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Diana Domingues1
As instalações multimídia criam uma situação híbrida para a fruição do objeto artístico,
inserindo-se numa problemática mais vasta onde sinais emitidos por signos de
linguagem tecnológica estão relacionados a poéticas matéricas. Num processo de
intersemiose, as situações múltiplas, em estado de contaminação no espaço das
instalações, conferem às instalações com dispositivos multimídia uma ligação mais
direta com pesquisas científicas que tratam da velocidade, do movimento, da duração,
problemas óticos, bem como com as teorias da percepção mais recentes que estudam
modelos de funcionamento do nosso cérebro. O produto artístico desloca-se, portanto,
de um terreno artístico-estético para apontar questões interdiscursivas com
conhecimentos provenientes de outros campos do saber humano.
3
FODOR, Jerry A. The modularity of mind. An essay on faculty psychology. Cambridge, Mass: The MIT
Press, 1983.
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4
DUGUET, Anne-Marie. Vedere con Tutto il corpo. In: Albertini & Lischi. Metamorfosi della Visione.
Pisa:ETSditrice, 1988.
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percursos dos corpos no espaço de uma instalação, teríamos uma tecido denso
tramado pelas diferentes linhas deixadas pelos corpos. Por outro lado, o tempo
empreendido nas descobertas, e as variáveis de ocupação do espaço são elementos
que determinam outras variáveis no todo que está sendo vivido pela mente.
Nas instalações multimídia há, portanto, uma exacerbação destas conexões pela
proliferação de estímulos próprios do fluxo eletrônico. Ocorre um dinamismo espacial
das linguagens eletrônicas e do espaço arquitetônico. O corpo passa entre os
dispositivos, enquanto sons e imagens passam nas telas luminosas se fazendo e se
regenerando na velocidade de trinta quadros por segundo. A memória dos aparelhos
repete situações, nossa memória capta, repete, recria, rechaça, apaga, lembra,
entrelaça as imagens como acontecimentos ou campos de possibilidades.
Outro aspecto importante levantado por Bonito Oliva é que a instalação eletrônica com
tecnologias de vídeo parece "fazer-se companhia sozinha", pois ela funciona sem a
presença do espectador. As imagens móveis, tendo uma existência temporal própria,
são diferentes de um quadro, de uma escultura ou de uma instalação com elementos
fixos e imóveis no tempo. As imagens eletrônicas acontecem sem a presença do
homem. Elas têm uma atividade temporal independente das descobertas do visitante
nos tempos/espaços que por ele são dados. O espaço real da sala está animado por
uma temporalidade interna e externa ao fluxo eletrônico, mas também pela fruição viva
e real do espectador naquele recinto. Ocorre um curto circuito entre os dispositivos, os
objetos e o corpo do visitante, num campo magnético que propõe experiências estéticas
que ultrapassam a identidade metafísica da arte. Não se trata de um "trabalho
perceptivo de natureza investigativa e estéril" diz Bonito Oliva, mas de estímulos que,
plurisensorialmente, tocam o corpo enviando ordens à mente. Os corpos que circulam
no espaço não assumem uma atitude contemplativa, mas devem estabelecer relações
que são estimuladas por elementos perceptivos diversos. O andar, o ouvir, o ver, o tocar
desencadeiam cargas significantes que extrapolam as imagens das fitas.
Viver essas imagens no espaço real com o corpo em sua totalidade, colabora para que
a representação proposta no todo da videoinstalação se configure como um sistema,
um "processo ao mesmo tempo técnico, sensível e mental" 7.
7
Idem, op. cit., p.3.
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Fazer instalação com vídeos é uma atitude diária do homem de agora. Lembrando
opiniões de críticos, a mera colocação de um televisor numa casa, na sala, no quarto,
numa vitrine já é uma forma de instalar a imagem de vídeo. Nestas escolhas são
buscadas condições de conforto, distância, qualidade da imagem, além de situações
estéticas. Nas casas, sempre temos espaços que organizam e fecham o funcionamento
de nosso corpo, bem como respondem a atividades diferentes: quartos, cozinhas,
banheiros. A colocação de um aparelho de vídeo está ligada à arquitetura interior e à
função das diferentes partes da casa, cenário de nosso cotidiano. Olivier Apert diz, por
sua vez, que a "casa-vídeo" ou videoinstalação é uma forma contemporânea de
escultura, onde os artistas instalam suas imagens, tentando estabelecer leis espaciais
sob o desejo de configuração de sua vontade, de seu imaginário. Afirma que "os
locatários decoram, dispõem, arranjam; os artistas instalam" 9. Assim os dispositivos
eletrônicos ganham a função de construção da cena, pois são os indicadores de novos
modos de apresentação das imagens de vídeo.
