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O COMETA, O PREGADOR E O CIENTISTA ANTONIO VIEIRA E VALENTIN STANSEL OBSERVAM O CEU DA BAHIA NO SECULO XVII CARLOS ZILLER CAMENIETZKI RESUMO - Desde a Antigiiidade, os cometas foram vistos como desordens no céu. Este género de interpretagio fregiientemente se associava @ crenga astrolégica. Durante a Idade Moderna, quando a vida cultural sofre intimeras transformagées, os cometas passam a ser ¢estudados néo mais do ponto de vista de sua finalidade mas apenas enquanto fendmeno celeste. O esforgo que resultou na concepcdo moderna dos cometas integrou temas filoséficos teoldgicos da maior importiincia dos séculos XVI e XVII. No presente texto, examinamos duas abordagens deste problema feitas por dois intelectuais jesuftas atuando na vida cultural do Brasil, A primeira abordagem é devida a Antonio Vieira e esté ligada a tradigio filoséfica de santo Agostinho e suas concepgdes da natureza. A segunda é feita por Valentim Stansel e se liga.d tradigdo tomista, renovada pela escoldstica tardia do século XVI. RESUME - Depuis l’Antiquité les cométes furent interprétées comme des éléments de désordre du ciel. Cette interprétation est fréquemment lide aux croyances astrologiques. A P’époque moderne, au moment oit la vie culturelle connaitd' innombrables transformations, les savants sont enclins @ étudier les cométes non plus du point de vue de leur finalité mais ‘en tant que phénoméne céleste. Le travail qui aboutit d la conception moderne des cométes intégra des themes philosophiques et théologiques prépondérants aux XVle et XVIe sidcles, Dans le présent texte, nous examinons différentes facons de traiter ce probleme {que nous devons d deux intellectuels jésuites trés importants dans la vie culturelle du Brésil. La premiére est l'oeuvre d’Anténio Vieira qui se situe dans la tradition philosophique de saint Augustin et de ses conceptions de la nature. La seconde présentée par Valentim Stansel se place, quant a elle, dans la tradition thomiste, renouvelée par la scolastique tardive du XVle siécle. O século XVII pode ser considerado como um perfodo de tranformagées intelectuais duradouras na cultura ocidental. No que respeita pensamento filos6fico e cientifico, esta é a época em que o lento trabalho de elaboragdo de uma alternativa & filosofia de base aristotélica chega a seu termo. Ainda que a imensa maioria dos estudos filos6ficos das universidades européias ainda estivesse imersa na tradigao, o deslocamento dos centros de investigagao do mundo natural (das faculdades de artes para as academias), © dinamismo e as realizagées da “nova filosofia” garantiram aos novos métodos a predomindncia na produgo cultural. Se 0 século comega com contestagdes s6lidas de teorias aceitas durante centenas de anos (Tycho Brahe, Kepler, Galileu, Harvey, etc.) ele prossegue com a proposigao de novos métodos & de uma nova linguagem para o conhecimento do mundo natural (experimentalismo, matematizagao, etc.), ele constréi novas concepgdes do mundo (atomismo, mecanicismo, etc.) ¢ se fecha com a elaboragio de Revista da SBHC, n. 14, p. 37-52, 1995. 37 uma nova teoria para o mundo fisico (Newton). Este processo é marcante e seu estudo jé levou muitos ceruditos de nossa época a caracterizé-lo como sendo uma “Revolugo Cientffica”. Evidentemente, esse processo de transformagao das principais referéncias filosGficas ¢ culturais no poderia ter lugar sem dsperas controvérsias e, &s vezes, vitimas célebres. A construgdo da concepgio newtoniana do mundo se deu, como nao poderia deixar de ser, por forca de um embate intelectual de longo curso, integrando disputas que, em muitos casos, vinham jé de muito tempo. Um excelente exemplo disso 6 o debate em torno da astrologia. Antiquissima, a crenca nos astros governando 0 mundo inferior fora combatida ao longo dos séculos a medida em que se via confrontada com obstaculos filos6ficos ou teol6gicos. Durante a Idade Moderna, a prética astrol6gica se viu condenada diversas vezes por criticas vindas de uma ou de outra destas disciplinas. Evidentemente, um tratamento completo destas disputas esté fora de questo neste trabalho.' E, contudo, evidente que a crenga astrolégica constituiu um obstéculo real e importantissimo ao esta- belecimento de uma visio mecanicista do mundo. Em sua verso judiciéria, a nogo segundo a qual os acontecimentos da vida social e politica so governados pelos astros nao poderia se compatibilizar de forma alguma com as modemas teorias do Estado, em gestagio ou em amadurecimento durante os séculos XVI ¢ XVIL Por outro lado, em sua versio “natural”, a crenga nos planetas interferindo nos fen6menos da natureza por meio de influxos astrais se chocava frontalmente com os principios mecanicistas, segundo os quais toda a natureza se resolvia por choques entre as particulas que comporiam o mundo macrosc6pico”. Durante todo século XVII pode-se verificar a existéncia de obras filos6ficas, médicas ou teol6gicas