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LIVREIRO
Cleber Marques de Oliveira
Esta obra é uma ficção. Qualquer semelhança com a
realidade será uma mera coincidência. No entanto,
todos os livros e autores citados de fato existem.
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Cabrunco é uma palavra que significa uma expressão de espanto,
uma qualidade, um xingamento, uma interjeição ou simplesmente
um elogio, de acordo com o contexto.
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Exército Brasileiro, e Dona Fátima, costureira
aposentada, proprietários do imóvel. No pavimento
superior, Nando dividia a quitinete com sua mãe,
Dona Iraê. Na humilde residência havia uma sala,
com cozinha conjugada, e apenas um quarto,
grande, com duas camas e uma janela de alumínio
e vidro transparente, voltada para rua. O local era
tranquilo, situado no bairro industrial, região norte
da capital, do qual podia se deslocar a pé até o
centro comercial, pois ficava a apenas dois
quilômetros da catedral metropolitana.
Estou esquecendo algo, mas não sei o quê,
pensou, enquanto caminhava a passos largos,
olhando de relance o barracão ainda iluminado das
quadrilhas juninas, ornado com bandeirolas
coloridas, que no dia anterior havia sido o grande
palco das apresentações folclóricas do estado de
Sergipe.
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servidor de uma empresa de tecnologia em São
Paulo.
Diante da situação, decidiu ocupar as duas
horas restantes com outros afazeres na loja. Ao
retornar ao balcão, desligou o radinho e pegou a
pasta de controle de fotocópias e encadernações.
Olhando a planilha, viu que não tinha nenhuma
encomenda da sexta para a segunda-feira. Como
nunca foi acomodado, mais uma vez pensou em
fazer algo, porém não encontrou nada desarrumado
ou precisando de ajustes ao redor. Sentiu uma
vontade de caminhar pelas estantes e prateleiras.
Apaixonado por futebol e xadrez, direcionou seu
olhar para a seção de esporte e lazer. Ao se
aproximar, agachou-se e fitou as lombadas,
procurando ler seus títulos, mas nenhum despertou
um interesse maior. Olhando pro lado, encontrou os
volumes de literatura estrangeira, o que também
não mudou muita coisa. Distanciou-se, passando
então às prateleiras dos mais lidos e dos
lançamentos. De relance, seus olhos leram algo
diferente. A capa, que exibia a imagem de um
adulto e uma criança, provavelmente pai e filho,
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caminhando pela calçada de uma paisagem em
neblina, fez seu coração palpitar. Era um misto de
tristeza e frustração. Lembranças de um pai que
não tivera.
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CAPÍTULO II
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pacientes. Mas essa prática deve ser realizada por
profissionais terapeutas e bibliotecários
especializados.
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Após as primeiras saudações do dia, Nando
pendurou o cartaz de aberto ao vidro da porta,
enquanto Gilberto, seguindo as suas orientações,
adentrou até os fundos da loja e foi trocar de
camisa, pois na dispensa sempre havia uma
camisa polo com o emblema da livraria, caso
houvesse alguma necessidade.
Um grupo de beatas que passava em
comboio pela porta, como em procissão,
denunciava que já eram oito horas. Todas de
hinários, bíblias e terços em mãos. Duas delas
entraram com sombrinhas molhadas e sorrisos
largos nos rostos, perguntando a Nando:
– Bom dia! O senhor sabe informar se aqui
vende livros de Padre Marcelo Rossi?
– Não só dele, mas também dos Padres
Reginaldo Manzotti, Fábio de Melo e Jonas Abib.
Desejam um em especial de Marcelo Rossi?
– É um que fala de sua biografia. Ele é
maravilhoso!
– O padre ou o livro? Brincou.
– Os dois, claro! Vocês têm ou não têm o
que quero? Resmungou alto a senhora mais baixa,
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aparentando mais idade, fitando-o como quem não
tinha gostado da graça.
Gilberto, retornando da dispensa e agora
vestido adequadamente para o trabalho, ouviu de
longe a conversa e se antecipou:
– Temos sim, senhoras! Fica na estante à
direita, com a sinalização religiosos. Venham que
vos acompanho.
– Vos acompanho??? Riu sozinho Nando,
olhando para os três, que se afastavam.
