiste em reduzir e eliminar
na conjuntura de crise. Desta forma, as estratégias do
os direitos conquistados historicamente pela classe
grande capital na década de 1990 não se reduziram a
trabalhadora. O fortalecimento do gerencialismo do modificações apenas no âmbito da economia, mas na
Estado trouxe como consequências a flexibilização reestruturação do aparelho estatal, cujo objetivo central
da administração e das modalidades de contratação consiste em reduzir e eliminar os direitos conquistados
de funcionários, a precarização dos serviços e das historicamente pela classe trabalhadora. O fortalecimento
condições de trabalho com a introdução das práticas do gerencialismo do Estado trouxe como consequências
de mercado no setor público. a flexibilização da administração e das modalidades de
Logo, não é só o setor produtivo que sofre reestru- contratação de funcionários, a precarização dos serviços e
turações, mas vários setores da sociedade, inclusive o das condições de trabalho com a introdução das práticas
da educação (em especial a educação superior), que de mercado no setor público.
passa a ser pressionado a atender às exigências inter-
nacionais de conhecimento e tecnologia, com previ- empresarial (CHAUÍ, 1999). Desse modo, a auto-
são de reformas administrativas e pedagógicas em nomia8 universitária e acadêmica é impactada, pois
seu sistema. Essas exigências expressam um movi- sofre os condicionantes externos, submetendo as
mento internacional que propõe, como solução para produções científicas aos interesses comerciais mer-
os problemas educacionais dos países periféricos, a cantis. O que se inicia na educação superior no Bra-
educação superior enquanto um lócus de acumula- sil, portanto, é a “imposição de uma lógica empresa-
ção e expansão do capital, um setor não exclusivo do rial à formação profissional; e da política de redução
Estado, de acordo com as recomendações do Banco do tempo de duração dos cursos e de precarização do
Mundial, conforme se observa a seguir: trabalho docente” (LIMA, 2000, p. 19).
Desde seu surgimento na Europa, a partir do sé-
“[...] o Banco Mundial prestará assistência
aos países para criar uma variedade mais culo XII, a universidade é entendida como uma ins-
ampla de instituições de educação superior e de tituição ou ação social que tem autonomia diante das

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Dívida pública e contrarreformas
outras instituições sociais e é estruturada por ordena- Durante esse período, é possível verificarmos uma
mentos, regras, normas e valores de reconhecimento grande preocupação em se desenvolver um modelo
e legitimidade internos a ela. Esta legitimidade se deu de educação de nível superior no Brasil, notabiliza-
a partir da ideia de autonomia do saber diante da re- do pelo favorecimento a uma pequena parcela da
ligião e do Estado (CHAUÍ, 1999). população, atendendo somente à elite, aos chamados
A primeira universidade moderna de que se tem “filhos da aristocracia”, e visando basicamente à for-
notícia é a de Bolonha, Itália, criada em 1150. As mação do “Doutor”, como era chamado quem se for-
universidades vão se desenvolver, portanto, em um mava em Direito, Medicina ou Engenharia (COSTA
contexto de crise do feudalismo e no seio de muitos e RAUBER, 2009). A primeira universidade de fato
conflitos e contradições sociais de diversos aspec- (com cursos de diversas áreas) foi a Universidade do
tos, com o surgimento da burguesia comercial e o Rio de Janeiro, criada em 1920. Mais tarde, vieram as
conjunto de transformações pelas quais passava o Faculdades de Direito, uma em São Paulo e outra em
mundo naquele momento histórico (SIMÕES, 2013). Olinda, em 1927.
Este conjunto de transformações articuladas dialeti- Podemos delimitar quatro fases9 na história da
camente com o surgimento da burguesia e a crise do educação superior no Brasil: uma primeira que vai
sistema feudal revolucionam o campo das artes (re- até 1930; uma segunda, de 1930 até meados dos anos
nascimento), o campo do conhecimento (o chamado 1960; uma terceira, de meados de 1960 a 1988; e a
século das luzes) e criam as bases para a revolução última, a partir de 1988. No primeiro momento, te-
industrial. Inicia-se, assim, o processo de dessacra- mos um período extremamente elitista com ênfase
lização ou desencantamento do mundo (WEBER, na formação profissional. No segundo, trata-se de
1983), com o conhecimento se afastando da teologia. um período de uma conjuntura política com ênfase
na necessidade de modernizar e desenvolver o país.
Assim, esse é o período do início do crescimento do
sistema público universitário.
Podemos delimitar quatro fases9 na história da educação
superior no Brasil: uma primeira que vai até 1930; uma A terceira fase corresponde ao período da ditadu-
segunda, de 1930 até meados dos anos 1960; uma terceira, ra civil-militar no Brasil (1964-1985) e a um discurso
de meados de 1960 a 1988; e a última, a partir de 1988. político-ideológico de necessidade de reforma no en-
No primeiro momento, temos um período extremamente sino e na universidade: era preciso depurar o ensino
elitista com ênfase na formação profissional. No segundo, e as universidades da influência comunista. Por isso,
trata-se de um período de uma conjuntura política com aposta-se em um ensino “neutro”, tecnicista, com ên-
ênfase na necessidade de modernizar e desenvolver o fase na eficiência administrativa, na reorganização
país. Assim, esse é o período do início do crescimento do das estruturas e no mecanismo do planejamento.
sistema público universitário. Por fim, o quarto período, que se iniciou na déca-
da de 1980, em um cenário de redemocratização que
culminou com a Constituição Federal (CF) de 1988 e
No que tange ao Brasil, ressalte-se que a coroa com a homologação de leis que passaram a regular o
portuguesa impediu o surgimento de universidades ensino superior. Os anos posteriores à CF serão mar-
no período colonial, pois sua política objetivava sub- cados por profundas contradições. Ao mesmo tempo
meter a colônia ao monopólio intelectual advindo de em que a CF considera a educação pública e gratuita
Coimbra. É somente com a chegada da família real ao como direito de todos, contraditoriamente, inicia-se
Brasil, em 1808, que foi permitida a criação das pri- nesse período, nas grandes potências mundiais, a de-
meiras instituições de ensino superior, todas de cariz fesa do projeto neoliberal e, em seu bojo, inúmeras
profissionalizante, vinculadas às áreas de Medicina, propostas educacionais para as nações subdesenvol-
Engenharia e Direito, instaladas nas metrópoles eco- vidas ou “emergentes”.
nomicamente mais importantes da época (COSTA e Assim, a universidade vai se desenvolvendo no
RAUBER, 2009). mundo moderno e contemporâneo e na particu-