discutindo esse problema. E verdade que mais 0 século avanga, mais a critica & astrologia vai tomando tum tom satfrico, mais essa crenga vai sendo usada para discutir problemas sociais e culturais da época, para realizar uma espécie de balango do perfodo. Um excelente exemplo deste tipo de literatura é a obra Pensées Diverses sur la Cométe, de Pierre Bayle, mas também o livro Histoire des Oracles do cartesiano Fontenelle, Seguramente, estes dois escritores no foram os primeiros intelectuais a combater a Astrologia ‘com a arma aguda da sétira. Permanecendo no universo dos autores de lingua francesa, Rabelais ainda no comego do século precedente jé se servira desta forma de ataque e certamente outros antes dele, Contudo, é ingénuo crer que uma linha de demarcago definida separava radicalmente o campo do “‘progresso” do campo do “atrazo” durante toda a discussdo sobre a Astrologia: uns negando perempto- riamente qualquer validez & arte, outros afirmando sua verdade em todas os terrenos. Nadinémicahistorica concreta, as préticas astrolégicas se misturavam em muitos casos as atividades de construgio das modernas teorias e proposig6es cientificas; boa parte dos principes e reis da Idade Moderna dispunha de seu astrélogo; boa parte dos médicos desde a Antiguidade examinava seus pacientes consultando 0 hor6scopo. No final do século XVII, as colOnias fbero-Americanas se encontravam em condigdes bem diferentes daquelas vivides um século antes. Do ponto de vista social, econdmico, juridico, politico e cultural essas col6nias j4 contavam com estruturas bem melhor definidas ¢ bem mais solidamente estabelecidas. Assim, © intercémbio cultural entre a colonia e a metrépole possibilitava que muitas das questdes que mais empolgavam os intelectuais metropolitanos também fossem vividas intensamente por seus congéneres do além-mar. Certamente, um problema cultural da relevancia da disputa da Astrologia nao poderia constituir ‘excegai. De fato, na colénia talvez.a mais dindmica culturalmente da América;na Nova Espanha (México), a polémica também se desenvolveu. L4, ela tomou contornos prOprios ¢ teve seu ponto mais alto na disputa entre o universitério Don Carlos de Sigilenza y Gongora e o jesuita Francisco Eusébio Kino’. 1A bibliografia da disputa astrolégica na Idade Modema ¢ gigantesca; ela integra alguns dos filésofos ¢ tedlogos mais ‘importantes do perfodo: Pico della Mirandola (1463-1494), Jean Calvin (1509-1564), por exemplo 2 Umexemplo importante dos conteidos deste confronto é 0 debate entre Pierre Gassendi e Jean Baptiste Morin, ocorrido na primeira metade do século XVI. 3. Nose trata aqui de examinar detidamente essa polémica, cabe porém ressaltar que a disputa contou com livros publicados, carta, etc. Um estudo da Astrologia na Nova Espanha desta época e das controversias ligadas a ela pode ser encontrado no livro: Miguel QUINTANA, La Astrologia en la Nueva Espata en el siglo XVII, México: Biblisfilos Mexicanos, 1969 Revista da SBHC, n. 14, p. 37-52, 1995 38 Nesta época, a coldnia lusitana vivia um perfodo de florecimento cultural importante, embora ndo se vivesse nada de tio intenso e diversificado como o que se passava na terra de Sor Juana Inés de la Cruz’ Por exemplo, apesar dos esforgos dos jesuftas, o projeto de criar uma universidade na Bahia nfo foi adiante. Contudo, certamente no & desprezivel a produgdo cultural de um Ant6nio Vieira, ou de um Gregério de Matos, para exemplificar apenas com o que se poderiacmodamente chamar de dois extremos no campo da cultura colonial. ‘A disputa astrol6gica conjugava temas filos6ficos, politicos ¢ teol6gicos da maior atualidade naquele final de século. A Astrologia Judicidria - aquela parte da arte que esté voltada & previsii dos acontecimen- tos humanos e sociais futuros - se confrontava jé havia quase duzentos anos com as teorias do Livre Arbitrio, renovadas na época do humanismo®. No que conceme espectficamente aos jesuftas, esse problema é crucial visto que a teologia adotada majoritariamente na Companhia - o molinismo - postulava aliberdade de escolha do homem como ponto central. A Astrologia Natural - aquela que procurarelacionar 65 influxos planetérios com fenémenos naturais, com epidemias, doengas, etc. - se confrontava com as novas concepges do mundo e da natureza, em elaboragio ao longo do século XVII. Afinal, esses influxos ram imateriais e essa caracteristica os tornava inaceitdveis ou muito dificilmente conciliéveis com a ciéncia nascente, Para a Companhia de Jesus, essa parte da Astrologia nfo colocava problemas graves pois no atingia pontos essenciais do pensamento predominante na Ordem, capazes de gerar um grande consenso contrério. Ademais, essa astrologia foi em grande parte poupada até o final do primeiro quartel do século e, como ja foi registrado acima, uma boa parte dos médicos de entao considerava indispensdvel consulta astrolégica no estabelecimento de suas agGes terapéuticas e mesmo no diagnéstico. ‘Na col6nia