Com a habilidade de um quase bibliotecário
e memória espacial de um leitor detalhista, Beto foi
direto ao alvo e pegou com cuidado, pelo meio da
lombada, o livro Padre Marcelo Rossi - Uma Vida
Dedicada A Deus, da jornalista e escritora Heloísa
Marra. Olhando encantadas para o livro, as beatas
iniciaram uma oratória digna dos grandes mestres
do magistério. Em ritmo cadenciado, trocavam de
lugar quando a outra pausava:
– Meu filho, este padre é um santo!
– Aqui é contada sua história de vida.
– De sua infância tranquila, na periferia de
São Paulo, até a sua ordenação, contra a vontade
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do pai.
– E hoje é consagrado como um dos
sacerdotes mais queridos do Brasil.
Gilberto, como vendedor e aluno obedientes,
não se aventurava em interromper. Tinha em mente
três verdades: que elas eram mulheres de fé,
gostavam de ler e que comprariam não só aquele
livro, mas, no mínimo, qualquer outro que ele
apresentasse sobre a vida dos santos e santas da
igreja. Não demorou muito e, aproveitando um
silencio de dois segundos que elas acidentalmente
propiciaram, comentou:
– Por que não levam também a biografia de
Jonas Abib? Eu já li e recomendo. Também temos
o mais novo livro do Papa Francisco, Quem sou eu
para julgar?, ou o de Padre Reginaldo Manzotti,
Batalha Espiritual - Entre Anjos e Demônios.
– Não, não! Vamos ficar somente com este
aqui. É para presente. Lá em casa só quem gosta
de ler é nossa sobrinha. Obrigada!!
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Pouco tempo depois da saída das religiosas,
a chuva resolveu dar uma trégua. Passavam das
dez horas e nada do suporte técnico nem do Sr.
Francisco e suas filhas chegarem. Beto, um pouco
receoso, lembrava a todo instante que, sozinho,
não teria condições de dar atenção aos clientes e
também observar os suspeitos que transitavam
pela loja, pois, em apenas uma semana, um livro
havia sumido e outro estava com uma página
rasgada e mais duas extraviadas.
A sirene do colégio fez Beto e Nando se
olharem com caras de apreensão. Os seus
convergentes pensamentos alertavam que uma
avalanche de estudantes estavam pra chegar. Só
não contavam com a chegada inesperada do Fiat
Doblò da Distribuidora de Livros Mar Azul.
– Meu Deus! Traduziram em alta voz que
pior não ficaria.
Senhor Domingues, como sempre, abria a
porta como um foguete, perguntava pelo livreiro, e
sem esperar se dirigia ao balcão. Moreno, baixinho
e com um bigode enorme que lhe escondiam os
lábios, olhando para Gilberto, indagou?
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– Onde está Sr. Chico?
– Ainda não chegou.
– Como assim?
– Isso mesmo. Estamos só nós dois aqui, eu
e Fernando.
– O que houve?
– Ainda não sabemos, mas já é quase meio
dia e nada de notícias. Nem de Sr. Francisco, nem
de suas filhas.
– Já ligaram pra eles ou parentes?
– Só temos o número de celular dele, mas tá
dando desligado. E não estamos recebendo
ligações porque o telefone da loja está com defeito.
– Porque não fecham a loja? Já procuraram
nos documentos, nas pastas, agendas, sei lá?!
– Não temos autorização pra fechar. E
quanto às buscas de outros números, já fizemos e
não encontramos nada. Eles são muito discretos.
Nem sabemos onde moram.
– Bem..., não posso deixar de descarregar
os livros, senão quem levará a bronca serei eu
aqui. Por sorte, são apenas cinco caixas médias,
cada uma com cinquenta exemplares, totalizando
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duzentos e cinquenta livros, ok?
– Fazer o quê, né? Não tem jeito mesmo!
Descarregue e me passe a nota fiscal, orientou
Nando.
Os dois não conseguiam disfarçar a
ansiedade e medo de notícias piores sobre os
patrões. Desde os primórdios da humanidade que
somos levados a pensar primeiro em coisas ruins
quando alguém desaparece. O que os deixava mais
intrigados é que eram três desaparecidos.
Após uma breve reunião à beira do balcão
do caixa, decidiram interromper os trabalhos das
fotocópias e encadernações, e não deixarem mais
ninguém entrar na loja. Assim que o último cliente
saísse, só reabririam às 14h, caso estejam em
condições psicológicas para isso, pois o
nervosismo já estava estampado na cara de
ambos.
