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1. Batizado com o Espírito Santo no Jordão, confirmado com o Espírito Santo no Tabor, Jesus
realizou a sua missão filial batismal anunciando o Evangelho do Reino de Deus e fazendo as suas
«obras». A sua «viagem» chega agora ao fim, em Jerusalém, onde o seu Batismo deve (plano
divino) ser consumado (ainda Lucas 12,49-50) na sua Morte Gloriosa: única Fonte do Espírito
Santo para nós, porque única Fonte da Vida Eterna verdadeiramente Dada (sempre Atos 2,32-
33; João 19,30 e 34; 7,38-39). De facto, não se alcança através da nossa planificação. As coisas
supremas não são planificáveis. Já estão prontas para receber. A missão filial batismal do Filho
de Deus finalmente consumada! É que fomos, de facto, batizados na sua Morte (Romanos 6,3),
e, com Ele, fomos já com-sepultados, com-ressuscitados, com-vivificados e com-sentados na
G1ória! (Efésios 2,5-6; Colossenses 2,12-13: tudo verbos cunhados por Paulo e postos em aoristo
histórico!). Formamos, por isso, «a Igreja que Ele amou» (Efésios 2,25). A este amor de Cristo
pela Igreja chama Paulo «o mistério grande» (Efésios 5,32). Nós, a Igreja do amor de Cristo,
somos, portanto, a esposa bela, a nova Jerusalém (Apocalipse 19,7-9; 21,2.9-27) que,
juntamente com o Espírito, diz ao Senhor Jesus: Vem! (Apocalipse 22,17).
2. O tom deste Domingo de Ramos é dado pela bela página de Marcos 11,1-10, que nos mostra
o Rei messiânico a tomar posse da sua Cidade, a «Cidade do Grande Rei» (Salmo 45,5; 47,2-3;
Tobias 13,11; Mateus 5,35), a Esposa bela que nascerá do seu Sangue: Esposa cúmplice da Morte
do Esposo, e beneficiária da Morte do Esposo! Esposa, portanto, e no entanto! Que ao encontro
do Esposo desce em vestido de noiva, não de viúva! (Apocalipse 21,2). O Rei messiânico toma
posse da sua Cidade, a Filha de Sião, a Esposa; vem montado sobre o jumento da paz, e não
sobre cavalos de guerra, cumprindo Zacarias 9,9. De notar que Zacarias escreveu esta página
deslumbrante de um Rei diferente, pobre, manso e humilde, em contraponto com o imponente
espetáculo do grande Alexandre Magno, quando este, em finais do século IV a. C., descia a costa
palestinense a caminho do Egito, com todo o seu arsenal de riqueza e de prepotência militar!
Estendem-se as capas e ramos de árvores no caminho: assim se procedia quando o rei subia ao
trono (cf. 2 Reis 9,13). A multidão canta «Hossana» [= «Salva, por favor!»] (Salmo 118,5),
saudando o Rei-que-Vem, «Aquele-que-Vem» (título divino) (Salmo 118,26), com o Reino de
David, o novo David!
3. Dado o insólito da situação, não é possível não reparar que Jesus não entra em Jerusalém
como Peregrino ou Mestre ou Taumaturgo. Mas como o Rei futuro prometido, pobre e humilde,
anunciado em Zacarias 9,9. Por isso, nesta última etapa do seu caminho, desde Betfagé e
Betânia, perto do Monte das Oliveiras, até à Cidade de Jerusalém, Jesus não vai a pé, como
sempre andou nos caminhos das cidades e aldeias da Palestina, ou de barco, quando se tratava
de atravessar o mar da Galileia. Agora, neste último troço da sua viagem, Jesus faz questão de o
percorrer, não a pé, mas montado num jumento, ainda não montado por ninguém (Marcos
11,2): o Rei é o primeiro em tudo! E toda a temática relativa ao jumento montado por Jesus
torna-se tão evidente, que não pode passar despercebida a ninguém. Basta reparar na
distribuição dos dez versículos desta passagem (Marcos 11,1-10): sete ocupam-se com a
meticulosa procura do jumento e com o modo simples e novo, sem arreios, como Jesus o monta!