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laridade brasileira baseada na ideia de autonomia dades para atender ao mercado capitalista, separando

A precarização do trabalho docente


do conhecimento. No entanto, a partir das exigên- cada vez mais docência e pesquisa em contraposição
cias do desenvolvimento capitalista e do modelo de à universidade clássica (fase do seu surgimento), que
acumulação flexível, a universidade contemporânea estava voltada exclusivamente ao conhecimento. Na
passa a ser definida como organização prestadora de segunda fase, a universidade tornou-se operacional
serviços em contraposição à ideia de universidade “por ser uma organização voltada para si mesma en-
como instituição social baseada no conceito de uni- quanto estrutura de gestão e de arbitragem de contra-
versalidade. Nesse sentido, a universidade enquanto tos” (idem, p. 4). Sobre a universidade operacional,
instituição tem na sociedade o seu princípio e sua Chauí destaca que esta é:
referência normativa e valorativa, enquanto que, sob
a forma de prestadora de serviços, tem apenas a si Regida por contratos de gestão, avaliada
por índices de produtividade, calculada para
como referência, num processo de competição com
ser flexível, a universidade operacional está
outras que fixaram os mesmos objetivos particulares. estruturada por estratégias e programas
Para Chauí (1999), a passagem da universidade da de eficácia organizacional e, portanto, pela
condição de instituição social à de organização so- particularidade e instabilidade dos meios e dos
objetivos. Definida e estruturada por normas e
cial insere-se no processo de mudança da sociedade,
padrões inteiramente alheios ao conhecimento
sob os efeitos da nova forma de capital, e ocorreu em e à formação intelectual, está pulverizada em
duas fases sucessivas: na primeira fase, a funcional, a micro-organizações que ocupam seus docentes
universidade estava voltada para a formação rápida e curvam seus estudantes a exigências exteriores
ao trabalho intelectual (1999, p. 5).
de profissionais requisitados como mão de obra qua-
lificada para o mercado de trabalho – neste contexto,
Com isso, a autora evidencia a sintonia entre a uni-
a universidade alterou currículos, programas e ativi-
versidade operacional com as demandas do modelo
de produção e gestão flexíveis de trabalho e a uma
profunda heteronomia e dualidade dentro da univer-
sidade, que é perceptível a partir de aspectos como:
a intensificação do trabalho docente; a diminuição
do tempo para mestrados e doutorados; a quebra da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão;
a expansão das IES privadas; e o estímulo à produti-
vidade e competição entre os próprios docentes nas

