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Mais Perto

Copyright © 2015 Márcia Lima

Capa: Márcia Lima


Revisão: Valéria Avelar
Diagramação Digital: Márcia Lima

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados.


São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de
quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.

Criado no Brasil.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do
Código Penal.
Para o segundo o homem da minha vida,
Filho, você me fez ver mais cores no amanhecer e mais paz no anoitecer,
Por você eu passei á acreditar novamente que os sonhos se realizam.
Obrigada por resgatar a menina sonhadora que eu havia esquecido que ainda morava aqui.
Agradecimentos

Escrever a continuação dessa história foi como embarcar em um sonho que saltou das paginas e se
fez real em minha vida. Junto com Laura eu vivi os melhores e os mais mágicos momentos da minha
vida – minha gravidez.
No agradecimento de Ainda Mais Perto, mais do que á minha família e meus amigos de longa
data, os quais sempre soube que estariam ao meu lado porque sou realmente uma pessoa afortunada,
eu gostaria de agradecer aos novos amigos. Amigos que seguiram comigo durante esses nove meses
em que a vida se renovou nas paginas que eu escrevia e dentro do meu ventre.
Receber apoio de tantas pessoas que conheço apenas das telas de um computador me fez crer que
o amor e o respeito mútuo ainda vivem dentro de cada ser humano.
Obrigada por estarem comigo. Por segurarem minha mão. Por dirigirem suas orações á mim e ao
meu bebê. Por compreenderem os atrasos e as demoras nas postagens dos capítulos. Obrigada por
cada palavra, carinho, presentinho, abraços virtuais e felicitações – nós sentimos cada uma delas
direto em nossos corações.
Como não poderia deixar de ser, eu mais uma vez, agradeço á Camila, minha amiga de todas as
horas, de todos os momentos. Obrigada por ter tomado conta de tudo enquanto eu me dedicava á ser
mãe. Obrigada por amar meus sonhos como se fossem seus e por dedicar seu tempo e seu coração á
mim e á minha família. Ainda que eu viva mil dias, não seria capaz de agradecê-la por tudo.
Prólogo

Laura

Eu estava usando meu vestido preferido. Ele era de bolinhas azuis e eu me sentia como uma
princesa quando estava com ele. Mamãe e eu não tínhamos muitas coisas, mas eu não me importava
realmente. Do alto dos meus pouco mais de cinco anos, tudo que pensava era que se mamãe estava
comigo, então tudo estava bem.
Era um dia de sol. Mamãe havia prometido que me levaria ao parque, que eu poderia tomar
sorvete e comer pipoca. Eu gostava muito de ir ao parque, mas eu não gostava do homem que a
estava abraçando. Ele era bruto e mal-humorado comigo. Dizia que eu era mimada e sem educação.
Ele dava palmadas fortes que faziam minhas pernas arderem e mamãe nunca o recriminava.
― Como você está linda, Laurinha! ― Ele disse segurando em minha mão e me girando. ― Tenho
certeza de que vamos conseguir um bom dinheiro por você!
Respirei fundo, bufando o cheiro ruim que saia do hálito dele. Aproximei-me de mamãe e agarrei
em suas pernas.
― Não seja boba Laura ― ela me disse. ― Não precisa ter medo do Xavier! Sabe que ele é
como um pai para você, não sabe?
Assenti.
Não porque eu concordava, mas muito mais porque tinha medo de discordar. Eu nunca havia
conhecido um pai. Eu nem sabia realmente o que a palavra significava. Eu via alguns comerciais na
televisão e o que eu via nem de longe se parecia com o que Xavier era para mim.
Encarei o homem na sala da minha casa ― cabelos mal cortados e ondulados, olhos azuis frios e
cortantes, mostrando dentes demais. Ele nunca parecia sorrir, parecia rosnar. Eu o encarava e
pensava em um daqueles cães que latem quando passamos perto demais de um portão.
Eu tinha medo de Xavier, desde sempre, mas naquele dia eu nem podia imaginar o quanto ele
havia me ajudado. Se Xavier não tivesse enviado a carta ao meu pai dizendo que eu estava viva, eu
provavelmente nunca o teria encontrado.
Dobrei a última camisa e a coloquei dentro da mala, afastando as lembranças do passado. Eu não
odiava mais Xavier. Ele já não significava nada para mim, se é que algum dia havia significado, eu
tinha pena. Tinha pena dele com seu fim trágico e tinha pena da minha mãe por nunca ter descoberto
como é maravilhoso ter alguém que será seu para sempre.
Respirei fundo, correndo os dedos pela minha barriga plana. Eu havia desejado tanto o que estava
acontecendo ali dentro que nem podia acreditar. Eu contava os dias para que pudesse sentir o
pedacinho de vida que crescia dentro de mim e faria qualquer coisa para que o meu bebê tivesse toda
a felicidade do mundo.
Capítulo 1

Laura

Algumas semanas depois, Alexander estacionava o carro em frente ao meu novo endereço.
Sr. Persen e ele haviam insistido muito para que eu ficasse no Jordaan ou para que pelo menos
voltasse para Roterdã e ficasse com Alexander até o bebê nascer. Eu não quis fazer nem uma coisa,
nem outra. Eu morava sozinha há tanto tempo, que já sentia falta de comer os meus sanduíches
gordurosos e beber leite direto da caixinha. Eu precisava da minha velha individualidade de volta.
― Tem mesmo certeza de que quer ficar aí? ― Alex perguntou uma última vez, carregando uma
pequena pilha de caixas de papelão.
Dei uma olhada em volta de tudo, apreciando meu novo ponto preferido de Amsterdã.
― Tenho ― afirmei resignada enquanto mirava a arcada de entrada do complexo.
Abri a porta, passei pelo corredor de acesso e parei em frente ao jardim do Begijnhof. Eu havia
me apaixonado por aquele lugar desde a primeira visita. Não era fácil encontrar uma casa vaga ali,
mas isso fazia parte da pequena porção de coisas que começavam a dar certo na minha vida.
― Não acredito que você não gosta daqui ― pontuei dando uma volta completa em torno do
jardim. ― Olha como é calmo e tranquilo. É perfeito!
― Se você acha ― Alex me disse cético. ― Para mim o importante é que fica próximo da casa
do papai então podemos chegar aqui rápido, caso você precise.
― Então ― eu disse sorrindo, ― é o lugar perfeito.
Eu estava animada, convencida de que seria um recomeço perfeito na minha vida recém-
conturbada. Já havia resolvido as coisas com Hans e voltaria a trabalhar em breve, o que era ótimo.
E ainda estaria a apenas alguns quarteirões da casa do Sr. Persen e de Alex, que havia resolvido
passar um tempo em Amsterdã.
Eu não tinha móveis. Havia alugado o apartamento no Jordaan mobiliado então minha mudança
era pequena. Algumas caixas e Mia ― que eram tudo que eu tinha no mundo.
Girei a chave na maçaneta da porta e entrei. Era um sobrado pequeno, com sala e cozinha
separadas por um balcão, que também servia de mesa e um lavabo de duas peças. No andar de cima,
um quarto de tamanho razoável e um banheiro completo completavam o que agora seria minha casa.
Era tudo pintado em tom de azul bem claro e o papel de parede à meia altura, cheio de flores
pequenas e rosadas. Era uma casa que deixaria qualquer avó enlouquecida de felicidade, não era
exatamente o apartamento que uma moça de vinte e poucos anos decoraria.
― Sabe que eu poderia conseguir um apartamento bem melhor para você no meu prédio, não
sabe? ― Alexander me disse levantando a sobrancelha para os móveis antigos do lugar. ― Você é
quase uma milionária agora ― brincou.
Eu o abracei e o beijei no rosto, fechando a porta atrás de nós.
― Sabe que eu não quero o dinheiro dele, não sabe? ― imitei-o.
― Talvez você não queira agora, mas minha função como seu advogado é garantir que seus
direitos serão respeitados.
Respirei fundo. Eu não queria uma briga judicial com Adrian por dinheiro e muito menos causa do
meu bebê.
Sentei no sofá e deixei que Mia explorasse seu novo lar. Alexander sentou-se ao meu lado.
― Sei que é difícil ― ele disse passando o braço em volta do meu pescoço. Deixei meu rosto
pender contra seu peito. ― Mas, tudo vai se resolver.
Eu estava me preparando para responder, quando a campainha soou. Levantei e fui atender.
Havia uma senhora de cabelos grisalhos presos em um coque em minha porta. Destranquei e sorri.
Ela sorriu de volta e me cumprimentou em holandês.
― Boa tarde ― eu respondi ainda em holandês. ― Eu sou Laura, a nova moradora.
Os olhos da senhora correram para Alexander, esparramado em meu sofá, com Mia em seu colo.
― Ah este é Alexander, meu irmão ― eu disse logo, antes que a mulher tivesse alguma ideia
errada sobre ele.
Eu conhecia as regras para morar em Begijnhof, elas eram muito claras. Nada de homens para
pernoitar. As visitas masculinas deviam ser rápidas e não podia receber namorados ali.
A mulher sorriu mais, voltando os olhos para mim novamente.
― Sou Frida ― ela me disse estendendo a mão. ― Sou sua vizinha e a responsável pelo lugar.
Vim até aqui para ver se a senhorita precisa de algo.
Estiquei a mão e a cumprimentei no momento em que senti as mãos de Alexander sobre meus
ombros.
― Sou Alexander Persen ― ele disse sorrindo. ― Fico feliz em saber que minha irmã terá uma
vizinha tão prestativa.
Algo nos olhos da pobre mulher me dizia que ela havia sido pega pelo olhar “príncipe” do meu
irmãozinho. Sorrio.
― Obrigada Frida, mas por enquanto acho que estamos bem. Alex vai me ajudar a desempacotar
as coisas e fará as instalações. Não sou muito boa com instalações elétricas ― brinquei para
melhorar o clima, afinal a mulher era meu novo senhorio. ― Se não estiver ocupada, poderíamos
tomar um chá amanhã á tarde ― e completei, ― tenho certeza de que até amanhã tudo estará no lugar!
Frida sorriu e correu os olhos de mim para Alexander e dele de volta para mim.
― Vejo que a gentileza é algo de família! É muito bom saber que teremos uma jovem tão educada
conosco.
Eu sorri polidamente, fechando a porta com cuidado assim que ela saiu. Alexander caiu na risada
no minuto seguinte.
― Se eu tinha alguma preocupação em deixá-la sozinha, morreu no olhar fulminante da secretária
do Hitler ― brincou jogando-se no sofá novamente.
Reprimi o sorriso.
― Hey, você deveria me ajudar a ajeitar tudo isso aqui, sabia? ― brinquei. ― E não fale mal da
minha mais nova melhor amiga.
O que restou do dia, Alexander e eu passamos nos dedicando a transformar o pequeno espaço em
algo habitável. Ele guardava as coisas grandes e eu as pequenas. Dobrei, ajeitei, limpei, tirei o pó,
enquanto ele fazia funcionar o novo aparelho de televisão de tela plana que ele havia insistido em me
dar de presente pela casa nova. Já tinha começado a escurecer quando terminamos tudo.
― Eu comeria uma vaca inteira ― ele disse jogando-se em meu sofá novamente. ― Mas, cuspiria
os cascos e talvez os chifres. Sabe como é me parece um pouco indigesto.
― Eu comeria uma cabra ― completei. ― Mas, deixaria a cabeça de lado, provavelmente.
Começamos a sorrir no instante seguinte.
― O que acha de um jantar? Poderíamos sair e comemorar seu novo endereço, já aqui não sou
bem-vindo depois do anoitecer ― Alex brincou se levantando. ― Estarei no portão às oito.
― Combinado Sr. Persen!
Alexander saiu e subi para experimentar meu mais novo banheiro. Tirei a roupa e abri o chuveiro.
Entrei debaixo do feixe de água agradecendo pelo aquecimento a gás que Alex havia arrumado ―
seria bem útil no próximo inverno.
Vesti um vestido de tecido leve que combinava com o clima e com a maneira como eu me sentia.
Eu estava leve. Leve e feliz. O vestido era azul marinho e tinha uma faixa que amarrava na cintura.
Quando fui dar o laço, percebi que ele já estava um pouquinho menor. Minha silhueta estava
ligeiramente mais rechonchuda, mas eu estava muito feliz ― tudo que eu queria era ver minha barriga
crescer logo.
Penteei os cabelos e os deixei soltos, caindo sobre meus ombros. Borrifei um pouco de perfume e
calcei minhas sandálias de salto plataforma. Quando peguei o casaco e a bolsa, já eram oito horas.
Desci a escada cantarolando feliz. Fechei a porta e caminhei pelo corredor que dava acesso à rua.
Quando abri a porta do complexo, Alexander já estava lá, parado em frente ao Audi que eu amava.
Braços cruzados sobre o corpo em uma calça social escura e camisa branca, dobrada até os
antebraços, mostrando algumas das suas tatuagens. Ele sorriu com aquele sorriso que derretia
qualquer iceberg em um raio de 50 quilômetros e pensei que Alissa não fazia ideia da sorte que
estava desperdiçando.
― Alex você sabe que é bonito ― eu comecei. ― Mas, acredite dessa vez você se superou! —
Ele sorriu e abriu a porta do carro para mim. Deu a volta e sentou-se do outro lado. ― Alissa é uma
boba de te deixar por aí solteiro.
Alexander suspirou e eu me arrependi no mesmo instante por ter tocado no assunto.
― É complicado Laura. Eu tentei muito. Realmente tentei o máximo que pude ― ele disse
apertando os dedos em volta do volante. ― Alissa quer um homem que não consigo ser. Eu não sou o
tipo ambicioso e sem escrúpulos que faz qualquer coisa por dinheiro. Suspirei, pensando que
se eu não tivesse aparecido, as coisas seriam mais fáceis para ele. ― E não pense que você tem
alguma culpa nisso ― ele disse como se lesse meus pensamentos. ― Alissa e eu já não estávamos
bem muito antes de Louise sequer pensar em existir. Na verdade, nós só insistimos em tudo porque
Alissa engravidou.
Afundei meu corpo no banco de couro do Audi e acabei caindo na risada.
― Dedo podre para o amor deve ser uma especialidade dos Persen ― brinquei ainda sorrindo.
Alexander caiu na gargalhada junto comigo.
― Só pode. Nosso DNA!
Alexander dirigiu até a parte alta de Amsterdã, mais afastada do porto. Era uma das regiões mais
caras da cidade e as ruas eram cercadas por parques e lojas de grifes famosas.
Eu não costumava ir aquela parte da cidade porque simplesmente estava fora das minhas posses.
Ainda precisava me acostumar que Alexander era um homem rico. Paramos em frente a um
restaurante elegante. O letreiro na porta estava escrito em francês.
Assim que paramos, um manobrista abriu minha porta e ofereceu a mão para que eu saísse do
carro. Alexander desceu, correu as mãos pelo cabelo e sorriu.
― Para minha irmãzinha, apenas o melhor.
Acabei sorrindo também. Não porque o restaurante era chique ou caro, mas porque eu o tinha ao
meu lado. Tudo parecia mais fácil com Alexander ali.
Entramos no restaurante de braços dados. O maitre nos mostrou uma mesa no fim do salão.
O lugar era ainda mais suntuoso e elegante do lado de dentro, do que parecia de fora e comecei a
julgar que meu vestido não havia sido uma escolha tão boa. Estava caminhando pelo corredor quando
precisei desviar de outro garçom com uma bandeja. Acabei esbarrando no homem sentado à mesa.
― Desculpe ― eu disse usando meu holandês ruim.
Ele virou-se rapidamente e precisei apoiar-me contra o braço de Alexander para não cair. Adrian
Van Galagher estava ali, na minha frente, apesar de todas as minhas tentativas de fugir dele. Ali
estava quem eu, um dia, havia pensado ser o homem da minha vida.
Os olhos de Adrian se detiveram nos meus por tempo demais. Tempo que de repente pareceu
correr em minha mente como um filme. Ele estava exatamente como eu me lembrava dele. Bonito,
elegante, sexy. Seus olhos estreitos ainda tinham a mesma nota de mistério que os faziam querer ser
desvendados. Sua boca continuava sem sorriso, firme e contraída em seu rosto sério.
― Laura ― ele disse fazendo meu coração derreter.
Respirei fundo, afundando as lembranças da minha mente, minha mão livre tocando minha barriga
sem querer. Retomei minha postura e ergui o queixo.
― Sr. Galagher ― devolvi o cumprimento como se ele não significasse nada para mim e então
deixei meus olhos se perderem na mulher ao lado dele sem dizer nada.
Adrian

