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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

DARCI ROLDÃO DE CARVALHO SOUSA

CAPITALISMO MONOPOLISTA: A ECONOMIA DE TRABALHO


VIVO EM GOIÁS

RIO DE JANEIRO
2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

DARCI ROLDÃO DE CARVALHO SOUSA

CAPITALISMO MONOPOLISTA: A ECONOMIA DE TRABALHO


VIVO EM GOIÁS

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Serviço Social da
ESS/UFRJ, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutora em Serviço
Social.
Orientadora: Profa. Dra. Cleusa Santos.

RIO DE JANEIRO
2008

2
Ficha Catalográfica

Sousa, Darci Roldão de Carvalho

Capitalismo monopolista: a economia de trabalho vivo


em Goiás /Darci Roldão de Carvalho Sousa; orientadora:
Cleusa Santos − Rio de Janeiro: UFRJ, Escola de Serviço
Social, 2008.

151 f.;

Tese (doutorado) − Universidade Federal do Rio de Janeiro,


Escola de Serviço Social.

Inclui referências Bibliográficas

1. Capitalismo monopolista 2. economia de trabalho vivo em Goiás 3. I.


Santos, Cleusa. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço
Social. III. Título.

3
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

DARCI ROLDÃO DE CARVALHO SOUSA

CAPITALISMO MONOPOLISTA: A ECONOMIA DE TRABALHO


VIVO EM GOIÁS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Serviço Social da ESS/UFRJ, como requisito
parcial para obtenção do título de Doutora em
Serviço Social. Aprovada pela banca abaixo
indicada:

_________________________________________
Profa. Dra. Cleusa Santos

___________________________________________
Prof. Drª. Fátima da Silva Grave Ortiz

_________________________________________
Profa. Drª. Walderez Loureiro Miguel

_________________________________________
Profa. Dra. Veralúcia Pinheiro

_________________________________________
Prof. Dr. Ronaldo Coutinho

4
O capitalista procura tirar o maior proveito do valor de uso de sua
mercadoria. De repente, porém, levanta-se a voz do trabalhador, que
estava emudecida pelo bombar do processo de produção:

A mercadoria que te vendi distingue-se da multidão das outras


mercadorias pelo fato de que seu consumo cria valor e valor que ela mesma
custa. Essa foi a razão por que a comprastes. O que do teu lado aparece
como valorização do capital é da minha parte dispêndio excedente de
força de trabalho. Tu e eu só conhecemos, no mercado, uma lei, a do
intercâmbio de mercadorias. E o consumo da mercadoria não pertence ao
vendedor que a aliena, mas ao comprador que a adquire. A ti pertence,
portanto, o uso de minha força de trabalho diária. Mas por meio de seu
preço diário de venda tenho de reproduzi-la diariamente para poder
vendê-la de novo. Sem considerar o desgaste natural pela idade etc.,
preciso ser capaz amanhã de trabalhar com o mesmo nível de força, saúde
e disposição que hoje. Tu me predicas constantemente o evangelho da
‘parcimônia’ e da ‘abstinência’. Pois bem! Quero gerir meu único patrimônio,
a força de trabalho, como um administrador racional, parcimonioso,
abstendo-me de qualquer desperdício tolo da mesma. Eu quero diariamente
fazer fluir, converter em movimento, em trabalho, somente tanto dela
quanto seja compatível com a sua duração normal e seu desenvolvimento
sadio. Mediante prolongamento desmesurado da jornada de trabalho,
podes em 1 dia fazer fluir um quantum de minha força de trabalho que é
maior do que o que posso repor em 3 dias. O que tu assim ganhas em
trabalho, eu perco em substância de trabalho. A utilização de minha força
de trabalho e a espoliação dela são duas coisas totalmente diferentes. Se
o período médio que um trabalhador médio pode viver com um volume
razoável de trabalho corresponde a 30 anos, o valor de minha força de
trabalho que me pagas, um dia pelo outro, é ___1___ ou
365X30
__1___ de seu valor global. Se, porém, tu a consomes em 10 anos,
10950
anos, pagas-me diariamente __1___ em vez de
10 950
___1__ de seu valor global, apenas 1/3 de seu valor de 1 dia, e furtas-me
3 650
assim diariamente 2/3 do valor de minha mercadoria. Pagas-me a força de
trabalho de 1 dia, quando utilizas a de 3 dias. Isso é contra o nosso trato e
a lei do intercâmbio de mercadorias. Eu exijo, portanto, uma jornada de
trabalho de duração normal e a exijo sem apelo a teu coração, pois em
assuntos de dinheiro cessa a boa vontade. Poderás ser um cidadão
modelar, talvez sejas membro da sociedade protetora dos animais, podes
até estar em odor de santidade, mas a coisa que representas diante de
mim é algo em cujo peito não bate nenhum coração. O que parece bater aí
é a batida de meu próprio coração. Eu exijo a jornada normal de trabalho,
porque eu exijo o valor de minha mercadoria, como qualquer outro
vendedor.

Marx (1985a, p. 189-190).

5
RESUMO

Este trabalho tem como objeto a economia de trabalho vivo em Goiás no período
de 1970 a 2002. Um fenômeno histórico que compõe o processo retardatário de
industrialização na periferia do mundo capitalista. Suas determinações ontogenéticas
estão fincadas no movimento que impulsiona a internacionalização do capital.
A análise da realidade evidencia a deflagração desse processo na sociedade
goiana, quando deslancha a desconcentração industrial de São Paulo para outros
estados brasileiros. Esta incorporação de Goiás ao mercado capitalista mundial vincula a
indústria à agricultura ao desencadear o processo de modernização conservadora. Essas
mudanças forjam relações sociais capitalistas aqui, introduzidas pelas empresas
industriais de novo estilo, que penetram em lugares, que se tornam pólos de crescimento
econômico para o capital. Sustentadas por investimentos públicos e privados, elas
articulam as regiões às demandas de superlucros do grande capital. Como indutoras da
economia de trabalho vivo, requerem maquinaria complexa, radicalizando o domínio do
trabalho morto sobre o trabalho vivo, forjando a satelitização de pequenas e
microempresas que garantem a extração do sobretrabalho nos seus espaços a baixos
custos. Procuramos relacionar este objeto em suas conexões internas e externas, tendo
por base o processo de reprodução ampliada do capital. Esta demanda remete-nos à
pesquisa bibliográfica, documental (em Censos Demográficos do IBGE, DIEESE,
FIEG, FETAEG, MT, Juceg). Ainda, buscamos fontes secundárias em pesquisas já
realizadas, obedecendo aos critérios: ramo de atividades (alimentícia, farmacêutica,
mineração e montadoras), maior representatividade na produção industrial e escolha de
cidades pelas localizações das empresas indicadas para a pesquisa.
Conclui-se que a relação desigual entre o centro e a periferia gera um
desenvolvimento capitalista desigual e combinado, que tem por base a troca desigual
fundada na economia de trabalho vivo. No estágio do capitalismo monopolista, a
economia do trabalho vivo constitui-se elemento intrínseco ao modo de produção
especificamente capitalista. É a lei geral da acumulação capitalista. A grande indústria e
suas empresas industriais de novo estilo conectam-se sob a mediação de processos
unidos organicamente: produção, consumo, circulação e troca.

Palavras-chave: capitalismo monopolista - economia de trabalho vivo –


acumulação capitalista.

6
ABSTRACT

This paper focuses on the reduction of living work in Goiás from 1970 to 2002.
This historical phenomenon is part of a tardy industrialization process on the periphery
of the capitalist world, whose ontogenetic determinations are connected to the
movement which impels the internationalization of capital.
The analysis of this reality shows the deflagration of such process in the society
in Goiás, when the process of industry de-concentration is launched, spreading it from
São Paulo to other Brazilian states. This inclusion of Goiás to the world capitalist
market connects industry to agriculture when it starts the process of conservative
modernization. These changes forge capitalist social relations here, introduced by the
new style industrial companies, which penetrate places which become centers of
economic growth for capital. Supported by public and private investments, they link
these regions to the demands of super profits of capital. As inductors of the reduction of
living work, they require complex machinery, promoting the satellitization of micro and
small enterprises which ensure the extraction of overwork in their space at low costs.
This piece has tried to link this subject in its internal and external connections,
based on the process of increased reproduction of capital. This need takes us to the
bibliographical research of documents (in national censuses performed by IBGE (the
Brazilian Institute of Geography and Statistics), DIEESE (Inter Trade Union
Department of Statistics and Socio-Economic Studies), FIEG (Industry Federation of
the State of Goiás), FETAEG (Federation of Agricultural Workers of the State of
Goiás), MT (Ministry of Labor) and Juceg (Trade Board of the State of Goiás)).
Secondary sources in published research have always been consulted , according to the
following criteria: field of activity (foodstuff, pharmaceutical, mining and assemblers),
major role in the industrial production and choice of cities according to the location of
the companies selected for this research.
This study comes to the conclusion that the uneven relation between the center and
the periphery generates combined uneven capitalist development, which is based on the
uneven exchange founded on the reduction of living work. At the stage of monopolist
capitalism, the reduction of living work is an element which is intrinsic to the specifically
capitalist means of production. It is the general law of capitalist accumulation. The great
industry and its new style industrial companies are connected through the mediation of
organically united processes: production, consumption, circulation and exchange.

Key words: monopolist capitalism – reduction of living work – productive


salaried work - capitalist accumulation.

7
RÉSUMÉ

Cette étude traite de l’économie du travail vivant dans l’État de Goiás au cours
de la période 1970 à 2002. Il s’agit là d’un phénomène historique faisant partie du
processus retardataire de l’industrialisation à la périphérie du monde capitaliste. Ses
déterminations ontogénétiques sont ancrées dans le mouvement qui stimule
l’internationalisation du capital.
L’analyse de la réalité met en évidence la propagation de ce processus dans la société
goianaise lors du démarrage de la déconcentration industrielle de São Paulo vers les autres
états brésiliens. Cette incorporation de l’État de Goiás dans le marché capitaliste mondial relie
l’industrie à l’agriculture en déclenchant le processus de modernisation conservatrice. Tous
ces changements ont établi ici des relations sociales capitalistes, introduites par les entreprises
industrielles de nouveau style qui, en pénétrant un peu partout, deviennent des pôles de
croissance économique pour le capital. Soutenues par des investissements publics et privés,
elles articulent les régions pour répondre aux exigences de superprofit du grand capital. En
tant qu’inductrices de l’économie du travail vivant, elles exigent des équipements complexes,
radicalisant ainsi la domination du travail mort sur le travail vivant et instaurant la
satellisation de petites et moyennes entreprises qui, à leur tour, assurent dans leur domaine
l’extraction du surtravail à faible coût.
Nous avons cherché à expliquer cet objet dans ses liaisons internes et externes,
sur base du processus de reproduction élargie du capital. Cette exigence nous renvoie à
la recherche bibliographique, documentaire (dans Cens Démographiques de l’IBGE,
DIEESE, FIEG, FETAEG, MT, Juceg). En outre, nous avons eu recours à des sources
secondaires dans les recherches déjà réalisées sur le thème, en obéissant aux critères
suivants : secteur d’activité (alimentaire, pharmaceutique, minération et constructeurs
automobiles), plus grande représentativité dans la production industrielle et choix des
villes selon la localisation des entreprises indiquées pour cette recherche.
On en conclut que la relation d’inégalité entre le centre et la périphérie provoque
un développement capitaliste inégal et combiné, fondé sur l’échange inégal qui est basé
sur l’économie du travail vivant. Au niveau du capitalisme monopolistique, l’économie
du travail vivant constitue un élément intrinsèque au mode de production typiquement
capitaliste. Il s’agit là de la loi générale de l’accumulation capitaliste. La grande
industrie et ses entreprises industrielles de nouveau style se relient par l’intermédiaire de
processus organiquement unis : production, consommation, circulation et échanges.

Mots-clés : capitalisme monopolistique – économie du travail vivant – travail


salarié productif – accumulation capitaliste.

8
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 10

CAPÍTULO I – ACUMULAÇÃO CAPITALISTA E ECONOMIA DE


TRABALHO VIVO, UMA CONTRADIÇÃO
CONTEMPORÂNEA ............................................................19

CAPÍTULO II – A EXPANSÃO DO CAPITALISMO MONOPOLISTA NO


BRSIL, NA RELAÇÃO CENTRO E PERIFERIA ................51

2.1 - Acumulação capitalista nos países do centro, a lógica


destrutiva ........................................................................52

2.2 – Acumulação capitalista na periferia: a realidade


brasileira .........................................................................74

CAPÍTULO III – A ECONOMIA DE TRABALHO VIVO EM GOIÁS .........110

3.1 – Acumulação capitalista: os pólos de crescimento


econômico para o grande capital e a economia de trabalho
vivo ..............................................................................117

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................133

BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................137

ANEXOS ...........................................................................................................147

9
INTRODUÇÃO

A exposição que ora apresentamos tem por objeto de pesquisa a economia de


trabalho vivo em Goiás, de 1970 a 2002. Examinar este objeto torna-se imprescindível e
desafiador por entendermos que esse período – síntese das circunstâncias particulares do
pós-ditadura militar, a partir de seu declínio na sociedade brasileira, em face às novas
determinações postas no e pelo atual estágio do capitalismo monopolista/imperialista –
gera mudanças que, próprias das sociedades tardo-burguesas instituidoras de outro
padrão de acumulação do capital, mesmo retardatárias, apropriam e alteram o processo
de reprodução ampliada do capital na periferia. Essas mudanças reconfiguram a
produção e a organização internacional do trabalho, consolidando a subordinação da
periferia ao centro, e, nela, modificando a divisão sociotécnica do trabalho assalariado
produtivo por constituir, em condições histórico-sociais particulares, a subsunção real
do trabalho ao capital e a possibilidade da economia de trabalho vivo. Ainda,
redesenham o quadro do poder político-econômico mundial sob a hegemonia de grupos
de monopólios que, sobrepondo aos Estados-nação na periferia e aos seus povos,
radicalizam a contradição socialização da produção e apropriação privada. Essas
condições objetivas interferem, diretamente, e de modo mais intenso, sobre o destino da
classe trabalhadora urbana e rural, no Brasil.
É a crise geral da sociedade capitalista contemporânea1 – a primeira grande
crise generalizada, no pós-Segunda Guerra Mundial – que emerge no núcleo do poder e
engloba todas as grandes potências imperialistas em uma grave recessão. Inicia-se na
década de 1970, precisamente em 1973, explicitada pelo recuo da produção industrial e
do Produto Interno Bruto (PIB), pela diminuição da demanda interna desses países e da
exportação, e pelo impulso das lutas operárias. Essas mudanças sócio-econômicas e
ídeo-políticas derruem os “30 anos gloriosos” e demarcam uma transição histórica –

1
Esta crise é analisada, de modo aprofunndado, por autores da tradição marxista, como Hobsbawm, 1995;
Harvey, 1996; Anderson, 1983; Chesnais, 1996; Netto, 1993; Ianni, 1992; Guerra, 1998, dentre outros.

10
ainda longe de completar-se – (HARVEY, 1996) ao modo de produção capitalista e ao
seu “esquema de reprodução”.
A repercussão desse processo na sociedade brasileira e que, sob outras
condições objetivas e subjetivas, apanha, também, a sociedade goiana, expressa-se,
de um lado, na sua incorporação à economia nacional e internacional como
fornecedora de matérias-primas, produtos primários e força de trabalho barata para
as áreas industrializadas do Centro-Sul do país. De outro, o grande capital alcança
e atinge o trabalho assalariado produtivo – o do chão da fábrica –, exigindo-lhe
novas competências à medida que o incorpora aos seus ditames. Isto por que dos
modos de produção existentes, o capitalista é o único que, constantemente, se
revoluciona, pois lhe é imanente o movimento de renovação das condições
materiais de sua valorização (da cooperação simples à manufatura e, desta, à
grande indústria). Por ter esta capacidade, é que vem conseguindo ainda, mesmo
com suas novas contradições e crises, rearticular-se.

Um sistema particular de acumulação pode existir porque ‘seu esquema de


reprodução é coerente’ [com o seu tempo histórico]. (...) Tem de haver,
portanto, uma materialização do regime de acumulação, que toma a forma
de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc., que garantam a
unidade do processo. (HARVEY, 1996, p. 117)

Nessa perspectiva, algumas questões já se colocam a este objeto: qual o


movimento do real que engendra a economia de trabalho vivo na realidade goiana?
Como essa movimentação contraditória – de conservação e de modificação –
implica e incide de modo particular nos processos da produção e do trabalho, em Goiás,
diferente da forma “clássica”?
Intentamos reconstruir, na presente tese, sob a luz dos pressupostos marxianos (e
engelsianos), a trajetória da expansão do capitalismo monopolista em Goiás, ao mesmo
tempo, relacionando-a à do Brasil/América Latina e à sua constituição/desenvolvimento
nas sociedades do centro, para elucidar, em uma movimentação contraditória, as razões
econômicas, políticas, sociais e culturais que geram as mudanças capazes de dinamizar
e fazer crescer a economia do trabalho vivo na sociedade goiana, como uma
particularidade inserida na realidade histórica brasileira.
A nossa análise abarca o momento histórico de deflagração da crise geral no
centro (1973), ao curso do processo da reprodução ampliada do capital até 2002. A

11
escolha deste período demarca-se por ser esse momento em que, de fato, concretiza-se a
(re)incorporação de Goiás, pertencente à Região Centro-Oeste, aos ditames agora do
grande capital, na sua fase monopolista, sob a intervenção direta do Estado brasileiro.
Sustentamos a tese de que a economia do trabalho vivo em Goiás em
decorrência das mudanças deslanchadas pelo desenvolvimento desigual das forças
produtivas no “mundo capitalista”, criadoras da troca desigual, em um contexto
particular de disputa/luta entre as classes sociais, engendra processos de continuidade e
de ruptura na periferia.
A modernização do campo redefine, nesse espaço, as relações de produção com
a introdução de novas tecnologias mantendo-se na condição de Estado fornecedor de
matéria-prima para os centros hegemônicos. Ao lado dessa realidade desenvolve-se
vários pólos industriais, nas suas principais cidades movidos pelo deslocamento do
capital do centro para a periferia.
Com base nessa problemática, o objetivo central deste estudo é explicar essa
forma particular que o processo de reprodução ampliada do capital toma em Goiás. É
quando desata imbricado nesta expansão, a partir da década de 1970 e, internamente, no
Brasil, um outro processo: a “desconcentração industrial” de São Paulo – o centro
hegemônico – para o interior paulista e outros estados brasileiros, o qual impõe a estes
últimos, em pontos estratégicos definidos pelo grande capital, o desenvolvimento
industrial, mas não a indústria pesada. Daí, a origem das cidades artificiais (MELO
NETO, 1987), que “brotam como cogumelos”, como afirmara Marx (1985b).
Buscamos resgatar, na historiografia contemporânea de Goiás, o processo que
impulsiona a industrialização/urbanização com o aumento do índice demográfico pela
migração,2 inicialmente, para as cidades de Goiânia e Anápolis, também, para Brasília no
decorrer dessas mudanças. Estas ocorreram a partir dos anos de 1970, aliadas a outras já
herdadas,3 com o incremento das rodovias4 que, aos poucos, vão substituindo as ferrovias.

2
Após 1980, a Região Centro-Oeste alcança a segunda maior taxa de urbanização (67,75%), perdendo só
para a Região Sudeste. Sua população guarda “peculiaridades em função do potencial de trabalho. (...)
Em termos de faixa etária, 31 por cento dos habitantes têm menos de 14 anos de idade e outros 30 por
cento menos de 29 anos. Constituem, no todo, potencial força de trabalho que, a curto e médio prazo,
representa um mercado abundante de [força de trabalho] ainda não devidamente aproveitado. São os
milhares de jovens (...) que estão sendo, pouco a pouco, integrados ao surto agroindustrial, na
reestruturação agropecuária e mineral que o Estado vem aprimorando” (ESTEVAM, 2005, p. 1)
3
Esses germes de mudanças tomam configurações particulares nos diferentes estados/regiões do país, e
na condição sócio-histórica de Goiás, têm papel relevante no processo de reprodução ampliada do capital,
aqui, a expansão expropriadora da pecuária desde o início do século XIX e a construção da Estrada de
Ferro Goiás (1913), sendo que esta última favorece a exportação de produtos agrícolas e gado para o
Triângulo Mineiro e São Paulo. No entanto, há já que se diferenciar nessa época, ligeiramente, a zona

12
Segundo Estevam (2005, p. 1), o ponto de ruptura deu-se,

quando a indústria auferiu frações significativas de renda interna e o setor de


serviços sustentou sua participação em função da acelerada urbanização
regional. Tal fato pode ser também comprovado através da estrutura de
ocupação e emprego da população ao longo destas últimas décadas. Em
1970, 60,4 por cento da PEA em Goiás ainda estava voltada para a
agricultura (pecuária, silvicultura, extração vegetal, caça e pesca); nas
atividades industriais (transformação e construção), estava o correspondente
a 8,9 por cento e nos serviços 11,5 por cento da PEA. Em 1980, apenas 39,2
por cento da população economicamente ativa estava no setor agrícola, 16,5
por cento no industrial e 18,6 por cento na prestação de serviços; a partir de
então, a estrutura de ocupação foi se alterando gradualmente – na década –
em detrimento do setor agrícola e em favor do setor industrial e dos serviços.

O crescimento da população urbana acelera-se na década de 1980 e vai se


aglomerando na Região Metropolitana de Goiânia e no Entorno de Brasília que, a
despeito do processo de “modernização conservadora”, irrompido no pós-1970, avança
a “industrialização da agricultura”, assentada em uma política de economia de trabalho
vivo em decorrência da incorporação de maquinário (5.692 tratores, pulando para
33.548 em 1985, e 43.313 em 1995) e insumos, via crédito rural (ESTEVAM, 1998, p.
173).
Essas condições fulcrais exigidas para a expansão do capitalismo monopolista,
no Estado de Goiás, indicam que 54% dos tratores estão nas médias propriedades rurais
(de 100 hectares a 1000 hectares) e 30,0% nas grandes propriedades rurais (de 1000
hectares a 10000 hectares) (ESTEVAM, 1998, p. 173). Agora transformadas em
agroindústrias, são elas que têm acesso às inovações tecnológicas e aos incentivos
fiscais, gerando alto nível de desemprego no campo, o que vai interferir sobremaneira

urbana da rural. Deste modo, se “o tempo de transformações no Brasil foi uno e, ao mesmo tempo,
plural[,] (...) a estrutura de Goiás somente pode ser compreendida, na sua inteireza, levando-se em conta o
movimento de sua transformação resultante da interpenetração dos condicionantes nacionais e regionais.
A reflexão que Goiás é resultado histórico particular do processo de desenvolvimento capitalista
brasileiro, que não se trata de um espaço isolado e sim de fração integrante e interdependente da
sociedade nacional. De outro, que Goiás constitui um “mundo à parte”, que tem espaço, movimento e
ritmo de tempo próprios, balizados por progressos, retrocessos, diversidades, hetrogeneidades e
contradições específicas” (ESTEVAM, 1998, p. 24-25).
4
A primeira estrada de rodagem para o trânsito dos primeiros automóveis é construída no sudoeste
goiano – de Santa Rita, Rio Verde, Jataí a Mineiros –, pela Cia. Auto-Viação Sul-Goiana S/A. Inaugurada
em 1919, com sede em Rio Verde, esta empresa privada inicia a era do automóvel em Goiás, com linhas
regulares de transporte de passageiros e cargas, realizadas com “10 Ford Double Phaeton, Modelo T, 2
caminhões Ford de 1 tonelada de carga e 1 carro Studebaker Big Six, de 7 lugares. (...) foram comprados
em São Paulo [empresa norte-americana ali instalada desde 1919], ao preço de 3 contos e seiscentos mil
reis (3:600$000) e 2 contos e seiscentos mil réis (2:600$000), cada unidade, respectivamente. Na cidade
de Rio Verde foi montada também uma oficina mecânica, com estoque de peças e acessórios
indispensáveis à manutenção dos carros em toda a região” (FRANÇA, 1979, p. 177). E novas empresas
privadas seguiram-lhe o caminho em vários pontos do sul goiano.

13
na redução dos salários dos trabalhadores assalariados produtivos ocupados/desocupados e
na proliferação da “informalidade”. Este fenômeno, que não é novo em Goiás, mas foge ao
tratamento analítico desta exposição, explode a partir da década de 1990 e toma uma
configuração nova ao tornar-se funcional ao capital, portanto, necessária à acumulação
capitalista por escamotear a relação de compra e venda da força de trabalho favorecida pela
“flexibilização” dos processos da produção e do trabalho, intensificando a sua precarização
no capitalismo contemporâneo (TAVARES, 2002).
O processo de industrialização/urbanização acentua-se depois de 1990,
ampliando para o sul e sudeste goianos5 (e não para o norte) a exportação das “fábricas
prontas” (MANDEL, 1990) ou empresas industriais de “novo estilo” (CHESNAIS,
1996), transnacionais, brasileiras e regionais, que disseminam aqui as relações
capitalistas propriamente ditas, com a subsunção real do trabalho ao capital. A elevação
do grau da produtividade do trabalho social possibilita que essas empresas industriais de
“novo estilo” com o uso intensivo da maquinaria, para a garantia de maior fluxo de
mercadorias mais baratas, poupem mais força de trabalho viva, introduzindo a economia
de trabalho vivo na periferia. A busca da saída da crise e da retomada dos superlucros
dos monopólios têm implicado, de um lado, em mais investimentos para o Monsieur
Capital e, de outro, na redução dos custos do trabalho mesmo em lugares que nunca
tenha existido o Welfare State.
Essas condições vão redundar em crescimento econômico para o grande capital,
em um mercado unificado, em detrimento das condições sociais com mais desemprego
e revigoramento da produção/reprodução de uma “superpopulação relativa” funcional a
ele, a ocorrência permanente do rebaixamento dos salários, que resulta na queda
incessante da qualidade de vida dos trabalhadores assalariados produtivos, no campo e
na cidade. Esses trabalhadores passam a ocupar os espaços menos valorizados dos
centros urbanos, formados, em sua maioria, por áreas baixas, rentes aos rios, ou
íngremes, nas encostas dos morros ou próximas ao local de trabalho, originando as vilas
operárias, os cortiços, as favelas, “as casas de cômodos” e, na condição particular da

5
Para a Secretaria de Estado do Planejamento de Goiás (SEPLAN-GO), do Setor de Gerência de
Estatísticas Sócioeconômicas (2003), no ano 2000, a indústria foi a que acumulou e concentrou maior
riqueza, com uma “participação de 69,24%, (...) [dos quais,] Goiânia participu, sozinha, com 36,08% (...)
na geração do valor adicionado da indústria estadual. Os dez municípios com melhor desempenho na
agropecuária somaram 25,04% em relação ao total deste setor, no Estado”. Goiânia sobressai nos ramos
da construção civil, vestuários, confecções e acessórios, produtos alimentícios e metalúrgicos e indústria
moveleira. Anápolis vem em seguida com 8,30%, desenvolvendo as indústrias farmacêuticas, produção
de adubos, alimentos, embalagens e metalurgia. Depois Catalão (4,90%) com a produção mineral e
montadora de automóveis e, por fim, Rio Verde (3,41%) com a instalação de agroindústria.

14
sociedade goiana, as áreas de posse urbana, alimentando e fazendo crescer a cada dia o
exército industrial de reserva.
Consideramos que o estudo do objeto – a economia de trabalho vivo – é, hoje,
fundamental, para explicar o atual estágio do capitalismo monopolista na periferia, pois,
as condições histórico-sociais ainda constituem a acumulação capitalista e a produção
da mais-valia – absoluta e relativa – como relação orgânica. A concentração e a
centralização do capital, de modo exponencial neste estágio, “exerce influência sobre o
destino da classe trabalhadora” (MARX, 1985b, p. 187).
No percurso histórico e teórico-metodológico, do estudo, buscamos reconstruir,
fundamentando-se na crítica da economia política, este objeto, historicamente dado,
constituído no processo da acumulação capitalista e de priorização da exploração da
mais-valia relativa, condição essencial para a existência do capitalismo monopolista
mundial.
Procuramos relacionar este objeto em suas conexões internas e externas,
tendo por base o processo de reprodução ampliada do capital. Esta demanda remete
à pesquisa bibliográfica (em livros, artigos, dissertações, teses etc.), à pesquisa
documental (em Censos Demográficos do IBGE, DIEESE, FIEG, FETAEG, MT,
Junta Comercial do Estado de Goiás, Secretaria da Indústria e Comércio). É
importante registrar o impedimento do acesso direto da pesquisadora às
dependências dessas empresas. Por outro lado, aos trabalhadores era vedada o
repasse de informações sob pena de demissão. Diante da impossibilidade de obter os
dados no trabalho de campo, buscamos as fontes secundárias em investigações
empíricas realizadas em empresas industriais de “novo estilo”, instaladas em Goiás.
O critério utilizado para escolha das empresas foi o ramo de atividades (alimentícia,
farmacêutica, mineração e montadoras) e as de maior representatividade na produção
industrial, segundo percentual do Valor Adicionado Bruto (VAB), de 2000. As
cidades escolhidas foram indicadas pelas localizações das empresas indicadas para a
pesquisa. Pretendíamos identificar as implicações do processo de “modernização
conservadora”, estratégia que se instala e se reveste de importância relevante à
abertura das condições internas favoráveis à reprodução ampliada do capital, isto é,
à produção e reprodução das relações especificamente capitalistas em Goiás. Se esse
processo é tardio no Brasil em relação ao centro e, mesmo, a outros países da
América Latina como o Chile e Argentina, é só na década de 1990 que ele encontra
terreno fértil na realidade goiana.

15
E, para analisarmos esse processo que põe a economia do trabalho vivo em
Goiás, organizamos o nosso trabalho “Capitalismo monopolista: a economia de trabalho
vivo em Goiás”, em três capítulos articulados, tendo então por base a proposta teórico-
metodológica, o objeto e o problema que norteiam a pesquisa.
Se é no estágio do capitalismo monopolista, que o trabalho morto domina o
trabalho vivo, o primeiro capítulo “Crise do capital: acumulação capitalista e economia
do trabalho vivo, uma contradição contemporânea” trata desta polêmica, em âmbito
mundial. Ao fazê-lo buscamos recuperar o debate atual que põe o crescimento da
economia do trabalho vivo na periferia do “mundo capitalista”. Este movimento
implica em revisitar autores da tradição marxista como Mandel (1985), Hobsbawm
(1995), Mészáros (1995), Harvey (1996) e Antunes (1995), que embatem com as teses
dos partidários do fim da “sociedade do trabalho”, porque negam o trabalho como a
categoria fundante da socialidade humana. Recolocamos, na mesa, “em tempos
neoliberais”, o debate da situação da classe trabalhadora na sociedade burguesa e as
múltiplas mediações postas pela relação capital e trabalho, buscando explicar uma das
leis básicas de movimento do capitalismo – o fenômeno da reprodução ampliada do
capital – na periferia. Procuramos explicar, fundada na afirmação de que todo processo
de produção é ao mesmo tempo processo de reprodução, que o modo de produção
capitalista tem por base a troca desigual, isto é, a diferença na produtividade média do
trabalho entre o centro e a periferia. Por isso, a troca desigual é lesiva tanto para os
países não-hegemônicos do centro como para os da periferia capitalista. Salvaguardadas
as diferentes singularidades, gera um capitalismo de desenvolvimento desigual e
combinado ou um desenvolvimento capitalista articulado, do qual faz parte a periferia.
Nela, o capitalismo constitui-se com a mesma essência, no entanto, toma uma
configuração particular. A apreensão e análise dessa dinâmica da sociedade burguesa
devem ser buscadas na crítica à economia política.
No segundo capítulo, “A expansão do capitalismo monopolista no Brasil, na
relação centro e periferia”, buscamos explicar, com a expansão do capitalismo
monopolista na particularidade histórica da sociedade brasileira, a economia do trabalho
vivo no Brasil e sua influência no destino dos trabalhadores assalariados produtivos.
Porém, a fundamentação teórico-metodológica que embasa esta exposição, exige
apanhar o movimento do real que a originou e, ao mesmo tempo, que a contém, a
hegemonia britânica desbancada pela a norte-americana, para dar conta de, ao entender
a origem da acumulação capitalista, analisar a constituição da economia do trabalho

16
vivo como uma lógica destrutiva, à medida que a redução da força de trabalho
assalariada faz crescer a população disponível ao capital. Esse fato histórico tem na
metade da década de 1950 o marco da (re)incorporação da sociedade brasileira como
um dos pólos dinâmicos do capitalismo monopolista mundial, em sua segunda irrupção,
pois até esta década não conformava as condições materiais exigidas para a subsunção
real do trabalho ao capital. Nesse processo, tenta-se compreender como o grande capital
consolida São Paulo, no Brasil, o centro hegemônico do processo de industrialização e
torna-o um dos maiores no ranking latino-americano da indústria de transformação
alimentícia e da indústria/montadora automobilística com inserção externa no comércio
capitalista de mercadorias, porém com modesta participação na indústria de produção de
bens de capital.
No terceiro capítulo, “A economia de trabalho vivo em Goiás”, propomo-nos a
analisar as determinações históricas que vêm forjando a economia de trabalho vivo, em
Goiás, no bojo das relações, especificamente capitalistas, próprias do processo de
expansão do capitalismo monopolista mundial e, no mesmo movimento, relacionando-
as em âmbito nacional. Em Goiás, o processo de reprodução ampliada do capital só tem
a sua dinâmica instituída a partir dos meados da década de 1980, quando a economia,
centrada na agropecuária, é superada pela indústria (ESTEVAM, 1998; DEUS, 2003;
SILVA, 2001; MENDONÇA, 2004).
Desencadeia-se, daí em diante, os novos rumos para Goiás, resultado do pacto
da Marcha para o Oeste que, em função do processo de industrialização/urbanização, o
Estado brasileiro impulsiona a ampliação das relações mercantis e, com elas, o
adensamento populacional pela migração no sul/sudeste goianos. Buscamos então
examinar as condições materiais que tornam Goiás uma sociedade urbano-industrial,
tendo como pólo irradiador a cidade, que se expande para o campo e “o industrializa”.
Acelera-se então o processo da acumulação capitalista em lugares estratégicos, os quais
vão se constituindo em verdadeiros pólos de crescimento econômico para o grande
capital, à medida que empresas industriais “de novo estilo” vão penetrando em Goiás
como indutoras nos “mercados imperfeitos” do processo de internacionalização do
capital industrial.
Esses pólos articulam essas regiões às demandas de superlucros ao grande
capital, sustentados por investimentos públicos e privados. Deste modo, a grande
indústria apropria do valor criado por todos os trabalhadores assalariados produtivos,
inclusive aqueles que desempenham funções do trabalho coletivo fora do seu espaço

17
(pequenas e micro-empresas, nos trabalhos autônomos, “por conta própria” etc.),
construindo as condições de, ao elevar a produtividade trabalho social, economizar
trabalho vivo em Goiás.
Nesta parte da exposição, procuramos desvelar a face da economia do trabalho
vivo, aquela que expõe, sem meios termos, o despotismo do grande capital no seu
estágio monopolista/imperialista, momento histórico considerado por muitos
pesquisadores, dentre eles Fernandes (1974), como o mais devastador, face às
exigências histórico-sociais postas para a sua constituição no centro e na periferia. Ao se
instituir como acumulação capitalista, o modo de produção direciona-se no sentido da
formação do trabalho excedente à custa da elevação da produtividade do trabalho social.
A acumulação capitalista é constituída em condições objetivas e subjetivas tais que o
capital torna-se capaz de, ao economizar trabalho vivo, levar ao ápice, no processo de
trabalho, o empobrecimento material e espiritual dos trabalhadores assalariados
produtivos e a descartar, no seu processo de valorização, os seus investimentos na
reprodução da força de trabalho por privilegiá-la ao Monsieur Capital.
Na sequência, apresentamos as considerações finais, em que, com base no
exposto, reafirmamos a existência do trabalho assalariado produtivo no chão da fábrica
e defendemos a centralidade da categoria trabalho na sociedade burguesa.

18
CAPÍTULO I

Acumulação capitalista e economia do trabalho vivo: uma contradição


contemporânea

Mas por tanto tempo quanto continuarem a produzir como hoje, de


forma inconsciente e irrefletida, (...) as crises subsistirão; e cada uma
delas que vier deverá ser mais universal e, pois, pior do que a
precedente: deve pauperizar maior número de pequenos capitalistas e
aumentar progressivamente o efetivo da classe que só vive do
trabalho, e, portanto, aumentar visivelmente a massa de trabalho a
ocupar (o que é o principal problema dos nossos economistas) e
provocar por fim uma revolução social tal que a sabedoria escolar dos
economistas jamais sonhou.
Engels, 1844

Ao assumirmos a matriz marxiana (e engelsiana) como fundamento teórico-


metodológico e ídeo-político desta exposição, neste capítulo, buscamos reconstruir, no
movimento do capital e do trabalho, o processo do objeto historicamente dado – a
economia do trabalho vivo –, no seu confronto com o trabalho morto, em sua condição
de constituído e constituinte do processo da acumulação capitalista. Este processo,
hegemonizado pela industrialização e acompanhado pela hipertrofia do financeiro,
próprios do estágio do capitalismo monopolista maduro, para ser desvendado na atual
crise do capital, é preciso que o entendamos como dela decorrente e da própria lógica

19
destrutiva do grande capital, em um contexto de luta de classes, favorável a um
desenvolvimento do capitalismo desigual e combinado.
Faz-se necessário, então, a análise do processo de acumulação capitalista que
põe a subsunção real do trabalho ao capital, condição para entendermos como e por que
a ordem burguesa produz/reproduz a economia de trabalho vivo, resultado da forma de
como o capitalismo produz-se e reproduz-se historicamente.
Para fazer este movimento, buscamos as contribuições de Hobsbawm (1995),6
Harvey (1996),7 Mandel (1985),8 Mészáros (2002),9 e Antunes (1995),10 como autores
pertencentes a um mesmo campo e ao conjunto da tradição marxista, portanto,
comungando um núcleo teórico-metodológico e ídeo-político comum, sem deixar de
explicitar a sua heterogeneidade, uma vez que, no seu seio, esse campo (e todos os
demais) não comporta um bloco monolítico, mas matizes diversos
É inconteste que entre estes autores que a existência histórica da produção e da
reprodução do capital marca o seu processo de formação, desenvolvimento e decadência
por crises cíclicas,11 as quais são sucedidas por fases de retomada econômica e de
prosperidade, causadas antes pela crise de superprodução∗ no centro, em face da

6
Eric J. Hobsbawm é de Alexandria (1917, Egito); considerado um dos maiores historiadores vivos;
professor aposentado; já lecionou em diversas universidades da Europa e América Latina. Faz parte da
Academia Britânica e membro honorário do Kings College, Cambridge. É presidente do Birbeck College
(London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas
obras, encontra-se a trilogia acerca do "longo século XIX", traduzidos em vários idiomas.
7 David Harvey é de Oxford (1935, Grã-Bretanha); geógrafo marxista, formado na Universidade de
Cambridge; foi professor da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos até 1987, quando
transferiu-se para a cadeira de Geografia em Halford Mackinder da Universidade Oxford. Seus livros
inicialmente versavam sobre a epistemologia da geografia, ainda no paradigma da chamada geografia
quantitativa, depois redireciona sua pesquisa para a problemática urbana, a partir de uma perspectiva
materialista-dialética.
8
Ernest Ezra Mandel é de Frankfurt (1923, Alemanha), economista e político judeu-alemão, Autor de
vários ensaios políticos e livros de economia marxista. Seus pseudônimos: Ernest Germain, Pierre
Gousset. Henri Vallin, Walter etc.
9 István Mészáros é de Budapeste (1930, Hungria); filósofo ligado à chamada Escola de Budapeste, um
grupo de filósofos húngaros, constituído por discípulos de Georg Lukács. Está entre os mais importantes
intelectuais marxistas da atualidade. Professor emérito da Universidade de Sussex, na Inglaterra, onde
ensinou filosofia por 15 anos, anteriormente foi também professor de Filosofia e Ciências Sociais na
Universidade de York, durante 4 anos.
10
Ricardo Antunes é de São Paulo (1953); sociólogo, professor no Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp, onde foi diretor do Arquivo Edgard Leuenroth; lecionou na FGV-SP e na UNESP-
Araraquara. Colabora em revistas e jornais nacionais e internacionais e é editor-participante da Revista
Latin American Perspectives (EUA).
11
O problema das crises periódicas manifesta-se, segundo os pressupostos marxiano-engelsiano, “pela
contradição entre a tendência do Capital ao desenvolvimento ilimitado das forças produtivas e os limites
estreitos impostos por esse mesmo Capital ao consumo das massas operárias. [Eles distinguem] desde
essa época [1844] corretamente a demanda física e a demanda solvável. (...) Marx e Engels sublinham
antes de tudo a importância das ‘grandes saídas de além-mar’ para a situação econômica da Grã-Bretanha
(e da indústria européia em geral) (Apud MANDEL, 1968, p. 71-73).

Entendida como crise no processo de acumulação do capital.

20
oposição entre as forças produtivas e as relações capitalistas de produção do que pela
mera especulação. Esta contradição inerente ao modo de produção capitalista provoca o
seu revolucionamento no sentido de gestar e rearticular outro padrão de acumulação do
capital condizente com as condições materiais do seu tempo histórico, movendo o seu
quadro político de hegemonia.
Nesta exposição, tratamos da crise global contemporânea como crise do capital,
que, também, arrasta o trabalho, como resposta às mudanças no “mundo capitalista”
sob as determinações do processo de mundialização do grande capital e é a crise que
suplanta “os anos dourados”.
Esta crise, equivocadamente denominada por muitos pesquisadores como a crise
do fordismo e do keynesianismo, configura-se para Antunes (1995; 2006), Hobsbawm
(1995; 1991), Mészáros (2006), Harvey e Mandel.(1985) como uma crise estrutural do
capital por se colocar permanente. Nessa direção, põe o seu início no centro a partir da
década de 1970, quando explicitam-se seus traços peculiares que, dentre outros, são
assim identificados:

 a queda da taxa de lucro com a redução dos níveis de produtividade do


capital; a retração do consumo em resposta ao desemprego estrutural que
então se iniciava no centro;
 a hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos
capitais produtivos;
 a maior concentração e centralização de capitais graças às fusões entre as
empresas monopolistas e oligopolistas;
 a crise do welfare state ou do “Estado do bem-estar social”, acarretando por
um lado, o incremento acentuado das privatizações e a retração dos gastos
públicos e sua transferência para o capital privado;
 a tendência à flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força
de trabalho.

Essas condições vão impulsionar a intensificação do processo de


internacionalização do capital como estratégia de busca de novos mercados,
reestruturando os processos da produção e do trabalho, a fim de garantir à grande
indústria das sociedades do centro a taxa média de lucro, corroída na época em que
vigia a hegemonia do fordismo/keynesianismo. Observa-se, nestes países, “profundas

21
transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura
produtiva, nas formas de representação sindical e política” (ANTUNES, 1977, p. 71),
sendo que “a classe que [só] vive do trabalho presenciou a mais aguda crise na sua
subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser”
(ANTUNES, 1977, p. 71), alcançando o conjunto da vida social.
Se os anos de 1945-1973 constituíram a hegemonia dos Estados Unidos da
América do Norte (EUA), o final da década de 1960 até o primeiro lustro da década
1970 põem a gênese de seu declínio e desborda-se nesta crise global contemporânea.
“Entre 1974 e 1975, a economia capitalista internacional conheceu a sua primeira
recessão desde a II Guerra Mundial, sendo a única, até então, a golpear simultaneamente
todas as grandes potências imperialistas” (MANDEL, 1985, p. 9). Esta crise rompe o
longo período expansionista do pós-guerra, no centro.
A sociedade norte-americana cresce abaixo da média da economia mundial (ver
anexos, gráficos 1 e 2), explicita queda da taxa média de lucros, restringe o crédito, cai
o dólar frente ao iene japonês e ao marco alemão. Além disso eleva os custos de vida,
da política militar-armamentista, da inflação e dos preços do petróleo. Ao mesmo
tempo, aumenta os estoques de mercadorias, apresenta crescimento do desemprego12 e
ingressa no déficit do balanço de pagamentos (dívida pública).

12
Tabela I -
Máximo de desemprego durante a recessão de 1974/75
Países Período
Quantidade
Estados Unidos 4º trim. 1975 7 912 000
Grã-Bretanha 3º trim. 1976 1 319 000
Japão 4º trim. 1975 1 178 000
Itália 3º trim. 1976 1 145 000
RFA 4º trim. 1976 1 141 000
França 3º trim. 1976 1 036 000
Espanha 4º trim. 1976 800 000
Canadá 4º trim. 1975 724 000
Austrália 4º trim. 1975 297 000
Bélgica 3º trim. 1976 292 000
Holanda 4º trim. 1975 211 000
Dinamarca 4º trim. 1975 111 000
Outros países 4º trim. 1975 600 000
Imperialistas
Fontes: para o 4º trim. 1975: Nações Unidas, Suplemento
ao estudo sobre a Economia Mundial, 1975; para o 3º trim.
1976: Financial Times, 25 de out. 1976 e Eurostat, CEE –
Comunidade Econômica Européia; para a Espanha:
estatísticas espanholas.
Mandel (1985) afirma que “durante o inverno de 1975/76, quando o desemprego atingiu seu ponto
culminante, o número total de desempregados oficialmente reconhecidos no conjunto dos países
imperialistas se aproximava de 17 milhões” (p. 16).

22
A falência técnica da cidade de Nova Iorque em 1975 – cidade com um dos
maiores orçamentos públicos do mundo – ilustrou a seriedade do problema.
Ao mesmo tempo, as corporações viram-se com muita capacidade excedente
inutilizável (principalmente, fábricas e equipamentos ociosos) em condições
de intensificação da competição. Isso as obrigou a entrar num período de
racionalização, reestruturação e intensificação do controle do trabalho (caso
pudessem superar ou cooptar o poder sindical). A mudança tecnológica, a
automação, a busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a
dispersão geográfica para zonas de controle do trabalho mais fácil, as fusões
e medidas para acelerar o tempo do giro do capital passaram ao primeiro
plano das estratégias corporativas de sobrevivência em condições de
deflação∗ (HARVEY, 1996, p. 137 e 140).