As instalações propõem, conforme Anne Marie Duguet, uma outra relação para as
imagens de vídeo num estado de "ver com todo o corpo". Os artistas manipulam
expressivamente o meio vídeo através das instalações modificando a modalidade de
produção, difusão e distribuição de imagens e sons, pensando-os num confronto direto
com materiais e em lugares onde é reafirmada a presença da imagem eletrônica que
hoje se interpõe entre o homem e a realidade modificando nossa própria concepção do
real. A luz das telas em vibração constante e altíssima velocidade, o fervilhar dos
pontos que escrevem e apagam figuras, mundos instáveis e fluidos passam nas
imagens luz e nascem e se regeneram na mente por persistência retiniana. O ritmo
variado das imagens e outras sensações emitidas na fonte luminosa da imagens criam
em clima vital de natureza hipnótica onde o corpo do participante se alimenta do olhar
que imprime as imagens em sua memória. Sabemos que as imagens de vídeo não
estão presas sobre a superfície e trocam vertiginosamente exigindo a nossa presença
para realmente existirem. A presença do corpo dá o testemunho que a imagem de vídeo
necessita para homologar sua existência. Induzido pelas distribuições que cada artista
faz da imagem no espaço, o espectador é conduzido a realizar leituras ou remontagens
do todo proposto pensando as imagens na suas relações com os materiais que a
circundam ou nas variadas repetições dos televisores. Entretanto, diferentemente de
uma fita, o dispositivo que a exibe está num estado de colagem da imagem com
elementos de natureza diversa (pedras, água, planta, pinturas, luzes, paredes,,
pessoas, espelhos, máquinas etc.) em situações onde o hibridismo, o excesso, a
multiplicidade, a heterogeneidade, a fragmentariedade a impureza jogam o corpo num
espaço plural, próprio da sensibilidade deste final de século.
As instalações com imagems eletrônicas inserem a imagem num espaço impuro. Trata-
se de explorar a imagem para além do tape. Os artistas se movimentam entre vários
suportes, confrontando a imagem com os mais diversos materiais e misturando pintura,
escultura, desenho, fotografia, objetos ou não importa qual técnica de representação ou
de reprodução. As imagens estão diretamente vinculadas ao espaço arquitetônico que é
transformado pelos dispositivos elementos que nele são colocados. Em procedimentos
de colagem, a imagem eletrônica é colocada em cena sendo dramatizada pelo
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dispositivo que a faz desempenhar outros papéis no espaço real. As imagens montam
arquiteturas específicas por onde circulam os corpos, fazendo com que o espaço virtual
das imagens contraste com o espaço real vivido. O tempo virtual da eletrônica é
experimentado em tempo real pelo corpo. A bidimensionalidade da imagem eletrônica
se entrega e desafia a tridimensionalidade dos dispositivos e da sala. O passar dos
corpos entre os espaços de referência construídos pelos dispositivos é análogo aos
estados de passagem das imagens pelos diferentes atos de montagem. No espaço real
da sala e no espaço virtual da eletrônica, o estado é de trânsito, de transformação,
levando a momentos sucessivos de metamorfose.
O princípio de colagem
Figuras como Nam June Paik e Vostel são marcantes nas primeiras instalações com
televisores, interligando a música, as artes plásticas, a dança , as performances, a
poesia. Hoje, entre tantos artistas, são de máxima importância Gary Hill, Bill Viola,
Thierry Kuntzel, Muntadas, para citar os artistas mais conhecidos no campo das
videoinstalações que hoje começam a proliferar no circuito artístico. As obras destes
artistas se afirmam como lugares de experiências mistas, decorrentes de uma inter-
relação de diferentes linguagens e códigos, em espaços plurais de natureza
intertextual. A ordem é se hibridizar. Todas as técnicas e materiais se misturam. Todas
as linguagens se interpenetram com as imagens eletrônicas das fitas.
No Brasil, as instalações com vídeo ainda são pouco exploradas nos anos 80 e início
dos anos 90 e se tornam um pouco menos raras nestes últimos cinco anos. Em minhas
produções destaco a instalação "Paragens" que apresentei na 21ª Bienal Internacional
de São Paulo, onde o uso dos dispositivos como reconfiguração do espaço da sala se
torna bastante evidente. Três situações são propostas simultaneamente para se gerar
"Paragens", uma paisagem de imagens em contaminação. Os gens de imagens se
distribuem no ambiente. No fundo da sala, no ambiente "Clareira", sete telas mostram
seqüências de imagens em estados de colagem dos sete televisores ou sete imagens =
a uma imagem. Mostro imagens com tratamento eletrônico em cenas de
transformações do mundo natural. Os efeitos apresentam padrões geométricos
alternados; um grande rio corre nos sete televisores; um braço passa se
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anamorfoseando ao ser esticado nos sete televisores e ganhando uma dimensão que
desafia o vazio da sala entre outras situações criadas no interior de mesas
processadoras. O uso dos dispositivos permite também pensar o que fazer com uma
imagem videoprojetada que aumenta sua escala. No centro da sala, no ambiente
"Olho", fazer de uma imagem quatro imagens. Uma única projeção sobre uma tela
transparente pode ser vista dos dois lados, e ao mesmo tempo seus rebatimentos sobre
um lago/escultura com óleo negro multiplicam a mesma projeção, fazendo que com
uma fonte de imagem projetada se tenha quatro imagens. Outra situação é o recurso de
incrustação de uma TV no escuro da parede de saída no ambiente "Muro". Exploro uma
TV janela com cenas de paisagens em repouso. Somente um leve mexer das folhagens
anuncia que ali há vida. Não se trata de uma paisagem natural, mas da vida natural
capturada pela câmera. O uso dos dispositivos é, portanto, fundamental para se pensar
as instalações. Ao mesmo tempo, ritmos diferentes das imagens acentuam o tempo e o
movimento. O parado serve para acentuar o móvel em suas dinâmicas espaço-
temporais10.