O telefone em meu colo havia tocado até cair na caixa de mensagens. Eu já havia perdido a conta
de quantas vezes havia tentado ligar, desde que a deixei no hospital. Quatro semanas. Quatro semanas
e ela não havia atendido nenhum dos meus telefonemas.
Girei minha cadeira para a janela de vidro e acendi um cigarro, soprando a fumaça ao meu redor,
encarando o movimento do porto lá embaixo. Eu estava preocupado com ela, com o meu filho, com
Collin, com Margarida, com Alexander e com Louise. Eu havia conseguido transformar o que parecia
um novo rumo, em um emaranhado de pontas soltas que agora eu teria que unir.
Dei um trago no cigarro, recostei meu corpo contra o couro macio da cadeira e fechei os olhos. Eu
precisava encontrar uma maneira de tirar Louise de Alissa assim que nascesse. Ela não seria uma
boa influência para o bebê e Alexander merecia que eu fizesse isso. Não apenas pela nossa amizade
e por tudo que ele já havia feito por mim, mas pela desconfiança idiota que acabou nos colocando em
lados opostos de uma ação judicial pela primeira vez.
Eu também precisava resolver as coisas com Margarida, já que Laura era algo que eu não poderia
resolver tão fácil. Encarei o maço de folhas de papel sobre minha mesa com todas as exigências que
provavelmente Alexander fazia em seu nome.
Não era pelo dinheiro. Eu não me importava em pagar o que quer que fosse que ela quisesse. Ela
tinha o meu filho no ventre e teria uma boa parte de tudo que era meu de um jeito ou de outro. Eu não
me importava com o dinheiro. Teria dado tudo a ela se ela me pedisse. O que me importava era
aquele maldito processo.
O que eles estavam pensando? Que se uniriam contra mim agora que haviam descoberto que
eram irmãos? Que poderiam simplesmente me dizer o que fazer e que eu iria assistir? ― eu não
fazia o tipo que aceitava imposições. Eu era o tipo que decidia.
Amassei uma a uma as folhas e as arremessei em meu cesto de lixo, no canto da sala. Dei o último
trago no cigarro e o apaguei em meu cinzeiro de cristal. Peguei o telefone irritado.
― Karol onde está a maldita candidata? ― perguntei pela quinta vez.
― Ela ligou avisando que teve uma audiência de emergência Sr. Galagher. Pediu que
remarcássemos, mas o senhor não quis.
Praguejei mentalmente contra o telefone.
― E essa audiência tem alguma previsão de fim? ― ironizei.
― Ela pediu mais uma hora. Acabou de telefonar. Ainda está em Amsterdã, mas disse que já está
acabando e vem direto para cá.
Encarei o relógio em meu pulso. Eram seis e meia da tarde e não havia comido nada o dia todo.
Estava faminto e cansado. Queria chegar logo em casa e vestir uma calça confortável e brincar com
meus filhos.
― Pois diga a Srta. Importante que se ainda quiser um emprego, eu a espero em exatos cinquenta e
cinco minutos no Fontaine. Se ela não conseguir chegar no horário, diga que nem precisa se
justificar.
Desliguei o telefone e me levantei. Fui até o banheiro, lavei o rosto, ajeitei o cabelo e peguei
minhas chaves. Passei por Karol.
― Sabe que não precisa ficar até a hora que eu estiver aqui, não sabe Karol?
Era meu jeito, nem um pouco delicado, mas já conhecido por ela, de dizer que ela podia ir embora
e descansar.
Karol sorriu.
― Achei melhor esperar até que o senhor recebesse a Srta. Stein, Sr. Galagher.
Levantei uma sobrancelha para ela, sem entender que o “melhor” se referia a me ajudar com a tal
advogada ou protegê-la de mim.
― Então agora vá para casa Karol. Harold pode levá-la. Eu estou de carro.
― Obrigada Sr. Galagher.
Karol trabalhava comigo há muitos anos. Ela me conhecia o suficiente para saber como eu era e
sabia que esse era meu jeito de pedir desculpas por ela passar do horário. Em todos esses anos ela
esteve ao meu lado, aguentando minhas merdas e cuidando de tudo para mim. Fiz uma nota mental
para aumentar seu salário no próximo mês.
Entrei no elevador e desci até a garagem. Apertei o alarme do Porsche e entrei. Eu não estava
ansioso por encontrar advogado algum. Eu não queria outro. Eu queria Alexander, de volta comigo
nos negócios. Eu queria sua segurança, sua paciência e seu jogo de cintura que sempre resolvia tudo.
Eu queria, mas ele não queria mais.
Respirei fundo e conectei o celular ao carro. Disquei para casa. Martina atendeu no segundo
toque.
― Residência do Sr. Galagher, Martina falando.
― Sou eu Martina ― eu disse logo. ― John está em casa?
― Está sim Sr. Galagher. Acabou de chegar. Vou passar para ele.
― Fala Sr. Galagher ― meu filho disse alguns minutos depois. ― Um pouco tarde, não está?
― Diga-me você ― respondi. ― Até onde sei suas aulas terminaram há três horas. Não vejo
como poderia demorar três horas e meia para alguém percorrer alguns quarteirões.
― Simples ― ele disse debochado, ― faça isso acompanhado por uma bela morena de olhos
azuis.
Reprimi o sorriso porque ele ainda precisava saber quem mandava nisso tudo. Pigarreei um pouco
para disfarçar melhor, mas não achava que o tinha convencido.
― Filho ― continuei, ― estou ligando para avisar que não vou jantar em casa ― e antes que ele
tivesse qualquer ideia errada completei, ― tenho um jantar de negócios. Vou entrevistar alguém para
o lugar de Alexander.
John demorou um tempo para responder. Eu sabia que ele não queria ninguém no lugar de
Alexander. Ele tinha esperanças de que tudo voltasse a ser como antes e eu não podia culpá-lo. Eu
queria o mesmo.
― Tudo bem pai. Martina está dando comida para os pirralhos. Vou comer qualquer coisa e
estudar um pouco.
― Isso. Faça isso, filho. Não devo demorar.
Ele estava preocupado com os exames finais. Havia feito um ano quase inteiro no Brasil e isso
poderia dificultar as coisas na escola de Roterdã. Ele não queria ficar para trás da turma. Era
dedicado e esforçado e eu havia preparado o prêmio perfeito para quando ele terminasse os exames.
Quando fiz dezoito anos, eu dirigia um sedan velho que queimava mais óleo que todos os
petroleiros do porto juntos. Eu queria que John tivesse um carro bom. Um do qual ele se orgulhasse.
Dirigi pela estrada sem querer me prender as lembranças. Por mais que não quisesse, elas vinham
a minha mente uma a uma, sem que eu pudesse controlar. Antes dela, Amsterdã era apenas uma
cidade pequena e cheia de turistas que eu tentava evitar. Agora, tudo ali me fazia lembrá-la. Laura.
Minha Laura. Eu não conseguia ignorar o fato de que estaria um pouco mais perto dela, nem que fosse
durante um maldito jantar de negócios.
Parei meu carro em frente ao restaurante e deixei que o manobrista o levasse. Ajeitei meu terno e
caminhei até a entrada.
― Sr. Galagher, é um prazer recebê-lo ― a moça me disse assim que cheguei à entrada. ―
Venha, vou acompanhá-lo até uma mesa.
Caminhei com ela pelo salão. Eu gostava da comida e do ambiente do Fontaine. Era um
lugar reservado e isso era perfeito para uma reunião de negócios.
― O senhor espera por alguém? ― a moça perguntou. ― Ou vai jantar sozinho?
― Espero uma pessoa. O sobrenome é Stein.
Ela assentiu e indicou a mesa para mim. Era uma mesa boa, no meio do salão. Era suficiente para
que eu me misturasse às pessoas e não tivesse minha foto em nenhum jornal ao lado de outra mulher.
Eu não conhecia a tal Stein, então tinha que jogar com todas as possibilidades.
Joanne Stein chegou pouco mais de quarenta minutos depois do horário que eu havia dado à
Karol. Conferi o relógio antes de me levantar e indicar a cadeira à minha frente a ela.
Ela era uma mulher muito bonita e atraente. Tinha olhos incrivelmente azuis que contrastavam com
a pele bronzeada, ainda que artificialmente. Os cabelos, lisos e escuros, estavam presos em um
coque desarrumado. Ela tinha um ar cansado e eu quase me senti mal por ter insistido em manter
nossa reunião.
― Desculpe pelo atraso, Sr. Galagher, um cliente teve problemas e precisou de ajuda. Eu não
podia dizer que não.
Era uma coisa boa, afinal, se ela não deixava os clientes na mão, não me deixaria também.
― Sente-se ― eu disse indicando o lugar. ― Vamos deixar os contratempos de lado e conversar.
Ela sorriu e se acomodou. Abriu a pasta de documentos e me entregou uma pasta de plástico com
seu currículo. Eu o abri e dei uma olhada na incrível coleção de especializações e casos que a moça
havia ganhado. Ela era um pouco mais jovem que eu. Eu julgaria por volta de trinta e cinco anos ou
um pouco menos.
― É um serviço um pouco desgastante ― comecei enquanto líamos o cardápio. ― Tem
disponibilidade para viajar, Srta. Stein?
Ela era jovem e bonita e a última coisa que eu precisava era de um namorado ciumento
atrapalhando meus negócios.
― Tenho sim, Sr. Galagher. Não tenho problemas com isso. Eu tenho um filho de cinco anos, mas
tenho uma excelente babá que me acompanha desde que Trevor nasceu.
Bom. Centrada. Com filhos. O que ajudava a torná-la mais centrada ainda. Agora restava saber
onde estava o marido.
― A senhorita é casada? ― perguntei taxativo.
― Sou viúva. Há pouco mais de um ano.
― Sinto muito.
Eu sentia mesmo. Sabia como era difícil criar um filho sozinho, e eu era milionário. Com certeza
as coisas eram um pouco mais difíceis para a pobre mulher. Por isso ela trabalhava tanto.
― Obrigada ― ela respondeu. ― Nós já estamos melhores. Foi uma surpresa, mas superamos
juntos, Trevor e eu.
Esbocei um pequeno sorriso gentil, mas não queria transformar nossa conversa em lamentações
sobre seu passado e viuvez. Eu precisava de um advogado e o estado civil dela era praticamente
irrelevante.
Nossa comida chegou e o garçom serviu o vinho branco em minha taça. Aprovei e ele serviu a
Srta. Stein. Ela tentou recusar, mas minha regra de “se come comigo, bebe comigo” ainda valia.
Dei a primeira garfada em meu filé de peixe, enquanto a moça falava e falava sobre toda a
experiência internacional que tinha. Estava quase no meio do prato, quando o cotovelo de alguém se
chocou contra mim, bem no meio das omoplatas. Virei no mesmo instante incrédulo com o som da
voz que ouvia.
Ela estava ali, na minha frente. Os cabelos soltos emoldurando seu rosto bonito e delicado,
espalhando seu perfume pelo ar. O corpo, um pouco mais arredondado do que eu lembrava e eu sabia
exatamente o porquê.
Desde a última vez em que havíamos nos encontrado naquele hospital, eu fantasiava em como
seria quando nos víssemos novamente. Eu tinha certeza de que seria forte e que não deixaria
transparecer quaisquer que fossem os sentimentos que ela despertasse em mim. Eu estava irritado por
ela não querer falar comigo e queria tanto ignorá-la que quase perdi o fôlego, chegando à conclusão
de que nunca seria indiferente a ela. Não importava o que acontecesse ou quanto tempo passasse,
Laura, minha Laura, teria um pedaço do meu coração do qual eu não tinha mais controle.
Estiquei o braço para apoiá-la, mas ela se segurou em Alexander.
― Laura ― eu disse por que não sabia o que mais dizer.
Sua mão livre tocou a barriga devagar, bem ali, onde meu filho estava e eu senti meu coração se
despedaçar um pouco mais.
― Sr. Galagher ― ela respondeu firme, forte, segura. Como sempre tentava ser.
Corri os olhos pelo caminho que os dela haviam feito e parei em Stein, ali, sentada comigo no
restaurante.
― Esta é a Srta. Stein ― eu disse antes que alguém pudesse interpretar de outra maneira nosso
encontro. ― Ela é advogada.
― Sou candidata a uma vaga de emprego na empresa do Sr. Galagher ― ela disse estendendo a
mão para Laura.
Era um cumprimento formal que deixava claro o que estava acontecendo ali. Stein havia
percebido muito mais do que Laura e eu dissemos e isso a havia colocado alguns passos à frente de
qualquer outro candidato. Ela era esperta.
― Sou Laura Soares ― Laura disse apertando a mão da moça. ― Espero que tenha sucesso.
Vamos Alex? ― ela disse como se quisesse fugir rápido de mim.
― Claro ― ele respondeu segurando em sua mão. ― Tenho um bom jantar Adrian ― me
cumprimentou. ― Senhorita ― repetiu o cumprimento.
Stein não perguntou nada sobre Laura ou sobre o clima estranho que havia entre Persen e eu. Ela
era uma mulher inteligente. Eu não disse nada também, mas qualquer coisa que aconteceu depois do
encontro eu não me lembraria. Minha mente estava focada na moça de vestido azul, sorrindo
nervosamente e fingindo ser feliz, enquanto carregava meu filho e meu coração com ela.
Capítulo 2