Outros países imperialistas são apanhados pela crise, inicialmente, enquanto


movimento de estagnação como, por exemplo, o Japão e a Alemanha,13 quando sofrem
queda na produção, na taxa média dos lucros e na demanda interna. Em seguida,
transforma-se em movimento de recessão, e estende-se pela Europa ocidental, puxando
também a periferia. Esta crise é o resultado da contradição fundamental – produção
social e apropriação privada – do modo de produção capitalista, que veio à tona depois
que mudanças deflagradas ainda na época da “onda longa expansiva” favoreceram o
grande capital. Elas impulsionam novo avanço das forças produtivas, incluindo a
tecnologia, colocando a concentração e a centralização do capital em patamares nunca
vistos. Essas condições trazem, em decorrência, a superprodução ou superacumulação, a
radicalização da luta concorrencial entre os grupos de monopólios, a superexploração
dos trabalhadores assalariados produtivos, o recrudescimento do desemprego e do
exército industrial de reserva e as dificuldades de valorização do grande capital no
próprio seio das potências imperialistas. Tudo isso impõe estratégias e mecanismos
novos ao processo de internacionalização do grande capital, já desencadeado no centro
desde a década de 1880.
Na busca da superação desta crise, o investimento ou a exportação de capital
excedente gerador de superlucros aos monopólios torna-se uma estratégia de primeira
ordem neste estágio do capitalismo monopolista. Com a retomada da produção
industrial e da acumulação do capital no centro, a partir de 1976, simultaneamente, vai
sendo deteriorada a posição de liderança dos EUA (ver anexo, gráfico 3), pois a
capacidade de investimento no exterior só permite o restabelecimento da rentabilidade
do capital nos anos seguintes aos níveis anteriores à crise, notadamente, nos Estados


Diminuição da circulação do papel-moeda superabundante.
13
A recessão difundiu-se na Alemanha, quando, “no quarto trimestre de 1974 e no primeiro de 1975, as
exportações caíram, respectivamente, 3,5% e 8,5%, sob o efeito evidente da recessão internacional da
economia capitalista. (...) O [Produto Nacional Bruto] PNB diminuiu 2% e 2,5% respectivamente, no
curso desses dois trimestres” (MANDEL, 1985, p. 11).

23
Unidos da América do Norte. O grande saldo desta crise para a burguesia internacional
é o deslocamento da prioridade econômico-social do “pleno emprego” para o
“desemprego massivo permanente” (MANDEL, 1985; MÉSZÁROS, 2006; ANTUNES,
1995, 2006; NETTO, 1993; 1996), inaugurando a era neoliberal nas sociedades do
centro.14 Os grupos de monopólios canalizam o capital excedente para fora dos EUA e
da Europa ocidental, ou seja, para a periferia, ampliando o seu campo na direção da
Ásia, principalmente, do Japão, de Taiwan e Coréia do Sul. Nas décadas de 1980 e
1990, estendem-se para a China, Índia e (re)incorporam a América Latina e, de modo
particular o Brasil, aos ditames do grande capital.
Essa condição só é possível devido o processo de industrialização brasileira dos
anos trinta, de base estatal-nacionalista, instituir um parque industrial de grande
expressão na Região Centro-Sul do país, e experimentar, nos meados da década de
1950, mudanças no seu padrão de acumulação por se fundar em uma política
desenvolvimentista financiada pela entrada exorbitante de capital excedente no país,
inclusive aumentando, exponencialmente, a dívida externa. E, na dinâmica do pré e pós-
1964, consolida-se o capitalismo monopolista, em face da oposição de dois projetos
claros de sociedade: um, é defendido por forças democráticas e populares, por isso,
definido por tendência a uma ruptura “nacionalista” movida ainda dentro dos marcos do
capitalismo, e outro, pela demanda burguesa e suas facções, expressa uma tendência que
rearranja e reproduz o conservadorismo e o reacionarismo. De fato, é vitorioso o projeto
que propugna a conciliação com o grande capital internacional e a ascensão de grupos
de monopólios, os quais, com a adesão de governos locais, passam a sobrepor os
Estados-nacionais (MANDEL, 1985; NETTO, 1992). E o “país passa a servir de
entreposto industrial para várias multinacionais” (SINGER, 1978, p. 92).
Partimos então por resgatar que, se na metade do século XIX, depois da segunda
máquina a vapor de Watt, Marx já detectava que a maquinaria do capital tinha a
finalidade de tornar as mercadorias mais baratas e de ela ser “meio de produção de
mais-valia” (MARX, 1985b, p.15), no período da acumulação capitalista, quando são

14
Esta foi uma experiência deflagrada em um país da periferia. O neoliberalismo começou naquele país
um decênio antes de Thatcher, na Inglaterra. Após o golpe de Estado, que derrubou o governo popular de
Salvador Allende, em 1973, no Chile, Hobsbawm (1995, p. 399) afirma que “uma ditadura militar
terrorista permitiu a assessores americanos instalar [ali] uma economia de livre mercado irrestrita,
demonstrando assim, aliás, que não havia ligação intrínseca entre o livre mercado e a democracia
política”. Para Anderson (1995). “Pinochet começou os seus programas de maneira dura:
desregulamentação, desemprego massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos,
privatização dos bens públicos” (p. 19). O neoliberalismo começou naquele país um decênio antes de
Thatcher, na Inglaterra.

24
instituídas, de fato, as relações especificamente capitalistas no centro e essas relações
são expandidas para a periferia, essa finalidade não mudou, e radicalizou-se a intenção
da supressão total do trabalho vivo. Mudaram-se as condições históricas e as formas de
sua utilização pelo grande capital.
Neste aspecto, é relevante a análise mandeliana do modo de produção capitalista
no século XX, depois da metade dos anos cinqüenta, por assinalar que a automação
movida à energia nuclear – nova tecnologia e originária da política armamentista –
inicia-se na indústria química e dissemina-se para outras áreas no centro, põe uma
maquinaria voltada à supressão do trabalho vivo do processo de produção e a “esfera da
produção [é] uma unidade contraditória de empresas não automatizadas, semi-
automatizadas e plenamente automatizadas (na indústria e na agricultura, e por isso em
todas as esferas da produção de mercadorias juntas) (MANDEL, 1985, 145).
De acordo com Mandel (1985, p. 145),

torna-se evidente que, a partir de certo ponto e por sua própria natureza, o
capital deve apresentar uma resistência crescente à automação. As formas
dessa resistência incluem o uso do trabalho barato nos ramos semi-
automatizados da indústria (tais como o trabalho de mulheres e de [crianças]
nas indústrias têxteis, de alimentos e de bebidas), o que desloca o limiar da
lucratividade para introdução de complexos plenamente automatizados; as
mudanças constantes e a concorrência mútua na produção de conjuntos de
máquinas automatizadas, o que impede o barateamento de tais conjuntos e,
conseqüentemente, a sua mais rápida introdução em outros ramos da
indústria; a busca incessante de novos valores de uso, inicialmente
produzidos em empresas não automatizadas ou semi-automatizadas etc.
(p.145)

Tudo isso evidencia a constituição da natureza combinada do desenvolvimento


do capitalismo e o limite do capital à corrida tecnológica como estratégia da “guerra
intercapitalista”, que alcança o seu ápice no estágio da organização monopólica, como
uma das condições viabilizadoras de seu processo de mundialização. Explicita, também,
a limitação do próprio capital,15 à medida que põe a sua impossibilidade em se desfazer
de vez do trabalho vivo, porque corta o processo de produção da mais-valia, da

15
“Na verdade, a indústria que produz meios eletrônicos de produção tem uma composição orgânica de
capital notavelmente baixa. Em meados da década de 60, a participação dos custos de salários e
ordenados no movimento total anual bruto desse ramo da indústria nos Estados Unidos e na Europa
ocidental flutuou entre 45% e 50%, [como diz Freeman]. Isto explica por que o montante maciço de
capital que se encaminhou para ela desde o início dos anos 50 tenha diminuído e não aumentado a
composição social média do capital e, correspondentemente, tenha aumentado e não diminuído a taxa
média de lucros. Em conseqüência, a produção automática de máquinas automáticas representaria um
novo ponto de inflexão, em termos qualitativos, igual em significado ao seu aparecimento da produção
mecânica de máquinas em meados do século XIX (MANDEL, 1985, p. 145; grifos do autor).

25
valorização do capital, só realizável pela força de trabalho humana. Nesse sentido,
Mandel (1985) é categórico em afirmar que o capital economiza trabalho vivo pela
automação só na planta produtiva e o aumenta então nas áreas fora da produção direta
(laboratórios, departamentos, pesquisa etc) onde o trabalho é parte do “trabalhador
produtivo coletivo”.
Com o avanço da acumulação capitalista, a centralização e a concentração do
capital tornam possíveis, a partir da subsunção real do trabalho ao capital, elevar a
produtividade do trabalho social e valer-se da economia de trabalho vivo. As grandes
potências por meio da grande indústria lançam-se à expansão das relações
especificamente capitalistas na periferia, difundindo o processo de proletarização agora
a uma força de trabalho mais barata em uma época histórica de maior gasto “em massa
de meios de produção (...) [e] dispêndio progressivamente decrescente da força de
trabalho [viva] (...) essa é a lei absoluta geral, da acumulação capitalista” (MARX,
1985b, p. 209). Mas, isto não quer dizer que elimina o trabalho vivo como produtor de
mais-valia e de valor na ordem burguesa. E a grande indústria assim o faz transferindo
suas “fábricas prontas” para onde estão força de trabalho disponível ao capital, terras
fartas e matérias-primas abundantes. Estas são transformadas em mercadorias e são
vendidas como meios de subsistência aos trabalhadores assalariados.
Desta forma, o grande capital espraia o processo de reprodução ampliada para
regiões, lugares nunca dantes atingidos, evidenciando que “não basta à produção
capitalista de modo algum o quantum de força de trabalho disponível que o crescimento
natural da população fornece. Ela precisa, para ter liberdade de ação, de um exército
industrial de reserva independente dessa barreira natural” (MARX, 1985b, p. 202).
O crescimento do capital provoca o crescimento de uma força de trabalho ou
uma população trabalhadora excedentária tanto no centro quanto na periferia, que se
torna, contraditoriamente, imprescindível à existência do capital, porque é o elemento
vivo criador de valor e a ele pertence “de maneira tão absoluta, como se ele [a] tivesse
criado à sua própria custa” (MARX, 1985b, p. 200), mas, é descartável.
A efetivação desse processo, que põe a economia de trabalho vivo na periferia
do “mundo capitalista”, assume novas configurações na contemporaneidade e guarda
determinações históricas e mediações particulares em relação à sua constituição e
desenvolvimento no centro, e vai exigir – tanto lá quanto aqui – condições materiais e
objetivas diferenciadas e mais complexas do que o estágio anterior do capitalismo.

26
Essa tendência à redução de trabalho assalariado produtivo pelo capital, criador
de valor, também, é criticada por Hobsbawm (1995), que identifica um movimento de
declínio da classe operária, iniciado nas décadas de 1970 e de 1980, embora seja, nos
anos de 1990, que emergem traços “de uma grande contração da classe operária” (p.
296), quando mudanças na produção a desencadeiam, crescendo a economia da força de
trabalho viva. Estes fatos fortalecem, de certa maneira, as afirmações dos anunciadores
do adeus ao proletariado – os adeptos da “sociedade pós-industrial”–, no entanto, este
autor defende que “a impressão generalizada de que de alguma forma a velha classe
operária industrial estava morrendo era estatisticamente errada, pelo menos em escala
global” (HOBSBAWM, 1995, p. 296), pois, no mundo do final “dos anos dourados”
havia mais operários. A classe operária permanece estável nas sociedades do centro – os
oito dos 21 países que compõem um terço da população empregada –, e eleva-se
naquelas recentemente industrializadas na Europa, até a década de 1980, exceto nos
EUA, em que o declínio ascendente da classe operária (ver anexo, Tabela 1) se
prenuncia entre 1965 e os anos de 1970. Já nos países socialistas industrializados da
Europa oriental, Japão e Terceiro Mundo (Brasil, México, Índia, Coréia e outros), o
proletariado multiplica-se. “Com isso, durante este século, temos um crescimento da
proletarização combinado com o relativo declínio, dentro da população assalariada, dos
trabalhadores braçais, no sentido literal da palavra. Trata-se de um fenômeno bem geral
em países industrializados” (HOBSBAWM, 1991, p. 18).
Na verdade, essa movimentação não significa o colapso da classe operária, mas
são modificações que estão ocorrendo no interior dos processos de produção e do
trabalho ocasionados pela crise do início da década de 1970, aprofundada no transcorrer
da de 1980, onde que,

as velhas indústrias do século XIX e início do XX declinaram, e sua própria


visibilidade no passado, quando muitas vezes simbolizavam a “indústria”,
tornou mais impressionante o seu declínio. (...) Mesmo quando não
desapareceram, essas indústrias tradicionais mudaram-se de velhos para
novos países industriais. Produtos têxteis, roupas e calçados migraram em
massa. O número de pessoas empregadas nas indústrias têxteis e de roupas
dentro da República Federal da Alemanha caiu em mais da metade entre
1964 e 1984, mas no início da década de 1980, para cada cem operários
alemães, a indústria de roupas alemã empregava 34 no exterior. Mesmo em
1966 eram menos de três. Ferro, aço e indústria naval praticamente
desapareceram das terras de industrialização mais antiga, mas reapareceram
no Brasil e na Coréia, na Espanha, Polônia e Romênia. Velhas áreas
industriais tornaram-se “cinturões de ferrugem” – termo inventado nos EUA
na década de 1970 –, ou mesmo países inteiros identificados com uma fase
anterior da indústria, como a Grã-Bretanha, foram largamente

27
desindustrializados, transformando-se em museus vivos ou agonizantes de
um passado desaparecido, que os empresários exploravam, com certo êxito,
como atrações turísticas. Enquanto as últimas minas de carvão desapareciam
do sul de Gales, onde mais de 130 mil ganhavam a vida como mineiros no
início da Segunda Guerra Mundial, velhos sobreviventes desciam em poços
mortos para mostrar a grupos de turistas o que outrora faziam ali em eterna
escuridão. E mesmo quando novas indústrias substituíam as velhas, não eram
as mesmas indústrias, muitas vezes não nos mesmos lugares, e
provavelmente com estruturas diferentes. (...) não tinham as grandes cidades
industriais, as empresas dominantes, as fábricas enormes. Eram mosaicos ou
redes de empresas que iam da oficina de fundo de quintal à fábrica modesta
(mas de alta tecnologia), espalhados pela cidade e o país (HOBSBAWM,
1995, p. 297).

O caráter global desta crise só foi considerado como tal pelos países da Europa
ocidental em 1990, porque ainda não estava de todo esclarecido para eles que ela se
constituiria mais grave do que a de 1930. Os “anos dourados” gestam um mercado
mundial articulado e único, alimentado pela imigração, e torna possível a
internacionalização da produção e da acumulação capitalistas, acirrando a contradição
capital e trabalho, a partir da crise de 1973. Os grupos de monopólios, como uma
verdadeira operação “de vida ou de morte”, ao constituírem a grande indústria, da fase
do capitalismo monopolista maduro, “estabeleceram seu domínio sobre o mundo,
solapou uma grande instituição até 1945, praticamente universal: o Estado-nação
territorial, pois um Estado assim já não poderia controlar mais que uma parte cada vez
menor de seus assuntos” (HOBSBAWM, 1995, p. 413). E “as Décadas de Crise foram a
era em que os Estados nacionais perderam seus poderes econômicos” (HOBSBAWM,
1995, p. 398). Por sua vez, a queda do “socialismo real” na União Soviética e na Europa
oriental é o fato histórico que a explicita sem subterfúgios e expõe a sua face política.
Depois de 1973, a crise traz como conseqüências aos países do centro o
reaparecimento do desemprego em massa, miséria e tensões sociais. Problemas velhos
que pareciam dissolvidos pelos “anos dourados” ressurgem sob um processo de
reestruturação produtiva do capital e avanço espetacular na sua internacionalização.
Essas condições caracterizam o desemprego estrutural, pois, mesmo em período de
expansão, indústrias demitem força de trabalho viva, que jamais serão reabsorvidas ao
mesmo tempo em que a produção triplica seus produtos16 com o emprego das forças

16
Hobsbawm (1995) exemplifica o desemprego estrutural nos EUA, ao identificar nos anos de 1950 a
1970, que o número de telefonistas para interurbanos caiu em 12% e o número de telefonemas aumentou
em cinco vezes, no entanto, de 1970 a 1980, o número de telefonistas caiu em 40% e os telefonemas
cresceram em três vezes.

28
mecânico-automáticas em substituição da força de trabalho. Esta substituição pela
máquina constitui-se em uma das fontes geradoras da economia do trabalho vivo.
Segundo Hobsbawm (1995, p. 299),

as crises econômicas do início da década de 1980 recriaram o desemprego em


massa pela primeira vez em quarenta anos, pelo menos na Europa. Em alguns
países desavisados, a crise produziu um verdadeiro holocausto industrial. A
Grã-Bretanha perdeu 25% de sua indústria manufatureira em 1980-4. Entre
1973 e fins da década de 1980, o número total de pessoas empregadas na
manufatura nos seis velhos países industriais da Europa caiu 7 milhões, ou
cerca de um quarto, mais ou menos metade dos quais entre 1979 e 1983. Em
fins da década de 1980, enquanto as classes operárias nos velhos países
industriais se erodiam e as novas surgiam, a força de trabalho empregada na
manufatura estabilizou-se em cerca de um quarto de todo o emprego civil em
todas as regiões desenvolvidas ocidentais, com exceção dos EUA, onde a
essa altura estava bem abaixo de 20%. Estava muito longe do velho sonho
marxista da população gradualmente proletarizada pelo desenvolvimento da
indústria até a maioria das pessoas serem trabalhadores (braçais). Com
exceção dos casos mais raros, dos quais a Grã-Bretanha era o mais notável, a
classe operária industrial sempre fora uma minoria da população
trabalhadora.

Assim, nas sociedades do centro, a exacerbação da diferença entre as classes


sociais fundamentais – econômica, política, social e cultural – cresce e torna novamente
comum a presença massiva de “mendigos”, de “desabrigados” e de “sem teto” nas ruas.

Em qualquer noite de 1993 em Nova York, 23 mil homens e mulheres


dormiam na rua ou em abrigos públicos, uma pequena parte dos 3% da
população da cidade que não tinha tido, num ou noutro momento dos últimos
cinco anos, um teto sobre a cabeça (New York Times, 16/1193). No Reino
Unido (1989), 400 mil pessoas foram oficialmente classificadas como “sem
teto” (Human Development, 1992, p. 31). Quem, na década de 1950, ou
mesmo no início da de 1970, teria esperado isso? (HOBSBAWM, 1995, p.
396).

Essa realidade põe então em relevo o declínio do campesinato17 e o crescimento


da suburbanização de áreas em volta de centros urbanos, gerando as “hipercidades” com
mais de 10 milhões de habitantes.
Nesse processo, lembra Hobsbawm (1991), em oposição ao que ocorria na
década de 1930, o governo britânico desastroso caminha no desmonte

17
“Hoje, ele representa 4% da população ocupada nos países da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e 2% nos Estados Unidos. (...) Em meados da década de 1960,
ainda havia cinco países europeus com mais da metade da população ocupada nessa área, onze nas
Américas, dezoito na Ásia e, com três exceções (Líbia, Tunísia e África do sul), toda a África. (...) Em
1900, apenas 16% da população mundial vivia em cidades. Em 1950, esse número já havia crescido para
quase 26%, e hoje, ele está próximo da metade (48%) (HOBSBAWM, 2007, p. 37-38)

29
da rede de benefícios sociais [que] está sendo simultaneamente desmantelada
– exemplos disso são as escolas e os serviços de saúde – enquanto as
construções públicas e privadas, que estavam explodindo, virtualmente,
pararam. A estrutura da produção industrial britânica está sendo demolida
quase além da esperança de uma restauração. Poucos operários que elegeram
Thatcher não lamentam amargamente de tê-lo feito, e até amplos setores de
capitalistas britânicos buscam desesperados, alguém em quem se apoiar. Em
dadas circunstâncias, (...) encontramos um movimento trabalhista confuso,
dividido, desagregado por divisões e lutas internas, e isolado de vários de
seus antigos apoios. (HOBSBAWM, 1991, p. 42)

E desacelera-se o crescimento nos países socialistas18, devastando-os.


Na periferia – Ásia ocidental, África e América Latina/Caribe – essas mudanças
ocorrem, substancialmente, diferentes. Acreditamos que as razões dessa diferença
encontram-se, em primeiro lugar, por ser uma área que, tirânica e subordinadamente, é
(re)incorporada ao centro do poder capitalista.
Segundo, devido a essas condições formar-se enquanto, no dizer de “uma zona
mundial de revolução – recém-realizada, iminente ou possível” ((HOBSBAWM, 1995,
p. 421) de libertação.19 Daí, a sua caracterização como zona instável social e
politicamente, situação esta tomada como propícia ou identificada com o comunismo
soviético pelo centro como pretexto utilizado para sustentar e mascarar a sua própria
ofensiva à dominação mundial.
Como saída da crise, acresce-se a esse processo a proliferação de países recém-
industrializados na periferia e que “já consumiam 24% do aço do mundo e produziam
15% dele” (HOBSBAWM, 1995, p. 403), na metade da década de 1980, às custas da
migração de “indústrias de trabalho intensivo” do centro – movimento consentido como
“natural” – para essas áreas, pois elas tendem a se concentrar nos lugares onde há
condições favoráveis de ampliar seus superlucros a começar por uma localização que
assegure força de trabalho barata e disponível, matérias-primas, fontes de energia,
incentivos fiscais, meios de comunicação suficientes para o acesso ao mercado mundial.

18
No pós-1989, “o PIB da Rússia caiu 17% em 1990-1, 19% em 1991-2, e 11% em 1992-3. (...) a Polônia
tinha perdido mais de 21% de seu PIB em 1988-92; a Tchecoslováquia, quase 20%; a Romênia e a
Bulgária, 30% ou mais. [Nesses países] sua produção industrial, em meados de 1992, estava entre metade
e dois terços da de 1989 (Financial Times, 24/2/94. In: Hobsbawm, 1995, p. 395.
19
Ver a minuciosa e competente análise de Hobsbawm (1955) em a Era dos Extremos, a respeito da
condição sócio-política do Terceiro Mundo, resultado da relação de subordinação ao centro capitalista.
Para ele, “muito poucos Estados do Terceiro Mundo, de qualquer tamanho, atravessaram o período a
partir de 1950 (ou data de sua fundação) sem revolução; golpes militares para suprimir, impedir ou
promover revolução; ou alguma outra forma de conflito armado interno. As principais exceções até a data
em que escrevo são a Índia e umas poucas colônias governadas por paternalistas autoritários e longevos
[em Malavi e Costa do Marfim]. Essa persistente instabilidade social e política do Terceiro Mundo dava-
lhe seu denominador comum” (p. 422).

30
Se, de um lado, nesses lugares, a crise põe uma grave depressão combinada com
expulsão de força de trabalho viva, paralisando o PIB per capita com queda na produção e
no poder aquisitivo da maioria da população, por outro, os países do leste da Ásia, incluindo
a China – os denominados “países recentemente industrializados” (Newly Industrialized
Countries – NICs) – experimentam um desempenho incomparável na economia mundial. O
processo de desconcentração da produção industrial leva as chaminés e, conseqüentemente,
uma semi-industrialização a Cingapura, Hong Kong, Coréia do Sul e Formosa/Taiwan por
meio de unidades industriais modernas, controladas por conglomerados transnacionais do
centro. De modo diverso do bloco latino-americano – México, Venezuela, Brasil e
Argentina –, mas, carregando a essencialidade capitalista, com impulso na mesma época –
nas décadas de 1960 e 1970 –, esta semi-industrialização dos pequenos “tigres” ou
“dragões” asiáticos constitui-se em ramos industriais de bens de consumo, de baixo
investimento tecnológico, voltados à exportação para os países do centro, condições que os
torna em “plataformas de exportação”.
Essa realidade reforça ainda mais as análises de Hobsbawm (1995) e de Mandel
(1985) de que a “revolução tecnológica” de per si não dá conta de explicar os “anos
dourados” nem o processo de reestruturação produtiva do capital no pós-1973, ou seja,
os períodos de prosperidade e de crises cíclicas postas pelo grande capital, apesar de
muitos pesquisadores teimarem em superdimensioná-la, uma vez que o processo de
industrialização das grandes potências (EUA, Grã-Bretanha, Canadá, Alemanha
Federal, França, Itália e Japão) sustenta-se, dentre outros, pela exportação de tecnologia
obsoleta20 para os países não-hegemônicos no centro, os dos socialistas agrários e os da
periferia. Precisamos entender por que a busca do lucro impulsiona a transformação
tecnológica, e com ela, a economia do trabalho vivo.
A sociedade capitalista volta à sua dinamicidade nas décadas finais do século
XX, de modo mais lento, e as poucas grandes potências industriais “da primeira
divisão” tornam-se mais ricas e mais produtivas do que no começo da década de 1970,
exceto os EUA que, após 1976, são repostos indicadores do alargamento da sua perda
de hegemonia (BELLUZZO & COUTINHO, 1998).21

20
Na “Era de Ouro, embora fosse expressiva (...) [a] disseminação de velhas tecnologias: a
industrialização de carvão, ferro e aço do século XIX estendeu-se aos países socialistas agrários; as
indústrias americanas de petróleo e motores de combustão interna do século XX chegaram aos países
europeus” (HOBSBAWM, 1995, p. 265).
21
Buscar a análise de BELLUZZO & COUTINHO (orgs.), com aprofundamento e detalhes da
decadência dos EUA, em Desenvolvimento capitalista no Brasil sobre a crise, v. I e II,

31
A fase histórica presente do imperialismo hegemônico, sob o controle dos EUA
que, no impulso da mundialização do grande capital, busca a dominação global por
meio de uma rearticulação político-econômica a qualquer custo e risco é uma “tentativa
condenada”, segundo Mandel (1985), por dois aspectos antagônicos, mas, inter-
relacionados: a formação, ao longo da história, de Estados nacionais, diferentes e
opostos entre si, e o grande capital transnacional, que se constitui, mundialmente, com a
necessidade da subsunção real do trabalho a ele. E, na contemporaneidade, essa
subordinação marca-se pela crescente economia do trabalho vivo e a proliferação da
população trabalhadora excedentária no centro. Na raiz desta contradição (e de muitas
outras), está o antagonismo irreconciliável entre capital e trabalho que põe a
“dominação estrutural do capital sobre o trabalho e sua dependência insuperável do
trabalho vivo” (MÉSZÁROS, 2003, p. 20), ao mesmo tempo, a tendência ao
desemprego crônico – o câncer, no dizer de Mészáros, a devastar, também, as
sociedades do centro.
O marco da mudança da política norte-americana é a crise do capital, gestada a
partir da década de 1970, explicitando-se em fases seqüenciais de recessão e de depressão
diferente do modus operandi daquelas das “ondas longas expansionistas” e das “ondas
longas de estagnação”. O que existe é uma “relação contraditória entre uma contingência
histórica – o capital norte-americano se encontrar hoje em posição preponderante – e a
necessidade sistêmica ou estrutural – o impulso irresistível do capital para a integração
monopolística global a qualquer custo, mesmo colocando em risco a sobrevivência da
humanidade” (MÉSZÁROS, 2003, p.13), para deflagrar a constituição de outro padrão de
acumulação do capital. Essencialmente destrutivo em sua lógica, o grande capital assume a
forma de uma “crise estrutural” cada vez mais profunda, tanto que “hoje não há sentido em
falar de um ‘desenvolvimento geral da produção’ associado à expansão das necessidades
humanas” (MÉSZÁROS, 2003, p. 21).
A Grã-Bretanha, condicionada pelo mercado mundial à potência industrial “de
segunda divisão”, desde 1979, explicita a sua decadência e, nela, agravando-se mais nos
últimos quinze anos o processo de desindustrialização, com relativo atraso na sua
maquinaria em relação ao padrão exigido no século XX. Este fenômeno é próprio da
Grã-Bretanha atual, onde que “os recursos energéticos, muito mais amplos, incluem
carvão, óleo, gás, eletricidade e energia nuclear, utilizando apenas uma fração de sua
enorme força de trabalho. O exército de trabalhadores cresceu sem parar”
(HOBSBAWM, 1995, p. 20).

32
Dadas essas condições em face do desenvolvimento das forças produtivas e de
outras fontes de energia, são gestadas novas formas de organização da produção, de
maquinaria e de estratégias de dominação e de exploração do grande capital, para
aumentar a força produtiva do trabalho, com a economia do trabalho vivo.

O trabalho organizado foi solapado pela reconstrução de focos de


acumulação flexível em regiões que careciam de tradições industriais
anteriores e pela reimportação para os centros mais antigos das normas e
práticas regressivas estabelecidas nessas novas áreas. A acumulação flexível
parece implicar níveis relativamente altos de desemprego “estrutural” (...)
rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando
há) de salários reais e o retrocesso do poder sindical – uma das políticas do
regime fordista. (HARVEY, 1996, p. 141)

A burguesia cria um novo internacionalismo por meio do mercado mundial e a


um alto preço para a humanidade: violência, opressão e destruição de povos, redução de
toda atividade humana ao dinheiro e ao lucro. E a intensidade dessa experiência assume
um caráter mais destrutivo ainda, a partir da década de 1970, no momento da irrupção
do colapso do longo período de expansão do pós-guerra, marcado por uma crise global
gestada nas sociedades de capitalismo avançado22 e que põe o início de um processo de
transição histórica - ainda longe de completar-se - no capitalismo mundial e no seu
“esquema de reprodução”,23 em suma, a constituição de outro padrão de acumulação do
capital, tendo em vista o esgotamento do anterior, e, de modo simultâneo, o
ressurgimento de um conservadorismo agressivo nas sociedades do centro.
É, pois, no período de 1965 a 1973, que o fordismo e o keynesianismo tornam-se
limitados para suster as contradições imanentes do modo de produção capitalista,
quando explode a primeira grande recessão do pós-guerra. Uma das razões para essas
dificuldades resume-se na “rigidez” da funcionalidade do fordismo que, dentre outras,
impede a acumulação do capital. Em um contexto de superprodução e, em

22
“Algumas mudanças de poder da economia política global do capitalismo avançado a partir de 1972
foram verdadeiramente notáveis. (...) acompanhadas e, em parte, promovidas [pelas] vitórias eleitorais de
Tatcher (1979) e Reagan (1980) costumam ser vistas como uma clara ruptura da política do período pós-
guerra. (...) A crise 1973-1975 derivou em parte de um confronto com a rigidez acumulada de práticas e
políticas de governo implantadas no período fordista-keynesiano. As políticas keynesianas tinham se
mostrado inflacionárias à medida que as despesas públicas cresciam e a capacidade fiscal estagnava. (...)
Os governos de Nixon e de Heath tinham reconhecido o problema no período 1970-1974, iniciando lutas
contra o trabalho organizado e reduções das despesas governamentais” (HARVEY, 1996. p. 157).
23
“Um sistema particular de acumulação pode existir porque ‘seu esquema de reprodução é coerente’.
(...) Tem de haver, portanto, ‘uma materialização do regime de acumulação que toma a forma de normas,
hábitos, leis, redes de regulamentação etc. que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência
apropriada entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Esse corpo de regras e
processos sociais interiorizados tem o nome de modo de regulamentação” (LIPIETZ apud HARVEY,
1996, 117).

33
contrapartida, de queda da demanda efetiva, da produtividade e da lucratividade
marcam o ocaso da hegemonia estadunidense e sua moeda. Esse movimento favorece a
Europa ocidental e o Japão, seguidos por países recém-industrializados do centro, cuja
concorrência intercapitalista, coincidente com o primeiro movimento das empresas
industriais de “novo estilo” (CHESNAIS, 1996), principalmente, no sudeste asiático,
abala e põe fim ao acordo de Bretton Woods (1944-1971). Institui-se “taxas de câmbio
flutuantes”, contrapondo à produção rígida e homogeneizada em série do fordismo, ao
protecionismo, ao mesmo tempo em que recria novos antagonismos entre as classes
sociais, à medida que a burguesia se lança a um “ataque virulento”, no pós-Segunda
Guerra Mundial, ao poder sindical constituído pelos sindicatos operários combativos.24
Instaura-se a era da acumulação flexível no Ocidente.
Deste modo, o atual do estágio do capitalismo monopolista assenta-se, de
um lado, na produção “flexibilizada” com a exportação, também, de alguns setores
industriais das áreas centrais para diferentes regiões da periferia – cada fase da
produção – e não no seu conjunto. Por outro, na organização “flexibilizada” do
trabalho, isto é, uma organização ocupacional sob contratos de trabalho com
vínculos variados, desde que possibilite maior retorno ao capital pelos baixos
custos dos fatores produtivos. Esse novo padrão de acumulação arrasta e aprofunda
a fragmentação do processo produtivo e, em conseqüência, a divisão social do
trabalho para além de suas fronteiras, em pontos distantes um dos outros, mas,
ligados a um comando.
Ao mesmo tempo, esse padrão de acumulação potencializa e opera as
condições objetivas e subjetivas para a rearticulação do capital que, permeadas por
contradições, demarcam possibilidades e limites. De um lado, esse processo
implica considerável economia de trabalho vivo, favorecido pelo aumento da
produtividade do trabalho social, pela alteração na composição orgânica do capital
e pela “terceira revolução tecnológica”, ao desencadear o processo de renovação
da sua maquinaria – pela eletrônica, que traz a robótica e a automação –, próprio
do estágio do capitalismo monopolista. Melhor dizendo, o que ocorre é uma
crescente substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto no espaço da grande
indústria. Tanto mais a grande indústria se revoluciona quanto mais libera
trabalho vivo, porque nesse processo

24
O disciplinamento dos trabalhadores assalariados produtivos a sistemas de trabalho rotinizados,
alienantes e degradantes, é marcado por irrupções de protestos, na maioria das vezes, levadas a extremos.

34
a criação da riqueza efetiva [a chamada riqueza abstrata] torna-se menos
dependente do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho empregados, do
que frente aos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho (...)
depende mais do estado geral da ciência e da tecnologia, ou da aplicação
desta ciência à produção. (...) O trabalhador apresenta-se ao lado do processo
de produção em lugar de ser seu agente principal (MARX, 1972, p.272).

Com essa preocupação, reabrem o debate e repõem, na ordem do dia, alguns


pontos fulcrais da questão do trabalho abstrato na sociedade burguesa madura, ao longo
do século XX. Esse fato, ao recolocar e dar concretude à tese da centralidade da
categoria trabalho na contemporaneidade, defendida pelos autores da tradição marxista,
coloca-os em confronto com outros pesquisadores (Gorz, Bell, Habermas, Lojkine,
Kurz, dentre outros) que advogam teses como a substituição do trabalho pela ciência, ou
ainda, a substituição da produção de mercadorias pela esfera comunicacional, a
substituição da produção pela informação, ou mesmo, a substituição da produção pelo
conhecimento. Sustentados no fato da crescente economia do trabalho vivo na sociedade
burguesa madura, estes últimos autores reafirmam a tese da extinção da classe operária,
o que vai livrá-la de seu papel de revolucionária, à medida que cresce a “sociedade de
serviços”25. A afirmação de Offe evidencia, resguardadas as diferenças paradigmáticas
entre autores, que
o declínio do modelo de pesquisa social ‘centrado no trabalho’, [havendo,
portanto, a] diminuição das tentativas de compreender a realidade social
através das categorias do trabalho assalariado e da escassez dentro da tradição
do materialismo histórico, (...) um rompimento com a idéia de que a esfera do
trabalho tem um poder relativamente privilegiado para determinar a
consciência e a ação social, (...) o trabalho e a posição dos trabalhadores no
processo de produção não são tratados como o princípio básico da
organização das estruturas sociais, (...) as formas contemporâneas de
atividade social normalmente designadas como ‘trabalho’ não têm uma
racionalidade comum nem características empíricas compartilhadas, (...) há
então nitidamente necessidade de um sistema conceitual26 que ajude a

25
Um dos pesquisadores que nega a centralidade da categoria trabalho – Claus Offe – afirma que, nos
estudos sobre as sociedades ocidentais altamente industrializadas, freqüentemente elas são caracterizadas
de ‘sociedades de serviços’, em função do acelerado crescimento do ‘setor de serviços’, sem, no entanto,
apelar para o conceito de ‘sociedade pós-industrial’ (ou conforme quer Daniel Bell ‘a sociedade do
conhecimento’). Nas duas obras Capitalismo desorganizado (1989) e Problemas estruturais e perspectivas
para o futuro da sociedade do trabalho (1991), ele aborda com profundidade esta questão. Para
exemplificar, conforme nota de rodapé nº 9, da primeira obra citada acima e, no caso específico da
Alemanha, “o minicenso realizado em 1980 indicou que, aproximadamente, 27% dos trabalhadores
assalariados estão envolvidos em atividades relacionadas principalmente com a fabricação e a produção
de produtos materiais, enquanto uma esmagadora porcentagem de 73% produz serviços” (p. 179).
26
Offe sugere “uma proposta teórica, (...) que poderia satisfazer essa necessidade, elaborada por
Habermas, desenvolvida na Theorie des kemmunikativen Handelns (Teoria da ação comunicativa), (...)
por mais de duas décadas, (...) uma crítica da ‘predominância epistemológica do trabalho’ no marxismo
(...) abandona os paradigmas teóricos clássicos, retrata a estrutura e a dinâmica das sociedades modernas
não como um antagonismo enraizado na esfera da produção, mas como um choque entre os ‘subsistemas

35
planejar detalhadamente as áreas da realidade social não inteiramente
determinadas pelas esferas do trabalho e da produção” (OFFE, 1991, p. 172-
75).

Esses estudos, distanciando-se da relação antagônica entre capital e trabalho, dão


ênfase à limitação da matriz marxiana/engelsiana em dar conta de explicar “a
pluralização das formas de vida”, como família, sexo, identidade étnica, direitos
humanos, fundamentalismo, feminismo e pacifismo.
Segundo Offe (1991, p. 174),

Talvez não seja muito arriscado afirmar que a defesa rígida (tanto analítica
quanto normativo-política) dos modelos sociais centrados no trabalho e na
renda e dos critérios de racionalidade é hoje um tema preferido dos cientistas
sociais conservadores, ao passo que os cientistas sociais em débito com a
tradição do materialismo histórico ou com a teoria crítica hoje
freqüentemente rejeitam esses modelos e categorias, até mais decididamente
do que os trabalhos teóricos e empíricos que a escola de Frankfurt o fizeram.

Ao contrário dessas formulações, os autores da tradição marxista advogam que a


busca da elevação da produtividade do trabalho social pela grande indústria converte-se
em um processo cada vez mais destrutivo, à medida que a organização monopólica
engendrou outra forma de organização industrial, em concordância com Harvey (1996)
– a acumulação flexível – e, nela, a concorrência de “muitos capitais”. Nessa luta entre
os grupos de monopólios, os “muitos capitais” pactuam fusões, aquisições,
desmembramentos, falências. Essa realidade traz em seu bojo, comandados pelo grande
capital na retomada da acumulação, a produção individualizada, encomendada e
heterogênea, “a racionalização do processo produtivo, dotada de forte disciplinamento
da força de trabalho (...) pela necessidade de implantar formas de capital e de trabalho
intensivo (...) pela via toyotista” (ANTUNES, 2000, p. 55).
Explicita-se aqui o engodo do trabalho em equipe; da “desalienação”; do
desaparecimento da separação dos processos da concepção e da execução; dos
processos de “qualidade total”, uma vez que eles se convertem na sua própria negação;
o comando da produção e do processo de trabalho permanece com o grande capital e o
controle da qualidade da produção é assumido pelos próprios operários nos círculos de
qualidade, para garantir níveis sempre maiores de produtividade para a grande indústria

da ação racional intencional’. (...) Raschke caracterizou em termos de uma transição de um paradigma
político de ‘distribuição’ para outro de ‘forma de vida”. Essas convicções, segundo Offe, são encontradas
principalmente entre teóricos franceses como Foucault, Touraine e Gorz.

36
e sem aumentar o quantitativo de trabalhadores; fortalecem a tendência à taxa
decrescente do valor de uso das mercadorias, ou seja, eles participam de um processo de
trabalho para efetivar o menor tempo possível de durabilidade às mercadorias,27
inclusive a da força de trabalho, alimentando o processo de valorização do capital.
Esse padrão é “um regime de acumulação inteiramente novo, associado com um
sistema de regulamentação política e social bem distinta” (p. 140), denominado –
acumulação flexível –, pois ele “se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos
mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (HARVEY ,1996, p. 140).
No entanto, sabemos que a constituição e a viabilidade do desenvolvimento
deste outro padrão de acumulação enfrentam dois obstáculos. Primeiro, o caráter
anárquico da produção capitalista que se expressa na contradição fundamental entre
produção social e apropriação privada, e conduz, de um lado, a um antagonismo
irreconciliável entre as duas classes principais na sociedade capitalista – a burguesia e o
proletariado –, resultando, contraditoriamente, nas crises de superprodução com grande
quantidade de mercadorias “invendáveis” no mercado. De outro, a existência de uma
massa permanente de trabalhadores assalariados desempregados – exército industrial de
reserva – sem a garantia do usufruto dos meios de subsistência, cuja função é controlar,
pela própria disponibilidade, as reivindicações da classe operária, derrubando o mito do
“pleno” emprego e pondo a necessidade da intervenção do Estado frente às falhas do
mercado, pois “a mão invisível” de Smith, ou seja, as regras do “livre” mercado não
asseguram crescimento estável ao capitalismo.
Segundo, a dificuldade na formação de uma força de trabalho no sentido do seu
controle e disciplinação à realização de “um trabalho ativo voltado para outrem”, isto é,
em um processo de produção para atender aos objetivos da acumulação do capital,
entendendo que

todo tipo de trabalho exige concentração, autodisciplina, familiarização com


diferentes instrumentos de produção e o conhecimento das potencialidades de
várias matérias-primas em termos de transformação em produtos úteis.
Contudo, a produção de mercadorias em condições de trabalho assalariado
põe boa parte do conhecimento, das decisões técnicas, bem como do aparelho
disciplinar, fora do controle da pessoa que, de fato, faz o trabalho. A
familiarização dos assalariados foi um processo histórico bem prolongado (e
não particularmente feliz) que tem que de ser renovado com a incorporação
de cada nova geração de trabalhadores à força de trabalho. [Esta questão]
envolve, em primeiro lugar, alguma mistura de repressão, familiarização,
cooptação e cooperação, elementos que têm de ser organizados não somente

27
Temos como exemplo dessa tendência à depreciação em tempo cada vez menor de duração das
mercadorias a indústria de computadores e de automóveis, tornando-as, facilmente, descartáveis.

37
no lugar de trabalho como na sociedade como um todo. A socialização do
trabalhador às condições de produção capitalista envolve um controle social
bem amplo das capacidades físicas e mentais (HARVEY, 1996, p. 119).

As estratégias deflagradas no processo de rearticulação pelo grande capital para


o enfrentamento da crise de 1973 são introduzidas nos processos de produção e do
trabalho, aliadas às inovações tecnológicas, exercendo o controle sobre os
trabalhadores, para assegurar os superlucros dos monopólios capitalistas. Elas – as
inovações tecnológicas –, de modo geral, são direcionadas neste estágio do capitalismo
maduro a elevar e acelerar a produtividade do trabalho social, paradoxalmente, às custas
de economizar força de trabalho viva. Nesse sentido, as décadas de 1970 e 1980 são
marcadas por altas taxas de desemprego e de inflação na Europa ocidental e nos EUA.
De fato, essas mudanças alteram as condições e a dinâmica da produção e da
reprodução social do trabalho de trabalhadores assalariados produtivos ocupados, de
modo especial, nos chamados “setores monopolizados”, considerados estáveis, e,
também, impõem regimes de alocação e contratos de trabalhos “flexíveis” a esses
trabalhadores assalariados produtivos desocupados, isto é, quando desempregados ou
subempregados. Tudo isso faz parte de um movimento de rearticulação do grande
capital em um mercado de trabalho em reestruturação, e só possível porque ele conta
com uma população trabalhadora excedentária à sua disposição. A existência desta
superpopulação indica que uma grande massa de trabalhadores assalariados produtivos
continua a ser expulsa do processo de trabalho sob a supremacia do mercado.
O resultado é que o mercado de trabalho se estrutura nesse novo padrão de
acumulação do capital em condições de acumulação flexível, cuja organização
ocupacional dá-se, para Harvey (1996), em dois grandes grupos – o do centro e o da
periferia –, sendo que este último compõe-se de dois subgrupos diferentes.

O primeiro – o do centro – é o

grupo que diminui cada vez mais, segundo notícias de ambos os lados do
Atlântico – se compõe de empregados ‘em tempo integral, condição
permanente e posição essencial para o futuro de longo prazo da organização’.
Gozando de maior segurança no emprego, boas perspectivas de promoção e
reciclagem, e de uma pensão, um seguro e outras vantagens indiretas
relativamente generosas, esse grupo deve atender à expectativa de ser
adaptável, flexível e, se necessário, geograficamente móvel. Os custos
potenciais da dispensa temporária de empregados do grupo central em época
de dificuldade podem, no entanto, levar a empresa a subcontratar mesmo para
funções de alto nível (que vão dos projetos à propaganda e à administração

38
financeira), mantendo o grupo central de gerentes relativamente pequeno’
(In Flexible Patterns of Work - 1986).

O segundo – o da periferia – no seu subgrupo primeiro,

consiste em ‘empregados em tempo integral com habilidades facilmente


disponíveis no mercado de trabalho, como pessoal do setor financeiro,
secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho manual
menos especializado’. Com menos acesso a oportunidades de carreira, esse
grupo tende a se caracterizar por uma alta taxa de rotatividade, ‘o que torna
as reduções da força de trabalho relativamente fáceis por desgaste natural’.
(In Flexible Patterns of Work - 1986).

No seu subgrupo segundo,

‘oferece uma flexibilidade numérica ainda maior e inclui empregados em


tempo parcial, empregados casuais, pessoal com contrato por tempo
determinado, temporários, subcontratação e treinados com subsídio público,
tendo ainda menos segurança de emprego do que o primeiro grupo periférico’
(In Flexible Patterns of Work - 1986).

As evidências apontam a redução do número de trabalhadores “centrais” – para a


adesão e o crescimento exponencial de formas “flexíveis” de contrato de trabalho por
parte da grande indústria, prioritariamente, o trabalho temporário. Sob outro modo de
organização industrial, a subcontratação28 levada a efeito pela grande indústria que, sob
a “fúria do interesse privado”, subcontratam trabalhadores, diretamente, de pequenas
empresas regidas por leis do direito privado como fenômeno próprio do estágio do
capitalismo dos monopólios.29

28
Harvey assinala que “70 por cento das firmas britânicas pesquisadas pelo National Economic
Development Council [Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico] relataram um aumento da
subcontratação entre 1982 e 1985 ou do trabalho temporário – em vez do trabalho de tempo parcial”. E
“os ‘trabalhadores flexíveis’ aumentaram em 16 por cento, alcançando 8,1milhões entre 1981 e 1985,
enquanto os empregos permanentes caíram 6%, ficando em 15,6 milhões (Financial Times, 27 de
fevereiro de 1987). Mais ou menos no mesmo período, cerca de um terço dos dez milhões de novos
empregos criados nos EUA estavam na categoria ‘temporário” (New York Times, 17 de março de1988). In
Harvey, 1996, p. 144.
29
Montaño (1995), em seu estudo sobre as pequenas e micro-empresas, procura captar este fenômeno a
nível latino-americano. “Efetivamente, a [pequena e micro-empresa] (PEME) em geral, como categoria
sócio-econômica e política, e especificamente, a PEME satélite, [é] que produz mercadorias dirigidas a
satisfazer demandas de insumos de outras empresas (em geral, grandes ou médias), num contexto
geralmente permeado pelo fenômeno da “terceirização”. (...) Com ela, se “combatem” as conseqüências
negativas da concentração do capital: o desemprego, o subemprego, a queda do poder de compra; com
ela, se neutralizam os efeitos das leis e direitos trabalhistas; com ela, se heterogeiniza e divide,
efetivamente, a massa trabalhadora, pulverizando-a como sujeito político-econômico. O fomento da
PEME e, particularmente, da satélite, aparece como uma opção dos setores econômicos e politicamente
dominantes. Isto lhes garante, às PEME, longa vida” (p.4 e 253).

