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Piracicaba – SP
2016
1
AMANDA MIRANDA DO PRADO
ANA CLARA GODOY HACKER
PIRACICABA – SP
2016
2
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
AMANDA MIRANDA DO PRADO
ANA CLARA GODOY HACKER
PIRACICABA – SP
2016
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AGRADECIMENTOS DE AMANDA MIRANDA DO PRADO
Gostaria de agradecer aos meus pais Emerson e Sônia Prado e meu namorado
Anderson Manzato por toda a compreensão e apoio durante todo o processo de escrita do
trabalho; também a nossa orientadora Ana Camila por todas as dicas e paciência, aos
professores que ajudaram a melhorar de alguma forma o nosso trabalho. Aos amigos pelas
trocas de experiências e conversas que também ajudaram na hora de escrever esse trabalho. E
a minha parceira de monografia, por me fazer gostar de novo de Machado de Assis.
4
AGRADECIMENTOS DE ANA CLARA GODOY HACKER
Agradeço primeiramente a Deus e aos meus pais Cláudio Hacker e Eloísa Godoy por
terem me dado condições de chegar até aqui e estarem sempre ao meu lado. A todos meus
familiares e amigos por terem apoiado e incentivado a minha escolha de fazer Cinema. Aos
professores, funcionários e colegas de grupo pelas trocas de experiência e por sempre se
disporem a nos auxiliar de alguma forma ao longo do curso. Ao professor Tomas Sniker que
nos auxiliou na escolha do tema, e especialmente a nossa orientadora Ana Camilla Negri,
sendo indispensável para a concretização desse trabalho. E por fim a minha parceira Amanda
Prado por dividir comigo essa admiração por Dom Casmurro e pela minissérie Capitu.
5
RESUMO
6
ABSTRACT
Keywords: Literary adaptation, Dom Casmurro, Capitu, Art Direction, Luis Fernando
Carvalho; Aesthetics.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 12
1.2.1 CENÁRIO...................................................................................................................... 19
1.2.2 FIGURINO..................................................................................................................... 23
1.2.3 MAQUIAGEM............................................................................................................... 26
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................. 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................ 91
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LISTA DE FIGURAS
Figura 3: Letícia Persiles como Capitolina e D. Glória como Eliane Giardini como nos Bastidores de
Capitu (2008). Disponível em
<https://www.facebook.com/rraimundorodriguez/photos/a.145812508799042.23995.14288467575849
2/145812635465696/?type=3&theater> Acesso em 22 de março de 2016........................................... 21
Figura 4: Oratório de Mãe Benta Santa Fé em Meu Pedacinho de Chão (2014). Disponível em
<https://www.facebook.com/rraimundorodriguez/photos/a.682817888431832.1073741860.142884675
758492/685437384836549/?type=3&theater> Acesso em 29 de março de 2016................................. 21
Figura 5: Cavalo de Euclides Villar construído para a cenografia de A Pedra do Reino (2007).
Disponível em
<https://www.facebook.com/rraimundorodriguez/photos/a.342101362503488.76384.14288467575849
2/342166669163624/?type=3&theater> Acesso em 22 de março de 2016........................................... 22
Figura 6: Figurinos de Rodrigo Lombardi e Irandhir Santos em Meu pedacinho de chão (2014).
Disponível em <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/meu-pedacinho-
de-chao-2014.htm> Acesso em 29 de março de 2016........................................................................... 25
Figura 9: Exemplo de Maquiagem de Estilo - Juliana Paes interpretando Marina Catarina em Meu
pedacinho de chão (2ª versão, 2014). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/meu-pedacinho-de-chao-
2014.htm> Acesso em 29 de março de 2016......................................................................................... 28
Figura 10: Exemplo de Maquiagem de Efeito - Doug Jones como Fauno em Labirinto do Fauno
(2006). Disponível em <http://colorindonuvens.com/blog/2014/01/20/filme-o-labirinto-do-fauno/>
Acesso em 29 de março de 2016........................................................................................................... 28
Figura 11: Tarcísio Meira como Capitão Rodrigo Cambará e Louise Cardoso como Bibiana em O
Tempo e o Vento (1985). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/o-tempo-e-o-vento/fotos-e-
videos.htm> Acesso em 22 de março de 2016...................................................................................... 34
Figura 12: Sebastião Vasconcelos como Candelário e Tarcísio Meira como Hermógenes em Grande
Sertão: Veredas (1985). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/grande-sertao-veredas.htm>
Acesso em 22 de março de 2016........................................................................................................... 35
9
Figura 13: Selton Mello como João da Ega em Os Maias (2001). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/os-maias/fotos-e-videos.htm>
Acesso em 22 de março de 2016........................................................................................................... 35
Figura 14: Simone Spoladore como Ana em Lavoura Arcaica (2001). Disponível em
<http://obaratodefloripa.com.br/cine-africano-imagens-politicas-e-sessao-diva-em-cartaz-na-fc-
badesc/> Acesso em 29 de março de 2016............................................................................................ 36
Figura 15: Lázaro Machado como Ludugero Cobra Preta, Sandra Belê como Maria do Badalo e
Irandhir Santos como Quaderna velho em A Pedra do Reino (2007). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/a-pedra-do-reino.htm>
Acesso em 22 de março de 2016........................................................................................................... 36
Figura 16: Dan Stulbach como Jonas em Afinal o que querem as mulheres? (2010). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/seriados/afinal-o-que-querem-as-
mulheres.htm> Acesso em 22 de março de 2016.................................................................................. 37
Figura 17: Rosa Marya Colin como Mãe Bia e Haroldo Costa como Aloysio em Subúrbia (2012).
Disponível em <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/seriados/suburbia.htm>
Acesso em 22 de março de 2016........................................................................................................... 37
Figura 18: Carolina Oliveira como Maria em Hoje é Dia de Maria (2005). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/hoje-e-dia-de-maria.htm>
Acesso em 22 de março de 2016........................................................................................................... 38
Figura 19: César Cardadeiro como Bento e Letícia Persiles como Capitolina em Capitu (2008)........ 39
Figura 20: Irandhir Santos como Zelão em Meu Pedacinho de Chão (2014). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/meu-pedacinho-de-chao-
2014.htm> Acesso em 29 de março de 2016......................................................................................... 39
Figura 21: Rodrigo Santoro como Afrânio, Selma Egrei como Encarnação e Marina Nery como
Leonor em Velho Chico (2016). Disponível em <https://mixoumisto.wordpress.com/2016/03/28/qual-
sera-o-grande-erro-de-velho-chico-para-conseguir-a-atencao-do-telespectador/> Acesso em 22 de
março de 2016........................................................................................................................................ 40
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Figura 31: Chão de Giz em Capitu........................................................................................................ 61
Figura 58: Dona Glória, Tio Cosme e Prima Justina “congeladas” no tempo em Capitu..................... 87
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INTRODUÇÃO
Capitu é uma minissérie, produzida pela Rede Globo em 2008, que se originou da
adaptação de um romance clássico da literatura brasileira, Dom Casmurro, de Machado de
Assis, e foi dirigida por Luiz Fernando Carvalho.
Machado de Assis foi um grande escritor brasileiro do século XIX, e um dos pioneiros
da literatura realista no país. Ele retratava as transformações econômicas, políticas e sociais,
onde abordou o retrato moral e psicológico da sociedade naquela época, formando uma visão
mais realista sobre o homem e o mundo. Entre suas principais obras que expressam bem essas
características estão Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1892), Dom
Casmurro (1900) e Esaú e Jacó (1904).
No cinema e no audiovisual há várias adaptações provenientes de suas obras. Entre
essas e tantas outras, especificamente em Dom Casmurro, é ressaltada a ambigüidade da
personagem Capitu, o ciúme doentio e a bipolaridade de Bento Santiago. A carga psicológica
na história foi um dos motivos da escolha da realização da adaptação por meio do “Projeto
Quadrante”, ministrado pela Rede Globo junto com o diretor Luiz Fernando Carvalho. Além
de Dom Casmurro (2008), foram escolhidos também para participar do Projeto, A Pedra do
Reino (2007) de Ariano Suassuna, “Dois Irmãos” de Miltom Hatoum e “Dançar Tango em
Porto Alegre” de Sérgio Faraco.
Essa escolha foi um tanto quanto desafiadora, pois o conceito de adaptação engloba
diversas reflexões e interpretações, e principalmente um preconceito generalizado a respeito
da fidelidade das obras, se tornando uma questão que é debatida constantemente por diversos
teóricos. Isso se deve a uma reação muito comum, ao nos depararmos com um filme, uma
minissérie ou uma novela adaptada, onde sempre questionamos se o produto audiovisual será
tão bom quanto o livro, se conseguirão reproduzir a história sem mudar nada, ou seja, se ela
terá uma narrativa “fiel” a original.
Isso acontece porque a “magia” de um livro é poder mergulhar em seu universo, onde
a medida em que vamos lendo, vamos criando a imagem das personagens e dos ambientes,
vendo a história acontecer com a nossa própria imaginação. Portanto, esse choque ao vermos
a obra audiovisual adaptada é natural pois acontece devido a essas imagens irem de contra
àquelas que construímos em nossa mente.