Laura

Rolei na cama a noite toda. Eu não podia simplesmente perguntar quem era a tal mulher com quem
ele estava. Não era mais da minha conta, mas nos poucos momentos em que consegui cochilar, eu
simplesmente não pude afastar a imagem dos dois juntos naquela mesa da minha mente.
Quando o relógio mostrou sete horas, decidi que era hora de levantar porque não adiantaria
mesmo ficar ali como um bife na frigideira, virando e virando como uma boba.
Tomei uma ducha rápida. Vesti uma saia lápis e uma camisa rosada dobrada até os antebraços.
Penteei meus cabelos e calcei meus saltos altos. Estava descendo a escada, quando a campainha
tocou.
Desci degrau por degrau, sem vontade alguma de abrir a porta e encontrar a tal Frida do outro
lado, fazendo uma vistoria em minha casa.
Será que a mulher não havia entendido que o bendito chá era á tarde?
Abri a porta e o sorriso brotou em meu rosto no mesmo instante. Era Alexander segurando um
embrulho de uma confeitaria que eu amava no Jordaan.
― Para o café com a sua mais nova amiga de infância ― ele brincou entregando o embrulho que
provavelmente era algum tipo de torta ou bolo.
― Ah você é o melhor irmão do mundo, sabia? ― respondi pendurando-me em seu pescoço e o
beijando na bochecha.
― E isto é para o nosso café ― ele completou entregando-me um saco de papel que soltava
fumaça. ― E sim, eu sou mesmo um cara incrível. Você pode passar o resto da sua vida me
agradecendo por ser seu irmão.
Dei um tapa nas suas costas enquanto ele entrava.
― Convencido ― brinquei.
Liguei a cafeteira, enquanto Alexander se acomodou em uma das banquetas do balcão. Eu sabia
que em algum momento ele acabaria tocando no assunto “Adrian”, mas eu queria ter certeza de
postergar o máximo que pudesse tudo isso.
Liguei a televisão na esperança de que algo no noticiário levasse sua atenção para longe de mim.
Para minha desgraça, não parecia ter acontecido nada de realmente relevante na Holanda nos últimos
dias.
Ficamos em silêncio vendo notícias bobas sobre o aumento de alguma taxa do governo, ou o preço
do limão até mais ou menos a metade dos nossos pãezinhos de passas.
― Então ― ele começou. ― Até quando vai continuar fingindo que não se importa de ter
encontrado Adrian ontem.
Engoli o bolo de pão mastigado sentindo minha garganta protestar.
― Não estou fingindo ― eu disse depois de mais um gole de café. ― Adrian é um homem livre,
pode sair com quem ele quiser. Não é da minha conta ― menti.
― Então a senhorita está me dizendo que realmente não se importa com quem quer que seja a tal
morena de arrasar quarteirão que estava com ele ― Alexander brincou.
Dei de ombros colocando minha xícara na pia.
― Eu não diria que ela é de arrasar nada. Talvez a conta bancária dele ― eu disse sem humor. ―
Ela bem que me pareceu o tipo caça dotes, sabe?
Alexander caiu na gargalhada, fazendo meu rosto corar de raiva.
― Mulheres! ― Ele disse se levantando e colocando a própria xícara dentro da pia. ― Todas
iguais. — Eu estava preparada para começar a xingar porque diabos ele havia se abalado do Jordaan
até aqui só para atazanar a minha pobre vida, quando ele continuou. ― Ela é mesmo advogada ― ele
disse arrematando o que havia sobrado do meu pãozinho. ― Eu a conheço. Está mesmo à procura de
um emprego. Ficou viúva há algum tempo e desde então tem trabalhado por conta própria até que
agora se candidatou à vaga que era minha.
Eu não sabia se ficava feliz porque Adrian havia sido honesto, ou se ficava triste porque a mulher
era mesmo linda e estaria com ele todos os dias. Eu sabia o quanto ele e Alexander eram próximos e
eu não tinha certeza se era uma coisa boa a tal morena tomar o lugar de Alex.
Sentei na poltrona e deixei meu pensamento vagar, meio sem querer ― era o fim. Era mesmo o
fim. Adrian havia desistido de mim e com a tal advogada por perto, não levaria muito tempo até que
ele me esquecesse.
Suspirei.
Alexander caminhou até mim e agachou até minha altura. Colocou suas mãos sobre as minhas,
acariciando minha pele devagar. Seus olhos pálidos me diziam que tudo ficaria bem e que ele estaria
sempre ali. Sorri de volta, acariciando seus dedos com os meus.
― Dedo podre da família Persen ― eu disse sorrindo.
― Você deveria reconsiderar o sobrenome. Não acho que seja um bom legado ― brincou. ―
Gosto de Soares.
Continuei sorrindo, mesmo sem humor.
― Não acho que este seja um sobrenome com melhor legado.
Alex respirou profundamente, deixando o ar escapar devagar, enquanto me encarava com seus
lindos olhos esverdeados.
― Não feche as portas do seu coração por capricho ou por raiva ― ele disse com o olhar triste.
― Sei que é impulsiva e que não é do tipo que perdoa fácil, mas não faça isso. Não chegue ao final
cheia de arrependimentos por tudo que poderia ter vivido e deixou para trás por não ser capaz de
perdoar.
Era um bom conselho. Eu sabia disso. Por mais difícil que fosse, era um bom conselho. Alexander
era bom em dar conselhos. Ele tinha uma maneira de ver a vida que ia muito além dos seus trinta e
poucos anos.
Beijei seu rosto antes de me levantar.
― Prometo que vou pensar nisso ― eu disse sinceramente. ― Mas, agora preciso seguir com a
vida. Ela sempre continua.
Alexander sorriu e me acompanhou pelo caminho.
― Que tal uma carona até o seu escritório?
― Será um prazer, Sr. Persen.
Algum tempo depois, eu estava dentro do escritório da Andersen Advogados Associados. Hans
estava em minha sala, sentado em uma das cadeiras, lendo o jornal.
― Bom dia Hans ― eu disse parada na frente dele. ― Eu ganho um abraço de boas-vindas ou
pelo menos um aperto de mãos? ― brinquei.
― Ah Laura, minha querida, como é bom tê-la de volta ― ele disse me abraçando.
Hans sabia da gravidez e havíamos chegado à conclusão de que trabalhar me faria bem.
Desde que eu me alimentasse direito e não me cansasse demais, tudo que eu precisava para deixar o
passado para trás, era ter algo com o que preencher minha mente.
― Então, que caso é esse que você pretende me passar? — perguntei
― Na verdade não é exatamente um caso ― ele me disse. ― Um empresário do ramo naval está
com um desfalque em seu departamento jurídico e pediu que trabalhássemos com ele até que ele
encontre um substituto. Seria como uma prestação de serviços gerais de direito.
― Interessante ― eu disse, porque soava bem estranha a proposta.
― Ele é um amigo de Adrian Van Galagher ― Hans continuou. ― Estava na sua festa de noivado.
Eu podia sentir o bolo se formando em meu estômago, grande, forte e tomando mais espaço.
Engoli com cuidado, tomando um gole de água por cima e respirando devagar.
― Sabe que será muito difícil não esbarrar no Sr. Galagher, não sabe querida? ― Hans me
perguntou.
Sim! Eu sabia. Eu sabia que mais dia menos dia eu acabaria impreterivelmente esbarrando em
Adrian Van Galagher, como havia acontecido na noite anterior, mas eu queria evitar. E queria evitar
por muitas razões.
Eu havia descoberto que Adrian ainda me magoava. Não que fosse intencional, porque eu pelo
menos tinha que concordar que ele estava se comportando como um cavalheiro nos últimos tempos,
mas estar perto dele levantava toda a poeira que eu escondia debaixo do tapete.
Além disso, eu não iria permitir que ele tivesse qualquer esperança de ficar com a guarda do meu
bebê, nem que para isso eu tivesse que fugir para o Brasil e morar com uma comunidade indígena no
meio da Amazônia.
E por fim, ainda havia o fato de que eu não era indiferente a ele, muito pelo contrário. Meu corpo
e meu coração estúpidos lutavam contra o desejo de sentir Adrian comigo, pelo menos mais uma vez
e aquela morena ao lado dele não ajudava em nada meu autocontrole.
Respirei fundo antes de responder.
― Não tenho problemas em me encontrar com Adrian, Hans ― menti pela segunda vez na mesma
manhã. ― Eu apenas prefiro evitar o nosso desgaste.
Hans me encarou por um longo tempo. Eu sabia que ele me conhecia bem demais para cair nessa
bobagem de garota forte e sem sentimentos, mas ele também sabia que me confrontar só me faria
sofrer mais.
― Ótimo ― ele disse por fim. ― O Sr. Hart a espera no Sky Lounge. Ele está hospedado no
Hilton, porque não mora na cidade ― e concluiu, ― pegue um táxi para evitar qualquer tipo de
atraso. Ele não me parece um homem permissivo.
― Ok, Sr. Andersen. Anotado ― disse beijando seu rosto e ajeitando minha bolsa de volta nos
ombros.
― Se precisar de qualquer coisa, sabe que é só ligar, certo? ― ele reforçou. ― Não quero minha
garotinha grávida passando apuros, sozinha por aí.
Sorrio para ele.
― Não se preocupe Hans. Se eu precisar, ligo.
Entrei no primeiro táxi que passou na rua, e segui direto para o Hilton. Sky Lounge o era o
restaurante mais novo ― e mais elegante ― de Amsterdã. Eu nunca havia ido até lá, simplesmente,
porque não tinha dois mil euros para pagar uma suíte no hotel e o restaurante ficava no décimo
primeiro andar do complexo do Hilton Double Tree Hotel.
Parei em frente ao prédio e desci do táxi. Entrei e subi direto para o restaurante.
― Procuro pelo Sr. Hart ― eu disse ao maitre. ― Sou a Srta. Soares.
O rapaz me conduziu pelo salão praticamente vazio do restaurante. Era um lugar luxuoso e muito
bem decorado. O sol reluzia mesmo à meia luz do local. As janelas de vidro refletiam Amsterdã de
um jeito que eu nunca havia visto.
Caminhamos até uma mesa no canto do salão, com vista para Estação Central da cidade.
Eu estava sem os meus óculos, então só percebi quem era o Sr. Hart, quando ele se levantou e
estendeu a mão para mim. Fiquei ali, por alguns segundos, piscando e pensando que Deus só poderia
estar fazendo uma piada de mau gosto comigo. Eu já o conhecia.
Hart era o homem que havia me cumprimentado na festa de noivado. O mesmo homem que havia
feito as veias das têmporas de Adrian pulsarem. Eu não sabia o que, mas havia algo nele que
incomodava profundamente Adrian Van Galagher.
― Como está Laura? ― ele me disse sorrindo. ― Espero que se lembre de mim. Sou Jens
Guilhelm Van Hart.
Meus olhos correram pelo homem à minha frente, enquanto minha mão tocava a dele. Ele era um
homem bonito e elegante. Daqueles que arrancavam suspiros por onde passavam. Jens era uma
mistura perfeita entre a doçura de Alexander e a sexualidade latente de Adrian.
Ele era alto. Bastante alto. Forte. Corpo musculoso e bem constituído. Pele clara, marcada por
algumas pintas escuras, boca rosada ostentando um sorriso matador. E lindos e pequenos olhos
incrivelmente azuis. O formato dos olhos dele o deixava com um ar jovial e delicadamente infantil.
― Estou muito bem, Sr. Hart ― eu disse finalmente apertando sua mão. ― É claro que me lembro
do senhor. É um prazer revê-lo.
― O prazer é meu ― Jens disse sorrindo. ― Espero que me perdoe. Não achei que era
necessário um terno, já que vamos trabalhar juntos.
Ele não usava um terno, mas não estava menos elegante por causa disso. Seu cabelo estava bem
penteado para trás, usava uma blusa de malha com decote em V e uma calça social.
Sorrio. ― Jens Van Hart estaria elegante mesmo que usasse calças jeans azul Bic e camisa
havaiana.
― Ah não tem problema, Sr. Hart ― comecei e ele me interrompeu.
― Pode me chamar de Jens, Laura. Como eu disse, seremos colegas de trabalho. Já tomou seu
café da manhã? ― ele me perguntou enquanto puxava uma cadeira para mim.
― Já sim, obrigado ― eu disse sentando-me. ― Mas, eu o acompanho com um suco de laranja.
O maitre se foi e Jens e eu ficamos sozinhos. Ele sorria e falava e eu ficava ali,
encarando o homem mais um pouco. — Bonito, rico, elegante, gentil, mas havia algo ali que não se
encaixava muito bem e eu estava disposta a descobrir.
― Espero que Adrian não tenha falado muito mal de mim a você ― ele brincou.
― Ah não se preocupe Jens, Adrian não faz o tipo falador.
Jens respirou fundo e seus olhos perderam um pouco do brilho. Seu rosto ficou sério de repente.
― Sinto muito que o noivado tenha se desmanchado ― ele me disse e havia uma nota de
sentimento em sua voz. ― Desejo, sinceramente, que você esteja bem.
Respirei fundo também, tocando minha barriga sem querer e esperando que Jens não percebesse.
Eu não queria dizer que estava grávida. Pelo menos agora.
― Agradeço sua preocupação, mas eu estou bem sim, obrigado mais uma vez.
Jens sorriu e deu o assunto por encerrado.
― Bem, não sei se o Sr. Andersen a deixou a par dos negócios para os quais preciso de você, mas
se quiser, podemos falar sobre eles.
― Ele me disse que você precisa de um advogado até suprir a vaga em sua empresa, mas não me
deu grandes detalhes ― respondi.
― Eu estou negociando um conjunto de pequenas empresas que abriram falência em Roterdã. São
pequenas empresas no ramo de pesca e eu quero transformá-las em uma grande companhia. Não sou
formado em direito então conheço pouco do aspecto jurídico dos meus negócios. Infelizmente, meu
advogado teve problemas na família e precisou retornar à Copenhague e eu não confio em muitas
pessoas.
Ele disse isso e me lançou outro daqueles sorrisos tortos e provocativos. ― Jens Van Hart sabia
jogar.
― Sei que é formada em direito corporativo ― ele continuou. ― Fiz uma pequena pesquisa a seu
respeito e espero que não se importe.
Eu não me importava, até porque o máximo que ele poderia descobrir fuçando minha vida era o
que ele provavelmente já sabia.
― Sem problemas Jens, imagino que esteja preocupado com o futuro dos seus negócios.
― Imagino que o que eu preciso não é algo fora do comum para você, Laura, provavelmente você
tirará de letra. Tenho certeza de que nos daremos bem.
Jens continuou me explicando o trabalho e eu saí de lá confiante. Era um bom trabalho que me
renderia um dinheiro razoável e ainda ocuparia a minha cabeça até que eu tivesse certeza de que tudo
estava bem com o meu bebê. A única parte de tudo isso que me preocupava era Adrian. Eu imaginava
que existia algo entre ele e Jens que eu não sabia, mas eu daria um jeito de descobrir. De alguma
maneira, eu iria descobrir!