lusitana da América, no foi ainda encontrado nenhum sinal de uma controvérsia astrolégica ‘com a envergadura daquela francésa ou mesmo da mexicana. Porém, hé residuos importantes dos debates em andamento em todo 0 mundo ocidental, No presente trabalho examina-se duas atitudes diferentes tomadas por dois jesuitas atuantes no Brasil diante do fendmeno dos cometas. A primeira atitude foi tomada por Ant6nio Vieira, intelectual muito conhecido e que dispensa qualquer apresentago. A segunda, tomada por Valentim Stansel, filésofo e matemético da Campanhia, professor do Colégio da Bahia ¢ personagem quase comple- tamenteesquecido mas que teve atuagdo importante na produgio cultural da col6nia. Esse contraste se estabelece a partir das consideragdes que estes dois intelectuais fizeram por ocasiao do aparecimento de cometas nos céus durante a segunda metade do século XVII. A matéria deste contraste € bastante propria uma vez que a interpretag3o dos cometas, seu estudo ¢ as teorias astrondmicas produzidas para explicé-los encontram-se na encruzithada cultural que levou ao nascimento da ciéncia moderna’. ‘Assim, passa-se ao exame dos textos produzidos por esses autores antes de proceder &s comparagdes necessérias entre as concepgGes, que constataremos antag6nicas, do mundo natural e dos céus que eram sustentadas por estes dois jesuitas. A Voz de Deus ao Mundo, a Portugal e a Bahia. ‘Ao final da vida, j4 em seu retiro colonial, o Padre Antonio Vieira preparava a edigdo de seus sermées. Em 1681, velhoe com seu prestigio jé um tanto corrofdo pelos intimeros conflitos em que foi protagonista 4. O padre Serafim Leite, na sua monumental obra sobre os jesuftas no Brasil e com um ponto de vista todo particular, expde as iniciativas da CAmara de Salvador e da hierarquia da Companhia neste sentido, Cf. Serafim LEITE.Histéria da Companhia de Jesus no Brasil, Rio de Janeiro: INL, 1949, tomo VI, p. 191-208. 5. Ondcleo deste confronto pode ser resumido na incompatibilidade entre qualquer determinago dos atos humanos por forgas {que #fo superiores ao homens e a liberdade de escolher entre a reaizagio de um ato ou de outro. Se o homem ¢ livre para escolher entre uma ou outra ago, os astros no podem saber de antemo qual decisio seré tomada. 6 Acsse respeito, alguns estudos de relevo é foram produzidos. Por exemplo,o texto, Peter BARKER e Bernard GOLDSTEIN, “The role of Comets in the Copernican Revolution, Studies in History and Philosophy of Science, v. XIX, n.3,p. 299-319, 1988 ¢ ainda, S. DRAKE € C. D. O'MALLEY (org.) The Controversy on the Comets of 1618. Philadelphia: University of Pensilvania Press, 1960. Revista da SBHC, n. 14, p. 37-52, 1995. 39 ou coadjuvante, o jesuita regressa A Bahia. Na capital da colénia, Vieira néo se afasta da politica local, nem dos assuntos internos da Companhia; ele se envolve em disputas sobre as prioridades do trabalho dos jesuttas no Brasil, sobre o papel dos membros portuguéses no comando da Ordem, etc. Vieira era incansével, como se seu destino fosse a controvérsia, Aos oitenta anos de idade, o pregador é nomeado visitador da Companhia no Brasil ¢ no Maranhto, fungdo normalmente muito importante mas que Vieira recebeu mais ou menos como uma homenagem 3s suas indmeras contribuigGes dadas & Ordem, pelo que sustenta Serafim Leite’. Ap6s abandonar todas as fungdes oficiais na Companhia, ele se retira finalmente na Quinta do Tanque ¢ se ocupa quase exclusi- vamente de sua vasta correspondéncia e da edigdo final de seus sermées. Em 1695 um fendmeno celeste move 0 octogenério combatente na quictude de seu retiro: um cometa aparece no céu da Bahia. O idoso jesufta escreve um pequeno discurso de fortissima carga moral e politica contra os costumes ¢ a politica de seu tempo. A Voz de Deus ao Mundo, a Portugal e & Bahia & um texto curto que no foi editado até meados do século passado, ao que sustenta J. Lticio de Azevedo, um de seus bidgrafos famosos®, De fato, A Voz de Deus € um texto escrito na forma de um sermao; ele mantém aestrutura deste género literério em que seu autor foi mestre, Vieira constr6i frases de efeito, comparagdes de grande impacto, exortagées calorosas, faz uso da segunda pessoa, etc. A leitura desta composi¢ao sugere sem divida alguma o pillpito. A Voz de Deus & efetivamente um sermfo contra o que o jesufta considera os pecados de sua época, cometidos pela cristandade como um todo, por Portugal e pela Bahia. Antonio Vieira faz uso da apari¢ao do fendmeno celeste como fizera, em diversas ocasides, das datas extraordindrias do calendério cristo. O cometa tem a mesma fungo no texto que a passagem de uma sexta-feira santa, por exemplo: ele fornece a oportunidade para a pregaclo. Assim, A Voz de Deus no deve ser tomada como um escrito filos6fico em que se examina um acontecimento astrondmico, mas como um discurso que utiliza 0 portento celeste como argumento de impacto para uma exortagio & retomada das leis divinas, dos bons costumes ¢ da justiga