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Dívida pública e contrarreformas IES públicas, dentre outros fatores que propiciam a do capital. Esta realidade confirma que a precariza-
degradação interna e a desmoralização pública desta ção do trabalho docente é resultante das mudanças
instituição. do mundo do trabalho e da reestruturação produtiva,
O trabalho docente neste contexto da universida- estando articuladas as novas configurações, que têm
de operacional é entendido como atividade respon- sido cada vez mais desregulamentadas e caracteriza-
sável pela transmissão rápida de conhecimentos para das pela negação dos direitos trabalhistas, intensifi-
estudantes que precisam entrar no mercado de tra- cação da jornada de trabalho, redução dos salários e
balho. A exigência por maior produtividade docente demais formas de exploração impostas. Assim, por
também é imposta aos docentes devido às demandas meio das contratações temporárias de docentes na
que exigem maior envolvimento laboral desses traba- IES, tem-se a materialização desse modelo de flexibi-
lhadores. Fator extremamente preocupante no que se lização no cotidiano da educação superior.
refere à qualidade da formação, pois, de acordo com Desde o final do século XX, no Brasil, a ênfase
Chauí (1999), a marca essencial da docência, que é dada refere-se a uma formação que atenda às orien-
justamente a formação, desapareceu nesta nova for- tações dos organismos multilaterais, em especial do
ma de universidade. Além desta visível alteração no Banco Mundial, tendo como lema a “democratiza-
papel do trabalho docente, a pesquisa científica tam- ção” do acesso ao ensino superior. Entretanto, de-
bém tem ganhado uma nova conotação neste novo mocratizar passou a ser sinônimo de inserção, ainda
tipo de universidade, que a pressupõe não como uma que precarizada, em instituições de ensino, sejam
forma de reflexão e aquisição de conhecimento, mas públicas ou privadas. É por isso que a expansão de
como posse de instrumentos para intervir e contro- vagas apresenta-se como meta cobrada pelos orga-
lar algo. Por isso, não existe mais tempo nem espa- nismos internacionais aos países subdesenvolvidos10.
ço para reflexão, crítica, mudança ou superação; em No entanto, a expansão de vagas de acesso ao ensi-
contrapartida, a ênfase dada à pesquisa diz respeito à no superior não vem acompanhada de aumento dos
“delimitação estratégica de um campo de intervenção concursos públicos para a contratação de professores
e controle” (idem, p. 6). efetivos suficientes para dar conta desta nova deman-
da. Fato que tem requisitado do Estado brasileiro a
contratação de professores substitutos para suprir

O contexto que justifica e estimula o investimento no setor esta demanda, como trataremos no item a seguir.
também está relacionado ao expressivo aumento das Essa realidade faz-se presente, em geral, em todas as
despesas com importação de fármacos e medicamentos ao instituições federais, uma vez que estas tiveram que
longo da década de 1990. O comprometimento da balança adequar-se às exigências do capital flexível sobre a
comercial e a dependência externa definiram estratégias educação superior pública.
específicas para a área, que envolvem “internalização de
atividades de P&D, estímulo à produção doméstica de
fármacos e medicamentos [...], fortalecimento do programa II. Os professores substitutos nas
de genéricos [...] e estímulo aos laboratórios públicos”. universidades públicas brasileiras

A educação brasileira, em especial as instituições


A partir destes elementos, podemos perceber a de ensino superior (IES), tem sido alvo das transfor-
relação que vem se estabelecendo entre o trabalho mações sofridas pela universidade e pelo mundo do
docente, o papel da universidade e a necessidade trabalho, conforme já sinalizamos anteriormente,
valorativa e de reprodução do capital. A educação uma vez que funcionam de acordo com os moldes
superior, neste sentido, tem sido marcada pela mer- de controle de qualidade, no intuito de aumentar a
cantilização, pelo rebaixamento e pelo esvaziamento produtividade e diminuir os custos com a força de
de conteúdos na tentativa de mediar a reprodução da trabalho, mediante novas formas de contratação e
totalidade social, circunscrita pela crise do sistema prestação de serviços requeridos pela reestruturação

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produtiva e pelas contrarreformas do Estado. Para tado, delineados, principalmente, nos governos de

