Redes e negócios do livro em Paris (1830-1870) - Balanços e
perspectivas. Viera REBOLLEDO-DHUIN (UVSQ)
Minha tese, entitulada A Editora e crédito. Redes e negócios do livro em Paris
(1830-1870), inscreve-se na perspectiva iniciada no final dos anos de 1980 por F. Barbier e J.-Y. Mollier de uma história econômica do livro na época contemporânea. Trata-se de um estudo dos livreiros parisienses a partir de suas falências, com igual interesse pela história social do crédito, aquela do banco local e do crédito interempresas. A perspectiva meso-econômica encontra seu sentido na finalidade de tipo prosopográfico desse estudo, realizado por meio de analises estatísticas, cartográficas, genealógicas e de gráficos de redes que permitem evidenciar como o espaço social, do qual se beneficiam os livreiros, determina o modo de financiamento de suas empresas bem como o lugar que ocupam no seio da profissão.
A disponibilidade das fontes e a legislação relativa à livraria, impuseram, de fato, os
limites cronológicos do meu estudo : 140 arquivos de falências de livreiros-editores, tirados ao acaso entre 1830 e 1870 e representando ¾ dos arquivos disponíveis para esse período, foram exaustivamente analisados permitindo-me a elaboração de duas bases de dados - uma sobre os falidos e outra sobre os credores – comportando aproximadamente 7000 indivíduos, sobre os quais realizei pesquisas de tipo prosopográfico resultando em diversos estudos de caso, as vezes excepcionais. De fato, contrariamente aos demógrafos das empresas (P. Jobert, J-C. Chevailler, L. Marco principalmente) e porque os registros de criação das sociedades o confirmam em nosso setor (de empresas editoriais coletivas), tive que recorrer a fontes secundárias (Libredit, Bottins du commerce, atos notariais, etc.) a fim de relacionar o fluxo de falências das « gens du livre » parisienses com a população ativa, o que me levou a estabelecer uma demógrafia nominativa das empresas do livro. A extensão dessas pesquisas, o tempo necessário ao domínio de diversos softwares e os resultados cumulativos obtidos apenas progressivamente, incitaram-me a manter o plano temático, o qual havia inicialmente projetado e cujo resultado viria futuramente, na prespectiva de publica-lo no seio das ediçoes do Comitê de Trabalhos Históricos e Científicos. As mutações das editoras constituem o ponto mais saliente da primeira parte de minha pesquisa, que se prolonga para além da metade do século, a sociologia dos livreiros traçada pelo arquivista Nicole Felkay. As inovações de produtos, operadas paralelamente à abertura ao recrutamento dos livreiros, resultam de fatores legislativos, econômicos, políticos e socio-culturais. Tais mudanças, concentradas principalmente sob a Monarquia de Julho, explicam e se explicam pela « crise dita de 1830 » que começa, de fato, em 1825 e se prolonga ate 1847. Como mostrei na segunda parte da tese, o fluxo de falências dos livreiros parisienses é relativamente atípico : o período mais doloroso, para eles, situa-se na primeira metade do século – mas as múltiplas falências testemunham, sobretudo, o dinamismo do setor – enquanto que durante a segunda metade do século XIX o número de falências de livreiros diminui e isso contrariamente à tendência nacional. Ao longo do século, a maioria das falências terminam em concordata, mas a proporção das unioes aumenta no decorrer do período, tanto nas editoras como em outros setores. Isso se deve em parte à reforma sobre as falências de 1838 (favoravel à profissionalização dos falência oficiais, cf. N. Levratto, N. Praquin, N. Coquery) mas também, ao aumento das especulações ligadas à democratização dos parcelamentos mobiliários – ela mesma dependente do desenvolvimento do sistema bancário e da legislação sobre as sociedades anônimas – durante o Segundo Império. De fato, nessa época, a relação entre os individuos e o dinheiro se modifica e, igualmente, as práticas financeiras dos livreiros. A evolução do sistema de financiamento e suas repercuções sobre a organização dos negócios do livro ocupam a terceira parte da minha tese. De modo geral, os livreiros recorreram sucessivamente a diferentes circulos de credores que se sobrepõem e se interpenetram. Além disso, mudanças maiores intervêm na metade do século. A endogamia profissional diminui paralelamente ao financiamento interno e a prática do desconto comercial entre profissionais, que predomina até a metade do século XIX, tende a partir de então, a ser recuperado pelos banqueiros locais cuja a ação favorece à democratização do crédito às editoras. De fato, se esses últimos lançam mão de métodos similares àqueles dos livreiros-discounters da primeira metade do século, empregando papel comercial como uma ferramenta de crédito a fim de se