É nesse momento em que a Direção de Arte entra em cena, fazendo com que parte do
que imaginamos seja concretizado no cenário, no figurino, e na maquiagem. Isso será
discutido devido a extrema importância que existe quando falamos em Direção de Arte, onde
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ela é parte fundamental na construção da narrativa, sendo a primeira coisa que nosso olhos
registram. A nossa proposta é mostrar que muitas vezes a estética de um produto audiovisual,
mesmo que seja trabalhada de modo diferenciado, não precisa seguir o mesmo molde literário
para ser considerado uma obra “fiel”, até porque texto e imagem são constituídos por
linguagens diferentes.
Dessa maneira, a minissérie Capitu foi escolhida para ser analisada neste trabalho,
pois mostra a essência do que queremos passar. A partir dela é possível representar esse modo
alternativo de se utilizar novas formas estéticas, diferenciadas e inovadoras, escolhidas pelo
diretor Luiz Fernando Carvalho e sua equipe, de forma a (re)criar o universo diegético. Sendo
a Direção de Arte um dos principais elementos narrativos de uma história contada através da
imagem, compondo bem o espaço e acrescentando os demais diversos elementos é possível
construir uma poética que se pode adequar muito bem a narrativa, de acordo com suas
especificidades próprias de linguagem, não precisando necessariamente ser igual ao proposto
originalmente.
Assim, pretende-se ao longo desse estudo fazer uma análise comparando algumas
partes do livro com suas representações nas cenas da minissérie, focando no trabalho da
Direção de Arte e suas áreas - cenário, figurino e maquiagem – com o objetivo de desconstruir
a ideia de “fidelidade”, abrindo espaço para novos conceitos em relação a adaptação, além de
também poder contribuir como material didático sobre essa área, pois é escasso,
principalmente no Brasil, se mostrando uma área pouco reconhecida no âmbito acadêmico.
Além disso, será tratado um pouco sobre o histórico de Luiz Fernando na TV e no
Cinema, citando suas principais obras e escolhas estéticas, mostrando o estilo de trabalho que
ele vem fazendo já há alguns anos; como também o fim do Projeto Quadrante, propondo uma
reflexão a respeito da Indústria Cultural e de como ela tem poder sobre a opinião dos
consumidores.
13
CAPÍTULO 1: DIREÇÃO DE ARTE
14
Figura 1: Frame do filme Le Royaume de Fées (George Méliès, 1903)
15
Isso surgiu de uma necessidade de atender o público, que ia ficando cada vez mais
atento e exigente aos aspectos visuais do filme, aumentando então, a valorização a estes
profissionais, e também a preocupação por parte dos diretores de se criar um espaço mais
realista que ultrapassasse o senso comum da imagem de representar um mero registro do real.
Mas que não só ambientasse aquele espaço, e sim dialogasse com os demais elementos, se
tornando parte de todo o processo mental da obra, constituindo uma autonomia técnica,
estética e conceitual frente ao “produto”, se tornando um objeto diferenciado. De acordo com
Claudia Couto:
[...] existem dois espaços no cinema: o que existe no quadro (tudo o que o
olho percebe dentro da tela), e o que existe fora do quadro (projeções
imaginárias e espaço físico atrás da câmera e do cenário). O espaço que está
aparente dentro do quadro, além de configurar a identidade visual do filme,
pode ser manipulado para comunicar visualmente certos aspectos da
narrativa. (BURCH, 1992, p. 24 apud COUTO, 2004, p. 6)
Ou seja, através da imagem, a Direção de Arte pode causar um efeito direto nos
espectadores de diversas maneiras. Isso acontece devido à necessidade que a maioria das
pessoas tem, que é de ver para crer, e é dessa maneira que o espaço cênico pode ser
explorado. É o que explica Hamburger:
16
Essa é uma maneira de oferecer informações ao público para que ele seja direcionado
mais facilmente dentro da narrativa, do mundo e da mente das personagens, facilitando a
compreensão da diegese. Conforme afirma Carlos Figueiredo em seu artigo Virtualidade e
Cenografia: credibilidade no mundo ficcional (2009, p. 3245), a pretensão ao se criar cenários
e espaços ficcionais onde ocorre a ação cinematográfica, é permitir a criação de uma ilusão
que permite ao espectador ser transportado para um mundo que não é o seu. Bungarten e
Nojima (2013) complementam esse raciocínio:
Mas o que é essencialmente a Direção de Arte? Carolina Castilho em seu artigo diz
que a melhor definição ela escutou da cineasta Lina Chamie: “tudo que você vê na tela,
enquadrado pela câmera, é direção de arte”. (2006, p.4) Ou seja, a Direção de Arte é o
ambiente plástico de um filme, engloba basicamente os campos de trabalho que apresentam
sua estética visual, sendo estes, a cenografia, o figurino, a maquiagem e até mesmo os efeitos
especiais.
Esse trabalho começa pelo roteiro, no qual o diretor do filme tem o papel de interpretar
e imaginar os espaços, fazendo uma minuciosa análise dos elementos que lhes são
apresentados no texto. Sendo este o papel do diretor do filme, o do diretor de arte é traduzir
esses conceitos escolhidos e imaginados para concretiza-los através das representações do
cenário, dos objetos e pela caracterização. Ele define e conceitua essas bases sob o que será
trabalhado com a sua equipe, supervisionando-os a todo momento durante a fase de
desenvolvimento do projeto.
Todos os elementos que serão colocados no espaço tem o objetivo de definir a
personagem e transmitir informações que podem ajudar no entendimento do espectador a
respeito dela e sobre a situação em que está. Para que isso aconteça, é necessária uma longa
pesquisa histórica e social para criar essa transformação de elementos verbais (texto) para os
não-verbais (imagem), que trataremos mais afundo no próximo capítulo.
17
Ao longo desse processo é essencial estabelecer um contato constante entre o diretor, o
diretor de arte e os outros departamentos e equipes, dialogando com os demais elementos,
para que haja o entendimento e a colaboração de ambas as partes. O diretor de fotografia
também tem um papel fundamental na representação visual do espaço, com a iluminação e as
cores, pois elas podem valorizar ainda mais o que foi construído na arte, colaborando na
criação das atmosferas. Assim, como é dito por Vera Hamburger (2014, p. 20), essa relação “é
o primeiro passo para a caracterização da linguagem visual a ser adotada pelo filme, iniciando
um trabalho em conjunto e interdependente, no qual o traço de um sugere as ações de outro”,
podemos entender que cada área depende uma da outra.
Para que a definição fique ainda mais clara, Moura diz que:
O diretor de arte é responsável pela carga visual do filme, ainda que seja da
responsabilidade do diretor decidir, dentre o que o diretor de arte vai
oferecer, o que entra ou não. Dentro dessa construção visual, o diretor de
arte deve guiar o espectador a desvendar os personagens e detalhes da
história, do início ao fim do filme, por meio de recursos visuais da
cenografia, dos figurinos e da caracterização. (MOURA, 2015, p. 41)
Além do diretor de arte, que é quem comanda e supervisiona todo o trabalho, ele conta
com uma grande equipe e funções. Entre elas estão o Coordenador e produtor de arte,
produtor de objetos, cenógrafo, cenotécnico, contrarregra, aderecista, figurinista, maquiador,
entre outros auxiliares e assistentes. Vamos estudá-los mais detalhadamente a seguir.
Desse modo, já podemos entender a importância da Direção de Arte no cinema como
elemento narrativo de uma história, que não só a complementa, mas se torna única e cheia de
significados.
Especificamente no Brasil, podemos observar que a grande riqueza de sua cultura tem
muito a contribuir nas produções nacionais, em especial as obras adaptadas de grandes
clássicos, que possuem uma gama de elementos marcantes a respeito da nossa cultura. Seja
por momentos e fatos importantes da história do país, como o meio social e cultural de épocas
específicas que, principalmente, nos dão diversas possibilidades para se trabalhar.
Um exemplo disso são as obras de Machado de Assis, que sempre escreveu sobre
grandes temas da sociedade brasileira, e que emprega costumes e estilos muito específicos da
época de sua escrita. Nos próximos capítulos vamos analisar como isso foi aplicado no
seriado Capitu.
O que se pode observar é que a abordagem do diretor da série Capitu foi bem diferente
do que costumamos ver na televisão. Nessa produção há uma mescla proposital de elementos
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de tempos distintos, tempo do livro e tempo atual. E a Direção de Arte nessa série em
particular foi além. Utilizou materiais que vem das artes plásticas de maneira extremamente
criativa e inusitada. Foi por essas características que tornamos a produção o objeto de
pesquisa desta monografia. A Direção de Arte permite isso, reinventar os conceitos artísticos
de acordo com cada proposta de direção específica, buscando atingir os efeitos esperados na
obra final. Para concluir, Vargas (2004, p. 27) utiliza uma citação sobre o primeiro livro que
tratou sobre a direção de arte, publicado em 1928, que diz que: “[...] não importa se é realista,
expressionista, moderna ou histórica, deve empenhar sua função [que é] apresentar o
personagem antes que este apareça, [...] indicar sua posição social, suas preferências, seus
hábitos, seu estilo de vida, sua personalidade” (ALBRECHT, 1999, p. 8)
1.2.1 CENÁRIO
“Cenários são elementos vivos que, somados aos efeitos de luz e outros,
especiais, fabricam atmosferas e armam situações a cada acontecimento do
roteiro” (HAMBURGER, 2005, p. 33)
Como foi citado, a Direção de Arte possui uma ampla equipe que trabalha nesse
departamento, sendo eles: O Coordenador de Arte, que segundo Hamburger (2014), é
responsável por organizar os gastos e definir a logística dos trabalhos de toda a sua equipe.