A precarização do trabalho docente


isso, buscaremos entender a relação que se estabelece Fernando Collor de Melo (1990-1992) e Fernando
entre as mudanças na base material e econômica do Henrique Cardoso (1995-2002) – expresso particu-
capital nos últimos anos e a ampliação das formas de larmente nas reformas da previdência12 –, houve re-
trabalho precarizado, a exemplo do professor substi- flexos na educação superior pública, dentre eles a re-
tuto nas universidades públicas11. dução significativa do número de concursos públicos
Neste sentido, Mancebo et al (2007) aponta algu- para professores nas universidades federais.
mas causas para o crescente aumento do trabalho Neste contexto, muitos docentes resolveram ante-
precário nas IES, assim como algumas consequências cipar suas aposentadorias, buscando manter seus di-
deste processo: reitos adquiridos. Além disso, o estímulo e a exigên-
cia para capacitação dos professores em nível strictu
O aumento do trabalho precário nas
universidades públicas apresenta como causa sensu (Mestrado e Doutorado) levaram muitos do-
primeira a progressiva erosão do volume de centes a solicitarem licenças para essa finalidade.
recursos públicos destinados ao financiamento Nesse ínterim, a forma desenvolvida pelas universi-
da universidade. O enxugamento orçamentário
dades federais para suprir o déficit de docentes foi a
gera, indubitavelmente, inúmeros efeitos
danosos e um deles recai na contratação de contratação de professores denominados substitutos.
novos docentes, quer para o atendimento Mesmo a partir da autorização dos concursos públi-
minimamente adequado ao crescimento cos para professores efetivos, no período subsequen-
quantitativo e qualitativo de cursos e alunos,
te – governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) –,
quer para a reposição paritária das vagas geradas
por aposentadorias, óbitos, desligamentos o número de docentes concursados não foi suficiente
voluntários e afastamento de docentes. Assim, para repor o quadro, levando, assim, à permanência
a contratação de professores substitutos vem de professores substitutos nas universidades federais.
sendo uma saída econômica para o sustento das
universidades, que, infelizmente, se naturalizou
no cotidiano de diversas unidades, sendo mesmo O uso recorrente dos contratos mais ágeis e econômicos –
incentivada acriticamente por muitos (p. 77). como os “temporários” – na maior parte das universidades
públicas brasileiras reflete a adoção de um novo modelo
O uso recorrente dos contratos mais ágeis e eco-
gerencial nas instituições de educação superior advindo
nômicos – como os “temporários” – na maior parte da reforma estatal, que reproduziu no âmbito universitário
das universidades públicas brasileiras reflete a ado- um mercado de trabalho flexível.
ção de um novo modelo gerencial nas instituições de
educação superior advindo da reforma estatal, que
reproduziu no âmbito universitário um mercado de A forma de contratação dos professores substi-
trabalho flexível. tutos foi regulamentada pela Lei nº 8.745/1993, que
Para referir-se ao professor substituto, é necessá- disciplinou a contratação por tempo determinado
rio entendermos as dimensões políticas e pedagógi- para atender à necessidade temporária de excep-
cas desenhadas pelas reformas do ensino superior, na cional interesse público, que não poderá ultrapas-
década de noventa do século XX, fase em que emerge sar percentual máximo de 20% do total de docentes
a figura do professor substituto no cotidiano das Ins- efetivos em exercício na instituição. Observando-se
tituições de Ensino Superior (IES), como tentaremos essa legislação, têm-se os seguintes critérios de con-
problematizar neste item. tratação dos professores substitutos: para suprir fal-
Segundo Pinto (2010), o termo “professor subs- ta de professor de carreira nos casos de exoneração
tituto” apareceu de forma mais expressiva nas uni- ou demissão, aposentadoria, falecimento, licença ou
versidades federais brasileiras a partir da década de afastamentos obrigatórios.
1990. Anteriormente, havia outros termos para de- Outro instrumento legal que norteia a carreira
nominar os docentes fora da carreira, como aulistas do magistério superior federal, a Lei nº 12.772/2012,
e horistas. Com os processos de privatização do Es- também contempla o professor substituto, ao definir