4. Ainda hoje, no domingo de Ramos, não obstante o ambiente abertamente hostil aos cristãos
que se respira, se faz, desde Betfagé, uma pequena aldeia hoje totalmente muçulmana com um
pequeno santuário à guarda dos Franciscanos, uma impressionante procissão e manifestação de
fé que, descendo o Monte das Oliveiras, termina na Igreja de Santa Ana, junto da porta de Santo
Estêvão (ou dos Leões).
6. Quem atravessa com extremosa atenção este imenso texto, há de por força reparar no
silêncio prolongado de Jesus perante testemunhas e acusações falsas. Este silêncio aparece
condensado e referido em dois momentos, que são também os únicos em que Jesus quebra o
silêncio para responder a duas perguntas. Primeira anotação: «Levantando-se então o sumo-
sacerdote no meio deles, interrogou Jesus, dizendo: “Nada respondes a estes que testemunham
contra ti?”. Ele, porém, ficou calado, e nada respondeu. O sumo-sacerdote interrogou-o de
novo: “És tu o Cristo, o Filho do Bendito?”. Então Jesus disse: “Eu sou!”» (Marcos 14,60-62).
Segunda anotação: «Pilatos interrogou-o: “Tu és o Rei dos judeus?”. Ele então respondeu e
disse-lhe: “Tu o dizes!”. E acusavam-no os sumo-sacerdotes de muitas maneiras. Então Pilatos
interrogou-o novamente e disse-lhe: “Não respondes nada? Vês de quantas coisas te acusam!”.
Jesus, porém, nada mais respondeu» (Marcos 15,2-5). Vê-se bem que Jesus apenas quebra o
silêncio por duas vezes, para responder a duas perguntas sobre a sua identidade.
7. Vendo bem, somos todos levados a percorrer e a reviver as últimas decisivas vinte e quatro
horas de Jesus, desde as 15h00 de Quinta-Feira Santa até perto das 18h00 de Sexta-Feira Santa:
21h00 = Getsémani
8. Note-se que, na cronologia dos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), esta Quinta-
Feira é o dia da Preparação da Páscoa, comendo-se a Ceia Pascal logo após o pôr-do-sol (no
calendário religioso hebraico já é Sexta-Feira, dado que o dia começa com o pôr-do-sol). Como
se vê, esta cronologia vê na Ceia de Jesus com os seus Discípulos uma Ceia Pascal. Também de
acordo com esta cronologia, Jesus é preso, julgado, condenado, crucificado, morto e sepultado
em Sexta-Feira, Dia da Páscoa dos judeus, o que seria muito estranho! O Evangelho de S. João
apresenta outra cronologia, hoje defendida pela maioria dos estudiosos, segundo a qual Jesus
terá comido uma Ceia, a sua Ceia Nova em Quinta-Feira, mas não a Ceia ritual da Páscoa dos
judeus, e foi preso, julgado, condenado, crucificado, morto e sepultado, em Sexta-Feira, dia da
Preparação, antes da Ceia ritual da Páscoa dos judeus, que João coloca no Sábado, e não na
Sexta-Feira. No seu Livro sobre Jesus de Nazaré, Bento XVI defende também esta cronologia
joanina. De resto, as Igrejas do Ocidente seguem a cronologia dos Sinópticos: por isso, a nossa
Eucaristia é com pão Ázimo, derivado do ritual da Ceia da Páscoa dos judeus. Por seu lado, as
Igrejas do Oriente seguem a cronologia joanina, sendo a sua Eucaristia com pão comum, dado
não derivar do ritual da Páscoa dos judeus.