Trabalha também no orçamento dos gastos e posteriormente à prestação de contas à produção
executiva. O Produtor de Arte, que tem o papel de pesquisar e providenciar a compra dos
materiais e objetos requeridos pelo diretor, além da logística do transporte, sua retirada e
entrega, nas locações e estúdios. O Produtor de Objetos se responsabiliza por preencher o
cenário. Ele corre atrás dos exemplares disponíveis no mercado, faz as escolhas e dá início às
negociações. Segundo Hamburger (2014), a história da arquitetura, do design e da decoração,
assim como as cores, texturas, materiais, etc, devem compor o universo de conhecimento do
produtor de objetos. Sua sensibilidade deve reunir-se à do diretor de arte para a caracterização
dos personagens e cenários por meio dos objetos escolhidos. O Cenógrafo, ainda segundo
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Hamburger (2014), busca por locações, realiza os primeiros esboços dos ambientes por meio
de desenhos, realiza estudos de cor e de ambientação do cenário. Além de acompanhar a
construção, a pintura e o tratamento dos ambientes, ele deve ter conhecimento de história,
arquitetura, design e arte; deve saber manusear cores e textura, e conhecer técnicas de
construção e tratamentos cenográficos. O cenógrafo tem uma grande importância e
responsabilidade no set, como afirma Marques (2007, p. 86): “Se o arquiteto constrói casas e
prédios de verdade, o cenógrafo constrói um mundo “de mentirinha”. Trata-se de uma
especialidade que demanda técnicas e aprendizados específicos”. O Cenotécnico é o
engenheiro do cenário, faz sua manutenção e conhece os materiais e estruturas das
construções dos cenários, sendo estes, pedreiros, marceneiros e pintores. O Aderecista tem o
papel de fazer o objeto que não é possível comprar, ou seja, tem de saber manipular materiais
para a criação dos objetos que foram imaginados pelo diretor. E o Contrarregra, segundo
Marques (2007, p.87), tem que acompanhar as gravações no set o tempo todo pronto para
resolver problemas e providenciar qualquer pedido relativo aos objetos de cena. Além disso
ele também tem que observar a continuidade de suas características nas cenas.
Fonte: Facebook
Figura 3: Letícia Persiles como Capitolina e D. Glória como Eliane Giardini como nos Bastidores de
Capitu (2008)
20
Fonte: Facebook
Fonte: Facebook
Figura 5: Cavalo de Euclides Villar construído para a cenografia de A Pedra do Reino (2007)
21
Fonte: Facebook
Como sabemos, o cenário abrange desde as locações até os objetos de cena e adereços.
Podemos entender, de uma forma mais simples, que o trabalho da cenografia se dá, então, por
inserir o espectador no ambiente das personagens, no lugar e na época em que eles estão
vivendo. Segundo Figueiredo (2009, p. 3239), pode-se entender que através desses recursos
visuais que foram inseridos no espaço, este cenário está impregnado de personalidade e vida
das personagens e têm um papel importante na ação delas, explicando suas atitudes, caráter,
emoções ou situações. Figueiredo (2009, p. 3237) ainda afirma que além de acentuar a ação e
o enredo, o espaço cênico deve parecer atuar sobre os próprios personagens que o habitam,
como se refere Robert Mallet Stevens em seu livro L’Art Cinématographique:
Assim, a composição dos os objetos e adereços, além das locações, carregam diversos
significados e não estão ali por acaso, por muitas vezes eles participam diretamente da ação.
Dessa maneira, é necessário estar de acordo com a narrativa e tal realidade o máximo
22
possível, para passar uma autenticidade para o espectador, que vai ser o responsável pelo
poder de transportá-lo para esse mundo novo, para dentro da mente psíquica da personagem.
E é aí que o trabalho do diretor de fotografia se torna mais importante, como explica
Hamburger:
1.2.2. FIGURINO
23
[...] o vestuário não é jamais um elemento artístico isolado. Deve considerá-
lo em relação a um certo estilo de direção, cujo efeito pode aumentar ou
diminui. Ele se destacará dos diferentes cenários para pôr em evidência
gestos e atitudes dos personagens, conforme sua postura e expressão. Por
harmonia ou por contraste, deixará sua marca no grupamento dos atores e no
conjunto de um plano. Enfim, sobre esta ou aquela iluminação, poderá ser
modelado – realçado pela luz ou apagado pelas sombras. (MARTIN, 1990,
p. 60 e 61)
Costa (2002) em seu artigo O Figurino como elemento essencial na narrativa diz que,
segundo Marcel Martin (1990) e Gerard Betton (1987), os figurinos podem ser classificados
em três categorias: Figurinos realistas, que reproduzem com cuidado e exatidão o vestuário da
época retratada pelo filme; Figurinos para-realistas, inspiram-se na moda da época sobre a que
estão trabalhando, mas procedem a uma estilização na qual é criada uma atmosfera menos real
e mais manipulável, atemporal; Figurinos simbólicos, que perdem completamente a
importância da exatidão histórica e cedem o espaço para a função de “traduzir simbolicamente
caracteres, estados de alma, ou, ainda, de criar efeitos dramáticos ou psicológicos”. Costa
ainda afirma que:
Mas muito além disso, o figurino participa diretamente da história, pois faz parte do
ator em quase cem por cento das cenas. Sendo a personagem o foco principal da narrativa,
através de suas cores e estilos, o figurino pode agregar muitas informações sobre sua
personalidade e seu estado psicológico e emocional.
24
aparição ou compreendido em suas transformações. (HAMBURGER, 2014,
p .47)
Ainda segundo a autora Hamburger, os cortes, suas formas, estrutura e estilo são
responsáveis por oferecer diferentes facetas das personagens ao espectador. E de acordo com
o desenrolar da narrativa, suas transformações serão implicadas também em suas vestimentas.
E é importante lembrar que o figurino atua como elemento fundamental na narrativa
em conjunto com todos os outros departamentos. Como é afirmado por Costa (2002, p. 42):
“O figurino não pode ser visto independente de outros elementos de um filme: ele se insere
em um contexto que inclui a cenografia, maquiagem, a iluminação, a fotografia, a atuação”.
Figura 6: Figurinos de Rodrigo Lombardi e Irandhir Santos em Meu pedacinho de chão (2014)
25
Fonte: Site Gshow
1.2.3 MAQUIAGEM
26
por exemplo, a tatuagem, uma barriga falsa, peruca, etc; E já a Maquiagem de Efeito exerce o
papel de transformar a personagem em algo totalmente distinto do modo como o ator é.
27
Figura 9: Exemplo de Maquiagem de Estilo - Juliana Paes interpretando Marina Catarina em Meu
pedacinho de chão (2ª versão, 2014)
Figura 10: Exemplo de Maquiagem de Efeito - Doug Jones como Fauno em Labirinto do Fauno (2006)
28
A maquiagem tem o papel de auxiliar na composição e identificação da personagem
na ficção, além de facilitar também, situar o espectador em uma determinada época e lugar.
Hamburger (2014, p. 50) define de maneira simples e clara sobre o papel que ela exerce: “De
uma forma ou de outra, sua realização é regida pela busca de uma representação que
autentifique, sobre a figura do personagem, o universo visual criado”. Ela tem o poder de
provocar um impacto visual imediato no público, gerando sensações sejam de empatia ou
estranheza. Ainda segundo Hamburger (2014, p. 49): “Ao lado do figurino e da cenografia,
ela colabora para o entendimento da cronologia da narrativa, marcando as variações de humor
e as situações de vida pelas quais o personagem passa”.
29
CAPÍTULO 2: CONTEXTUALIZAÇÃO E ADAPTAÇÃO: DE MACHADO DE ASSIS
A LUIZ FERNANDO CARVALHO
Com a escrita mais madura, Machado de Assis aprofunda mais seu interesse na análise
psicológica, na análise dos valores sociais, morais e éticos dos personagens, tem uma visão
objetiva e verossímil de tratar a realidade, destaca os aspectos negativos da natureza humana
carregado de ironia e humor. Segundo Candido e Castello (1987), Machado era um
observador arguto do seu momento político e social. Colocava sempre em primeiro plano a
pessoa humana, suas incertezas, esperanças e contradições.
30
Sendo assim, a partir de 1880, a literatura brasileira teve o seu auge, como afirma
Candido e Castello (1987): “[...]Este momento áureo fora mais ou menos de 1880 (publicação
de Memórias Póstumas de Brás Cubas) até 1908 (morte de Machado de Assis). Nele se
observa um contraste interessante, que ilustra o processo de oficialização literária”.
Apesar de Machado ter sido marcado principalmente por suas obras realistas, como
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, e Memorial
de Aires, Teixeira ainda diz que:
31
seus componentes, no entanto, a posição do pai como cabeça da família
continuou indiscutível. (STEIN, 1984, p. 22)
Desde nova Capitu se mostrava diferente do ideal feminino da época, e cada vez mais
foi se colocando como o oposto da imagem submissa que ainda se tinha das mulheres do
século XIX. A posição da mulher de Bento o confundia, transtornava, e o tornava em um
homem inseguro pelas atitudes de sua amada, criando, dentro de sua própria maneira de
pensar, a desconfiança e o ciúme doentio. Assim como afirma Stein (1984) “A Capitu que ele
apresenta corresponde à imagem que ele tem dela, ela no seu texto é um enigma e continuará
a sê-lo”. Ainda como ainda afirma Stein (1984), conclui-se que a ambiguidade é justamente a
intenção de Machado no romance. E que segundo a definição de Teixeira (1988): “[...] Dom
Casmurro coloca principalmente a questão da dúvida entre o que conhecemos das pessoas e
aquilo que elas realmente são”.