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Dívida pública e contrarreformas que sua contratação deverá ser autorizada pelo di- em prejuízo de seus cursos de pós-graduação.
Ademais, o trabalho desses professores é
rigente da instituição, condicionada à existência de
centrado na sala de aula, desvinculado da
recursos orçamentários e financeiros. Essa lei ainda
pesquisa e da extensão, assim como as decisões
trata da carga horária referente ao professor substitu- sobre a instituição. As consequências dessa
to, podendo apresentar o regime de trabalho de 20 ou precarização atingem também os professores
40 horas semanais. efetivos, que ficam mais sobrecarregados em
termos de comissões departamentais, orientações
Mesmo sendo regulamentada em legislação espe-
de monografia, mestrado e doutorado, orientação
cífica, a inserção do professor substituto nas IES fe- de bolsas tipo PIBIC, bancas etc. (LEHER e
derais traz sérias implicações para estes profissionais LOPES, 2008, p. 17, grifos nossos).
em suas condições de trabalho e na efetivação da for-
mação que operacionalizam na universidade. Alguns Com base nestes elementos, podemos consta-
autores brasileiros nas últimas décadas já vêm se de- tar que existe uma intensificação e precarização
dicando ao estudo da precarização do trabalho na nas condições de trabalho de todos os docentes nas
condição do professor substituto, a exemplo de Leher universidades públicas brasileiras e particularmente
e Lopes (2008), que apontam tendências presentes na dos professores substitutos, advindas das modifica-
atuação desses profissionais nas universidades fede- ções impostas pelo capitalismo, trazendo sérios da-
rais brasileiras, tais como: jornada de trabalho res- nos à efetivação do trabalho e organização da carrei-
trita à ministração das atividades de ensino; jornada ra docente.
de trabalho, em sua maioria, de 40 horas semanais e Pesquisa realizada com docentes efetivos dos cur-
com muitas disciplinas – inviabilizando, portanto, a sos de Serviço Social presenciais no Brasil, em 2014,
participação destes docentes nas atividades de pes- aponta que 74,4% trabalham entre 8 e 15 horas por
quisa e extensão e, consequentemente, promovendo dia. Os dados ainda apontam que 96,4% trabalham
nos fins de semana; 80,4% dos entrevistados afirmam
que o tempo não é suficiente para cumprir as exi-
A viabilidade para a proposta de desenvolvimento articulada gências e demandas do trabalho docente; e 76,2% se
à política de saúde, industrial e de ciência e tecnologia sentem pressionados com metas e prazos a cumprir
também requisita o financiamento do BNDES, principal (LIMA, 2016). Criou-se, portanto, uma lógica ge-
agente de fomento das políticas “desenvolvimentistas”. rencial-mercantil nas IES públicas e, com a expan-
Por meio do PROFARMA, o complexo econômico-industrial são das pós-graduações, os docentes das instituições
da saúde passa a ter prioridade no financiamento do públicas são obrigados a trabalhar cada vez mais para
referido órgão.
mostrar produtividade e, assim, poderem concorrer
aos inúmeros editais, uma vez que os recursos se des-
a fragilização do tripé da formação ensino, pesquisa tinam, prioritariamente, àqueles que mostram maior
e extensão –; e não direito à voz ativa nem voto nas produção. Ao mesmo tempo, por vezes, o acesso aos
reuniões das unidades acadêmicas. recursos para a infraestrutura das IES também só é
Deste cenário, pode-se inferir que a condição do possível através dos editais, sobrecarregando, sobre-
professor substituto no âmbito das IES não faz jus ao maneira, os docentes que se encontram em cargos
sentido denotativo a que deveria lhe caber, ou seja, de de gestão. Assim, as IES públicas brasileiras têm sido
substituir um professor efetivo nos mesmos parâme- submetidas à lógica do mercado em todas as suas di-
tros e condições de trabalho. Com base nisso, Leher e mensões e, no âmbito universitário, são raras as refle-
Lopes (2008) advertem que: xões críticas a essa lógica destrutiva.
Ressalte-se que, no caso dos professores substi-
A proliferação de professores substitutos tutos – geralmente docentes jovens –, estes têm que
cujo trabalho é pessimamente remunerado e
dividir o seu tempo para estudos e produções cientí-
desprovido de direitos trabalhistas pressupõe
longas jornadas de trabalho (docentes jovens ficas na tentativa de inserção no quadro efetivo, uma
requerem mais tempo para preparar os cursos), vez que:

94 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE #60


A intensificação do trabalho docente, a Ressaltem-se ainda os recentes cortes dirigidos ao

