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Introdução 3
Conheça-te a ti mesmo 11
Teoria da alma 14
O destrinchador de Bois 20
A angústia da liberdade, 37
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Introdução
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Nas páginas que se seguem, retomamos a concepção integral do ser humano e o
caráter terapêutico da filosofia, enquanto cuidado de si. A filosofia é apresentada aqui
como um remédio da alma, um Pharmakom, um bálsamo para o espírito.
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Ataraxia: em busca da tranqüilidade da alma
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melhor que os prazeres da alma, assim como, para curar as dores da alma nada
melhor que os prazeres do corpo.
Apesar do prazer ser o princípio e fim da vida feliz, Epicuro afirma nem todos
os prazeres conduzem a felicidade. Há prazeres que causam dor, mas também há
dores que geram um prazer maior. Por exemplo, fumar um cigarro é prazeroso para
quem fuma, mas pode causar grandes dores como problemas respiratórios ou um
câncer. Ter que estudar ou trabalhar num final de semana é um desprazer, mas passar
no vestibular ou ganhar um bom dinheiro dá um grande prazer. Os prazeres são
relativos, por isso devemos saber diferenciar o bom prazer do mau prazer. Sempre
que escolhemos um prazer, devemos nos perguntar, que me sucederá se se cumpre o
que quer o meu desejo? Que acontecerá se não se cumpre? Para saber escolher bem
os prazeres é necessário ter a virtude da prudência. É graças à prudência que o
“sóbrio raciocínio” aprende a selecionar os prazeres que não trazem dores ou aqueles
que trazem dor, mas que, posteriormente, proporcionam um prazer maior. Epicuro
nos ensina que o conhecimento seguro dos desejos nos leva a direcionar toda escolha
e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a
finalidade da vida feliz.
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vontade. Ele deve ser capaz de educar seu caráter dominando racionalmente seus
apetites, orientando sua ação para o bem e para a felicidade. Não são os bens
materiais, o dinheiro ou a diversão que trazem a felicidade, mas ter moderação,
serenidade, equilíbrio e calma na vida. O maior exemplo de homem virtuoso é do
próprio fundador do estoicismo Zenão de Cítio. Ao perder todo o seu patrimônio em
um naufrágio ele disse ao saber do ocorrido, “O destino queria que eu filosofasse
mais desembaraçadamente”.
Outro grande filósofo estóico foi Sêneca (4-65 d.C). Foi conselheiro do
Imperador Nero e tentou orientá-lo para uma política humanista e moral. Contudo,
em 65 d.C foi acusado de ter participado de uma conspiração para matá-lo. Sem
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qualquer julgamento foi obrigado a cometer suicídio. Aceitou com serenidade a
morte com o mesmo ânimo calmo com que filosofava. Dizem que sua morte foi lenta
e cruel. Abriu as veias do braço, mas o sangue
correu muito lentamente. Com isso, cortou as
veias das pernas. Nada adiantou. Tomou então
uma dose de veneno. Enquanto esperava o
veneno fazer efeito ditou um texto a um de seus Sêneca (4-65 d.C.)
discípulos. Como o veneno não surtiu efeito, Filósofo estóico que afirmava ser
tomou banho para aumentar o sangramento. necessário abandonar os bens
materiais e buscar a tranqüilidade
Assim morreu lentamente. da alma, mediante o conhecimento
e a contemplação, para ser feliz.
Para Sêneca, o destino é inexorável. O
homem pode apenas aceitá-lo ou rejeitá-lo. Se o
aceitar de livre vontade pode ser feliz. Contudo muitos homens desperdiçam seu
tempo com bebidas, mulheres, diversões fugazes e quando se dão conta a vida já
passou. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa. Por isso, Sêneca
pregava a superação das paixões e dos desejos. Ele lamentava que muitos homens
desperdiçassem seu tempo com coisas inúteis. “A insaciável ganância domina um,
outro, desperdiça sua energia em trabalhos supérfluos, um encharca-se de vinho,
outro fica entorpecido pela inércia, um está sempre preocupado com a opinião alheia,
outro, por um irreprimido desejo de comerciar, é levado a explorar terras e mares na
esperança de obter lucro. (...) há aqueles que, voluntariamente, se sujeitam à ingrata
adulação dos superiores. Também há os que se ocupam invejando o destino alheio e
desprezando o seu próprio”. (Sêneca, 2007, p.27). Todos esses comportamentos,
segundo Sêneca, geram apenas desgostos e sofrimento. É comum no dia-a-dia
depararmo-nos com pessoas que todo mês gastam seu dinheiro no shopping, ou
gastam com jogos, bebidas ou mulheres numa eterna compulsão. São pessoas
infelizes que procuram aliviar suas tensões e sofrimentos em algum vício. Os vícios
sufocam os homens deixando-os embriagados e obscurecem a verdade. Eles tornam-
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se incapazes de voltar-se para si mesmo. Seus espíritos estão de tal modo presos as
paixões que são incapazes de achar a tranqüilidade e tudo que conquistam torna-se
pesado. As paixões pelo dinheiro, pela fama e
por mulheres apenas demonstram o espetáculo
patético do sofrimento humano “As riquezas são
pesadas para muitos! A preocupação com a
eloqüência e a necessidade de mostrar talento
tirou o sangue de muitos! Outros enfraqueceram
Marco Aurélio (121-180 d.C)
devido a uma vida de libertinagem!” (Sêneca,
2007, p.28). Dessa forma, Sêneca nos incita a Imperador de Roma e filósofo
estóico que dizia que a felicidade
superar os afetos como a cobiça, a ira, à do homem depende de si mesmo e
que vida é aquilo que nossos
vontade, os desejos e conquistar a paz e a
pensamentos fizeram dela.