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Bom dia Fernando e Gilberto,
Infelizmente não poderemos estar na loja no dia de
hoje, talvez nem amanhã. Meu pai sofreu um
Acidente Vascular Cerebral, AVC, e estamos em
Salvador com ele. Mas está tudo bem, graças a
Deus! Está internado num hospital daqui e o médico
irá realizar alguns exames hoje e amanhã, e depois
dirá se receberá alta. Peço que cuidem da loja.
Gilberto no caixa e Fernando no atendimento. Vocês
irão fechar no horário do almoço, das 12 às 14
horas. Amanhã enviaremos notícias. Qualquer
urgência ligue para mim neste número de celular:
(71) 9 87887-3500. Obrigada.
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CAPÍTULO III
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CAPÍTULO V
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CAPÍTULO VI
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Darei notícias sobre meu retorno mais tarde. Um
abraço.
A notícia trouxe alívio para Juliana, por dois
motivos. O primeiro, porque a mãe de Nando
estava melhor de saúde, e segundo porque
provavelmente ele poderia voltar no outro dia ao
trabalho e desafogar a todos.
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CAPÍTULO VII
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CAPÍTULO VIII
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CAPÍTULO IX
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CAPÍTULO X
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CAPÍTULO XI
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– alto lá, forasteiro! Berrou o xerife.
Bem assustado e com olhos arregalados, o cowboy
não parou pra se explicar, apenas retrucou em voz
alta: - Índios, índios!
– Diacho de confusão! Reclamou em voz baixa o
xerife, que imediatamente deitou-se no chão e,
segurando firmemente seu rifle Winchester 44 de
repetição, aguardou calmamente a aparição dos
ditos índios. A espera foi tão curta que só lhe deu
tempo de ajustar o corpo entre os cascalhos
espalhados pela terra vermelha e árida.
– Apaches! Exclamou silenciosamente, ao ouvir os
gritos de guerra e avistar as sombras de seus
cavalos, que levantavam poeira no horizonte. Como
numa cena em câmara lenta, Corner engatilhou seu
rifle e mirou no peito do primeiro nativo à frente, e
sem vacilar disparou, vendo-o cair como uma fruta
madura ao chão.
Pegos de surpresa, os apaches,
instintivamente, lançaram-se a disparar seus rifles
Winchester 22 na direção frontal, sem detectar o
alvo, pois o xerife Corner estava escondido entre as
pedras da superfície irregular do terreno, o que lhe
permitia, deitado, ter uma visão panorâmica daquele
cenário.
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Na velocidade de um raio, ele pode contar
seis apaches. As caras pintadas e os trajes típicos
de guerra, aliados aos gritos ensurdecedores,
encorajavam os guerreiros e aterrorizavam os
inimigos.
Em notória desvantagem, Corner se viu numa
encruzilhada, mas decidiu pagar para não sair
daquela confusão, na qual acidentalmente acabara
de entrar. Numa distância razoável, concluiu que
tinha condições de mandar chumbo quente em pelo
menos quatro apaches, e contaria com a sorte ou
com os seus revólveres Colt pra abater os dois
restantes.
No entanto, Lua Cheia, líder do grupo apache
e experiente guerreiro, ao ver cair ao chão um de
seus guerreiros, ordenou prontamente a separação
do bando em duas colunas, na qual uma atacaria
pela direita e outra pela esquerda. Mas, mesmo
diante desta inesperada ação do inimigo, o Xerife
Corner manteve a frieza e optou por manter a mira
no flanco da esquerda, pois era onde havia mais
índios e estavam mais próximos dele.
Neste instante, Lua Cheia, que estava no
outro flanco, cavalgando mais lentamente, avistou o
esconderijo do “fantasma” atirador e passou a
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disparar a arma em sua direção. Os demais
prontamente seguiram o exemplo. No entanto, no
flanco à esquerda, não houve tempo de calibrar a
pontaria. Corner, apesar das várias chicotadas de
chumbo, já contabilizava mais dois apaches pra sua
lista, acertando-os em cheio.
Foi quando Lua Cheia, surpreso pela destreza
do oponente, parou juntamente com seu irmão
Raposa Cinzenta, e com olhar fixo, num grito, deu
ordem ao último apache para voltar. Determinado a
acabar com aquele cowboy, deitou-se ao lado de seu
cavalo e com uma faca entre os dentes avançou
bruscamente na direção do maldito cara-pálida.