39
Deste modo, a grande indústria desobriga-se, dos custos de produção dentre
eles, da mercadoria força de trabalho, deixando a cargo das empresas as quais passam a
carregar esses ônus.
“Novas técnicas e novas formas organizacionais de produção [põem] em risco
os negócios de organização tradicional, espalhando uma onda de bancarrotas,
fechamento de fábrica, desindustrialização e reestruturações que ameaçaram até as
corporações mais poderosas” (HARVEY, 1996, p. 146), ao mesmo tempo, em que
libera o trabalho vivo são abertas possibilidades de “pequenos negócios”
refuncionalizados, “mas agora como peças centrais, e não apêndices do sistema
produtivos” (p. 145).
Nessa linha de análise, entendemos que a subcontratação, inserida nesse
processo, de um lado, torna-se mecanismo de precarização e de aprofundamento do
estranhamento dos trabalhadores em relação ao trabalho que realizam. Ao ancorar-se
em leis, por exemplo, como o banco de horas, institui a “flexibilização” da jornada e do
contrato de trabalho, para cortar ou encurtar os gastos com os encargos sociais e
restringir os “direitos sociais” (13º salário, férias e licenças remuneradas, seguro-
desemprego, seguro contra acidentes de trabalho, adicionais noturnos, dentre outros),
para assegurar mercados e garantir a acumulação de capital à grande indústria.
Com a expansão do trabalho “flexível”, há o aumento significativo dos
assalariados no “setor de serviços” e do trabalho feminino, que alcança mais de 40% da
força de trabalho em diversos países avançados,30 absorvido pelo capital,
preferencialmente, no universo do trabalho temporário e precarizado. Crescem os
trabalhos “voluntários” no chamado “Terceiro Setor”. Amplia-se o trabalho produtivo
doméstico. É crescente a expulsão de trabalhadores considerados “idosos” pelo capital e
de jovens do mercado de trabalho além da existência de enormes contingentes de
trabalhadores desempregados, atingindo os países do centro e da periferia ainda que de
modo diferenciado. Assim, além da mudança na estrutura ocupacional propiciada pela
subcontratação, dentre outros mecanismos, é preciso considerar a “dispersão
geográfica” da produção, com o incentivo às fusões31 e às aquisições para a periferia

30
No Reino Unido, por exemplo, desde 1998 o contingente feminino tornou-se superior ao masculino, na
composição da força de trabalho britânica. Esta expansão do trabalho feminino tem, entretanto, um
movimento inverso quando se trata da temática salarial, na qual os níveis de remuneração das mulheres
são em média inferiores àqueles recebidos pelos trabalhadores, o mesmo ocorrendo com relação aos
direitos sociais e do trabalho, que também são desiguais” (ANTUNES, 2005).
31
“Mesmo em 1988, a mania das fusões continuou. Nos Estados Unidos, negociações de fusões
equivalentes de 198 bilhões de dólares foram concretizadas nos três primeiros trimestres do ano, enquanto

40
como meio de aumentar a monopolização em áreas como aviação, energia, finanças e
outras.
Por outro lado, a acumulação flexível fortalece a quebra da organização do
trabalho, enfraquecendo os sindicatos operários por configurar, em um mesmo local de
trabalho, diferentes formas de contratação, de vínculos e de dissídios trabalhistas.
Assim, ela joga peso no maior fracionamento possível do coletivo dos trabalhadores,
condicionado e facilitado pela divisão social e técnica do trabalho, o que aprofunda mais
o fosso de se sentirem “de fora”, do não-pertencimento de classe. Distancia-os,
colocando a exploração e a alienação em patamares mais altos. Ao abrir espaço à
subcontratação, essa e outras medidas tomadas, simultaneamente, pelo grande capital no
processo constituem-se em mecanismos políticos que contribuem para amarrar e
sustentar as mudanças em curso.
Como parte dessas discussões, Harvey (1996) explicita um ponto discordante
dos demais, a nosso ver, parte do fundamento teórico-metodológico que embasa suas
análises, quando ele defende “o solapamento da organização da classe trabalhadora e a
transformação da base objetiva da luta de classes” de acordo com Harvey (1996, p.
141), como um dos impactos dessas mudanças, ao considerar a proliferação de
“pequenos negócios” ou da produção pequeno-burguesa, reiterados como atividades
funcionais ao sistema capitalista. E diz mais: “nelas, a consciência de classe já não
deriva da clara relação de classe entre capital e trabalho, passando para um terreno
muito mais confuso dos conflitos interfamiliares e das lutas pelo poder num sistema de
parentescos ou semelhantes a um clã” (HARVEY, 1996, p. 145). Postular que essa
processualidade tem como resultado tanto o deslocamento e, por extensão, a negação da
consciência e da luta de classes originadas na relação antagônica entre capital e trabalho
destitui a luta de classes e faz desaparecer o proletariado como protagonista
revolucionário da nova ordem societária e desaba todo o edifício marxiano (e
engelsiano).

na Europa a tentativa de Benedetti, da Olivetti, de assumir o Union Générale da Bélgica, um banco que
controlava cerca de um terço dos ativos produtivos do país, indicou a disseminação global da mania das
fusões. Muitos dos empregados das 500 maiores companhias norte-americanas, segundo Fortune, hoje
trabalham em linhas de atividade sem relação alguma com a linha primária de negócios com que a sua
empresa está identificada. (...) Novos sistemas de coordenação foram implantados, quer por meio de uma
complexa variedade de arranjos de subcontratação (...) quer sob domínio de poderosas organizações
financeiras ou de marketing (a Benetton, por exemplo, não produz nada diretamente (...) transmite ordens
para um amplo conjunto de produtores independentes ” (HARVEY, 1996, p. 150)

41
No debate atual, para Lessa (2007), a grande debilidade da esquerda está em ter
perdido ou não ter apreendido, histórica e ontologicamente, a particularidade
fundamental do trabalho abstrato como

uma forma de exploração do homem pelo homem (...) E o fundamento dessa


especificidade do trabalho abstrato está na forma de riqueza particular à
sociedade burguesa: o capital. Diferente das formas anteriores de riqueza
social, o capital é uma relação social que se reproduz imediatamente não pela
transformação da natureza, mas sim pela produção da mais-valia. (...) Há, em
suma, uma dupla relação entre o trabalho e o trabalho abstrato. Enquanto
particularização do trabalho, o trabalho abstrato possui identidades e
distinções para com o trabalho em sua universalidade, [enquanto]
transformação da natureza (...) o momento fundante de toda e qualquer
sociabilidade, pois é nele que se produz ‘o conteúdo material da riqueza
social, qualquer que seja a forma social desta’ (...) A identidade está no fato
de que o fundamental da transformação da natureza sob o capital se faz sob a
forma da relação assalariada, produtora de mais-valia. A distinção está em
que a produção da mais-valia pode ocorrer também em atividades
assalariadas que não operam qualquer relação direta com a natureza. (p. 339)

Então, se o trabalho abstrato é uma forma de trabalho de transformação da


Natureza particular à sociedade burguesa, ele incorpora a si uma variedade enorme de
atividades assalariadas que não operam, diretamente, com a Natureza (como os
professores, os médicos, etc.) e, por isso, não têm “a capacidade de produzir qualquer
quantum de nova riqueza material (meios de produção ou de subsistência)” (LESSA,
2007, p.315). A questão, aqui, é que a existência de novas formas de trabalho e de
contratação, de novas formas de administração e de revolucionadas formas de produção
pequeno-burguesas não implica na desaparição do antagonismo entre capital e trabalho,
uma vez que o proletariado e a burguesia constituem, ainda, as classes fundamentais no
capitalismo, não implica na dissolução das lutas de classe e nem implica, claro, no
cancelamento do trabalho como categoria fundante do ser social em geral e do trabalho
abstrato peculiar ao ser social burguês. Ao contrário, favorecem uma maior extração da
mais-valia, uma maior intensificação do trabalho, uma maior produtividade do trabalho
social, constituído pelo “pessoal combinado de trabalho ou trabalho coletivo”, e uma
maior economia de trabalho vivo.32 Esses são os verdadeiros substratos do processo de
reprodução ampliada do capital.

32
“Hoje, nos países mais desenvolvidos, menos de 20% da força de trabalho está empregada na
transformação da natureza – e ainda assim temos o fenômeno da superprodução, a única forma pela qual
o capitalismo pode tratar a abundância material. (...) esta diminuição dos postos de trabalho que realizam
o intercâmbio orgânico com a natureza não deve ser confundida com uma necessária diminuição da
potencialidade revolucionária do proletariado. O equívoco, aqui, está em imaginar que a classe
revolucionária deveria ser, se não a maior parte da população, ao menos a sua parte muito significativa.

42
Se a hipótese de Harvey (1996) é correta, ao fordismo substitui a acumulação
flexível, e esta última configura a história atual do capitalismo, pois, “ainda vivemos
uma sociedade em que a produção em função dos lucros permanece como princípio
organizador básico da vida econômica” (p. 117). E não podemos perder de vista que as
três características essenciais do modo capitalista de produção continuam “a operar
como forças plasmadoras invariantes do desenvolvimento histórico-geográfico” (p.117):
o crescimento econômico com superlucros, a economia do trabalho vivo na produção e
a inovação organizacional e tecnológica, não impedindo, por outro lado, o afloramento
das contradições e crises, e das tendências de superacumulação. A acumulação flexível
“ainda é uma forma de capitalismo” (p. 164), mesmo não descartando a existência de
uma reação anti-modernista à modernização capitalista, no dizer deste autor, de cunho
‘positivista, tecnocêntrica e racionalista’, iniciada nos anos de 1960, considerada um
movimento heterogêneo, que confronta com as metanarrativas e rejeita a idéia do
progresso, da continuidade, da história, fixando nas aparências.
Como processo imanente da lógica capitalista, esse movimento de alteração do
período de expansão do pós-Segunda Guerra Mundial – a passagem de uma “onda longa
expansionista” para outra “onda longa de estagnação” – em que as fases de recessão dos anos
de 1974/1975 e de 1980/1982, “de retomada hesitante, desigual e não-cumulativa”,
constituem-se na primeira grande crise generalizada no centro. Seus elementos particulares
são resultantes das contradições presentes desde sua origem, na década de 1970. A
superprodução, a queda da produção industrial no centro mesmo com a introdução da terceira
revolução tecnológica (máquinas semi-automáticas e automáticas) e da taxa média de lucros.
E, com a elevação da composição orgânica do capital, a alta da taxa de mais-valia relativa,
além do aumento do custo de vida, dos gastos militares, do crédito, da inflação, de proletários
mal pagos. Inseridos nesse processo de economia do trabalho vivo estão sujeitos a
engrossarem o exército industrial de reserva.
Nesse sentido, segundo Mandel (1990, p. 8)

reaparece o desemprego massivo, a ofensiva universal do capital contra a


classe operária, a miséria que se amplia no Terceiro Mundo, as ameaças

(...) Os processo revolucionários, tanto os burgueses clássicos quanto aqueles pós-1917 [e pós-1959]
demonstram como a classe que joga o papel revolucionário está longe de ser a maioria da população.
Nem a burguesia, na Revolução Francesa, era numericamente tão significativa, nem o proletariado de
Petrogado tinha tal peso demográfico. O potencial papel revolucionário de uma classe é dado pelo lugar
que ela ocupa na estrutura produtiva da sociedade, é dado pela qualidade ontológica da relação que
mantém com a totalidade social. É aqui, e não na esfera demográfica, que se fundamenta o potencial
revolucionário do proletariado para a transição para além do capital” (LESSA, 2007, p. 316).

43
crescentes que pesam sobre as liberdades democráticas e sobre a paz em
razão da própria deterioração da situação econômica do capital. Tudo isso
nos incita a repetir com força que o regime capitalista é um regime
condenado.

Longe de situá-la como “sociedade pós-industrial”, a sociedade burguesa, no


estágio do capitalismo tardio, “constitui uma industrialização generalizada universal
pela primeira vez na história” (MANDEL, 1985, p. 271), caracterizando a terceira
revolução tecnológica (automação e energia nuclear), que contempla todos os ramos da
economia plenamente industrializados. Isto possibilita “um nivelamento geral da
produtividade média do trabalho nas mais importantes esferas da produção”33 (p. 134)
no centro e baixos níveis de produtividade média do trabalho na periferia, selando a
troca desigual e, conseqüentemente, um desenvolvimento desigual e combinado que
unifica, organicamente, os países capitalistas. A produção de mercadorias é, pois,
resultado da relação específica entre homens – antagonizada e reificada pelo capital
como relação entre coisas – que põe a atual reestruturação produtiva do capital com
formas novas de dominação da produção e do trabalho. A questão não é de ordem
tecnológica.
Essa condição favorece, a partir de 1950, a redução radical dos custos salariais
diretos – isto é, a redução do trabalho vivo no processo de produção pelo trabalho
morto, com a introdução e difusão da tecnologia de ponta, no centro. Ao estancar a
produção de mais-valia absoluta ou relativa na grande indústria, explicita-se a
tendência, de apropriar-se do lucro total naqueles ramos da indústria com pouca ou
nenhuma automação. E, a estes ramos são exigidas racionalização e intensificação da
produção, ocorrendo, por exemplo, o tensionamento de contradições, pois entram em
conflito o desenvolvimento das forças produtivas e as relações capitalistas de produção.
A saber, o próprio capital cria “uma resistência crescente à automação, [quando faz]
“uso de trabalho barato nos ramos semi-automatizados da indústria (tais como o
trabalho de mulheres e de menores nas indústrias têxtil, de alimentos e de bebidas)”
(MANDEL, 1985, p. 145), deslocando os investimentos apenas para as áreas
automatizadas.

33
“De fato, em alguns ramos produtores de bens agrícolas ou matérias-primas (por exemplo, nas
refinarias de petróleo e na indústria de fibras sintéticas) e em alguns ramos onde se fabricam bens de
consumo (por exemplo, nas indústrias alimentícias plenamente automatizadas), nos últimos 25 anos a
produtividade do trabalho registrou um aumento médio maior do que nos ramos produtores de capital
fixo” (MANDEL, 1985, p. 134)

44
Na verdade, essa incompatibilidade é gerada e não pode haver a automatização
total da produção material, pois essa ampliação levaria o modo de produção capitalista
ao colapso, uma vez que a maquinaria só transfere valor à mercadoria, não produz valor
e, ao contrário, contribui na queda da taxa de mais-valia e na de lucros. Somente o
trabalho vivo cria mais-valia e valoriza o capital. Daí, o caráter duplo da automação, de
um lado, “ela representa o desenvolvimento aperfeiçoado das forças materiais de
produção, que poderiam, em si mesmas, libertar a humanidade da obrigação de realizar
um trabalho mecânico, repetitivo, enfadonho, alienante” (MANDEL, 1985, p. 152) e, de
outro, a automação “representa uma nova ameaça para o emprego e o rendimento, uma
nova intensificação da ansiedade, da insegurança, o retorno crônico do desemprego em
massa, as perdas periódicas no consumo e na renda, o empobrecimento moral e
intelectual” (MANDEL, 1985, p. 152).
Com efeito, essas contradições criam as possibilidades de crises e cada vez mais
abrangentes e mais profundas, afirmam os autores da tradição marxista (MANDEL,
1985; HOBSBAWM,1995; ANTUNES,1995; MÉSZÁROS, 2002; 2006 e HARVEY,
1996). Esta crise do pós-guerra desencadeia-se nos EUA, chega à Alemanha ocidental, à
Grã-Bretanha, ao Japão e à Itália e, no final dos anos de 1970 à década de 1980,
estende-se à França e ao Canadá. Inicia-se nos ramos automobilístico e da construção
civil, espraia-se para os da siderurgia e petroquímica. Porém, mesmo em crise, alguns
países imperialistas, por exemplo – Japão e Alemanha ocidental – aumentaram suas
exportações mundiais, acentuando o declínio norte-americano. E o Terceiro Mundo é
atingido, de modo mais duro, pela recessão na década de 1980.34 A queda na produção
industrial, que alcançou a América Latina (o Brasil, o Chile e a Argentina, exceto o
México), a Índia e a África Negra não-exportadora de petróleo, elevou a taxa de
desemprego na região.

34
Os países “semicoloniais” e “semi-industrializados”, “(...) de fim de fevereiro de 1981 ao fim de
fevereiro de 1982, o preço médio das matérias-primas, expresso em dólares, caiu em 15,5%, o das
matérias-primas alimentares em 17,1%, o das matérias-primas industriais em 11,7%, o das fibras em
16,9% e o dos metais em 3,9%. O movimento teve conseqüências graves para o açúcar (queda de mais de
50%), a borracha, o cobre” (MANDEL, 1990, p. 181).

45
Nessa quadra histórica,35 a peculiaridade do aumento exponencial do
desemprego – “é o limite de 30 milhões de desempregados que está a ponto de ser
ultrapassado” (MANDEL, 1990, p. 188) –, no centro do “mundo capitalista”, ancora-se
na estagnação do crescimento econômico, calcado no fenômeno da elevação da
composição orgânica do capital e da produtividade média do trabalho, para assegurar os
superlucros dos monopólios, com a introdução da eletrônica. Esse processo sustenta-se
na economia de trabalho vivo na indústria e na agricultura industrializada, reproduzindo
os “desempregados permanentes”.
Esta situação provoca a impulsão de uma divisão cada vez maior do trabalho, a
ampliação das funções intermediárias – no comércio, transportes e serviços em geral –,
em face da tendência crescente à centralização do grande capital e, para alguns países
imperialistas, à superprodução (MANDEL, 1985).
A agricultura capitalista, por exemplo, por vivenciar

um processo análogo ao da produção industrial, onde o esforço constante de


reduzir os custos de produção sob a pressão da concorrência se manifesta na
dispensa do trabalho vivo e em sua substituição por máquinas. (...) O capital
não consegue sobreviver à saturação de bens materiais mais do que consegue
à eliminação da força de trabalho viva da produção material (MANDEL,
1985, p. 267 e 285).

Nesse processo, atividades agrícolas que eram autônomas ou mesmo atividades


antes unificadas separam-se e tornam-se “indústrias puras”,36 podendo acrescer o seu

35
Tabela 2 –
Número de desempregados em 1982
(em milhões )
_____________________________
Estados Unidos 11,0
Grã-Bretanha 3,2
Itália 2,2
RFA 2,0
França 2,1
Espanha 2,0
Canadá 1,2
Benelux 1,2
Austrália e Nova Zelândia 1,0
______________________________
Fonte: Dados oficiais. In MANDEL, 1990, p. 188.
36
“Os computadores e as máquinas de calcular eletrônicas substituem enorme quantidade de auxiliares de
escrita, escriturários e contadores de bancos e companhias de seguro. As lojas onde as pessoas mesmas se
servem e as máquinas automáticas que fornecem chá, café, balas etc., tomam o lugar de vendedores e
balconistas. O médico profissional liberal é substituído por uma policlínica com especialistas afiliados ou
por médicos empregados pelas grandes companhias; o advogado independente dá lugar ao grande
escritório de advocacia ou aos conselheiros legais de bancos, empresas e administração pública. (...) O
alfaiate particular é substituído pela indústria de roupa feita; o sapateiro, pela divisão deconsertos das
grandes lojas de departamento, das fábricas e lojas de calçados; o cozinheiro, pela produção em massa de

46
valor em até 50%, instituindo nessa área a produção em larga escala com a introdução
da automação, para barateamento das mercadorias. Essa tecnologia de ponta expande
para as funções intermediárias e para os serviços, nas sociedades do centro. Nestes
termos, os serviços só recentemente, segundo Mandel (1985) são convertidos em
serviços capitalistas e, embora eles passem a ser desempenhados por trabalhadores
assalariados, estes últimos não criam mais-valia, com exceção dos que trabalham nos
transportes, que aumentam o valor de troca das mercadorias. As funções intermediárias
são, portanto, necessárias para assegurar as condições gerais da produção capitalista,
tendo em vista as dificuldades de realização da mais-valia.
Nessa sua dinâmica, o grande capital modifica a lei da troca desigual no
capitalismo monopolista, tomando nova determinação no processo de produção com a
exportação de capital excedente – “a equalização para baixo da taxa diferencial de
exploração,” – ou seja, a diminuição da taxa diferencial da exploração do trabalho,
expressando diferentes taxas de exploração e de lucros. Os exemplos do que ocorre nas
Filipinas37 e no Haiti dado por Mészáros (2002) caracterizam a tendência à equalização
para baixo da taxa diferencial de exploração ou à taxa de utilização decrescente do valor
de uso das mercadorias na periferia e com vistas a se espraiar no centro. A redução
salarial e a intensificação do trabalho, que põe a sua precarização e o desemprego,
ativam a taxa de lucro dos monopólios de forma crescente e agravam as condições
materiais de vida dos trabalhadores assalariados produtivos ocupados e, também, a dos
desocupados. Na verdade, os filipinos, no exemplo dado acima, recebem os mais baixos
salários como em outros países da periferia, por ter o seu poder de compra diminuído
enquanto que, nos países do centro a população tem garantido maior acesso aos bens,
dentre eles, os veículos da Ford.

refeições pré-cozidas, consumidas em restaurantes com auto-serviço ou pelo setor industrial


especializado; a empregada doméstica ou arrumadeira, pela mecanização de suas funções sob a forma de
aspirador de pó, máquina de lavar roupa, de lavar pratos etc.” (MANDEL, 1985, p. 270).
37
“Quando a Ford das Filipinas paga 30 centavos por hora à força de trabalho local, conseguindo, desta
forma, um retorno de 121,3 por cento sobre o capital próprio, em contraste com uma média mundial de
11,8 por cento (valor que inclui, evidentemente, os lucros imensos de fábricas no Terceiro Mundo), é
óbvio que isto ajudou a Ford Corporation a pagar o salário de 7,50 dólares no mesmo ano (1971) pelo
mesmo tipo de trabalho à sua força de trabalho de Detroit, ou seja, 25 vezes mais que o salário das
Filipinas. Entretanto, imaginar que essas práticas possam continuar para sempre vai contra todas as
evidências, como demonstram claramente os graves problemas das montadoras americanas em anos
recentes – resultando em enormes prejuízos e nas enormes quantidades de mão-de-obra excedente, já nos
próprios Estados Unidos” (MÉSZÁROS, 2002, p. 340). “No Haiti, a renda média está na casa incrível de
US$ 70 por ano (valor de 1994); nos Estados Unidos, os operários da indústria automobilística recebem,
incluídos os benefícios, cerca de US$50 por hora” (MÉSZÁROS, 2002, p. 319).

47
Nessas condições, uma proposta no sentido de retornar o “protecionismo regional”
não dá mais conta do enfrentamento dessas contradições destruidoras dadas à atual
performance do “mundo capitalista” e todas as articulações entre o centro e a periferia,
mundialmente, tecidas. Por outro lado, o antagonismo entre capital transnacional e os
Estados nacionais tende a ativar mais os limites do grande capital (MANDEL, 1985;
MÉSZÁROS, 2002). Funcional à reprodução ampliada do capital, a evidência do
desemprego crônico nas sociedades do centro como uma tendência socioeconômica é razão
para Mészáros colocá-lo como um elemento definidor do agravamento da crise estrutural no
capitalismo hoje, e não devido ao desenvolvimento tecnológico ou a “causas naturais”,38
pois, estes dois últimos eximem a sociedade produtora de mercadorias historicamente
constituída de toda e qualquer determinação deste fenômeno. É, pois, uma condição
diferenciada dos processos sociais de décadas anteriores, à medida que o fenômeno do
desemprego nestas sociedades do centro não passava da existência de “bolsões de
subdesenvolvimento” formados por uma grande massa da população e, como tais,
ignorados. Se, porém, associados à “miséria”, a “caridade social”.
O reconhecimento de que o desemprego crônico é determinado, dentre outros
fatores, pelo processo de “modernização capitalista” aliado à utilização, é claro, da
automação de última geração, é entender que esse processo reafirma a subordinação do
trabalho e da maquinaria ao grande capital, quando substitui e desloca grande
quantidade de trabalhadores assalariados produtivos não-qualificados por menos
trabalhadores assalariados produtivos qualificados. Com isso, irrompe a “explosão
populacional” ou “excesso de população” ou “população excedentária”. E mais: há vinte
e cinco anos Mészáros (2002) vem denunciando que

o problema não é apenas o sofrimento dos trabalhadores sem qualificação,


mas também o de um grande número de trabalhadores qualificados que,
junto com o exército de desempregados, disputam o número
desesperadamente pequeno de empregos disponíveis. Da mesma forma, a

38
Em sua interlocução com Malthus, o defensor da abjeta “teoria da população”, Mészáros (2002) traz o
que o referido reverendo resume os aspectos fundamentais de sua própria análise: “Que a causa principal
e permanente da pobreza tem pouca ou nenhuma relação com as formas de governo ou com a divisão
desigual da propriedade; e que, assim como os ricos não tem na realidade o poder de encontrar emprego e
subsistência para os pobres, os pobres, dada a natureza das coisas, não têm o direito de exigi-los; são
verdades importantes que fluem do princípio da população, que, quando adequadamente explicado, não
estaria acima da compreensão mais comum. E é evidente que todo homem das classes inferiores da
sociedade que tivesse conhecimento dessas verdades estaria disposto a aceitar com mais paciência a
infelicidade que lhe coubesse; teria menos razões de insatisfação e irritação com os governos e com as
classes mais altas da sociedade por causa de sua pobreza; estaria, em qualquer ocasião, menos disposto às
insubordinação e à turbulência; e se recebesse ajuda de alguma instituição pública ou das mãos da
caridade privada, ele a receberia com mais gratidão, e saberia lhe dar o justo valor” (p. 312).

48
tendência da amputação “racionalizadora” já não se limita aos “ramos
periféricos de uma indústria envelhecida”, mas inclui alguns dos setores mais
desenvolvidos e modernos da produção – da construção naval e aeronáutica à
eletrônica, e da engenharia à tecnologia espacial –. (...) E o mais importante
de tudo, a ação humana que se encontra no lado dos que sofrem as
conseqüências já não é constituída pela multidão socialmente impotente,
apática e fragmentada de pessoas “desprivilegiadas”, mas por todas as
categorias de trabalhadores, qualificados ou sem qualificações: ou seja,
objetivamente o total da força de trabalho da sociedade (p. 1005).

Cai o mito do “mundo paradisíaco”.


A questão agora é então intensificar a taxa de exploração do trabalho,
encurtando mais e mais, e mundialmente, o tempo de trabalho necessário – aquela parte
da jornada de trabalho que constitui os meios de subsistência dos trabalhadores
assalariados produtivos – por meio da alteração da composição orgânica do capital com
a priorização da exploração da mais-valia relativa. Essa condição só é possível pelo
avanço progressivo da acumulação capitalista no sentido da formação do capital global
ou total, condicionando o decréscimo ou a redução do trabalho vivo à diminuição dos
custos da produção e, por sua vez, a garantia dos superlucros dos monopólios.
Uma das tendências apontadas por Mészáros (2002), em face da intensa
confrontação entre capital e trabalho, é o movimento do capitalismo mundial caminhar
em direção a um colapso. Isto porque as circunstâncias sócio-econômicas e ídeo-
políticas atuais com o alto grau de desenvolvimento das forças produtivas, relação
capital transnacional e Estados nacionais, o desemprego crônico e as tensões criadas no
centro não mais permitem, a exportação de suas contradições para outros países não-
hegemônicos e à periferia.
Assim, ao derruir esse “tradicional caixa-dois”, isto é, as fontes propícias – de
onde vierem – à reprodução ampliada do grande capital, essas contradições “têm de ser
combatidas no lugar onde realmente são geradas. (...) não tem alternativa a não ser
deixar que sua própria força de trabalho local sofra as graves conseqüências da
deterioração da taxa de lucro” (MÉSZÁROS, 2002, p. 1006).
Nesse contrapondo, constata-se uma organização do trabalho ainda com clara
estrutura de dominação, presente no capitalismo monopolista, reforçando a
centralização e concentração do capital; a ‘revolução tecnológica’, mais uma vez, não só
intensificou o processo de alienação como elevou a um alto grau de complexidade a
divisão social e técnica do trabalho, incentivando mais a concorrência. E “uma vez
[mais consuma-se] a separação entre o trabalhador e os instrumentos de trabalho, esse
estado de coisas se manterá e se reproduzirá em escala crescente, até que uma nova e

49
radical revolução do sistema de produção a deite por terra e restaure a primitiva unidade
sob uma forma histórica nova” (Marx, 1986, p. 160).
Compartilhamos com Mészáros, crítico dos apologistas da ordem estabelecida
que pregam o consenso de que “não há alternativa” ou a promessa de instalar o
socialismo “aos pouquinhos”, quando ele chama a atenção para o fato de que se o
capital e o capitalismo não são sinônimos, ao contrário, são fenômenos históricos
diferentes, “somente uma alternativa socialista radical ao modo estabelecido de controle
.+da reprodução do metabolismo social pode oferecer uma saída da crise estrutural do
capital” (2003, p. 108). Por quê? Mesmo com todas as derrotas da classe trabalhadora e
das forças políticas progressistas e populares até agora, a necessidade de uma transição
para outra ordem societária está posta. As experiências “pós-capitalistas” – na União
Soviética, demais países do Leste Europeu e Cuba – demonstraram e vem demonstrando
que não basta apenas à busca da superação do capital, pois, é necessário ir além do
capital. Essa ultrapassagem – a da organização sociometabólica do capital – proposta
por Mészáros e constituída no seu núcleo pelo tripé “capital, trabalho e Estado”,
extrapola as concepções apologéticas e traz, por exigência, a extinção dessas três
dimensões, próprias e materialmente, geradas no processo histórico da sociedade
produtora de mercadorias, uma vez que é impossível emancipar o trabalho sem,
concomitantemente, destruir o Estado e a ordem burguesa. A superação deste estado
atual de coisas “só pode ser resolvida por um movimento extraparlamentar radical de
massas” (MÉSZÁROS, 2002, p. 38).
Na periferia, em particular, no Brasil, é na virada dos anos oitenta para os anos
noventa, sob o forte impacto da primeira grande crise do pós-Segunda Guerra Mundial
– iniciada em 1973 –, que mudanças “neoliberais” começam a ocorrer aqui, e traz, com
elas, o crescimento da economia do trabalho vivo, marcas já sinalizadas desde décadas
anteriores. E respostas são buscadas na periferia como alternativas do capital para a sua
crise. A esta questão dedicaremos o próximo capítulo.

50
CAPÍTULO II

A expansão do capitalismo monopolista39 no Brasil, na relação centro e


periferia

Produção de mais-valia ou geração de excedente é a lei absoluta desse


modo de produção.
Marx

A sociedade do capital, enquanto sociedade produtora de mercadorias como


valor de uso, valor de troca e valor, mas também como mais-valia, hegemoniza entre os
homens as relações sociais capitalistas, para imperar soberana. Chegar a essa
constituição e, ainda, poder reproduzir-se, mundialmente, implicou a gestação de um
modo de produção particular – o capitalista –, o qual lhe dá a própria existência, isto é,
aquele que, historicamente, determina esse ser social burguês e as leis gerais e
específicas que regem a sua dinâmica.

Se a lei geral da acumulação capitalista é a produção da mais-valia (ou geração


de excedente), por sua vez, a produção da mais-valia implica a produção da acumulação
capitalista. Assim é que a soma-dinheiro ao ser transformada em capital concentra-se
nas mãos de “muitos capitais e “o crescimento do capital exerce (...) influência (...)
sobre o destino da classe trabalhadora” (MARX, 1985b, p. 187). Esse resultado,

39
Pesquisadores da tradição marxista empregaram várias denominações para identificar este estágio do
capitalismo: capitalismo tardio (MANDEL, 1985), capital financeiro (HILFERDING, 1985), capitalismo
dos monopólios (PRADO JR., 1984), capitalismo do pós-guerra (HARVEY, 2003). Esta exposição
apropria-se da denominação capitalismo monopolista, cunhada por Lênin (1979), que assim o identifica:
“a quintessência econômica do imperialismo é o capitalismo monopolista” (p.114), na sua obra O
imperialismo: a etapa superior do capitalismo.

51
segundo os pressupostos marxianos (e engelsianos), provém da análise feita com base
no capitalismo originário - ou seja, na sua forma clássica, a inglesa.
Analisar a produção da acumulação capitalista e, nela, a economia do trabalho
vivo como uma questão histórica deve ser apanhada na perspectiva da totalidade nas
suas dimensões econômica, política, social e cultural. A apreensão dessa dinâmica – a
da sociedade burguesa – deve ser buscada na crítica da economia política, pois,

na produção social da própria vida, os homens contraem relações


determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de
produção estas que correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas
relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real
sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual
correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de
produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social,
político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser,
mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência ((MARX,
1982, p. 25).

Na verdade, a consciência é um produto histórico-social, à medida que os


homens, em suas relações sociais (com a Natureza e entre si), determinadas pelas forças
de produção existentes, têm por base o movimento do real, isto é, o “material transposto
e traduzido na cabeça do homem” ( MARX, 1985 a, p. 26).
Nessa direção, entender e explicar a economia de trabalho vivo∗ pressupõe
descortinar a expansão do capitalismo monopolista na sociedade brasileira, o que se
torna imperativo, de início, apanhar o movimento do real que engendrou e engendra ao
mesmo tempo a constituição do modo de produção capitalista na sua “forma clássica” e
a sociedade burguesa que a contém.

2.1 Acumulação capitalista nos países do centro, a lógica destrutiva

A história do antagonismo burguesia e proletariado40 começa na Inglaterra.


Berço da Revolução Industrial dos meados do século XIX, ela é gerada pelo
tensionamento entre forças produtivas e relações de produção colocadas desde os seus


Quer dizer: a redução da força de trabalho viva.
40
Esclarecemos o uso, na presente tese, como sinônimos: proletários, operários, classe operária,
trabalhadores assalariados produtivos, classe trabalhadora e classe-que-só-vive-do-trabalho, sendo este
último da lavra de Engels.

52
primórdios, e, nesse mundo em transformação, açambarcado pela grande burguesia,
emerge, desenvolve-se e consolida-se o capitalismo.41 Determinado e constituído,
ontologicamente, o capitalismo como processo de produção imbricado ao processo de
sua reprodução, toma no estágio monopolista – base da análise desta exposição –
formas particulares. É, pois, uma época histórica em que, de fato, a tirania do grande
capital vai desenvolver seus traços peculiares.
A ascensão desse outro padrão de acumulação na Inglaterra – do capitalismo
monopolista, sucessor do concorrencial – e, mais tardiamente, em outras sociedades do
centro (Bélgica, Alemanha, Estados Unidos, Japão, Itália, França, Suécia etc.) é a
resposta do grande capital à primeira Grande Depressão do capitalismo, que se origina
no último quartel do século XIX, mais precisamente em 1873, estendendo-se nas
décadas de 1880 e 1890 (MANDEL, 1985).
Esta Grande Depressão, a primeira grande crise do capitalismo (MANDEL,
1985; HOBSBAWM, 1995) marca-se, na sua origem, por um período de expansão
da produção com diminuição do desemprego e crescimento de salários, sendo que
estes últimos são frutos, dentre outros fatores, do avanço da organização operária em
sindicatos nacionais. Essas condições vão resultar no aumento dos custos de
produção e da taxa de juros, quando caem os investimentos, forçando a grande
indústria a racionalizar a sua produção. Ela redireciona esses investimentos mais em
capital constante (tecnologia nova, instalações, equipamentos etc.) do que em
operários, gerando a recessão e, com ela, a destruição das indústrias mais fracas e a
queda do poder aquisitivo da maioria população. Nesse processo, se a produção e os
lucros mantêm-se mesmo com o declínio da massa global de salários pagos, os
capitais disponíveis não podem ser investidos no mercado europeu, a menos que
novo aumento da produção redunde em outra queda de preços. Eles teriam de ser
aplicados fora da Europa, por meio de empréstimos com juros elevados ou na
construção de ferrovias. Deste modo, a característica do capitalismo da fase
monopolista é o imperialismo, cuja expressão mais visível – a expansão pela
reincorporação da periferia aos ditames do grande capital – ocorre com o
fortalecimento da grande indústria pela centralização e concentração do capital,

41
Mandel, autor da tradição marxista, da Bélgica, em sua magistral obra Capitalismo tardio (1985),
trabalha com a seguinte periodização das fases do capitalismo: 1ª fase – no fim do século XVIII, com a
Revolução Industrial, o capitalismo concorrencial. 2ª fase – entre 1848 e 1873, a 1ª Revolução
Tecnológica (fase imperialista). 3ª fase – entre 1940/1945 – Terceira Revolução Tecnológica (fase atual
do capitalismo tardio)

53
desdobrando-se na exportação de capitais e no processo de colonização da América,
da África e da Ásia.
O processo histórico na Inglaterra exige então, para chegar a esse ponto – o da
acumulação capitalista – qualitativamente superior ao da acumulação primitiva do
capital, o seu ponto de partida, o estabelecimento de condições objetivas determinantes
para a efetivação da ordem burguesa madura, instalada pela Revolução Industrial e
consubstanciada em uma definida formação social42 e em um modo de produção
particular. Dentre essas condições, podemos incluir, de um lado, a necessidade das
forças produtivas materiais,43 naquela realidade, alcançarem certo grau de
desenvolvimento como, por exemplo, que a terra e o meio de trabalho – ambos
usurpados pela violência – separassem os “produtores diretos” das condições da
realização do trabalho bem como dos meios sociais de subsistência e de produção, os
quais são transformados em capital e, de outro, a explicitação dessas condições pela
“ausência de posse de toda a propriedade por parte dos trabalhadores, enquanto toda a
riqueza se concentra mais e mais nas mãos dos que não trabalham” (ENGELS, 1961, p.
282). Outras divisões sucedem-se: da agricultura e do artesanato, da cidade e do campo,
da indústria e do comércio e se espraiam para a sociedade, “lançando por toda a parte a
base para aquele avanço da especialização, de especialidades e um parcelamento do
homem” (Marx, 1985b, 134 e 279).
A natureza de sociedade, fundada no antagonismo, portanto, como conseqüência
histórica da luta de classes implica a necessidade de criar uma instituição que “não só
perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, mas também o direito de a
classe possuidora explorar a não-possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda. E
essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado” (ENGELS, 1980, p. 120), entendido não
42
Por formação social entende-se a totalidade histórico-social constituída por um modo de produção e
pela sua superestrutura político-filosófica, ideológica etc. Nesse sentido, ela compõe-se de forças
produtivas, de relações sociais, do Estado e de consciência social (crenças, valores etc.), pois “os mesmos
homens que estabelecem as relações sociais de acordo com a sua produtividade material, produzem,
também os princípios, as idéias, as categorias, de acordo com as suas relações sociais. Assim, essas
idéias, essas categorias são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem. Elas são produtos
históricos e transitórios” (MARX, 1985, p. 106; grifos do autor).
43
Na perspectiva marxiana, as forças produtivas materiais constituem-se nas matérias-primas, na
maquinaria, nos instrumentos, em instalações, edifícios e outras infra-estruturas para a produção, no modo
de cooperação, na força de trabalho, nos transportes (ferrovias, estradas etc.), nos meios de comunicação.
O desenvolvimento dessas forças produtivas materiais condiciona, nos processos históricos, as relações
sociais (do homem com ele próprio, deles entre si e com a Natureza) e o capital, as condições de
existência material e espiritual (forma da consciência, religião, filosofia, política etc.). A sociedade
burguesa é, então, a organização mais desenvolvida, constituindo-se em uma totalidade histórica e
concreta, “um complexo de totalidades ou de totalidades parciais que a constituem” e não “um todo
formado por partes integradas” e, esta é, no dizer de Lukács (1974, p. 41), a “diferença decisiva entre
marxismo e a ciência burguesa”.

54
como um “ente natural” nem como um poder imposto à sociedade de cima para baixo,
mas historicamente construído pelos próprios homens. De forma distinta, erige-se uma
sociedade que, organizada em Estado – o Estado moderno – com o estabelecimento do
espaço público e privado e seu divórcio com a sociedade civil, inaugura,
contraditoriamente, a época da civilização e outra maneira de sujeição do homem pelo
homem. “E o moderno Estado representativo é o instrumento de que se serve o capital
para explorar o trabalho assalariado”, afirma Engels (1980, p. 193).
Assim, a relação orgânica entre o homem e a Natureza – análoga à do caracol e
sua concha – que se constitui imprescindível à produção dos meios de existência do
homem, de sua vida material, porque o trabalho existe “na sua forma em que pertence
exclusivamente ao homem” (MARX, 1985a, p. 149) desfaz-se. Essa relação orgânica
separa-se e o processo simples de trabalho já não basta para o processo de produção
capitalista. A existência de proprietários e não-proprietários transforma as relações entre
os homens em “relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre coisas, (...)
[e] não como relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos”
(MARX, 1985a, p. 71). Lukács (1974) chama esse processo de “fenômeno de
reificação”,∗ questão fundamental da problemática da alienação e da fetichização,
afirmando que

a essência da estrutura mercantil, que assenta no fato de uma ligação, uma


relação entre pessoas, tomar o caráter de uma coisa, e ser, por isso, de uma
“objetividade ilusória” que, pelo seu sistema de leis próprio, aparentemente
rigoroso, inteiramente fechado e racional, dissimula todo e qualquer traço da
sua essência fundamental: a relação entre homens (LUKÁCS, 1974, p. 97-
98).

Esse processo deixa então para trás as relações de trabalho que produzem
produtos como valores de uso, isto é, objetos úteis ao homem, porque determinados,
unicamente, por suas propriedades materiais e para satisfazer necessidades humanas, e
que efetivam a apropriação social desses produtos como expressão original e espontânea
da propriedade comum, para a reprodução da existência humana na sua dimensão
concreta de relações entre pessoas e a Natureza, de produção direta. Por tratar-se da
produção de mercadorias para ser vendida a um valor sempre maior que os custos da
produção, dos meios de produção e da força de trabalho como exigência da
concorrência, “produz-se aqui valores de uso somente porque e na medida em que sejam


Reificação, do latim res, coisa.

55
substrato material, portadores do valor de troca” (MARX, 1985a, p. 155). E deve-se
considerar esse processo de produção de mercadorias ao mesmo tempo como processo
de trabalho e como processo de valorização, para o entendimento de que esse processo
de produção de mercadorias, mesmo com a máquina automática livrando-se da força de
trabalho humana como força motriz e sustentando-se “sobre seus próprios pés”, não
pode prescindir-se dela por dois motivos básicos.
Primeiro, porque, “como qualquer outro componente do capital constante,44 a
maquinaria não cria valor, mas transfere seu próprio valor ao produto para cuja feitura
ela serve” (MARX, 1985a, p.18), encarecendo-o na mesma proporção do seu valor. A
transferência de valor da maquinaria ao produto, na análise desse mesmo autor, é
idêntica à média de seu uso e de seu desgaste, e potencializa a substituição de
trabalhadores assalariados por ela.
Segundo, porque só a força de trabalho é capaz de criar valor e valor maior do
que ela própria. Em outras palavras, os produtos como resultado de trabalho passado são
“fatores objetivos do trabalho vivo”, o qual se apropria, por exemplo, do ferro, do
algodão, do couro “como seus corpos” para transformá-los em valores de uso - fio,
botas, agulha, prego etc. Significa que o trabalho vivo é o único que agrega valor às
mercadorias, pois conserva e carrega valor antigo ao criar valores de uso novos (por
exemplo, a seda transformada em vestido), ou, ainda, as mercadorias podem ser
reinseridas como meios de produção em novos processos de trabalho. Deve-se lembrar
que são valores de uso que conduzem valores de troca: são mercadorias produzidas,
exclusivamente, para a venda e demarcam uma configuração diferenciada da época da
manufatura capitalista.
O grande capital só passa então a controlar o modo de produção propriamente
dito e busca tornar-se “um poder histórico mundial”, quando cria a grande indústria e
faz mover a sua maquinaria, estando os operários já expropriados das condições
objetivas de realização do seu trabalho e da construção de sua própria existência,
emergindo e disseminando as relações de produção especificamente capitalistas. Seu
ponto de partida – a infância da grande indústria – inscreve-se na combinação de
muitos trabalhadores parciais, pela decomposição de trabalhos divididos em operações

44
“A parte do capital, portanto que se converte em meios de produção, isto é, em matéria-prima, matérias
auxiliares e meios de trabalho, não altera sua grandeza de valor no processo de produção. Eu a chamo, por
isso, parte constante do capital, ou mais concisamente: capital constante. A parte do capital convertida em
força de trabalho em contraposição muda seu valor no processo de produção. Ela reproduz seu próprio
equivalente e, além disso, produz um excedente, uma mais-valia” (MARX, 1985b, p. 85; grifos nossos).

56
também separadas e na submissão de todas as suas partes à operação da máquina-
ferramenta, cujo funcionamento só pode ser desempenhado pelos trabalhadores
coletivos ou socializados e, simultaneamente, relacionado a um prolongamento
exacerbado da jornada de trabalho e à requisição da força de trabalho de mulheres e
crianças. Não há mais necessidade da força muscular, o que faz aumentar a exploração
da mais-valia absoluta.
O resultado desse processo é a “criação de uma força produtiva que tem de ser,
em si e para si, uma força de massa” (MARX, 1985a, p. 260), gerando uma “força global e
concentrada” provocadora da elevação da capacidade e do rendimento individual dos
operários que, além da apropriação de forças excepcionais da Natureza e da ciência, sem
custo algum para o capital, contribuem para diminuir os gastos com os meios de produção.
Põe-se aqui a gênese da economia do trabalho vivo, façanha completada somente com a
introdução da máquina a vapor de 1784 – aquela que, de fato, se liberta dos “limites” da
força humana. Reconhecida como máquina automática, ela tem a capacidade não só de
mover, mas de produzir outras máquinas de trabalho. Este acontecimento forja a
transformação do processo de subsunção formal do trabalho em processo de subsunção real
do trabalho ao capital45 na metade do século XIX. Trata-se, agora, antes de tudo, da mais-
valia relativa e da autonomia dessa maquinaria. Essas qualidades diferenciam-na de toda a
maquinaria existente anterior ao modo de produção capitalista, que condicionam, enquanto
fenômeno histórico-ontológico, os operários a produzirem um mundo material que a eles se
opõe. Nestes termos, esses operários, ao relacionarem entre si e com a Natureza como
coisas e ao não se reconhecerem nos objetos que produzem, têm a sua atividade vital
reduzida a trabalho abstrato, trabalho alienado. Essas reduções longe de transformarem-se
em elementos de emancipação humana, transmutam o trabalho em mercadoria, apenas
como meio de vida.
A exploração da mais-valia pelo grande capital realiza-se quando ele se apodera
dos processos de produção e do trabalho, para os operários produzirem mercadorias só
para a troca e venda, extraindo, dali, trabalho não-pago,∗ de graça, uma parte maior da
sua jornada de trabalho em relação ao trabalho socialmente necessário à existência
material e espiritual dos operários, e tomando-o para si, a fim de autovalorizar-se.
45
Agora o capital explora o trabalho alheio – do operário – na sua forma de mais-valia relativa com o
aperfeiçoamento da grande indústria, na Inglaterra; a isso somam-se, pois, a finalidade da maquinaria de
“baratear mercadorias e [de] encurtar a parte da jornada de trabalho que o trabalhador precisa para si
mesmo, a fim de encompridar a outra parte da sua jornada que ele dá de graça para o capitalista. Ela é
meio de produção da mais-valia” (MARX, 1985b, p. 7).

o mesmo que trabalho excedente ou mais-trabalho ou mais-valor.