Por fim, o que podemos observar é que, segundo Bosi (1999), Machado de Assis fixa
o Brasil urbano do século XIX, mas pensa como um analista moral do século XVII, sendo,
para nós no século XX uma voz inquietante que fala baixo mas provoca sempre.
32
2.2 O PROJETO QUADRANTE E A EQUIPE DO DIRETOR LUIZ FERNANDO
CARVALHO
O Projeto Quadrante foi uma produção ministrada pela Rede Globo juntamente com o
diretor Luiz Fernando Carvalho e foi criada com o intuito de reeducar o olhar do espectador
através de produções com uma maior qualidade estética e mais diferenciada do que se
costuma produzir na TV, levando um pouco mais da nossa rica cultura brasileira para o
público. Além de serem escolhidas apenas obras literárias nacionais para as adaptações, tinha-
se o objetivo de fazerem as filmagens nos locais onde a história original se passava com a
participação de uma equipe local.
A primeira realização do Projeto foi “A Pedra do Reino” de Ariano Suassuna, em
2007. A segunda foi “Capitu” de Machado de Assis, em 2008. Estavam previstos também as
minisséries “Dois Irmãos”, de Miltom Hatoum e “Dançar Tango em Porto Alegre” de Sérgio
Faraco.
Em 2009, o Projeto Quadrante não teve muito sucesso e devido aos baixos índices de
audiência, a Rede Globo optou por cancelá-lo. Alguns anos depois chegaram a cogitar uma
possível volta do Projeto, mas por fim não ocorreu.
Antes de entrarmos na análise sobre a minissérie Capitu, temos que conhecer um
pouco sobre Luiz Fernando Carvalho e seu histórico dentro do Cinema e da TV. Carvalho
nasceu em 1960 no Rio de Janeiro, é formado em Letras, e começou a fazer trabalhos com
cinema desde novo, sendo assistente de diversas áreas. Não demorando muito para migrar
para a televisão, seus primeiros trabalhos no meio foram nas minisséries O Tempo e o Vento
(1985) e Grande Sertão: Veredas (1985). Por conta disso conheceu o diretor de fotografia
Walter Carvalho, que passou a ser seu parceiro em diversos projetos.
Desde sempre Luiz Fernando guiou a maior parte de sua carreira dando maior atenção
a adaptações de obras literárias, com o objetivo de aprimorar e expandir a linguagem
televisiva, apresentando uma estética cinematográfica inovadora, levando para minisséries e
1
Entrevista retirada do site http://gshow.globo.com/programas/capitu/capitu/platb/2008/11/26/com-a-palavra-o-
diretor/
33
até telenovelas. Dessa forma, ele deixa registrada sua identidade como diretor. Assim como
afirma Moura:
Ele ficou ganhou esse destaque por conta de diversas obras, como Os Maias (2001),
Lavoura Arcaica (2001), Hoje é Dia de Maria (2005), A Pedra do Reino (2007), Capitu
(2008), Afinal o Que Querem as Mulheres? (2010), Suburbia (2012) e Meu Pedacinho de
Chão (2014), e agora Velho Chico (2015) que está sendo produzida.
Figura 11: Tarcísio Meira como Capitão Rodrigo Cambará e Louise Cardoso como Bibiana em O
Tempo e o Vento (1985)
34
Figura 12: Sebastião Vasconcelos como Candelário e Tarcísio Meira como Hermógenes em Grande
Sertão: Veredas (1985)
35
Figura 14: Simone Spoladore como Ana em Lavoura Arcaica (2001)
Figura 15: Lázaro Machado como Ludugero Cobra Preta, Sandra Belê como Maria do Badalo e
Irandhir Santos como Quaderna velho em A Pedra do Reino (2007)
36
Figura 16: Dan Stulbach como Jonas em Afinal o que querem as mulheres? (2010)
Figura 17: Rosa Marya Colin como Mãe Bia e Haroldo Costa como Aloysio em Subúrbia (2012)
37
Além do diretor, uma produção como Capitu requer um trabalho árduo em equipe, até
porque o diretor é só uma chave para toda a significação visual de uma obra. Desse modo,
devemos conhecer também a equipe de cenografia e produção de arte da minissérie.
O responsável pelo núcleo de arte é Raimundo Rodriguez, nascido em 1963 no Ceará,
tem como formação em artes plásticas, mas já trabalhou na direção de arte de minissérie e
novelas, iniciando com Hoje é Dia de Maria (2005), e posteriormente com A Pedra do Reino
(2007), Capitu (2008), Alexandre e Outros Heróis (2013), Meu Pedacinho de chão (2014) e
agora Velho Chico (2016), entre outros trabalhos no cinema e no teatro. A principal
característica para a criação de suas obras e sua cenografia é a reciclagem, assim como ele
mesmo diz: “A arte contemporânea é marcado pelo excesso. Eu detesto perdas. O que me
interessa é transformar”.2
Figura 18: Carolina Oliveira como Maria em Hoje é Dia de Maria (2005)
Figura 19: César Cardadeiro como Bento e Letícia Persiles como Capitolina em Capitu (2008)
38
Fonte: Fotograma retirado da minissérie
Figura 20: Irandhir Santos como Zelão em Meu Pedacinho de Chão (2014)
Figura 21: Rodrigo Santoro como Afrânio, Selma Egrei como Encarnação e Marina Nery como
Leonor em Velho Chico (2016)
39
Fonte: Site Uol
Trabalho com Luiz desde “Hoje é dia de Maria”, depois fiz “A Pedra do
Reino” e depois “Capitu”. O processo de criação é sempre bem parecido,
mas sempre tenho muita liberdade no que diz respeito ao meu trabalho; é
claro que busco atender a dramaturgia, nunca esquecendo que a direção é do
Luiz, assim me coloco. Nossa parceria de longa data me deixa confortável
para propor objetos ou ambientes. (RODRIGUEZ)3
O figurino é assinado por Beth Filipecki, nascida em Piraí no Rio de Janeiro em 1952,
estudou artes cênicas na Escola Nacional de Belas Artes. Passou a trabalhar como assistente
figurinista através de uma indicação da professora Maria Augusta Rodrigues, e a partir disso
se enveredou por esse ramo. Seus primeiros programas foram no seriado Ciranda Cirandinha
(1987) e na série Aplauso (1979), e posteriormente veio trabalhando em diversas novelas,
minisséries e filmes.
Daniela Garcia, assistente de Beth, explica o trabalho em Capitu:
3
Entrevista de Raimundo Rodriguez concedida para este trabalho
40
escuro. Tudo isso tendo como eixo a Capitu, que é o orvalho da flor que vira
um oceano. Todos que estão a volta dela são impactados.4
A tarefa de fazer a transposição de um livro para a tela é algo bem complexo e requer
muito cuidado em todo seu processo. Afinal, o roteirista e o diretor pegarão um universo que
existe apenas na imaginação do leitor, e irão decodificá-lo para a tela, seja no cinema ou na
TV. O conceito de adaptação engloba diversas reflexões e interpretações que são debatidas
constantemente e podem ser vistas de forma equivocada. O que acontece é que existe o pré-
conceito de que o produto audiovisual não possa transpor com qualidade e “fidelidade” toda a
riqueza da literatura. O senso comum é que, se o produto não é “fiel”, ele não é bom. Muitas
vezes quando o filme não é apresentado como uma reprodução do livro, gera uma decepção e
frustração em boa parte do público, pois eles continuam esperando uma reprodução idêntica a
obra original. Santos (2011) diz que existem adaptações cinematográficas de grande apelo
4
Entrevista concedida para o site http://gshow.globo.com/programas/capitu/capitu/platb/tag/figurino/
41
comercial e temas leves que contribuem para a manutenção do preconceito quanto a
adaptações. E por isso, não se pode dizer que essa interpretação se deve simplesmente porque
se tratam de adaptações, pois, na realidade a depreciação se dá por se tratar de um produto
consumido pelas massas. Guimarães complementa este raciocínio dizendo que:
42
Quando pensamos em uma história reproduzida por esses dois tipos de mídia, é
evidente que existem outros tipos de linguagem. Desse modo, essa discussão a respeito do que
é propriamente uma adaptação, nos leva a necessidade de definir e refletir, primeiramente,
quais são esses tipos de linguagens e como elas se relacionam, seja se tratando de suas
diferenciações ou de suas semelhanças.