A precarização do trabalho docente


redefinição de suas atribuições – tanto em sua programa Ciência sem Fronteiras e às bolsas para os
forma como em seu conteúdo – e a divisão
programas de iniciação científica do Conselho Na-
estabelecida pela crescente contratação de
professores substitutos como tática para cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
ampliação do ensino superior nas instituições (CNPq)15. Além destes, o orçamento dirigido à assis-
públicas são estratégias para desarticulação da tência estudantil segue como uma incógnita indeci-
carreira docente – uma conquista histórica – e
frável e, no dia 11 de agosto de 2016, foi anunciada
do projeto de universidade em que pesquisa,
ensino e extensão são indissociáveis. Mudam a previsão de corte orçamentário de cerca de 45%
os atores em cena, muda a cena e novos atores do orçamento nas universidades federais16 (CFESS,
são formados, adaptados ao novo cenário. A 2016).
diferença básica entre um docente-pesquisador
Destarte, teremos o desmonte das instituições pú-
e um empreiteiro não está, no entanto, restrita à
quantidade e à velocidade do trabalho realizado blicas de ensino e um futuro no qual só poderão ter
ou às modificações nas relações de trabalho: acesso à educação superior os filhos da elite, ou seja,
como assinalado, é um outro ethos acadêmico estudantes cujos pais possam pagar pelo acesso ao
(o capitalismo acadêmico periférico) (LEHER e curso superior, já que com o desmonte da máquina
LOPES, 2008, p. 21).
pública que permite o acesso democrático à educa-
ção, a iniciativa privada fica fortalecida. Com isso,
Este é o cenário que envolve este espaço laboral na
além do escasso acesso à educação pública, a quali-
atualidade e refere-se não só à condição de precariza-
dade da formação profissional também será compro-
ção do professor substituto, mas dos demais sujeitos
metida, tanto pelas reestruturações que propõem o
envolvidos no processo: professores efetivos e alunos
retorno a um tipo de formação tecnicista, como pelo
que também vivenciam os efeitos nefastos impos-
aumento do número de contratos dos professores
tos neste contexto de flexibilização e intensificação
substitutos, uma vez que a tendência aponta para
do trabalho. Logo, é fundamental percebermos que
uma redução na realização dos concursos públicos.
a precarização para além da relação contratual está
também associada à desvalorização social do papel
exercido por este profissional.
Este é o cenário que envolve este espaço laboral na
Este panorama pode ser evidenciado no contexto
atualidade e refere-se não só à condição de precarização
do atual governo do presidente interino Michel Te- do professor substituto, mas dos demais sujeitos
mer13, que, em menos de um ano de mandato, na ten- envolvidos no processo: professores efetivos e alunos que
tativa de conter a crise do capital, já propôs medidas também vivenciam os efeitos nefastos impostos neste
drásticas, que trarão implicações gravíssimas para a contexto de flexibilização e intensificação do trabalho.
educação pública. A aprovação da PEC 55/201614 é Logo, é fundamental percebermos que a precarização
um exemplo contundente deste desmonte, visto que para além da relação contratual está também associada
prevê o congelamento de gastos públicos em setores à desvalorização social do papel exercido por este
básicos como a educação e saúde por vinte anos, alia- profissional.
da à vedação de concursos públicos. As Universida-
des e Institutos Federais, segundo especialistas, de-
Tal processo de precarização do trabalho docente
vem ser os mais prejudicados pela medida, uma vez
assume sua face mais perversa quando se trata dos
que a diminuição no investimento orçamentário na
professores substitutos, pois, além da exigência de
política de educação e a não realização de concursos
produtividade, convive-se com a (in)certeza do fim
públicos para os docentes farão com que haja uma
do contrato de trabalho. Logo, pensar na precariza-
ampliação nas formas de contratação temporárias e
ção do trabalho docente na condição dos professo-
flexibilizadas, promovendo, de forma generalizada, a
res substitutos envolve uma dimensão bem maior do
precarização da educação pública superior no país.
que só a identificação das suas precárias condições
de trabalho e fragilidades nos vínculos contratuais;