fazerem intermediários obrigados entre os livreiros e o Banco da França, eles difrerem, entretanto, por sistematizarem a peão – o que participa na evolução do desconto bancario (cf. P.Baubeau) – e, sobretudo, contrariamente aos primeiros, acabam deixando o livro pelo banco, na ótica de integrar a aristocracia financeira européia. Essas pesquisas permitiram-me igualmente sublinhar a importância crescente que adquire a editora hispânica em Paris na metade do século XIX. Alguns exemplos podem ilustrá-lo; eles apontam, pelo menos, o interesse a uma pesquisa sistemática – a ser feita – sobre as redes de circulação de impressos em direção ao que chamar-se-ia então, as Américas, e principalmente em direção ao Brasil. Tudo leva a uma atenção específica a dois ou três privilegiados no seio dos circuitos transatlânticos do livro, a saber : Mellado e Aillaud, e de maneira marginal, Tenré, o qual, por falta de espaço, invocaremos aqui apenas em nota de rodapé. Entre os livreiros em falência que pudemos recensear, muitos deles dedicam-se à editora espanhola em direção, ou não, às Américas no inicio dos anos 1850. Stanislas Bergelot, vindo de um meio hight-marne relativamente popular, se instala em Paris em 1851 a fim de fazer o comércio de livros espanhois. Especializado inicialmente na exportação de tecidos e móveis para a América, Apollin Lefèvre funda em meados de 1852 uma sociedade com Ignacio Boix e Jean Olivier para a exportação de livros e jornais espanhois. Dionisio Hidalgo, originário da Espanha, se instala em Paris por volta de 1851 e se associa ao doutor Vicente para a edição de livros hispânicos. No entanto, “Vendo a inutilidade de seu esforço”, Hidalgo retorna rapidamente à sua terra natal “rogando a um de seus amigos [Mellado] [...] [de] arranjar seus negócios” parisienses com seus correspondentes americanos. Nessa época, Mellado ocupa-se igualmente da editora parisiense de Alexandre Builhié-Laplace. Este último é originário de Bordeaux onde detém uma tipografia e onde, como seu tio no início do século, faz o comércio da editora espanhola antes de se instalar em Paris no meio dos anos 1850. Associa-se, então, com Mellado para exportar livros não apenas a Madri mas igualmente a Havana ou ao Paraguai. A associação é provavelmente mais antiga e permite ao Francês como ao Espanhol frutificarem seus respectivos negócios graças as traduções que realizam segundo a orientação potencial dos publicos nacionais, sempre driblando a censura espanhola e desenvolvendo uma rede comum de correspondentes estrangeiros que fazem de Mellado um ator maior da inovação editorial espanhola no século XIX. Mellado é ao mesmo tempo escritor, editor, poeta e filósofo. Nascido em Genebra por volta de 1810, casa-se em Madri nos anos 1830, antes de partir para a França na metade do século. Seus raros biografos não falam pouco de sua atividade na capital francesa, apesar de seus escritos. Em 1865 ele recupera, portanto, uma das primeiras editoras parisienses dedicadas à exportação de livros para as Américas, aquela de Belin-Morizot, antes de lega-la três anos mais tarde a Laplace, que logo se associa a Sanchez, parente de um antigo sócio de Mellado. Pesquisas sobre esse homem permitirão, sem dúvida nenhuma, precisar as redes próprias à editora espanhola e/ou dedicada às Américas. Jean-Pierre Aillaud apresenta um outro perfil, apesar de figurar igualmente central nas edições voltadas à exportação desde o inicio do século. Suas redes de correspondentes são provavelmente mais extensas e diversificadas que as do precedente ; todavia, as informações são, infelizmente, muito mais disparates permitindo-nos traçar apenas em linhas gerais seu percurso do Dauphiné no Brasil. Jean-Pierre Aillaud, originário do Monêtier e fazendo parte de uma das linhagens de mascates estudados por Laurence Fontaine, dedica-se muito cedo à comissão. No início do século XIX, como o mostra Nicole Felkay, Martin Bossange e Jean-Pierre Aillaud, fazem a especialidade desse comércio. Por falta de sucesso, o primeiro concentra-se na literatura francesa e o outro se especializa na editora portuguesa, já investido por seus ancestrais desde o século XVIII. Jean-Pierre Aillaud possui um crédito bem estabelecido em Paris e sua empresa se mantém até os anos 1930, graças a sua viuva, em solteira Caille, que em 1852 retoma e continua a expandir os negócios de seu marido aliando-se a Alvez de Rio de Janeiro. As inúmeras menções que pudemos encontrar nos diferentes centros de arquivos levam-nos a acreditar no interesse de outra pesquisa biográfica. Os métodos que pudemos empregar em nossa tése seriam, provavelmente, muito enriquecedores para um estudo sistemático das redes de difusões da editora de comissão para a América e principalmente para o Brasil.