De canto de olho, o xerife percebeu quando
os dois, que se encontravam no flanco direito,
pararam bruscamente. Num golpe de rapidez de
pensamento, atirou à queima roupa no cavalo do
índio encorajado. Como já estava muito perto dele, e
pela velocidade que vinha, o animal tombou
desgovernado em sua direção. O apache caído,
mesmo fraco e com a perna quebrada, atirou-lhe
uma faca, com uma habilidade digna dos grandes
atiradores circenses, o que não impediu que o
xerife, num brusco movimento de rolamento, se
desvencilhasse do ataque e o acertasse com seu
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Colt com um implacável tiro na testa.
Raposa Cinzenta ensaiou uma reação
embalada pelo seu rito de guerra, porém foi
impedido pelo irmão.
– Este pele branca deve morrer! O sangue de
nossos irmãos clama por vingança! Bradou furioso.
– Calma! No tempo certo teremos nossa
vingança. Vamos! Concluiu Lua cheia.
De longe, mandaram outro recado de chumbo para o
xerife, o qual respondeu da mesma forma, mas sem
êxito, com o último tiro do Colt.
Vendo-os se distanciarem em disparada,
Corner respirou fundo e depois olhou atentamente
para cada apache abatido na pequena batalha. –
Diabos! O que aconteceu aqui? – Com as
consequências debaixo do nariz, restava agora
entender as possíveis causas. Algo lhe dizia que
aquele forasteiro apavorado teria uma provável
resposta, caso contrário, iria fazê-lo cuspir uma,
nem que fosse à força!
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CAPÍTULO XII
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CAPÍTULO XIII
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Combinaram de se encontrar na escadaria
da Catedral, pois Nando precisaria ir até a sua casa
para ver a mãe e trocar de roupa. Dona Lourdes
resolveu fechar a loja por algumas horas, em
consideração ao amigo Francisco.
Como sempre, Nando buscava o amigo Tia
para uma corrida de moto táxi, mas desta vez sem
necessidade de emoção. Em casa, teve que se
explicar com a mãe, que voltou a lhe cobrar mais
um pouco de atenção. Deixou sobre a mesa o livro
U-507: o submarino que afundou o Brasil na
Segunda Guerra Mundial, para ser entregue ao
padrinho.
Nando tomou banho, colocou sua melhor
calça, camisa e calçado, e correu para a Catedral,
novamente na garupa do dragão azul, nome
carinhosamente dado por Roberto ao seu veículo
de trabalho.
– Mas, Tia, você não para em casa, né?
Reclamou Roberto das chegadas e saídas do
amigo.
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– Bom é pra você, que não tem quem lhe
vigie enquanto pega a Isabela, né? Devolveu
Nando.
– Êpa! Não mexa com minha princesinha.
Sabia que vamos nos casar?
Nando deu uma gargalhada e disse que se
ele subisse no altar, dez mil desiludidas iriam
expulsá-lo da igreja aos tapas.
– Mudando de assunto.... Por que você só
anda em meio a tantos livros, cara? Vá namorar!
– Os livros não me traem, não me iludem e
nem me fazem de otário. Ao contrário, trazem paz,
alegria, prazer e conhecimento. Mas não se
preocupe, acharei a pessoa certa na hora certa e,
quem sabe, ela até tenha a mesma paixão por
livros que eu, respondeu Nando com seriedade.
– Não tá mais aqui quem falou! Disse
Roberto, com ar de ofendido.
Ao descer da moto e devolver o capacete,
pediu desculpas a Roberto e lhe sugeriu que lesse
algo de seu interesse.
– Sabia que de qualquer assunto existe livro
publicado? Sei que gosta de futebol e motocicletas,
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que tal dar uma lida em livros sobre esses
assuntos? Posso te ajudar a garimpar!
– Garimpar? Roberto deu uma risada.
– Deixa pra lá! Disse Nando também aos
risos.
O amigo pagou a corrida e Tia saiu a mil,
soltando fogo pela descarga do dragão azul, só
para impressionar as senhoritas que passavam
pela praça.
De longe, na escadaria da igreja, Dona
Lourdes avistara Nando se aproximando. Ele, do
lado oposto à livraria, no início da Rua Santo
Amaro, viu o aceno da sebista e observou uma
movimentação do lado de fora da loja.