Em outra instalação, "Cagebim” 12, visitante deve penetrar nesta área, utilizar o
microfone e o fone de ouvido e participar da obra. São utilizados sete vídeos em sete
televisores suspensos como notas de uma pauta musical. Aparelhos sonoros:
microfone, fone de ouvido, mesa de mixagem num espaço propõem uma metapartitura
numa interpenetração da música "Aguas de Março" de Tom Jobim, relacionada aos
processos de criação de John Cage. A intenção é criar um caos por imagens e sons.
Seis televisores menores, suspensos como notas de uma pauta musical, mostram
imagens no tempo da letra de "Águas de Março" que Tom Jobim compôs falando de seu
sítio. Da mesma forma apresento imagens gravadas em paisagens da região. As seis
fitas não estão sincronizadas e as imagens, ao acaso, oferecem seqüências que o
espectador recria pelas múltiplas relações que se estabelecem. Nada está fixo,
imutável. Ao contrário da passividade de olhar um quadro, se coloca a possibilidade de
viver situações cambiantes. O visitante ouve e vê simultaneamente as seis imagens e
na desordem vai recriando novas ordens, ao acaso. Contrastando com estas situações
múltiplas, um televisor maior que não está suspenso, mostra um disco que gira
constantemente até terminar. O disco está mudo, mostra uma única situação e remete à
rigidez de uma única imagem gravada acentuando a multiplicidade das outras seis
televisões. Em outra instalação, montei um "Bosque" com televisores, numa espécie de
floresta artificial e híbrida com troncos de diferentes tamanhos e imagens eletrônicas.
Os troncos suportam televisores cujas telas mostram pedaços de árvores. Pelas
imagens em movimento e os troncos estáticos se estabelece um confronto morte/vida.
Minhas instalações recentes ampliam as participações do visitante pela possibilidade de
interações com interfaces computacionais, assunto a que me referirei brevemente no
final deste texto, pois exige outras abordagens a partir de aplicações procedentes da
informática e seus sistemas interativos.
12
DOMINGUES, Diana. Cagebim, Instalação Multimídia. Museu de Arte Contemporânea, Casa de Cultura
Mário Quintana, Porto Alegre, RS, 1995.
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Minhas pesquisas atuais estão nesta direção. Venho realizando laboratórios com
tecnologias avançadas de geração e tratamento de imagens em diálogos com
conhecimentos da informática e da automação industrial que culminam em instalações
interativas e ações por rede colocando a arte numa relação profunda com o
desenvolvimento científico e tecnológico. Em minhas instalações, estou desenvolvendo
sensoriamento com sinais sonoros e de toque que transformam paisagens do corpo ou
modificam inscrições pré-históricas, fazendo com que mundos virtuais em estado de
emergência sejam ativados durante as interações. Todos estes exemplos requerem o
corpo como agente da experiência. Os sentidos são estimulados e capturados por
interfaces e sinestesicamte sensações são vividas em diálogos com máquinas. A
fruição artística é respondida em tempo real por acontecimentos em relações vividas a
partir de máquinas. Nas instalações com dispositivos informatizados, os artistas
propõem um diálogo mais do que um espetáculo. O visitante deve mudar o que está
sendo proposto. A obra assume a categoria de "obra aberta" , não mais somente no
âmbito da interpretação como assinalou Umberto Eco, mas por ações que se dão na
própria descoberta pelo diálogo com as máquinas.
Se a história da arte é a história de meios e linguagens não seria outro o destino natural
do artista e do público. Um relacionamento direto do homem com as máquinas que
povoam o seu quotidiano doméstico, de trabalho e de laser é, portanto, o objeto de
investigação e de criação de artistas que se comprometem com seu tempo. A história
da arte já jogou seus dados apontando para uma estreita relação com a vida. O artista
na sua habilidade de captar as mutações de ordem sensorial, percebe que entre o
homem e a realidade existem as tecnologias que oferecem momentos de uma
sensibilidade mediada. As instalações com tecnologias são espaços de dados para
experiências sensíveis num diálogo do homem com as tecnologias de seu tempo.
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