tranqüilidade.
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Marco Aurélio (121-180 d.C.), imperador de Roma, também foi considerado
um dos maiores filósofos estóicos da antiguidade. Apesar de ser o homem mais
poderoso do mundo em sua época, ele era simples, humilde e absolutamente sincero
consigo mesmo. Era bondoso e amável. O problema central de sua filosofia não era
descobrir a verdade sobre os fatos ou sobre os princípios últimos e primeiros da
existência, mas descobrir o melhor caminho para se conduzir a vida e viver bem. Em
seu diário pessoal, denominado “Para si mesmo” e que foi parafraseada pela tradição
com o nome “Meditações”, Marco Aurélio escrevia suas secretas conversas íntimas
consigo mesmo. Cortesia, serenidade, piedade, generosidade, simplicidade na vida,
bondade, humanidade são princípios estóicos citado em suas “Meditações” que mais
tarde tornaram-se a base da ética cristã. Ser comedido nos desejos, saber cuidar das
próprias necessidades, cuidar da própria vida e não dar ouvidos à fofocas eram partes
de seus ensinamentos. Ser feliz para ele é viver conforme a natureza e viver
conforme a natureza é viver conforme a razão e a virtude. A razão e a virtude são os
caminhos para a felicidade, pois são os “mais elevados bens”. A vida natural é a
vida controlada pela razão. Pela razão devemos aprender que algumas coisas estão
sobre o nosso poder e outras não, ou seja, devemos nos ocupar apenas daquilo que
efetivamente está sobre o nosso controle. Se estivermos na praia e estiver chovendo,
não adianta reclamar. Revoltar-se contra os fatos não altera os fatos. Se estiver
chuvoso assista um filme, faça um churrasco ou tome uma cerveja com os amigos.
Aceitar a vida tal como ela é, com seus percalços e dificuldades, é fundamental para
sermos felizes. Não podemos pedir que a vida seja como nós queremos, mas devemos
aceitá-la como é. Dessa forma, Marco Aurélio via na Prudência, piedade,
temperança, generosidade e na força moral os produtos e ingredientes da felicidade.
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Fragmentos
Chamamos ao prazer princípio e fim da vida feliz. Com efeito, sabemos que é o primeiro bem, o bem inato, e que dele
derivamos toda a escolha ou recusa e chegamos a ele valorizando todo bem com o critério do efeito que nos produz.
Nem a posse das riquezas nem a abundância das coisas nem a obtenção de cargos ou o poder produzem a felicidade e a
bem-aventurança; produzem-na a ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição de espírito que se mantenha
nos limites impostos pela natureza.
A ausência de perturbação e de dor são prazeres estáveis; por seu turno o gozo e a alegria são prazeres de movimento,
pela sua vivacidade.
Quando dizemos então que o prazer é fim, não queremos referirmos aos prazeres dos intemperantes ou aos produzidos
pela sensualidade, como crêem certos ignorantes, que se encontram em desacordo conosco ou não nos compreendem,
mas ao prazer de nos acharmos livres de sofrimentos do corpo e de perturbações da alma.
A imediata desaparição de uma grande dor é o que produz insuperável alegria: esta é a essência do bem, se entendemos
direito, e depois nos mantemos firmes e não giramos em vão falando do bem.
E como o prazer é o primeiro e inato bem, é igualmente por este motivo que não escolhemos qualquer prazer: antes
pomos de lado muitos prazeres quando, como resultado deles, sofremos maiores pesares; e igualmente preferimos
muitas dores aos prazeres, quando, depois de longamente havermos suportado as dores, gozamos de prazeres maiores.