Faltavam cinco minutos pras 18h. A catedral
estava aberta, mas a missa ocorreria apenas às
19h. A amiga aguardou pacientemente sua
aproximação. Estava suada e com mãos frias.
Sabia que não seria fácil rever uma pessoa após
tantos anos, mesmo morando na mesma cidade.
Os dois olharam para a livraria, na
esperança de ver a família Rezende ou alguma
outra pessoa conhecida. Após alguns minutos,
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decidiram se aproximar. Ela cogitou um
arrependimento, mas Nando não lhe deu bolas.
Ao atravessar o meio fio da praça, em
direção à loja, avistaram o Professor Alcides
Fagundes, amigo pessoal de Dona Lourdes. Nando
se propôs a chamá-lo, mas ela, toda envergonhada,
apenas ensaiou um tímido aceno, atropelado pelo
grito de Nando na sequência.
O ilustre Doutor parou e buscou a voz que
chamava seu nome. Com surpresa, devolveu o
aceno com um imenso sorriso e ficou aguardando à
porta a chegada dos dois.
– Fernando, você me paga! Disse aflita a
senhora.
– Calma, vai dar tudo certo! Disse-lhe
confiante.
O doutor ficou surpreso ao saber que a
senhora conhecia o Senhor Francisco, pois nunca
havia lhe falado dele ou de sua livraria. Ela apenas
disse se tratar de uma visita inesperada para um
apaixonado por livros feito ela.
No meio a tanta gente bem vestida, Nando já
estava se sentindo como um intruso. Olhou para
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dentro, mas não conseguiu enxergar nenhum rosto
conhecido. Então teve a ideia e ousadia de pedir
para que o Doutor fizesse companhia a Dona
Lourdes enquanto ele iria fazer algo.
Sem cerimônias, ele consentiu, e depois que
Nando saiu às pressas driblando os convidados, o
Professor Alcides perguntou quem era o garoto.
Dona Lourdes disse apenas se tratar de um cliente
dela que trabalhava na livraria.
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CAPÍTULO XVI
***
***
Nando chamou um táxi e acompanhou Dona
Lourdes até a sua loja. No caminho comentou que
Senhor Francisco não haveria de aparecer na casa
da vendedora da biblioteca particular.
– Poxa vida, ele perderá uma grande
oportunidade.
– Calma, menino! Eu tenho uma carta na
manga, falou a sebista, com um sorriso no rosto –
A proprietária tinha dito que havia dois
pretendentes à compra do acervo do pai. Um deles
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era a livraria Cultural.
– E o outro? Questionou Nando.
– Eu! Na pessoa que representa o sebo
Corujão.
Fernando ficou boquiaberto. Não imaginaria
que a sebista teria tanto dinheiro para comprar
aquela biblioteca. Dona Lourdes pôs-se a gargalhar
e lhe confessou outro segredo.
– Saiba que para ser um sebista você
precisa de um bom capital de giro, pois as
oportunidades sempre aparecem. E saiba que,
mesmo sozinha, trabalho de domingo a domingo
sem cessar. Mesmo presa na loja, fico sabendo de
tudo que ocorre na cidade e principalmente no meio
que envolve os livros. Meu jovem, tenho muitos
informantes, e você, sem perceber, foi um deles!
– Nossa Senhora! Então a dona não blefava
quando dizia ter um segundo possível comprador,
caso a livraria não fechasse acordo até as dezoito
horas de hoje?
– Não! Aliás, tenho minhas dúvidas se
realmente Senhor Francisco fecharia a proposta.
Não consigo ainda vislumbrar, nestes meus trinta
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anos de sebista, se alguma livraria ousaria
diversificar vendas de livros novos com usados.
Falo daqueles novos em consignação com as
editoras e distribuidoras, pois para elas seria uma
concorrência desleal. Como diriam, um fogo amigo.
– Ah, Dona Lourdes!! Tenho muito a
aprender com a senhora.
– Quer trabalhar comigo? Estou mesmo
precisando de uma pessoa de confiança e que seja
apaixonada por livros. Vi que cobre todos os
critérios.
– A senhora promete não me colocar para
tirar fotocopias?
– Farei mais que isso. Te ensinarei todas as
artes e técnicas para preservação de livros.
– E meu chefe, Senhor Francisco? Gosto
muito dele.
– Não se preocupe! Meu informante me
disse por telefone que ele voltará para Salvador.