9. O Antigo Testamento serve-nos hoje o chamado «terceiro canto do Servo» (Isaías 50,4-7).
Gerado na dor de Israel como verdadeiro filho do milagre (Isaías 49,21), ergue-se esta singular
figura de «Servo» (‘ebed), totalmente nas mãos de Deus, desde a sua predestinação desde o
seio materno (Isaías 49,1 e 5), passando pela sua entrega à morte (Isaías 53,12), até à sua
exaltação e glorificação (Isaías 52,13), de tal modo que Deus o pode chamar «meu Servo» (‘abdî).
Na lição de hoje, o «Servo» é um Discípulo a quem Deus abre os ouvidos até ao coração, para
ouvir bem a música de Deus, e poder levar uma palavra de consolo aos dela necessitados.
«Tornando o seu rosto duro como uma pedra» (Isaías 50,7), apresenta-se como um Servo, não
insensível e indiferente, mas decidido a levar até ao fim a missão que lhe é confiada. A mesma
expressão será dita acerca de Jesus em Lucas 9,51. O Novo Testamento passa por aqui!
10. Em claro paralelismo com o «Servo», cantado por Isaías, aí está Jesus apresentado por Paulo
aos Filipenses (2,6-11). Mas aqui, o «Servo» tem um Rosto e um Nome: Jesus recebeu, na sua
Humanidade, o Nome divino (ver também Hebreus 1,1-4), Nome incomparável (Filipenses 2,9).
Por isso, agora, todos os seres criados adoram o Nome-Jesus (Filipenses 2,10), e «toda a língua»,
isto é, todo o ser humano racional, professa: «Senhor é Jesus Cristo!». Notar a ordem dos três
termos, errada nas versões modernas: Senhor, isto é, Deus eterno, é o Homem-Jesus Cristo. O
acento cai, pois, sobre Senhor. O fim em vista: a Glória do Pai com o Espírito (Filipenses 2,11). É
quanto Deus operou na Cruz e semeou no nosso coração.
11. Voltamos à música do Salmo 22, uma oração que nasce na Paixão e termina na Páscoa! É
belo tomarmos consciência de que Jesus nos pediu estas palavras emprestadas, para no-las
devolver a transbordar de sentido. Já se sabe que aquele «Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?», que Jesus reza na Cruz, e que são as primeiras palavras do Salmo, implica,
segundo a praxe judaica, a recitação do Salmo inteiro, que tem uma primeira parte de fortíssima
lamentação (vv. 2-22), passando logo para uma segunda parte que expressa consolação por ver
Deus ao nosso lado, tão próximo de nós (vv. 23-27), e terminando em verdadeira exultação (vv.
28-32). O grande pregador francês Jacques Bossuet (1627-1704) declarava bem-aventurados
aqueles que, recitando este Salmo, se encontram com Jesus, tão santamente tristes e tão
divinamente felizes!
Senhor Jesus,
Senhor dos Passos
Serenos e seguros no caminho da vida e da Paixão,
Da ressurreição.
Senhor Jesus,
Senhor dos Passos
Sossegados e firmes,
Resolutos,
Até à porta do meu coração.
Senhor Jesus,
Senhor dos Passos,
Dos meus e dos teus,
Finalmente harmonizados,
Finalmente lado a lado:
Os meus, imprecisos, indecisos,
Atravessados pelo teu Perdão;
Os teus, sossegados e firmes,
Sincronizados pelo pulsar do meu coração.
Sim,
Eu sei que foi por mim que desceste a este chão
Pesado, íngreme, irregular,
De longilíneas lajes em que é fácil escorregar.
Mas os teus braços sempre abertos ajudam-me a levantar.
Senhor Jesus,
Deixa-me chegar um pouco mais junto de ti,
Chega-te tu também mais junto de mim.
Segura-me.
Dá-me a tua mão firme, nodosa e corajosa.
Agarro-me.
Sinto sulcos gravados nessa mão.
Sigo-os com o dedo devagar.
Percebo que são as letras do meu nome.
Foi então por mim que desceste a este chão.
O amor verdadeiro está lá sempre primeiro.