crista. O cometa de 1695, no discurso do pregador, é a palavra divina alertando os povos que, se nenhuma emenda na ordem moral ¢ politica se fizer, o castigo viré. Contudo, isso esté longe de significar que o sermao ndo tenha um contetido filos6fico, ou que o cometa de Vieira seja apenas decorativo, que nao revele o pensamento do jesufta sobre um tema t{pico da fitosofia natural. Vieira sustenta em diversas e repetidas passagens que os cometas so adverténcias divinas aos homens. Defendendo veementemente essa proposigdo, 0 jesuta rejeita que o cometa tenha qualquer poder ou influéncia, ele é apenas um sinal pelo qual o Todo-poderoso alerta os homens das punigées a que estaréo submetidos caso persistam em seus erros e pecados. De fato, ele rejeita a Astrologia Judicidria’. Na realidade, as concepgdes que Vieira combate se situam em outro campo, seu contrério é antes o naturalista, 6 fil6sofo natural, 0 cético que vé no fendmeno apenas o concurso de causas secundérias, naturais, e scus frutos apenas interferéncias na ordem natural: “Se acaso nfo o entendes assim ¢ és do nimero daqueles que chamam aos cometas causas naturais e ndo reconhecem neles outro mistério ou documento mais alto, eu te afirmo que essa mesma incredulidade e dureza ¢ jé um efeito fatal do mesmo cometae principio dos castigos que por ele e com ele pode ser que nos venham anunciados”(Vieira, 1952, p.2). 7 Serafim LEITE, Histéia. op. ct, p. 73-92 8 J. Liiciode AZEVEDO, Histéria de Antonio Vieira. Lisboa: Clissica, 1992, v. I, p. 380. Para o presente estudo utilizamos ‘ edigdo Antonio VIEIRA, Obras Excolhidas, Lisboa: S4 da costa, 1952-4, v. VI, p. 1-56. titulo completo € A Vor de Deus ao Mundo, a Portugal e d Bahia. Suizo do cometa que nela foi visto em 27 de outubro de 1695 e continua até hoje, 9 de novembro do mesmo ano. 9 Diz o pregador: “Também nto se chama astrolégico este jut, porque, reputando nés, com os mais stbios e prudentes professores da mesma arte, quo ini, infrutuosae vi seja aquela parte da astrologia, que com o nome de ju entreter os discursos enganar as esperanas ou fantsias dos homens, nBo s6 seria crime contra a Providencia do Altissimo, mas desprezo de seus avsos fo manifestes, diveri-tos a considerag6es ociosas, em que se confundam ¢ percam os efeitos réprios esaudéveis que deve e pode produzir em nds uma causa Xo notivel e tio not6ria. Ibidem, p. 1. Todas as citagbes feita diretamente de obras publicadas em portugués nfo foram atualizadas nem corigidas, elas tm a ortografa inalterada. ‘As citacSes de textos em ltim foram traduzidas. Revista da SBHC, n. 14, p. 37-52, 1995 Vieira langa mao de recursos retéricos poderosos em favor de seu ponto de vista. Os argumentos apresentados por ele sfo essencialmente argumentos de autoridade, testemunhos bfblicos, sentencas de fil6sofos antigos e modernos, depoimentos de santos ¢ de padres da Igreja. Porém, 0 jesu‘ta nfo elide a questio filoséfica de fundo: os cometas nfo podem ser frutos do acaso, da condensagao eventual da matéria expelida pela terra ou pelo mar - aqui, ele trabalha no horizonte das explicagdes meteorolégicas de Aristételes. Tal portento, para o pregador nao pode ser obra exclusiva das causas naturais, sem qualquer significagao capaz de justificar 0 momento da aparigdo, a trajet6ria e a forma do fendmeno. O pregador ataca diretamente as interpretagGes naturalistas dos cometas, tendo o aristotelismo como referéncia .. muitos matematicos de grande nome, os quais coerentemente acrescentam que os cometas nos seus cursos sfio governados por anjos; com que fica retirada a dificuldade, até agora invenefvel, do movimento irregular dos cometas e desfeita juntamente, na escola de Aristételes, a opinido da matéria e modo com que diz sao formados; nao sendo fécil de crer nem de entender que os vapores da terra e exalagdes do mar, subindo de to diversos lugares de um e outro elemento, sem causa superior que os disponha e ordene, eles naturalmente e por si mesmos se ajuntem e se ajustem entre si, © se condensem e acendam em tal lugar e em tal composigao e em tal figura, a que esta a conservam ou vvariem com tal uniformidade, como se vé nos cometas” (Vieira, 1952, p. 7-8). A intengo do jesufta certamente ndo é a disputa de questdes naturais, ele apenas assenta seu ponto de vista em teses correntes entre 0s fil6sofos da Companhia. E claro, Vieira estava ao par das discusses que pontilharam o século inteiro sobre a natureza e os efeitos dos cometas; ele demonstra conhecer Kepler € Scaliger por exemplo, Sua posig&io demonstrada no texto A Voz de Deus bastante clara e repetida infinitas vezes com exemplos, citagdes, digressdes histéricas, etc.: “Deus como autor da natureza e supremo senhor e governador do universo, usa deles [dos cometas] a seu beneplcido, e que por meio destes sinais nos fala e nos avisa” (Ibidem, p. 8). Vieira toma ento por “suposigao certa e infalfvel” que ‘ocometa de 1695 6 uma voz de Deus. Mas o qué Deus quer dizer aos homens nesse final de século? ‘A voz de Deus tem dois campos de significado distintos: um natural e outro politico. O primeiro destes dois anuncia tempestades, terremotos, secas, fomes, pestes, etc!”