ANDES-SN n julho de 2017 95


Dívida pública e contrarreformas envolve também o entendimento do papel que estes apontou um aumento significativo de (sub)contra-
vêm ocupando na atualidade, tanto no processo de tações temporárias de professores; a sobrecarga de
formação profissional como para a reprodução do ca- trabalho e a fragilidade dos vínculos contratuais dos
pital, uma vez que estes profissionais participam tam- professores substitutos – com a consequente sobre-
bém do processo de valorização sistêmica, que exige carga de trabalho dos professores efetivos nas ativi-
maior produtividade associada ao menor custo com dades de pesquisa, extensão, coordenação de curso,
a contratação da força de trabalho. Nesse sentido, a orientações de dissertações e teses, uma vez que os
contratação de professores substitutos atende per- professores substitutos são excluídos destas ativida-
feitamente às demandas impostas pela acumulação des, exercendo apenas atividades de sala de aula. Es-
flexível do capital. tas tendências confirmam a hipótese inicial de uma
intrínseca relação entre a flexibilização do trabalho
docente e o papel exercido pela universidade opera-
Considerações finais cional no contexto de acumulação flexível do capital.
Por fim, vale ressaltar que este texto contém
Diante dos elementos problematizados neste tex- mais inquietações do que respostas; inquietações
to, pudemos observar que nos últimos anos as insti- que – esperamos – conduzam a um repensar crítico
tuições públicas de ensino – em especial as univer- da problemática aqui tratada e a novos estudos que
sidades federais ­– passaram por diversas alterações, apontem alternativas ou, pelo menos, um horizonte
que, em curto prazo, já demonstram os retrocessos a seguir num contexto tão nebuloso como este que
na garantia da educação como um direito indispen- estamos vivenciando. Este é um dos enormes desa-
sável para a formação humano-social. Nesse sentido, fios que se põem na atualidade.
a educação superior no Brasil, desde os anos 1990,
vem sendo submetida a um processo de mercantili-

Nesse sentido, a educação superior no Brasil, desde


os anos 1990, vem sendo submetida a um processo
de mercantilização crescente, no qual se prima pela
produtividade exacerbada dos docentes, aligeiramento,
flexibilização e rebaixamento da qualidade dos processos
formativos – graduações tecnológicas, cursos sequenciais
e a distância –, privilegiamento dos recursos para as
universidades privadas, com destaque para a precarização
e intensificação do trabalho docente.

zação crescente, no qual se prima pela produtividade


exacerbada dos docentes, aligeiramento, flexibiliza-
ção e rebaixamento da qualidade dos processos for-
mativos – graduações tecnológicas, cursos sequen-
ciais e a distância – e privilegiamento dos recursos
para as universidades privadas, com destaque para a
precarização e intensificação do trabalho docente.
A precarização e intensificação do trabalho do-
cente atingem professores efetivos e substitutos; con-
tudo, defende-se neste artigo que tal precarização
assume contornos de barbárie quando se trata dos
professores substitutos. Nesse sentido, este artigo

96 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE #60


notas

A precarização do trabalho docente


subjetivismo e de um individualismo exacerbados,
dos quais a cultura pós-moderna é expressão,
animosidade direta contra qualquer proposta
socialista contrária aos valores e interesses do capital.
Cf. Harvey (1996); Antunes (2011).

1. Durante o desenvolvimento do artigo,


6. Para entender a particularidade do capitalismo
apresentaremos o conceito de “Universidade
brasileiro e a condição de subordinação do Brasil aos
Operacional”.
países cêntricos. Cf. Ianni (2004); Fernandes (1975).

2. A concepção que orientou a contrarreforma do


7. Just-in-time e team work são expressões ligadas
Estado no Brasil foi: “reformar o Estado significa
ao modelo toytista. O primeiro pode ser traduzido
transferir para o setor privado as atividades que
por “na hora certa” e significa que a reposição dos
podem ser controladas pelo mercado” (BRESSER
estoques só deve ser feita após tornar-se necessária,
PEREIRA, 1996, p. 11), de modo que o Estado passa
ou seja, nada deve ser produzido, transportado ou
a ser um regulador e repassador de recursos. Ou seja,
reposto antes de haver necessidade real. O segundo
o processo de contrarreforma empreendido pelo
(“trabalho em equipe”) significa que o trabalho a ser
Estado brasileiro tem por objetivo central reduzir
desenvolvido deve ser realizado em equipe e que os
e eliminar os direitos conquistados historicamente
resultados ou fracassos deste devem ser controlados
pela classe trabalhadora. Por isso, o trato dado ao
pela própria equipe, criando, assim, um processo
termo no tocante a identificá-lo como contrarreforma
de controle/vigilância interna entre os próprios
(BEHRING, 2006).
trabalhadores.