Na literatura temos a linguagem verbal, que podemos defini-la por meio de sequências
de palavras, utilizando o recurso de texto para descrever as ações, os ambientes e as
personagens. No campo do audiovisual – cinema e TV -, além da linguagem verbal, temos a
não-verbal, na qual se utiliza a imagem, com seus recursos visuais compondo o quadro, se
tornando também uma forma de se contar uma história. Podemos dizer que a literatura possui
um narrador que dialoga com o leitor através dos acontecimentos mais importantes durante a
narrativa, as principais ações das personagens, suas características e os ambientes em que elas
se inserem. Já o cinema e a TV direcionam a atenção do seu espectador através de recursos
técnicos e estilísticos, como a arte, fotografia, som, edição e montagem. Santos reafirma esse
raciocínio:
Marcel Martin (1990, p.22) afirma que “A imagem fílmica suscita portanto, no
espectador, um sentimento de realidade bastante forte, em certos casos, para induzir à crença
na existência objetiva do que aparece na tela” e o que a distingue de todos os outros meios de
expressão culturais é o poder excepcional que vem do fato de sua linguagem funcionar a partir
da reprodução fotográfica da realidade, pois com ele são os seres e as próprias coisas que
aparecem e falam, dirigem-se aos sentidos e à imaginação.
43
produção cultural distintos, pois ambas têm suas especificidades próprias. Esses recursos
audiovisuais exercem o papel de descrever o que precisa ser dito sem o artifício de palavras
ou narrações; o que o texto conta, a câmera mostra. Porém, além disso, suas possibilidades
muitas vezes vão além desse senso comum. É o que afirma Johnson:
Flávio Aguiar (2003) no livro Literatura, Cinema e Televisão cita Umberto Eco. Este
diz que na literatura, os estímulos emotivos vêm após os leitores atravessarem uma verdadeira
cortina de operações semânticas e sintáticas guiadas por signos, materializados em palavras e
organizados em conceitos. Já no cinema, ou mesmo na TV, a presença da imagem visual
desperta reações imediatas, incluindo-se as fisiológicas, com risos, lágrimas, descargas de
adrenalina e outras. E que sendo assim o ponto comum entre as duas é que narrativa literária e
filme cinematográfico são artes de ação. A diferença entre elas está na articulação temporal de
suas sequências para o receptor, e que o cinema monta vários presentes para representar a
ação, enquanto a literatura representa a ação para aprofundar o problema do tempo.
No caso da adaptação de Capitu para a minissérie televisiva, ela foi realizada após, em
1990, a obra de Machado de Assis completar 100 anos. A releitura feita pelo diretor Luiz
Fernando Carvalho demonstra não apenas uma homenagem, mas sim uma forma de dizer ao
público que Machado e sua obra ainda são muito atuais, e ele apresenta isso de uma forma
atemporal. É aí que a Direção de Arte se apresenta como a grande responsável por causar esse
efeito, mostrando uma estética com características diferentes e inovadoras.
44
[...] na perspectiva da recriação há duas propostas para o processo adaptativo:
concentrar-se apenas na narrativa e no que os códigos têm em comum; e/ou
investir também na estética para representar na tela os elementos que não são,
naturalmente, compartilhados entre a literatura e a linguagem cinematográfica.
(SANTOS, 2011, p. 27)
Desse modo, podemos entender que tudo depende da forma como a história será
representada. As escolhas do diretor e da equipe são fundamentais para a (re)criação do
universo diegético. E é isso que abordaremos no próximo capítulo; como foi trabalhada a
transposição do realismo literário para a estética surrealista da minissérie, observando
inspirações do diretor que influenciaram suas escolhas, e posteriormente será feira a
comparação dos acontecimentos do livro para as cenas da minissérie, analisando as áreas da
Direção de Arte, cenário, figurino e maquiagem.
45
CAPÍTULO 3: ANÁLISE DO PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO DO REALISMO
LITERÁRIO PARA A ESTÉTICA VISUAL DA MINISSÉRIE
Não é de hoje que o cinema utiliza formas diferentes e inovadoras para se expressar e
construir sua narrativa. Essas características ficam mais presentes a partir da década de 1920,
com o surgimento das Vanguardas Cinematográficas que tiveram início com o
Expressionismo Alemão cujo auge foi entre 1920 3 1930. Os cineastas, através de suas
técnicas, trouxeram uma forma experimental, não convencional, de se fazer um filme. Assim
como afirma Mark Cousins:
De 1918 a 1928, os cineastas aplicaram suas técnicas, com cada vez mais
sofisticação, a cada aspecto da experiência - o instinto para criar risos, a
questão de como vemos e ouvimos, a vida das pessoas à margem da
sociedade, o dinamismo das cidades e como seus moradores se comportam,
o inconsciente e questões mais abstratas sobre a vida, a ciência e o futuro.
Depois que cineastas de todo mundo perceberam que seu meio podia fazer
coisas complexas, eles levaram a criatividade ao limite e surpreenderam a si
mesmos e a seus colegas com novas descobertas. Em nenhuma época, até a
década de 1960, haveria tanta inovação estilística no cinema, e o entusiasmo
dos anos 1920 é palpável até hoje. (COUSINS, 2013, p. 62)
46
impulso criativo da arte expressionista origina-se de um compromisso com o primado da
verdade individual, pois encara a subjetividade como comprovação daquilo que é real.
(CÁNEPA, 2012, p. 57)
Ou seja, o Expressionismo abordava o caráter psicológico das personagens, e
apresentava isso por meio da composição plástica do espaço, pela fotografia, a mise-em-
scène, e que descreviam a situação emocional das personagens. Carregados de simbologias,
evitando as formas realistas, a atmosfera criada era capaz de provocar sentimentos nos
espectadores fazendo-os se envolver na narrativa.
Um exemplo disso é O Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiene (1920) que se
tornou um clássico por provocar as primeiras discussões a respeito das possibilidades
artísticas e expressivas do cinema. Assim como afirma Cousins (2913, p. 98), dizendo que ele
mostrou que o ponto de vista das imagens dos filmes pode ser ambíguo, tanto olhando de fora
para as neuroses de seus personagens quanto de dentro deles. Isso serviu de inspiração para
outros trabalhos, que tinham como proposta traduzir visualmente conflitos emocionais,
tornando a sétima arte cada vez mais complexa.
Nas figuras abaixo podemos observar o drama plástico criado, repleto de simbologias
que passavam a sensação de um mundo tortuoso e imprevisível, provocando sentimentos de
inquietação e desconforto. (CÁNEPA, 2012, p. 67)
47
Figura 23: O Gabinete do Dr. Caligari
48
Essa complexidade criada por meio da subjetividade do aspecto emocional das
personagens questiona o ponto de vista das imagens e suas interpretações, transformando o
estilo em uma tendência atemporal.
O diretor Luiz Fernando, tomando conhecimento de que Dom Casmurro dizia muito a
respeito de suas emoções e próprias interpretações, se apropria disso para criar uma estética
baseada nesses sentimentos, se inspirando na estética angustiante do Expressionismo Alemão
e criando “Capitu” na forma da visão conturbada de Bento Santiago, principalmente na
questão de sua maquiagem.
Marques (2007, p. 89) destaca também outra característica em comum do
Expressionismo que condiz muito com a visão de Carvalho em Capitu, ela diz que “Em
algumas “escolas” cinematográficas, o cenário adquiriu tamanha importância, que se tornou
quase que um personagem do próprio filme, como é o caso do expressionismo alemão”.
Desse modo, entre tantas outras minisséries, Capitu se destaca como uma obra
audiovisual inovadora para a televisão brasileira, porque se aproxima do público. Assim como
Machado é uma “voz” que dialoga com o leitor através do texto, o diretor Luiz Fernando cria
esse diálogo de Bento Santiago com o público através da câmera, narrando e comentando as
suas experiências, falando em primeira pessoa, guiando os espectadores por toda obra. Além
de ser feito por meio de voz-over, é feito também por meio da quebra da quarta parede.5 Em
vários momentos da minissérie Bento fala olhando pra câmera, criando essa aproximação com
o espectador.
Com isso, é de extrema importância destacar que todo o texto falado que foi colocado
na minissérie foi retirado do livro. Ou seja, todas as falas das personagens foram transcritas
para o roteiro exatamente da mesma forma como estão no livro de Machado de Assis. Isso nos
mostra que apesar disso, as imagens construídas seguem o oposto do realismo
cinematográfico, mesmo seu texto sendo realista para a literatura, reafirmando, mais uma vez,
que a minissérie segue o todo tempo a narrativa construída por Machado de Assis.
O texto é Machado puro. Sem nenhum artigo meu, sem nenhuma vírgula
minha. Tenho certeza de que não traí Machado nesse sentido, já que tentei
me aproximar dele com esse espírito de continuação, com esse tom dialético,
libertando seu texto de leituras castradoras que o aprisionam ao realismo do
século XIX. (CARVALHO, Fernando. Diálogo com o diretor, 2008, p.77)
49
Assim, por meio dessa linguagem e da composição, Luiz Fernando, com suas
percepções, cria analogias entre o cinema e a literatura a fim de traduzir os métodos de
Machado de Assis, e não o conteúdo da história.
Em entrevista, Luiz Fernando ainda diz que quis desconstruir essa imagem de que
Machado é antigo e sisudo, mostrando que sua literatura é muito mais que isso. E que com
Capitu, eles estão lutando contra o preconceito de que Machado de Assis é chato e antigo. E
sim, que o escritor é atual e moderno, e que os jovens precisam entender Machado como um
grande criador, interativo, imagético, emocionante, irônico, melancólico e atemporal.6
50
3. 2 A INDÚSTRIA CULTURAL
51
Dessa maneira, a preocupação com o conteúdo acaba sendo deixada de lado, dando
espaço apenas para aqueles que trazem algum tipo de retorno financeiro. Assim, a sociedade e
toda sua cultura acabam se tornando uma indústria conduzida pela técnica.