. Porém, este tipo de mensagem de que 0 cometa 6 portador ndo é de maior interesse da parte do pregador. Sua atengio se volta para as significagdes do portento para o mundo politico. Aqui as suas significagdes se desdobram em trés: guerras, mudangas de impérios e morte de principes. Os exemplos de transformagdes deste tipo constituem, como sempre, o principal argumento em favor da tese apresentada. Vieira, apés cada milimetro avangado no discurso, acrescenta sempre uma incitagdo de cunho moral: “Ponha agora os olhos o mundo em si mesmo, ¢ faca a prudente reflexo que deve sobre 0 estado em que ao presente se acha; ¢ veja se esté aparelhado e disposto em toda a parte para grandes mudangas ¢ novidades, assim pela pouca ou nenhuma justiga das coroas que 0 ‘governam, como pelos poucos fiadores com que se acham as vidas dos mesmos principes; ..” (bidem, p. 17-8). ‘Na interpretago do jesufta o cometa de 1695 tem uma significagdo particular para Portugal e outra para a Bahia, No que diz respeito A metropole, Vieira esclarece: “A primeira cousa que diz a Portugal a vor. de Deus é que entenda o mesmo Portugal que este cometa fala particularmente com ele. Para prova desta proposigao, importa que nos ponhamos com a meméria um pouco mais atrés e vejamos 0 cuidado que tem a Suma Providéncia de anunciar a este reino seus acontecimentos com sinais do céu” (Ibidem, p. 23). O exemplo da preferéncia divina pelos cometas para avisar a Portugal do seu destino, apresentado pelo jesutta, 6 0 aparecimento em 1577 de um grande cometa nos céus de Lisboa. Vieira sustenta que com 10 “O que diz ou 0 ue significa ao mundo natural, so intemperangas do ar, vents, tempestades, naufrgios,secas, esterilidades, formes, teramotos, pestes e todas as outrascalamidades mais que ordindras, a que estéexposta a nossa mortalidade”.Ibidems,p. 10. Revista da SBHC, n. 14, p. 37-52, 1995 41 este fendmeno, 0 Todo-poderoso desejava mostrar a D. Sebastido o destino trégico que 0 esperava na Africa do Norte. A imprudéncia do monarca levou-o & catéstrofe de Alcdcer-Quibir em 1578. Evidente- ‘mente, o que mais importa aqui 6 0 fato de interpretar 0 astro como aviso e nao como causa de um acontecimento desta importiincia. O portento em questio, o cometa de 1695, se apresenta com a forma de uma espada e, segundo Vieira, ele adverte Portugal do seu estado de injustigae lembra o compromisso lusitano com a conquista de novos dominios a0 mundo cristéo. Numa passagem particularmente entusiasmada, o pregador incita a realizagdo de uma cruzada: “Se olhares, Portugal, para ti, achar-te-s muito cheio de vicios e pecados, que te fazem totalmente merecedor de seres digno instrumento de tio santa empresa, como a conquista, da Terra Santa; e por esta causa a primeira disposigo para ela seré algum castigo geral, ‘com que purifique Deus e purgue este tdo enfermo corpo de viciosos humores com que est4 corrupto” (Vieira, 1952, p. 33)!!, Quanto & Bahia, repetindo a estrutura da argumentagao, o jesuita interpreta a aparigao do cometa como sendo um aviso de guerras futuras, Para ele, a forma de espada nao deixa dividas: 0 castigo divino aos pecados da Bahia vird sob a forma de uma guerra devastadora. Vieira reforga scus argumentos constatando que a cidade constréi seus muros - projeto polémico que a Igreja em seu conjunto houvera criticado por desviar fundos que poderiam ser aplicados em obras mais pias. Diz ele: “Se, apartando os olhos do céu, ‘0s ponho em ti [Bahia], parece-me que a significacdo é de guerra; porque vejo que abres fossos e levantas ‘muros” (Ibidem, p. 47). O padre afina os argumentos, 0 muro € inttil pois enquanto protege a cidade nada pode fazer pelas caravelas que levam as riquezas e trazem os objetos do luxo e da vaidade dos colonos'. Lembra Vieira o cometa de 1618 que, com a forma de palma, anunciou a guerra dos trinta anos e suas nefastas conseqiléncias para o Brasil - invaso holandesa, guerra de reconquista, etc. “Estd Deus com a espada levantada e ameagando o golpe, esperando a ver se nos emendamos; ou para ferir e cortar com a espada, ou para a meter na bainha” (Ibidem, p. 48), vaticina. Presente também no discurso, como elemento indicador dos pecados, a hipervalorizago no reino e em particular na Bahia das minas recém-descobertas na colénia: “Nao 6 erro falso, sendo terror verdadeiro, que causa este cometa no céu; porque os vapores com que ele arde e de que seu fogo se sustenta, sfio os pecados que Ié sobem da terra; © todo 0 pecado € cometa: Scelus omne cometa est. O salitre com que no Inferno arde 0 fogo € no céu se acendem os cometas, so os pecados: no Inferno os dos mortos, ‘no céu os dos vivos; ¢ este mineral néo se cria nos cerros e desertos inocentes do sertio, mas nasce ¢cresce alé o c&u, nos vicios e escandalos das