Por conseguinte, cada um dos prazeres possui por natureza um bem próprio, mas não deve escolher-se cada um deles;
do mesmo modo cada dor é um mal, mas nem sempre se deve evitá-las. Convém então valorizar as coisas de acordo
com a medida e o critério dos benefícios e dos prejuízos, pois que, segundo as ocasiões, o bem nos produz o mal e, em
troca, o mal, o bem.
Epicuro - Ética
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Como se portar na infelicidade?
Estamos todos ligados a fortuna. Para uns a cadeia é de ouro e frouxa,para outros é apertada e grosseira. Mas o que
importa? Todos os homens participam do mesmo cativeiro,e aqueles que encadeiam os outros não são menos
algemados.Pois tu não afirmarás,eu suponho,que os ferros são menos pesados quando levados no braço esquerdo. A
honra prendem este,a riqueza aquele outro. Este leva o peso de sua nobreza,aquele o da sua obscuridade. Um curva a
cabeça sob a tirania dos outros,outros sob a sua própria tirania. A este sua permanência em um lugar é imposta pelo
exílio,aquele outro pelo sacerdócio. Toda a vida é uma escravidão. É preciso,pois,acostumar-se à sua
condição,queixando-se o menos possível e não deixando escapar nenhuma das vantagens que ela possa oferecer.
Nenhum destino é tão insuportável que uma alma razoável não encontre qualquer coisa para consolo. Vê-se
frequentemente um terreno diminuto prestar-se,graças ao talento do arquiteto. As mais diversas e incríveis aplicações e
um arranjo hábil torna habitável o menor canto. Para vencer os obstáculos apele para a razão. Verás abrandar-se o que
resistia,alargar-se o que era apertado e os fardos tornarem-se mais leves sobre os ombros que pensavas não saber
suportá-los.
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Conheça-te a ti mesmo
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cidade. A história de sua condenação foi contada por seu discípulo Platão
no famoso livro “A apologia de Sócrates”. Este livro descreve a defesa de
Sócrates diante do tribunal de Atenas.
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a ti mesmo”, essa frase emblemática é o fundamento de toda felicidade aqui
na terra. Sócrates aconselhava seus discípulos a se autoconhecerem, pois
somente assim as pessoas sairiam da caverna, das trevas de seus espíritos
para alcançarem a luz, a verdade e a
A alma e a inteligência são Deus felicidade. Quando nos conhecemos
dentro de nós dificilmente agimos por impulso,
dificilmente somos dominados por
nossas paixões, mais resolvidos e determinados somos em nossos objetivos.
Conhecer a si mesmo significava que devemos nos ocupar menos com as
coisas desse mundo, como riquezas, fama e poder, e nos preocuparmos
mais com o cultivo de si, cultivando o conhecimento para contemplar o
bem, o belo e a verdade. Somente assim seremos felizes.
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Defesa de Sócrates
Cidadãos atenienses, eu vos respeito e vos amo, mas obedecerei aos deuses em vez de obedecer a vós, e
enquanto eu respirar e estiver na posse de minhas faculdades, não deixarei de filosofar e de vos exortar ou
de instruir cada um, quem quer que seja que vier à minha presença, dizendo-lhe, como é meu costume: -
Ótimo homem, tu que és cidadão de Atenas, da cidade maior e mais famosa pelo saber e pelo poder, não
te envergonhas de fazer caso das riquezas, para guardares quanto mais puderes e da glória e das honrarias,
e, depois, não fazer caso e nada te importares de sabedoria, da verdade e da alma, para tê-la cada vez
melhor? (...) E isso o farei com quem quer que seja que me apareça, seja jovem ou velho, forasteiro ou
cidadão, tanto mais com os cidadãos quanto mais me sejam vizinhos por nascimento. Isso justamente é o
que me manda o deus, e vós o sabeis, e creio que nenhum bem maior tendes na cidade, maior que este
meu serviço do deus. Por toda parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem
exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas, como devem preocupar-se com
a alma, para que ela seja quanto possível melhor, e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza, mas
da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados. Se, falando
assim, eu corrompo os jovens, tais raciocínios são prejudiciais; mas se alguém disser que digo outras
coisas que não essas, não diz a verdade. Por isso vos direi, cidadãos atenienses, que secundado Anito ou
não, absolvendo-me ou não, não farei outra coisa, nem que tenha de morrer muitas vezes.
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Teoria da alma
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ele chama de idéias ou formas. Elas seriam incorpóreas e invisíveis – o que
significa dizer justamente que não está na matéria a razão de sua
inteligibilidade. Seriam reais, eternas e sempre idênticas a si mesmo,
escapando a corrosão do tempo, que torna perecíveis os objetos físicos.