Arlindo Machado (2010) em seu livro “Artemídia” diz que as máquinas semióticas
são, na maioria dos casos, concebidas dentro de um princípio de produtividade industrial, e
não para a produção de objetos singulares, singelos e sublimes. Dessa maneira, entende-se
que desde o início da era da industrialização as máquinas surgiram com esse intuito de
produzir produtos em larga escala, reafirmando o quanto a preocupação do conteúdo que se
produz é deixada de lado.
Para entendermos melhor essa relação da comunicação com a cultura, podemos pensar
que ela primeiramente chega até nós através da criação, do aprendizado, das normas e regras
de comportamento vindos da nossa geração e da comunidade em que habitamos. Com o
passar do tempo podemos modificá-la por meio do contato com outros grupos, com a arte, a
música, etc. Isso ocorre porque na medida em que vamos tendo contato com esses fatores
externos, isso influencia na nossa maneira de pensar e se relacionar em sociedade. E é
principalmente através dos meios de comunicação que isso acontece.
Através desse novo modo de produção, obtém-se então, uma cultura de massa. Ou
seja, segundo Arão Souza (2010, p. 7) a cultura de massa se apropria das culturas eruditas e
populares e as transformam em uma produção em série. Essa produção em série estimula um
público menos exigente que não se importa com o valor estético da produção se satisfazendo
apenas com o consumo breve, fútil e imediato dessas mercadorias culturais.
Assim, criada essa sociedade massificada, o avanço da tecnologia e o surgimento das
indústrias são colocados a serviço da reprodução do capitalismo, resultando em uma
padronização e racionalização das formas culturais, enfatizando o consumo como garantia da
distração da sociedade, que através da comunicação, com seus estímulos lingüísticos e
visuais, provocam reações nos espectadores, apaziguando a relação das pessoas quanto aos
problemas sociais.
52
Porém, a questão que fica é: por que essa realidade é tão difícil de mudar? Adorno
afirma que o poder da Indústria Cultura sobre os consumidores é mediado pela diversão
oferecida a eles, se tornando uma indústria do divertimento. Esse processo teria atrofiado a
capacidade do indivíduo de pensar e agir de uma maneira crítica e autônoma, faltando uma
consciência por parte do trabalhador que acaba sendo absorvido pelo capitalismo e alienado
pelo que está sendo imposto pelos meios de comunicação de massa. Essa alienação acaba por
evitar a consciência e revolta em relação aos problemas sociais que ocorrem.
Essa manipulação criada pela Indústria Cultural atende à demanda das massas e impõe
padrões já determinados de consumo e de comportamento, sendo vantajoso financeiramente
para o capitalismo manter esse estado de ignorância do público.
[...] para esse ramo de negócios é interessante não apenas manter as mais
amplas camadas da população num estado de ignorância, mas, tanto quanto
possível, cultivar e ampliar essa ignorância, pois, além de isso (não sempre,
mas frequentemente) garantir a adesão ao status quo, também influencia no
custa total das produções. Um público com aspirações estéticas mais
sofisticadas não se contentaria com a paupérrima banalidade que é servida
como prato principal no “horário nobre”. Certamente, um público mais culto,
54
por conseguinte esteticamente mais exigente, implicaria uma escala de
custos que poderia vir a comprometer a rentabilidade da indústria cultura.
(DUARTE, 2010, p. 49 e 50)
[...] Pertenço ao grupo daqueles que acreditam que o público não é burro,
mas doutrinado debaixo de um cabresto de linguagem. Luto contra isso.
Sabendo da dimensão que a televisão alcança no Brasil, tratá-la apenas como
diversão me parece bastante contestável. Precisamos de diversão, mas
também precisamos nos orientar e entender o mundo [...]8
8
Trecho da entrevista retirado do site http://ulbra-to.br/encena/2013/07/28/Luiz-Fernando-Carvalho-o-publico-
nao-e-burro
55
CAPÍTULO 3.3: ANÁLISE DA DIREÇÃO DE ARTE COMO ELEMENTO
NARRATIVO
Assim como foi dito até agora, em Capitu, o diretor Luiz Fernando manteve o texto da
mesma forma que está no livro Dom Casmurro, com as mesmas falas e narrações. Porém, a
narrativa visual da série se mostra diferente, criativa, inovadora e atemporal. É possível ver
desde a primeira cena da minissérie que foram utilizados cenários e imagens de épocas
distintas para passar essa impressão de atemporalidade.
No primeiro capítulo, “Do Título”, logo na primeira cena da série vemos uma cidade
moderna do século XXI vista de cima. A câmera mostra um trem que segue pelos trilhos e é
possível ver pinturas todas coloridas feitas em grafites em suas laterais. Em seguida, a
seqüência da cena segue contrastando com imagens antigas em preto e branco de um trem
chegando à estação.
56
Figura 26: Imagem de uma antiga estação de trem de Capitu
Em meio às imagens, a voz de Bento Santiago surge como uma narração, contando
como acabou sendo apelidado por Dom Casmurro, mostrando agora, ele e outro rapaz em sua
companhia no interior do trem moderno. Ambos estão caracterizados como homens do início
do século XX, porém há outras pessoas sentadas no vagão, e é possível ver a diferença de suas
vestes, sendo estas, claramente atuais.
Além disso, é possível notar que desde essa primeira cena se utilizam de um tipo de
lente grande angular que amplia e distorce a imagem, e que é possível identificar o seu uso até
o fim da minissérie, principalmente nas cenas em que vemos Dom Casmurro narrando suas
lembranças. O narrador observador é melhor representado através da imagem pela grande
angular, pois assim é mostrado seu rosto mais de perto, com mais detalhes, dando uma
dramatização maior para a cena.
57
Figura 27: Bento Santiago dentro de um trem do século XXI em Capitu
No capítulo 6 “Tio Cosme”, Dom Casmurro conta que uma de suas maiores
lembranças de seu tio era quando todas as manhãs ele montava na besta que Dona Glória
havia lhe dado para ir até o escritório em que trabalhava, e que devido as formas físicas do tio,
todos ali ficavam aflitos a cada vez que ele ia montar em cima do bicho.
Uma das minhas recordações mais antigas era vê-lo montar todas as manhãs
a besta que minha mãe lhe deu e que o levava ao escritório. O preto que a
tinha ido buscar à cocheira, segurava o freio, enquanto ele erguia o pé e
pousava no estribo; a isto seguia-se um minuto de descanso ou reflexão.
Depois, dava um impulso, igual efeito. Enfim, após alguns instantes largos,
tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais, dava o último surto da
terra, e desta vez caía em cima do selim. Raramente a besta deixava de
mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo. Tio Cosme
acomodava as carnes e a besta partia a trote. (ASSIS, 1997, p. 24)
O que mais chama atenção nessa cena é como a besta é representada pela direção de
arte. Formada por uma estrutura de cavaletes e rodinhas de ferro com uma cabeça de cavalo
construída especialmente para a minissérie.
58
Figura 28: Besta de Tio Cosme em Capitu
59
Nos capítulos 12, 13 e 14 que correspondem aos títulos “Na Varanda”, “Capitu” e “A
Inscrição”, respectivamente, Dom Casmurro se recorda de quando ouviu a conversa entre José
dias e sua mãe Dona Glória, quando discutiam que a relação de Bentinho e Capitu poderia ser
um empecilho para sua ida ao seminário. Revivendo os momentos entre ele e a menina que,
na maioria das vezes, brincavam no quintal de sua casa para brincarem, Bentinho se dá conta
de que estão apaixonados.
Cortinas vermelhas se abrem, aparecendo Capitu correndo e dançando por um galpão
onde se passa a trama. Aqui podemos perceber referências ao teatro, pois todos os cenários
são trabalhados dentro desse palco, independente se são áreas internas ou externas. Enquanto
risca o chão com um giz de quadro negro. Dom Casmurro surge andando por cima dos riscos,
como se estivesse se equilibrando, a fim de seguir a menina.
Como foi dito, o que chama mais atenção em ambos os capítulos é a construção do
cenário na minissérie, pois, como foi toda feita dentro de um galpão. o Departamento de Arte
utilizava-se de outros recursos para poder compor o ambiente. O quintal de Capitu,
especificamente, é constituído com recurso de imagens em um retro projetor, além do muro
de sua casa ser todo desenhado no chão de giz, onde Capitu riscava seus nomes.
[...] Nisto olhei para o muro, o lugar em que ela estivera riscando,
escrevendo ou esburacando como dissera a mãe. Vi uns riscos abertos, e
lembrou-me o gesto que ela fizera para cobri-los. Então quis vê-los de perto,
e dei um passo. Capitu agarrou-me, mas, ou por temer que eu acabasse
fugindo, ou por negar de outra maneira, correu adiante e apagou o escrito.
Foi o mesmo que acender em mim o desejo de ler o que era. [...]
[...] Tudo o que contei no fim do outro capítulo foi obra de um instante. O
que se lhe seguiu foi ainda mais rápido. Dei um pulo, e antes que ela
raspasse o muro, li estes dois nomes, abertos ao prego, e assim dispostos:
BENTO
CAPITOLINA (ASSIS, 1997, p. 36, 37 e 38)
60
Figura 30: Quintal de Capitu
61
No capítulo 29 intitulado “O Imperador”, Bentinho, voltando para casa de ônibus na
companhia de José Dias, se depara com o Imperador, observando-o passar pela rua, os carros
pararem, as pessoas lhe acenarem, tem a ideia de lhe falar sobre o desejo de sua mãe sobre ir
ao seminário, pedindo-lhe que faça uma intervenção. Assim Bentinho começa a imaginar a
sonhar com a ida do Imperador a sua casa.