Deixará as filhas tomando conta da loja. Ficará
administrando uma distribuidora própria por lá.
Ao estacionar o táxi em frente ao sebo, Dona
Lourdes pede ao taxista que leve o amigo até seu
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destino, e deixa um valor a mais, correspondente à
corrida que faria. Nando se despediu da amiga e
lhe pediu uma semana para tentar colocar as
coisas em ordem na livraria, para depois comunicar
sua saída. Ela prontamente assentiu e lhe disse
que daria um mês, pois seria um bom prazo para
que as jovens arrumassem a casa e as suas
mentes.
Ao chegar em casa, Nando deu de cara com
todos na porta conversando sobre ele. Muito feliz,
disse que dera um grande passo para seu futuro
como empreendedor da área de livros.
Falou que os livros foram o remédio que
trouxe alegria ao seu coração, que lhe curou da dor
da falta do pai, que lhe presenteou com grandes
amigos, antigos e recentes, e que pressentia que,
em breve, os livros também lhe trariam uma
companheira para compartilhar os prazeres e
maravilhas do mundo da leitura.
***
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PARTE 2
LIVROS PELO CAMINHO
180
CAPÍTULO I
188
CAPÍTULO II
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De volta da consulta médica, deixei minha
mãe em casa e fui despachar seus remédios. A
atendente, muito curiosa, olhando para o nome do
paciente escrito na receita, lançou-me algumas
perguntas que me fizeram duvidar se realmente eu
estava numa drogaria ou numa delegacia. No
interrogatório ela questionou o significado de Iraê,
se era nome indígena ou africano e se era de
algum parente. Temia que chegasse à enésima
pergunta sobre o que eu achava dela e se
poderíamos sair algum dia.
Enfim, acostumado desde pequeno com
esses questionamentos, fui de forma direta às
respostas sem permissão de aberturas posteriores.
A fila aumentava atrás de mim e minha falta de
paciência também.
– Minha mãe, Iraê, é descendente de índios
da tribo Xocó de Porto da Folha e seu nome
significa gosto de mel. Eu me chamo Fernando e
estou muito atrasado para o trabalho.
Minha grosseria não conseguiu nem de
longe derrubar suas investidas. De forma
instantânea, respondeu que daria tudo para morar
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comigo numa oca de palha de coqueiro. Na saída
ainda perguntou se o índio Fernando teria celular
para um bate-papo mais tarde. Por sorte, a fila
respeitava uma distância considerável entre eu e os
demais de forma muito contida que não conseguiu
ouvi-la.
Melhor que essa sorte foi a coincidência de
ver chegar ao estacionamento da farmácia meu
velho amigo-irmão Roberto. Fui direto ao seu
encontro e, sem deixá-lo desmontar, soltei algumas
palavras calorosas.
– Diga aí, Tia!
– Opa, chegou o cara altamente mais ou
menos – devolveu em risadas.
– Caso ainda tenha na agenda espaço para
mais uma namoradinha, vou lhe entregar de
bandeja a caixa aí do lado.
– Como assim?
– Só tem um probleminha... Não para de
falar. Deve ter engolido um rádio.
– Deixa comigo. Farei dela a maior de todas
as comunicadoras deste país.
– Bem, vou lhe aguardar aqui fora, pois não
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quero vê-la novamente. Outra coisa, preciso que
me leve naquele sebo da Rua Divina Pastora.
– Aguarde só um instante.
***
200
CAPÍTULO III
***
206
CAPÍTULO IV
***
215
CAPÍTULO V
***
228
CAPÍTULO VI
***
237
CAPÍTULO VII
***
***
243
CAPÍTULO VIII
254
CAPÍTULO IX
***
260
CAPÍTULO X
***
***
***
275
CAPÍTULO XI
286
CAPÍTULO XII
296
CAPÍTULO XIII
304
CAPÍTULO XIV
310
CAPÍTULO XV
322
CAPÍTULO XVI
***
326
com a atitude da pessoa que não havia deixado
nome e nem contato, tanto no bilhete quanto nos
próprios livros, que foram vistoriados várias vezes.
De forma engraçada, a sebista até comentou
que se todos resolvessem fazer o mesmo teríamos
perdido nosso ganha-pão. Rimos, mas pedi que me
deixasse ficar com eles. Prometi fazer conforme
exigira o leitor anônimo.
***
Fim
333