Merecem por isso mesmo, o qualificativo de ‘divinas’ (...). Perfeitas e
imutáveis, as idéias constituiriam os modelos ou paradigmas dos quais as
coisas materiais seriam apenas cópias imperfeitas e transitórias. Seriam,
pois, tipos ideais, a transcender o plano mutável dos objetos físicos.”
(Pessanha, 1987, XVI-II).
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Platão compara a alma a uma carruagem puxada por dois cavalos, um
branco (irascível) e um negro (concupiscível). O corpo humano é a
carruagem, e o cocheiro (Razão) conduz através das rédeas (pensamentos)
os cavalos (sentimentos). Cabe ao homem através de seus pensamentos
saber conduzir seus sentimentos, pois somente assim ele poderá se guiar no
caminho do bem e da verdade.
Platão afirma que não podemos ser felizes quando somos dominados
pela concupiscência e pela cólera, isso porque as paixões sempre nos
conduz por caminhos perigosos e contraditórios e fazem com que os
desejos e impulsos violentos de nosso corpo tirem nosso bom senso. Já
dizia Sócrates que todo vicio é ignorância. Não há nada mais deprimente do
que uma pessoa que age por impulsos e é dominada pelas paixões. Ter
autocontrole é essencial para sermos felizes. A felicidade só pode ser
alcançada se formos capazes de dominar nossos sentimentos pela razão. A
moderação é uma virtude e ela se realiza quando somos capazes de
controlar a nossa concupiscência. O indivíduo moderado é aquele que não
cede as suas paixões, impulsos e prazeres. Da mesma forma o indivíduo
não se lançara a luta e a agressão indiscriminadamente, uma vez que a
razão deve saber discernir o que é bom e mal para nossa vida, sabendo
dominar a nossa alma irascível. Dessa forma, seremos felizes se através da
razão soubermos controlar nossa vida, pois a virtude natural da razão é o
conhecimento.
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Felicidade como sabedoria prática
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nosso melhor guia e dirigente natural. Se o que caracteriza o homem é o
pensar, então esta e sua maior virtude e, portanto, reside nela à felicidade
humana. “Aristóteles, fiel aos princípios de sua filosofia especulativa, e
após ter feito uma análise e um estudo da psicologia humana, verifica que
em todos os seus atos o homem se orienta necessariamente pela idéia de
bem e de felicidade e que nenhum dos bens comumente procurados (a
honra, a riqueza, o prazer) preenche
esse ideal de felicidade. Daí a sua
Quanto à excelência moral, ela é
conclusão: primeiro, a felicidade
produto do hábito, razão pela qual
humana deverá consistir numa seu nome é derivado, com uma
ligeira variação, da palavra hábito.
atividade, pois o ato é superior a
potência; segundo, deverá ser uma
atividade relacionada com a
faculdade humana mais perfeita que é a inteligência (...)”. (Costa,1993,
p.67)
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nossas escolhas e atividades. Devemos sempre desenvolver nossas atitudes
e atividades de uma maneira predeterminada.
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O que é a felicidade?
Se a felicidade é a atividade conforme à virtude, será razoável que ela esteja também em concordância
com a mais alta virtude; e essa será a do que existe de melhor em nós. Quer seja a razão, quer alguma
outra coisa esse elemento que julgamos ser o nosso dirigente e guia natural, tornando a seu cargo as
coisas nobres e divinas, e quer seja ele mesmo divino, quer apenas o elemento mais divino que existe em
nós, sua atividade conforme à virtude que lhe é própria será a perfeita felicidade. Que essa atividade é
contemplativa, já o dissemos anteriormente.
Ora, isto parece estar de acordo não só com o que muitas vezes afirmamos, mas também com a verdade.
Porque em primeiro lugar essa atividade é a melhor (pois não só é a razão a melhor coisa que existe em
nós, como os objetos da razão são os melhores entre os objetos cognoscíveis); e, em segundo lugar, é a
mais contínua, já que a contemplação da verdade pode ser mais contínua do que qualquer outra atividade.
E pensamos que a felicidade tem uma mistura de prazer, mas a atividade da sabedoria filosófica é
reconhecidamente a mais prazerosa das atividades virtuosas; pelo menos, julga-se que o seu cultivo
oferece prazeres maravilhosos pela pureza e pela durabilidade, e é de supor que os que sabem passam seu
tempo de maneira mais prazerosa do que os que perguntam.
