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A filosofia é uma atividade teórica que se iniciou com os gregos há 2600 anos e
possibilitou, através da argumentação lógica e da permanente disposição para a busca da
verdade, o surgimento de várias das ciências naturais e humanas desenvolvidas no
ocidente. Além de sua contribuição para o desenvolvimento científico, a filosofia também
estabeleceu bases para a vida moral, para a reflexão política, religiosa e artística.
Por sua longa história, é facilmente perceptível que tenha havido não apenas uma,
mas várias filosofias tipificadas pelos “sobrenomes” recebidos de acordo sua filiação a
determinada escola de pensamento: platônica, aristotélica, cética, cristã, árabe, cartesiana,
kantiana, nitezscheana etc.
Sob o aspecto abordado por Wittgenstein, o papel da filosofia é analítico, de modo que a
análise lógica da linguagem permite eliminar os falsos problemas advindos do uso
equivocado dos conceitos e proposições. As proposições, por sua vez são verdadeiras ou
falsas de acordo com nosso conhecimento empírico ou de acordo com as relações lógicas
estabelecidas. Qualquer proposição que não seja derivada de uma dedução ou que não
exprima uma situação verificável empiricamente é simplesmente uma frase sem sentido,
sobre a qual não é possível dizer nada. Esse valor atribuído à análise lógica da linguagem
deu origem à filosofia analítica. Um grupo de filósofos e cientistas fundando em 1929, o
Círculo de Viena, ajudou a divulgar esse modo de fazer filosofia e, embora haja muito o
que criticar no positivismo lógico (ou empirismo lógico ou neopositivismo como também
fora chamado o movimento) não é possível negar que tal corrente contemporânea tenha
influenciado o modo como se compreende a filosofia atual. Também não é difícil perceber
que a Grã-Bretanha tenha aderido ao programa analítico da filosofia, já que essa ilha vinha
de uma longa tradição empirista, surgida com suas primeiras universidades ainda na Idade
Média.
Na sequência do idealismo alemão, por sua vez, houve uma ênfase muito grande
na história das ideias, consequência da filosofia hegeliana que procurou dotar a história
de racionalidade dialética em busca de sua realização absoluta. A filosofia continental
que se segue enfrentou uma fragmentação muito grande, com objetivos também muito
distintos. Encontraremos filósofos como Nietzsche (1844-1900) criticando a cultura e até
mesmo a racionalidade ocidental. O alemão inventou o método genealógico,
demonstrando como grandes conceitos filosóficos como “verdade” e “bem” são
historicamente inventados e não metafisicamente descobertos. De outro lado vemos
surgir a fenomenologia de Husserl, cujo método influenciou decisivamente uma nova
investida metafísica por Heidegger e a criação da corrente existencialista. A filosofia
heideggeriana exibe uma linguagem obscura, quase impenetrável e o existencialismo trata
de temas bastante subjetivos como angústia, liberdade, desespero, tornando-se
dificilmente diferenciado da literatura. De outro lado veremos o surgimento de outros
críticos sociais como a Escola de Frankfurt e o francês Michel Foucault (1926-1984) que
funda uma filosofia como arqueologia do saber.
Essa breve exposição, diga-se de passagem, permite compreender que a
divergência entre analíticos e continentais sobre o papel dado à filosofia favoreceu um
progressivo distanciamento do modo como se faz filosofia na Europa continental do modo
com aquela é feita nos países anglo-saxônicos. Obviamente tal diferença incide no modo
como se ensina filosofia que é o objetivo central deste texto. Na próxima seção discutirei
a divergência entre as duas tradições advertindo, no entanto, que muitas das questões que
se apresentarão já foram superadas ou estão encontrando compreensão mútua entre
analíticos e continentais.
3. Implicações pedagógicas
Essa é uma pergunta cuja resposta depende unicamente de conhecer a história da filosofia
moderna, de modo especial, da leitura de Descartes ou de algum comentador.