cidades, tanto mais, quanto mais populosas”(Ibidem, p. 50)"*. Na verdade, A Voz de Deus ameaca a Bahia ¢ exige mudangas na ordem moral: “Aquela espada de ‘fogo, tdo digna de causar horror, pode cortar como espada e pode queimar como fogo. Mudemos nds ¢ emendemos a vida, que Deus emendard a sentenca” (Ibidem, p. 55). Os pecados da col6nia vem relacionados na exortago a sua corregao: “Acabem-se os 6dios, reconciliem-se as inimizades, perdoem-se as injtirias, compo- nham-se as demandas, restitua-se a fazenda mal adquirida, ea fama. Paguem os poderosos 11 E, um pouco mais adiante, ele cita um trecho do Génesis ¢ emenda: “O mesmo nos est Deus dizendo desde a sarca ardente deste cometa, para que nos dispamos de tudo 0 que ofende seus divinos olhos; e descalgos, penitentes, compungidos € hhumildes vamos pisar aquela Terra Santa, que ele pisou com seus sagrados pés e regou com seu preciosfssimo sangue”. 12. “A Bahia, como as outras cidades do Brasil s6 seis meses de ano estio sobre a terra; os outros seis andam em cima da 4gua, indo e vindo de Portugal; e nesta campanha imensa do Oceano mal te podem defender os muros que c4 ficam, nfo te digo 6 dos ventos e tempestades, mas de outros perigos ¢ encontros mais para temer que os elementos; e como & ida nos teus frutos levas as delicias para 0 gasto, ¢ & vinda no retomo trazes as vaidades para 0 1uxo, nflo é tho devota esta navegaclo, ‘que convide & sua defensa os anjos da guarda”. idem. 13. O problema da descoberta das minas no sertio do Brasil vem associado as punigBes anunciadas pelo Cometa ainda em outras passagens, por exemplo: “Quando famos descobrir os enganos da fama, descobriu-nos o céu os desenganos da vida: no ‘esto as minas nos cerros, esto no cfu”. Ibidem, p. 49. Revista da SBHC, n. 14, p. 37-52, 1995 42 ‘© suor que esto devendo aos pequenos; cessem as opressées dos pobres, que clamam a0 céu, € cesse 0 1uxo ea vaidade que se sustenta do seu sangue, Déem-se as esmolas, que muito aplacam Deus, ¢ no s6 aos que as pedem pelas portas, sendo também, e muito mais, aos que a portas fechadas padecem necessidades. Guarde-se a imunidade das pessoas, lugares e bens eclesidsticos, que sio proprios de Deus, que os dé ¢ os tira, € castiga como sacrflegos os que se atrevem a tocar neles. Enfim, Bahia, que se veja em ti tal reforma da justica, tal melhora de costumes e tal emenda nas vidas, que assim como hoje te quadra o nome de civitas vanitatis, assim meregas 0 de civitas justi!"(Ibidem, p. 54). No que diz respeito estritamente ao objeto do presente estudo, Vieira esvazia 0 contetido judicidrio das previsbes astrol6gicas em favor de uma concepgio dos fendmenos naturais - ao menos os extraor- dinérios - que os transforma em construgSes divinas intencionais. Assim, nelas predomina um significado moral, uma condenagéo do Todo-poderoso aos pecados, injustigas e erros dos homens ¢ dos Estados. cometa e, por extensiio, o que se passa nos céus so apenas avisos, nfo determinam nada! Numa primeira ¢ apressada leitura, esse texto de Vieira poderia ser interpretado como uma alegoria em que 0 cometa sua interpretago so apenas o veiculo ret6rico da pregagao. Como se a significagdo do portento, para 0 jesutta, fosse tdo somente o argumento de uma metéfora, sem contetido proprio, como se ele apenas se ‘servisse de crengas ancestrais € na realidade nao as partilhasse. Contudo essa linha de interpretagao do texto nao encontra apoio numa leitura detida. ‘A posigo do velho pregador acerca do problema astrol6gico esté bem exposta: os cometas anunciam interferéncias divinas na ordem moral, politica e natural. Eles nao so responsdveis por esses distarbios no curso normal das coisas, eles nao realizam autonomamente nenhum dos castigos a que se submetem ‘0s homens; os cometas apenas anunciam. Deus, por intermédio dos cometas dé a conhecer aos homens seus intentos; a aparigao do cometa é uma iltima chance oferecida pelo Todo-poderoso aos pecadores para que se emendem. As vezes, provavelmente levado pelo entusiasmo da pregagio, o jesuita dé margem a ambiglidades; ele declara que os astros podem deter algum poder positivo na determinagéo dos acontecimentos politicos!*, Contudo a ténica geral do discurso se mantém na linha que abre o texto, condenando a Astrologia Judicidria. Isto € essencialmente 0 que Antonio Vieira tinha a dizer sobre a natureza dos cometas neste seu sermao. O Legado Uranico do Novo ao Velho Mundo Personagem muito menos importante que Vieira para a cultura luso-brasileira, Valentim Stansel nao deixa contudo de ter seu nome ligado com algum destaque ao empreendimento cultural jesufta no novo mundo, Valentim nasce em Olomuc, na Moravia, em 1621, no inicio da Guerra dos Trinta Anos, perfodo marcado pela reconquista da vizinha Boémia pelas forgas imperiais'*. Ele entra na Companhia de Jesus em 1637 com apenas 16 anos de idade o que, apesar da estranheza que tal fato poderia causar hoje em dia, era comum aos novigos da época. Embora tendo