(...) Se, portanto, a razão é divina em comparação com o homem, a vida conforme à razão é divina em
comparação com a vida humana. Mas não devemos seguir os que nos aconselham a nos ocupar com
coisas humanas, visto que somos homens, e com coisas mortais, visto que somos mortais; mas, na medida
em que isso for possível, procuremos nos tornar imortais e empregar todos os esforços para viver de
acordo com o que há de melhor em nós; porque, ainda que seja pequeno quanto ao lugar que ocupa,
supera tudo o mais pelo poder e pelo valor.
E pode-se dizer também que esse elemento é o próprio eu do homem, já que é a sua parte dominante e a
melhor dentre as que o compõem. Seria estranho, pois, que não escolhesse a vida do seu próprio eu, mas a
de outra coisa. E o que dissemos atrás tem aplicação aqui: o que é próprio de cada coisa é, por natureza, o
que há de melhor e de prazeroso para ela; e assim, para o homem a vida conforme à razão é a melhor e
mais prazerosa, já que a razão, mais do que qualquer outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa
vida é também a mais feliz.
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O destrinchador de Bois
Por que chuang-tse estaria alegre pela morte de sua esposa? Não era
porque ela era uma chata, muito pelo contrário, ele a amava. Este fato tem
uma explicação filosófica. Em sua opinião, a morte não constitui o fim,
mas é parte do processo vital da existência. A natureza é fluxo, devir,
eternamente mudando, eternamente desvanecendo. Chuang Tsé não
distingue a vida da morte, a realidade da irrealidade, o ser do não-ser.
Tudo que existe segue um processo natural. Todos nós, antes da vida,
estavamos mesclados ao universo. Com o tempo veio à transformação e no
bojo da massa desenvolveu-se o espírito, do espírito desenvolveu-se a forma,
da forma desenvolveu-se a vida, e, por sua vez, da vida desenvolveu-se a
morte. Com a morte voltamos à grande, indistinguível e informe massa.
Assim como a natureza tem suas estações, assim também a vida humana
tem suas estações. Dessa forma, a morte é apenas parte do processo e não o
fim do processo.
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em sua opinião era uma potência mistica e metafísica que controlaria todo
o universo. Foi com Chuang-Tsé que o taoismo se popularizou. Para
Chuang-Tsé tudo na vida segue o processo natural, o caminho do Tao, que
devemos entender como a ordem das coisas de acordo com a lei natural.
Dessa forma a vida deve ser desejada como ela é e não como nós a
queremos. Assim, não devemos precaminar contra a vida ou contra a
morte. Não adianta se lamuriar, pois os fatos não se alteram. Através de
sua filosofia Chuang-Tsé tenta nos mostrar que devemos através do
conhecimento alcançar a tranqüilidade da alma, aceitando a nossa
existência tal como ela é e adaptando-se ao processo universal de mudança
e transformação. No texto “O destrinchador de boi”, Chuang-Tsé mostra-
nos como a experiência, a intuição e o bom-senso pode ser um grande guia
para vivermos a nossa vida
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entre as muitas aberturas escondidas, tirando proveito do que lá está, sem
tocar nunca num ligamento ou tendão e muito menos numa articulação
importante.
Um bom cozinheiro muda de faca uma vez por ano, porque sabe
destrinchar, enquanto um cozinheiro medíocre tem que mudar de faca
cada mês, porque só sabe cortar. Pois eu já tenho esta minha faca há
dezanove anos e trinchei milhares de bois com ela. E, no entanto, a lâmina
está tão fresca como quando saiu da pedra de afiar. Há espaços entre as
articulações. E a lâmina da faca, que quase não tem espessura, tem mais
que espaço para passar através desses espaços. E é por isso que, passados
dezanove anos, a minha lâmina está tão afiada como sempre.
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O caminhar Feliz
Cada pessoa é o que devia ser e pode viver com igual felicidade enquanto viver ajustada à sua própria
natureza. Não há pessoas que sejam superiores e outras inferiores quanto a isso.
Há pessoas cuja natureza os torna aptos a assumir cargos de chefia, outros cuja natureza faz deles bons
negociantes, bons artesãos ou bons funcionários. Há quem tenha vocação para dedicar a sua vida a ajudar
os outros e quem tenha jeito para pensar ou para investigar tudo.
Desde que respeitem a sua natureza, todas as pessoas podem fazer o que têm a fazer, com igual felicidade
e sucesso no que fizerem.