57
Assim, o grande capital só se valoriza ao criar mais-valia, isto é, liberta-se da força
humana como meio de fazer o operário, gratuitamente, “trabalhar para o capital,” e
constitui-se em lucro para os capitalistas. “Como”, diz Marx (1978), “o fim imediato e
[o] produto por excelência da produção capitalista é a mais-valia,46 (...) e só é
trabalhador produtivo aquele (...) que diretamente produza mais-valia, portanto, só o
trabalho que seja consumido diretamente [o trabalho vivo] no processo de produção
com vistas à valorização do capital” (p. 70; grifos do autor).

Na sociedade do capital, a força de trabalho, “a mais miserável das


mercadorias,” tem constituído o seu valor pelo tempo de trabalho socialmente
necessário para sua produção. A exploração do trabalhador assalariado na sociedade
capitalista torna-se oculta, mistificadora. Nessa perspectiva, a produção de mercadorias
para troca apenas na sociedade burguesa converte-se em relação dominante entre os
homens. Esse processo gesta, de um lado, o nascimento da burguesia, instaurando o seu
domínio e, de outro, “desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários
modernos, que só podem viver se encontrarem trabalho, e que só encontram trabalho na
medida em que este aumenta o capital” (MARX e ENGELS, 1961, p. 26), originando,
nessa polarização de interesses, a luta de classes. Essas circunstâncias históricas
constituem as bases para explicitar que não é o trabalho que os operários vendem aos
capitalistas; o que eles vendem é a sua força de trabalho e, ao fazê-lo, vendem a si
próprios. Essa descoberta de Marx traz à tona a forma específica da exploração a que
eles estão submetidos, própria da sociedade burguesa. A força de trabalho distingue-se
das demais mercadorias.
Para Teixeira (2004),

a primeira é trabalho vivo, a segunda, trabalho materializado. Para esta


[última], vige a lei do valor, segundo a qual as mercadorias devem ser
trocadas entre si segundo quantidades iguais de trabalho nelas incorporado.
Entretanto, esta lei não vige para o caso da mercadoria [força de] trabalho. A
troca entre esta mercadoria e as demais não obedece aos princípios da
equivalência. Pois, neste caso, troca-se mais trabalho vivo por menos
trabalho objetivado (p. 10-11; grifos nossos).

46
“A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta; a
mais-valia que, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente mudança da
proporção entre os dois componentes da jornada de trabalho [tempo de mais-trabalho e tempo de trabalho
necessário] chamo de mais-valia relativa” (MARX, 1983, p. 251). “Quando o trabalhador livre repousa
um instante, a economia sórdida, que o segue com olhos inquietos, afirma que ele a está roubando”
(LINGUET, apud MARX, 1983, p. 189).

58
Nesse momento, estão lançadas as bases materiais (e espirituais) da
desagregação e da transição do capitalismo concorrencial, ou capitalismo competitivo,
como indica Fernandes (1975), ao capitalismo monopolista, no centro.
Nessas condições, a natureza da produção capitalista em seu processo de
circulação torna-se complexo e, ao expressar-se pela relação D-M-D, institui uma
forma ilusória de pagamento da força de trabalho, e esta só poderia ser o salário, que
subjaz às limitações impostas pelo capital – acresce ou diminui –, desde que não
ameace a produção e a reprodução do modo de produção capitalista e seu processo
de reprodução ampliada, em coerência com a finalidade do trabalho abstrato fundado
na exploração dos operários para a valorização do capital. O salário é o preço da
força de trabalho e seu valor é definido pelas mesmas causas que instituíram o valor
das demais mercadorias. Isto é, se o valor de uma mercadoria qualquer é
determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário gasto pelo trabalhador
assalariado, o preço que esta mercadoria alcança no mercado é maior que os custos
de produção, o que redunda, para Marx, na diferença entre o valor de troca e o preço
no mercado.
Assim, desnuda-se o segredo do valor de troca entre as mercadorias. Marx
(1961) pode diferenciar o valor de uso do valor de troca da força de trabalho e chegar ao
resultado de que a mais-valia não é criada pela troca e sim pela apropriação do mais-
trabalho do trabalhador assalariado pelo capitalista. O valor da força de trabalho então
“é determinado pelo valor dos meios de subsistência necessários à sua manutenção e
reprodução, (...) valor esse regulado, (...) pela quantidade de trabalho necessária para
produzi-los” (p. 373), porém, em um custo suficiente apenas para reproduzir o
trabalhador assalariado como trabalhador assalariado, nas condições históricas em que o
capital se constitui e se transforma em uma relação social de produção. “O trabalho, a
atividade vital, a vida produtiva, aparece agora ao homem como o único meio de
satisfação de uma necessidade, a de manter a existência física. (...) como atividade para
um outro e como atividade de um outro. (...) A vida revela-se simplesmente como meio
de vida” (MARX, 1993, p. 73 e164).
Desse modo, a possibilidade da realização da “humanidade do homem” dissolve-
se e transmuta-se na particularidade burguesa: nela, produz-se o homem não só como
uma mercadoria, mas “como um ser desumanizado tanto espiritual como
corporalmente” (MARX, 1993, p. 76-77), ainda, afirma-se o impropério disseminado
pelos capitalistas e defendido pela economia política clássica “de que eles [os

59
capitalistas] compram e pagam o trabalho de seus operários”47 (ENGELS, 1961, p. 53).
Foi preciso o capital concentrar-se nas mãos do capitalista, para tornar-se o único capaz
de comprar a força de trabalho, uma vez que a expansão da indústria mecânica
automática e a sua disseminação nos diversos ramos da produção confrontam-se com a
base artesanal, manufatureira, e condicionam o “crescimento de uma categoria de
trabalhadores que, devido à natureza semi-artística de sua atividade, só podia ser
ampliada pouco a pouco e não aos saltos” (MARX, 1985b, p. 15), a dos operários, para
gerar mais e mais capital.
Nesse processo histórico, o dinheiro48 como capital, como uma existência
particularizada e autônoma, que ultrapassa não só a mera condição de “meio universal
de troca”, mas a “medida de equivalência” para as demais mercadorias, incluindo a
força de trabalho ou outro qualquer instrumento de produção, metamorfoseia-se em
“representante material da riqueza”, ou melhor, em “símbolo ou signo do valor”.
É com essa qualidade que o capital inicia o seu processo de mundialização
determinado pelas condições históricas, concomitante à ampliação dos meios de
comunicação e de transportes e à formação e expansão do mercado capitalista mundial,
no entanto, à custa da exportação do capital excedente e não só da exportação de
mercadorias industrializadas.
Nessas condições, o trabalho morto domina o trabalho vivo na esfera produtiva,
enquanto um processo que não é nem autônomo nem isolado, ao contrário, relaciona-se,
intrinsecamente, com os processos de consumo, troca e distribuição, como elementos de
uma mesma totalidade – a sociedade burguesa – e, ao mesmo tempo, como diferenças
no interior dessa unidade, garantindo a sua produção e reprodução. No entanto, o
trabalho vivo, mesmo com o processo de produção altamente automatizado, não pode
ser de todo descartado, porque só ele acrescenta valor às mercadorias. Há, no processo
de acumulação do capital, a valorização do trabalho morto e a desvalorização do

47
“Se a mais-valia produzida periodicamente, por exemplo, anualmente, por um capital de 1000 libras
esterlinas, for de 200 libras esterlinas e se essa mais-valia for consumida todos os anos, é claro, que,
depois de repetir-se o mesmo processo durante 5 anos, a soma da mais-valia consumida será 5 x 200, ou
igual ao valor do capital adiantado de 1.000 libras esterlinas” (MARX, 1985b, p. 155), dessa forma, o
capitalista recolhe o seu capital adiantado e os próprios trabalhadores, eles mesmos, pagam os seus
salários.
48
“Se analisa o dinheiro lá na Ásia Menor, século II a. C., é lá que ele surge. As funções que ele
desempenha lá são muito pobres comparativamente às funções que o dinheiro desempenha hoje na nossa
sociedade. Logo, o desenvolvimento desse processo não está hipotecado à sua gênese. É essa confluência
entre análise histórica e análise sistemática, ou (...) sincrônica ou diacrônica histórico-estrutural - não é
por acaso que Goldman chamou o método de Marx de histórico-estrutural. É essa vinculação que não é
uma vinculação externa, é uma vinculação interna. É isso o que permite a Marx fazer a análise histórica,
determinando particularidades” (NETTO, 1999, p. 12).

60
trabalho vivo. Este último torna-se, com o desenvolvimento do capitalismo
monopolista, em dispêndios cada vez maiores para os “muitos capitais”, o que os leva a
investir cada vez mais nos meios de produção, para liberar cada vez mais força de
trabalho viva. A estratégia do grande capital de economizar trabalho vivo põe-se como
lei geral da acumulação capitalista, portanto, como inerente ao processo de produção
especificamente capitalista, pressupondo, por isto, à passagem ao capitalismo
monopolista, condições materiais (e espirituais) mais complexas e mais difíceis de
serem completadas (MANDEL, 1985; FERNANDES, 1974) devido ao
desenvolvimento desigual das forças produtivas, da acumulação do capital e da
produtividade do trabalho social em que os diversos países do centro e da periferia,
assentados na troca desigual,49 experimentam, de modo distinto. Acresce-se a esse
processo a radicalização da concorrência/fusão intercapitalista.
Daí por diante, o capital, ao constituir o trabalho e os trabalhadores assalariados
produtivos divididos, diferencia-os e eleva a divisão social e técnica do trabalho ao
extremo: ao ponto da “idiotice do ofício”. Na grande indústria consolidada, que tem a
“fábrica desenvolvida” como seu locus,

o capitalista mediante a compra da força de trabalho, incorporou o próprio


trabalho como fermento vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto,
que lhe pertencem igualmente. Do seu ponto de vista, o processo de trabalho
é apenas o consumo da mercadoria, força de trabalho por ele comprada, que
só pode, no entanto, consumir ao acrescentar-lhe meios de produção. O
processo de trabalho é um processo entre coisas que o capitalista comprou
entre coisas que lhe pertencem. O produto desse processo lhe pertence de
modo inteiramente igual ao produto do processo de fermentação em sua
adega (MARX, 1985a, p. 154).

Ao mesmo tempo, os processos de trabalho, parciais ou não, asseguram, em


determinados ritmos, tamanhos e quantidades, se não houver perturbações no seu
caminho, a realização do produto final, a mercadoria, “não só valor de uso, mas valor e
não só valor, mas também mais-valia” (MARX, 1985a, p, 155). Trata-se de uma
exigência, desde então, imposta como “uma necessidade técnica ditada pela natureza do
próprio meio de trabalho” (MARX, 1985a, p. 17). E, ao fazê-lo, tornam, simplesmente,

49
Já nos anos de 1890 “(...) a integração no mercado mundial e as condições de relativo
subdesenvolvimento nessa fase tiveram efeitos bastante negativos sobre a acumulação primitiva nesses
países [Itália, Japão, Rússia]. A troca de mercadorias produzidas em condições de mais alta produtividade
do trabalho por mercadorias produzidas em condições de mais baixa produtividade do trabalho era uma
troca desigual; era uma troca de menos trabalho por mais trabalho, que inevitavelmente conduziu a um
escoamento, a um fluxo para fora de valor e capital desses países, em benefício da Europa ocidental”
(MANDEL, 1985, p. 35; grifos nossos).

61
a força de trabalho disponível e submissa ao grande capital, no tempo e no espaço,
como bem lhe convier e não eliminável, como querem os pesquisadores não-marxistas e
até os ditos marxistas, que defendem o fim da centralidade da categoria trabalho na
sociedade burguesa contemporânea.
Agora o capital pode acelerar a produtividade do trabalho social, aumentando a
sua força produtiva e alterando a composição orgânica do capital50 com interferência na
relação entre o capital constante e o capital variável, para elevar, de certo modo, a
produção da mais-valia relativa e, consequentemente, a acumulação. E ele o faz com
base na cooperação em grande escala e com intensa requisição na organização da
divisão social e de combinação do trabalho coletivo, herdado do período manufatureiro,
mas revolucionado em virtude de as máquinas, ao serem distribuídas enquanto um
sistema automático e articulado da maquinaria – “um monstro vivo” como criação do
próprio homem –, executarem e dominarem o processo de trabalho, tornando-se meios
de aumentar a mais-valia. E mais, esse processo de trabalho, mesmo em áreas
industriais autônomas e até certo ponto isoladas, combina-se ao processo global de
desenvolvimento do modo de produção capitalista.
O mercado capitalista inglês consolida-se e a “maior migração de povos na
História”,51 segundo Hobsbawm (1996, p. 271), tem andamento, quando dois
fenômenos, migração e urbanização, passam a coexistir em países como Estados Unidos
da América do Norte, a Austrália e a Argentina, com um índice de concentração urbana
só ultrapassada pela Inglaterra e pelas zonas industrializadas da Alemanha. Essa época é
o começo de mais uma onda longa de prosperidade, uma vez que a produção e
reprodução do capital se movem por crises cíclicas. Trata-se de uma fase de acumulação
do capital duradoura que, subseqüente à crise de 1873-1896 (MANDEL, 1985;
HOBSBAWM, 1996), se estende até 1913, como expressão de processos contraditórios
presentes na sociedade burguesa européia, ainda sob a hegemonia da Inglaterra.

50
Composição orgânica do capital (ou composição do capital) é a íntima relação entre a composição-
valor do capital (este composto pelo capital constante ou valor dos meios de produção e capital variável
ou valor da força de trabalho) que é determinado pela composição técnica do capital, também chamada de
força de trabalho viva. Assim, ao se evidenciar sobra de trabalhadores ou trabalhadores desocupados, não
quer dizer que a população cresceu em demasia, mas, o contrário, é o capital que está em crise: queda nas
taxas de lucro, logo diminuição de capital e baixa dos preços das mercadorias, inclusive, da mercadoria
força de trabalho.
51
“Entre 1846 e 1875, uma quantidade bem superior a 9 milhões de pessoas deixou a Europa, e a grande
maioria seguiu para os Estados Unidos. Isso equivalia a mais de quatro vezes a população de Londres em
1851. (Em 1890, as vinte maiores cidades do mundo ocidental incluíam cinco nas Américas e uma na
Austrália.) Homens e mulheres transferiram-se para as cidades, embora talvez (com certeza na Inglaterra)
cada vez mais oriundos de outras cidades” (HOBSBAWM, 1996, p. 275).

62
Conseguir sustentar-se nessa posição, mesmo considerando-a uma hegemonia relativa,
indica a superioridade inglesa não só em termos comerciais, interno e externamente,
mas também de capitais e de frota mercante, condições que a colocam como o único
país, essencialmente, industrial e capitalista, na Europa ocidental, em 1880, período de
formação dos Estados-nação.
Dessa forma, já se expõe, segundo Hobsbawm (1996), um mundo “genuinamente
global”, mais espessamente habitado, e “um planeta ligado cada vez mais estreitamente pelos
laços dos deslocamentos de bens e pessoas, de capital e comunicações, de produtos materiais
e idéias, em outro sentido este mundo caminhava para a divisão” (p. 31), em um processo que
difere das regiões e zonas menos industrializadas nessas mesmas sociedades do centro.
Une belle époque∗ instaura-se para a grande burguesia inglesa, nesse lapso de
prosperidade, por ela conseguir, de um lado, estabelecer o mercado mundial moderno,
favorecida pelo aumento da demanda de seus produtos manufaturados e pela
concentração do comércio mercantil em suas mãos, que impulsionam cada vez mais as
forças produtivas no sentido da industrialização. E, de outro, por ela já contar com um
movimento intenso e espetacular de exportação de capital,52 origem da imbricação entre
a indústria e as operações financeiras, que se volta aos países, à primeira mão, os do
continente, e cuja gênese tem a marca do roubo, da pilhagem, da expropriação, do
massacre e da dizimação dos povos dominados, dos “tratados” unilaterais, da extorsão.
Esses países caminhavam para a acumulação capitalista propriamente dita, por isso,
com maiores chances de retorno de lucratividade e de compor, a posteriori, o grupo das
grandes potências, como a Alemanha. Este último país, após o seu processo de
unificação, em 1871, segundo Mandel (1985), levado a cabo por Bismarck,∗ torna-se
grande força econômico-militar, superando em exportação de capital no ano de 1900 os
próprios ingleses.
Pode-se ainda citar outros países como a Bélgica, a Holanda, a França, além dos
Estados Unidos da América do Norte (EUA) que, após 1843, com a Marcha para o Oeste, é


Uma bela época.
52
“Devemos supor aqui que o capitalista consegue passar adiante sua mercadoria, e que a vende por seu
valor. Assim, a mais-valia se realiza, é convertida em dinheiro. Mas esse dinheiro ‘já é agora em si
capital’ e ‘como tal, mando sobre novo trabalho’. Também este novo capital (que Marx chama de ‘capital
excedente’ ou ‘capital adicional’, para distingui-lo do capital original, do qual é fruto) deve, é claro,
valorizar-se, ou seja, retornar ao processo de produção. (...) o capital adicional é mais-valia capitalizada”
(ROSDOLSKY, 2001, p. 218-219), isto é, que decorre, unicamente, da exploração de trabalho alheio não-
pago. Ou como capital excedente que é voltar-se para o processo de exportação de capitais.

Otto von Bismarck, primeiro-ministro e implacável diplomata, conservador, ‘homem forte’ do Segundo
Império alemão até 1890.

63
o primeiro país a ensaiar a industrialização fora do espaço europeu, com a supremacia do
Norte sobre o Sul agrário. A partir da década de 1880 e, intensamente, nos anos de 1903 a
1913, como afirma Martinez (1987), o império inglês53 amplia-o ao Terceiro Mundo, à
América Latina,54 preferencialmente, Argentina, Chile e Brasil, transigindo de investimento
indireto negociado entre governos para a forma de empréstimo para aplicação direta de
capital. Torna-se uma estratégia brutal definida pelas potências aliadas (Inglaterra, França,
EUA e Japão) ainda no transcurso da Primeira Guerra Mundial, em parte, em razão das
tensões provocadas pela Revolução de Outubro de 1917. Por ela expressar a alternativa
socialista, prenhe de outro projeto societário que esbate com o capital, o temor de seu
alastramento contribui, segundo Fernandes (1974), para a entrada do capitalismo
monopolista nos países da periferia, dentre eles, o Brasil.
A aplicação direta de capital configurada como investimento externo direto (IED),
no dizer de Chesnais (1996), concretiza-se na instalação prévia de subsidiárias de
“sociedades por ações” ou “corporações” no Terceiro Mundo, de início, na forma de
“penetração segmentada”,55 como afirma Fernandes (1974), e elas alimentam a expansão do

53
Martinez (1987), em seu estudo sobre as multinacionais, analisa que, “na metade do século XIX, o
império britânico parecia não ter mais fim. Era constituído por vastas possessões coloniais espalhadas por
todo o mundo, da Europa à Ásia, Oriente, Austrália, Canadá, América Central, América do Sul e África.
O [seu] poder de influência era antigo. Com relação ao Brasil, vinha dos tempos de colônia, através de
Portugal, desde o Tratado de Methuen, em 1703” (p. 16). Este acordo, também, conhecido como Tratado
de Panos e Vinhos, formalmente, o menor da historiografia lusitana, comprometia as duas partes, a
portuguesa, de comprar os tecidos ingleses; a inglesa, de comprar os vinhos portugueses. No entanto,
lesou e submeteu cada vez mais Portugal à Inglaterra, pois, ao importar mais tecidos do que exportava
vinhos, além de destruir as manufaturas portuguesas pela concorrência britânica, a diferença da balança
comercial foi paga pelo ouro brasileiro. Portugal e Brasil financiaram a Revolução Industrial da
Inglaterra, ao mesmo tempo em que ela se tornou a maior potência européia.
54
“Ao iniciar-se o século XX, a América Latina já absorvia 20% dos investimentos totais do mundo. Os
investimentos britânicos, nesta época, foram estimados em 740 milhões de libras esterlinas, o que constituía a
quinta parte de todo o seu investimento no mundo. (...) estavam distribuídos de forma desigual pelo continente,
pois dependiam da importância de cada país em termos de produção de matérias-primas necessárias ao
mercado mundial. Desta forma, 310 milhões foram aplicados na Argentina; o Brasil recebeu 140 milhões; o
México, 100 milhões; Chile, 60; Uruguai, 40; Peru, 30 etc. Os franceses, [norte-]americanos e alemães também
aplicaram maciçamente neste antigo Eldorado. 50% dos investimentos estavam representados por títulos e
empréstimos aos governos, 45% eram aplicações na construção de ferrovias, serviços públicos, minas e uns 4%
em atividades industriais. A rede bancária que passou a controlar a economia do continente foi organizada, em
sua maior parte, pelos europeus” (BRUIT, 1987, p. 44).
55
A “penetração segmentada” consiste em uma estratégia de incorporação da periferia, ou as chamadas
“economias hospedeiras”, “ao império econômico das grandes corporações envolvidas (...) de ocupação
do meio, de alocação de recursos materiais e humanos, ou de controle econômico (...) já que as nações
hegemônicas não precisavam arcar com os ônus decorrentes de semelhante técnica de ‘expansão
econômica’, embora servissem como seu pólo de sustentação econômica, cultural e política e
monopolizassem as vantagens dela decorrentes” (FERNANDES, 1974, p. 252). Certamente que alguns
sinais desse novo estágio já despontavam antes da Primeira Guerra Mundial, quando se inicia o
movimento das transferências dessas filiais para a periferia e que passam a assumir, ali, a exploração,
produção e exportação de minérios (bauxita, manganês, petróleo etc.) e outras matérias-primas, a
produção industrial de bens de consumo, também, para o mercado interno, a realização de serviços

64
capitalismo monopolista nas sociedades do centro. Destarte, a exportação de capital
excedente difere político-econômica e socialmente daquela conferida a países da Europa
ocidental e EUA, pois ela arrasta de modo subordinado as formações sociais já capitalistas,
como é a situação do Terceiro Mundo, mas ainda não-industrializadas ou não-capitalizadas,
no termo exato da palavra, à reprodução do grande capital.56
“Foi a exportação de capital dos países imperialistas e não o processo de
acumulação primária impulsionado pelas classes dominantes locais, que determinou
o desenvolvimento econômico do que seria, mais tarde, denominado ‘Terceiro
Mundo” (Mandel, 1985, p. 36), amalgamando-se em uma verdadeira simbiose com
outra estratégia de exploração: a troca desigual, a qual exige da periferia quantidades
sempre crescentes de trabalho para a troca no mercado mundial, ao passo que as do
centro permanecem inalteradas. Com isso, já preanuncia-se a desigual divisão
internacional capitalista do trabalho, expressão da lei do desenvolvimento desigual e
combinado intrínseca ao processo de reprodução ampliada do capital, restando ao
Terceiro Mundo, durante a fase “clássica” do imperialismo, somente a produção de
bens de consumo, com exclusão da Austrália, que já vivia o seu processo de
industrialização.
Se no período da infância da grande indústria (ou da indústria moderna), o
“comandante supremo” é o capitalista, na grande indústria consolidada não é mais essa
personificação individual, mas a presença de “muitos capitais”, que passam a comandar
a produção. É criada a função de supervisão realizada por capatazes, gerentes ou chefes,
para controlar “uma espécie particular de assalariados” – os operários – do processo de
trabalho social combinado, o qual, de maneira forçada, se volta para atender as
necessidades insaciáveis de valorização do capital. Este último cada vez mais ávido de
extração de mais-valia desprende-se da sua natureza individual, em direção à sua
reprodução ampliada e à constituição da organização monopólica, conduzido por meio
de dois processos.

públicos (energia elétrica, transportes, gás, telefonia etc.), imobiliários e transações bancárias (créditos,
financiamentos), dentre outros.
56
Para Mandel (1985), “no caso do Chile, temos um exemplo, quase clássico dessa transformação na estrutura
da economia mundial, que ocorreu entre a época do capitalismo de livre concorrência e o imperialismo
clássico. A primeira vaga de [incorporação] do Chile ao mercado capitalista mundial, no século XIX, deu-se no
setor da mineração do cobre, que, entretanto, estava basicamente em mãos chilenas. A segunda vaga, iniciada
com o desenvolvimento da extração do salitre após a vitória do Chile na guerra com o Peru, conduziu à
completa dominação do capital britânico sobre a mineração chilena” (p. 38).

65
O primeiro, a concentração do capital por capitalista individual,57 torna-se uma
exigência imposta pela concorrência capitalista, a qual se desencadeia, nesse momento
inicial do capitalismo monopolista, pelo barateamento das mercadorias. De certo modo,
fazer crescer a sua capacidade de produção, renovar a sua maquinaria e extorquir o
máximo de mais-valia para elevar os seus lucros, o seu volume de acumulação e se
colocar entre os maiores, tudo isso lança o capitalista a uma luta extrema e violenta de
confronto de capital contra capital ao mesmo tempo em que joga operário contra
operário, pois ele, também, é apanhado pela concorrência. “De maneira geral, não há
ninguém que, entrando na luta concorrencial, possa sustentá-la sem a mais extensa
tensão das suas forças, sem renunciar a todos os seus fins verdadeiramente humanos”,
assinala Engels (1979, p. 72).
Nesse sentido, concentrar “capitais individuais”, antes, dispersos, implica
“concentração de capitais já constituídos, supressão de sua autonomia individual,
expropriação de capitalista por capitalista, transformação de muitos capitais menores em
poucos capitais maiores” (MARX, 1985b, p. 196). Dessa forma, os capitalistas tornam-se
capazes de sustentar a concorrência encarniçada no mercado, uma vez que não se prendem,
como outrora, aos limites do aumento da riqueza social nem à mera concorrência da “guerra
de preços mutuamente destruidora”, para, assim, poderem elevar, paulatinamente, pela
reprodução, segundo Marx (1985b), a acumulação do capital.
O segundo, a centralização, própria da acumulação capitalista, diferencia-se da
concentração. Esse processo ocorre à medida que “os poucos capitais maiores”, os
potentados, apressam a acumulação ao induzir a reunião em torno de si de outros
capitais ou pela força, com a anexação,58 ou pela fusão, com a formação de “sociedades
por ações” (MARX, 1985b) ou “sociedades anônimas gigantes” (BARAN e SWEEZY,
1974), quando passam a instituir os cartéis, os trustes59 etc. Há que se ressaltar que as

57
“Todo capital individual é uma concentração maior ou menor de meios de produção com comando
correspondente sobre um exército maior ou menor de trabalhadores. Toda acumulação torna-se meio de
nova acumulação. Ela amplia, com a massa multiplicada da riqueza, que funciona como capital, sua
concentração nas mãos de capitalistas individuais e, portanto, a base da produção em larga escala e dos
métodos de produção especificamente capitalistas. O crescimento do capital social realiza-se no
crescimento de muitos capitais individuais” (MARX, 1985b, p. 196).
58
“Em 1867, os Estados Unidos [da América do Norte] se haviam feito donos do Alaska pela mísera soma de
7.200.000 dólares. O hectare saiu a cinco centavos. Chegou a vez das ilhas do Havaí. Em 1875, os EUA
obrigaram os havaianos a firmar um contrato outorgando aos ianques privilégios extraordinários, e, a 7 de julho
de 1898, o Congresso ‘legitimou’ a anexação das ilhas” (AVDAKOV; POLIANSKI, 1969, p. 35). .
59
Os cartéis, que exploram a conjuntura e, ‘numa política irrefletida’, fazem “subir os preços ainda com
maior rapidez e violência” (LÊNIN, 1979, p. 21-22), tornam-se realidade na Europa ocidental no final do
século XIX e início do XX, nas indústrias mineira e siderúrgica. Nos Estados Unidos da América do
Norte, o primeiro truste criado por Rockfeller em 1882 - a Standard Oil Company, serviu de “modelo”

66
empresas menores (as micro e as pequenas), qualitativamente diferentes das gigantes e
das médias, participam, nesse processo, na “extremidade receptora”, também, em
disputa, abocanhando só o permitido pela grande indústria. Aquelas que são bem-
sucedidas reagem às pressões ora como compradoras ora como fornecedoras em áreas
da produção descartadas pela grande indústria; já as “não-exitosas” nessa disputa são
esmagadas, arruinadas e, na maioria das vezes, repassam seus ativos de capital,∗ quando
existem, aos vitoriosos e desaparecem. Desse modo, as “sociedades por ações” ou
“sociedades anônimas gigantes” européias e norte-americanas, associações ou
combinações monopolísticas de “capitais individuais” centralizam-se em um único
organismo capitalista coletivo e, muitas vezes, sob um comando, pois tudo depende de
onde esteja a possibilidade de elevação dos lucros ao máximo.
Assim, a exportação de capital, no início do século XX, pelos maiores países em
operações financeiras, de um lado, os Estados Unidos da América do Norte e, de outro,
na Europa ocidental, a Inglaterra, a França e a Alemanha que, juntas, conseguem
chegar, segundo Lênin (1979), a “200 bilhões de francos. A uma taxa de juro, modesta,
de 5%, devia render de 8 a 10 bilhões de francos por ano. Sólida base para a opressão e
a exploração imperialistas da maior parte dos países e dos povos do mundo, para o
parasitismo capitalista de um punhado de Estados opulentos” (p. 62). Para esse autor,
implica “a partilha definitiva do globo” entre os gigantes, pois, até o final do século
XIX e começo do século XX, só restam África e Polinésia para serem pilhadas sob o
imperialismo genocida.
Essa exportação altera-se depois da Segunda Guerra Mundial, quando a grande
indústria envereda para a produção de bens de capital (mecânica, equipamento elétrico e
de transporte, metalurgia, materiais de construção etc.), para compor o seu capital, o que
vai demandar agora por parte da grande burguesia imperialista, comandada pelos EUA,
o incentivo à “industrialização incipiente no Terceiro Mundo: afinal não é possível
vender máquinas aos países semicoloniais, se eles não têm permissão para utilizá-las.
(...) esse fato (...) constitui a raiz básica de toda a “ideologia do desenvolvimento”
(MANDEL, 1985, p. 43). A rivalidade e a luta imperialistas entre as potências trazem,
ao anunciar a decadência britânica, posição desbancada pela ambição expansionista

para o truste do azeite de algodão e de linhaça, para o do açúcar, do chumbo etc. De 1900 a 1907, os
trustes de 185 chegaram a 250. E se, em 1896, são 250 cartéis na Alemanha, em 1905, já são 385,
aglutinando 12.000 empresas, concentrando “mais da metade da força motriz do vapor e da eletricidade
do país”, afirma o mesmo autor.

Bens imóveis (edificações), equipamentos, estoques e créditos contra outras empresas.

67
norte-americana, o deslocamento da hegemonia mundial60 capitalista da Europa
ocidental para os Estados Unidos da América do Norte. Esse deslocamento dá-se a
partir da segunda década do século XX, apanhando sobremaneira o período de
entreguerras, que abarca três décadas, quando se consolida a destruidora supremacia
norte-americana.

Baran e Sweezy (1974) afirmam que as forças políticas favoráveis ao


crescimento do monopólio nos EUA têm sua gênese, aproximadamente, no final da
Guerra Civil Americana (1861-1865),61 quando “o peso específico dos Estados Unidos
na produção industrial do mundo experimentou uma elevação muito rápida. (...) em
1896-1900, era já de 30%, e ocupava o primeiro posto no mundo” (AVDAKOV &
POLIANSKI, 1969, p. 17), já assinalando o grande aumento da população urbana
(46,3%) e o início da industrialização no Sul. E estes autores, também, confirmam em
suas análises que a exportação de capital serve “de trampolim” para os monopolistas
nascentes dos EUA apropriarem-se de todas as fontes, abertas e a explorar, de matérias-
primas e de outras riquezas da periferia, como o petróleo e o cânhamo do México, os
minerais do Chile, a madeira e o trigo do Canadá, a carne da Argentina, o açúcar de
Cuba, o café do Brasil, o tabaco de Porto Rico etc., e a sua direta submissão financeira.
Alça-se, portanto, o predomínio da financeirização sobre a produção.

O capitalismo monopolista difere do período anterior, o concorrencial, pelo


“decréscimo relativo da parte variável do capital com o progresso da acumulação e da
concentração” (MARX, 1985b, p. 193), isto é, pela economia de trabalho vivo, porque
agora o crescimento é do “capital global”. O aumento da produtividade do trabalho
social segue, de maneira contraditória, nada mais nada menos do que a “lei geral da
acumulação capitalista”: a sua própria composição orgânica62 impõe as modificações à

60
“Dividida entre os dois blocos de força que protagonizaram as duas guerras, a Europa terminou se
enfraquecendo, sem resolver o embate estratégico entre a Inglaterra e a Alemanha e, principalmente,
incapaz de conter a víbora do nazismo que ela mesma havia permitido que surgisse em seu seio. Dessa
forma, as potências que repartirão a hegemonia mundial são aquelas que, em 1917, durante a Primeira
Guerra Mundial, haviam tomado rumos opostos: uma saiu da guerra para fazer sua revolução; a outra
entrou na guerra para levar a uma decisão o conflito com seu peso desestabilizador. Ou seja, a URSS
(União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e os EUA – ambas as potências de fora da Europa”
(SADER, 2005, p. 33).
61
Também chamada de Guerra de Secessão, ela foi considerada a maior guerra civil do século XIX, e que
resultou na transformação dos EUA – colônia de povoamento – em país capitalista com a criação de um
mercado unificado sob o domínio do norte (comercial e manufatureiro) em detrimento do sul
(agropecuário), superando a sua condição de colônia de três países: Espanha, França e Inglaterra.
62
Composição orgânica do capital (ou composição do capital) é a íntima relação entre a composição-
valor do capital (este composto pelo capital constante ou valor dos meios de produção e capital variável
ou valor da força de trabalho) que é determinado pela composição técnica do capital, também chamada de

68
composição técnica do capital, aumentando sua parte constante (trabalho morto) em
detrimento de sua parte variável (trabalho vivo). Melhor dizendo, o capital amplia cada
vez mais a produção em grande escala, lançando mão, de um lado, do aumento das
despesas com matérias-primas e da renovação da sua maquinaria – a grande indústria –,
com o crescimento “da massa dos meios de produção em que o capital constante é
convertido” (MARX, 1993, p. 195) e, de outro, da diminuição crescente do trabalho
vivo. Todavia, a absorção de capital variável, ou seja, de mais operários ocupados,
mesmo em época de prosperidade, de aumento de capital, será sempre em proporção
menor à quantidade de força de trabalho descartada pelo capital, pois o seu interesse é a
extração de uma determinada quantidade de mais-trabalho de cada operário ocupado,
portanto, pela exploração de um número cada vez menor de operários.63
Aqui constitui-se a crescente produção da “superpopulação relativa”, quer dizer,
aquela que demarcou e demarca uma existência supérflua, descartável - é o operário
“desocupado parcial ou inteiramente”, enquanto condição real de existência do capital.
Acumulação de capital implica cada vez mais na propagação do proletariado.64
“Grandes massas humanas precisam estar disponíveis para serem subitamente lançadas
nos pontos decisivos, sem quebra da escala de produção em outras esferas (...) expansão
e contração (...) exército ativo e exército de reserva (...) é impossível sem material
humano (MARX, 1985b, p. 201- 204). Essas contradições, imanentes ao modo de
produção capitalista propriamente dito, expressam-se na liberação de força de trabalho
viva, redundando em mais trabalhadores desocupados e na tendência em reconstituir a
superpopulação trabalhadora excedentária, o exército industrial de reserva. O

força de trabalho viva. Assim, ao se evidenciar sobra de trabalhadores ou trabalhadores desocupados, não
quer dizer que a população cresceu em demasia, mas, o contrário, é o capital que está em crise: queda nas
taxas de lucro, logo diminuição de capital e baixa dos preços das mercadorias, inclusive, da mercadoria
força de trabalho.
63
À primeira vista, só essa parte de trabalho vivo é dispensada; na essência, “o que é ‘liberado’ não são
apenas os trabalhadores diretamente deslocados pela máquina, mas igualmente sua equipe de reserva e -
com a expansão costumeira do negócio sobre sua velha base - o contingente adicional regularmente
absorvido. Estão agora todos ‘liberados’ e todo novo capital com desejo de funcionar pode dispor deles.
Se atrair estes ou outros, o efeito sobre a demanda geral de trabalho será nulo, enquanto esse capital for
exatamente suficiente para livrar o mercado de tantos trabalhadores quantos a máquina nele lançou. Caso
ele empregue um número menor, cresce a quantidade dos excedentes; caso ocupe um número maior,
então a demanda geral de trabalho cresce só na medida em que os ocupados excedem os ‘liberados’
(Marx, op. cit., p. 206-07).
64
“Por proletário só se deve entender economicamente o assalariado que produz e valoriza ‘capital’ e é
jogado na rua assim que se torna supérfluo para as necessidades de valorização do “Monsieur Capital,
como Pecqueur chama a esse personagem. (...) O silvícola é proprietário da selva e trata a selva tão sem
cerimônias quanto o orangotango, ou seja, como sua propriedade. Ele, portanto, não é proletário. Este só
seria o caso se a mata virgem o explorasse e não ele à mata virgem” (Collins, apud Marx, 1985, p. 188.
Nota de rodapé n. 70).

69
retraimento do “mercado solvente”∗ na Inglaterra incita o capital, apreendido como
relação social, a ampliar o seu mercado, estendendo a sua dominação sobre outros
mercados, tornando-se um “poder histórico mundial”.65
Nesse contexto, o Estado é capturado pela grande burguesia monopolista, e não
só para desempenhar funções econômicas, mas políticas, acirrando ao máximo o
confronto entre produção social e apropriação privada. Ela combina concorrência e
monopólio para o controle do mercado, quando vários fenômenos emergem na dinâmica
desse processo:

a) os preços das mercadorias (serviços) produzidas pelos monopólios tendem


a crescer progressivamente;
b) as taxas de lucro tendem a ser mais altas nos setores monopolizados;
c) a taxa de acumulação se eleva, acentuando a tendência descendente da taxa
média de lucro e a tendência ao subconsumo;
d) o investimento se concentra nos setores de maior concorrência, uma vez
que a inversão nos monopolizados torna-se progressivamente mais difícil
(logo, a taxa que determina a opção do investimento se reduz;
e) cresce a tendência a economizar trabalho ‘vivo’, com a introdução de
novas tecnologias;
g) os custos de venda sobem, com um sistema de distribuição e apoio
hipertrofiado - o que, por outra parte, diminui os lucros adicionais dos
monopólios e aumenta o contingente de consumidores improdutivos (contra-
arrestando, pois, a tendência ao subconsumo) (NETTO, 1992, p. 16-17).

Essa dinâmica do capitalismo longe de levar o processo de produção e de


reprodução ampliada do capital ao equilíbrio repõe a anarquia na produção (MARX
(1985b; MANDEL, 1985; HARVEY, 1996), içando ao extremo a oposição entre o
avanço das forças produtivas materiais e a apropriação desse avanço pela maioria da
população. Nesta transição da infância para a consolidação da grande indústria, as
mudanças atingem a produção de mercadorias e a organização do trabalho assalariado
produtivo, modificando-os e sustentando-os, incluindo os transportes, por outras fontes
de energia como a eletricidade e o petróleo, com o estímulo dos investimentos à
produção do automóvel, os quais substituem o vapor, o carvão, ocorrendo o que Mandel


A diminuição da capacidade de as pessoas comprarem mercadorias.
65
A grande indústria “criou de fato a história mundial, na medida em que fez depender do mundo inteiro
cada nação civilizada, e cada indivíduo para satisfazer suas necessidades, e na medida em que aniquilou
nas diversas nações a identidade própria que até então lhes era natural. Subordinou a ciência da natureza
ao capital e privou a divisão do trabalho de sua última aparência de fenômeno natural. (...) No lugar das
cidades nascidas naturalmente, criou as grandes cidades industriais modernas que brotaram como
cogumelos” (MARX e ENGELS, 1989, p. 67)

70
(1985) chama de Revolução Tecnológica. Matérias-primas como o ferro, algodão e os
colorantes naturais são trocados pelo aço,66 alumínio e colorantes sintéticos, que se
tornam então a base da indústria, imprimindo-lhe traços novos. Contudo,

o trabalho objetivado sob a forma de maquinaria não produziu diretamente


nenhum novo trabalhador, mas permitiu a um reduzido número de
trabalhadores, mediante a agregação de relativamente pouco trabalho vivo,
não apenas consumir de maneira produtiva a lã e adicionar-lhe valor novo,
mas também sob a forma de fios etc. conservar seu valor antigo. Forneceu
com isso, simultaneamente, os meios e o estímulo para a reprodução
ampliada de lã. É dom do trabalho vivo conservar valores antigos enquanto
cria valor novo. (MARX, 1985b, p. 183; grifos nossos).

Há, no entanto, modificações na composição do trabalho coletivo, herdado


da época da manufatura. Inserido na produção combinada em grande escala, o
mercado de trabalho passa a requisitar além da força de trabalho feminina e
infantil, como já foi dito, a dos trabalhadores assalariados não-qualificados. Essa
condição espraia-se para a indústria domiciliar moderna instalada nas próprias
casas ou em minúsculas oficinas de trabalhadores “do trabalho barato”, e a torna
“retaguarda da grande indústria”. Desse modo, “o capital movimenta, por fios
invisíveis, outro exército de trabalhadores domiciliares67 espalhados pelas grandes
cidades e pela zona rural” (MARX, 1985b, p. 71).
O monopólio é então constituído para regular, diversificar e expandir a escala da
produção, transformando-a em produção combinada com formação de preços, em vez
de ter como arma “a guerra de preços mutuamente destrutiva”, para as situações de
confronto entre as empresas gigantes rivais, de modo a fazer crescer cada vez mais os
lucros e o domínio sobre o mercado capitalista mundial pelo grupo que se fundiu. A
introdução dessa organização monopólica e sua dinâmica materializam-se na
proliferação e reinado das grandes corporações ou grandes indústrias transnacionais nas
sociedades do centro e a transferência de suas subsidiárias para diversas partes da
periferia, no globo, como resultado do crescimento exponencial do capital.

66
“Em 1870, a produção americana de aço Bessemer só elevava-se a 30.500 toneladas; em 1880,
alcançava 850.000 toneladas; em 1890, 1.9 milhões de toneladas. Em 1880, os trilhos de ferro se
produziam, todavia, na mesma quantidade que os trilhos de aço; em 1890, representavam menos de 1% da
tonelada total. Em 1874, construiu-se, sobre o rio Mississipi, em São Luís, a primeira ponte de aço”
(MANDEL, 1969, p. 11). Em 1913, os norte-americanos passam a ter a preponderância na produção de
ferro, de carvão, de aço, de chumbo, de cobre, de zinco e de alumínio.
67
“A fábrica de camisas do Sr. Tillie em Londonderry, Irlanda, emprega 1.000 trabalhadores na fábrica e
9 mil trabalhadores domiciliares espalhados pelo campo” (Cf. II Report. 1864. p. LXVIII, n. 415 apud
MARX, 1985b, p. 71, nota de rodapé n. 250).

71
Em decorrência desse processo, reproduz-se não só a tendência a esse crescimento
extraordinário do capital excedente, da superpopulação ou do supercrescimento da
população trabalhadora excedentária,∗ em escala ampliada, por meio da produção e
reprodução, nesses lugares, das relações capitalistas propriamente dita, e da extração da
mais-valia relativa levada ao ápice, com a radicalização do predomínio da propriedade
privada, cujas forças produtivas em desenvolvimento “tornam-se, em sua maior parte,
forças destrutivas. (...) Em geral, a grande indústria criou por toda a parte as mesmas
relações entre as classes da sociedade e destruiu por isso o caráter particular das diferentes
nacionalidades” (MARX e ENGELS, 1989, p. 67).
Assim, a busca incessante de superlucros pelos monopólios, que pressiona o
grande capital sempre mais em virtude da tendência à queda da taxa média de lucros, a
penetrar e a expandir-se nos quatro cantos da terra, e mundializar-se. E, ao disseminar
divisão, dominação, controle e exploração na periferia capitalista, o grande capital, de
modo contraditório, acirra/arrefece as relações entre as classes sociais, que se
defrontam/consentem diante da inversão da relação entre trabalho vivo e trabalho
morto: não são os operários que empregam os meios de produção,68 mas estes últimos
que empregam os operários. Esta inversão, na verdade, explicita que os operários não
produzem “para si, mas para o capital” (MARX, 1985b, p. 105), quando o processo de
produção da mais-valia absoluta e, prioritariamente, a relativa, transformam-se na
essência de todas as sociedades que são capitalistas, mesmo daquelas situadas na sua
periferia.
Essas condições recolocam, então, em patamares nunca vistos, a oposição entre
interesse individual e interesse coletivo. Para os monopólios, saiam de onde saírem, os
superlucros “constituem o objetivo imediato, singular, unificador da política
empresarial, a pedra de toque de sua racionalidade, a medida de seu êxito” (SWEEZY &
BARAN, 1974, p. 60). Daí que os processos de concentração e centralização, já desde
os anos de 1907, compõem, também, a “monopolização” dos bancos69 com o


Crescimento induzido pelo capital de uma população trabalhadora disponível a ele, elevada e
explorável.
68
Os meios de produção são constituídos pelos meios de trabalho – instrumentos ou ferramentas criadas
pelo homem (a terra como ‘arsenal original de meios de trabalho’, gado, machado de pedra, flecha,
maquinaria como trator, computador etc.) e pelos objetos de trabalho (terra, todas as matérias-primas -
grão, carvão, fio, ferro, estrume de gado, madeira etc.).
69
Para Lênin (1979, p. 30-31 e 39-40), “na Inglaterra, incluída a Irlanda, existiam, em 1910, 7.151
sucursais para o total dos bancos. (...) os depósitos de todas as sociedades anônimas, bancárias, da
Alemanha, (...) em 1912-1913, atingiam 9,8 bilhões [de marcos]. Em cinco anos, portanto, aumentaram 2
bilhões e 800 milhões, ou seja, 40%. Desta soma, 2 bilhões e 750 milhões estavam repartidos entre 57

72
incremento do crédito, onde que as grandes empresas bancárias, na guerra imperialista,
ao engolirem as pequenas, “deixam de ser modestos intermediários para se tornarem
monopólios todo-poderosos, dispondo da quase-totalidade do capital-dinheiro do
conjunto dos capitalistas, (...) da maior parte dos meios de produção e das fontes de
matérias-primas” (LÊNIN, 1979, p. 30).
Esses e outros mecanismos,70 em razão das dificuldades de valorização do
capital ou de realização da mais-valia, como assinalam Lênin (1979) e Mandel (1985),
são utilizados pelo capital em um mercado mundial já articulado e em desenvolvimento,
para assegurar ou elevar até ao máximo a taxa de lucro, o “aguilhão” da produção
capitalista, sob os auspícios da propriedade privada. Marx (1983) evidencia duas dessas
dificuldades, que não são outra coisa do que contradições presentes na sociedade
burguesa. Uma, origina-se da própria natureza do modo de produção capitalista e, outra,
resulta do seu desenvolvimento na realidade social em que se inserem, por exemplo, a
superprodução ou acumulação de capital e a queda tendencial da taxa de lucro,
explicitando aí a diferença das condições da exploração da mais-valia e da sua
realização (MANDEL, 1985), o que demarca os limites e a natureza histórico-transitória
do modo de produção capitalista. Como a finalidade do capital não é, de modo algum, a
satisfação das necessidades dos trabalhadores assalariados produtivos, mas mantê-los
em condições para garantir-lhes a produção do lucro, e, se nem todas as mercadorias são
vendidas, essa condição histórica acirra o antagonismo entre excesso de capital e
capacidade de compra dos meios de subsistência dos trabalhadores assalariados
produtivos e do conjunto da maioria da população, uma vez que suas necessidades no
capitalismo são reduzidas à manutenção de sua força física. Para Marx (1985-1986),
essa capacidade de consumo dos trabalhadores assalariados produtivos

não é, porém, determinada pela força absoluta de produção nem pela


capacidade absoluta de consumo, mas pela capacidade de consumo com base
nas relações antagônicas de distribuição, que reduzem o consumo da grande

bancos, tendo cada um capital de mais de 10 milhões de marcos. (...) Na América, já não são nove, mas
dois enormes bancos, os dos milionários Rockfeller e Morgan, que reinam sobre um capital de 11 bilhões
de marcos. (...) As grandes empresas, sobretudo os bancos, não se limitam a absorver as pequenas que se
‘ligam’ e submetem a elas, incorporam-nas no ‘seu’ agrupamento ou, para empregar o termo técnico, no
seu ‘consórcio’, graças à ‘participação’ no seu capital, à compra ou troca de ações, ao sistema de créditos
etc., etc.”
70
Ante a problemática da supercapitalização, Netto (1991) aponta outras estratégias como a implantação “da
indústria bélica, que se converte em ingrediente central da dinâmica imperialista; (...) a contínua migração dos
capitais excedentes por cima dos marcos estatais e nacionais; e, enfim, a ‘queima’ do excedente em atividades
que não criam valor – como veremos, todos estes mecanismos renovam a relação entre a dinâmica da
economia e o Estado burguês. (...) nenhum dos quais apto para dar uma solução” (p. 18).