Na minissérie, a aparição do Imperador conta com uma seqüência bem chamativa
quando se trata da Direção de Arte. O cenário é composto por objetos de cena como a
carruagem dourada, as cabeças de cavalo e confetes laminados que caem e se espalham por
todo o ambiente. O figurino e a maquiagem também chamam bastante atenção pois foram
criados para compor o personagem. No caso do Imperador, esses dois elementos agregam
mais informações sobre a imagem que ele passa para as pessoas que estão o observando. O
deslumbramento, a riqueza e postura casam perfeitamente com uma caracterização que
inovadoramente se mostra fantasiosa.
62
Figura 32: O Imperador em Capitu
63
O capítulo 32, “Olhos de Ressaca”, nos leva a lembrança de Bentinho em um dia que
fora visitar Capitu em sua casa, e enquanto conversavam lembrou-se da definição que José
Dias havia dado sobre os olhos de Capitu: “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Então,
Bentinho pediu a menina para ver-lhe os olhos.
64
Na cena da série cuja base são os capítulos 61 e 62 do livro, intitulados
respectivamente de “A vaca de Homero” e “ Uma ponta de Iago”, temos um diálogo entre
Bentinho e José Dias, este que está visitando o garoto no seminário traz notícias de casa e
discutem sobre a saída de Bentinho do seminário. A conversa flui até que Bentinho pergunta
sobre Capitu, José Dias lhe fala por alto sobre a menina estar alegre e sobre outros rapazes da
vizinhança. Bentinho então começa a remoer sua solidão e tristeza enquanto sua amada vive
sua vida alegremente e sem preocupações, e também começa a sentir o ciúme nascer de forma
cruel.
Além de utilizar o texto de forma fiel ao livro, tanto em suas falas quanto em partes de
narração, a minissérie utiliza enquadramentos fechados no ator Michel Melamed (Bentinho),
com um cenário mais sombrio e antigo, a maquiagem também é bem escura, em especial em
volta dos olhos, e o rosto está úmido por lágrimas, que foram representadas de forma
exagerada, literalmente jorrando dos olhos de Bento Santiago, o que faz lembrar de choro de
palhaço em circo.
Quando o personagem fala sobre a violência com a qual seu coração bate ao ouvir tais
notícias, vemos em cena um pequeno objeto representando um coração pulsando nas mãos do
ator, e um som marcado de suas batidas enquanto ele é mostrado para a câmera, com um close
bem fechado.
Estou que empalideci; pelo menos, senti correr um frio pelo corpo todo. A
notícia de que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites, produziu-
me aquele efeito, acompanhado de um bater de coração, tão violento, que
ainda agora cuido ouvi-lo. [...]
Outra idéia, não, — um sentimento cruel e desconhecido, o puro ciúme,
leitor das minhas entranhas. Tal foi o que me mordeu, ao repetir comigo as
palavras de José Dias: "Algum peralta da vizinhança”. Em verdade, nunca
pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e para ela, que a intervenção de
um peralta era como uma noção sem realidade; nunca me acudiu que havia
peraltas na vizinhança, vária idade e feitio, grandes passeadores das tardes.
Agora lembrava-me que alguns olhavam para Capitu, — e tão senhor me
sentia dela que era como se olhassem para mim, um simples dever de
admiração e de inveja. Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o
mal aparecia-me agora, não só possível, mas certo. E a alegria de Capitu
confirmava a suspeita; se ela vivia alegre é que já namorava a outro,
acompanhá-lo-ia com os olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às avemarias,
trocariam flores e... (ASSIS, 1997, p. 125)
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Figura 35: Lágrimas jorrando do olhos de Bento Santiago em Capitu
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Figura 37: Representação do coração de Bento Santiago
Na cena, vemos o que foi descrito no livro, a representação das palavras de José Dias
em relação à Capitu e outros rapazes da vizinhança. A atriz Letícia Persiles dança no salão do
antigo teatro rodeada de rapazes desenhados em papelão, e em outro momento vemos
Bentinho, já adulto, quebrando todos os rapazes com sua bengala, uma demonstração
marcante de ciúmes. Depois o espectador é levado de volta ao diálogo inicial, no qual José
Dias corre atrás de Bentinho, que tomado pelo ciúmes, se imagina tirando satisfações com
Capitu em sua casa, enquanto narrador Bentinho confessa jamais ter pensado em outros
rapazes na vizinhança, tamanha sua devoção e amor por Capitu, Voltamos agora para o
diálogo verdadeiro entre ele e José Dias, em que Bentinho pede para ver a mãe no fim de
semana.
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Figura 38: Capitu dançando no salão com os rapazes desenhados em papelão
Tudo se fez por esse teor. Minha mãe hesitou um pouco, mas acabou
cedendo depois que o Padre Cabral, tendo consultado o bispo, voltou a dizer-
lhe que sim, que podia ser. Saí do seminário no fim do ano. (ASSIS, 1997, p.
177)
Nessa cena, a maior parte que é descrita no livro, é mostrada com ações dos
personagens, e no final, apenas uma parte de narração diz ao espectador o que se sucedeu com
Bentinho. Ao longo da cena, temos inserts de imagens antigas de túneis por onde os trilhos do
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trem passavam, assim como uma montagem rápida das cenas de Bento Santiago como se
estivesse andando rapidamente dentro de um trem.
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Figura 40: Representação em papelão das pessoas na estação em Capitu
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Nos capítulos 99 e 100, intitulados respectivamente “O filho é a cara do pai” e “Tu
serás feliz Bentinho” temos o regresso de Bentinho da faculdade, já formado em Direito. O
reencontro com a mãe é muito emocionante pois ela vê nele a imagem de seu falecido marido,
assim como a alegria de ter o filho de volta a casa, e agora um advogado formado.
O cenário da casa é todo montado apenas com móveis antigos. Temos também a
primeira aparição de Capitu crescida, em um mezanino, apenas observando a recepção festiva
com a qual Bentinho é recebido pela família. O figurino da atriz Maria Fernanda Candido
remete às roupas de dançarinas espanholas, com um véu enfeitado, vestido de cores vibrantes
e com muitas camadas de tecidos, assim como seu enfeite de cabelo.
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Figura 42: Capitu em sua fase adulta
Ainda agora sou capaz de jurar que a voz era da fada; naturalmente as fadas,
expulsas dos contos e dos versos, meteram-se no coração da gente e falam de
dentro para fora. Esta, por exemplo, muita vez a ouvi clara e distinta. Há de
ser prima das feiticeiras da Escócia: "Tu serás rei, Macbeth!" — "Tu serás
feliz, Bentinho!" Ao cabo, é a mesma predição, pela mesma toada universal
e eterna.
—...Há de ser feliz, como merece, assim como mereceu esse diploma que ali
está, que não é favor de ninguém. A distinção que tirou em todas as matérias
é prova disso; já lhe contei que ouvi da boca dos lentes, em particular, os
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maiores elogios. Demais, a felicidade não é só a glória, é também outra
coisa...Ah! Você não confiou tudo ao velho José Dias! O pobre José Dias
está aí para um canto, é caju chupado, não vale nada; agora são os novos, os
Escobares.... Não lhe nego que é moço muito distinto, e trabalhador, e
marido de truz; mas, enfim, velho também sabe amar... (ASSIS, 1997, p. 181
e 182)
Vemos o narrador escrevendo com pena e papel sobre o livro sobre uma penteadeira.
Algumas outras cenas são intercaladas com o narrador, de Escobar, Capitu menina, Capitu
moça, que usam o mesmo figurino alegórico e cheio de cores; todos os três personagens
dizendo a mesma frase “Tu serás feliz Bentinho”. Depois é mostrado Bentinho indo até a mãe
pedir a permissão para o casamento, e a resposta dela é quase a mesma “Tu serás feliz meu
filho”.
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Figura 43: Bento e Capitu posando para foto em seu casamento
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Na cena do capítulo 102 “De casada” vemos Capitu e Bentinho em sua lua de mel, o
figurino da atriz é bem atrativo e rico em detalhes, com rendas e flores. Notamos também a
tatuagem em seu braço, que não foi escondida na atriz Letícia Persiles na primeira parte da
minissérie, e agora sendo reproduzida na outra atriz que interpreta Capitu mulher na segunda
parte, como mais um complemento da personalidade da personagem. Esse aspecto é um dos
exemplos de como a minissérie foge, em alguns momentos, da temporalidade do livro,
tornando a obra visual moderna. O cenário, embora vazio, contendo apenas um espelho antigo
onde a maior parte do diálogo entre os dois se passa, é preenchido pelo amor do casal e o
clima de lua de mel.
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Em outro momento, vemos o casal de volta a cidade, agora em sua casa, aproveitando
o novo estado civil. O narrador aparece, e com ele letras flutuam na tela, como se fossem
escritas por uma máquina de escrever invisível; vemos ambos passeando entre pessoas na
rua, enquanto o narrador diz sobre a necessidade de Capitu em demonstrar o estado de casada
não apenas dentro de casa, mas sim para todos a sua volta.