Mas existe um limite próprio para cada uma a partir do qual tudo mais que possa ser desejado apenas
levará a lamentações. Quem quer mais do que lhe é dado sofre inutilmente sem que ninguém o esteja a
castigar. Quando nos prendemos demasiado às coisas, sentimos perdas e ganhos; e a alegria e o
sofrimento são o resultado de perdas e ganhos. Só quem larga essas amarras se pode sentir
verdadeiramente feliz. A única liberdade a que os homens podem aspirar tem que estar inserida dentro
dos limites naturais da sua condição humana e da sua natureza. Só devemos tentar fazer o que podemos
realmente fazer. A nossa liberdade de ação tem limites.
Quem não gosta do que tem, porque pensa que podia ter melhor, é desagradecido e é estúpido. Abdica da
única liberdade que um Homem pode ter para optar em vez disso pela ansiedade constante de tentar ter o
que nunca vai ter. Quem não gosta do que é, acabará por passar a sua vida frustrado, tentando ser o que
nunca vai ser.
Aqueles que aceitam o curso natural das coisas ficam sempre tranquilos, quer nas ocasiões alegres, quer
nas tristes. Quem apenas gosta da felicidade, sofrerá com a tristeza. Quem aceita com tranquilidade a
inevitabilidade da morte, sabe tirar melhor proveito da vida. De que serve não a aceitar? Querer ter o que
se não pode ter é ficar preso para sempre. Quem apenas gosta da vida, sofrerá com a morte. Quem apenas
gosta do poder, sofrerá com a sua perda.
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Deus é a felicidade porque é a verdade
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ser digno de receber a felicidade. A felicidade é um bem eterno alcançado
pela plenitude espiritual. Essa plenitude só pode ser alcançada através da
busca da verdade e a verdade está em Deus. Deus é felicidade porque é a
verdade.
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homem, pelo contrário muitas vezes os tornam infelizes. Com isso, ela
chega à conclusão que o único bem que pode preencher adequadamente o
ideal de felicidade humana, é Deus. “O homem só alcança a felicidade se
atingir o bem adequado à sua natureza racional. E é através da razão que se
conhece esse bem e os meios para atingi-lo, uma vez que só a razão é capaz
de aprender a realidade objetiva do bem e dos meios que permitem realizá-
lo”. (Costa, 1993, p.70).
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Confissões
Longe de mim, Senhor, longe do coração deste vosso servo, que se confessa a Vós, o julgar-se feliz, seja
com que alegria for. Há uma alegria que não é concedida aos ímpios, mas só àqueles que
desinteressadamente Vos servem: essa alegria sois Vós.
A vida feliz consiste em nos alegrarmos em Vós, de Vós e por Vós. Eis a vida feliz, e não há outra. Os
que julgam que existe outra apegam-se a uma alegria que não é verdadeira. Contudo, a sua vontade jamais
se afastará de alguma imagem de alegria...
Felicidade
Existem bens particulares que não possuem relação necessária com a felicidade, visto que se pode
ser feliz sem eles. A tais bens, a vontade não adere necessariamente. Mas existem outros bens que
implicam nessa relação; são aqueles pelos quais o homem adere a Deus, pois é só nele que se acha a
verdadeira felicidade. Todavia, antes que essa conexão seja demonstrada como necessária pela certeza da
visão divina, a vontade não adere necessariamente a Deus nem aos bens que a ele se relacionam. Mas a
vontade daquele que vê Deus em sua essência adere necessariamente a Ele, do mesmo modo como agora
nós queremos, necessariamente, ser felizes. Por conseguinte, é evidente que a vontade não quer, por
necessidade, tudo o que deseja.
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Vinho, canções, música e amor
Somos joguetes
Nas mãos do Destino
Simples brinquedos,
à nossa custa
diverte-se o universo
Joguetes
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Que vivem redemoinhando
Ao sabor dos ventos
No passado,
Ingenuamente brincávamos
No tablado da vida.
Seremos hoje
Uns após outros,
Carregados
no féretro do não-ser
O Allah!
Semeaste de armadilhas
E eriçaste de pecados
As curvas do meu caminho!
E depois advertiste:
- Ai de ti se caíres!
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Sabemos
Que nem um só átomo se esconde
à Tua visão
Em todo o universo
Ora,
Se determinaste
Que assim se me desdobrasse
O percurso da existência
E se tão meticulosamente
Preparaste a minha queda,
Allah!
Por que me chamas
Pecador?
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Um dos requisitos para sermos livres e tranqüilos, segundo ele, é
não molestar, não odiar e não causar dano ou prejuízo a ninguém. Devemos
idealizar uma vida serena, em quietude e devemos suportar risonho as
ofensas e todo horror das calúnias. Também não devemos culpar o destino
pelo mal de que padecemos e não devemos agradecer os céus pelos bens
que desfrutamos. Toda fatalidade, alegria ou tristeza que temos surge à
revelia. Tudo que ocorre no mundo é casual.