73
massa da sociedade a um mínimo só modificável dentro de limites mais ou
menos estreitos. Além disso, ela está limitada pelo impulso à acumulação,
pelo impulso à ampliação do capital e à produção de mais-valia em escala
mais ampla (p. 168).

Mas, contraditoriamente, o capitalista “só pode transformar o valor do capital


variável que adianta, num valor mais alto mediante troca por trabalho vivo, mediante
exploração de trabalho vivo” (MARX, 1986, p. 33). Por outro lado, só a parte variável
do capital produz mais-valia, porém “só a produz se também as outras partes forem
adiantadas, as condições de produção do trabalho” (MARX, 1986, p. 33), que são
fornecidas pelo capital constante.
Constituído o modo de produção especificamente capitalista na Inglaterra e
desencadeado o seu espraiamento para outros lugares, o processo histórico repõe, ao
mesmo tempo, a resistência, a rebeldia e a luta dos operários em oposição ao “atual
estado de coisas”, impelindo-os à criação de movimentos operários e à conquista de
uma legislação trabalhista avançada.
Dessa exploração – a legítima da acumulação capitalista – decorre um
desenvolvimento capitalista desigual e combinado ou um desenvolvimento capitalista
articulado como conclui Fernandes (1975), cuja base – a troca desigual – ou seja, a
diferença na produtividade média do trabalho entre os países do “mundo capitalista” é a
característica dominante da relação imperialista do século XX e para os dois primeiros
anos do XXI, para desvantagem tanto das sociedades não-hegemônicas do centro como
da periferia capitalista (HOBSBAWM, 1996; MANDEL, 1985; FERNANDES, 1975;
AMIN et al., 1981).

2.2 Acumulação capitalista na periferia: a realidade brasileira

Nesta parte da nossa exposição, que vamos tratar da emergência e da expansão


das relações de produção capitalistas propriamente ditas no Brasil como processo
historicamente tardio, diferencia-se dos “processos clássicos” de industrialização, o qual
define e implica a subsunção real do trabalho ao capital condition sine qua non para a
economia do trabalho vivo. Este elemento é determinante na formação do modo de
produção especificamente capitalista, engendrado com a constituição e consolidação do
capitalismo monopolista na sociedade brasileira.

74
Em um contexto histórico-social distinto e como um processo tardio em relação
aos países do centro, a industrialização e a urbanização no Terceiro Mundo, de modo
particular, no Brasil, demarca uma intensa ampliação do operariado brasileiro. Em São
Paulo, por exemplo, a indústria, em 1949, emprega 546,3 mil trabalhadores,
concentrando 48,9% da produção industrial e, em 1956, passaram para 723,5 mil
trabalhadores, alterando para 52,2% o seu índice de concentração (NEGRI, 1996). São
esses processos sociais disseminados no momento em que a exportação de capital
excedente das grandes potências induz e condiciona a expansão do capitalismo
monopolista nos países da periferia onde este capital é “aplicado”, transferindo também
o fenômeno da economia de trabalho vivo e elas alcançam um desenvolvimento
econômico apreciável. A razão precípua do imperialismo é, pois, a expansão das
relações de produção capitalistas na periferia.
A questão posta é, pois, analisar como esses processos sociais impulsionam a
produção e a reprodução da valorização do grande capital, pondo a emergência da
economia do trabalho vivo, também, nesta sociedade.
Entender a reprodução ampliada do capital no Brasil exige que resgatemos o seu
processo. O ponto de partida desse processo aqui (e na América Latina), sem se deixar
cair no equívoco de englobar esse momento como se ele já fosse especificamente
capitalista, marca-se por um processo sui generis de proletarização dos trabalhadores.71
Se se a burguesia mercantil lusa, ávida por capital comercial, desencadeia, no
século XVI, a expansão capitalista mercantil como expressão da dominação
imperialista, esta é reconstituída e travestida no Brasil-colônia como fruto desta
expansão, agora em região americana. As investidas marítimas de Portugal – o
primeiro Estado nacional europeu a lançar-se a essa empresa: uma colonização
particular favorecida, de um lado, pelas transformações geradas no continente
europeu e, de outro, pela localização geográfica daquele país, demarcando o início
da formação de um mercado mundial capitalista e a intensificação do processo de
dissolução do modo de produção feudal na Europa ocidental. E “o Brasil não
oferecia nenhum produto de largo consumo no mercado mundial, quando foi
‘descoberto’, mas apresentava condição muito importante [pela] ampla

71
Na história do capitalismo na América Latina, Bruit (1982) coloca que diversas relações de produção
não-assalariadas estão presentes em seus vários países, mas subordinadas formalmente ao capital: onde o
parceiro na Venezuela se chamou conuquero, na Guatemala mozo-colono, inquilinaje chileno, concertaje
equatoriano, acasilhaje das plantações de erva-mate do Paraguai, colonato brasileiro etc. Por isto, são
consideradas formas de produção capitalista.

75
disponibilidade de terras,72 numa época em que as mercadorias principais, nas
correntes de troca, eram originadas da terra” (SODRÉ, 1975, p. 29). E é, justamente,
ali, que estão localizados os germens e os traços típicos do capitalismo da periferia.
Esses germens e traços típicos, na verdade, tardios, têm um movimento
diferenciado como lá a ruptura com as condições materiais e espirituais encontradas nessas
áreas. Ao contrário, importa explicar que inauguram uma transição travestida para o
processo da acumulação capitalista, uma vez que lançam as bases materiais para essa
particular reprodução e hegemonia das relações capitalistas aqui, combinando, como quer
Fernandes (1975),73 “dominação burguesa” e “transformação capitalista”, determinadas,
reciprocamente, por demandas próprias do desenvolvimento capitalista na realidade
brasileira, e, claro, que esse processo não se abstém de movimentos de oposição.
É então criada a colônia, e, “nos seus poros”, é constituída a grande propriedade
exportadora capitalista. Constituição esta que se realiza, simultaneamente, “com a
Revolução Industrial, a precocidade do desenvolvimento do capital mercantil nacional e
da formação do Estado nacional” (MELLO, 1984, p. 58), inseridos no processo de
acumulação primitiva do capital, que já se desenrolava na Europa ocidental. A origem
dessa determinação dá-se sob condições históricas em que desencadeiam esse processo
como ponto de partida do modo de produção capitalista no velho continente, aquele
momento que antecede à acumulação capitalista propriamente dita.
A organização desta empresa e a necessária infra-estrutura dessa grande
propriedade exportadora ao mesmo tempo as importações de meios de produção74 são
impulsionadas e subsidiadas pelas exportações de capital do centro – de Veneza e
Holanda e outros países europeus –, porque Portugal e Espanha não tinham como
sustentar empreendimento de tamanha envergadura (FERNANDES, 1981). E, ela, ao
ser incorporada de maneira subordinada ao mercado mundial, articula-se pelas

72
A colonização é uma forma de dominação/exploração de “terra, [que,] para tornar-se um elemento de
colonização, não tem apenas de ser inculta, mas propriedade pública, que pode ser transformada em
propriedade privada” (WAKEFIELD apud MARX, 1985b, p. 297).
73
Isto implica pontuar que FERNANDES (1975) enfrenta, na sua análise, o dilema de como explicar o
‘burguês’ e a ‘burguesia’ e, mesmo, as questões de “como e por que a Revolução Burguesa constitui uma
realidade histórica peculiar nas nações capitalistas dependentes e subdesenvolvidas [e] combina
transformação capitalista e dominação burguesa” (p. 292), no entanto, afirma que, pela especificidade de
suas condições objetivas e subjetivas, está longe de ser um processo linear ou de “repetição da história”
das sociedades de capitalismo do centro.
74
“No caso do açúcar brasileiro, por exemplo, o “produtor” colonial retinha o lucro bruto que variava de
12 a 18%; a Coroa absorvia aproximadamente de 25 a 30%; os mercadores holandeses recebiam o saldo e
outras vantagens, economicamente mais importantes (como os lucros produzidos pelo financiamento da
produção, do transporte, da Coroa etc.; ou os elevados lucros proporcionados pela refinação do produto e
por sua comercialização dos mercados europeus)” (FERNANDES, 1972, p. 14).

76
demandas inerentes ao desenvolvimento das forças produtivas do continente europeu –
o processo mais amplo de constituição do modo de produção capitalista –, quando
assume a performance de colonização moderna e capitalista, desligando-se do
“exclusivismo metropolitano” e iniciando aqui a crise do colonialismo. Dá-se impulso à
constituição de mercados capitalistas modernos na periferia.
Segundo Mello (1986), “é, também, o momento da constituição da economia
mercantil-escravista cafeeira nacional. É certo que a escravidão e a produção mercantil
se revitalizam, no entanto, não é mais colonial” (p. 58), sem esquecer que terra, meios
de produção e escravos são mercadoria. Em decorrência, uma divisão social do trabalho
diversifica-se, no entanto, ao invés do trabalho assalariado – ainda descartado pelo custo
de sua reprodução –, a exploração do trabalho “compulsório”, “forçado”,
refuncionalizado e, formalmente, subordinado ao capital, com produção agrícola e
metais preciosos, respeitadas as diversidades processuais e épocas históricas de cada
país, como o foi em toda a América Latina no período colonial.
Mazzeo (1997), Mello (1984) e de Prado Jr. (1975), cujas análises voltam-se às
determinações do modo de ser e da dinâmica anômala da colônia, defendemque a
colônia já nasce mercantil e escravista, quer dizer, para o lucro. “Não uma produção
mercantil qualquer, porém, produção mercantil que, comercializável no mercado
mundial, não concorresse com a produção metropolitana. Do contrário, in extremis, o
comércio se tornaria impossível” (MELLO, 1984, p. 39). E, para assim constituir-se,
utiliza-se do trabalho ‘compulsório’ – do escravo, do trabalho livre dos imigrantes,
como já analisado anteriormente, para produzir o excedente e este ser apropriado pela
burguesia comercial metropolitana,

a economia agrária brasileira não se constituiu na base da produção individual ou


familiar, e da ocupação parcelária da terra, como na Europa, e sim se estruturou
na grande exploração agrária voltada para o mercado. E o que é mais, o mercado
externo, o que acentua ainda mais a natureza essencialmente mercantil da
economia agrária brasileira, em contraste com a dos países europeus. Não se
constituiu assim uma economia e classe camponesas, a não ser em restritos
setores de importância secundária. E o que tivemos foi uma estrutura de grandes
unidades produtoras de mercadorias de exportação trabalhadas pela mão-de-obra
escrava. Manteve-se praticamente intacta a grande exploração agrária, operando-
se nela, com a abolição da escravidão, a substituição do trabalho escravo pelo
livre, sem afetar com isso a natureza estrutural da grande exploração. (...) no
Nordeste (...) os antigos engenhos foram sendo progressivamente absorvidos e
concentrados pela usina; bem como em São Paulo onde a produção açucareira
vem aceleradamente se desenvolvendo a ponto de constituir hoje o Estado o
principal produtor do país. (PRADO JR., 1968, p. 111)

77
Brasil é parte constitutiva da totalidade capitalista.75 Esta abordagem não deixa
dúvida quanto à natureza capitalista da colônia. Mas, atenção: só que é específica, isto é,
na colônia, “há, formalmente, capitalismo, porque a escravidão é escravidão introduzida
pelo capital. (...) Indo muito além do simples domínio direto da produção, o capital
subordina o trabalho e esta subordinação é formal, (...) [nesse momento histórico] exige
formas de trabalho compulsório” (MELLO, 1986, p. 44).
E Marx (1978) diz:

o que distingue, desde o início, o processo de trabalho subsumido, ainda que


apenas formalmente, ao capital - e em relação a que se vai distinguindo cada
vez mais, ainda que siga tendo por base a velha modalidade de trabalho
tradicional - é a escala em que se efetua; ou seja, por um lado, a amplitude
dos meios de produção adiantados; e por outro, a quantidade de operários
dirigidos pelo mesmo patrão (employer). O que - a título de exemplo - à base
do modo de produção corporativo aparece como máximo (com relação,
suponhamos, ao número de oficiais), pode apenas constituir o mínimo para a
relação capitalista. (...) ao capital, enquanto valor que se valoriza a si mesmo,
é indiferente a figura material particular que reveste no processo de trabalho -
trate-se de máquina a vapor, um monte de esterco ou de seda - ao operário é
igualmente indiferente o conteúdo particular de seu trabalho. Seu trabalho
pertence ao capital; (...) O caráter distintivo da subsunção formal do trabalho
ao capital se destaca, com maior clareza, mediante comparação com
situações nas quais o capital já existe desempenhando determinadas funções
subordinadas, mas não ainda em sua função dominante, determinante da
forma social geral, em sua condição de comprador direto de trabalho, e
apropriador direto do processo de produção. O capital usurário serve de
exemplo. (...) Outro exemplo é o do capital comercial (...) Ambas as formas -
(...) se reproduzem dentro do modo capitalista de produção como formas
secundárias e de transição (...) e não se observa ainda qualquer diferença
neste [estágio]. O processo de trabalho, do ponto de vista tecnológico se faz
exatamente como antes, só que agora no sentido de processo de trabalho
subordinado ao capital (p. 44-57).

A grande propriedade exportadora capitalista atende ao mercado mundial com a


produção de produtos primários tropicais (alimentos e matérias-primas), e põe a
emergência do trabalho assalariado na sociedade brasileira. Essa subordinação formal
do trabalho ao capital é “possível porque a produção capitalista [é] exportada”
(MELLO, 1984, p. 96). Mesmo sem alterar o processo de trabalho e a base técnica sob a
qual se sustenta, configurando ausência ou pouca tecnologia e lento processo de
acumulação, ela se orienta, em sua essência, para a produção da mais-valia absoluta.
Esse processo é determinado e determinante da e pela valorização do capital à medida

75
MAZZEO (1997, p. 15 e 19) explica a totalidade capitalista como universalidade, e para analisar uma
realidade social, o essencial é “situá-la no âmbito da relação universal-particular, quer dizer, ao nível do
modo de produção que a conforma. De fato, são as particularidades que dão os nexos à universalidade,
que, por sua vez, dá o próprio ‘sentido’ real à singularidade, remontando-a à universalidade, enquanto
concreção mesma” (grifos do autor).

78
que o conjunto da produção social no Brasil controlado por capitais estrangeiros e
administrado do estrangeiro entra no ciclo mercantil e é apropriado pelo capital
britânico, lugar onde o processo de produção já é comandado pelo capital e o processo
de trabalho é, também, já processo de valorização, portanto, onde a relação capital e
trabalho assalariado produtivo está constituída em sua plenitude.
Devemos entender que a primeira e a segunda fases dessa transição – de 1880 a
1933 e de 1933 a 1955 (MELLO, 1984; FERNANDES, 1975) – como um processo de
geração, formação e desenvolvimento de forças produtivas capitalistas no Brasil, quer
dizer, como um processo de passagem às relações de produção especificamente
capitalistas e, nesse sentido, é necessário atentarmos para a constituição dessas forças
produtivas impelidoras dessas relações na periferia. Então, o que precisamos explicar é
como vão se constituindo a formação do capital e do trabalho assalariado, sob
determinadas circunstâncias históricas e como esse processo, face ao exponencial
desenvolvimento das forças produtivas, se transforma em capital industrial no reinado
da grande indústria e sua maquinaria ao mesmo tempo em que a subsunção real do
trabalho assalariado se completa na periferia.
Podemos assinalar, entre outros, dois obstáculos à reprodução ampliada do
capital além dos diferentes níveis alcançados pelas forças produtivas. Um é que não só
parte da Europa como da periferia, a precariedade dos meios de comunicação, dentre
eles, o de transportes, vinda desde a época do capitalismo concorrencial, torna-se um
dos exemplos que contribui para desencadear o

desenvolvimento desigual da Revolução Industrial, [que] bloqueou


efetivamente a penetração dos artigos baratos produzidos em escala de massa
pela grande indústria da Europa ocidental não apenas nas mais afastadas
aldeias e cidadezinhas da Ásia e América Latina, mas mesmo naquelas da
Europa meridional e oriental. (...) prejudicou a formação de mercados
nacionais propriamente ditos mesmo na Europa ocidental (MANDEL, 1985,
p. 33).

A implantação da estrada de ferro, financiada pelo capital britânico entrelaçado


com o capital mercantil “nacional”, impulsiona, na metade dos anos de 1860, o surto
ferroviário no Brasil. No “oeste paulista, o uso do arado já se torna maior, parte [da]
lavoura pode introduzir a máquina carpideira, que utilizando um homem e um animal,
substituía, com vantagem, o trabalho de seis escravos” (CANO, 1977, p. 31). Máquinas
de beneficiamento do café fabricadas em São Paulo (despolpadores, descascadores,
ventiladores, brunidores etc.) na década de 1870, retiram, de certo modo, as barreiras ao

79
desenvolvimento das relações mercantis, aqui, pois, além de poupar trabalho escravo e
custos de transportes, dá mais qualidade ao produto e competitividade no mercado
internacional (MELLO, 1984). E, contraditoriamente, criam as condições para a
emergência do trabalho assalariado, coberta, inicialmente, pela imigração,76 todavia
como uma relação ainda secundária, porque só o grande capital cafeeiro reclama por
esta demanda, enquanto pólo de atração da força de trabalho constituinte do mercado do
trabalho internacional.
Outro aspecto importante é que não devemos subestimar o legado colonial na
constituição subordinada do Brasil (e da maioria dos países da América Latina e
Caribe) ao centro como um dos elementos definidores do desenvolvimento capitalista
desigual e combinado, sob uma forma particular de (re)incorporação da periferia ao
mercado capitalista mundial. Por se tratar, nesses países, desde a sua origem, de
formações sociais capitalistas (PRADO JR., 1984; MAZZEO, 1997; MELLO, 1986;
FERNANDES, 1975), essa condição contribui sobremaneira para apressar a derrubada
dos obstáculos postos à gestação da sociedade burguesa madura na periferia.
Assim, esse processo tem importante função na dinamização da Revolução
Industrial no velho continente, tornando-se fonte de acumulação de capital nos países
europeus, principalmente, na Inglaterra. A força de trabalho e as matérias-primas
baratas alimentam o mercado capitalista mundial em formação, ao mesmo tempo em
que elas favorecem e potencializam a deflagração do processo de acumulação do capital
propriamente dito até meados do século XX na periferia capitalista, com exceção de
Cuba. São movimentos que imergem e fazem sua aparição, nesses espaços, em um
marco histórico-social e temporal diferenciado do centro. E carregam a mesma natureza,
mas explicitada por processos qualitativamente distintos de criação e recriação das
relações sociais capitalistas propriamente ditas, portanto, da reprodução ampliada do
capital, enfim, da configuração da socialidade burguesa. Nesse amálgama, a
“dominação burguesa”, que se explicitou autocrática, vai sustentar a “transformação
capitalista” aqui, isto é, em não havendo as condições estruturais necessárias a essa
transformação, o que pouco importa ao capital, ela lhe é imputada com o colonialismo
escravista. Esta escravidão americana guarda mais semelhança com o escravismo

76
Segundo MELLO (1986), a importação de trabalhadores livres de companhias privadas e os subsídios
no custeio das despesas de transportes e instalação são assumidos pelo Estado brasileiro (tanto a União
quanto a instância estadual), acelerando a imigração extraordinariamente, a ponto de aqui chegar, entre
1885 e 1888, perto de 260.000 imigrantes, em sua maioria de italianos, com gastos públicos em torno de
1.600.000 libras, contribuindo para a queda dos salários e a expansão cafeeira.

80
introduzido nas ilhas do Mediterrâneo (Sicília, Chipre e outras) do final da Idade Média
do que com a escravidão própria do período medieval (GORENDER, 1978), onde o
trabalho escravo, o trabalho livre, subsumindo-se formalmente ao capital e a
conseqüente incorporação externa da colônia no encadeamento da produção de
mercadorias77 dos países do centro, todavia, sem gerar nela “uma massa de proletários
livres como os pássaros” (MARX, 1985b, p. 262) e os senhores-colonizadores e
capitalistas são as mesmas pessoas e, inicialmente, portugueses e ingleses.
Para Marx (1985),

a escravidão é uma categoria econômica como qualquer outra. Portanto,


possui também seus dois lados. Deixemos o lado mau e falemos do lado bom
da escravidão, esclarecendo que se trata da escravidão direta, a dos negros no
Suriname, no Brasil, nas regiões meridionais da América do Norte. A
escravidão direta é o eixo da indústria burguesa, assim como as máquinas, o
crédito etc. Sem escravidão, não teríamos o algodão; sem o algodão, não
teríamos a indústria moderna. A escravidão valorizou as colônias, as colônias
criaram o comércio universal, o comércio que é a condição da grande
indústria. (...) A escravidão, por ser uma categoria econômica, sempre existiu
nas instituições dos povos. Os povos modernos conseguiram apenas disfarçar
a escravidão em seus próprios países, impondo-a sem véus no Novo Mundo”
(p. 108).

No Brasil, se, de início, escravos e trabalhadores livres, submetem-se ao


trabalho ‘compulsório’, ‘forçado’ (na forma, muitas vezes, do colonato ou até da
parceria78) como simples força de trabalho na grande propriedade exportadora

77
“Em todas as fazendas do Brasil”, escrevia James Watson Webb, representante dos Estados Unidos
aqui, - “os donos e seus escravos vestem-se com manufaturas do trabalho livre, e nove décimos delas são
inglesas. A Inglaterra fornece todo o capital necessário para melhoramentos internos no Brasil e fabrica
todos os utensílios de uso ordinário, de enxada para cima, e quase todos os artigos de luxo, ou de
necessidade, desde o alfinete até o vestido mais caro. A cerâmica inglesa, os artigos ingleses de vidro,
ferro e madeira são tão universais como os panos de lã e os tecidos de algodão. A Grã-Bretanha fornece
ao Brasil os seus navios a vapor e a vela, calça-lhe e drena-lhe as ruas, ilumina-lhe a gás as cidades,
constrói-lhe as ferrovias, explora-lhe as minas, é o seu banqueiro, levanta-lhe as linhas telegráficas,
transporta-lhe as malas postais, constrói-lhe as docas, motores, vagões, numa palavra - veste e faz tudo,
menos alimentar o povo brasileiro” (SODRÉ, 1983, p. 79).
78
Prado Jr. (1968) afirma, por exemplo, que a parceria dissemina-se na cultura algodoeira, depois de
1930, e “nada tem de ‘feudal’ ou ‘semi-feudal’, (...) sob a forma em que geralmente se pratica no Brasil e
nos setores de alguma expressão no conjunto da economia do país, não constitui propriamente a ‘parceria’
clássica e tal como se apresenta em outros lugares, e na Europa em particular, como sejam o métayage
francês ou a mezzadria italiana. Trata-se entre nós, pelo menos naquelas instâncias de real significação
econômica e social no conjunto da vida brasileira, de simples relação de emprego, com remuneração in
natura* de trabalho. Isso é, com o pagamento da remuneração do trabalhador com parte do produto, a
metade, na meação; duas terças partes, na terça. A nossa parceria assimila-se assim antes ao salariado, e
constitui, pois em essência, uma forma capitalista de relação de trabalho. Ao menos no que respeita suas
implicações sócio-econômicas” (p. 49-50). “Em Goiás, a extinção do trabalho escravo não significou a
introdução do trabalho assalariado, pois o que se instituiu foi um regime de trabalho conhecido por
camaradagem” (SILVA, 2001, p. 40).
*In natura: o direito de plantar gêneros de subsistência por conta própria no entremeio da monocultura.

81
capitalista é, porque, naquelas condições, era mais rentável do que o próprio trabalho
assalariado para o fazendeiro-capitalista, mesmo que os imigrantes já se encontrem
separados dos meios de produção e dos meios de subsistência pelo grau de
desenvolvimento das forças produtivas e do processo do capitalismo em seus países de
origem. Melhor dizendo, fruto da nova divisão internacional capitalista do trabalho,
nascida da Revolução Industrial, na Inglaterra, põe-se “na América Latina, o início da
crise das economias coloniais: não se destrói seu fundamento último, o trabalho
‘compulsório’, ‘forçado’, mas, tão-somente, se estimula decisivamente a ruptura do
Pacto Colonial, a constituição dos Estados-Nacionais” (MELLO, 1984, p. 46; grifo do
autor), quando o acordo do exclusivismo do comércio com as respectivas metrópoles
entra em declínio, e as grandes propriedades exportadoras – agora de alimentos,
principalmente, o café, a borracha, o cacau e matérias-primas –, para comporem as
condições de realização da mais-valia, também, a partir da periferia, e de produção em
massa pelas indústrias européias em seus países. São essas as únicas condições capazes
de baixarem os custos e de elevarem a taxa média de lucro delas, mesmo que, aqui, o
trabalho ‘compulsório’, ‘forçado’, ainda, responda a essas necessidades, ao mesmo
tempo, que não é empecilho ao capital industrial inglês, e não o trabalho assalariado.
De 1880 em diante, já explicitada a ascensão norte-americana, a maior parte
das grandes propriedades exportadoras capitalistas instaladas, principalmente, a
oeste de São Paulo, passa a empregar mais trabalhadores livres, e essa condição
sinaliza que a passagem em massa para trabalhadores assalariados já está posta. Com
o advento da Primeira República (1889) e a expansão das forças produtivas, quando
já se conta com a eletricidade, estabelecimentos industriais,79 a população brasileira
chega aos 14 milhões de habitantes, nove mil km de estradas de ferro com mais
1.500 em construção, 50 mil km de navegação a vapor do Pará ao Rio Grande do Sul
e Mato Grosso, e fraca rede rodoviária. Porém, essa modificação de “regime não
passou efetivamente de um golpe militar (...) e sem nenhuma participação popular.
(...) a eclosão de um espírito que se não é novo, se mantivera, no entanto, na sombra
e em plano secundário: a ânsia de enriquecimento, de prosperidade material”
79
“Em 1907, realiza-se o primeiro censo geral e completo das indústrias brasileiras. São encontrados
3258 estabelecimentos industriais com 665.663$000 de capital, e empregando 150.841 operários. Quanto
à distribuição geográfica da indústria, 33% da produção cabiam ao Distrito Federal (capital da República,
a que se pode acrescentar os 7% do Estado do Rio de Janeiro (...); 16% a São Paulo e 15% ao Rio Grande
do Sul. Nenhum outro Estado alcançará 5%. Com a exclusão do Rio de Janeiro, que continuava, como
sempre fora no passado, a encabeçar a produção industrial. (...) Seria particularmente notável o caso de
São Paulo que se tornaria logo o maior produtor do país, com a grande parcela de 40% do total.”
(PRADO JR., 1984, p. 260).

82
(PRADO JR., 1984, p. 208). E à medida que os proprietários fundiários vão se
desvencilhando da parceria, institui-se o processo de assalariamento e gesta-se o
embrião das leis trabalhistas aqui, ao mesmo tempo em que se desata a dissolução da
escravidão.
A formação do proletariado, no Brasil, está, pois, diretamente, ligada à
acumulação internacional do capital, à medida que avança o capitalismo industrial na
Europa ocidental. Inicialmente, limita-se à especialização de um ramo de atividade – o
café, em seguida, o açúcar – que cria o operário de usina (industrial, mas localiza-se no
campo, mora próximo à usina e em casa alugada) e, por sinal e de certo modo, explica o
fluxo migratório de trabalhadores europeus para cá. Esse processo põe, na gênese do
proletariado brasileiro, a concorrência entre os imigrantes europeus, os que já são
trabalhadores assalariados, e os “ex-escravos”, sendo que para estes últimos sobram o
trabalho “mais sujo”, mais desvalorizado ainda.80
Se a exportação cresce, ela gera um excedente econômico capaz de transformar
junto com a via férrea províncias como a do Rio de Janeiro e de São Paulo nas
principais áreas de comércio exterior, constituindo o porto de Santos no local do maior
contingente de trabalhadores assalariados em todo o Estado, o que vai contribuir para
originar o proletariado fabril ou operário fabril, disperso em algumas pequenas cidades,
pois agora fortalece-se o mercado interno para produtos manufaturados.
No período pós-crise de 1929-1930, o personagem principal é o mercado
interno, cuja constituição “(...) se dá nos quadros de uma economia nacional” (MELLO,
1984, p. 58) resultado da apropriação interna de excedentes, ou seja, da “internalização
da acumulação de capitais” só possível pela expansão da produção industrial favorecida
pelo corte das importações, queda dos lucros da exportação e aceleração de demanda
interna por bens de consumo e sem importar maquinaria, usando sua capacidade
instalada (a indústria têxtil). Essas circunstâncias vão efetivar, de um lado, o embrião do
“sistema monetário nacional” e, por outro, a requisição de uma população trabalhadora
disponível ao capital que, impelida pela necessidade, passa a compor o mercado
capitalista de trabalho.
Cabe então assinalar que as condições materiais do Brasil alteram-se e esse
momento é considerado como o de maior prosperidade e expansão das forças

80
“Em 1911, um trabalhador do campo de Pernambuco percebia um salário médio de 1$025; um
trabalhador de usina, 1$260. Em São Paulo, na mesma época, os salários eram, respectivamente, de 2$300
e 2$600 (LEVINE, 1980, p. 62-63).

83
produtivas81 com a ampliação da manufatura (têxteis)82 e o comércio, em favorecimento
à especulação, à inflação de créditos e à emissão de papel-moeda, enfim, ao
industrialismo e ao imperialismo, apesar da agricultura ainda perdurar como
predominante. Assim, o processo de formação da classe operária no Brasil acelera-se ao
mesmo tempo em que a quantidade de indústrias manufatureiras avoluma-se. Elas
empregam trabalhadores assalariados, aqueles que só dependem do salário para viver, e
só, lentamente, têm suas diferentes operações – manufatureiras, agrícolas, de transportes
– mecanizadas ou, muitas vezes, nem as têm.
Imerso na América Latina, deflagra-se e dinamiza-se no Brasil a criação do
mercado capitalista moderno com a ampliação do “alto comércio” pela grande
burguesia “de fora” e articulada pela “de dentro”, com a incorporação da pequena
burguesia. Se “o ponto principal de todo o sistema mercantilista é a teoria da balança
comercial” (ENGELS, 1979, p. 58), não importa se “em nome desta ridícula ilusão que
milhares de homens [sejam] massacrados” (p.59). Ao demarcar o ápice do capitalismo
81
“No decênio posterior a 1850, (...) fundam-se no curso dele 62 empresas industriais, 14 bancos, 3 caixas
econômicas, 20 companhias de navegação a vapor, 23 de seguros, 4 de colonização, 8 de mineração, 3 de
transportes urbanos, 2 de gás, e finalmente, 8 estradas de ferro.” (PRADO JR., 1984, p. 192).
82
Para Prado Jr. (1984), inicia-se a indústria manufatureira, no Brasil, logo depois de 1850, época que
assinala o predomínio do trabalho livre com a utilização da força de trabalho de imigrantes, a introdução das
primeiras estradas de ferro bem como o uso da navegação a vapor, de tecnologia e capital financeiro
ingleses, de modo a possibilitar a ligação entre as regiões produtoras e os centros exportadores. O centro-sul,
já na primeira metade do século XIX, ganha posição destacada em relação a outras áreas pelo declínio das
lavouras tradicionais com substituição pelos concorrentes de produtos novos - como a beterraba - nos EUA,
no lugar do açúcar. Isto não quer dizer, mesmo que a maioria dos produtos manufaturados de consumo seja
importada do exterior, que já não tenha desenvolvido, na colônia, atentando-se para a distinção do urbano e
do rural, uma produção local - de indústria doméstica - um surto insignificante e acessório aos
estabelecimentos agrícolas ou de mineração existentes, que se transformam, na segunda metade do século
XVIII, em manufaturas de relativo porte, principalmente, as têxteis e as do ferro, para as quais a colônia
continha farta matéria-prima e demanda do mercado local, mas que são abortadas, dentre outros fatores,
pelos precários meios de comunicação e transportes e pela Metrópole que, “temendo a concorrência
comercial e uma possível autonomia política da colônia, manda extinguir em 1785 todas as manufaturas (...)
com exceção apenas das de panos grossos de algodão que serviam para vestimenta dos escravos ou se
empregavam para fazer sacarias, próprias para guardar mantimentos. Era o golpe de morte na indústria da
colônia. (...) Quanto à indústria do ferro, não ficou ela atrás na perseguição que lhe moveu a administração
colonial. (...) o simples fato de saber fundir o metal era suficiente muitas vezes para tornar alguém suspeito
de idéias extremadas e subversivas. (...) ainda o caso similar do ofício de ourives, que também sofreu tenaz
oposição, porque facilitava o descaminho do ouro, permitindo fraudar o pagamento do quinto. E só em 1795
a Metrópole permite o retorno das manufaturas de ferro, quando a fabricação de instrumentos de trabalho e
ferraduras torna-se mais difundida face ao consumo local. Artesãos ambulantes oferecem suas atividades
autônomas mais no campo, enquanto as profissões mecânicas estão instaladas nos nascentes centros
urbanos. A categoria de artífices - a dos ‘escravos de serviço’ -, próprio das cidades coloniais maiores,
tornam-se um ramo de negócio de senhores de escravos, que os alugam para desempenhar serviços pesados.
No entanto, as manufaturas passam, ao contrário, a ser estimuladas pelo Estado, com a vinda da família real
para o Brasil, inclusive, com a contratação de técnicos alemães, para incentivarem e organizarem aqui
empresas metalúrgicas, e também, a partir de setores privados, mas a concorrência de mercadorias
importadas traz a ruína a essa pequena indústria local, jogando na rua parte considerável da população, e
mais os artesãos” (PRADO JR., 1984, p. 108). “Aproveitando-se do alvará de 1º de abril de 1808, que
revogava o decreto que proibia e extinguia as manufaturas de toda a colônia, fundou-se, na cidade de Goiás,
uma fábrica de tecidos” (SILVA, 2001, p. 27).

84
competitivo – do período das guerras mundiais ao Estado Novo – esse momento já
opera formas de desenvolvimento desiguais (FERNANDES, 1975), como parte do
processo de expansão do capital na periferia, e que vai exigir para este momento a
organização e o controle de um mercado de trabalho unificado, tornando-o pólo de
crescimento econômico capitalista acelerado. E isso só foi possível, “primeiro, graças à
irradiação, disseminação e integração do mercado moderno; em seguida, pela
universalização legal do trabalho livre e a emergência de um sistema de produção
capitalista nas cidades-chave, dotado de dinamismos que transcendem à economia
urbana” (FERNANDES, 1975, p. 240), pois, “nucleada no setor urbano-comercial, (...)
com tendência a expandir-se na direção do campo” (p. 240). No dizer de Fernandes
(1975), esta condição é nefasta e impossibilita um “capitalismo autônomo e auto-
sustentado” na periferia por ser uma “economia articulada”.
Na marcha do Brasil para a constituição das relações especificamente
capitalistas, ou seja, para a acumulação capitalista, há que se levar em conta dois
aspectos. Primeiro, que aquelas relações capitalistas constituídas na grande propriedade
de exportação, de produção em grande escala, mesmo voltada para o mercado mundial,
não eram ainda relações especificamente capitalistas. Segundo, que as determinações
histórico-materiais não são as mesmas postas para os “processos clássicos” da
industrialização: a existência do capital industrial, da grande indústria e sua maquinaria
bem como a reprodução da força de trabalho assalariada. A reprodução da força de
trabalho assalariada, por exemplo, para ser gerada de “dentro”, põe a necessidade da
produção de bens de consumo assalariado e de alimentos,83 mas o processo de
reprodução ampliada do capital toma uma forma particular na periferia, uma vez que
essas condições são inexistentes. Isto, porque, aqui, diz Mello (1984):

tanto os alimentos quanto os bens de consumo assalariado teriam de ser


importados84: os alimentos, pois que não se verificou uma transformação

83
Os bens de consumo assalariado referem-se ao que Marx (1985c) denomina como meios de
subsistência necessários ao trabalhador assalariado: “é o próprio trabalhador quem converte o dinheiro
recebido por sua força de trabalho em meios de subsistência, para retransformá-los em força de trabalho,
para se manter vivo, do mesmo modo que, por exemplo, o capitalista converte parte da mais-valia da
mercadoria que vende por dinheiro em meios de subsistência para si mesmo, sem que se diga, por isso,
que o comprador de sua mercadoria lhe paga em meios de subsistência. Mesmo quando se paga ao
trabalhador parte de seu salário em meios de subsistência, in natura, isso constitui, hoje, uma segunda
transação. (...) Isto modifica apenas a forma de pagamento, mas não o fato de que realmente vende a sua
força de trabalho” (p.122).
84
“O tradicional desprezo votado pelo latifúndio às culturas alimentares, consideradas uma
“mesquinha plantação” desde os tempos coloniais, colocava quase toda a dieta do povo na dependência
das importações do estrangeiro. Em 1901, o Brasil já estava destinando 42,9% do valor de suas

85
anterior da agricultura, com a criação de uma vigorosa agricultura mercantil
de alimentos, capitalista ou não; os bens de consumo assalariado, porque não
existia quer a pequena produção mercantil quer a manufatura deste
componente do custo de reprodução da força de trabalho (p. 101).

Portanto, só se internaliza o processo de reprodução da força de trabalho para


alimentar o mercado de trabalho do capital com a transformação da agricultura em
agricultura mercantil ou agricultura moderna – ou melhor, tornar a produção agrícola
subordinada ao capital industrial.
Diferente do que ocorre na periferia, na Inglaterra, por exemplo, já em 1750,
estava gestada a agricultura moderna85 e, para o resto da Europa ocidental, este fato
realiza-se mesmo com um atraso de trinta anos. Esse processo antecedeu e tornou-se
determinante de outro – a Revolução Industrial – por instituir e concentrar a propriedade
privada agrária, elevar o preço da terra, propiciando a acumulação de capital ao mesmo
tempo em que os salários caíram face ao crescente afluxo de trabalhadores desocupados
(exército industrial de reserva) e ao processo de despovoamento do campo. Nos EUA, a
revolução agrícola inicia-se com a Independência (1776), quando a maioria das terras
foi distribuída a preços mínimos aos colonos e aos imigrantes, constituindo uma
sociedade de pequenos e médios agricultores autônomos. Nesses espaços, a agricultura
é que alimenta a indústria.
Na sociedade brasileira, as pequenas propriedades agrícolas86 renascem no
século XIX e, só a partir de 1930, tomam o lugar da grande propriedade em decadência
– a desintegração lenta do seu domínio –, pois, loteada, é vendida em pequenas partes e

importações à compra de gêneros alimentícios” (GUIMARÂES, 1982, p. 73), como feijão e favas, milho,
arroz, queijo, banha etc.
85
Na Europa oriental, a modernização da agricultura é mais tarde ainda (GUIMARÃES, 1982). Na
Rússia, a reforma de 1861 suprime a servidão, sem tocar na grande propriedade fundiária e, para Lênin
(1988), é a primeira violência desencadeada pelo capitalismo que se originava na agricultura.
86
Prado Jr. (1984) afirma que “é mais freqüentemente em regiões depauperadas que se verifica o
retalhamento da propriedade; regiões de solos inferiores, desprezados pela grande lavoura, ou por onde
ela já passou com seus processos de cultura extensiva e tremendamente dilapidadores; e de novo
aproveitamento difícil. Além disso, quem vai arcar com a tarefa de instalar e conduzir essa economia de
novo tipo é sobretudo uma população que, salvo nas zonas de imigração estrangeira, se constitui em boa
parte de indivíduos recém-egressos do estado servil ou semi-servil; e o que é mais grave, sem tradição
camponesa no sentido próprio, sem preparo suficiente para desincumbir-se satisfatoriamente daquela
tarefa; principalmente sem recursos financeiros capazes de fazerem face às exigências de uma atividade
agrícola regular e com alguma perspectiva” (p. 255). Já no Nordeste, a pequena propriedade não tem
lugar. A particularidade do seu processo é que a grande propriedade de açúcar – o engenho – movido pelo
trabalho escravo decai, tomando seu lugar “a grande usina, unidade tipicamente fabril e maquinofatureira,
que passará a produzir o açúcar extraído da cana fornecido pelas lavouras dos antigos engenhos
transformados assim em simples produtores de matéria-prima; divisão de funções que será o germe de
novas e profundas contradições em que se oporão a usina absorvente, que tende a recompor em seu
benefício uma grande propriedade de novo tipo” (PRADO JR., 1970, p. 215; grifos nossos).

86
a preços acessíveis a trabalhadores rurais, agora oriundos de um considerável
crescimento demográfico e não mais de contingentes imigratórios, e eles diversificam a
produção aqui (PRADO JR.,1970). Essas pequenas propriedades agrícolas proliferam
no sul – a Oeste do Paraná/Uruguai e, também, em São Paulo, onde a monocultura
imperou soberana, enquanto em outras áreas, fora do domínio, porém, onde ainda
subsiste a grande propriedade exportadora capitalista, (principalmente, a pastoril), a luta
do campesinato para formação da pequena propriedade impõe-se pela posse ou
ocupação de terras, sem título, em áreas pioneiras ou descartadas pelos grandes.
Elas produzem gêneros de subsistência à população como pequenas culturas
de alimentos (como ovos, aves, frutas, verduras, cereais etc.), de difícil
cultivo/criação e reduzido lucro, e outros bens de consumo, que abastecem a
crescente massa de trabalhadores assalariados.87 E o aspecto importante colocado
então é que o processo de reprodução da força de trabalho impõe à demanda de
trabalhadores assalariados por produtos diferentes, fora do circuito dos agrícolas,
dando rumo à industrialização nascente, e não a das classes média e burguesa,
voltadas que são para a importação. Fruto do crescimento urbano-industrial, a
criação dessas pequenas propriedades agrícolas inicia “em escala apreciável, o uso
da adubação, o emprego de arados e a tração animal” (GUIMARÃES, 1982, p. 75)
como meios introdutórios da “industrialização” da agricultura. A pequena produção
“recriada” pelo capital industrial constitui-se elemento desse movimento, no entanto,
é sobretudo na indústria manufatureira que a diferença de atividades no país se
sobressairá (LIMA, 1990).
Mas, para Mello (1984),

tão somente uma certa indústria, a grande indústria produtora de bens de


consumo assalariado, especialmente a têxtil, foi capaz de surgir. Somos
conduzidos a uma questão decisiva: por que, concomitantemente, não nasce
a indústria de bens de produção? Ou seja, por que não se constituem, no
momento do nascimento do capital industrial, forças produtivas capitalistas?
88
(p. 102; grifos do autor)

87
Torna-se relevante indicar o exame do trabalho de Lima (1990), Capital e pequena produção em que, ao
buscar a apreensão integral do movimento do real, a problemática da pequena produção – de alimentos de
origem vegetal, como um sub-ramo da agricultura – é “recolocada dentro do processo de acumulação de
capital e seus movimentos estarão regidos pela lei do valor. Nesse sentido, corresponderá a trabalho
socialmente distribuído e sua produção atende às necessidades sociais quantitativamente determinadas.
Isto significa dizer que atende às necessidades que tenham uma base monetária de sustentação e não
necessidades reais da sociedade. Desta maneira, são necessidades que se definem a partir de uma estrutura
de valorização do capital” (p. 11).
88
São bens de capital produzidos e utilizados em contínuos processos produtivos de outros bens e
serviços, como máquinas-ferramentas, outras máquinas e equipamentos, ônibus, caminhões, tratores,

87
É este o nó górdio da questão: é justamente o setor da indústria de máquinas-
ferramentas e de bens de produção o ponto de diferenciação entre o processo de
industrialização em países que fizeram a sua revolução industrial, como na
Inglaterra, e países que foram impedidos de fazê-lo ou teve o seu processo
interrompido, como no Brasil. Neste último país, o desenvolvimento da
industrialização continuaria o seu processo, mas subordinado ao grande capital, “o
que impediria o surgimento de um setor nacional produtor de bens de produção”
(FOOT e LEONARDI, 1982, p. 29).
Se a grande propriedade exportadora capitalista já demandava ao mesmo tempo
bens de consumo e meios de produção, a acumulação do capital vai exigir muito mais a
indústria bens de capital, aquela que produz os meios de trabalho propriamente ditos.
Só ela é capaz de, junto com a indústria de bens de consumo assalariado, completar as
condições necessárias à constituição das forças produtivas especificamente capitalistas.
Só ela é capaz “de libertar a acumulação de quaisquer barreiras decorrentes da
fragilidade da estrutura técnica do capital” (MELLO, 1984, p. 98).
Esta problemática explica-se pelas profundas mudanças ocorridas no
capitalismo mundial com a Segunda Revolução Industrial,89 emergidas em um
processo já de monopolização da grande indústria nas sociedades do centro, e que
tornam as exigências econômicas bem maiores para a constituição da grande
indústria de bens de capital ou indústria pesada, como a escala da produção, as
“dimensões da planta mínima e o investimento inicial (...) [e] a tecnologia da
indústria pesada, além de extremamente complexa, [muitas vezes] não estava
disponível no mercado” (MELLO, 1984, p. 103), em uma conjuntura de acirramento
da concorrência intercapitalista.
Deste modo, não podemos defender que o primeiro surto de industrialização/
urbanização desenvolvido no Brasil, na década de 1930, tenha gestado as relações de
produção especificamente capitalistas, porque ele é, de modo característico, de indústria

prensas, altos-fornos, turbinas, plataformas etc. As mais avançadas e sofisticadas indústrias de bens de
produção estão nos países do centro, EUA, Japão, Alemanha e Itália. Na periferia, Brasil, Coréia do Sul,
Taiwan, China e México contam, hoje, pode-se dizer, com um setor de bens de produção expressivo.
89
Mandel (1985), em O capitalismo tardio, examina a história do modo de produção capitalista no século
XX, no pós-guerra, e trabalha então a partir de uma periodização histórica, na qual, ao identificar a
Revolução Industrial original em fins do século XVIII, delimita o seu objeto de estudo como a “subfase
atual do imperialismo”, gerada no bojo da Terceira Revolução Tecnológica, iniciada em 1940 nos EUA e,
em 1945, nas outras potências imperialistas, com o desenvolvimento da eletrônica e da energia nuclear. Já
a Segunda Revolução Tecnológica começa nos anos de 1896, com os motores elétrico e de explosão.
Quanto à Primeira, nos anos de 1848, possibilitou a produção de motores a vapor por meio de máquinas.