Adrian

Acordei cedo. Havia me deitado pouco depois das dez da noite. Eu já havia conversado o mais
importante com Joanne Stein e mesmo que não tivesse, depois de ter encontrado Laura no restaurante,
minha noite havia mesmo se encerrado.
Havia me deitado cedo, mas isso não significava que havia dormido. Cedo ou tarde, a noite havia
passado devagar, sem que eu conseguisse mais do que minutos de um sono conturbado e cheio de
lembranças.
Tomei banho e me vesti. Era um dia cheio e eu precisava de um maldito tradutor de alemão, já que
meu advogado fluente na língua tinha decidido não me perdoar depois da última besteira.
Desci a escada devagar e encontrei John sentado no balcão da cozinha.
― Acordou cedo ― pontuei.
― Não dormi muito bem ― ele me disse. ― Sonhei com mamãe.
Sentei-me ao lado dele. John tinha os olhos tristes, enquanto brincava seus ovos mexidos. Ele às
vezes era tão maduro que eu esquecia que ainda precisava de mim. Ele era um garoto sensível e eu
não queria que perdesse isso com as pancadas da vida. Passei o braço sobre seus ombros.
― Sabe filho ― comecei, ― eu sinto falta da minha mãe também. Acho que não importa quanto
tempo passe, mães sempre fazem falta.
John sorriu, deixando o rosto pender contra meu peito. Era um pequeno gesto de carinho, um
pequeno gesto que me dizia que ele precisava de mim muito mais do que eu costumar acreditar. Eu
queria apertá-lo entre os meus braços e dizer que sempre estaria ali. Queria dizer que faria qualquer
coisa para diminuir o sofrimento dele, mas eu não fiz. Beijei o topo da sua cabeça e esperei que ele
compreendesse.
― Você está se saindo bem, pai ― ele me disse de repente, depois de ficar em silêncio por um
longo tempo.
― Em que eu estou me saindo bem John? ― perguntei achando graça da colocação dele.
― Em tentar ser um cara legal ― ele completou. ― Tio Alex ficaria orgulhoso.
Engoli o bolo de sentimentos que se formou em minha garganta sem quase conseguir respirar.
― Acho que você deveria ligar para ele e dizer isso pai.
― Seu tio não quer falar comigo John. Nós nos vimos ontem e ele mal me cumprimentou.
John pensou por um tempo.
― Acho que ele está chateado, mas acho que ele sente tanta falta de você quanto você sente dele,
sabia? Sei lá, pai, esse lance seu com o tio Alex, não acaba assim não.
Sorrio para ele, pensando no quanto meu filho era sábio e me perguntando quando ele cresceu que
eu não percebi?
― Sabe o que eu acho? ― eu disse mordendo uma maçã. ― Acho que você deveria estudar
psicologia ― brinquei. ― Você já passa o tempo todo resolvendo os problemas dos outros mesmo,
deveria começar a cobrar.
― São cem pratas, Sr. Galagher ― ele brincou de volta. ― Nem precisa me pagar os atrasados.
Basta que me leve para cavalgar mais tarde.
Joguei o guardanapo nas costas dele e saí. Pronto, ele estava mais feliz e eu estava feliz em saber
que o havia feito feliz.
Entrei em meu carro e segui para o escritório. Eu queria chegar cedo a minha casa porque queria
mesmo ir cavalgar com ele.
Entrei na sala de reuniões e agradeci mentalmente pela pontualidade alemã. Os executivos
estavam ali e o tradutor chegou menos de um minuto depois que eu.
A reunião se prolongou até perto da hora do almoço, mas para a minha sorte, tudo ficou acertado e
resolvido. Eu teria apenas que ir até Berlin para verificar as instalações e assinar um contrato.
Olhei em meu relógio a caminho do carro e pensei que John tinha razão. Abri o telefone e liguei
para Alexander. Ele atendeu depois de alguns toques.
― Como vai Alexander? ― eu perguntei assim que ele atendeu.
― Bem, obrigado ― foi tudo que ele disse.
― Alex ― eu comecei meio sem querer e sem saber como ele reagiria, ― estou ligando porque
quero que você saiba que mesmo que não queira mais trabalhar para mim, ainda sinto falta do meu
melhor amigo.
Alexander não respondeu. Eu podia ouvir sua respiração contra o telefone e isso me deixava mais
e mais ansioso.
― Só dê um tempo, Adrian ― ele me disse depois de um tempo longo demais. ― As coisas
acabam se ajeitando ― continuou, ― só não consigo fazer isso agora.
Agora. Agora era uma palavra boa porque significava que em outra hora ele poderia. Eu sabia que
ele estava magoado e sabia que deveria ser eu a dar o primeiro passo de reconciliação porque, afinal
de contas, eu havia errado.
Alexander era justo demais para simplesmente fingir que nada havia acontecido, mas ele também
era bom demais para nunca me perdoar. Eu sabia disso, queria deixar o caminho aberto para ele,
mais simples de percorrer.
Eu deveria ter encerrado a ligação nesse ponto em que eu estava ganhando, mas não consegui. A
vontade de saber alguma notícia dela era mais forte do que qualquer coisa coerente em minha mente.
― Como ela está? ― eu perguntei porque sabia que ele não teria dúvidas à quem eu me referia.
― Ficará bem com o tempo também. O tempo cura a maior parte das feridas.
Mais um ponto para Alex Persen! Ele tinha razão, o tempo curava a maior parte das feridas e nós
dois éramos prova disso. Já havíamos sido curados tantas vezes que nem podíamos acreditar que
continuávamos seguindo em frente.
― Não posso perdê-la, Alex ― confessei. Porque magoado ou não, Alexander Persen era o único
que conhecia Adrian Van Galagher melhor do que ele mesmo.
Alex permaneceu em silêncio por mais um tempo. A respiração serena contra o telefone.
― Vamos dar tempo ao tempo, Adrian. Você não é bobo, sabe que ela não esquecerá assim tão
rápido.
Sorrio quase sem querer. Eu sabia. No fundo eu sabia que o que Laura e eu tínhamos não acabaria
assim como minha amizade com Alexander. Era uma questão de tempo e estratégia.
Eu precisava medir meus passos e minhas ações. Precisava mostrar a ela que era o homem certo
para estar ao seu lado e ajudá-la com o nosso bebê. Não resisti e fiz mais uma pergunta:
― E o bebê? Tudo certo? Ela precisa de algo? ― perguntei antes que pudesse ter certeza de que
era uma boa ideia.
― Tudo bem sim Adrian. Estou cuidando de tudo.
Respirei fundo. Ele era bom em cuidar de tudo. Ele era bom em tudo que fazia.
― Se quer um conselho ― ele disse depois de mais um tempo em silêncio. ― Dê o bebê a ela.
Nada a convencerá mais de que você mudou, que isso.
Eu tinha um contrato assinado por ela que me dava plenos direitos de guarda sobre o nosso filho.
Sabia o quanto isso significava para ela e sabia que esta era uma boa maneira de selar a paz, mas eu
tinha medo de que se entregasse nosso filho a ela, ela nunca mais quisesse me ver ou ouvir falar de
mim.
Laura não era interesseira, ela desistiria facilmente da sua parte no nosso acordo em troca da
tranquilidade de não ter Adrian Van Galagher rondando sua vida. Eu precisava confiar nela, mas eu
não era bom nisso. De qualquer forma, era um bom conselho.
― Alex? ― perguntei quando o silêncio se instaurou novamente entre nossa ligação.
― Sim? ― ele respondeu.
― Obrigado.
Alexander desligou o telefone em seguida. Mesmo magoado ele havia me dado um conselho.
Mesmo não querendo mais minha amizade, ele havia me ajudado e havia feito isso porque ele era
muito melhor do que eu. Ele confiava e tinha fé e eu precisava aprender um pouco mais com ele.
Conferi meu relógio de pulso e decidi que almoçar com meu filho seria muito bom para nós dois.
Algum tempo depois, eu estava estacionado em frente à escola de John. Ele tinha apenas algumas
aulas para completar o período letivo e prestar os exames para a universidade. Fazia um tempo que
não conversávamos sobre isso.
― Eu fiz alguma coisa de errado ou só mereci uma carona porque sou o melhor filho do mundo?
― ele perguntou sentando-se ao meu lado e fazendo piada.
― Não posso nem ao menos querer um almoço com meu primogênito? ― brinquei dando partida
no carro.
― Ah Deus, nem sei se prefiro você superpai ou super carrasco. Sério, tenho pensado nisso
ultimamente. Você está muito grudento Sr. Galagher ― ele disse com a sobrancelha levantada para
mim. ― Desse jeito vai acabar com a sua fama de Leão de Roterdã.
Sorrio.
― Não seja bobo! Quem disse que vou perder minha fama? Eu continuo o mesmo ― brinquei.
― Pai, pai, a garota acabou mesmo com você.
Paramos em frente a um restaurante italiano. John adorava comer pizza e todas aquelas massas
cheias de queijo que me causavam enjoo só de pensar, mas era para agradá-lo, então eu decidi que
meu fígado poderia trabalhar um pouco mais hoje.
Entramos e nos sentamos. O garçom nos apresentou o cardápio e eu escolhi uma salada com
salmão defumado. John, obviamente, pediu uma massa recheada de quatro queijos, com cobertura
extra e molho branco.
― Você vai acabar tendo infarto antes dos vinte anos ― brinquei. ― Deveria se alimentar
melhor.
― E você deveria ser menos chato e aprender umas coisinhas com Laura — engoli a salada sem
mastigar. — Tudo bem, pai, eu sei que ela ainda mexe muito com você. Acho que você deveria falar
mais sobre isso. Sabe, conversar ajuda. Você deveria tentar.
Sorrio, bebendo um pouco do meu vinho.
― Vou tentar Dr. Galagher, vou tentar.
Ele sorriu de volta e deu mais uma garfada em seu prato de um milhão de calorias.
― Vamos exercitar Sr. Galagher ― brincou. ― Conte-me algo que eu ainda não sei. Vamos, abra
seu coração.
― Encontrei Laura ontem ― eu disse fazendo-o parar de mastigar.
― Encontrou, encontrou? Ou apenas encontrou? ― ele disse fazendo graça.
― Apenas encontrei. Por acaso. Ela ainda não quer falar comigo.
― E como foi pai?
― Foi estranho ― confessei. ― Ela estava com o Alexander. Esbarrou em mim sem querer — ele
me encarou com aqueles grandes olhos amendoados, como se compreendesse meu pesar. ― E eu
falei com Alex ― continuei e John sorriu. ― Ele me disse que eu deveria entregar o bebê a Laura.
John não disse nada. Encheu o garfo e enfiou na boca, mastigando rápido. Quando
engoliu, bebeu um pouco do suco e continuou.
― Alex tem razão. Você precisa mostrar a ela que confia nela.
John não disse mais nada, nem eu. Era estranho o quanto ele me fazia pensar. Era como se ele
fosse uma parte da minha consciência que nem eu mesmo sabia que tinha.
Deixamos o restaurante e continuamos o caminho até a escola de Hanna e Collin com John me
mostrando o último disco de uma banda que, segundo ele, seria a sensação do ano.
Parei o carro em frente à escola e ele desceu para pegar as crianças. Acomodou Collin
na cadeirinha e Hanna ao seu lado e seguimos até a fazenda.
Minha fazenda ficava razoavelmente perto seguindo para Haarlen. Antiga capital holandesa.
Assim que parei o carro no gramado, Brigith veio correndo, secando as mãos no avental.
― Oh meu Deus! Minhas crianças ― ela gritava enquanto os apertava entre seus braços um por
um e repetia.
Não pude deixar de sorrir.
― Oh Sr. Galagher que felicidade! Eu nem posso acreditar que eles estão de volta.
― Nem eu Brigith! Nem eu.
Deixei Hanna e Collin com Brigith e o capataz, vendo uma ninhada de coelhos que havia nascido
há alguns dias. Subi e coloquei uma roupa velha. Chamei John para um passeio a cavalo. Ele foi
direto para a baia de Estrela, sua égua branca. Abriu o portão e entrou, abraçando a égua pelo
pescoço e afundando o rosto em sua crina macia. ― Hey, como vai minha garota preferida? ― ele
disse beijando o dorso da égua. ― Senti sua falta, Estrela!
Eu podia ver que estrela havia sentido falta dele também. Ela o acariciava com o focinho e
soltava baforadas de ar em seus cabelos.
Escorei na baia de Chuvisco e o chamei com uma maçã. Ele veio até mim, meio desconfiado,
meio sem querer.
― Você poderia ser mais grato, sabia? ― brinquei. ― Veja como Estrela trata o dono dela! Você
deveria aprender alguma coisa, seu potro birrento!
Chuvisco relinchou e cuspiu o talo da maça em minha camiseta.
― Já ouviu falar que os animais são iguais aos donos, não é pai? ― John brincou.
― Cavalo ingrato! ― Praguejei.
Selamos e montamos os cavalos. Saímos a galope pelo campo, John ao meu lado com Estrela,
enquanto Chuvisco empinava e tentava me derrubar, como sempre fazia.
Depois de algum tempo cavalgando, paramos à beira do rio. Desmontamos e nos sentamos
embaixo de uma castanheira. John deitou-se, apoiando a cabeça nos braços cruzados.
― Acho que ela vai acabar te perdoando pai ― ele disse sem que eu perguntasse nada.
Meus pensamentos estavam realmente perdidos em Laura, mas eu não havia confessado nada ao
meu filho. Sorrio.
― E quem disse que estou pensando em Laura? ― brinquei.
― Ah pai, para! Quando você vai entender que não me engana? ― ele disse sorrindo.
Respirei fundo e soltei o ar devagar. Fechei os olhos.
― Quando você nasceu as pessoas me diziam que você acabaria por estragar a minha vida ― eu
confessei. ― Mas, eu sempre soube que um dia seriamos companheiros.
John não disse nada, mas eu podia sentir que estava feliz, como eu também estava.
― Pai? ― ele me disse depois de algum tempo, ― é legal ser seu filho.
Respirei fundo, afastando as lágrimas dos meus olhos e as engolindo devagar. Brinquei com minha
mão em seu cabelo, espalhando seu penteado.
― Sabe filho ― continuei como se não fosse nada demais, ― é muito legal ser seu pai.
Capítulo 3