3. Esta crise é estrutural, pois é orgânica e permanente,


8. O artigo 207 da CF-1988 estabelece que: “As
para a qual não há possibilidade de superação no
universidades gozam de autonomia didático-científica,
interior da lógica do capital. De acordo com Mészáros
administrativa e de gestão financeira e patrimonial e
(2002, p. 100), a crise estrutural é entendida como uma
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre
crise cujas implicações afetam “o sistema do capital
ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988).
global não simplesmente sob um de seus aspectos
– o financeiro/monetário, por exemplo –, senão em
9. Como toda tentativa de periodização histórica, essa
todas suas dimensões fundamentais, questionando
divisão em quatro fases é somente uma entre muitas
sua validade como sistema reprodutivo social no
possíveis.
todo”. Na percepção de Mészáros, a crise estrutural
emana de três dimensões internas fundamentais do
10. Estas orientações são norteadas pela Teoria do
capital: produção, consumo e circulação/distribuição/
Capital Humano, que surge nos Estados Unidos da
realização. Para ele, a novidade desta crise é que ela
América, com Theodore Schultz, entre os anos 1960-
apresenta um caráter universal, atingindo a totalidade
1970. A teoria defende a concepção de que o trabalho
dos países.
humano, quando qualificado por meio da educação,
é um dos mais importantes meios para a ampliação
4. O Welfare State (W. S.) ou Estado de Bem-Estar
da produtividade econômica e, portanto, das taxas
Social caracteriza-se como um pacto social entre
de lucro do capital. Ver a esse respeito, entre outros,
capital e trabalho, no qual o Estado passa a intervir
Souza Filho (2010).
na política econômica e social, provendo serviços
públicos à população. O W. S. desenvolveu-se
11. Neste ensaio traremos apenas alguns elementos
principalmente na Europa entre os anos 40 e 70 do
introdutórios para entender a condição do professor
século XX. Ver a este respeito: Behring e Boschetti
substituto nas universidades públicas, visto que a
(2006).
pesquisa ainda está em andamento. Neste sentido,
os resultados serão apresentados de forma mais
5. Com a crise do W. S., a partir de fins da década
aprofundada em nossa tese de doutorado em
de 1970, o neoliberalismo passou a ditar o ideário
andamento: O professor substituto nos cursos de
e o programa a ser implementado pelos países
Serviço Social no nordeste brasileiro: limites e impasses
capitalistas, inicialmente no centro e logo depois nos
frente à precarização do trabalho docente.
países subordinados, completando a reestruturação
produtiva, a privatização acelerada, o enxugamento
12. A principal contrarreforma da previdência se
do Estado, políticas fiscal e monetária sintonizadas
deu através da Emenda Constitucional nº 20, de
com os organismos mundiais de hegemonia do
15 de dezembro de 1998, que passa a considerar
capital, como o FMI e o Bird, a desmontagem dos
para efeito de aposentadoria não somente o tempo
direitos sociais dos trabalhadores, combate cerrado
de serviço do trabalhador, mas também o tempo
ao sindicalismo de esquerda, propagação de um
de contribuição com a previdência. O período
estabelecido passa a ser de 30 anos para as mulheres

ANDES-SN n julho de 2017 97


Dívida pública e contrarreformas

notas
e de 35 anos para os homens. No ano seguinte, foi
aprovado o fator previdenciário, que é uma fórmula
15. O Decreto 8.877, de 18 de outubro de 2016,
alterou a estrutura administrativa do Ministério da
Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
(MCTIC) e subordinou o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Agência
matemática aplicada sobre o salário que considera a Espacial Brasileira (AEB) e a Comissão Nacional de
idade do trabalhador e o tempo de contribuição, a Energia Nuclear (CNEN) à “Coordenação Geral de
fim de definir o valor a ser recebido por ocasião da Serviços Postais e de Governança e Acompanhamento
aposentadoria. O fator previdenciário visa, segundo de Empresas Estatais e Entidades Vinculadas”. E, em
seus formuladores, desestimular a “aposentadoria abril de 2017, foi anunciado, oficialmente, o fim do
precoce” (CASTRO, 2016). programa Ciências Sem Fronteiras para os cursos de
graduação. Cf. Castro (2016).
13. Para entender sobre o golpe de Estado que
culminou com o impeachment de Dilma Rousseff, ver 16. Aprofundaremos em nossa tese de doutorado
Singer et al (2016). mais elementos sobre os efeitos da contrarreforma do
Estado no ensino superior.
14. A PEC 55/2016 foi aprovada em dezembro de
2016 e tornou-se a Emenda Constitucional nº 95, de
15 de dezembro de 2016.

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referências ANDES-SN n julho de 2017 99

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