88
de bens de consumo assalariado, a qual abocanha na Região Centro-Sul (São Paulo, Rio
de Janeiro e Belo-Horizonte) a tímida produção artesanal e doméstica. É quando São
Paulo torna-se, entre os demais estados,90 aquele que já estabelecia fábricas em vários
ramos da produção e se ocupavam operários – de máquinas pequenas até as maiores que
movimentam outras máquinas –, em número superior a 50 mil, de ambos os sexos (entre
homens, mulheres e crianças), quase em sua totalidade italiana (menos de 10% são
brasileiros). A pesquisa empírica de Pinheiro e Hall (1981, p. 62-67), realizada em vinte
e seis (26) fábricas no Brasil, expressa essa realidade:

é considerável o número de menores, a contar de cinco anos, que se ocupam


em serviços fabris, percebendo salários que começam por duzentos réis
diários.

Pelas informações até hoje obtidas, verifica-se que é na tecelagem da seda e


na fabricação de passamanarias que os operários têm maior salário, mas aí
também lhes é exigida maior habilitação para o trabalho. Nos outros ramos
da tecelagem, os salários são mais reduzidos e o operário, na sua maior parte,
pouca habilitação precisa de ter. (...) O pagamento de salário vencido é feito,
na maioria das fábricas, no segundo sábado de cada mês. Em muitos
estabelecimentos se fazem adiantamentos aos operários. (...) Poucos são os
industriais que se preocupam com o problema das habitações operárias. (...)
No município da Capital, um único industrial de tecidos subvenciona escola
para os filhos de seus operários.
Nos estabelecimentos visitados, os de tecidos de algodão e de juta, os
maquinismos existentes para a abertura e preparo preliminar da matéria-
prima, cardação, fiação, tecelagem, padronagem, preparo, engomação,
secagem do fio ou da matéria-prima, etc., são geralmente de procedência
inglesa. Nos tecidos de lã, assim como nas seções de tinturaria, predominam
os de fabricação alemã. Na tecelagem da seda e no fabrico de passamanarias,
de parte os maquinismos usados na malharia, que são na maior parte de
procedência americana ou inglesa – importam-se geralmente da França ou da
Itália as máquinas motrizes, a vapor e a gás; e os geradores de vapor são
quase todos importados da Inglaterra. Em segundo lugar, acham-se as de
procedência alemã. Os motores elétricos, bem como toda a instalação
elétrica, são alemães ou americanos. Notam-se motores suíços apenas nas
máquinas modernas, que os têm conjugados diretamente. Das 28 fábricas
visitadas, (...) As fiações de 9 fábricas (...) possuem 107.704 fusos, sendo
86.704 para a fiação de algodão e 21.000 para a de juta.

O algodão paulista é usado, de preferência, pelas fábricas situadas nas zonas


produtoras daquela matéria-prima. Na Capital, o algodão paulista sofre
concorrência do algodão procedente do norte do país, o qual, por ser de
melhor qualidade, é preferido pelas fábricas que produzem tecidos finos. O
fio empregado nas malharias e nas fábricas de passamanarias é comumente
importado da Europa, visto não produzirem as fiações paulistas os fios de
grossura convenientes para esses tecidos. A juta, quando não é importada em
bruto, é adquirida, já fiada, em Dundee, na Inglaterra. Assim, fazem as

90
A Capital Federal é também fabril; o Espírito Santo, Pará e Amazonas não têm nenhuma fábrica. Em
Goiás, “acompanhando a evolução das exportações feitas (...) o número de bois exportados passou de
117.861 para 154.335; o de vacas, de 851 para 10.509; o de fumo, de 136.160 quilos para 262.301 quilos;
o de cristal, de 5.712 para 54.724 quilos; o de arroz em casca, de 480.133 para 5.442.280; o de açúcar
grosso, de 62.012 para 516.394 quilos” (SILVA, 2001, p. 31).

89
fábricas “Santista”, “Santa Chantal”, “Cambuci”. Somente a “Paulista de
Aniagens” e a “Sant’Anna” importam a juta da Índia, via Inglaterra, para ser
fiada em suas fábricas.

As tecelagens contam 5.295 teares, distribuídos por 26 fábricas e assim


divididos: 3.182 em 9 fábricas de tecidos de algodão, 185 teares tubulares
destinados à malharia de 7 fábricas; 1.648 das 5 fábricas de tecidos de juta
(muitos desses teares são ocupados nos tecidos de lã); 18 à tecelagem dela,
em 2 fábricas; 166 em 2 fábricas de passamanarias e 194 em fábricas de
tecidos de seda, dos quais 24 são empregados no fabrico de panos. Em 24
dessas fábricas existe tinturaria e três têm estamparias, destinadas uma a
fazendas, uma a fitas e outra a fios.

Em uma das fábricas pesquisadas é enorme o número de menores em serviço,


731 ao todo, dos quais 77 de menos de 12 anos. São do sexo masculino 290
e, do feminino, 441. Os menores são ocupados principalmente nas seções de
fiação, carretilhas e carretéis. Como todas as fábricas de tecidos, esta também
luta com a falta de operários. Para remediar esse mal, a direção se vê
obrigada a adiantar a importância da passagem aos operários que faz vir da
Europa.

Dos 10.204 operários recenseados, em 23 das fábricas visitadas, 2.648 são do


sexo masculino e 6.801 do feminino. Dentre as 6.801 operárias, 1.706 são
maiores de 22 anos, 2.966 têm de 16 a 22 anos, 1.885 têm de 12 a 16 anos e
244 têm idade inferior a 12 anos. Entre os operários, 1825 são de idade
superior a 16 anos, 696 têm idades compreendidas entre 12 e 16 anos e 127
são menores de 12 anos. (...) ganham de 40 a 80 réis por hora de serviço,
trabalham na fiação, nas massarocas, nas espulas e carretéis, exatamente nas
seções onde se despreende maior quantidade de resíduos. (...) O número de
menores de 12 anos, (...) acha-se diminuído de uma pequena porcentagem,
oculta entre os classificados como tendo de 12 a 16 anos.

Vai então se constituindo uma divisão social do trabalho capaz de, no longo
prazo, submeter o campo à cidade, porque esse processo exige a gestação de um
mercado interno articulado para além de si, que é o mercado do capital. A cidade de
São Paulo, já em 1907, torna-se palco de duas greves - a dos trabalhadores em veículos
e a dos tecelões em lã –, por aumento de salário e pelas oito horas de trabalho. Criam a
Liga de Resistência.
Podemos então afirmar que o ponto de partida do processo autocrático de
“dominação burguesa” e de “transformação capitalista”, induzido pelos incipientes
processos de industrialização/urbanização, inaugura a transição que marca o início da
modernidade no Brasil,

e que só foi exatamente percebida de início, em sua essência, significado e


funções pelos politizados operários vindos da Europa. Anarquistas,
socialistas e (mais tarde) comunistas, eles não se iludiram quanto ao tipo de
dominação burguesa com que se defrontavam. Pintaram-na como ela
realmente era, elaborando uma verdadeira contra-ideologia (e não, apenas,
recompondo ideologias revolucionárias, transplantadas prontas e acabadas de
fora, como se interpreta correntemente entre os sociólogos (FERNANDES,
1975, p. 211).

90
Assim, algumas indústrias no Brasil alcançam o capital de cinco mil contos, e a
única existente - a Matarazzo - com 11.126 operários, e outras demais, 10 indústrias
com mais de 1.000 operários, ampliam a fabricação para máquinas, aparelhos,
instrumentos e preparação de metais. Até aqui, a indústria ainda fica com 14,8% da
produção e continua a hegemonia agrária com 65,1%. Quer dizer, “a subordinação real
do trabalho ao capital está ainda por completar-se” (OLIVEIRA, 1997, p. 26).
Para completar esse quadro, Cano (1977) lembra que a crise cafeeira de 1898 a
1910 lança fora a força de trabalho advinda das “levas” dos fluxos migratórios para São
Paulo e outras regiões, subvencionados pelo governo ou não. Esse processo redunda em
grandes contingentes de trabalhadores desocupados, isto é, uma população trabalhadora
que se torna disponível ao capital e, grosso modo, somada ao crescimento demográfico,
abastece a indústria nascente. É “um largo, fácil e barato suprimento de [força de
trabalho]. E será esta a origem do proletariado industrial brasileiro, o que explicará no
futuro muito das suas características e da sua evolução” (PRADO JR., 1984, p. 198).
É importante assinalar que, nos desdobramentos dessa transição e em âmbito
internacional, explodem a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Grande Depressão
em 1929 e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), multiplicando as crises na
cafeicultura e os conflitos políticos internos, os quais impulsionam e desencadeiam a
“Revolução de 1930”. Dessa arrancada industrial, os pequenos empresários são ainda,
quase sempre, confundidos com artesãos e o personagem principal é o mercado interno,
cuja constituição “(...) se dá nos quadros de uma economia nacional” (MELLO, 1984, p.
58) resultado da apropriação interna de excedentes, ou seja, da “internalização” da
acumulação de capital tornada possível pela expansão da produção industrial. Essas
circunstâncias vão efetivar, de um lado, o embrião do “sistema monetário nacional” e,
por outro, a requisição de uma população trabalhadora disponível ao capital que,
impelida pela necessidade, passa a compor o mercado capitalista de trabalho.
É, pois, nesse contexto de tensões e contradições, que Vargas congrega “os
ideais” de derrubada da “oligarquia”, arrastando a massa do povo e escamoteando a
verdadeira aspiração dos de cima.91 A “Revolução de 1930” demarca uma “revolução

91
Getúlio usou os inconformados como a cauda política do movimento burguês. Mas realizou, a partir de
cima, uma manobra que no México exigira uma revolução social. Introduziu a legislação trabalhista e a
organização dos trabalhadores. Mas atrelou os sindicatos ao Estado e criou um exército de sindicalistas
pelegos, que contava como a base social do imenso e duradouro edifício de paz burguesa, montado com
recursos financeiros e humanos tirados dos trabalhadores. (...) Para completar essa obra, ignorou a
situação dos miseráveis da terra, enquanto estabelecia laços orgânicos entre oligarquias rurais e
plutocracias urbanas. Através do PSD e do PTB, em luta encarniçada contra o Partido Comunista ou

91
pelo alto”, 92 deixando intocado o campo. O novo poder, em um projeto nacionalista de
construção do “progresso dentro da ordem”, toma o rumo da industrialização, de certo
modo, propiciado pela crise mundial. Ao centralizar o poder de decisão, o Estado
brasileiro passa a definir e a formular programas para implantação do parque industrial
do país (energia, transportes, rodovias, equipamentos) e do financiamento
impulsionados desde a década de 1930, para expandir o desenvolvimento das forças
produtivas vantajosas ao industrialismo e, ao mesmo tempo, quebrar o poder das
oligarquias derrotadas com intervenção direta nos estados para centralizar o comando. É
este o pacto da Marcha para o Oeste, que determina a ampliação de fronteiras rumo ao
interior do país, em outra forma de (re)incorporação ao centro hegemônico do capital - a
acumulação capitalista –, com abertura de mercados para possíveis vendedores e
compradores de mercadorias. Sob o slogan da “interiorização do país”, várias medidas
são tomadas, como a regulamentação das relações entre capital e trabalho, a criação de
um exército industrial de reserva, a redução dos gastos com a reprodução da força de
trabalho além de migrar esses custos para fora das indústrias.
Essas indústrias dinamizam, interna e externamente, as condições estruturais
para tornar o Brasil uma sociedade urbano-industrial, cujo pólo irradiador é a cidade,
que se expande para o campo e o “industrializa”, movimento oposto “da forma
clássica”, assegurando-as como espaço mais rentável da organização capitalista. E a
questão fundamental, a saber, para Guimarães (1982) “não é apenas a de que a
agricultura se industrializa, mas (...) ‘a indústria que industrializa a agricultura” (p. 91).
Acresce-se a essa condição, a elevação das despesas do governo com a dívida externa
que dobra do século XIX para o XX e que, em 1930, alcança a quantia aproximada de
250 milhões de libras (PRADO Jr., 1984, p. 211). É como diz Holanda (1995, p. 95):
“para muitas nações conquistadoras, a construção de cidades foi o mais decisivo
instrumento de dominação que conheceram”.
Se o contexto político, econômico, social e cultural em que se realiza a
“Revolução de 1930”, esta considerada uma movimentação ambígua, não contém essas
condições, as bases que ela mina, na verdade, reproduzem o conservadorismo: o choque

contando com seu apoio tático, engendrou um jogo político que fortaleceu a conciliação de classe e
consolidou a condição de cauda política da burguesia, dos operários e das massas operárias
(FERNANDES, 1994, p. 102).
92
COSTA e SILVA (2001, p. 61) analisa a “Revolução de 1930” como uma revolução conservadora e,
portanto, incompleta, no sentido de não atacar as grandes questões nacionais, dentre elas, o latifúndio.
“Afinal, as oligarquias derrotadas tentaram, pela força, recuperar o poder em 1932, 1938, 1945, 1954 e,
finalmente, com pleno êxito, em 1964”.

92
entre duas facções da oligarquia agrária, cujo poder emana da propriedade fundiária e
do domínio dos que nela trabalham, constituindo o que se denominou chamar de
“coronelismo” e de “personalismo”, práticas políticas que disseminaram nas relações
sociais capitalistas.93 Transforma uma em antiburguesa, enquanto a outra, “dissidente”,
sob o mando de Vargas e, em um pacto conciliatório, abre a possibilidade de dinamizar
a indústria. Em troca, a oligarquia “dissidente” mantém as estruturas fundiárias intactas.
Sem negar os embates entre os interesses do grupo agrário e do industrial, descartamos
a possibilidade da “Revolução de 1930” já ser expressão do domínio da indústria e da
preponderância do trabalho assalariado na sociedade brasileira mesmo que a crise
mundial tenha apressado a queda da hegemonia cafeeira e das oligarquias agrárias.
E Vargas segue a tendência posta, depois de 1930, de impulsionar os processos
de industrialização e de urbanização no Estado Novo (1937-1945) – um golpe de Estado
“dentro do Estado” – que recria o autoritarismo e ergue-se fundado no fascismo. E o faz
pela “modernização conservadora”, de cima para baixo, ancorada no crescimento do
conjunto de indústrias leves de bens de produção (pequena indústria do aço, do cimento
etc.) de base tecnológica frágil, e de uma agricultura mercantil de matérias-primas,
incompletas ainda para comporem as relações especificamente capitalistas.
Gera-se então aqui, a partir de 1933 até meados dos anos cinqüenta, um processo
de industrialização “restringida”,94 ainda como parte da transição ao modo
especificamente capitalista de produção. Sinal que, mesmo a dinâmica da acumulação
do capital constituindo, dentro do seu movimento e de modo concomitante, a
reprodução da força de trabalho e parte do capital constante, as bases produtivas,
técnicas e financeiras desta acumulação são insuficientes para implantar a indústria de
bens de capital,95 “que permitiria à capacidade produtiva crescer adiante da demanda”
(MELLO, 1984, p. 110), ou seja, a produção excedente, como condição material interna

93
Depois dos anos trinta, as práticas políticas do “clientelismo” (“troca de favores”) e do
“personalismo” (autoridade pessoal), legadas do “mundo rural” e, embora combatidas por muitos,
passaram a coexistir com outras práticas embasadas no universalismo e na impessoalidade, impregnando
e constituindo as instituições sociais no Brasil, dentre elas, fundamentalmente, o Estado.
94
Esta tese – a da industrialização “restringida” – é elaborada por Mello (1984) e Tavares em sua tese de
docência A acumulação de capital e industrialização no Brasil, de 1975, e retomada por Cano (1977) e
Negri (1996).
95
O núcleo fundamental da indústria de bens de produção refere-se, para o exemplo clássico da
Inglaterra, ao que MARX (1988) denominou, nos seus esquemas de reprodução ampliada de capital, de
Departamento I (bens de capital), que está em relação com o Departamento II (bens de consumo). NEGRI
(1996, p. 60) avalia em seu estudo de caso de São Paulo que, de 1919-1939, a expansão da indústria
nacional mostra um crescimento maior em bens de capital e em bens de consumo duráveis (bens de
consumo para os capitalistas), superando a média da indústria (12,6%). Dentre os produtos montados por
empresas estrangeiras, no Brasil desde a década de 1920, ele cita caminhões e ônibus, e a fabricação de
motores elétricos, máquinas e equipamentos para a agricultura (grifos nossos).

93
imprescindível à economia de trabalho vivo – no próprio país – para determinar o
processo de desenvolvimento industrial.
Desse modo, se a participação da indústria de bens de capital continuava
inexpressiva no Brasil, não se constituem predominantes a exploração da mais-valia
relativa de trabalhadores assalariados produtivos e a economia do trabalho vivo, na
cidade e no campo. É a lei do valor – a lei da reprodução do capital – que determina as
condições de produção e reprodução do capital, tanto em nível de subordinação formal
quanto em nível subordinação real do trabalho, também, na periferia,

e seja qual for a feição particular em que o capitalismo se apresente em cada


país - feição ‘particular’, bem entendido, no que diz respeito a circunstâncias
e elementos secundários que não excluem e antes implicam a natureza
essencialmente única do capitalismo, que é um só e o mesmo em toda parte -
e seja qual for o grau de desenvolvimento, extensão e maturação das relações
capitalistas de produção (PRADO JR., 1968, p. 10).

É na metade da década de 1950, que a industrialização no Brasil vai se tornar


hegemônica, aliás, período bastante recente na historiografia brasileira. É quando ela
alcança o índice de 162,3%, que é maior do que o da agricultura (129,8%) e do
comércio 143,5%.96 Este impacto que, no processo de reprodução ampliada do capital,
demarca desde os anos trinta a imposição de um novo padrão de acumulação do capital
aqui, impulsiona, de 1956 a 1967, o processo de industrialização “pesada”. Na verdade,
este acontecimento vem à tona na segunda fase de irrupção do capitalismo monopolista
em solo brasileiro,97 momento preciso em que o desenvolvimento e aperfeiçoamento da
grande indústria ou indústria moderna consolidam o estágio do capitalismo
monopolista na Europa ocidental, tornando-a espaço da produção especificamente
capitalista – da acumulação capitalista e, com ela, a economia do trabalho vivo – o que
altera de modo substantivo a sua relação com a periferia.
Se se a formação social brasileira, desde a sua gênese, é parte constitutiva do
capitalismo originário e ele tem no século XVI o marco da expansão de sua existência, o

96
Esses dados encontram-se em Negri (1996, p. 115), na Tabela de Índice do Produto Real/1947-62
(Base: 1949= 100). Centro das Contas Nacionais – Fundação Getúlio Vargas. Cf. Revista Brasileira de
Economia, Ano 17. n.1, Rio de Janeiro, março de 1963, p. 14.
97
Fernandes (1975, p. 224-225) sem resvalar para uma mera análise classificatória, confronta as três fases
de desenvolvimento capitalista e suas transformações na sociedade brasileira: “consideradas de uma
perspectiva global, (...) A fase de eclosão do mercado capitalista moderno é, na verdade, uma fase de
transição neocolonial. Sua delimitação pode ir, grosso modo, da abertura dos portos até aos meados ou à
sexta década do século XIX. A fase de formação e expansão do capitalismo competitivo (...) e vai, grosso
modo, da sexta década ou do último quartel do século XIX até a década de 50, no século XX. A fase de
irrupção do capitalismo monopolista (...) só se acentua no fim da década de 50.”

94
capitalismo monopolista provocado e impulsionado na periferia pelas potências do
centro tem a mesma natureza, no entanto, toma uma configuração particular, como
também foram a formação de um mercado capitalista moderno em uma economia
colonial e a constituição do capitalismo competitivo em uma economia escravista.
Considerada como o “elo frágil” (LÊNIN, 1979) nesse sistema mundial que se organiza,
e diferente de outras sociedades, cujas burguesias tomam o poder pelo movimento
revolucionário, pois originárias de “colônias de povoamento”,98 a burguesia brasileira –
débil, anômala, generosa, conservadora e herdeira de condições históricas e políticas
próprias de “colônias de exploração”99 – não rompe com as amarras do colonialismo
lusitano/inglês e “não assume o papel de paladina da civilização ou de instrumento da
modernidade, pelo menos de forma universal e como decorrência imperiosa de seus
interesses de classe” (FERNANDES, 1975, p. 204), conformando um processo de
reprodução ampliada do capital sui generis, pois não realiza a sua luta pela libertação
nacional, como fizeram as primeiras, uma vez que a presença do colonizador-capitalista
nas segundas se faz, em sua essência, por meio da “conquista”, do enquadramento
militar e policial, que culmina, a partir da sexta década do século XX, em muitos países,
com golpes de Estado e implantação de ditaduras militares na América Latina.
Nessa (re)incorporação da periferia ao centro, o processo da reprodução
ampliada do capital modifica-se em um contexto histórico latino-americano. No Brasil,
novamente, a constituição do capitalismo monopolista, como o do mercado capitalista
moderno e o do concorrencial, “não eclode [na periferia], rompendo o seu próprio
caminho, (...) Vindo de fora, ele se superpõe. O seu maior impacto construtivo consiste

98
No conjunto histórico das formações sociais americanas, deve-se excluir a colônia norte-americana
desta condição subordinada - inserida na condição de colônia de povoamento -, onde os colonos agrícolas
são camponeses que produzem os seus meios de subsistência e o excedente é vendido ou trocado por
mercadorias manufaturadas necessárias à sua manutenção, portanto sua produção não é capitalista;
quando o Norte rompe com o colonialismo, o inglês, na Guerra Civil de 1861-1865, a burguesia iça-se ao
poder a “favor do pleno desenvolvimento de forças produtivas e relações de produção capitalistas”
(MAZZEO, 1997, p. 118-119) E o Norte industrial desbanca o Sul agrário-escravista. Há que se pontuar
ainda que, por exemplo, no caso africano, as potências, face à guerra de libertação nacional, negociam a
transferência do poder às ‘elites locais’, muitas vezes até criadas artificialmente, em troca da permanência
de seus vínculos político-econômicos, abortando as lutas revolucionárias. E a violência imperialista
continuou sobremaneira naqueles países que se decidiram pela via socialista.
99
Nas colônias de exploração, de modo geral, a produção - a plantation - monocultura para exportação -
açúcar, tabaco, algodão, cacau, madeira, etc. - é plantada na grande propriedade rural, não dando lugar
para a pequena propriedade. Tratam-se, pois, de formações sociais já capitalistas, de um lado, por
erigirem-se articuladas ao pólo hegemônico como centros de produção para o mercado mundial e, de
outro, por já usarem “o trabalho de conteúdo capitalista, este, no entanto, é realizado sob uma forma não-
capitalista [- o trabalho escravo -], onde o capital se utiliza das formas existentes em uma fase anterior à
produção [especificamente] capitalista” (MAZZEO, 1997, p. 35), isto é, o trabalho subsume-se
formalmente ao capital, ainda sem modificações essenciais na forma e na maneira do processo de
trabalho, do processo de produção.

95
em cavar um nicho para si próprio” (FERNANDES, 1975, p. 269), para crescer,
expandir-se e, talvez, universalizar-se. A formação e expansão do capitalismo
monopolista ocorrem de modo diverso do concorrencial (FERNANDES, 1975;
HOBSBAWM, 1995), de um lado, por conta das exigências históricas e materiais para a
efetivação deste padrão de acumulação, à medida que ele impõe e implanta, aqui, a
“dominação burguesa” com a “transformação capitalista”, englobando alterações na
organização da produção (de todos seus ramos existentes e de outras esferas) e do
trabalho assalariado. Portanto, exige100 alta concentração demográfica, impulsionando a
formação de um mundo urbano-comercial e urbano-industrial em oposição ao mundo
rural, ao campo; a preponderância do trabalho assalariado e da relação salarial; uma
apreciável renda per capita e padrão de vida de estratos médios e altos da classe
hegemônica bem como da população trabalhadora incorporada ao mercado de trabalho;
a existência de um mercado interno forte e articulado em escala nacional e
internacional, para dar maior crescimento ao crédito, ao consumo e à produção; a
“modernização conservadora” e a captura do Estado pela burguesia etc. Salta, à vista, a
natureza, eminentemente, política desse processo, pois, o capital, ao defrontar-se com
obstáculos a seu domínio para a exploração da periferia “a partir de dentro”, marcha
com o imperialismo.
E, de outro, esta é uma (re)incorporação devastadora e destrutiva para a periferia
(FERNANDES, 1975; MANDEL, 1985; MÉSZÁROS, 2002; BRUIT, 1987;
ANTUNES, 1996), quando a sociedade brasileira transforma-se em um ativo pólo da
reprodução ampliada do capital, originária do período pós-Segunda Guerra Mundial,
mormente, nas décadas de 1950 e de 1960. Nela, passa então a compor um novo padrão
de acumulação do capital, gerador de um processo de desenvolvimento capitalista
desigual e combinado, o qual imprime diferentes níveis de acumulação de capital entre
os países interligados pelas relações capitalistas de troca – o efeito concreto da lei do
valor – como resultado da relação centro e periferia, aquela que se instala e se
intensifica aqui a partir 1955, e tem a grande indústria ou a indústria moderna101 como

100
Para Fernandes (1975), esse padrão de acumulação de capital com essas exigências fizeram com que
“poucas nações da periferia pudessem absorver o padrão de desenvolvimento inerente ao capitalismo
monopolista através de um simples desdobramento de fronteiras econômicas, culturais e políticas.
Imediatamente, antes e depois da Primeira Grande Guerra, apenas o Canadá, a Austrália e a África do Sul
dispunham de condições internas que conferiam a viabilidade de uma transferência global (embora
paulatina) desse padrão de desenvolvimento, por meio dos processos normais de conquista econômica”
(p. 252).
101
Para o exame histórico detalhado da indústria gigante ou empresa multinacional, cf. Sweezy e Baran
(1974), Santos (1977), Hymer (1978) e Chesnais (1996).

96
seu motor dinâmico. E, não importa o “apregoado ‘nacionalismo’ dos industrialistas e
das classes médias, (...) a periferia, como um todo, atrasou-se em relação às economias
centrais, que a engolfaram em sua própria transformação” (FERNANDES, 1975, p.
260-261).
Os grupos de monopólios impulsionam, no processo de reprodução ampliada do
capital, o aprofundamento da diferença entre os países do centro e da periferia, já sob
relações de troca desiguais, que se expressam no desenvolvimento desigual e
combinado do capitalismo em escala mundial com baixos salários para a força de
trabalho e, para a periferia, salários mais inferiores ainda, assim que elegem como
estratégia a política “poupadora de trabalho”, para conseguirem superlucros. Essa
diferença ocorre pela presença de novos elementos próprios da acumulação capitalista –
o desenvolvimento desigual das forças produtivas, a produtividade do trabalho social e a
taxa de mais-valia – que, de certa maneira, obstaculizam o processo de valorização do
capital e a realização da mais-valia na periferia ao mesmo tempo em que diminuem as
condições da participação de seus países no mercado mundial.
À cata de lucros exacerbados com a produção de bens acabados aliada ao
apoderamento, a qualquer custo e meios, de fontes de matérias-primas (minerais,
agrícolas e industriais),102 o grande capital constitui então a sua exploração pelo

102
“No Brasil, as esplêndidas jazidas de ferro do vale do Paraopeba derrubaram dois presidentes - Jânio
Quadros e João Goulart - antes que o marechal Castelo Branco, que tomou o poder em 1964, os cedesse a
Hanna Mining Co. Outro amigo anterior do embaixador dos Estados Unidos, o presidente Eurico Gaspar
Dutra (1946-51), tinha concedido à Bethlehem Steel, alguns anos antes, os quarenta milhões de toneladas
de manganês do Estado de Amapá, uma das maiores jazidas do mundo, em troca de 1,4% para o Estado
sobre as rendas de exportação; desde então, a Bethlehem Steel está transferindo as montanhas para os
Estados Unidos com tal entusiasmo que se teme que daqui a quinze anos o Brasil fique sem manganês
para abastecer sua própria siderurgia. De resto, de cada cem dólares que a Bethlehem investe na extração
de minérios, oitenta e oito correspondem a uma gentileza do governo brasileiro: as isenções fiscais em
nome do ‘desenvolvimento regional’. (...) Por sua parte, o ditador René Barrientos apoderou-se da Bolívia
em 1964 e, entre uma e outra matança de mineiros, outorgou à firma Philips Brothers a concessão da
mina Matilde, que contém chumbo, prata e grandes jazidas de zinco com um teor doze vezes mais alto do
que as minas norte-americanas. A empresa foi autorizada a levar o zinco em bruto (...) pagando ao Estado
nada menos do que 1,5% do valor do mineral. No Peru,em 1968, perdeu-se misteriosamente a página
número 11 do convênio que o presidente Belaún de Terry tinha firmado aos pés de uma filial da Standart
Oil; o general Velasco Alvarado derrubou o presidente, tomou as rédeas do país e nacionalizou os poços e
a refinaria da empresa. Na Venezuela, no grande lago de petróleo da Standart Oil e da Gulf, tem lugar a
maior missão militar norte-americana da América Latina. Os freqüentes golpes de Estado da Argentina
explodem antes e depois de cada licitação petrolífera. O cobre não está de modo algum alheio à
desproporcionada ajuda militar que o Chile recebia do Pentágono até o triunfo eleitoral das forças de
esquerda encabeçadas por Salvador Allende; as reservas norte-americanas de cobre tinham caído em mais
de 65% entre 1965 e 1969. Em 1964, em seu gabinete em Havana, Che Guevara me mostrou que a Cuba
de Batista não era só de açúcar: as grandes jazidas cubanas de níquel e manganês explicavam melhor, em
seu juízo, a fúria cega do Império contra a revolução. Desde aquela conversação, as reservas de níquel
dos Estados Unidos se reduziram a um terço: a empresa Nicro-Nickel fora nacionalizada, e o presidente
Johnson ameaçara os metalúrgicos franceses com o embargo de seus envios aos Estados Unidos se
comprassem o minério de Cuba” (GALEANO, 1992, p. 148-149).

97
“decréscimo relativo da parte variável do capital” (MARX, 1985b, p. 193), ou seja, pela
tendência à economia de trabalho vivo, priorizando a exploração da mais-valia relativa
com o uso intensivo do capital e de tecnologia, e a sua desvalorização a cada dia, em
lugares da periferia identificados como estratégicos para o capital industrial.
Desde a origem do capital industrial no Brasil, que se deu por São Paulo, com a
maior representatividade para a indústria de transformação, iniciando com a têxtil – 19
do total (89,4%) de 95 empresas (CANO, 1977, p. 141), expandindo depois para a de
alimentação (além de outros produtos como móveis, serrarias, sabão, velas,
medicamentos, chapéus, calçados etc.), sendo que as indústrias têxteis contavam com
matérias-primas locais e baixo uso de capital, já sofriam a concorrência desigual de
produtos “de fora”, duplicando os teares e o número de operários (BANDEIRA, 1908).
E desde essa época eram importadas máquinas e equipamentos para a indústria e a
agricultura brasileiras (Anuário Estatístico de São Paulo, 1904). Retarda-se o avanço da
produção de bens de capital no Brasil.
A natureza do desenvolvimento capitalista desigual e combinado agrava as suas
contradições, que tomam aqui formas inusitadas. Como particularidade histórica, a
grande indústria – a norte-americana, mas, também, a européia e a japonesa – introduz,
aqui, empresas industriais de “novo estilo”,103 constituindo-as, qualitativamente, como
parte determinante de sua operação externa – a produção generalizada de mercadorias –
que, no processo de reprodução ampliada do capital, acelera a penetração do grande
capital na periferia, cuja expansão persegue, ininterruptamente, a realização da mais-
valia. As relações sociais entre os homens expressam-se, nos aspectos econômico,
político, social e cultural, como relações antagônicas: entre o desenvolvimento das
forças produtivas e a apropriação e concentração dos meios de produção; entre a
acumulação de capital e a superexploração da força de trabalho.
O fortalecimento dessas relações expressa-se no “caso da Fábrica Nacional de
Motores (FNM)” do Rio de Janeiro, e que não nasceu sem a permissão dos EUA.

103
Essa denominação “novo estilo” é apropriada de Chesnais (1996) pela pesquisadora. No final da
década de 1950, desencadeia-se, face à tendencial queda da taxa de lucros, a conversão de grandes
empresas nacionais norte-americanas em grandes indústrias “multinacionais”, “transnacionais”, que
passam a criar, no exterior, “bases” de vendas, de produção e de investimento – em “unidades de
produção” - principalmente, na Europa e América Latina, para investirem onde é mais produtivo
(HYMER, 1978); essa natureza “rentista” remonta aos anos de 1965-1975, no Terceiro Mundo,
principalmente, em ramos da indústria, como as montadoras automobilísticas e a petroquímica, onde que
as empresas industriais de “novo estilo” transferem tecnologias ou marcas comerciais a empresas locais,
que não têm condições “mínimas de escala, de rentabilidade e de tecnologia”. Só assim participam no
mercado mundial.

98
Construída ao longo da década de 1940, cujo desempenho no ramo de materiais de
transportes pesados, a FNM assume uma forma tradicional de dominação sobre a
reprodução social dos trabalhadores – a da fábrica “como escola” e com vilas operárias.
Como fábrica gerida pelo Estado brasileiro, primeiro como indústria de motores de
aviação e depois adaptada para montagem de veículos pesados (motores de caminhão),
é transformada em sociedade anônima em 1947, e em 1950, institui o serão ou hora
extra como extensão da jornada de trabalho, vista como trabalho dobrado pelos
operários, expressando a prática da exploração da mais-valia absoluta.
Já havia nessa época, no Brasil, a defesa do livre mercado e da abertura para o
capital estrangeiro bem como a difusão do disciplinamento do trabalho industrial pelo
taylorismo.
Esta fábrica, ao ser comprada por uma corporação estrangeira, em 1968,104 a
Alfa Romeo, que, em 1976, passa a ser a Fiat –, por fim, introduz, por meio de outra
forma de racionalização da produção (a “modernização” do maquinário) – a exploração
da mais-valia relativa –, a intensificação do trabalho, a partir da economia de trabalho
vivo (um operário opera três máquinas ao mesmo tempo), gerando uma massa de
desempregados. Antes de a Fiat chegar, eram seis mil trabalhadores. Isso modifica a sua
organização e a forma de cooperação e outros regimes de trabalho, inclusive com a
estabilidade posta em xeque, além da perseguição aos operários “antigos” pela sua
movimentação sindical.
Outros exemplos específicos do que ocorre no Brasil é o da siderurgia,
metalurgia, a indústria química, a mecânica e outros ramos modernos. São criados sob a
égide da grande indústria, tornando-se a sua base, e constituída pela combinação de
transferência de tecnologia avançada e obsoleta com a mudança da organização do
trabalho. Este processo, principalmente, na indústria têxtil, não implica no
desaparecimento, mas na refuncionalização da produção doméstica artesanal ou
manufatureira. Processo este diferente do que vivenciara a Inglaterra e outros países
altamente industrializados onde que o crescimento e a concentração das pequenas e
médias empresas deram origem à grande indústria, destruindo, na sua maioria, as
formas pré-capitalistas.
Sob um comando centralizado, essas empresas industriais de “novo estilo”, sem
abrir mão de sua base nacional e como resultado dos acordos de partilha do mundo já,

104
Uma CPI foi instaurada, na época, para saber das razões de sua venda ao capital estrangeiro, mas foi
arquivada.

99
de antemão, consolidados entre as potências, instalam-se em áreas de maior
concentração urbano-industrial, no momento em que de fato se configura no Brasil “o
capitalismo monopolista como realidade histórica propriamente irreversível”
(FERNANDES, 1975, p. 255). Processo irreversível não no sentido de que só se põe
esta perspectiva civilizatória para a periferia, mas sobretudo porque ele é resultado
histórico da luta de classes no Ocidente, operada pela revolução burguesa na Inglaterra e
na França – a verdadeira revolução na acepção do termo –. Ambas põem abaixo o
ancien régime. E ele – o capitalismo monopolista – na sociedade brasileira, “só adquire
caráter estrutural posteriormente à ‘Revolução de 1964” ((FERNANDES, 1975, p. 225).
Aí, é um processo sem volta até que outra formação social – mais elevada – tome o seu
lugar e supere esse “estado de coisas”, erodindo o processo de desenvolvimento das
forças produtivas que lhe dá sustentação e gestando outras relações de produção, cuja
gênese está fincada no seio da antiga, mas que só ocorrerão se as condições materiais de
existência da nova sociedade, historicamente, já tenham sido dadas.
Desfavorável aos trabalhadores assalariados, o capitalismo monopolista marca
o início da (re)incorporação subordinada do Brasil ao centro e, sem obscurecer a
importância do desenvolvimento das forças produtivas nesse estágio, ainda que
viabilizado por um imperativo vindo “de fora” e introjetado “por dentro” pela burguesia
brasileira, deve-se atentar para o fato de que esse desenvolvimento é, ao mesmo tempo,
dinamizador das relações de produção especificamente capitalistas aqui.
Desse modo, as empresas industriais de “novo estilo”, fundadas em uma
concepção diversa das chamadas filiais ou concessionárias, do tempo concorrencial,105
operam no exterior não só como especuladoras e não só como vendedoras de seus
produtos a seu país de origem e a seus pares, mas, organicamente, ligadas a um poder
105
Essas filiais ou concessionárias, segundo Fernandes (1975), exploram no país a produção e
fornecimento de energia elétrica; operação de serviços públicos (transportes por bonde, ou trem; gás;
telefones etc.); exportação de produtos agrícolas ou derivados industrializados, carnes, minérios etc;
produção industrial de bens de consumo perecíveis, semiduráveis para o mercado interno; loteamento de
terrenos, construção de casas ou venda de terras para fins agrícolas; comércio interno, especialmente nas
esferas em que se tornara típico de uma sociedade urbano-comercial de massas, em transição industrial;
operações de crédito, de financiamento e bancária; projetos de desenvolvimento agrícola ou urbano, em
conexão com a iniciativa privada ou o poder público etc. Nesse período, suas influências se diluem nos
mecanismos de uma economia competitiva em diferenciação e expansão. Só excepcionalmente logram
transformar o controle econômico segmentar em fonte de um monopólio real (o que às vezes sucedia, em
função das circunstâncias, como poderia exemplificar com a Light e outras empresas que operavam
serviços públicos); e com freqüência, submetem-se aos mecanismos competitivos do mercado interno,
desfrutando vantagens extra-econômicas (procedentes de sua organização, de privilégios legais ou
concessões públicas, do porte relativo de sua capacidade empresarial ou produtiva etc.). Contudo elas não
concorrem para a emergência e a irradiação do capitalismo monopolista a partir de dentro. Ao contrário,
as matérias-primas e as parcelas do excedente econômico drenadas para fora polarizam-se na expansão do
capitalismo monopolista nas próprias economias centrais” (p. 255).

100
central. Elas entranham-se em vários países não-hegemônicos do centro e nos da
periferia106 e voltam-se, também, para seus mercados internos, buscando auferir
superlucros e a realizar investimentos “rentistas” para a grande indústria figurar em um
lugar preponderante no conjunto dos grandes bancos e instituições financeiras.
Assim, elas lideram no país o mais avançado processo de internacionalização do
capital. Por intermédio delas, a grande indústria controla a produção, o consumo, a
distribuição e a troca de mercadorias, submete a pesquisa, dissemina a tecnologia moderna
– as inovações – e, ainda, livra-se das máquinas e dos equipamentos “obsoletos”,
descartando-os para a periferia, além de gozar dos baixos custos industriais (infra-estrutura
como transportes e rodovias, matérias-primas, incentivos e subsídios fiscais e creditícios,
remessa de lucros aos países de origem, poluição, lixo etc.). E mais: superexplora a força de
trabalho assalariada, incorporando-a ao mercado de trabalho mundialmente unificado107, e
condiciona-os a se enfrentarem como “inimigos na concorrência, (...) é o fenômeno da
subordinação dos indivíduos isolados à divisão [capitalista] do trabalho” (MARX, 1988, p.
58). Isso, porque, contraditoriamente, a relação antagônica entre o capital e o trabalho
produz e reproduz a oposição de trabalhador contra trabalhador ao mesmo tempo em que
confronta trabalho contra trabalho, para “muitos capitais” extraírem dos operários, lançando
mão do “decréscimo do capital variável”, o máximo de mais-trabalho ou trabalho excedente
na produção capitalista e, assim, garantirem a realização da mais-valia e a acumulação.
Com isso, é gerada a população excedentária, isto é, a população trabalhadora que, por não
encontrar a quem vender a sua força de trabalho, se torna supérflua.

106
As empresas industriais norte-americanas de “novo estilo”, da metade da década de sessenta, segundo
Santos (1977), “controlam 100% de suas vendas (...) com respeito ao Canadá, em certos ramos, como
transportes, equipamento e maquinaria, exceto elétrica. Relativamente aos derivados de borracha, essas
[empresas] representam 72,2% das vendas locais; no que respeita ao setor químico, representam 50,2%
das vendas em todo o Canadá. Papel e produtos similares significam 42,6%; metais primários e
fabricados, 25,1%; produtos alimentícios, 21,8%. Com relação à América Latina, veremos que o setor de
derivados de borracha, por exemplo, é controlado em 58,1% pelo capital norte-americano. (...) no tocante
à química, 28,3%; em produtos básicos de metal, 20,2%; em papel e celulose, 18,4% e, em produtos
agrícolas, 7,9%. Na Europa ou Inglaterra, (...) a participação [norte-americana] em vendas de derivados
de borracha de 12,7%; em transportes e equipamento, de 12,8%. Em maquinaria, exceto elétrica, 9,7%;
em maquinaria elétrica, 9,1%; em químicos, 6,2%; em produtos alimentícios, 3,1%; em papel e celulose,
1,2%; em metais primários e manufaturados, 2,4%. Esses dados não revelam, no entanto, a extensão do
controle que estes investimentos têm sobre os lugares por onde se orientam. (...) o investimento direto
norte-americano cresceu no exterior de maneira impressionante entre 1929 e 1970 (...) US$ 7,5 bilhões
em 1929, US$ 11,8 bilhões em 1950 e US$ 78,1 bilhões em 1970” (p. 54-57).
107
As grandes indústrias norte-americanas, no dizer de Hymer (1978) “empregam diretamente entre cinco
e sete milhões de pessoas em países estrangeiros e, indiretamente, através de subcontratação, licenças etc.,
a um número crescente, ainda que desconhecido. Para estabelecer uma comparação, o emprego total das
500 maiores empresas é de 13 ou 14 milhões (a cifra inclui parte, mas não a totalidade) de empregados no
exterior, o que significa que muitas grandes empresas têm cerca de 30, 40 ou 50% ou mais de sua força de
trabalho fora dos Estados Unidos” (p. 96).

101
Com a acumulação do capital produzida por ela mesma, a população
trabalhadora produz, portanto, em volume crescente, os meios de sua própria
redundância relativa. (...) Mas, se uma população trabalhadora excedente é
produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com
base no capitalismo, essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da
acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção
capitalista (MARX, 1985b, p. 200).