Laura

Depois que deixei Jens, voltei direto para o escritório. Hans estava com um cliente, então esperei
que terminasse a reunião em minha sala.
Abri o notebook e comecei digitando o nome de Jens. Apareceram muitas e muitas notícias e notas
em colunas sociais. ― Ele era um cara famoso.
Não havia nada realmente representativo. Jens com algumas mulheres, mas nenhuma namorada
realmente relevante. Especulações sobre sua vida amorosa, vida profissional e algumas que o
comparavam a Adrian. Pelo que pude perceber os dois realmente não eram amigos de longa data,
mas não havia nada que os colocasse em lados realmente opostos.
Eu estava afundada em meu notebook quando o celular tocou me assustou, vibrando contra a mesa
de madeira. Encarei o número na tela e atendi, mesmo sem saber a quem o número pertencia.
― Sim ― disse assim que atendi.
― Olá Laura, como você está? ― a voz perguntou do outro lado.
Eu reconheci no mesmo instante, era Margarida. Engoli em seco pensando em Collin. Seu rostinho
tomando forma em minha mente. Margarida iria levar Collin embora! Ela iria tentar separá-lo de
Adrian e por mais que eu estivesse magoada com ele, não poderia permitir.
Respirei fundo antes de continuar.
― Estou bem, obrigada ― eu disse mesmo não sendo uma verdade completa. ― E você
Margarida, como vai?
― Vou bem, querida, obrigada. Estou à caminho da Holanda. Devo chegar à Amsterdã amanhã de
manhã.
Margarida ficou em silêncio por alguns minutos. Eu sabia que ela estava pensando em uma
maneira de me abordar quanto ao fim do noivado. Eu não sabia o que dizer. Não queria que ela
sentisse que deveria levar Collin de volta ao Brasil. Eu não queria que Adrian o perdesse, apesar de
tudo, eu não podia permitir que isso acontecesse.
― Como andam as coisas com Adrian, Laura? ― Margarida perguntou finalmente.
Pensei por um instante, tentando buscar as palavras certas para lidar com tudo.
― Estão um pouco complicadas agora, mas vamos encontrar um jeito de consertá-las.
― Eu gostaria de tomar um chá com você amanhã. Tomaria um chá comigo Laura? ― ela me
perguntou.
Respirei fundo. ― Não havia maneira de não ser sincera com ela. Margarida era boa em ler
pessoas e eu podia apostar que já sabia mais sobre Adrian e eu do que os jornais haviam
comentado.
― Claro ― respondi me sentindo derrotada. ― Avise-me quando chegar e marcamos.
Hans entrou em minha sala alguns minutos depois. Eu ainda estava com o notebook aberto, olhos
perdidos no vazio, tentando encontrar uma maneira de não prejudicar Adrian e não ter que me
envolver mais do que deveria nisso tudo.
― Se essa nuvenzinha negra continuar sobre sua cabeça, Laura, vai acabar molhando meu piso de
madeira ― Hans brincou.
Sorrio para ele.
― Margarida acabou de me ligar ― confessei. ― Quer se encontrar comigo amanhã.
Hans sentou-se na cadeira e alisou os cabelos para trás. Olhos preocupados, cabeça baixa,
tentando encontrar o que eu também procurava.
― Isso pode ser um problema.
― Exato.
― Você deveria conversar com Adrian sobre isso.
Eu deveria. Eu sabia que deveria, mas não queria. Eu não queria ter que encontrar Adrian porque
já era difícil demais fingir que eu era indiferente com ele longe, com ele perto, eu temia que não
fosse capaz.
― Sei que não quer vê-lo e eu realmente entendo ― Hans disse como se pudesse ler meus
pensamentos, ― mas acho que realmente deveria querida. Sei que você não se perdoaria se algo
desse errado com essa conversa de amanhã. Fale com seu irmão pelo menos. Sei que Alexander
encontrará uma maneira de instruí-la.
Sorri. ― Alex era uma boa estratégia.
― Tem toda razão Hans! Alex vai me ajudar! Eu sei que ele pode. Ele sempre sabe a coisa certa a
fazer.
― Sempre às ordens querida ― Hans brincou. ― Diga-me como foi o encontro com o nosso
cliente.
― Bem ― respondi. ― Acho que não teremos problemas em trabalhar com Hart.
― Sabe que Adrian e ele são rivais, não sabe? ― Hans me perguntou. ― Porque isso pode ser
um problema querida.
― Adrian não manda na minha vida Hans. Não tem o direito de escolher com quem eu trabalho ou
não. Jens me parece um cara legal. Além disso, o trabalho é bem simples. Não vejo como isso possa
ser um problema.
― Espero que tenha razão, Laura, realmente espero que tenha razão ― Hans me disse
preocupado.
Almoçamos juntos e discutimos um pouco mais sobre os negócios do Sr. Hart. Ele havia enviado
alguns arquivos para o meu e-mail, então Hans e eu havíamos traçado um plano de ação para que ele
conseguisse comprar as empresas que desejava.
Quando estávamos perto das quatro da tarde o tempo fechou, preparando-se para uma grande
tempestade.
Eu estava ansiosa para chegar logo em casa e conversar com Alex sobre o telefonema de
Margarida. Também queria contar a ele sobre e Jens e pedir alguns conselhos pessoais e
profissionais. Era bom ter um irmão mais velho com a mesma profissão e uma carreira brilhante.
Saí do escritório e peguei um táxi de volta para casa. Os primeiros pingos já caiam, quando
chegamos ao Begijnhof. Destranquei a porta o mais rápido que pude, mas acabei molhada mesmo
assim. Mia estava sobre sua almofada, no parapeito da nova janela.
― Você deveria aprender a abrir portas ― brinquei. ― Gatos são seres inteligentes, sabia? Seria
mais útil se eu pudesse contar com você para algo!
Mia virou de lado e lambeu a pata esquerda, ignorando completamente meus protestos.
Caminhei até a janela e sentei-me ao lado de Mia, a chuva já caia forte no jardim do Begijnhof,
mas dava para ver as estátuas. A pobre Frida teria que deixar seu chá investigativo para outra tarde.
Cocei a cabeça laranja de Mia e subi a escada. Tomei um banho longo de banheira e saí de lá
renovada. Vesti minha calça de flanela, um moletom velho e largo. Liguei para Alexander. O telefone
tocou até cair na caixa de mensagens.
Ele havia me dito que tentaria conversar com Alissa, então imaginei que estivesse bem e deixei
minhas perguntas para mais tarde. Ele merecia um descanso.
Desci e abri um pote de sopa de batatas. Coloquei no micro-ondas e parti um pedaço da torta de
maçã que Alexander havia trazido mais cedo. Comi minha torta com tranquilidade. Depois tomei a
sopa vendo um programa de auditório na televisão. Quando o programa terminou encarei o relógio e
percebi que já passava das oito da noite. Liguei novamente para Alexander e a ligação caiu direto na
caixa postal.
― Ele deve ter ficado sem bateria ― falei para Mia como se ela pudesse me entender. ― Não é
nada demais.
Coloquei em um desenho bobo com pôneis coloridos e dragões e deixei minha mente vagar. Eu
estava nervosa e ansiosa e começava a me preocupar com Alexander.
A chuva lá fora caia tão forte que eu mal podia enxergar um palmo à frente no jardim. Pequenas
ondas já se formavam no caminho de paralelepípedos e eu não podia ver a calçada.
Respirei fundo e disquei o número da casa do Sr. Persen. Eu não queria ligar para ele. Não queria
deixá-lo preocupado, mas eu não conseguiria dormir se não tivesse certeza de que Alexander estaria
bem.
― Sr. Persen? ― perguntei assim que ele atendeu.
― Sim querida! Sou eu! Como você está? Que prazer falar com você.
Sr. Persen continuava gentil e delicado comigo, como sempre havia sido. Ele sabia respeitar o
meu espaço e eu já começava a sentir falta do seu jeito meigo, sempre disposto a agradar.
― Estou bem, obrigado! O senhor está bem? ― perguntei de volta.
― Estou um pouco preocupado com Alexander ― ele me disse e senti meu sangue gelar. ― Ele
ainda não chegou em casa e com essa chuva...
Engoli em seco. ― Ele não estava em casa!
― Ele está com você? ― ele me perguntou e eu quis não responder.
― Na verdade não ― comecei devagar. ― Não se preocupe Sr. Persen, ele me disse que
passaria na casa de Alissa, deve estar com ela.
Sr. Persen pensou por um tempo sem dizer nada. Eu podia sentir sua preocupação.
― Espero que esteja certa. Amsterdã é uma cidade perigosa quando chove assim. Muitos canais.
Eu nem queria pensar nisso tudo. Eu queria pensar que ele estava com Alissa e que tudo estava
bem. Não podia deixar minha mente vagar para algum lugar escuro e sombrio, onde Alex precisasse
de ajuda e eu não estivesse lá.
Subi até o quarto. Deitei em minha cama e fiquei olhando a chuva pela janela. Não resisti e
disquei para Alexander novamente. Mais uma vez, a ligação caiu direto na caixa postal. Deixei o
celular sobre meu peito. Liguei a televisão que havíamos instalado no quarto e passeei pelos canais
sem realmente prestar atenção.
Por mais que eu quisesse fingir que não fazia diferença, encontrar Adrian na noite anterior havia
me deixado sensível demais. Eu estava ali, sozinha, sem ter com quem conversar e nervosa por não
ter notícias de Alexander. Era a situação propícia para fazer uma bobagem.
Pensei em tudo que havia acontecido e em como eu queria que fosse fácil apagar todo o passado.
Alex tinha razão. Eu não queria acordar com cinquenta anos, sozinha e amarga porque não tinha sido
capaz de perdoar. Eu queria ser capaz. Queria poder passar por cima do meu orgulho e simplesmente
dar uma chance, mas eu não sabia se conseguiria.
Respirei fundo. ― Eu só teria essa resposta se tentasse.
Abri o telefone. Respirei fundo e disquei o número de Adrian.
O telefone tocou. Tocou. Tocou novamente e eu estava ficando irritada quando ele atendeu. Sua
voz era estranhamente calma, como se quisesse esconder algo.
― Laura. Que bom ouvir sua voz ― ele disse devagar.
― Adrian ― comecei meio sem saber como continuar. ― Hum ― enrolei. ― Eu preciso falar
com você.
― Isso é ótimo amor ― ele disse ainda distante, como se não fosse realmente sincero. ― Eu
adoraria conversar com você também, mas acho que não é uma boa hora. Posso te ligar amanhã?
Amanhã? Como assim amanhã? Eu mal podia crer que ele estava falando comigo daquela
maneira! Devia estar com a tal morena! Filho da puta safado! Eu aqui, me matando para tentar
perdoar, e ele se divertindo com outra na cama! Eu era mesmo uma imbecil.
― Adrian ― eu disse irritada. ― Eu só queria te contar que Margarida ligou para mim. Não sei
como você pretende resolver isso, mas acho que deveria fazer logo!
Tentei desligar o mais rápido que podia, mas ele foi mais rápido do que eu e continuou falando
com a voz calma.
― Amor eu sinto muito ― ele continuou devagar, como se procurasse pelas palavras certas, ― eu
acho que essa não é uma boa hora. Se você puder esperar até amanhã. Prometo que será uma
conversa importante para nós dois. Eu realmente quero conversar com você. Por favor, Laura.
Pronto! Agora eu estava irritada! Ele havia passado as últimas semanas me enchendo de
telefonemas e tentativas de visitas e agora que eu estava disposta a isso, ele dizia que não era uma
boa hora! Bem Adrian Van Galagher mesmo, o dono do mundo!
― Adrian ― comecei a praguejar irritada. ― Por que não é uma boa hora? Você está ocupado
com algo? ― e disparei sem querer, ― ou com alguém?
Adrian respirou fundo. Eu podia ouvi-lo ao fundo misturado a outros sons.
― Laura, seja razoável, por favor. Prometo que ligo amanhã e marcamos em algum lugar já que
não tenho seu endereço novo. Só me dê algumas horas. Eu ligo ainda hoje, se isso a deixar mais
tranquila ― ele disse mantendo a calma.
E foi exatamente quando ele terminou a frase que o som de fundo me deu uma ideia de onde ele
poderia estar. Era um chamado para algum médico e eu senti toda a torta de maçã se misturar a sopa
e forçar sua saída.
― Você está em um hospital? ― perguntei mais alto do que gostaria. ― Está tudo bem?
Aconteceu algo com as crianças? Você está bem?
Eu falava como uma matraca e não conseguia parar. Cenas de Adrian, Collin, Hanna e John
passando em minha mente eu não estava lá.
― As crianças estão bem Laura ― Adrian me disse. ― Quero que fique calma. Eu estou bem
também.
Minha mente então chegou à conclusão mais óbvia: Alexander.