Diante das tristezas e percalços da vida aconselhava-nos a beber
vinho. O vinho é exaltado e enaltecido em quase a metade de suas poesias.
O vinho nos abre as portas da percepção e não nos deixa alheios a vida,
fazendo com que satisfaçamos nossos instintos mais primordiais. Ele nos
liberta da dor, do sofrimento e nos propicia alegria e prazer
Se fores assediado
Por um dilúvio de tristeza
Se te vires,
Por todos os lados,
Acometidos de pesares
É o barco da salvação.
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desiludir. O vinho não era uma fuga ou apenas um simples prazer dos
sentidos, muito pelo contrário, era um instrumento de êxtase místico para
se atingir a verdade. Uma verdade que ele nunca encontrou.
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Renuncia a tudo
Neste mundo
Fortuna, poder, honrarias
Bebe
Mas, cuidado!
Não seja frívolo,
Não fales em vão
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Assim falou Zarathustra
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filosofia tornou a razão (logos) o paradigma para o mundo ocidental,
fundamentado nas categorias éticas que têm orientado os homens ao longo
da história, reprimindo os instintos de vida celebrados pela tragédia grega,
em nome de uma vida ética e consciente. O “logos” subjugou os instintos
criadores. O homem de rapina que age guiado pelos instintos foi
substituído pelo homem racional. A vida foi subjugada pela razão.
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ensina é tornar-se “si mesmo”. Essa é sua principal sabedoria. É isso que
devemos aprender com ele, devemos aprender a ser nós mesmos. Não
devemos seguir ninguém, não devemos seguir ídolos, nem mesmo a
Zarathustra . Ele nos exorta a comer muito sal, a aprender com a pedra, que
ela é dura, a saber que na dor há esperança e que o destino somos nós que
fazemos. Quem nunca sentiu dor não sabe o que é a vida. Todos nós temos
Zarathustra dentro do coração, mas também temos um dragão que impera
com suas regras e normas. Para fazer surgir uma estrela que dance devemos
quebrar muitas tábuas de leis. Quem quiser nadar que entre na água. Quem
quer, mas não age, apenas deseja e sofre.
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O mundo não é culpado pela nossa dor. Os problemas que temos é
culpa nossa. Nós somos os culpados. A dor que nos faz infeliz somos nós
que a criamos. Não é o mundo que nos faz sofrer, somos nós mesmos que
nos fazemos sofrer. O namorado mata a namorada, o filho mata o pai, o
pedestre espanca o motorista, o desempregado se suicida. Tudo isso por
quê? Porque o indivíduo desconhece sua dor. Se ele tentasse entendê-la
tudo seria mais fácil. A violência gratuita no mundo é um alivio de tensão
causada pela falta de entendimento da dor. Nós perceberíamos que essa
dor não é causada pelo mundo, mas é uma dor pessoal causada pela
insatisfação, causada pelo desejo de viver, causada pelo desejo de
liberdade, de amor e esperança. É o destino em nossos corações que
reclama a vida.
Zarathustra nos ensina que falta obstinação ao homem. Falta
personalidade. Temos que viver conforme o nosso coração. A verdade está
em nós mesmos. Não devemos seguir o rebanho. Temos que deixar de ser
gregários. Temos que adquirir perspectivas pessoais. Temos que ser frios e
corajosos. Temos que fazer sofrer para sermos felizes. Tudo que existe
carrega a seu telos (finalidade). O telos do pássaro é voar. O telos do peixe
é nadar. O telos do homem é descobrir o seu destino. Temos que descobrir
o nosso destino, a nossa lei interna. Só assim nos tornamos crianças. A
criança é um espírito livre. Ela segue seu sentido interno. Ela faz o que
quer, faz porque gosta. Temos que fazer as coisas porque gostamos e não
porque nos é imposta.
Para Zarathustra o destino do homem é crescer enquanto indivíduo.
O sentido interno do homem está ligado a sua vontade de potência, a sua
vontade de crescimento. O que importa é a nossa força interna, a força
vital. O importante é cumprir o nosso destino individual. Enquanto seres
gregários não temos individualidade. A individualidade é algo que temos
que adquirir através do nosso destino pessoal. Temos que viver
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autenticamente a vida. Temos que ser nós mesmos. O indivíduo só se torna
o que se é por suas próprias forças, ou seja, por sua vontade de potência. “E
onde há sacrifício, serviço e olhar de amor há também vontade de ser
senhor. Por caminhos secretos desliza o mais fraco até a fortaleza, e até
mesmo ao coração do mais poderoso, para roubar o poder. E a própria vida
me confiou este segredo. ‘Olha - disse – eu sou o que deve ser superior a si
mesmo’”.(Nietzsche, 2004,p.96-7) O que Zarathustra nos ensina é ser
senhor de si mesmo, pois aquele que é senhor de si mesmo é senhor do
mundo.