B) O mito do “gênio” foi denunciado por Kant em sua famosa frase em que diz: “não é
possível aprender filosofia, só é possível aprender a filosofar”. Trata-se de pensar por si
próprio, aprendendo o método investigativo da filosofia e não uma filosofia acabada, do
autor X ou Y. Não significa com isso que não devamos estudar os autores clássicos, mas
que esses autores não devem ter a última palavra nos problemas estudados. Não sem antes
investigar, esgotar outras possibilidades. Ocorre que tratar filósofos como “intocáveis”
torna impossível o surgimento de novos filósofos. Se a filosofia for vista como um modo
de tratar questões fundamentais e os alunos forem progressivamente conhecendo esse
método, é possível que eles compreendam que também podem filosofar, descobrir novos
argumentos a favor do livre arbítrio, ou contra o ceticismo, ou que um filósofo famoso
cometeu certo deslize.
Basta recorrer a algumas obras de introdução à filosofia escritas por filósofos analíticos
para perceber que não há a menor intenção de tratar a filosofia sob uma perspectiva de
nomes e datas (ver, por exemplo, NAGEL, Thomas. Uma breve introdução à filosofia.
São Paulo: Martins Fontes, 2007. WARBURTON, Nigel. Elementos básicos de filosofia.
Lisboa: Gradiva, 1998 e LAW, Stephen. Guia ilustrado Zahar: Filosofia. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008.) Embora tenhamos argumentado repetidamente contra uma confusão entre
filosofia e sua história, cabe aqui ponderar que conhecer o contexto em que determinada
ideia surgiu também pode ser estimulante para os estudos filosóficos. Enquanto
recomendávamos na perspectiva continental sobre a importância de a história da filosofia
ser estudada filosoficamente sob pena de não se ensinar filosofia, na perspectiva analítica
a recomendação é a de não negligenciar o papel da história na formação filosófica.
Certamente vários argumentos podem ser melhor compreendidos dentro do contexto em
que surgiram e parece ser falho um ensino de filosofia que não atribui uma ideia ao seu
devido autor. Isso ocorre, por vezes, quando o professor, tentando tornar a filosofia
palatável ao aluno de ensino médio, não oferece a leitura sequer de excertos do texto de
onde o argumento explicado saiu. Isso sem dúvida é um problema pois o aluno pode
terminar uma formação filosófica sem a habilidade de ler textos filosóficos (PCN).
BIBLIOGRAFIA:
ALMEIRA, Aires; TEIXEIRA, Célia; MURCHO, Desidério; MATEUS, Paula;
GALVÃO, Pedro. A arte de pensar: filosofia 10º ano. 4.ed. Lisboa: Didáctica editora,
2009.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:
introdução à filosofia. 4.ed. rev. São Paulo: Moderna, 2009.
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COSTA, Claudio Ferreira. Filosofia analítica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992.
FOLSCHEID, Dominque; WUNENBURGER, Jean-Jacques. Metodologia filosófica.
Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Secretaria de Educação Básica. Guia de livros
didáticos PNLD 2012: Filosofia. Brasília: Mistério da Educação, 2011.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: MEC/Semtec, 1999.
VVAA. Filosofia da educação a partir do diálogo contemporâneo entre analíticos e
continentais. Abstracta. 1:1 pp. 92 – 107, 2004
[1]É preciso esclarecer a ênfase no “apenas”. Não podemos negar que seja importante o
recurso à história da filosofia. Ao contrário, é necessário o conhecimento sólido nessa
disciplina para avançar com proveito no itinerário filosófico. Mas é preciso estabelecer
que a história da filosofia está para o filosofar como a história da música para tocar um
instrumento musical. Sem dúvida o filósofo pode ganhar muito com o domínio dos textos
da tradição filosófica, assim como o músico enriquece sua arte com o conhecimento da
história das músicas e autores que aprende a admirar. O que não está muito claro é se um
historiador da filosofia ou historiador da música pode ser apropriadamente um filósofo
ou um músico, já que é possível fazer história da música sem saber um único instrumento
musical e história da filosofia sem propor uma única contribuição própria à filosofia.