Adrian

Brigith havia feito um cozido de cordeiro e ervilhas para o jantar. Collin e Hanna comeram
rapidamente depois de passar o dia todo brincando. Beijei-os e Brigith os levou para o quarto. Ela
não me deixava ajudar com quase nada. Queria cuidar das crianças ela mesma.
John terminou o jantar e foi para o quarto tocar um pouco de violão. Chovia forte lá fora e quase
não podia ver o rio pela janela. Estava sentado em minha poltrona, pés sobre a mesinha, tomando
uma dose de uísque e pensando no que Laura estaria fazendo. Eu queria estar com ela. Queria colocá-
la na banheira e ensaboar seu corpo como havia feito algum tempo atrás. Eu queria me deitar com ela
na cama. Queria ouvi-la contar histórias para os meus filhos. Eu sentia tanta falta dos poucos
momentos em que tive uma família de verdade, que nem podia crer.
Antes de Laura, eu achava tudo isso dispensável e bobo, agora eu estava aqui, sentindo falta de
uma vida comum e provinciana. John tinha razão, a garota havia mesmo me estragado.
Tomei mais um gole do meu uísque, pensando em tudo que havia deixado escapar por entre meus
dedos. Lucian, Patrícia, Laura e Alexander. Eu era bom em perder pessoas. Era bom em acabar
sozinho.
Fechei os olhos e fiquei pensando nas vezes em que saiamos da faculdade, pegávamos o trem para
Amsterdã para comer a torta de maçã do Sr. Persen. Alexander e eu éramos inseparáveis. Uma bela
dupla, como todos diziam.
“Você é o cérebro e Alex o coração” . ― Todos diziam. Eu concordei por algum tempo, até que
Patrícia morreu. Então eu descobri que Alexander era o cérebro e também o coração. Eu era apenas
o motor de execução. Alex era meu braço direito. Meu apoio. Eu não teria conseguido sem ele.
Eu tinha alguma ideia do que precisava fazer para reconquistar Laura. Eu sabia que se realmente
me esforçasse, se me empenhasse, eu poderia trazê-la para mim mais uma vez, mas eu não tinha ideia
do que fazer para restaurar a confiança de Alexander. Eu não conseguia conviver com o remorso de
ter duvidado dele e eu não sabia viver sem seu apoio em minha vida. E a pior parte de tudo é que não
importa o que eu fizesse, Alexander me conhecia bem demais para que eu pudesse persuadi-lo. Eu
teria que ir mais fundo. Teria que encarar mais fantasmas. Essa seria a parte mais difícil. Eu
precisava de uma chance. Algo que me desse à oportunidade de mostrar o quanto eu estava disposto
a ter a amizade dele de volta e eu sabia que isso ainda me levaria mais perto de Laura.
Respirei fundo e deixei minha mente se perder nas lembranças. Fiquei ali, lembrando o passado,
até que a campainha me trouxe de volta a realidade.
Levantei e caminhei até a porta. Fiquei pensando que provavelmente era o capataz para trazer algo
ou comer um pouco do jantar, mas quando encarei a figura lá fora pelo vidro da porta quase não
acreditei.
Alexander estava lá. Escorado contra o batente da porta. Cabeça baixa, roupa molhada e suja.
Senti todo o sangue do meu corpo congelar nas veias ― Laura. Algo havia acontecido com ela! Só
podia ser isso. O que mais o traria a minha porta naquela hora da noite e com aquela chuva? Eu nem
sabia mais se queria ouvir o que quer que fosse que ele tinha para me contar.
Abri a boca para perguntar se havia acontecido algo, sentindo meu coração martelar forte contra
as têmporas. Sair em uma tempestade daquelas não era algo coerente e Alexander não era o tipo que
fazia loucuras. Quando ele ergueu os olhos vermelhos de chorar eu tive que me segurar no batente
também. O que quer que fosse, o havia destruído.
― Alissa sofreu um acidente ― ele me disse e eu senti meu coração despedaçar em um milhão de
pedaços. ― Eu fui a sua casa, mas você não estava ― ele continuou com o olhar perdido, ― eu não
tinha mais ninguém em quem me apoiar.
Eu não sabia como reagir. Não era desse tipo de chance que eu falava. Eu não queria ver aquele
sofrimento nos olhos de Alexander em momento algum. Eu estava destruído junto com ele. Respirei
fundo e me concentrei, se ele precisava de mim, eu estaria com ele.
― Estou aqui ― eu disse sentindo o peso do seu desespero misturar-se ao meu próprio.
Alexander me abraçou. O corpo pendendo sobre o meu. Maxilar apertado.
― Pode ir comigo até o hospital? ― ele me perguntou se afastando um pouco. ― Eu não sei se
consigo sozinho. O carro caiu em um canal. Quando eu cheguei, eles já haviam resgatado. Não sei
como ela está. Não sei se... ― ele não conseguia continuar. ― Não sei se... ― eu não o deixei
continuar.
― Claro! ― Eu o interrompi. ― Vou avisar John e pegar um casaco. Vamos resolver tudo. Eu
tenho certeza de que elas estão bem.
Eu não tinha certeza. Tantas coisas poderiam ter acontecido. Eu tinha medo até de pensar. Eu tinha
medo de ser traído pela minha mente trágica. Queria pensar coisas boas, ter fé, mas eu não era muito
bom nisso.
Entrei no quarto de John e coloquei a mão sobre seu ombro descoberto. Ele já estava deitado e
assustou-se com o toque.
― Aconteceu algo, pai? Tudo bem? ― ele perguntou assustado.
― Filho ― comecei devagar, ― Alissa sofreu um acidente. Não sei o que houve ainda, mas vou
ficar com Alex. Cuida dos seus irmãos para mim?
John piscou algumas vezes e esfregou os olhos para acordar.
― Tio Alex está bem pai? Ele estava no acidente?
― Não. Alex está fisicamente bem. Vou com ele ao hospital.
― Claro! ― Ele me disse sentando-se na cama ― fique com ele pai. Cuide do tio Alex que eu
cuido dos pirralhos. Amanhã cedo ligo para o Harold vir nos buscar.
Sorrio.
― Obrigado parceiro!
Desci a escada colocando o casaco e peguei a chave das mãos de Alex.
― Eu dirijo ― eu disse e ele não discordou. ― Onde ela está?
― No Saint Peter, em Roterdã.
Chegamos ao hospital o mais rápido que a chuva permitiu. Quando entramos e seguimos para a
emergência, o pai e a mãe de Alissa já estavam lá.
Caminhei com Alexander até eles. Eu tinha medo de qual seria a reação do Sr. Helst, já que eu
nem mesmo sabia o que havia acontecido.
Cumprimentei-os com um aceno de cabeça e a Sra. Helst se pendurou no pescoço do de
Alexander.
― Oh Alex, a minha menina ― ela disse chorando e Alexander desabou.
Alex chorava sem parar enquanto tentava, inutilmente, consolar a mãe de Alissa. O pai parecia
mais controlado, embora eu pudesse ver pelos olhos vermelhos que havia chorado bastante.
― Ela não vai aguentar ― ele me disse puxando-me para o lado. ― Temo que o bebê não aguente
também.
Eu ainda tentava entender tudo já que havia sido pego de surpresa.
― O que houve exatamente, Sr. Helst? ― perguntei. ― Alexander chegou a minha casa todo
molhado, chorando e só o que conseguiu dizer foi que Alissa havia sofrido um acidente. E que o
carro havia caído em um canal.
― Eu já havia proibido Alissa de dirigir. Já havia inclusive escondido a chave do carro dela, mas
Alissa não obedece ninguém. Ela pegou a chave do carro da mãe e saiu escondida. Dirigiu até o
porto porque tinha uma reunião com não sei quem. Eu nunca sabia o que ela fazia da própria vida.
Perdi o controle sobre minha filha e agora só posso culpar a mim mesmo ― ele suspirou antes de
continuar, ― Alexander estava em casa, esperando por ela quando recebemos a ligação do policial.
Ele correu até lá. Estava transtornado. Alissa perdeu o controle do carro e rodopiou na pista. Acabou
capotando e só parou dentro do canal. O socorro veio rápido, mas já a tiraram desacordada do local
― ele contava com tanto pesar que deixei minha mão sobre seu ombro. ― A polícia de Amsterdã foi
rápida. Nem sei o que seria dela se não estivessem passando perto do local.
Sr. Helst deixou o rosto pender contra meu ombro, transtornado, ferido de morte. Eu podia
compreender o que ele sentia porque estaria ainda pior se algo acontecesse a minha Hanna.
― Não sei o que farei sem ela ― ele me disse quase em um sussurro.
Eu queria dizer que tudo ficaria bem, mas depois de saber mais detalhes do acidente, eu não tinha
certeza. Sr. Helst era um home prático, ele não queria ser consolado com mentiras, então, permaneci
em silêncio.
Alguns minutos depois um homem de mais ou menos quarenta anos veio até nós.
― São a família de Alissa Van Helst? ― ele perguntou.
― Sim ― Sr. Helst respondeu.
― Bem ― ele começou, ― o caso de Alissa é muito grave. Não podemos dar nenhum boletim
conclusivo porque ela acaba de entrar no centro cirúrgico. Tentamos restabelecê-la o suficiente para
que pudesse levar a gestação até o fim, mas acabamos decidindo interromper. Para o bem dela e do
bebê.
Os olhos de Alexander estavam fixos no médico até ouvir a palavra “bebê”. Ele me encarou com
os olhos desesperados e eu sabia o porquê. Alissa mal havia completado oito meses de gestação. Era
muito pouco para que Louise pudesse nascer saudável.
― Claro que é um risco ― o médico continuou. ― Mas, é tudo que podemos fazer agora. Alissa
teve muitos ferimentos. Um trauma sério em três vértebras da coluna. Fratura exposta na perna e no
braço que a fizeram perder sangue demais. Não podíamos arriscar.
Os olhos de Alexander baixaram até o linóleo do chão, derrotado, destruído.
― Quais são as chances do bebê sobreviver? ― perguntei, porque sabia que Alexander não
conseguiria.
― Pequenas ― o médico disse sinceramente. ― Mas existem. Já vimos bebês com menos tempo
de gestação nascerem saudáveis e irem para casa em algum tempo — pequenas mais existentes. Era
tudo que eu pude ouvir. Existentes. Louise tinha uma chance e nós tínhamos que acreditar que era uma
chance real. ― Ela será operada nos próximos minutos ― o médico concluiu. ― Volto a procurá-los
quando tivermos mais notícias.
Ficamos na sala de espera do centro cirúrgico. Alex, eu e os pais de Alissa. Ninguém disse nada
durante as quase duas horas que se seguiram. Eu fechava meus olhos e rezava para que pelo menos
Louise tivesse uma chance de lutar pela sua vida. Ela era tão pequena. Tão pura. Não era justo que
fosse arrancada assim da vida por uma irresponsabilidade da mãe.
Eu pensava em meus filhos e no bebê na barriga de Laura e não conseguia deixar de chorar.
Alexander permaneceu ali, em pé, em frente à porta que dava acesso ao centro cirúrgico. Olhos fixos
no vidro leitoso da porta. Mãos cerradas em punho.
Quando o telefone vibrou em meu bolso eu o peguei e quase não acreditei. Li o nome na tela e
senti meu coração um pouco mais leve.
― Laura. Que bom ouvir sua voz ― eu disse tentando não demonstrar nenhum sentimento em
minha voz.
― Adrian ― ela começou fingindo me ignorar. ― Hum ― disse nervosa e eu quase podia vê-la
mordendo a parte interna da bochecha. ― Eu preciso falar com você.
― Isso é ótimo amor ― continuei sem saber como encurtar nossa conversa porque tinha medo de
que ela percebesse algo de errado. ― Eu adoraria conversar com você também, mas acho que não é
uma boa hora. Posso te ligar amanhã?
Eu sabia que isso a deixaria muito irritada, mas apostava que se estivesse irritada ela prestaria
menos atenção em como minha voz soava nervosa. Eu não podia simplesmente dizer porque não
podíamos conversar.
― Adrian ― ela disse irritada. ― Eu só queria te contar que Margarida ligou para mim. Não sei
como você pretende resolver isso, mas acho que deveria fazer logo!
Margarida. Então Margarida já havia dado sinal de vida. Respirei fundo pensando em mais esse
problema para ser resolvido.
― Amor eu sinto muito ― eu disse o mais calmo que pude. ― Eu acho que essa não é uma boa
hora. Se você puder esperar até amanhã. Prometo que será uma conversa importante para nós dois.
Eu realmente quero conversar com você. Por favor, Laura.
Eu queria encontrá-la com calma. Queria dizer a ela que abriria mão legalmente da guarda do
nosso filho. Queria dizer que confiava a ela um dos meus bens mais preciosos, que ela não precisava
me temer, mas ela não me deu chance alguma.
― Adrian! ― praguejou irritada. ― Por que não é uma boa hora? Você está ocupado com algo?
Ou com alguém?
Respirei fundo, ela tinha suas razões para desconfiar de mim e somado a isso ainda havia o fato
de ter me encontrado com Stein ontem à noite. Não era nada demais, mas ela não fazia ideia. Tentei
apelar para o seu bom senso.
― Laura, seja razoável, por favor. Prometo que ligo amanhã e marcamos em algum lugar já que
não tenho seu endereço novo. Só me dê algumas horas. Eu ligo ainda hoje, se isso a deixar mais
tranquila ― eu disse mantendo a calma.
Antes que eu conseguisse desligar, os auto-falantes do hospital chamaram um dos médicos de
plantão para a unidade neonatal de terapia intensiva. Meu coração deu um salto de felicidade, se
estavam chamando alguém na unidade, talvez Louise estivesse bem ou pelo menos viva.
― Você está em um hospital? ― Laura perguntou preocupada. ― Está tudo bem? Aconteceu algo
com as crianças? Você está bem?
Ela falava, falava e eu não sabia como esconder dela o que estava acontecendo. Laura não gostava
de mentiras e eu não era bom em mentir para ela.
― As crianças estão bem Laura ― eu disse devagar, ― quero que fique calma. Eu estou bem
também.
E então ela fez a ligação dos fatos muito melhor do que eu gostaria.
― Alexander! ― Ela exclamou assustada.
― Alex está bem, Laura ― eu disse meio sem querer. ― Alissa sofreu um acidente. Estamos no
Saint Peter.
― E Louise? ― ela perguntou chorando.
― Os médicos estão tentando salvá-la.
― Oh meu Deus Adrian! Eu estou indo até aí!
― Não amor! ― Tentei persuadi-la, ― com essa chuva. É perigoso. Fique em casa e eu lhe dou
notícias assim que conseguir.
― Sabe que não existe possibilidade de eu deixar Alexander sozinho agora, não sabe? ― ela me
perguntou.
Respirei fundo mais uma vez. ― Eu conhecia Laura bem demais.
Capítulo 4