A alegria com que pôs o seu chapéu de casada, e o ar de casada com que me
deu a mão para entrar e sair do carro, e o braço para andar na rua, tudo me
mostrou que a causa da impaciência de Capitu eram os sinais exteriores do
novo estado. Não lhe bastava ser casada entre quatro paredes e algumas
árvores; precisava do resto do mundo também. E quando eu me vi embaixo,
pisando as ruas com ela, parando, olhando, falando, senti a mesma coisa.
Inventava passeios para que me vissem, me confirmassem e me invejassem.
Na rua, muitos voltavam a cabeça curiosos, outros paravam, alguns
perguntavam: "Quem são?" e um sabido explicava: "Este é o Doutor
Santiago, que casou há dias com aquela moça, D. Capitolina, depois de uma
longa paixão de crianças; moram na Glória, as famílias residem em Mata-
cavalos." E ambos os dois: "É uma mocetona!" (ASSIS, 1997, p. 185 e 186)
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Na cena do capítulo 105 “Os braços”, Bento e Capitu, casados há algum tempo,
participam de um baile onde o narrador exalta a beleza de Capitu falando sobre seus braços
belos e desnudos no vestido. Mais uma vez notando-se o ciúme de Bento, que começa a
enxergar um antigo rapaz da vizinhança, que cortejava Capitu, entre os dançarinos. Na cena
podemos ver o salão ricamente decorado com flores em vasos e colunas, os casais também
vestem roupas bonitas e elegantes da época, o que difere a cena é o fato de todos estarem
usando fones de ouvido e aparelhos de música (mp3), pois não há banda. Porém, em seus
fones pode ser ouvida música clássica, mais um exemplo da atemporalidade da minissérie.
[...]Na Glória era uma das nossas recreações; também cantava, mas pouco e
raro, por não ter voz; um dia chegou a entender que era melhor não cantar
nada e cumpriu o alvitre. De dançar gostava, e enfeitava-se com amor
quando ia a um baile; os braços é que... Os braços merecem um período.
Eram belos, e na primeira noite que os levou nus a um baile, não creio que
houvesse iguais na cidade, nem os seus, leitora, que eram então de menina,
se eram nascidos, mas provavelmente estariam ainda no mármore, donde
vieram, ou nas mãos do divino escultor. Eram os mais belos da noite, a ponto
que me encheram de desvanecimento. [...] (ASSIS, 1997, p. 188)
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Na cena do capítulo 121 “A catástrofe” temos Bento sentado em sua sala
quando um escravo entra gritando desesperado sobre seu senhor estar morrendo. Temos cenas
antigas de um mar revolto e Bento continuava sentado lendo o jornal enquanto escutava o
escravo. Depois vemos um salão grande e praticamente vazio, apenas com grandes pedaços de
plástico azul que se agitam simulando o mar, e o ator Pierre Baitelli (Escobar) nada entre
esses plásticos. Sua roupa de banho é listrada de vermelho e branco e se parece muito com as
roupas da época, mas as luzes utilizadas fazem suas vestes, e toda a cena, ficarem azuladas,
remetendo não só ao azul do mar, mas uma azulado melancólico e triste. Certamente essa
paleta de cores remete ao desfecho triste do personagem Escobar, que morre afogado. Em
alguns momentos o ator está molhado, como se realmente estivesse dentro do mar, entre essas
cenas, vemos mais inserts do mar revolto.
Não disse mais nada, ou eu não lhe ouvi o resto. Vesti-me, deixei recado a
Capitu e corri ao Flamengo.
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Figura 48: Representação do afogamento de Escobar em Capitu
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Na cena dos capítulos 122 e 123 intitulados respectivamente “O enterro” e “Olhos de
ressaca”, o cenário, ainda construído dentro do Galpão Capitu, é feito de um ambiente todo
branco e as personagens estão todas vestidas de preto. Bento observa o caixão onde está seu
amigo, enquanto Sancha, a viúva, chora copiosamente. Logo Capitu entra, sua roupa mesmo
sendo toda preta possui detalhes em dourado, especialmente no véu que cobre seu rosto, se
aproxima, amparando a amiga.
Assim fizemos. Quis que o enterro fosse pomposo, e a afluência dos amigos
foi numerosa. Praia, ruas, Praça da Glória, tudo eram carros, muitos dele
particulares. A casa não sendo grande, não podiam lá caber todos; muito
estavam na praia, falando do desastre, apontando o lugar em que Escobar
falecera, ouvindo referir a chegada do morto.[...] (ASSIS, p. 215 e 216)
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Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-
se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos
homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a
viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la
dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para
o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem
algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa,
olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a
amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento
houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o
pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá
fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã. (ASSIS, 1997, p.
216 e 217)
A cena não possui falas, apenas José Dias que chama Bento para que fossem ao
cemitério. Portanto, toda a narração do livro é demonstrada com as ações dos atores, bem
como os enquadramentos utilizados, que ficam cada vez mais próximos quando Capitu está
chorando perto do caixão. A cena conta com o recurso de planos ora focados em Bento,
completamente transtornado por seus pensamentos, e ora focados em Capitu olhando para o
morto. Esse recurso enfatiza mais ainda o estado em que Bento se encontra e a forma como
ele enxerga Capitu.
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Figura 52: Bento olhando para Capitu no velório de Escobar
Na cena do capítulo 133, “Uma ideia”, o narrador conta sobre uma ideia que teve, que
abriu asas e desejava sair voando de seu peito. Nessa cena vemos asas negras, feitas de papel,
colocadas em uma máquina cheia de engrenagens como se começasse a voar. Depois vemos o
narrador erguendo seus braços e a sombra em forma de asas refletida na parede, dando a
impressão de que o ator estaria com elas. Posteriormente também temos o narrador vestindo
as asas negras em frente a um painel de luzes e projetando sua sombra em outra parede.
Um dia, — era uma sexta-feira, — não pude mais. Certa ideia, que negrejava
em mim, abriu as asas e entrou a batê-las de um lado para outro, como fazem
as ideias que querem sair. O ser sexta-feira creio que foi acaso, mas também
pode ter sido propósito; fui educado no terror daquele dia; ouvi cantar
baladas em casa, vindas da roça e da antiga metrópole, nas quais a sexta-
feira era o dia de agouro. Entretanto, não havendo almanaques no cérebro, é
provável que a ideia não batesse as asas senão pela necessidade que sentia de
vir ao ar e à vida. A vida é tão bela que a mesma ideia da morte precisa de
vir primeiro a ela, antes de se ver cumprida. Já me vais entendendo; lê agora
outro capítulo. (ASSIS, 1997, p. 230)
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Figura 53: Dom Casmurro e a sombra das asas na parede
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Na cena do capítulo 148 “E bem, e o resto?” temos o narrador sentado em frente a um
espelho decorado com fotos antigas e recortes de jornais; a penteadeira está repleta de objetos,
maquiagens, penas para escrever, papeis, etc. Enquanto remove sua maquiagem, ele fala sobre
seu primeiro amor, Capitu, e seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada. A cena decorre entre
essas imagens de Bento Santiago e flashbacks de Capitu ainda moça, olhando-se no espelho e
mexendo em seus cabelos, terminando com um close em seus olhos. O narrador abre uma
caixa de música antiga que está ao seu lado, e no espelho aparece Bento quando jovem.
E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou
o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior
amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que
acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve! Vamos à
História dos Subúrbios. (ASSIS, 1997, p. 250)
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Figura 55: Bento em frente a um espelho enquanto se recorda sobre Capitu
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Enfim, a minissérie é finalizada com diversas cenas de flashbacks, nas quais o
narrador protagonista reencontra em suas memórias lembranças com Capitu jovem e Capitu
adulta; sua mãe Dona Glória, Tio Cosme, Prima Justina e José Dias, todos os quatro vestidos
de branco. As personagens, ao decorrer de suas aparições, vão “congelando” no tempo e as
luzes sobre eles se apagam.
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Figura 58: Dona Glória, Tio Cosme e Prima Justina “congeladas” no tempo em Capitu
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Assim, após suas lembranças, a última cena da minissérie repete as imagens do
primeiro capítulo, alternando entre o trem atual do século XIX, e o trem antigo chegando a
estação.
Apontamos, portanto, com a análise das cenas de Capitu, características do estilo do
diretor Luiz Fernando Carvalho, através da comparação dos trechos do livro e da
representação deles na tela, evidenciando que foram utilizadas novas formas artísticas de
linguagem, conceitos e significados para a criação da diegése da minissérie.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Indústria Cultural e de seus meios de comunicação. Seu estilo como diretor contam com
referências às linguagens do teatro e do circo, mostrando uma forma diferenciada e inovadora
de se fazer arte, e que é possível produzir conteúdos com uma qualidade estética acima do que
estamos acostumados a ver na televisão nessa era da Indústria Cultural
Portanto, o objetivo do nosso estudo foi assinalar que a estética, mesmo que trabalhada
de modo diferenciado, poderá se adequar a especificidades da linguagem narrativa do meio a
qual ela se insere, sem que sua essência fuja a do original, se tornando uma (re)criação.
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REFERÊNCIAS:
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PINATI, Flávia Giúlia Andriolo. CAPITU: uma transposição metaficcional. 2013. 159 p.
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Acessado em 30 de março de 2016.
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