vivido sua juventude em terra marcada pelos conflitos daquela que foi talvez a mais arrazadora guerra da Idade Moderna, Valentim aparentemente sempre manteve-se suficientemente afastado dos seus horrores; estudou na escola da Companhia de Olomuc ¢ nas universidades de sua terra natal e de Praga, foi professor de filosofia e matemSticas nestas duas 14 Por exemplo, na passagem seguinte onde o padre Vieira apresenta uma tese cara 4 tradigfo astrol6gica, sem nenhuma nota crftica: "E se as estrelas tém sobre ele [0 mundo politico} algum poder ou significago, todos os mateméticos antigos ‘concordaram em que, depois da conjunglo de Saturno e Jupiter, que foi no ano de oitenta trés deste século, haverd grande ‘mudanga de dominios”. bidem,p. 18. 15 Hé pougulssimas referéncias biogréficas sobre Valentim Stansel. Um resumo de sua vida e uma lista de suas obras pode ser cencontrada na grande bibliografia da Companhia de Jesus: Carlos SOMMER VOGEL. Bibliotheque de la Compagnie de Jesus. Paris, 1898, v. 1V. O padre Serafim Leite reproduz o verbete relativo a Stansel, em sua obra citada. Revista da SBHC, n. 14, p. 37-52, 1995 43 instituigdes tendo deixado a0 menos uma obra escrita deste perfodo'®, Sua profissdo solene dos quatro votos na Companhia foi feita em 1655, em Praga, pouco antes de sua partida, Stansel desloca-se da Europa central Roma ¢ de I4 a Portugal, certamente jé com o intuito de partir ara as missdes dos novos mundos. Provavelmente 0 jovem jesufta fora sensibilizado pela propaganda e Pregago dos missionérios que percorriam 0 velho continente & procura de candidatos intelectualmente preparados para as fungGes exigidas nas missdes (a vinda do jesutta ¢ matemético Adam Shall da China € um claro exemplo deste tipo de iniciativa). Em Roma, Stansel entrou em contacto com Athanasius Kircher e com seu cftculo de colaboradores e amigos no Colégio Romano. As relagdes estabelecidas com © meio kircheriano de Roma Ihe valeu a constituigo de vinculos intelectuais s6lidos e duradouros, conforme atesta sua correspondéncia com Kircher que durou até a morte deste tiltimo em 1680!7, ‘Tendo chegado a Portugal entre 1656 e 1657, Stansel ndo embarca imediatamente; ele leciona em instituigBes da Companhia, no colégio de Elvas ¢ se ocupa da Aula de Esfera do Colégio de santo Antio de Lisboa. A estada do matemético mordvio em Portugal foi coroada com a publicago em 1658 de um livro: Orbe Affonsino ou Horoscopio Universal, onde 0 autor descreve um astrolabio modificado, de sua invengao'®. Num prefécio ao leitor desta obra, Stansel confessa sua pressa em partir para a China; nao se sabe exatamente por quais razdes ele viaja para o Brasil e no para o almejado oriente em 1663. Na Bahia, Stansel trabalha essencialmente no colégio da Companhia de Jesus em Salvador, ensinando teologia moral e outras disciplinas, estudando o climae a natureza tropical, observando océue escrevendo seus livros, alids bastante numerosos para um fil6sofo e matemético colonial”°. Na verdade a obra de Valentim Stansel escrita no Brasil contou com uma certa repercussio nos meios intelectuais do velho mundo. Modesto impacto, € verdade, mas real e registrado em alguns dos mais prestigiados periédicos eruditos da época: Acta Eruditorum, Journal des Scavants, Philosophical Transactions e Giornale dei Letterati"'. Também na col6nia, a atividade do padre Valentim teve alguma repercussdo registrada de ‘maneira ndo muito abonadora, é verdade, mas que revela o conhecimento de seu trabalho de astrénomo, a0 menos nos meios letrados de Salvador. Gregério de Matos, por exemplo, ridiculariza Stansel por ter enviado um astrolabio de sua fabricagdo como presente aD. Pedro Il, rei de Portugal”. Serafim Leite na 16 Do muito pouco que se sabe de Stansel, menos ainda diz respeito ao perfodo em que esteve entre Praga e sua cidade natal ‘A obraem questo tem por titulo Dioptra Geodesia, publicada em Praga.em 1652. NBo nos foi posstvel examiné-ta, contudo tanto Sommervogel quanto Leite a ela fazem referéncias, 17 Os volumes da correspondéncia de Athanasius Kircher, preservados na Pontificia Universidade Gregoriana em Roma, ‘contém 10 cartas de Stansel a Kircher, enviadas de Lisboa e de Salvador. Cf. Mss. PUG, 555-586 (I-XIV), Miscellanea Epistolarum Kircheri. 18 Aobraé conhecidacm sua versio latina traduzida ao portugués. A primeira, manuscrita, Orbis Alfonsinus sive Horoscopium ‘Sciothericum Universal |...) esté na Biblioteca Nacional de Lisboa; a segunda, Orbe Affonsino ou Horoscopio Universal. ‘No qual pelo extremoda sombra inversa se conhece, que hora sejaem qualquer lugar de todo o mundo, O circulo meridional. Ooriente, & poente do Sol. A quantidade dos dias. A altura do polo, & equador, ou linha . Offerecido ao serenissimo senhor, & amplissimo monarcha D. Affonso VI Rey de Portugal &c. Pelo P.M. Valentim Estansel da Companhia de Jesu, Juliomontano, lente que foi das mathematicas em as universidades de Praga, Olmuz. et agora o he em Elvas, Evora, Impressto da Universidade, 1658. 