Laura

Levantei da cama com o telefone ainda nas mãos. Vesti um jeans e calcei um tênis. Para minha
sorte, quando saí na rua à procura de um táxi, a chuva já havia se transformado em garoa fina.
Entrei no primeiro carro que apareceu.
― Eu preciso ir até o Saint Peter, em Roterdã ― avisei.
O motorista assentiu e seguiu pela rodovia o mais rápido que pode. Chegamos à porta do Saint
Peter em pouco mais de quarenta minutos. Entrei e parei em frente ao balcão da recepção.
― A noiva do meu irmão sofreu acidente ― comecei, ― sei apenas o primeiro nome dela,
Alissa. Será que com isso eu consigo alguma informação de onde ele possa estar?
A recepcionista era gentil e parecia muito prestativa. Procurou e procurou até que
encontrou o nome de Alissa.
― Alissa Van Der Heslt ― ela disse. ― A gestante do acidente em Amsterdã, certo?
― Isso mesmo. Sabe onde ela está?
― A paciente está no centro cirúrgico ― ela continuou, ― infelizmente não posso permitir que
entre. Os médicos são muito rígidos quanto a isso. Desculpe.
Bufei revoltada e sem poder fazer nada a respeito.
― Desculpe ― ela repetiu. ― Você pode esperar aqui que eu mesmo aviso quando a cirurgia
acabar.
Eu não podia culpá-la. Ela estava seguindo as ordens que lhe foram passadas, mas eu também não
podia sentar e esperar que a bendita cirurgia acabasse ali, sozinha e sem notícias.
Caminhei até as cadeiras da sala de espera e peguei o celular dentro da bolsa. Disquei para
Adrian mais uma vez — se alguém podia me colocar lá dentro, esse alguém era Adrian Van
Galagher.
― Laura ― ele disse, ― tudo bem com você? Você está em casa ainda?
― Oi Adrian. Estou na recepção do hospital. Não me deixam entrar ― eu odiava pedir favores às
pessoas e odiava ainda mais pedir um favor a Adrian nessa situação, mas era o que me restava. ―
Será que você pode vir até aqui e me buscar? Preciso ver Alex.
― Claro ― ele disse assim que parei de falar. ― Espere que já vou descer.
Alguns minutos depois, a porta do elevador se abriu e um Adrian que não se parecia em quase
nada com o imponente Sr. Galagher apareceu. Ele estava usando jeans desgastados, uma camiseta
preta desbotada com uma jaqueta de couro por cima. Os cabelos estavam desalinhados e havia
bolsas escuras embaixo dos seus olhos ― ele havia chorado.
Adrian caminhou até a recepção e me chamou com a mão. Levantei e caminhei até ele.
― Com licença ― começou gentilmente, ― está é minha esposa. Ela está grávida e não quero
deixá-la sozinha. Posso levá-la até o centro cirúrgico conosco?
― É claro ― a recepcionista disse. ― A senhora não disse que era a Sra. Galagher ― tentou
consertar.
Estreitei meus olhos e fingi que não fazia diferença. Eu não queria dizer que não havia dito nada
simplesmente porque não era a Sra. Galagher, nem pretendia ser, então fiquei em silêncio.
Adrian estendeu a mão para mim e eu me vi na obrigação de segurar. Ele entrelaçou nossos dedos
de maneira firme, acabando com qualquer tentativa minha de soltar nossas mãos assim que
passássemos pela recepção.
Quando a porta do elevador fechou e ficamos sozinhos, naquele pequeno espaço sem portas e sem
janelas, meu coração acelerou tanto que eu quase podia ver o moletom se mover sobre meu peito.
Os dedos de Adrian ainda estavam entrelaçados aos meus. Minha mão suando e minha respiração
entrecortada. Adrian Van Galagher mexia tanto comigo que eu não conseguia fingir o contrário.
― Você chegou rápido ― ele disse. ― Tudo bem nas estradas? Tive medo que a chuva tivesse
causado algum dano.
― Tudo certo ― eu disse simplesmente e me calei.
Eu não queria começar uma conversa. Não queria dar chance alguma para que isso evoluísse para
qualquer coisa que me tirasse o foco de estar ali. Eu queria ajudar Alexander, estar ali. Não era
sobre mim, era sobre ele.
― Tudo ficará bem ― Adrian continuou.
Respirei fundo.
― Espero que sim.
As portas se abriram no instante seguinte, mas Adrian ainda não soltou a minha mão. Caminhou
comigo até próximo ao lugar em que Alexander estava.
― Alex ― eu disse assim que ele se virou para mim.
Quando Alexander abriu os braços para mim, Adrian finalmente rompeu o nosso contato.
Alexander me apertou forte contra seus braços, descansando a cabeça em meu pescoço. Eu podia
sentir a umidade ali, próxima à minha pele. Podia apostar que ele chorava.
― Tudo vai dar certo ― eu disse, ― eu sei que vai. Você merece que dê.
Meu irmão respirou fundo, antes de se afastar o suficiente para me encarar.
― Só quero segurar minha filha nos braços. Isso é tudo que eu quero.
Encarei Adrian ao lado de Alexander. Meu coração se rasgando de dor por ele, pensando que a
vida era tão curta. Em um momento tínhamos tudo que queríamos e no outro, tudo era arrancado de
nós. Adrian parecia ter pensamentos parecidos com os meus.
Pouco tempo se passou, até que o médico apareceu, empurrando as portas de metal.
― Então? ― Alexander perguntou esperançoso.
― A menina está bem. Considerando tudo que ela já viveu, eu diria que é uma guerreira. Não
posso dar-lhe esperanças além do normal. Como eu disse mais cedo, ela é uma criança e com a sua
idade gestacional, é sempre um risco.
Eu ouvia o médico e não conseguia compreender que “condições” eram essas que Louise estava,
mas não importava desde que tudo ficasse bem.
― A mãe passa bem. Está em estado de coma induzido, para que seu corpo tenha mais condições
de recuperação, mas imagino que em uma semana ou duas, já esteja melhor.
O pai de Alissa escutou as notícias em silêncio, a mãe começou a chorar ainda mais.
― Se quiserem me acompanhar ― o médico disse para o Sr. e a Sra. Helst, ― podem vê-la por
alguns instantes. O recém-nascido só pode ser visto pelo pai.
Os pais de Alissa seguiram uma das enfermeiras e Alexander seguiu o médico corredor adentro.
Ficamos ali, sozinhos, Adrian e eu sem saber como agir.
Eu não estava arrependida de estar ali com o meu irmão, mas eu realmente não queria ficar
sozinha com Adrian Van Galagher mais do que o necessário.
Ele me encarava, não dizia nada e eu estava começando a ficar nervosa.
― Como estão as crianças? ― eu perguntei primeiro porque realmente queria saber e segundo
porque queria quebrar o clima ruim entre nós.
― Bem. Collin me pergunta de você todos os dias e Hanna me pediu para que a convidasse para
nos visitar — ele respirou fundo e deixou o ar sair dos pulmões devagar. ― Seria um prazer se você
aceitasse ir ― ele continuou, ― pelas crianças.
― Hum ― comecei meio sem saber o que dizer, ― eu vou pensar em algo. John me disse que
poderíamos marcar de ir ao parque. Se você permitir, é claro, afinal são seus filhos.
Eu falava e ficava mais nervosa do que quando tinha começado o assunto.
― Laura? ― Adrian me interrompeu ― você sempre será bem-vinda à minha casa. Desculpe por
tê-la feito pensar o contrário em um momento de raiva.
Seus olhos castanhos estavam perdidos nos meus de um jeito que faziam meu coração aceleram
tanto que eu pensava que iria perdê-lo ali, no linóleo do chão.
― Obrigada ― eu disse mirando o chão, sem conseguir encará-lo.
Adrian levantou meu queixo na ponta dos seus dedos, forçando-me a encará-lo.
― Não quero ser seu inimigo Laura. Não poderia nem que quisesse.
Ele falava comigo com aquela voz macia que havia me encantado tanto e eu ficava com medo de
ser traída pelo meu coração estúpido.
― Sei que você está magoada e sei que tem razão, mas tem tantas coisas que precisamos acertar.
Engoli em seco porquê de repente tinha saliva demais em minha boca, com ele ali, tão próximo de
mim, espalhando aquele perfume que amava e nublando minhas ideias.
― Sim ― eu disse como uma idiota.
― Vamos pelo menos tomar um café e conversar de verdade, quando tudo isso com Alexander se
resolver ― ele pediu.
Era um bom plano. Nós teríamos mesmo que conversar em algum momento. Sabendo disso, eu
poderia me preparar. Poderia me armar para não ser pega na teia de Adrian Van Galagher.
― É um bom plano para mim ― respondi afastando-me do seu toque e me chocando contra a
parede. ― Mas, tem uma coisa que não vai esperar tanto tempo.
― O quê? ― ele perguntou se aproximando mais, encurralando-me.
― Margarida.
Adrian deu um passo para trás, desestabilizado pelo meu comentário, sem saber como continuar.
― Desculpe por isso Laura, não sei por que Margarida procurou por você e não por mim, já que
ela provavelmente sabe do nosso rompimento ― ele estava triste e nervoso. ― Vou resolver tudo
com ela. Não precisa se preocupar. Esse é um problema meu. Vou resolver.
― Se tiver algo que eu possa fazer Adrian, é só dizer, eu faço o que for preciso ― eu disse com
sinceridade.
Adrian se aproximou mais, acelerando meu coração em um nível que eu não julgava possível.
Tocou a boca em meu rosto, antes de sussurrar em meu ouvido.
― Obrigada.
Quando ele se afastou, eu percebi que me escorava na parede, meio sem querer. Foi um toque tão
pequeno, tão curto, eu queria mais. Não podia negar que queria.
A porta se abriu e Alexander saiu. Olhos marejados, rosto entristecido. Respirou fundo e não
disse nada, afastando qualquer pensamento que pudesse existir entre Adrian e eu.

Adrian

Assim que Alexander passou pela porta, eu soube que algo não estava bem. Eu o conhecia o
suficiente para perceber que ele tentava parecer bem, mas lá no fundo, não estava.
Ele se aproximou de nós dois e permaneceu mirando o chão por alguns instantes, como se
quisesse garantir que diria a coisa certa.
― Louise está bem? ― Laura perguntou porque ela provavelmente também não havia acreditado
nele.
― Ela ficará bem. Tem um pequeno problema para respirar, mas o médico disse que isso é
normal em um bebê prematuro — ele disse meio sem humor.
Eu não perguntei nada. Sabia que se ele quisesse, diria por vontade própria. Ele precisava de
algum tempo para organizar os próprios pensamentos e eu deixaria que ele o fizesse porque sabia
como era estar na sua situação.
― Acho que agora que tudo está estável ― eu disse para tentar ajudar, ― você deveria ir para
casa e descansar um pouco. Você precisa estar aqui de volta e bem, porque Louise precisará da sua
força.
― Isso ― Laura concordou. ― Você precisa tirar essa roupa molhada e comer algo, ou acabará
doente e não poderá vir vê-la.
Alexander correu os olhos de Laura para mim e de volta para Laura novamente.
― Obrigado por estarem comigo ― ele disse. ― Eu... Eu... Não sei o que faria sozinho.
― Você nunca ficará sozinho! ― Laura disse beijando seu rosto e acabei deixando um pequeno
sorriso escapar. Não era um sorriso de felicidade porque a situação não era feliz, era um sorriso de
esperança, de tranquilidade, de amor. Ela sempre encontrava uma maneira de deixar as coisas mais
simples, mais leves e eu amava isso nela mais do que qualquer coisa.
― Vamos? ― ela disse levando ele pela mão.
Ele voltou-se para mim e me encarou com os mesmos olhos que eu costumava ver. Era um
pequeno gesto que me dizia que talvez eu estivesse mais perto de ter meu amigo de volta do que
pensava. Alex era bom demais para cultivar mágoas.
― Obrigado por me acompanhar até aqui. Sei que te fiz deixar seus filhos na fazenda e sair
correndo sem nem saber o porquê direito. Obrigado ― repetiu.
Coloquei minha mão sobre seu ombro.
― Sempre que você precisar, eu estarei aqui.
Laura nos encarava sem me deixar perceber seus sentimentos. Eu sabia que minha proximidade e
o pequeno beijo que eu tinha lhe dado, não haviam passado com indiferença. Eu podia sentir sua
pulsação contra meus dedos, eu sabia que ela ainda me amava. Tudo que eu precisava era de um
pouco de tempo.
― Eu não queria deixar Louise sozinha ― ele confessou. ― O médico disse que as próximas
horas são cruciais.
― Eu fico ― respondi de imediato. ― Fico por aqui, com ela, até que você volte. Não se
preocupe. É o mínimo que eu posso fazer ― e completei ― por ela e por você.
Alexander esboçou um pequeno sorriso, colocando a mão sobre meu ombro.
― Eu volto assim que puder.
― Descanse.
Ele e Laura passaram por mim e sumiram pelo corredor. Eu sabia que ela ficaria bem porque tinha
ele ao seu lado. Por mais que Alexander estivesse dolorido e preocupado, fosse o que fosse que ele
ainda não havia contado, eu não conhecia ninguém que pudesse cuidar dela melhor do que ele. Nem
mesmo eu.
Alex tinha um jeito só dele de fazer as coisas ficarem um pouco melhores. Agora eu sabia que ele
também estaria bem também, porque essa parecia ser uma qualidade dos Persen.
Comecei a pensar no que poderia haver de errado. Se Louise estava viva, se estava no berçário,
se recuperando, então tudo ficaria bem. Eu queria acreditar nisso ou teria que rever meus conceitos
sobre a justiça da vida.
Eu sabia bem o que era ter um filho doente. Eu temia por Collin e sabia que havia tão pouco que
eu pudesse fazer.
Eu estava destroçado, machucado, sangrando. Podia sentir a dor de Alexander toda em meu
coração, mas por mais que eu sentisse a dor dele, nunca a sentiria tão fundo como ele sentia.
Em um dos últimos dias em que estive no hospital com Patrícia, quando ela já não respondia mais,
Alexander sentou-se ao meu lado e colocou a mão sobre meu ombro. Ele respirou fundo e disse que o
sofrimento daqueles que amamos doía ainda mais do que o nosso próprio sofrimento. Naquele dia, eu
tinha meu próprio sofrimento. Por mais que sofresse por meus filhos eu sabia que poderia protegê-
los, amá-los, cuidar das feridas deles. Hoje, eu estava ali, vendo meu melhor amigo sofrer e não
havia nada que eu pudesse fazer para que seu sofrimento diminuísse. Nem todo o meu dinheiro era
suficiente para garantir que Louise sairia bem de tudo isso. Eu estava impotente.
Minha cabeça era um turbilhão de pensamentos e emoções. Eu queria poder resolver todos os
problemas do mundo, sentia-os em minhas costas, mas a maior parte deles não dependia de mim.
Tudo que eu podia fazer era estar ali, presente.
Depois de um tempo ali, sentado no banco do hospital, peguei o telefone e disquei para John.
― Fala Sr. Galagher ― ele atendeu. ― Como estão às coisas por aí? E o tio Alex?
― John Louise nasceu ― eu contei.
― Hum ― ele respondeu porque como eu, sabia que era cedo. ― E está tudo bem?
― Ainda não sei filho. Alissa está se recuperando, mas Alex está preocupado com algo. Não sei
ainda com o que.
― Ah pai, eu posso compreender ― ele disse. ― Eu ficaria também.
― John? ― chamei. ― Tem mais uma coisa.
― Fala Sr. Galagher!
Eu não queria dizer a ele que Margarida estava a caminho. Não queria preocupá-lo. Não era justo.
Margarida era um problema meu e eu quem tinha que resolver.
― Cuida dos seus irmãos para mim? ― menti.
― Não se preocupe pai, os pirralhos estão bem. Harold nos pega aqui pela manhã. Já falei com
ele.
― Prefiro que vocês fiquem na fazenda ― disse torcendo para que ele não percebesse minha
hesitação.
― Em um dia de aula? ― John perguntou. ― Parece que não é só o tio Alex que anda escondendo
coisas ― brincou, mas não era tão brincadeira assim.
Quando desliguei o telefone, sentia meu coração apertado e triste. Sentia o peso de tudo de errado
e ruim que havia atraído para perto de nós. As coisas seriam diferentes se eu não tivesse sido tão
estúpido.
Caminhei pelo hospital vazio. Já era madrugada e não se ouvia nada além do ecoar dos recados
nos auto-falantes. Passei pela lanchonete também vazia e caminhei até a máquina de café. Inseri uma
moeda, esperando a máquina despejar o líquido quente dentro do copo de plástico. Peguei o copo e
caminhei até o vidro do berçário. Louise ainda não estava lá, mas havia muitas outras crianças ali.
Alguns choravam, outros dormiam. Eu me lembrei de John, de Hanna e Collin, pensei em como seria
quando o novo bebê estivesse ali. Eu tinha esperanças de que até o nascimento do meu filho, Laura
pudesse me aceitar de volta e nós dois pudéssemos viver esse momento juntos.
Eu estava perdido em pensamentos e só me dei conta da aproximação, quando a mão pequena
repousou sobre o meu ombro.
― Seu bebê está ali? ― a voz me perguntou antes que eu pudesse virar.
Virei devagar para encontrar uma senhora da idade de Martina toda vestida de branco.
― Na verdade meus bebês estão em casa ― eu disse gentil. ― Mas há um bebezinho na unidade
de terapia intensiva que eu amo muito. Prometi ao pai dela que estaria aqui com ela, até que ele
voltasse.
A senhora de branco sorriu e segurou minhas mãos entre as dela.
― É uma atitude muito bonita ― ela me disse sorrindo. ― Uma amizade assim vence qualquer
dificuldade.
Eu podia dizer a ela que sim, que a amizade de Alexander vencia mesmo qualquer dificuldade.
Que mesmo depois de eu ter sido um completo imbecil com ele, ele havia me procurado quando
precisou, mas achei que a pobre mulher não merecia uma sessão de desabafo das merdas de Adrian
Van Galagher, então, limitei-me a sorrir.
― O senhor está aqui pela pequena Louise? ― ela me perguntou depois de alguns segundos.
― Sim ― afirmei sorrindo um pouco mais.
― Ah essa menininha já ganhou nossa admiração. É uma pequena guerreira. Tenho certeza de que
em breve estará nos braços do pai.
Eu supunha pela roupa, que a mulher era algum tipo de enfermeira porque não usava jaleco de
médica, então o que ela dizia me deixava mais animado, porque provavelmente era a opinião de
alguém que havia visto Louise de perto.
― O senhor gostaria de vê-la? ― ela me perguntou.
― Muito! Mas os médicos disseram que deveríamos esperar até que ela estivesse no berçário ―
e completei, ― não quero que ela se exponha a nada que não seja necessário.
A mulher sorriu.
― Acho que um pouquinho de amor faria mais bem do que mal a pequena. Venha ― ela disse me
levando pela mão.
Paramos em frente ao balcão de enfermagem, em frente às portas da unidade de terapia intensiva.
― Olá Dra. Menk ― a enfermeira disse assim que a senhora parou. ― Seu jaleco já está limpo e
seco.
Estreitei os olhos, então ela realmente médica, ótimo!
― Obrigada Elisa ― a Dra. Menk disse. ― Veja uma roupa para o senhor? ― ela perguntou
olhando para mim.
― Galagher ― eu respondi, ― Adrian Van Galagher.
― Veja uma roupa para o Sr. Galagher ― ela continuou ignorando o fato de que eu era um dos
homens mais importantes da Holanda. ― Vamos ver a pequena Louise.
Eu gostava de ser reconhecido. Gostava de ser bajulado e bem tratado, mas ali no hospital, com
aquela médica baixinha e troncuda, eu havia gostado de ser apenas um homem qualquer, preocupado
com um bebê como todos os outros ali.
Vesti uma roupa verde, colocando a touca e a máscara. Entrei na pequena sala com a Dra. Menk.
O lugar estava à meia luz e havia apenas um bercinho de acrílico, com Louise, no canto do
cômodo. Aproximei mais, meus olhos perdidos no pequeno tórax que se movia com tanta rapidez que
chegava a me dar desespero. Como se percebesse, Dra. Menk tocou sua mão em meu braço.
― Eles podem parecer frágeis, mas são mais fortes do que imaginamos ― ela me disse.
Sentei-me em uma banqueta, em frente ao bercinho em que Louise estava. Seu corpinho nu,
coberto apenas pela fralda descartável. Os olhinhos fechados. Bracinhos estendidos na extensão do
corpo. Um narizinho delicado e pequeno com duas cânulas inseridas ali. Era um rostinho lindo e
delicado. Respirei fundo ― era isso. Era isso que Alexander não havia contado. Era impossível não
perceber. Louise não era um bebê normal, ela era especial. Nossa bonequinha era portadora da
Síndrome de Down.
Ajeitei-me mais no banco, encarando o adesivo rosa colado no acrílico que cobria seu berço.
Nele, podia-se ler o nome “Louise” e ao lado havia uma pequena borboletinha. Pensei que Louise
seria como aquela borboletinha. Estava em seu casulo agora, frágil, precisando de proteção, mas um
dia seria nossa borboleta, linda e forte como o pai dela era. E não importava o que eu tivesse que
fazer, ela teria a melhor vida que uma criança poderia ter.
Capítulo 5