Essas condições materiais expressam ser mais vantajoso para as potências


produzirem no exterior.
O Plano de Metas do governo Kubitschek (1956-1960), consubstanciado no
desenvolvimentismo associado aos interesses do grande capital internacional e
brasileiro, e com o objetivo de transformar o Brasil em um país industrializado, é o que
instala os setores produtores de bens de capital e de bens de consumo duráveis – aqueles
que comandam o processo de acumulação de capital do setor privado industrial – como
as indústrias de material de transporte e de material elétrico.108 E o faz de modo
enviesado, quer dizer, com peso maior na produção de bens de consumo duráveis,
permitindo “o desenvolvimento acoplado da indústria metal-mecânica que complementa
internamente a sua própria produção de bens de capital” (TAVARES, 1998, p.78).
Época reconhecida por vários pesquisadores como a primeira fase da
industrialização “pesada”, este acontecimento incide no momento da expansão, aqui,
pela primeira vez, de empresas industriais de “novo estilo”109 e de outras determinações
objetivas embasadas em uma lógica de conluio entre a esfera pública e a privada.
Assim, o investimento público é canalizado para a área privada internacional/nacional
sob a forma, muitas vezes, de orçamento líquido (da União, dos Estados e dos
Municípios), de meios de comunicação e de transportes, de infra-estrutura (energia,
alimentação, estradas, hidrelétricas e extração de petróleo), a ampliação da produção
diversificada da agricultura,110 acelerando o processo de modernização da indústria de

108
De 1955 a 1959, o investimento industrial cresce 22% ao ano, com investimentos em indústrias de
material de transporte (em fase de montagem) e de material elétrico e mecânico, que crescem em média e
consecutivamente neste período 80%, 38% e 43%, crescendo de 12% para 38%” a sua participação no
investimento total da indústria (SUZIGAN et al., 1974).
109
Um exemplo digno de nota é a entrada no país de grandes montadoras, as quais, sob a forma de
indústria automobilística, transferem a maquinaria obsoleta para o Brasil – a Ford, Volkswagen, Simca-
Chambord Willys-Overland e General Motors (GM). Estas grandes indústrias instalaram empresas
industriais de “novo estilo” na Região Centro-Sul do Brasil, principalmente, nas cidades de Rio de
Janeiro, São Paulo e ABC paulista (Santo André, São Caetano e São Bernardo).
110
“A ‘fronteira’ agrícola de São Paulo, que havia se ampliado em direção à região noroeste do estado
durante a década de 1920, passaria por nova expansão (...) entre 1930 e 1956 (...). O nível tecnológico de
sua agricultura, superior ao da média nacional, ofereceria as pré-condições para sua expansão
diversificada, beneficiada pelas pesquisas realizadas com recursos do governo estadual, entre outras,
aquelas para melhoria e desenvolvimento das culturas do algodão e cana-de-açúcar. Além disso, a

102
bens de produção e sua dependência externa, inclusive a tecnológica. É quando ocorre a
maciça transnacionalização de parte dos processos de produção e de troca, e do trabalho
para a periferia, e que, na realidade brasileira, se agiganta na década de 1970,
reforçando-se a predominância industrial de São Paulo em relação aos outros estados
111
brasileiros, com os maiores níveis de força de trabalho empregada, e, também, os
mais altos índices de greves do país. Ressalta-se que esta última questão, mesmo
importante, não cabe no objeto do presente estudo.
Deste modo, os investimentos são direcionados para a instalação das indústrias
automobilísticas e de autopeças na Região do ABC paulista, porém, as têxteis e as
alimentícias continuam preponderantes. A hegemonia industrial da Grande São Paulo
permanece no país, contando com 27.485 estabelecimentos e 721.814 trabalhadores
ocupados na indústria de transformação,112 enquanto a sua agricultura já movimenta
“40% dos tratores utilizados no Brasil [com] participação semelhante nas despesas
realizadas com adubação, corretivos e fungicidas e um terço do total do crédito rural”
(NEGRI, 1996, p. 112), e a produção de bens de produção e a de bens de consumo
duráveis alcançam um terço da produção industrial.
Assim, a sociedade brasileira, de agrário-exportadora de café e de açúcar, com 60%
da população no campo e, aproximadamente, 30 milhões de brasileiros dependentes dessa
área, passa a exportadora de manufaturados. Se, por um lado, essa condição atrai
trabalhadores de toda parte do Brasil, aumentando os processos do êxodo rural – a saída dos
trabalhadores do campo para as cidades –, e da migração de nordestinos e nortistas de suas
regiões para a do Centro-Sul e outras localidades do país, cujo acesso é facilitado, nos anos
sessenta, pela construção da rodovia Belém-Brasília, por outro, em âmbito interno, só a
burguesia e a classe média alta são – as únicas – capazes de comprarem os bens de consumo
produzidos pelas empresas industriais de “novo estilo”.
Nessas condições, liquida-se, como afirma Ianni (1971), o nacionalismo
desenvolvimentista e a política de massas (combinação de interesses do proletariado,

urbanização exigiria maior esforço do setor agrícola no sentido de ampliar a produção de alimentos”
(NEGRI, 1996, p. 72). E, segundo Cano (1985), as condições principais para essa expansão eram “terras
férteis disponíveis e incorporadas, abundante oferta de trabalho e disponibilidade tecnológica” (p. 162).
111
“A Grande São Paulo já concentrava dois terços do valor da produção industrial estadual e pouco mais
em pessoal ocupado. A capital, sozinha, era responsável por 54,4% do pessoal ocupado e por 51,1% da
produção industrial. (...) com segmentos mais novos e complexos de bens de capital e de bens de
consumo duráveis respondendo por mais de um quinto do total regional, enquanto a produção de bens
intermediários já igualava o valor de produção de bens de consumo não-duráveis. A têxtil continuava
sendo o principal ramo” (NEGRI, 1996, p. 91).
112
IBGE/SEADE, 1956, in NEGRI, 1996, p. 112.

103
classe média e burguesia industrial) do modo getulista de governar. Daí, é posta à
periferia, recentemente industrializada, a dinamização da indústria de bens de capital.
Essa mudança de eixo é puxada pela imposição à periferia de um processo de
industrialização tardio, para que o Brasil e os demais países de Terceiro Mundo
continuassem a alimentar o processo da acumulação capitalista detonado nas sociedades
do centro e hegemonizado pelos EUA, e que agora os grandes grupos monopolistas
voltam-se, também, para a realização da produção de bens acabados nos próprios países
da periferia, e que ali poderiam ser vendidos a preços de monopólio, uma vez que as
matérias-primas havia se tornado muito baratas (MANDEL, 1985). É clara a tendência
de queda dos índices de produção da agricultura e dos serviços em relação aos da
indústria, ao visualizar-se, na Tabela 1, a participação do Produto Interno Bruto (PIB)
de São Paulo no total do Brasil, nos anos de 1970, 1980 e 1990.113
Desde o Censo de 1960, a Grande São Paulo já era indicada como a detentora
(56%) da produção industrial e “a concentração no tocante às ‘indústrias dinâmicas’
[atingiu] perto de 60%” (CANO, 1977, p. 11). Essa condição é fortalecida pelas migrações
internas, de modo crucial, como já analisado anteriormente, a dos “retirantes” nordestinos
devido às grandes secas daquela região, enquanto define-se e conforma-se a produção
agrícola nos outros estados. Essa polarização é colocada por diversos pesquisadores
brasileiros como “desequilíbrios regionais” ou como “questões regionais”, cuja explicação
joga, muitas vezes, o desenvolvimento capitalista desigual e combinado como um problema
endógeno, inclusive sustentando que a “concentração” industrial na capital e Estado de São
Paulo é a causa da pobreza e miséria das várias regiões consideradas por muitos estudiosos
como periferia no próprio país (NEGRI, 1996). Esse processo retarda ainda mais, nesses
outros lugares, a criação de relações especificamente capitalistas de produção, pois, só com
o desenvolvimento da indústria de bens de capital “para além da demanda” é que se pode
dizer que se inicia a “industrialização” da agricultura e, simultaneamente, força a expansão
e modernização da malha viária e dos transportes rodoviários, ao mesmo tempo em que
desvia e desanda o interesse pelas ferrovias.

113
Tabela 1
Participação do PIB de São Paulo no total do Brasil (valor em %)
Setores Anos 1970 1980 1990
Agropecuário 18,0 14,2 14,1
Industrial 56,5 47,2 42,5
Serviços 35,0 34,8 32,2
TOTAL 39,4 37,5 33,9
Fonte: 1.Revista Conjuntura Econômica,maio/1987, v. 41, n. 5.
2.Fundação Seade,1990. In: Negri, 1996, p. 170.

104
Se a análise que se vem realizando é correta, o Estado brasileiro, apanhado pelo
capital industrial, compele as empresas industriais “de novo estilo” a difundirem esse
capital, a economia de trabalho vivo e a exploração da mais-valia relativa para os lugares da
periferia onde operam e passam a atuar como substitutos de “mercados imperfeitos”, pela
sua necessidade de superacumular. Como induzem, de modo diferenciado da “forma
clássica”, as condições necessárias à subordinação real do trabalho ao capital e,
conseqüentemente, à constituição de relações especificamente capitalistas, forçam,
incrementam e englobam a agricultura nesse processo com a instalação da grande empresa
rural moderna incrustada no complexo agroindustrial, contando com a presença “tanto de
trabalhadores assalariados já consolidados, quanto de migrantes sazonais em processo de
proletarização, (...) partícipes de uma mesma superpopulação relativa” (IAMAMOTO,
2001, p. 189), face ao lento e desigual desenvolvimento das forças produtivas e das relações
sociais em alguns lugares do Centro-Sul, ou mesmo, a escassez e a inexistência dele no
rumo Centro-Oeste e Centro-Norte.
Por isso, há que se levar em conta que o processo de “industrialização” da
agricultura, no Brasil, segundo Guimarães (1982), ocorre demasiado tarde, em um
movimento também “de fora para dentro”. Comandado pela grande indústria, ele vai se
estendendo e operando por diferentes processos a “modernização conservadora” e que
resulta no controle da agricultura por aquela. Dá-se aqui a origem do complexo
agroindustrial – com a instalação da grande empresa agropecuária moderna – que sela a
união, na mesma unidade produtora, da grande lavoura e da grande indústria. Está
reposta a relação entre a agricultura e a indústria! Tanto a agricultura moderna não pode
se desfazer da indústria moderna de bens de produção, que a abastece de máquinas-
ferramentas e outros equipamentos, como a indústria moderna não pode eliminar a força
de trabalho viva – a “mercadoria especial” –, cuja reprodução social é sustentada pela
agricultura moderna. Estão dadas, pelo processo histórico, as condições materiais que
tornam possível – como um processo constituído internamente – a subsunção real do
trabalho ao capital para, finalmente, o grande capital economizar trabalho vivo e poder
contar, aqui, com uma extensa população trabalhadora à sua disponibilidade.
Essa dinâmica, que se alia à descentralização (ou desconcentração, como
defendem Negri e Cano) do processo de industrialização, a partir da década de 1970,
para outras regiões, efetiva-se pelo Estado brasileiro, na ótica da transformação do
Brasil em “potência mundial”, tendo o crédito rural como a arma mais importante do
processo de “modernização” da agricultura, segundo Bandeira (1999). Por meio de

105
programas e projetos, eminentemente, econômicos associados ao Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND), como o de 1971 – o I PND – o Programa de Redistribuição de
Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (Proterra) e o Programa de
Desenvolvimento do Centro-Oeste (Prodoeste), e o de 1974 – o II PND – o Programa de
Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro) e o Programa Especial de
Desenvolvimento da Região Geoeconômica de Brasília (Pergeb).
No primeiro, os programas priorizam o fomento à indústria, à agroindústria, à
pecuária, às migrações internas de desempregados, às “rodovias de penetração”, à rede
de silos, aos armazéns, às usinas de beneficiamento, aos frigoríficos, à pesquisa, às
lavras de minérios, dinamizando as “forças de mercado” e privilegiando as médias e
grandes propriedades, próprias para a aplicação do capital industrial. Eles incentivam a
produção de bens considerados “modernos”, como a cana-de-açúcar para a produção de
álcool, soja e seu farelo e milho, para exportação, portanto, uma agricultura moderna e
capitalizada, destruidora de postos de trabalho na indústria da Região Metropolitana de
São Paulo nos anos oitenta e do seu crescimento nas áreas fora do circuito paulista, com
a liderança de Campinas (14,6% do pessoal ocupado, em relação aos 37,2% para a
capital São Paulo e 24,8% para os demais municípios)114 no interior, devido à expansão
do processo da agroindustrialização, na metade desta mesma década já anunciada.115
No segundo, os programas buscam a modernização e a ocupação “racional” (lê-
se: poupadora de trabalho) de áreas do Centro-Oeste e do Centro-Norte, e o
redirecionamento do fluxo migratório de Brasília, para as suas áreas de abrangência
capazes de absorvê-los, em parte, nos setores agroindustriais e agropecuários.
Já em 1961,

na competição entre o capital privado nacional e o capital


privado estrangeiro, os monopólios internacionais estão levando
grande vantagem, pois dentre as 66 empresas de maior
concentração (que detém 46,3% do capital das 6.818 sociedades
anônimas) preponderam 32 empresas estrangeiras, com o capital
de 100,8 bilhões de cruzeiros, contra 19 empresas ou grupos
privados nacionais, com o capital de 39 bilhões de cruzeiros. (...)
Bom número das grandes empresas estrangeiras teve radia
expansão nos anos recentes, galgando os primeiros lugares, na
ordem de grandeza dos capitais, em virtude das generosas
concessões que lhes foram feitas (Instrução 113, câmbio de

114
FIBGE – Censos Industriais de 1980 e 1985.
115
Negri (1996) defende que a “desconcentração” da indústria para o interior sentiu menos os efeitos da
crise de 1981/1983, uma vez que ainda maturavam investimentos iniciados no final da década anterior.

106
custo etc., etc.) pelo Estado, assim como pelos lucros de
monopólio que extraem em nosso País (GUIMARÃES, 1982, p.
94).

E as empresas estatais, em 1974, só alcançaram “25,2%, (...) E isso a despeito de


que o patrimônio líquido e o pessoal ocupado fossem bem maiores. (...) Também o
Estado passou a explorar operários assalariados, apropriar-se de mais-valia. (IANNI,
1981, p. 46).
Daí implica entender esse padrão de acumulação como desenlace do Golpe de
1964 e que, ao impor – Brasil, ame-o ou deixe-o – aos brasileiros, a violência estatal
amalgama com a violência do grande capital monopolista, e, aqui, se constitui na
articulação entre o Estado burguês, o capital privado nacional e a grande indústria.
transnacional. Esta última, por encontrar-se interligada aos grandes trustes e monopólios
internacionais, é considerada, na sua natureza, tipicamente imperialista. Essa associação
torna-se fator de primeira ordem ao estímulo à industrialização brasileira por introduzir
alterações, que carregam de seus países de origem, nos processos da produção e do
trabalho, com a reorganização do mercado mundial.
Esse momento, delineado e configurado desde a metade dos anos cinqüenta para o
Brasil (e para as sociedades hegemônicas do centro, é no período da Primeira Guerra
Mundial que se situa o auge dessa primeira fase) consolida, para Negri (1996), o processo
da primeira fase da industrialização pesada, com concentração na cidade de São Paulo,
apanhando, também, o seu Entorno,116 quando a Região Metropolitana torna-se o maior
pólo de atração das correntes migratórias do país. Isto é, dá-se a condição última – a
produção de bens de capital “para além da demanda” – que completa as bases materiais
próprias de uma sociedade urbano-industrial na periferia, haja vista que esse mercado
mundial exporta “desenvolvimento econômico capitalista (e não somente firmas, controles
econômicos e produtos acabados, (...) e de apropriação indireta da maior parcela possível do
excedente econômico gerado)” (FERNANDES, 1975, p. 225).

116
No Entorno da Grande São Paulo, onde foram implantadas indústrias de metalurgia, química, material
de transportes, produtos de matéria plástica, borracha, papel, papelão etc., no dizer de Negri (1996) e
como defende Langenbuch, é devido à “elevação dos preços de terrenos; [à] deterioração das condições
de vida que já se faziam presentes nos transportes e na habitação; [às] manifestações que já se faziam
contra empresas poluidoras e problemas de abastecimento de água, entre outros. Tais problemas, mais
tarde, reproduzir-se-iam também nessas novas áreas e, em certos casos, com maior vigor que na capital,
como são os casos de Mauá, Mogi das Cruzes, Suzano e Diadema. Por outro lado, deve-se ter em vista as
facilidades da localização no ABC, em especial, no que toca à estrutura de transporte ferroviário e
rodoviário, a partir da Via Anchieta. Deve-se recordar que o ABC já se havia constituído em opção
locacional na década de 1920, por fazer parte do trajeto da ferrovia (EFS), tal como alguns dos principais
bairros industriais do próprio município de São Paulo” (p. 119-120).

107
Para esse nível de desenvolvimento do capitalismo na periferia, em que as
empresas de “novo estilo” já operam em outra escala “graças à concentração de massas
humanas, de riquezas e de tecnologias modernas em um número reduzido de
metrópoles-chave” (FERNANDES, 1975, p. 298).
E essa hegemonia da Região Metropolitana de São Paulo, conforme Negri
(1996), declina de 43,4% para 26,3%, no período que vai de 1970 a 1990, à medida que
se desenvolve o processo de industrialização pesada “desconcentrada”,117
caracterizando-se como espraiamento das relações de produção especificamente
capitalistas para o interior paulista e para os outros estados brasileiros, como estratégia
do capital, para buscar outras possibilidades de realização de mais-valia (MANDEL,
1985). Ao lançar mão desses dois momentos de industrialização pesada – tanto de
concentração quanto de desconcentração – afeitos à introdução da grande indústria, o
capital demanda, como já vem sendo analisado nesta exposição, “por determinadas
condições infra-estruturais, econômico-financeiras e políticas, [cabendo] ao Estado
brasileiro promovê-las, e o faz atuando como empresário das indústrias de base, de um
lado, e como patrocinador do ingresso do capital estrangeiro no país, de outro”
(GUERRA, 1998, p. 45), para gerar as condições político-econômicas favoráveis à
reprodução ampliada do capital e a sua expansão aqui, processo desencadeado desde os
anos trinta.
A expansão do capitalismo ou a tendência ao deslocamento do processo de
industrialização da Grande São Paulo, como querem Santos (2001), Cano (1977) e
Negri (1996), é apanhada depois dos anos setenta, enquanto um processo, mesmo
vagaroso, para o interior paulista118 e para fora do Estado de São Paulo com a migração
acelerada, principalmente, de montadoras de automóveis para as empresas industriais de
“novo estilo” instaladas em locais (como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do
Sul, Bahia e Paraná) definidos pelo grande capital. E as empresas “de novo estilo”, as

117
“A desconcentração, a partir da Grande São Paulo, continuou tendo dois sentidos: de um lado, o
restante da periferia nacional, principalmente, as regiões Norte, Centro-Oeste, os estados da Bahia, Paraná
e Minas Gerais, de outro, o interior de São Paulo, graças às políticas da década de 1970, à maturação de
investimentos anteriores e ao Pró-Álcool. Assim, na década de 1980, o interior de São Paulo, como na
década anterior, ampliou sua participação na indústria do país, chegando em 1990 a responder por 23%
deste total, quando detinha apenas 14,7% em 1970 e 20,2% em 1980. A evolução da agricultura
novamente contribuiu para essa desconcentração, quer por apresentar taxas superiores à média da
indústria, quer pelo seu menor crescimento em São Paulo” (NEGRI, 1996, p. 145).
118
Paulino (1998) observa que “em 1980, a capital de São Paulo representava 20% do PIB industrial
brasileiro; em 1995, essa participação caiu para 11%. A região do ABC, que respondia, em 1998, por 9%
da produção industrial brasileira, passou a contribuir, em 1995, com menos de 8%, [enquanto,] em 1995,
(...) o interior (...) elevou-se para 23,5%” (p. 42-43).

108
“nacionais” e as estatais mistas – sob o domínio Estado burguês/empresário – também,
passam a gerar acumulação capitalista, ao contrário de se enfrentarem enquanto
concorrentes e adversárias entre si, como no período do capitalismo concorrencial.
Tornam-se aliadas, por conveniência, em um processo mundializado de concorrência de
“muitos capitais”, sempre com superávits para as primeiras. Instituem maneiras
combinadas de cooperação e, muitas vezes, elas interpenetram-se de tal forma que é
impossível circunscrever uma indústria brasileira e determinar a existência de uma
burguesia nacional.

Particularmente, a industrialização será nestes últimos tempos, em proporção


considerável que se pode avaliar grosseiramente em pelo menos 40%, fruto
da implantação no país de subsidiárias associadas de grandes trustes
internacionais interessados no nosso mercado. (...) São os trustes que fixarão
as normas, o ritmo e os limites do desenvolvimento, para eles naturalmente
determinados pelo montante dos lucros que a economia brasileira é capaz de
proporcionar (...) a expansão das empresas imperialistas instaladas no país, a
ampliação de suas operações, proporcionarão lucros cada vez maiores e,
portanto, remessas mais vultosas para o exterior (PRADO, p. 126-129).

Nas décadas de 1970 e 1980, a classe operária é mais numerosa e amplia-se


pelas regiões do país e, a partir de 1990 e nas subseqüentes, sob a ditadura do capital
monopolista, constitui-se a tendência à sua diminuição – à economia do trabalho vivo –
nas áreas monopolizadas.

109
CAPÍTULO III

A economia de trabalho vivo em Goiás

O problema de países periféricos de nosso tipo não consiste


simplesmente em serem atendidos pela “propagação de técnica
moderna”, e adotarem em conseqüência essa técnica, e sim de criarem
as condições para isso, o que é bem diferente. E sobretudo colocarem
essa técnica a serviço de um objetivo de antemão determinado:
determinação essa que constitui o ponto mais complexo da questão.
De altíssimo nível técnico são as refinarias de petróleo da Venezuela e
do Oriente, mas nem por isso elas significam muita coisa para esses
países e suas populações.
Prado Jr.

As determinações ontogenéticas do processo de reprodução ampliada do capital


em uma formação social de origem colonial de exploração como a brasileira, à base de
um desenvolvimento capitalista desigual e combinado, cuja gênese e formação do
proletariado inscrevem-se no quadro geral próprio de um país da periferia, vêm forjando
a expansão do modo de produção capitalista por meio de relações sociais
especificamente capitalistas, também, em Goiás, e que, face à predominância de
governos autoritários, a grande burguesia, a “de dentro” e a “de fora”, ambas combinam
os conflitos classistas – decorrentes da exploração da mais-valia – a um controle
exacerbado da força de trabalho no espaço fabril, disseminando-o para a sociedade, de
modo geral.
A esse “estado atual de coisas” vale acrescentarmos que, se, ao povo brasileiro,
na década de 1960, impunham-lhe, de um lado, as possibilidades de rupturas estruturais,

110
de outro, em oposição, não lhe deixavam de, também, imputar as possibilidades de
conciliações com o grande capital internacional. E “mais uma vez, a solução política da
crise brasileira resulta da dependência estrutural” (IANNI, 1971, p. 126): o golpe de
Estado de 1º de abril de 1964 institui a ditadura militar e, com ela, o marco da
“liquidação da democracia populista”. Essa destruição põe a nu à classe trabalhadora,
principalmente, ao operariado urbano, as reais funções do Estado burguês:

a débâcle do populismo não é outra coisa senão a dissolução da ambigüidade


do Estado, determinada pelo movimento de centralização do capital. (...) o
Estado é agora produtor de mais-valia, e segue-se a isto que o seu caráter
opressor e repressor não pode ser mais mascarado. (...) A imbricação Estado-
burguesia chega ao seu ponto máximo de fusão; o movimento de
centralização tem duas faces: capital privado e o capital público, mas na
verdade ele é um só: é capital (OLIVEIRA, 1977, p. 89)

Os governos da ditadura militar, por quase duas décadas no Brasil, repõem com
a repressão policial o padrão de acumulação do capital que coaduna com os interesses
do grande capital, andamento já posto desde a metade dos anos cinqüenta. Deve-se
então tributar a eles não só a continuidade do processo da “revolução burguesa” na
periferia, explicitado agora no seu estágio monopolista maduro, mas encará-lo, também,
como um fato, eminentemente, político. À ”distensão lenta, gradual e segura”, que o
declínio da autocracia burguesa exigiu, sucede a “abertura mesmo restrita” sob a qual
ascende o processo de redemocratização na sociedade brasileira, recolocando na cena
política as forças democráticas e progressistas populares. Por essas razões, Fernandes
(1975) analisa que “se as burguesias (...) da periferia falharem nessa missão política,
não haverá nem capitalismo, nem regime de classes, nem hegemonia burguesa sobre o
Estado. (...) Elas querem: manter a ordem, salvar e fortalecer o capitalismo” (p. 294).
A análise histórico-política e econômico-cultural deste período de exceção nos
trópicos, já foi demasiadamente trabalhada119 e, por concordar com Ianni (1971) de que
se trata de um processo com largo e profundo enraizamento econômico, a ponto de
forçar a consolidação dos vínculos Brasil/EUA, e expandir a hegemonia norte-
americana, só resta enfatizar que

a) A deterioração das relações de troca tornou mais urgente a conveniência de


fazer com que a economia brasileira ingressasse na etapa da industrialização
de alto nível técnico. Tratava-se de exportar também manufaturados, em

119
Para um primoroso aprofundamento da discussão desse fenômeno no Brasil, cf. Ianni (1971; 1979,
1981); Fernandes 1981), Fernandes (1975), Netto (1991), Mazzeo (1997) e Germano (1993).).

111
competição com outros países, para enfrentar e superar rapidamente a
barreira representada pela queda relativa na entrada de divisas.

b) Entretanto, a necessidade de exportar produtos industrializados exige a


reformulação e eliminação das defesas que permitiram ou favoreceram a
criação e a expansão do setor industrial, na época de substituição de
importações.
c) Em conseqüências, impõe-se uma reformulação da maneira pela qual a
economia brasileira se insere na economia internacional. A necessidade de
alto nível técnico exige a associação crescente com as organizações que
monopolizam a tecnologia mais moderna nas nações de industrialização mais
avançada. E essas organizações são as empresas multinacionais, que mantêm
os laboratórios de pesquisa e monopolizam a tecnologia (IANNI, 1971, p.
154).

A penetração imperialista aqui busca abocanhar por meio de empresas


industriais de “novo estilo” ligadas aos trustes internacionais monopolizadores não só as
fontes de matérias-primas, mas a produção e venda de minérios não-ferrosos,120 dos
químico-farmacológicos, alcançando a área extrativista, o comércio e o capital bancário.
É quando a truculência do Golpe de 1964 constitui, de fato, o Planalto Central, rico em
minerais, em espaço da imposição da “dominação burguesa” e, simultaneamente, da
“transformação capitalista” articulada pela associação entre capital industrial associado
e grande burguesia contra-revolucionária, processo esse que busca consolidar o poder
burguês e o faz entrelaçando acumulação capitalista e desenvolvimento desigual e
combinado. Ao mesmo tempo, provoca tensões e conflitos nas relações de classe, com a
emergência e proliferação de movimentos de trabalhadores assalariados na cidade e no
campo. Deste modo, a periferia continua a abastecer os parques industriais dos países do
centro com matérias-primas, mesmo em estado bruto, em troca, comprando dentro do
próprio país produtos industrializados e mais caros dessas empresas industriais de “novo
estilo”. E, se os minérios constituem a base do poder industrial, este é um dos motivos
pelos quais as grandes potências organizam-se em monopólios, porque agora a disputa
pela exploração do subsolo (e, também, do solo e do aéreo) é mundial.

120
Temos, como exemplo, o controle das reservas de minério de ferro (e com o privilégio de ter um porto
particular para exportação) pela corporação norte-americana Hanna Mining Co; o amianto crisotila
pertence a dois grandes grupos – a Eternit,e a Brasilit com sua subsidiária Sama; a cassiterita do grupo
Galdeano, e o cristal é disputado pela Panambra e Usabra, dentre outros (TEIXEIRA, 2001). “Na
distribuição dos depósitos minerais pela natureza, certos países foram favorecidos, como a África do Sul
com o ouro, o Congo com o cobalto, a Nigéria com o tântalo, o Brasil com o berilo e a Federação da
Malásia com o estanho. (...) Para a maior parte desses metais, (...) nós estamos em perigo de nos vermos
privados (...) Entretanto, com a derrubada do controle pró-comunista do Brasil, a situação modificou-se a
nosso favor” (Revista Engenharia, Mineração e Metalurgia. Metais – a base da Supremacia Industrial dos
Estados Unidos, artigo do Dr. Charles Wright, assessor do Departamento de Estado norte-americano e ex-
chefe da Divisão de Mineração do U. S. Bureau of Mines. In: TEIXEIRA, 2001, p. 85).

112
Esse legado histórico-social é consolidado e aprofundado no pós-1964, que
impõe a irreversibilidade das relações capitalistas propriamente ditas na sociedade
brasileira e expõe a peculiar natureza da exploração de classe – a crescente redução do
trabalho vivo no chão da fábrica – no estágio do capitalismo monopolista maduro e no
contexto específico das condições materiais da industrialização tardia, conduzida agora
pelo Estado burguês autocrático.
É, pois, na década de 1970, em plena ditadura militar, que se desenrola no
Brasil, concomitante ao início de mais uma crise mundial e a desaceleração do
crescimento da indústria na Grande São Paulo, o espraiamento do processo de
industrialização para outros lugares fora do circuito paulistano e, de modo
particular, para Goiás, para a ampliação de mercado. E só a partir de 1985, e anos
subseqüentes que, por fim, na sociedade goiana, o processo de industrialização,
aliado ao da urbanização, vai desenvolver índices maiores que o da agricultura121
(ESTEVAM, 1998; DEUS, 1996; 2002; MENDONÇA, 2004; RIBEIRO &
CUNHA, 2005).
O desenvolvimento das forças produtivas realiza-se de modo peculiar em cada
um dos países, das regiões, estados ou municípios existentes, tanto no centro quanto na
periferia, resultando daí um desenvolvimento capitalista desigual e combinado. Nas
suas condições monopolísticas atuais, ao invés de extirpá-lo, toma forma diferenciada a
contradição fundamental – acumulação capitalista e exploração da mais-valia relativa –,
potencializando a economia de trabalho vivo. Isto é, altera-se a divisão internacional
capitalista do trabalho, à medida que os países da periferia – tradicionais produtores de
matérias-primas – com a presença de empresas de “novo estilo”, indutoras nos
“mercados imperfeitos” do processo de internacionalização do capital industrial,
constituem-se “em plataformas de exportação de produtos manufaturados. E, também,
concomitantemente, num grau crescente, transformam-se em importadores de produtos
agrícolas” (GUIMARÃES, 1982, p. 235). Por outro lado, as sociedades do centro
passam a ser também produtoras e exportadoras de produtos agrícolas, ao se firmarem
como grandes produtoras industriais.

121
Para Estevam (1998), “tal fato pode ser também comprovado através da estrutura de ocupação e
emprego da população ao longo destas últimas décadas. Em 1970, 60,4% d PEA em Goiás ainda estava
voltada para a agricultura (pecuária, silvicultura, extração vegetal, caça e pesca); nas atividades
industriais (transformação e construção) estava o correspondente a 8,9% e nos serviços 11,5 da PEA. Em
1980, apenas 39,2% da população economicamente ativa estava no setor agrícola, 16,5% no industrial e
18,6% na prestação de serviços; a partir de então, a estrutura de ocupação foi se alterando gradualmente –
na década – em detrimento do setor agrícola e em favor do setor industrial e de serviços” (p.196-7).

113
Essa análise, aparentemente, contraditória, esconde o seu fundamento essencial
– ancorada na lei geral da acumulação capitalista – de que o desenvolvimento da
agricultura segue a mesma direção histórica do desenvolvimento industrial. Quer dizer,
a agricultura tal qual a indústria vai substituindo a sua organização artesanal pela
manufatureira até chegar à sua forma superior de unidade produtiva agrária do capital –
a empresa – a exemplo das sociedades do centro. E a agricultura capitalista subordina-se
à cidade. Na sua particularidade, a agricultura absorve mais lentamente do que a
indústria as mudanças advindas do processo histórico na produção, no trabalho e na
maquinaria. Na periferia, esse processo não obedece a essa lógica de
destruição/superação de estágios superiores, porém, como já foi analisado
anteriormente, a “industrialização da agricultura” aqui não destrói, mas refuncionaliza
seus obstáculos aos ditames e interesses do grande capital. Com essa divisão do
trabalho, cabe à periferia a produção do excedente pelas massas proletárias, para
continuar a alimentar o centro – os “cidadãos parasitários” – com produtos agrícolas e
industriais “clássicos” (SAMIR, 1977). Em resumo, o centro tem a hegemonia da
produção de bens de capital, das indústrias de ponta e o controle da tecnologia,
enquanto a periferia torna-se quintal das indústrias poluentes transferidas para cá, como
siderurgia, química, e outras.
A relação desigual centro e periferia, que tem por base a divisão internacional do
trabalho e a troca desigual, isto é, taxas desiguais de exploração e de remuneração da
força de trabalho, tende para a diferenciação das condições e níveis de desenvolvimento
do capitalismo, uma vez que os países do centro vêem aumentar a sua participação no
produto mundial e o contrário acontece com os da periferia, em que essa participação
cai a cada dia. É como analisa Bukharin (1972): “por mais importantes que possam ser
as diferenças naturais nas condições da produção, elas perdem cada vez mais
importância no contexto geral, se comparadas às diferenças que são resultantes do
desenvolvimento desigual das forças produtivas” (p. 104).
A reprodução ampliada do capital ou as possibilidades da acumulação do capital,
tendo por base a troca desigual, que vai gerar um desenvolvimento do capitalismo
desigual e combinado, é forjada em Goiás para dar cabo àquele processo originado nos
anos trinta, em que a forma de poder consubstanciada pelo pacto oligárquico-
coronelístico derruiu com a “Revolução de 1930” e efetivou-se com a transferência da
capital para o Planalto Central (Goiânia, 1933) como pólo de expansão do capital,
momento em que “o grande contingente de operários da construção civil inaugurou no

114
âmbito da nova capital relações assalariadas (...) capitalistas e, como não poderia deixar
de ocorrer mesmo que de forma incipiente, emergiram tensões típicas de disputa entre
capital e trabalho (ESTEVAM, 1998, p. 112). São aliciados migrantes para trabalharem
em Goiás pelo governo.122 “Na verdade, os construtores de Goiânia, (...) alojados em
ranchos de capim e em casinhas de madeira, recebendo ‘vales’ no fim do mês,
trabalharam duramente e construíram uma cidade que passou a ser o símbolo do
dinamismo de um Estado que até então se duvidava existir” (SILVA, 1982, p. 175).
Com a mudança da capital, já se induzia um fraco processo de industrialização.

As capitais se erguem para o capital. São racionalizações administrativas e


burocráticas do Estado que se impõem na lógica do capitalismo. São espaços
que permitem organizar o jogo político, são palcos do aplauso dos
oportunistas de plantão, mas, também, perspectivas que se abrem rumo à
modernidade. (...) Goiânia foi o símbolo do moderno e do urbano em solo
rural (CHAUL, 1997, p. 226).

Esses germens de mudanças são robustecidos por surto imigratório123 originado,


principalmente, de Minas Gerais e Nordeste (ESTEVAM, 1998; DEUS, 2002), mesmo
com os censos populacionais apontando forte urbanização no pós-1940 e 1950 na
sociedade brasileira.

As mudanças em Goiás, no contexto da marcha para o oeste, concretizaram a


integração do estado no comércio nacional de mercadorias. (...) No final da
década de 1950, os Impostos de Vendas e Consignações (em 1966
transformados em ICM) sofreram alterações com a criação do ‘imposto do
produtor’ e revigoramento do ‘imposto de exportação’. O procedimento
buscou dificultar a saída de produtos in natura do estado a atrair empresas
transformadoras de alimentos para o território. Algumas filiais do Triângulo
Mineiro instalaram-se em Goiás (...) o firme entrelaçamento mercantil com a
praça paulista (engendrou um mercado interno relativamente vigoroso para
produtos industrializados (ESTEVAM, 1998, p. 133-135).

122
O jornal Voz do Povo, novembro de 1931, divulga: “Governo do Estado atendendo ao excesso dos
sem trabalho nos centros populosos do país e a falta de braços com que a lavoura e a indústria goyana vae
encaminhar emigrantes para Goyaz. Todos os que necessitam de trabalhadores são convidados com
urgência à Secretaria de Segurança Pública nesta Capital, ou às Prefeituras dos Municípios a fim de
registrar seus pedidos” (p. 4).
123
“O intenso povoamento no centro-sul de Goiás resultou de dois tipos de ocupação: por um lado, de
migrantes sem recursos que buscavam o projeto de colonização federal e, por outro, de imigrantes que,
dispondo de algum recurso, procuravam acomodar-se na fronteira com o objetivo de obter ganhos na
produção para o mercado. O atrativo maior, para os últimos, esteve no fato de que o preço das terras em
Goiás ainda era relativamente baixo” (ESTEVAM, 1998, p. 140).

115
Inicia-se, nessa “frente pioneira”, a expansão do capital,124 marcada por lenta
alteração das bases produtivas da cidade para o campo, com a exportação de alimentos e
de matérias-primas direcionadas ao Centro-Sul e Sudeste do país, em contrapartida, a
importação de produtos manufaturados à sua população, sob o dirigismo estatal, que as
incorporam ao mercado nacional/mundial, de modo diverso, mas a exemplo do que já
acontecia nessas regiões do Sul e Sudeste acima mencionadas. Inserido nesse processo
crescente, mas lento, de industrialização e urbanização, Goiás, como os demais estados
brasileiros – desde a euforia nacional-desenvolvimentista – também, direciona o Estado
burguês como o condutor do processo de “modernização”, cuja burguesia, conta “com
suporte e funções políticas que o monopólio do poder estatal lhe confere, para existir e
sobreviver como comunidade econômica” (FERNANDES, 1975, p. 327).
Deste modo, a indústria, incipiente em Goiás, vai se constituindo como indústria
de transformação de produtos alimentícios.125 Delineia-se então o lugar subordinado de
Goiás – a agropecuária – na divisão regional capitalista do trabalho não como
“vocação”, mas como imposição em face da relação centro e periferia. Nesse sentido,
Anápolis e Goiânia, a partir da década de 1970, como os maiores centros urbanos em
Goiás, passam a determinar as mudanças na sociedade goiana, no entanto, “na condição
de entrepostos mercantis, especializando-se em atividades terciárias, principalmente, o
comércio e o transporte de mercadorias. A importação, a distribuição de produtos
industrializados e a exportação de produtos agropecuários animaram a vida sócio-
econômica das suas cidades” (ESTEVAM, 1998, p. 136).
A agricultura só inicia a sua mecanização depois de 1950, concentrando-se no
sul e sudoeste goianos, quando a venda do “gado vivo” é substituída pela de carne
industrializada, podendo contar, a partir de 1960, com indústrias de abate bovino,
financiadas pelo governo federal. A pecuária, de manejo extensivo, que exigia pouco
investimento em capital e em trabalhadores assalariados, vai sendo suplantada pela
intensiva. Tudo isso modifica, a partir desta década de 1950, a organização da

124
Goiás inseriu-se no processo de expansão do mercado interno e de intervenção estatal no setor
agrícola. A incorporação de Goiás na divisão regional do trabalho ocorreu a partir da segunda metade do
século XIX, quando iniciou-se a produção de gado de corte para o Sudeste do país. Posteriormente, Goiás
diversifica-se na produção de matérias-primas e alimentos para o Centro-Sul do país.
125
Assim, “os estabelecimentos industriais existentes estiveram diretamente relacionados com o setor
agropecuário (laticínios e beneficiamento de grãos) além de pequenas indústrias voltadas para atividades
tipicamente urbanas (fábricas de doces, panificadoras, olarias, cerâmicas). As 1.596 principais indústrias do
estado, ao empregar 7.035 pessoas em 1960, evidenciaram uma média de 4,4 pessoas por estabelecimento, o
que sugere uma modalidade de transformação de caráter ainda ‘artesanal’. (...) A participação relativa do
secundário na renda interna estadual foi de 5,6% em 1960” (ESTEVAM, 1998, p. 147).

116
agricultura e da pecuária, irrompendo no sul goiano “um acréscimo de 35.662 pequenas
propriedades (0-100 ha) e de 11.137 estabelecimentos médios (100-1.000 ha)”
(ESTEVAM, 1998, p. 145), com tendência ao aumento das áreas destas últimas, o que
acusa a presença do capital industrial na agricultura, enquanto no norte goiano imperam
as grandes propriedades, que se dedicam à criação extensiva de gado, e pequenas áreas
de posse de subsistência.
Daí em diante, Goiás insere-se como espaço favorável ao processo de
reprodução ampliada do capital de maneira distinta. A proliferação de complexos
agroindustriais126 e do cooperativismo127 como estratégias para constituir a expansão do
capitalismo monopolista aqui vem sendo impulsionadas desde a ampliação da fronteira
agrícola e do fluxo migratório desencadeados, principalmente, para as regiões sul e
sudoeste goianos. Estas regiões situam-se em lugares que já podiam contar com vias de
transportes, mais proximidade e, portanto, ligação mais rápida com o Centro-Sul e
Sudeste do país – o centro industrial do país – e com o exterior via Porto de Santos,
propiciando ainda as melhores condições de armazenamento e de comercialização das
mercadorias, além da qualidade das matérias-primas.

3.1 Acumulação capitalista: os pólos de crescimento econômico para o


grande capital e a economia do trabalho vivo

A acumulação capitalista assume em Goiás forma heterogênea e toma uma


configuração específica. Dinamiza-se, aqui, com a permanência da estrutura fundiária
concentrada, a acumulação capitalista em lugares estratégicos, os quais vão se
constituindo em verdadeiros pólos de crescimento econômico para o capital
monopólico. Esses pólos – sustentados por investimentos públicos e privados no sul e
no sudoeste goianos128 –, articulam essas regiões às demandas de superlucros do grande

126
Segundo Cadastro Industrial do Estado de Goiás (2001), da Federação das Indústrias do Estado de
Goiás (FIEG), Goiás conta com vinte e seis (26) cidades detentoras do maior número dessas empresas,
com a preponderância de Goiânia, Aparecida de Goiânia, Anápolis, Jaraguá, Rio Verde, Trindade e Jataí.,
em vários segmentos de produção – alimentação, química farmacêutica, móveis, cana/álcool, metalurgia,
confecção, extrativas minerais, construção civil, calçados etc., com a ausência da produção de bens de
capital. Dentre as principais agroindústrias que penetram as terras goianas, temos a Cargill, Bunge,
Anglo, Nestlé, Unilever, Bertin, Goiás Carne, Friboi, Maeda, dentre outras.
127
A Cooperativa Mista dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (COMIGO), com sede em Rio Verde
está presente em nove municípios e incorpora os produtores rurais às novas tecnologias, com subsídios
oferecidos pelo Estado, e já contava, após 5 anos, com 721 sócios (FERNANDES, 2006).
128
O sul e o sudoeste goianos são os lugares de maior concentração urbana compostos, respectivamente,
pelas cidades de Goiânia e Anápolis; de Rio Verde, Itumbiara, Catalão, Ipameri, Pires do Rio e Jataí. Para

117
capital. Nesses lugares, é ainda realidade a preponderância da população do campo
sobre a da cidade.129
Depois de 1970, Goiânia,130 Anápolis e sem esquecer Brasília vão se
colocando, contraditória e progressivamente, em espaços de maior concentração
populacional e de maior centralização do capital, devido, de um lado, à crescente
migração de contingentes de trabalhadores assalariados urbanos e rurais, muitas
vezes forças de trabalho qualificada, expulsas de São Paulo, Paraná e Rio Grande do
Sul pelas modificações impostas pelo capital industrial, colocando-os à sua
disposição na periferia. De outro, também, a grande indústria vem, por meio das
empresas industriais de “novo estilo” em busca de novos investimentos nessas
cidades-pólo, para assegurar a acumulação de capital e a ampliação do mercado
capitalista mundial.
Assim, o Planalto Central insere-se na divisão regional/internacional
capitalista do trabalho, “com níveis distintos de reprodução do capital e relações de
produção” (OLIVEIRA, 1981, p. 29), com a definição pelos detentores do poder de
continuar a fornecer matérias-primas e de tornar-se espaço de produção de
alimentos como meios de subsistência aos trabalhadores assalariados no Sul e no
Sudeste do país. As empresas industriais de “novo estilo”131 como presença da
grande indústria das potências hegemônicas são transferidas para Goiás, no início
dos anos setenta, ampliando-se nas décadas posteriores, momento de um acelerado

Bertran (1978) constituíam-se de terras fartas e férteis, e o acesso a elas só poderia ser por meio da
compra direta do governo do Estado ou pelo Registro Paroquial, expedido pela Igreja católica mais
próxima, ou ainda, pela ocupação da terra.
129
No seu estudo comparativo da população entre dados censitários e a estimativa para o período 1960-
1968, Gomes (1969) observa, nos “cerca de 642.092 km2 (642.036 terrestre e 56 águas internas), a
existência de uma população absoluta de 3.000.000 de habitantes, totalizando a fraca densidade relativa
de 5,2 hab/p/km2. Isto significa que a ocupação efetiva do território goiano está totalmente por se fazer, e
que os recursos naturais, exceto as matas, foram praticamente pouco utilizados. Todavia, no presente,
processa-se a busca de certa forma acelerada de nossos recursos naturais, implicitamente, os de subsolo.
(...) a crescente indústria moderna em todos os seus ramos necessita cada vez mais dos recursos gerados
pela Natureza” (p. 25). Segundo Gomes (1969), essa hegemonia pode ser assim quantificada para Goiás:
1.355.458 rurais (69,34%) e 599.404 urbanos (30,60%) em relação ao Brasil, mas já em processo
decrescente (p. 22).
130
“Nos anos setenta, a expansão de Goiânia obedeceu a três fatores importantes: 1) tanto o ramo
imobiliário privado quanto o governamental avançam sobre as zonas rural e de expansão urbana, apesar
da existência de leis restritivas a esse intento, gerando os primeiros “bolsões de pobreza”, concentrando-
se nas Regiões Norte e Noroeste da cidade e criando habitações para a população de baixa renda; 2)
ampliação e consolidação de loteamentos advindos de parcelamentos de pequenas chácaras e de ocupação
realizadas por ações organizadas ou não da população em áreas ociosas; 3) crescimento vertical da cidade
com o preenchimento dos lotes “estocados” na zona urbana” (MOYSÉS, 2004, p.164-165).
131
Em 1985, existiam, em Goiás, 2 agroindustriais internacionais e 6 “nacionais”; em 1991, pularam para
8 internacionais e 13 “nacionais”, destacando-se, destas últimas, a indústria de transformação de
alimentos do complexo de grãos e carnes – Arisco e a Só-Frangos Alimentos – com o alcance de 84,57%
de ICMS no país (CASTRO & FONSECA, 1995, p. 58).

118
desenvolvimento da “agricultura capitalista”. Elas funcionam como centros
irradiadores de mudanças nos processos de produção e do trabalho, com inovações
tecnológicas importadas e de circulação/distribuição de mercadorias semi-acabadas
para o mercado mundial.
A ele – ao Planalto Central – é imputado, então, como parte do movimento de
“desconcentração” do processo de industrialização fora de São Paulo, iniciado nos anos
de 1970, enfim, resultado da relação centro e periferia, a ser zona produtora de bens de
consumo assalariado, ramo próprio da indústria leve de transformação,132 sustentadora
da força de trabalho para o mercado capitalista mundial, aonde convier ao grande
capital. Esta condição foi aberta somente depois que as sociedades hegemônicas
passaram a exportar bens de capital (maquinários, equipamentos e tecnologia) para o
Terceiro Mundo, pois elas continuam a precisar de matérias-primas oriundas da
agropecuária (alimentar, madeira, vestuário, couro e têxtil algodoeira, entre outras) além
da construção civil, da mineração, e produtos manufaturados. Esses fatores
impulsionam o crescimento vertiginoso da população trabalhadora urbana em Goiânia e
no seu Entorno,133 enquanto, contraditoriamente, o solo urbano/rural, que desde a
chegada da estrada de ferro, vai se transformando com a expansão capitalista em valor
de troca, em mercadoria cara, passa, no estágio do capitalismo monopolista, a gerar
acumulação de capital e, em decorrência, redunda em processos de segregação sócio-
espacial nas cidades-pólo à maioria da população trabalhadora assalariada que não pode
comprá-la, conformando as “cidades-dormitório”, situadas em áreas distantes,
destituídas de infra-estrutura e de outras condições materiais. Constitui-se, aqui, a
soberania da cidade sobre o campo.
A expansão do processo de industrialização e a generalização das relações
capitalistas, aqui, realizam-se sob a intervenção do Estado burguês, que estimula a
expansão das empresas industriais de “novo estilo,” por meio de vários incentivos. Elas
deflagram modificações na produção e nas relações de trabalho existentes, originando
um proletariado urbano e rural que passa a predominar sobre os demais trabalhadores.
Cabe destacar que o processo de “modernização” na agricultura provocou a sua

132
Só na área da alimentação, das 1.240 grandes fábricas cadastradas pela Junta Comercial do Estado de
Goiás, no Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis (SINREM), em 2002, 147 organizam-se
por sociedades e 4 possuem filiais.
133
Os municípios que fazem parte da Região Metropolitana de Goiânia , conforme Censo Demográfico de
2000, são: Abadia de Goiás, Aparecida de Goiânia, Aragoiânia, Goianápolis, Goianira, Hidrolândia,
Nerópolis, Santo Antônio de Goiás, Senador Canedo e Trindade.