19 “Porem he forga acomodarme ao tempo~,¢ que estou esperando amogam pera poder faser viag~,e as Indias orienta, & dahi ‘20 dilatado imperio da China ..” Ibidem, p. nfo numerada. 20 Na monumental bibtiografia da Companhia de Jesus de Sommervogel,jécitada, e naquela dos jesuftas no Brasil, elaborada Por Serafim Leite, também citada, encontra-se um levantamento bastante detalhado dos escritos de Stansel. Contudo, tanto luma como a outra sto incompletas e contém imprecisdes que porém nao comprometem seu uso como indice decumental de base. 21 Naordem cronolégica, 0 Giornale dei Letterati de 31 de Setembro de 1673 (sic), v. XI, p. 134-6, comenta observagdes feitas por Stansel na Bahia do cometa de 1668 - observagdes reproduzidas mais tarde no livro Legatus Uranicus, ver mais adiante ‘neste trabalho. O Philosophical Transactions reproduz.0 mesmo texto em seu * nimero, de 1674, 91.0 Acta Eruditorum ‘de 1683, p. 350; publica uma resenha do livro Legatus Uranicus. O mesmo periédico de 1685, p. 235-7, resenha o livro Uranophilus Coclestis Peregrinus de Stansel publicado no mesmo ano, O Journal des Savants, de-26 de agosto de 1685, p. 309-10, resentia 0 mesmo Uranophilus, 22 O“Boca do Inferno” compde um soneto satirizando o jesulta: A El Rey D. Pedro Il com um astroldbio de tomar o Sol, que ‘mandou o Pe. Valentim Stancel dedicado ao renascido monarca. Revista da SBHC, n. 14, p. 37-52, 1995 44 sua Histéria da Companhia de Jesus no Brasil reproduz outros depoimentos de médicos coloniais em que as qualidades de astr6logo e naturalista do padre Valentim sio elogiadas”*, ‘A vida, as polémicas ¢ os trabalhos de Stansel dao lugar a um estudo interessante sobre a vida cultural ¢ religiosa da Companhia de Jesus na segunda metade do século XVI. Contudo este perfodo sempre foi considerado a época de Vieira — sem duivida o maior personagem da Companhia e talvez da literatura luso-brasileira destes anos — e, assim, outros personagens da cultura religiosa e filos6fica colonial acabaram sendo escondidos sob a sombra do grande pregador. A lacuna que a auséncia de um estudo de conjunto da obra de Stansel representa no seré preenchida no presente trabalho, seu projeto consiste apenas em estabelecer um contraste cultural em torno de um problema intelectual importante do século XVIL Assim, deixamos para uma outra ocasiéio 0 estudo abrangente sobre o padre Valentim e retomamos © problema dos cometas. Stansel observou ao menos os cometas de 1664, 1665, 1668 ¢ 1689. Os registros das observagbes dos dois primeiros, com comentérios ¢ andlises, estio no livro Legatus Uranicus, publicado em Praga, em 1683; as observagdes do cometa de 1668 foram publicadas no Giornale dei Letterati, de 1673; as iltimas, relativas ao cometa de 1689, ficaram manuscritas até o comego do século vinte. Um artigo recentemente publicado pelos professores Keenan e Casanovas examina do ponig de vista astrondmico 0 valor histérico das medidas obtidas por Stansel para os cometas de 1664 ¢ 65". Trabalho importante, que em muito colabora para uma melhor compreensio da atividade cientifica no Brasil colénia, retornaremos a este texto mais adiante, © Legado Uranico do Novo ao Velho Mundo foi escrito em 1665 e logo enviado Europa para divulgacdo. O trabalho manuscrito circulou entre astrGnomos e eruditos e somente foi publicado em 1683 pelos jesuftas de Praga que acrescentaram & obra de Stansel um conjunto de outras observagGes feitas no Velho Mundo”, Na verdade, o Legado Urdnico é bem mais que 0 resumo de observagGes de cometas, le discute teorias de seu tempo sobre a composigao, trajet6ria ¢ natureza do portento. Os relatos desse tipo de observagao, em geral, eram textos pequenos e essencialmente dedicados & exposig&o resumida de resultados numéricos obtidos, as vezes acrescidos de curtos comentérios. O texto de Stansel se enquadra bem neste género de composicao cientifica, embora possua desenvolvimentos te6ricos um pouco mais extensos que o normal. As observagdes do primeiro cometa foram feitas entre Este, Senhor, que fiz Jeveinstrumento Para pesar 0 Sola qualquer hora, Dedicoa aque So, a cuja aurora Ja destinam dous mundos rendimento, Desta minha humildade,e desalento, Que a sua quart esfera nfo ignora, subindo a oitavootu, pretende agora Acstrela achar no vosso firmamento, Eu, que outro So! no seu zenith pondero ‘hos do Nascido Soberanos Raios, Pesando-me eu a mim me desespero. ‘Mas v6s, Aguia Real, esses ensaios Ente 08 vossos eval, ois eonsidero, ‘Que nunca em tanta sombra houve desmaios. 23 Segundo o padre Serfim Leite, dois médicos, Joao Fereira da Rosa ¢ Domingos Pereira da Gama, teiam elogiado Stansel nos seguintes termos: b= mathematico que hoje iustrao Brasil, oP. Estancer da Companhia de th, tem feito prognostico dl muitas doensas malignas, a quem se deve dar nesta materia asenso pela expiriensia que dee temos, no prognostco que fes

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