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Liberdade
Pois o que é a liberdade? Ter a vontade de responsabilidade própria. Manter firme a distância que nos
separa. Tornar-se indiferente a cansaço, dureza, privação, e mesmo à vida. Estar pronto a sacrificar à sua
causa seres humanos, sem excluir a si próprio. Liberdade significa que os instintos viris, que se alegram
com a guerra e a vitória, têm domínio sobre outros instintos, por exemplo, sobre o da ‘felicidade’. O
homem que se tornou livre, e ainda mais o espírito que se tornou livre, calca sob os pés a desprezível
espécie de bem-estar com que sonham merceeiros, cristãos, vacas, mulheres, ingleses e outros
democratas. O homem livre é um guerreiro. (...) Primeiro princípio: é preciso ter necessidade de ser forte:
senão nunca se chega a isso. Aquelas grandes estufas para a espécie forte, para a mais forte espécie de
homem que houve até agora, as comunidades aristocráticas ao modo de Roma e Veneza, entendiam
liberdade exatamente no sentido em que eu entendo a palavra liberdade: como algo que se tem e não se
tem , que se que, e que se conquista...
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A angústia da liberdade
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existe e só define sua essência a partir do que ele fizer de si mesmo. Não
existe uma natureza humana pronta, acabada e pré-definida. O homem é
livre para fazer aquilo que ele quer de si mesmo. Isso significa que o
homem está condenado à liberdade. Não existe destino, o destino somos
nós que fazemos. É por isso que o existencialismo tornou-se precursor dos
movimentos de liberdade e de rebeldia dos anos cinquenta e sessenta.
Hoje em dia nós vemos uma grande parte dos casais vivendo juntos sem
amor, apenas se suportando. Isso por causa dos filhos, por causa dos bens
ou mesmo por dependência psíquica em relação ao outro. A vida torna-se
insuportável. O resultado são as brigas, as traições, o consumo exagerado, a
ansiedade, as compulsões e as neuroses. Também há profissionais que
fazem a mesma atividade e odeiam o que fazem, são incapazes de mudar de
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profissão. Ficam no mesmo emprego por anos a fio, mesmo odiando o
ambiente de trabalho. É um desperdício das capacidades físicas e
intelectuais e da criatividade. Há também indivíduos que reclamam de seus
vizinhos, mas são incapazes de mudarem de casa. Vivem dez, vinte, trinta
anos no mesmo local. A explicação de Sartre para estes problemas está na
angústia da escolha. O homem tem medo da liberdade. Para muitos seres
humanos a liberdade gera a angústia. Muitos não suportam esta angústia e
para não assumir a liberdade da escolha, fogem dela. São incapazes de
escolher. São homens da má-fé. Para ele a má-fé é a atitude característica
do homem que não é capaz de escolher. Este tipo de homem aceita
passivamente sua situação, pensa que sua vida é assim porque Deus quis e
que ele não pode mudar seu destino. Ele aceita os valores, normas e regras
da tradição passivamente sem nunca refletir sobre eles. Ele engana a si
mesmo e pensa que é dono de seus atos.
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O homem condenado a ser livre
Dostoievski escreveu: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Eis o ponto de partida do
existencialismo. De fato, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem está
desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dele nada a que se agarrar. Para começar, não
encontra desculpas. Com efeito, se a existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por
referência a uma natureza humana dada e definitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o
homem é liberdade. Por outro lado, se Deus não existe, não encontramos, já prontos, valores ou ordens
que possam legitimar a nossa conduta. Assim, não teremos nem atrás de nós, nem na nossa frente, no
reino luminoso dos valores, nenhuma justificativa e nenhuma desculpa.
Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre.
Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no
mundo, é responsável por tudo o que faz. O existencialismo não acredita no poder da paixão. Ele jamais
admitirá que uma bela paixão é uma corrente devastadora que conduz o homem, fatalmente, a
determinados atos, e que, conseqüentemente, é uma desculpa. Ele considera que o homem é responsável
por sua paixão. O existencialista não pensará nunca, também, que o homem pode conseguir o auxílio de
um sinal qualquer que o oriente no mundo, pois considera que é o próprio homem quem decifra o sinal
como bem entende. Pensa, portanto, que o homem, sem apoio e sem ajuda, está condenado a inventar o
homem a cada instante.
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Bliografia
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Stratheer, Paul. Confucio em 90 minutos. Rio de janeiro: Jorge Zahar,
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