119
“industrialização,”134 um processo que parte da cidade para o campo diferenciado da
forma “clássica”, levando os trabalhadores rurais à proletarização, o que deflagra a
expulsão de colonos, meeiros, agregados, parceiros etc., constituindo o seu
desaparecimento em vários lugares do sul e do sudoeste goianos.
Então, a partir de 1970, novas áreas de estabelecimentos agropecuários são
criadas e configuradas com destaque para o sul e sudoeste goianos, Anicuns e Entorno
de Brasília, e, em 1980, para o noroeste goiano. Há, consequentemente, o aumento
vertiginoso da produção em moldes capitalistas com a incorporação de mais áreas ao
processo produtivo e de novas tecnologias na agricultura e na pecuária por meio da
elevação da produtividade mediante a intensificação no uso do solo, de insumos e da
incorporação da maquinaria. O trabalho sazonal e a divisão do trabalho mais complexa
marcam a vida no campo, uma vez que cabe à agricultura fornecer os meios de
subsistência aos trabalhadores assalariados, fortalecendo assim o mercado interno, que
se encontra em fase de crescimento.
Nesse processo, o Estado burguês desenvolve políticas econômicas que, levadas
a efeito, propiciam as condições para atrair o maior número possível de empresas
industriais de “novo estilo”, como os incentivos fiscais, a isenção de impostos para não
menos que vinte (20) anos, a garantia da infra-estrutura para seu funcionamento,
inclusive com a “doação” de área destinada à instalação da unidade industrial, e a
garantia da exportação de produtos industrializados, o crédito, dentre outros, suficientes
para baixarem os custos de produção. Deste modo, o rural, ao se inserir na dinâmica da
expansão capitalista, cria uma demanda inesgotável de máquinas e insumos, tornando-se
um campo aberto à acumulação do capital, além de grande oferta de força de trabalho a
ínfimos salários.

134
Crescem os trabalhadores assalariados temporários na categoria de trabalhadores rurais. Veja o quadro
abaixo:
Modificação na força de trabalho rural no período
de 1967/1972 – Goiás
________________________________________________________
Tipos de trabalhadores 1967 (%) 1972 (%)

Minifundistas 57.289 16,9 55.200 8,0


Parceiros/arrendatários 36.888 10,9 18.100 2,6
Assalariados Permanentes 53.626 15,8 45.800 6,6
Assalariados temporários 184.009 54,4 564.200 81,4
Posseiros 6.547 2,0 9.500 1,4
_________________________________________________________
Total 338.359 100,0 692.800 100,0
_________________________________________________________
Fonte: Cadastro de Propriedade – INCRA 1967
Estatísticas Cadastrais – INCRA 1974 In: FETAEG, 1972.

120
O resultado dessas mudanças – próprias da passagem ao estágio urbano-
industrial – é que se consolida, na contemporaneidade, ao determinar a passagem da
subsunção formal à subsunção real do trabalho ao capital, a articulação
indústria/agricultura, em favorecimento da grande indústria. As empresas industriais de
“novo estilo”, instaladas em Goiás, entre 1970 e 1990, vão alterar as relações na
produção e no trabalho, à medida que

a composição do trabalhador coletivo ou do pessoal de trabalho combinado é


revolucionada pela base. (...) Isso vale não só para toda a produção
combinada em larga escala quer use maquinaria, quer não, mas também para
a assim chamada indústria domiciliar, seja ela exercida nas moradias privadas
dos trabalhadores ou em pequenas oficinas. Essa assim chamada moderna
indústria domiciliar nada tem em comum, exceto o nome, com a antiga, (...)
Ela está agora transformada no departamento externo da fábrica, da
manufatura ou da grande loja. Ao lado dos trabalhadores fabris, dos
trabalhadores manufatureiros e dos artesãos, que concentra espacialmente em
grandes massas e comanda diretamente, o capital movimenta, por fios
invisíveis, outro exército de trabalhadores domiciliares espalhados pelas
grandes cidades e pela zona rural (MARX, 1985b, 71).

Quer dizer, as empresas industriais de “novo estilo”, que requerem maquinaria


mais complexa, impositoras da economia de trabalho vivo, impulsionam a
“satelitização” de pequenas e microempresas, na cidade e no campo, como
intermediadoras da exploração do trabalho assalariado produtivo, pois, ao garantir a
extração do sobretrabalho naquele espaço, assegura os superlucros dos monopólios, no
centro.
Nessa lógica, as grandes empresas rurais, muitas delas originadas de grandes
fazendas, transformam-se em unidades produtivas agrárias do capital,135 ao mesmo
tempo em que a instalação de montadoras de automóveis e de máquinas agrícolas e os
complexos agroindustriais136 aqui instalados, tornam-se competitivos nos mercados
nacional e internacional a exemplo do que já acontecia no Sul e Sudeste da sociedade

135
Ver o trabalho de Mesquita (1993), que faz um estudo de caso da Fazenda Maringá, analisando as
condições de expansão do capitalismo monopolista no campo, para conhecer e mostrar como operam as
mudanças no cerrado - a origem e a constituição de uma das maiores unidades agrárias produtivas do
capital, em Catalão, formada por uma área de 5.572,2 hectares. Em 1983, a família proprietária compra a
primeira gleba de 3.744 ha, completando o restante em 1986, quando somam quatro glebas. Em 1991 e
1992, arrendam 759 ha para outro produtor, para evitarem espaço ocioso.
136
Nos municípios de Goianésia, Anicuns, Goiatuba, Jandaia, entre outros, somam treze (13) usinas
ativas de açúcar e de álcool, anexando à essa indústria o plantio da cana-de-açúcar. O complexo
agroindustrial constitui-se em ”um conjunto de setores que produzem insumos e máquinas agrícolas,
indústria de transformação de produtos primários, setores de distribuição e transportes além do sistema de
financiamento nas diversas fases do circuito industrial. Sua expansão no Brasil tem no desenvolvimento
da agricultura o seu próprio fundamento na medida em que esta cria o mercado necessário para sua
realização. Nos anos sessenta, inicia-se a implantação de modernas indústrias frigoríficas em Goiás.

121
brasileira. Há a prevalência da produção, na agroindústria, a princípio, da carne bovina e
da suína, da soja e da cana/álcool, depois para aves, e outros produtos alimentícios
(feijão, milho, soja e algodão, e a predominância do arroz,), e montadoras de bens
duráveis, sem, no entanto, constituir aqui indústrias de bens de capital.
No nosso entendimento, essas empresas industriais de “novo estilo” constituem-
se em “nichos próprios” criados pelo capital, como já analisado por Fernandes (1975),
para reproduzir-se. Como exigência do processo de reprodução ampliada, o grande
capital busca outros lugares propícios à sua acumulação, sem tradição industrial e poder
de organização sindical, para facilitar a sua expansão e diminuir os seus custos de
produção, introduzindo o processo de “modernização conservadora”, com o uso em
larga escala, mesmo obsoleta, da mecanização nos setores monopolizados. O objetivo é
constituir altos níveis de produtividade com o decréscimo do investimento em capital
variável, e maior dependência ao capital financeiro. E essas condições estendem-se,
também, ao campo à medida que se desencadeiam a ”industrialização da agricultura”137
e sua incorporação ao capitalismo mundial sobremaneira no pós-Brasília.

Todo progresso na agricultura capitalista é um progresso na arte, não somente


de roubar o trabalhador, mas de roubar o solo; todo progresso no aumento da
fertilidade do solo por um dado tempo é um progresso para a ruína da fonte
permanente daquela fertilidade (...) A produção capitalista, assim, se
desenvolve (...) somente minando as fontes originais de toda riqueza – o solo
e o trabalhador (MARX, 1985, p. 506-7).

O processo de reprodução ampliada do capital, que vincula a indústria à


agricultura, deslanchada no Brasil a partir da metade da década de 1950 e, na década de
1970, para Goiás, impõe, mormente nos anos noventa, à realidade goiana, a
transferência de indústrias montadoras de automóveis, a alteração da grande
propriedade rural para empresa rural capitalista ou unidade produtiva agrária do capital,

137
“O número de tratores aumentou consideravelmente em Goiás, a partir de 1970, passando de 5.692
unidades para 33.548 em 1985. No Censo Agropecuário de 1995 atingiu 43.313 unidades no Estado. Em
conseqüência, houve notável queda na relação entre a área ocupada com lavoura e o número de tratores
utilizados, no número de estabelecimentos por trator e na relação de pessoal ocupado por trator. (...) O
fenômeno aconteceu tanto em novos espaços que foram incorporados como em antigos que foram
reestruturados [diga-se refuncionalizados aos ditames do capital]. Sua distribuição pelo tamanho dos
estabelecimentos evidenciou que a quase totalidade dos tratores estava, em 1985, nas propriedades de 100
ha a 1000 ha (54,0%) e nas de 1000 ha a 10000 ha (30,0%). (...) se se toma como base o paralelo 13 como
marco divisório (...) menos de 10,0% do número de tratores estava no norte de Goiás, território que
compreendia 45,0% da superfície total do estado” (ESTEVAM, 1998, p. 173). Em Catalão, o processo de
“modernização” introduz novas lavouras e o município passa a contar com 581 tratores, 493 utilitários 74
caminhões, 118 colheitadeiras, e 242 máquinas para o plantio. Torna-se o maior produtor de alho, e outras
culturas como do feijão irrigado, mandioca, trigo e soja, explicitando que o aumento da produtividade
está diretamente ligado ao uso de novas tecnologias aplicadas à agricultura, todavia a pecuária continua
predominando em grande parte da sua área rural produtiva (DEUS, 2002).

122
e a constituição de agroindústrias, tornando-as áreas como qualquer outra, para a
aplicação do grande capital em busca de superlucros. E as interligam. Isto é, elas entram
no circuito da produção e reprodução do modo de produção capitalista, independente da
específica produção de cada área, tomando parte, diretamente, do processo de trabalho
enquanto processo de valorização do capital, mesmo dispersas no espaço geográfico.
Assim, o capitalismo mundializa-se, já que a grande indústria e suas empresas
industriais de “novo estilo” se conectam sob a mediação dos processos de produção,
consumo, circulação e troca, que estão interligados, pois

cada um, ao realizar-se, cria o outro. (...) Uma [forma] determinada da


produção determina, pois [formas] determinadas do consumo, da
distribuição, da troca, assim como relações determinadas desses diferentes
fatores entre si. A produção, sem dúvida, em sua forma unilateral, é também
determinada por outros momentos; por exemplo, quando o mercado, isto é, a
esfera da troca, se estende, a produção ganha em extensão e divide-se mais
profundamente. Se a distribuição sofre uma modificação, modifica-se
também a produção; com a concentração do capital, ocorre uma distribuição
diferente da população na cidade e no campo tec. Enfim, as necessidades do
consumo determinam a produção. Uma reciprocidade de ação ocorre entre os
diferentes momentos. Este é o caso para qualquer todo orgânico (MARX,
1982, p.9; grifos do autor).

No pós-1990, a introdução de mudanças na organização da produção e do


trabalho por aquelas empresas industriais de “novo estilo”, em Goiás, segundo
pesquisas teórico-empíricas de vários autores goianos (DEUS, 2002; MENDONÇA,
2004; RIBEIRO & CUNHA, 2003; MESQUITA, 1993), as quais incluem estudos sobre
o processo de trabalho em unidades produtivas agrárias do capital e no chão da fábrica,
tanto de montadoras quanto de agroindústrias, convergem no sentido de afirmar que elas
vivenciam o que se poderia dizer uma organização industrial “híbrida”, coexistindo
formas tanto de um quanto de outro padrão de acumulação do capital. Isto, no nosso
ponto de vista, é porque não subverte aqui o que não tem: o “velho sistema fordista”. E
tampouco institui o toyotismo. A organização da produção e do processo de trabalho
nas montadoras baseia-se na transferência dos princípios do taylorismo/fordismo em
uma base técnica defasada, obsoleta, ao mesmo tempo, mesclada com os do toyotismo e
“formas tradicionais”, com o aumento anual de sua produção, e contando com 864
trabalhadores no chão da fábrica, sem nenhuma tradição metalúrgica. Na planta
produtiva, nem bem as formas fordistas/tayloristas existem de modo pleno e estão
consolidadas, e introduzem o uso de algumas máquinas-ferramentas próprias do padrão
de acumulação toyotista, “flexibilizando” os processos de produção e do trabalho sem,

123
no entanto, valer-se de “grupos de trabalho”, do sistema de administração just in time,
do controle de qualidade total etc. presente nas sociedades do centro. Por outro lado, as
máquinas e equipamentos introduzidos encontram-se defasados em relação, por
exemplo, aos robôs de base eletrônica de montadoras do Sul e Sudeste do país e mesmo
a produtividade fica comprometida à medida que o trabalho assalariado ainda se
organiza, na maioria das vezes, na divisão de tarefas e com máquinas especializadas,
detectando a ausência até da esteira fordista. A linha de montagem da Mitsubishi
Motores do Brasil (MMC) em Catalão não é automatizada, mas manual. No ano de
2002, a produtividade do trabalho nesta montadora automotiva de Catalão alcançou 14
carros por trabalhador, enquanto o índice nacional atingiu 22 unidades. Mesmo assim,
devido à defasagem organizacional e tecnológica, o resultado foi considerado positivo
(DEUS, 2002).
No entanto, devemos atentar-nos que a questão aqui não é criar tipologias nem
conceituações abstratas, mas explicar as determinações histórico-sociais deste
movimento que é híbrido e, na perspectiva da totalidade, entender a natureza dessas
mudanças nos processos da produção e do trabalho assalariado na periferia capitalista,
que não são causadas e nem se restringem às inovações tecnológicas, como querem e
defendem alguns pesquisadores. Deste modo, concordamos com Mattoso (1995) que diz
que se o Brasil “não incorporou de modo pleno o padrão de desenvolvimento norte-
americano, criando um particular padrão de desenvolvimento que, no entanto, com a
emergência da Terceira Revolução Industrial, entraria em uma profunda crise
estrutural” (p. 157).
As circunstâncias histórico-sociais da sociedade brasileira nos anos oitenta
mesmo originando condições de resistência, resultado do processo do ocaso da ditadura
militar, não impediram que se deflagrasse um processo de reestruturação produtiva do
capital na década de 1990, cuja gênese está na crise do grande capital que explode na
década de 1970 nas sociedades do centro. Ela redesenha então a configuração do
trabalho urbano e rural marcado pelo processo de mundialização do capital na
particularidade histórica de Goiás, onde as unidades produtivas agrárias do capital, as
agroindústrias e as indústrias automotivas como empresas industriais de “novo estilo”
explicitam essas tendências. Dentre essas tendências, está a de reduzir o mais possível a
força de trabalho viva àquela de mais alta qualificação muitas vezes vinda do Sul, para
as lavouras mecanizadas, como ocorre na Fazenda Maringá, onde o regime de trabalho
ali é intensivo e não está, como em outros lugares, sob as ordens da gerência de um

124
administrador rural, mas dos próprios proprietários. Esta tendência, também, apanha as
agroindústrias e as montadoras, no sul e sudoeste goianos, constituindo e ampliando o
proletariado urbano e rural sob as regras do assalariamento. Vários fatores são levados
em conta para a escolha desses municípios para implantar essas novas unidades
industriais, entre eles, destacam-se a disponibilidade de grãos e de força de trabalho
farta e barata, clima altamente favorável, segurança sanitária, isenções de impostos e
outros incentivos fiscais, ausência de organização sindical, dentre outros, para auferirem
superlucros. Esses diversos projetos viabilizam-se com os incentivos fiscais e efetivação
da infra-estrutura por parte do governo estadual, e os municipais com a doação de áreas
e melhoria/manutenção do sistema viário.
De 1983 a 1991, na unidade produtiva agrária do capital – a Fazenda Maringá –,
por exemplo, trabalharam em média vinte e dois (22) trabalhadores assalariados apenas
(excluindo os diaristas e as mulheres nos serviços domésticos), em uma área inicial de
62,5 ha com uma produção de 122,1 toneladas, chegando às 410,0 toneladas em 128,6 ha,
o que denota um processo de intensificação na produção e no trabalho. Evidencia-se a
exploração da mais-valia absoluta e relativa, inclusive com o uso intensivo do solo e a
instalação de três (3) unidades de pivots como a tecnologia de ponta para o cerrado. A
jornada de trabalho nesta unidade produtiva agrária inicia-se para os trabalhadores
assalariados às 4 horas da manhã; é longa (24 horas) no período de plantio e colheita,
quando a presença de trabalhadores fixos e temporários (diaristas e safristas) é massiva.
Há três grupos de trabalho: os que têm jornada de trabalho de oito (8) horas, os que fazem
horas extras (os tratoristas e os mecânicos), os que recebem prêmio por produtividade
(operadores nas colheitadeiras, até 16 horas seguidas), porque as máquinas trabalham a
noite toda. Ela possui frota própria de carretas, utilitários e caminhões, para a
comercialização e transporte de seus trabalhadores (MESQUITA, 1993).
Nesse processo, Catalão consolida-se como um dos pólos regionais de
crescimento econômico para o capital, em 1995, ao receber duas montadoras – uma
automotiva da Mitsubishi Motors Corporation (MMC) – a “única montadora brasileira”
com 100% do capital repassado pelo governo brasileiro (R$5,5 bilhões) e, a outra, de
máquinas agrícolas – a Cane Mecanic Corporation do Brasil (Cameco), além de
indústrias químicas devido às suas condições favoráveis de escoamento de mercadorias
para o Centro-Sul do país e para fora. Esta região só manteve crescimento econômico
superior aos 3% ao ano, nas décadas de 1970 e 1980, por conta da implantação de
empresas industriais de “novo estilo” de extração mineral As maiores empresas da

125
região estão na área da mineração e de beneficiamento do minério extraído. A
COPEBRÁS com produção de rocha fosfática em 1999, com beneficiamento deste
produto para o uso agrícola, nióbio. A ULTRAFÉRTIL que só extrai fosfato. A
migração proporciona crescimento extraordinário para as cidades médias goianas.138
(DEUS, 2002; MENDONÇA, 2004).
Em Catalão, se, por um lado, a montadora da Mitsubishi Motores do Brasil gera
320 postos de trabalho diretos, a Cameco do Brasil, pertencente à multinacional norte-
americana John Deere & Company, está produzindo 85 colheitadeiras de cana-de-
açúcar por ano, com faturamento de US$ 124 milhões, e com a perspectiva de chegar à
sua capacidade máxima de 150 máquinas por ano, produzidas por apenas 191
trabalhadores assalariados, sendo que 85% da força de trabalho originam-se do local. A
COPEBRÁS, fábrica de adubo, conta com 400 trabalhadores assalariados.
Do ramo da alimentação, várias empresas industriais de “novo estilo” ou plantas
industriais, por exemplo, da Perdigão e da CICA saem de Santa Catarina e de São Paulo
e instalam-se em Goiás e outras, como por exemplo a Arisco, são criadas em Goiânia. A
primeira – a Perdigão –, que já conta com 12 unidades situadas no Sul do país, implanta
uma dessas unidades no município de Rio Verde,139 em 1999, deslocando de lá 30
trabalhadores assalariados, entre gerentes e supervisores, para o cerrado, e amplia sua
capacidade de produção para Mineiros e Jataí, cujos equipamentos, de última geração,
foram importados de fabricantes europeus, canadenses, americanos e japoneses. Essas
empresas industriais de “novo estilo” passam a representar os 52,5% do total da

138
A quantidade de municípios com população superior a 50 mil habitantes salta de quatro em 1970,
incluindo a capital do Estado, para 16 em 2000, demonstrando serem estas as cidades muitas das quais, na
década de 1970, não eram consideradas como áreas urbanas. No município de Catalão, o processo de
esvaziamento do campo foi superior à média regional. A população rural, no censo de 1970, era de 51,15%,
passando para 21,63% em 1980, 13,51% em 1991, 11,43% em 1996 e 10,47% em 2000 (DEUS, 2002).
139
São cem (100) aviários e 40 granjas de suínos, em média a 30 quilômetros da unidade industrial da
empresa. O principal obstáculo é convencer os pequenos produtores rurais “integrados” a investirem por
meio de financiamento pelo Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FCO), via
Banco do Brasil. Um desses pequenos produtores rurais “integrados”, cuja propriedade é de 108 hectares,
em Rio Verde, instalou nela um Sistema Vertical Terminador (SVT) com capacidade para três mil
suínos, que custou R$ 405 mil, financiando R$ 384 mil por 15 anos. É uma granja moderna, com sistema
informatizado para controlar a alimentação dos animais, que recebem ração líquida. Ele mantém dois
trabalhadores assalariados fixos e, eventualmente, contrata diarista, embora o projeto da Perdigão indique
que apenas um trabalhador assalariado é suficiente. Na Europa, por exemplo, uma granja com cinco mil
suínos exige apenas um. A Perdigão premia com 60 sacas de soja o trabalhador que obter maior
produtividade e permanecer no trabalho. É uma etapa de ajustes também para os mais de 200
trabalhadores assalariados contratados em Rio Verde, que passaram por treinamento nas unidades do Sul.
Um ajudante de produção ganha R$ 275 por mês, deixando para trás um trabalho sem carteira assinada.
Em 1999, a Perdigão obteve um faturamento R$ 1,8 bilhão, o que representa um crescimento de 27,3%
na comparação com o ano anterior. O mercado interno respondeu por uma fatia de R$ 1,3 bilhão, ou seja,
72% desse total. Atualmente, o grupo conta com 16,65 mil trabalhadores (ALISKI, 2000, p. B- 20).

126
produção da indústria goiana e os 5,4% para a indústria alimentícia nacional, contando
com 8.000 mil trabalhadores.
Ainda no ramo da alimentação, a Arisco140 constitui-se como as demais
analisadas nesta exposição em uma empresa industrial de “novo estilo”– nascida em
Goiânia, da família Alves de Queiroz – em 1969, inicia suas atividades com a
fabricação de tempero de alho, e já no início da década de 1980, constrói a sua planta
industrial, e expande-se para São Paulo.
O estudo realizado pela Central Única dos Trabalhadores, em 2000-2001, e em
conjunto com o Dieese, Cedec e Unitrabalho, conforma um perfil sócio-econômico e
político-cultural dos trabalhadores assalariados urbanos, da Arisco de Goiânia, e dos
trabalhadores assalariados rurais das áreas de produção agrícola (ou das denominadas
áreas de “integração”), principalmente, das plantações de tomate. O primeiro grupo
explicita a existência de trabalhadores assalariados jovens – entre 25 e 45 anos –, com a
predominância de homens (73,5%), e a maioria (55,0%) só com dois anos de trabalho, o
que expõe a alta rotatividade de trabalhadores assalariados na empresa. 80,8% recebem
salários que vão de R$ 152,00 a R$ 450,00 e apenas 1,5% recebem de R$ 1001 a
R$2000,00. Quanto à escolaridade, 47,0% têm o nível médio completo, enquanto que
89,7% têm carteira assinada, distribuídos em diversa divisão do trabalho (operador de
máquinas, de empilhamento, auxiliar de produção, braçal, controle de produção,
conferente, empacotamento, mecânico etc.), com jornadas de trabalho de 8 h e outras
nem definidas, contando, ainda, para alguns com as horas extras.
O segundo grupo é de trabalhadores assalariados rurais, os quais produzem em
áreas de plantação agrícola de produtores rurais, propriedade de 15 e 25 ha e com uma
produtividade na produção de tomate de 70 a 80 toneladas por ha e de onde saem todo o
fornecimento das matérias-primas para a unidade industrial. Eles têm a característica de
serem trabalhadores sazonais (“itinerantes”), porque dependem dos períodos de safra
dos produtos plantados. De modo geral, suas jornadas de trabalho são extenuantes e sob

140
A Central Ùnica dos Trabalhadores (CUT), o Dieese, o Cedec e o Unitrabalho desenvolvem, a partir
do Observatório Social, uma avaliação e análise da empresa Arisco – com coleta de documentos e dados
secundários (relatórios das empresas, informações na imprensa especializada, documentos em instituições
públicas e sindicatos rurais e de alimentação) realizada entre setembro e outubro de 2000 a setembro e
outubro de 2001, a partir de entrevistas com 50 trabalhadores assalariados rurais da Arisco, com
questionários fechados e amostra aleatória; entrevistas na área de produção de tomate no período da
colheita (em grupo e individual), com registro do processo de trabalho nas lavouras visitadas; entrevistas
com produtores rurais de tomate com contrato de venda para a Arisco, e oficinas sindicais com dirigentes
sindicais rurais. A pesquisa na CICA não foi realizada por falta de informações da empresa e dificuldade
de acesso ao local.

127
condições precárias e buscam outras atividades na entressafra. São agenciados pelo
“gato” nos terminais públicos de ônibus urbanos, para os lugares concentradores de
produção de tomate que, em Goiás, são os municípios de Montividiu, Pirancanjuba,
Santa Helena, Rio Verde, Nerópolis, Silvania, Vianópolis, Goiatuba e outros. O “gato”
torna-se o “chefe da turma”, contratada por ele, e tem a tarefa de oferecer-lhes
transporte, alimentação, alojamento e pagamento dos salários, desobrigando a empresa
industrial de “novo estilo” dos custos da produção. O piso salarial pago a esses
trabalhadores assalariados rurais eram, em 1999, de R$184,00, com bônus, passando em
2000, para RS 210,00, sem bônus.
Além das fábricas, a Arisco possui um centro de pesquisa e desenvolvimento de
produtos e um complexo de tratamento de águas. E, nos anos de 1990, fortalece sua
posição no mercado, incorporando outras empresas e ampliando, também, três fábricas
na Argentina, escritórios no Uruguai e Paraguai. Em 1995, vende 20% de seu controle
acionário para o Banco Goldman, Sachs & Company (EUA), com abastecimento de 15
mil pontos de distribuição direta e 100 mil pontos através de atacadistas. Devido à crise
econômica na Argentina, a Arisco reduz a sua produção, demitindo trabalhadores com
perspectivas de encerrar suas atividades naquele país.
Em 2000, a Bestfoods compra a Arisco da cidade de Goiânia e Rio Verde por
US$ 440 milhões. Antes de ser comprada pela Bestfoods, a Arisco possuía 7.200
trabalhadores assalariados.141 Sob o ponto de vista da geração de postos de trabalho, o
resultado das aquisições pela Bestfoods foi a demissão de mais de 60% dos
trabalhadores da Arisco em menos de dois anos. Entre 1999 e 2001, a demissão foi de
4.400 trabalhadores. Por outro lado, na CICA, a demissão de trabalhadores ocorreu por
uma decisão da Unilever, que passou a ser a mais recente proprietária da Arisco/CICA,
em rever seus investimentos na unidade industrial de Rio Verde. Dos 380 trabalhadores
da unidade industrial de Rio Verde (280 trabalhadores assalariados permanentes e 100
trabalhadores assalariados temporários) contratados em 1999, menos de 50
trabalhadores assalariados restavam em setembro de 2001.

141
Na pesquisa da CUT, 2000-2001, o salário dos trabalhadores assalariados rurais está assim distribuído:
valor pago em média = 80 caixas = por caixa R$ 0,15 (US$0,07)
(20 kg cada) por dia R$ 12,00 (US$ 5,65)
por hora R$ 1,20 (US$ 0,57)
por mês RS 288,00 (US$ 135,72)
Nas áreas visitadas, no máximo há 180 trabalhadores por colheita. Cada trabalhador só consegue colher
de 70 a 90 caixas, de 10 a 12 horas de trabalho por dia, sem esquecer que eles gastam de 3 ou 4 h no
deslocamento para o trabalho. Para eles, não há encargos sociais.

128
Fusões e aquisições nesse mesmo ramo transformam grandes empresas em
grande indústria. Em 1930, a Unilever inicia sua expansão na América Latina,
lançando, em 1956, no mercado brasileiro o sabão em pó OMO. Em 1960,
incorpora-se à empresa Gessy Industrial, dando origem ao grupo Gessy Lever, que
entra, nos anos setenta, no ramo de alimentos no Brasil e, na década de 1990, além
da aquisição da CICA e da Kibon, expande suas atividades para Minas Gerais. No
ano 2000, o grande passo para a expansão da Unilever no Brasil é dado pela
aquisição da Bestfoods nos Estados Unidos e pela inauguração da fábrica da CICA
em Rio Verde, Goiás. Tornando-se uma gigante passa a ter também o controle da
Arisco Industrial de Goiânia, que havia sido comprada pouco antes, em fevereiro
de 2000, pela incorporação das Refinações de Milho Brasil. (RMB) por US$190
milhões. O grupo Unilever tem em 2000 um resultado negativo de US$ 27 milhões
e empregava, aproximadamente, 11.000 trabalhadores (DEUS, 2002).
Depois da compra da Arisco pela Unilever, houve a unificação da unidade
industrial de Goiânia com a de Rio Verde, o que apressou o fechamento desta última,
resultando na redução da demanda por tomate. Cai o preço do tomate pago aos
produtores rurais, que sem alternativas para vender a produção, buscam concorrentes
para vender a safra ou buscam outras culturas ou vendem seus equipamentos (para
colheita e pivôs de irrigação), significando desemprego para os trabalhadores
assalariados rurais, porque outras culturas, como feijão, milho doce etc. não precisam de
uso intensivo de força de trabalho. A direção da Unilever oferece contrato de
“integração” fechado aos produtores rurais, os quais devem assumir todos os riscos, sem
abrir mão do controle do processo de produção – do plantio à entrega do produto na
fábrica –, exigindo a cobrança dos insumos e do transporte. A maioria dos produtores
rurais passou a usar máquinas na colheita, pois o seu uso é de menor custo do que a
manual, e outros usam as duas maneiras.
Na área de produção de agrícola, onde se localizam os fornecedores da Arisco,
as principais atividades que empregam força de trabalho infantil são as lavouras de alho,
tomate, milho e feijão.142 O problema do trabalho infantil na região concentra-se na área

142
As áreas de produção agrícola dessas lavouras que empregam força de trabalho infantil, em Goiás,
como denuncia a CUT, estão localizadas nos seguintes municípios: Goianápolis, Nerópolis, Cristalina,
Anápolis, Goiatuba, Guapó, Itapaci, Nazário, Piracanjuba, Pontalina, Rianápolis, Rio Verde, Silvania,
Vianópolis, Trindade,Leopoldo Bulhões, Jatai, Bela Vista, Palmeiras de Goiás, Santa Helena, Bom
Jesus,Itumbiara, Inhumas, Nova Glória, Luziânia, Cristalina, Formosa, Planaltina de Goiás, Padre
Bernardo, Santo Antônio do Descoberto.

129
rural. A pesquisa não identificou nenhuma incidência de trabalho infantil no processo de
trabalho dentro da unidade industrial da Arisco em Goiânia.

As crianças trabalham nas mesmas condições precárias que os adultos em


todas as fases do trabalho agrícola: preparação do solo, plantio, colheita,
embalagem em caixotes. As crianças, assim como os adultos estão expostas a
um ritmo de trabalho penoso (jornada de trabalho de 10 horas em um ritmo
acelerado para que sejam carregadas mais caixas quanto possível, debaixo de
sol e sem proteção adequada), falta de salubridade (banheiros e água
potável), manuseando agrotóxicos diretamente ou indiretamente através do
contato direto (sem luvas e as usualmente sem botas) com o produto
(principalmente o tomate) e com o solo. Tanto quanto os adultos, as crianças
ficam expostas aos insetos, animais peçonhentos e estão sujeitas a riscos
ergonômicos pelo peso das caixas carregadas e pelo esforço repetitivo que o
trabalho exige. Nos municípios onde existe Convenção Coletiva de Trabalho,
com cláusulas que impedem o trabalho de trabalhadores menores de 16 anos,
devido a uma presença mais constante dos Sindicato dos Trabalhadores
Rurais, o trabalho infantil tem diminuído significativamente nos últimos anos
(Relatório de Observação/ CUT, 2000-2001, p. 51)

Essas condições provocam um processo de expulsão de grande contingente


de trabalhadores assalariados urbanos e rurais permanentes, contribuindo para
engrossar as fileiras do exército de reserva, uma vez que só uma parte é
reabsorvida pelo mercado de trabalho, no entanto, agora como trabalhadores
assalariados urbanos e rurais temporários143 e não fixos. Aqueles trabalhadores
assalariados que não conseguem trabalho ou se mudam para as cidades e caem no
subemprego ou se submetem às exigências das empresas industriais de “novo
estilo”, expressando o alto grau de concentração da terra, da propriedade privada e
do mercado, em Goiás. Essas contradições são resultantes do processo de
acumulação capitalista.
Segundo Guimarães (1982), apoiado no Censo Agrícola de 1975, Goiás,
definido pelos governos como frente pioneira entre 1970 e 1975, situa-se entre aquelas
com maior índice de crescimento de trabalhadores assalariados ocupados na Região
Centro-Oeste (36,08%), mas é nas décadas de 1980 e 1990 que a “modernização” no
campo põe a agroindústria ditada pela necessidade de inserção internacional. A
sociedade goiana chega a esta última década com mais de 80% da população residindo
nas cidades.144 E eles foram então substituídos pela força de trabalho “volante”, pelos

143
Dados cadastrais do INCRA, de 1967 a 1972, de propriedade/estatísticas, mostram que, no Brasil,
houve um aumento de 81,0% no número máximo de trabalhadores assalariados temporários, enquanto os
trabalhadores assalariados permanentes caíram 21,5%. In: FETAEG (1972, p. 9).
144
Tabela 2
Distribuição da população urbana e rural, por taxa de urbanização. Goiás/

130
trabalhadores assalariados temporários com alguma qualificação técnica (como, por
exemplo, o operador de máquinas agrícolas), sendo que a maioria deles mora em bairros
periféricos nas médias e pequenas cidades do interior goiano, distantes da terra onde
eles trabalham. Dessa maneira, a incorporação de “avançadas” tecnologias no espaço
rural goiano levou a um intenso processo de urbanização, esvaziando o campo. Isso é o
resultado da fragmentação da produção industrial onde que parte dela é deslocada à
periferia, utilizando um número expressivo de força de trabalho menos qualificada, de
fácil e rápida preparação para o trabalho.145 Por meio do desenvolvimento das forças
produtivas no centro, a concretização da possibilidade da apropriação da mais-valia
global em alta escala, propicia a industrialização da periferia. A atual descentralização
relega às regiões periféricas as indústrias estandardizadas (processo de trabalhos
“tradicionais”) e a produção agropecuária. As regiões do Sul e Sudeste passam a abrigar
as indústrias de alta tecnologia, os centros de P&D e o comando das unidades
industriais implantadas nas regiões do interior.
Entendemos, pois, que o “revolucionamento” nas relações de produção no
sentido de instituir as relações capitalistas propriamente ditas em Goiás e que põe a

1991- 2001.
População Residente
Taxa de
Ano Urbanização
Urbana Total
Rural %
1991 3.247.676 771.227 4.018.903 80,81
1996 3.872.822 642.145 4.514.967 85,78
2000 4.396.645 606.583 5.003.228 87,88
2001 4.502.777 634.876 5.137.653 87,64
Fonte:IBGE / Seplan-GO.
145
Com pequeno investimento, essas empresas adaptaram a estrutura já existente no SENAI para
formação de mão-de-obra. A MMC do Brasil adaptou salas de aulas para este fim, com a aquisição e
posterior doação ao SENAI de equipamentos. A CAMECO do Brasil construiu uma réplica de sua fábrica
em tamanho reduzido nas dependências do SENAI para formação e treinamento de mão-de-obra. A
COPEBRÁS investiu 700 mil reais na montagem de curso técnico em química, nível médio, com duração
de um ano, para formar 500 técnicos, dos quais serão contratados 300 para trabalhar nesta empresa após a
sua verticalização. Com pequeno investimento na estrutura já existente, é possível capacitar parte da
população local para o trabalho nestas indústrias. Já a mão-de-obra de maior qualificação é remanejada de
outras unidades espalhadas pelo país, e/ou são contratados profissionais oriundos dos centros produtores
de mão-de-obra especializada, geralmente do Centro-Sul. A CAMECO é um exemplo, pois 85% da mão-
de-obra da empresa é de origem local, treinada pelos instrutores do SENAI, ou melhor, para o trabalhador
ser contratado pela empresa é obrigatório que faça os cursos técnicos desta escola profissionalizante. Os
outros 20% de seu quadro funcional, o comando da empresa, são formados por profissionais oriundos de
sua matriz em Ribeirão Preto-SP, de sua unidade no Rio Grande do Sul ou mesmo dos Estados Unidos.
Além disto, para estes profissionais, a firma investe em qualificação com curso de pós-graduação strictu
sensu, por meio de convênio com a Fundação Getúlio Vargas (DEUS, 2002).

131
subsunção real do trabalho ao capital no chão da agroindústria, da unidade produtiva
agrária do capital e das montadoras trasladadas, origina e eleva a produtividade do
trabalho social, por meio da exploração da mais-valia relativa e, simultaneamente, com
a mais-valia absoluta, o que torna possível a crescente economia de trabalho vivo nesses
lugares. Nestes termos, os salários da maioria dos trabalhadores assalariados tornam-se
a cada dia mais aviltantes, derruindo na cidade e no campo as condições materiais de
vida dos trabalhadores.
A instalação de várias empresas industriais de “novo estilo” expressa e traduz,
de maneira clara, a incorporação de Goiás ao processo de mundialização do capital. Em
todas as áreas – a indústria, a agricultura e os serviços –, é notável a velocidade e a
magnitude do avanço do grande capital, sendo difícil encontrar lugar em que não tenha
se expandido, tomando para si, inclusive, o conjunto da vida social.
Nessas condições, não resta dúvida, “ser trabalhador produtivo não é, portanto,
sorte, mas azar” (MARX, 1985b, p. 106).

132
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta tese, o que afinal constatamos, mesmo com as inovações tecnológicas, é


que o grande capital não pode prescindir do trabalho vivo. Ele continua sendo, nas
sociedades tardo-burguesas, incluindo a periferia, a única mercadoria que produz valor.
Esse processo, consolidada a transmutação da atividade vital – uma prática social
fundamental – em força de trabalho e em mera mercadoria, constitui o trabalho
assalariado produtivo em trabalho abstrato e trabalho alienado. Transmuta o trabalho
apenas como meio de vida, “como atividade para um outro e como atividade de um
outro” (Marx,199, p.73). E essa condição é agora a sua expressão concreta.
Sabemos que esse processo não se deu, nem vem se dando de maneira imediata,
mas vem se produzindo e reproduzindo junto com o desenvolvimento das forças
produtivas, que vão se complexificando e revolucionando não só o processo de
produção, mas também o processo de trabalho, sob relações sociais de produção
mercantis.
Assim, o movimento histórico, que trouxe essas modificações, em um contexto
de existência já de um poderoso mercado mundial capitalista, de aceleração das forças
produtivas, com a emancipação da maquinaria dos limites da força humana, constitui e
dá prosseguimento, para o século XX, a partir da década de 1970, momento de mais
uma das crises cíclicas do capital, ao processo de mundialização do capital, tendo por
base e expressão o capitalismo monopolista.
O capital, sob o forte impacto desta crise estrutural, busca novas respostas como
alternativas para a sua crise. E expande-se para a periferia. Essa expansão alia-se a um
processo de renovação da maquinaria – a tecnologia da robótica, da automação e da
informação –, configurando-se no instrumento que, agora, vai dar conta de intensificar e

133
de garantir à grande indústria, inserida nas sociedades do centro, a ‘taxa média’ de
lucros, corroída pelo esgotamento do seu estágio concorrencial.
Deste modo, o capitalismo monopolista, na contemporaneidade, assenta-se na
exportação além de capital excedente, também, de algumas fases do processo de
produção de áreas industriais das sociedades do centro, das quais a indústria
automobilística é exemplar, para diferentes regiões na periferia desde que possibilite
baixos custos de produção e maior retorno ao capital. É a “fábrica difusa” (MANDEL,
1985), que prolifera na periferia, particularmente, em Goiás, as empresas industriais de
“novo estilo” (CHESNAIS, 1996), como locus privilegiado do trabalho assalariado
produtivo146 e da ‘maquinaria’, arrastando e aprofundando a fragmentação do processo
produtivo para além de suas fronteiras, em pontos distantes um dos outros, porém, sob
um mesmo comando.
Neste aspecto, os trabalhadores assalariados produtivos permanecem na mesma
condição posta desde a origem do modo de produção capitalista: não são donos nem de
sua força de trabalho nem do produto que produzem; permanecem separados dos seus
meios de produção, logo, das condições de realização de seu trabalho, e de seus meios
de subsistência, pois trabalham para a valorização do capital. Em todo processo de
renovação da maquinaria, entendida como capital, esta natureza de trabalho está
presente e é desvalorizada, explorando sobremaneira a força de trabalho feminina e
infantil.
Favorecida pela ‘revolução tecnológica’, a grande indústria impulsiona o
“decréscimo relativo da parte variável do capital com o progresso da acumulação e da
concentração” (MARX, 1985b, p. 193), isto é, a economia de trabalho vivo, para o
aumento da produtividade do trabalho social, porque agora o crescimento é do “capital
global”. Esta é a “lei geral da acumulação capitalista”: a sua própria composição
orgânica impõe as modificações: aumenta sua parte constante (trabalho morto) e
diminui sua parte variável (trabalho vivo). E tanto mais a grande indústria se
revoluciona quanto mais libera trabalho vivo.

146
O sistema do salariado baseia-se em salário, ‘forma ilusória de pagamento aos trabalhadores ‘livres’
pela venda da sua força de trabalho ao capitalista, cujo valor é determinado pelo mesmo processo de
valorização das demais mercadorias. E como elas, diferentes espécies de força de trabalho possuem
diferentes valores, portanto diferentes preços no mercado. “ O capital pressupõe o trabalho assalariado, o
trabalho assalariado o capital. Condicionam-se reciprocamente . Um trabalhador, numa fábrica de
algodão, produz apenas tecidos de algodão? Não, ele produz capital. Ele produz valores que servem de
novo para comandar seu trabalho e para criar medilante o mesmo novos valores” (Marx, op. cit., p. 161-
nota de rodapé n. 20).

134
Melhor dizendo, o que ocorre é uma crescente substituição do trabalho vivo pelo
trabalho morto, principalmente, no espaço da grande indústria, o que favorece, aos
defensores do adeus ao proletariado, de certo modo, decantar a existência do fenômeno
da “fábrica sem trabalhadores”.
A redução do trabalho vivo acarreta, por um lado, o deslocamento de parte de
trabalhadores assalariados produtivos para outros ramos da própria indústria ou fora
dela, inserindo em trabalho precarizados e baixos salários, com maior intensidade na
agricultura e, por outro, o aumento extraordinário do desemprego.
Essa realidade, que transforma os trabalhadores assalariados produtivos em
população disponível ao capital, traz em seu bojo, sob a hegemonia do grande capital,
relações que vão efetivando e alterando de modo substancial o “mundo do trabalho” e o
conjunto da vida social, à medida que modifica também o conceito de espaço e tempo, e
de Estado-nação (HARVEY, 1996), deslocamento este propício ao ajuste do
capitalismo. E é uma lógica que, ao se propor mundial, provoca, como já afirmado,
alterações na produção e no processo de trabalho, ampliando-se, também, para outras
esferas da produção, contraditoriamente, fazendo crescer e gravitar em torno de si
outros trabalhos de forma improdutiva,147 o que permite, então, ocupar parte cada vez
maior da classe trabalhadora em “trabalhos adicionais” indispensáveis a essa produção,
porque funcionais a ela. Constitui-se na periferia uma configuração particular do
desenvolvimento capitalista desigual e combinado.
Se essa condição objetiva a diminuição acelerada de um tipo de trabalho - o
industrial/fabril - aquele que deu forma à relação social de produção advinda com o
trabalho que cria valor e propagou-a na sociedade burguesa – é real no capitalismo, na
verdade, ela não acarretou o desaparecimento do trabalho assalariado produtivo nem a
substituição da sociedade que produz mercadorias. A acumulação do capital e o lucro
não desapareceram no século XX nem nos primeiros anos do XXI. A generalização das

147
“A produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, é essencialmente produção de mais-
valia. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta portanto, que produza em geral.
Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista
ou serve a auto- valorização do capital. Se for permitido escolher um exemplo fora da esfera da produção
material, então um mestre-escola é um trabalhador produtivo se ele não apenas trabalha as cabeças das
crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. O fato de que este último tem investido
seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa fábrica de salchichas, não altera nada na relação. O
conceito de trabalho produtivo, portanto, não encerra de modo algum apenas uma relação entre a
atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção
especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de
valorização do capital” (MARX, 1985b, p.106).

135
relações sociais capitalistas, que não se dá por acaso, para todos os níveis da vida social,
permite o processo de produção e reprodução do capital e do capitalismo.
Goiás insere-se como espaço favorável ao processo de reprodução ampliada do
capital de maneira distinta. A acumulação capitalista assume aqui forma heterogênea e
toma uma configuração específica, dinamizando-se, com a permanência da estrutura
fundiária concentrada, em lugares estratégicos, os pólos de crescimento econômico para
o capital monopólico. Esses pólos – sustentados por investimentos públicos e privados –
articulam essas regiões às demandas de superlucros do grande capital, que busca lugares
propícios à sua acumulação, sem tradição industrial e poder de organização sindical,
para facilitar a sua expansão. Desencadeia-se o processo de “modernização
conservadora”, a ”industrialização da agricultura,” com o uso em larga escala da
mecanização mesmo obsoleta nos setores monopolizados, resultando na reincorporação
de Goiás ao capitalismo mundial. O objetivo é então constituir altos níveis de
produtividade com o decréscimo do investimento em capital variável e maior
dependência ao capital financeiro.

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146
ANEXOS

147
GRÁFICO 1

Taxa de Lucro nos EUA (1959-2001)

14,00%

12,00%

10,00%
Percentagem

8,00%

6,00%

4,00%

2,00%

0,00%
1959

1962

1965

1968

1971

1974

1977

1980

1983

1986

1989

1992

1995

1998

2001

Ano

Fonte: Economic Report of The President (2001) e Economic Indicators 2001 (september). In: Martins,
2001.

148
GRÁFICO 2

PIB per Capita nos Estados Unidos (1938-2000)

3,50%

3,00%
2,50%
Crescimento %

2,00%
1,50%

1,00%
0,50%

0,00%
1938-1966 1967-1993 1994-2000

Período

Fonte: Economic Report of The President (2001)

149
GRÁFICO 3

PIB per Capita


(1983/2000)

5
Crescimento %

0
China Índia Estados Japão Leste Asiático
Unidos

Fonte: Maddison (2001) e Economic Report of the President (2001)

150
Tabela 3

A tendência ascendente do desemprego, 1969-1982

______________________________________________
Índice de desemprego
Recessão Média de Recessão Tope Prévio
Homens Homens
Todos Adultos Todos Adultos
______________________________________________
1. 1969 a 1970 4,7 2,6 3,4 1,7
2. 1973 a 1975 5,9 3,3 4,8 2,5
3. 1980 a 1980 7,0 4,8 6,0 3,5
4. 1981 a 1982 9,7 6,7 7,4 4,7
______________________________________________
Fonte: Departamento de Estatísticas Trabalhistas “Labor Force
Statístics Derived from the Current Populations Survey. A Date-book,
Volume II, Boletim 2096 (Set. 1982) “Employment and Earnings”.
In Sistema Econômico Latino-Americano (SELA), 1985.

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