Laura

Entramos no carro de Alexander e ele dirigiu até o apartamento. Não queria ir até Amsterdã,
porque isso significava mais tempo longe de Louise e Alissa.
Alexander estacionou. Descemos, e seguimos em silêncio até o apartamento. Ele abriu a porta e
esperou que eu passasse por ela. Segurou minha mão e me conduziu até o sofá. Seus olhos ainda
estavam preocupados.
― Laura ― ele começou devagar, ― quero dividir uma coisa com você. Não é algo ruim ou
triste, mas é algo que me pegou de surpresa e me deixou um pouco preocupado.
Meu coração estava acelerado. Eu estava ansiosa e com medo, ao mesmo tempo em que queria
saber, eu não tinha certeza se queria.
― Sabe que pode me contar qualquer coisa, não sabe? ― eu disse segurando suas mãos entre as
minhas. ― Eu sempre estarei ao seu lado.
Alexander respirou fundo.
― Louise tem Síndrome de Down ― ele disse de uma vez.
Seus olhos não estavam tristes e eu nunca esperaria isso dele. Eu sabia que Alexander tinha o
coração grande o suficiente para receber um bebê especial como Louise em seus braços e tornar tudo
melhor, mas eu podia perceber uma nota de preocupação em sua voz que me deixava preocupada
também.
Depois de um curto espaço de tempo, ele continuou.
― Isso não é um problema para mim. Eu amo Louise como amei desde o instante em que soube
que ela existia na barriga de Alissa. O que me preocupa é que Alissa sabia e não me contou. Ela não
contou a ninguém.
― Você tem certeza de que ela sabia? ― perguntei.
― O médico me disse que não tinha como ela não saber. Que a esta altura da gestação, os exames
já teriam mostrado a síndrome ― ele respirou fundo e então continuou, ― ela não quis me contar.
― Ela devia estar preocupada com a sua reação Alex. Você sabe como Alissa é ― tentei
consertar, mas no fundo eu não pensava assim.
Eu tinha medo de dizer a ele o que realmente pensava, porque na verdade Alexander
provavelmente pensava o mesmo.
― Seja sincera Laura ― ele pediu. ― Como acha que eu reagiria?
Respirei fundo antes de responder.
― Você a apoiaria. Você sempre apoia quem quer que seja. Você nunca rejeitaria Louise por ser
especial.
― Tantas coisas fazem sentido em minha mente agora. Tantas coisas ― ele confessou, deixando o
corpo cair contra o encosto do sofá. ― Eu nunca a abandonaria. Eu nunca deixaria de amá-la. Nunca.
― Tudo vai se encaixar Alex ― eu disse com a mão sobre sua perna. ― Tudo sempre se encaixa.
Ele fechou os olhos por um instante, correndo as mãos pelos cabelos curtos.
― Era por isso que ela estava tão irritada com o bebê ― começou, ― era por isso que ela
sempre ficava nervosa quando eu falava de Louise e fazia planos. Ela não a queria mais. Ela só
queria que Louise saísse logo lá de dentro. Louise era um plano que não deu certo.
Eu o abracei, deixando meu corpo pender sobre o dele.
― Então nós vamos amá-la ainda mais. Vamos enchê-la de tanto amor que ela nunca perceberá
isso!
Alex sorriu e beijou minha testa.
― Você é uma garota incrível. Será uma ótima mãe.
― Já vou começando com Louise. Se a mãe dela não está passando por um momento bom, então
eu vou cuidar dela até ela melhorar!
― O que é ótimo porque o pai dela não faz ideia do que fazer!
Sorrio para ele.
― A primeira coisa é o pai dela se levantar desse sofá e ir para o banho. Ele está cheirando a
cachorro molhado ― brinquei.
― Sim senhora! ― Alex brincou de volta.
Ele se levantou e foi para o banho, enquanto eu ia até a cozinha e remexia nos armários em busca
de algo que pudesse preparar para ele comer.
Quando Alexander voltou, usando jeans e camiseta branca, eu estava terminando de aquecer dois
pratos de sopa pronta e cortando pães.
― Muito melhor ― brinquei.
― Eu já a amo tanto ― Alex disse mordendo o pão. ― Não entendo como Alissa pôde esconder
isso de mim.
― Você terá tempo para resolver tudo isso quando Alissa estiver bem, Alex. Não tem que se
preocupar com isso agora. O mais importante é que as duas estejam bem.
Alexander sorriu e continuou comendo sua sopa. Eu podia perceber a preocupação em torno dele
como uma névoa forte e densa, mas não disse mais nada. Tudo que ele não precisava era de alguém
falando e falando sem parar.
― Já vou ― ele disse assim que engoliu o último pedaço de pão. ― Fique à vontade por aqui, a
casa é sua ― me disse dando um beijo na testa.
― Hey! ― Protestei. ― Eu vou com você! Você não pensou que eu ficaria, pensou?
Alexander sorriu e sentou-se no braço do sofá, ficando de frente para mim.
― Você precisa descansar Laura. Não pode passar a noite em um banco de hospital! Hum? ― ele
disse com a mão sobre minha barriga. ― Não será muito útil para me ajudar com Louise, se não se
cuidar direito ― brincou.
Foi minha vez de sorrir.
― Dormir tem sido tudo que faço há semanas, posso passar uma noite no hospital com você sem
problemas.
Alexander soltou o ar dos pulmões de uma vez, derrotado.
― Ok. Eu sei que nada do que eu fale vai convencê-la. Vamos lá então.
Seguimos de volta para o Saint Peter. Era uma viagem curta de pouco mais de dez minutos.
Entramos e seguimos direto para o andar da pediatria, onde estava Louise. Adrian caminhava pelo
corredor. Uma das mãos dentro do bolso do jeans, a outra segurando um copo de café. Assim que nos
viu, ele apressou o passo.
― Alguma novidade? Como ela está? ― Alex perguntou preocupado.
― Bem ― Adrian disse. ― Ela está bem Alexander. Se recuperando como deveria ser. Não se
preocupe.
Os olhos de Adrian tinham um entendimento que me fazia crer que ele sabia mais do que
Alexander havia contado. Ele permaneceu encarando Alexander por um tempo, sem dizer nada.
― Você a viu ― Alexander disse.
Não era uma pergunta, era uma afirmação. Ele conhecia Adrian melhor do que eu.
― Vi sim ― Adrian disse com a sombra de um sorriso brilhando nos lábios. ― Ela é linda Alex.
Tenho certeza de que vai tornar sua vida muito mais feliz.
Alexander sorriu. Um riso daqueles que costumava dar quando o conheci. Um riso que ilumina
qualquer coisa a sua volta.
Ele abriu os braços e Adrian o abraçou. Respirei fundo, fungando um pouco para não acabar
sendo traída por meus hormônios estúpidos e descontrolados. Eu não iria chorar!
― Eu não esperaria outra coisa de você ― Alex disse com as mãos sobre os ombros de Adrian.
Adrian sorriu. Era tão raro vê-lo sorrir de verdade que eu tive que me focar no lustre no teto para
não acabar chorando. Meu coração batia descompassado. Aquele era o meu Adrian. O Adrian por
quem eu me apaixonei. Havia tanto tempo que eu não via traço algum dele que eu não podia imaginar
todos os sentimentos que viriam à tona.
Sentei-me no banco de metal. E esperei que minha mente recobrasse o controle sobre meu corpo.
Adrian e Alex ainda conversavam um pouco afastados de mim. Eu não conseguia ouvir, mas pela
cara de preocupação de Adrian, eu podia imaginar que falavam de Alissa e do fato de ela ter
escondido de Alexander o problema de Louise.
Adrian podia ter muitos defeitos, mas essa era uma das suas maiores qualidades. Adrian jamais
rejeitaria uma criança. Eu o via com Collin e isso não deixava dúvida alguma.
Fiquei ali, observando os dois até em que em algum momento, tudo foi ficando mais e
mais distante e me perdi no sono.
― Laura? ― eu ouvi bem ao longe, como se fosse outra realidade. ― Laura? ― ouvi novamente,
um pouco mais perto dessa vez.
Abri os olhos bem devagar, quase sem conseguir, para encontrar um Adrian muito, muito perto,
agachado próximo ao banco. Mãos sobre meu braço, fazendo um movimento suave, para me acordar.
Dei um salto no banco, meio pelo susto, meio porque a proximidade me deixava um pouco
desconcertada.
Alisei o cabelo para trás com cuidado. ― Deus! Eu devia estar horrível e babada.
― Você precisa descansar ― ele me disse com a voz suave, macia. ― Não pode passar a noite
no banco.
Pisquei algumas vezes, trazendo a realidade de volta para mim. Ele estava certo, ficar ali,
dormindo no banco não ajudaria em nada e ainda me faria acordar com uma terrível dor nas costas.
― Como está Louise? ― eu perguntei.
― Bem ― Adrian disse sentando-se ao meu lado. ― Alexander conseguiu vê-la novamente. Está
com Alissa agora. Ela acordou e o médico veio chamá-lo.
― Ela está bem?
― Está se recuperando. O acidente foi bem grave, mas ficará bem.
Pensei por um segundo, analisando minhas possibilidades.
― Vou chamar um táxi ― eu disse. ― Não quero atrapalhar Alex. Ele deve ter muito que
conversar com Alissa.
― Estou indo para casa ― Adrian me disse, fazendo meu coração disparar. Sua voz soando como
uma melodia hipnotizante. ― Vem comigo.
― Não ― eu disse rápido demais e depois pensei. ― Não precisa se preocupar. Eu tenho a chave
do apartamento de Alexander. Eu fico por lá.
Remexi em minha bolsa à procura da maldita chave. Vasculhei, vasculhei e nada. Comecei a me
desesperar, era tudo que eu precisava: ficar trancada de fora.
― Não está aí? ― Adrian me perguntou levantando uma sobrancelha.
― Eu posso ir para minha casa, Adrian. Não é tão longe assim. Chego rapidinho se chamar um
táxi agora ― consertei da melhor maneira que pude.
Adrian capturou minhas mãos nervosas entre as suas. O calor da pele dele trazendo tantos
sentimentos à tona, mexendo tanto comigo. Ele me acariciou por um longo tempo antes de continuar.
― Não quero ser seu inimigo, Laura. Acho que temos mais razões para o contrário ― ele disse
manso, contido, gentil. ― Vamos para minha casa. Fica perto e você pode visitar Louise assim que
acordar. A médica me disse que amanhã ela provavelmente sairá do isolamento e poderá ser vista.
Sorrio meio sem querer. Eu estava feliz por ela, mas também estava meio descontrolada.
― Você também pode passar um tempo com as crianças. Elas têm perguntado tanto de você.
Golpe baixo! Baixíssimo! ― Ele sabia o quanto isso mexia comigo.
― Adrian ― falei devagar controlando minhas emoções, ― não acho uma boa ideia.
― Amor ― ele me disse e eu tive que forçar a saliva a descer pelo meu tubo digestivo, ― vem
comigo? ― insistiu. ― Você sabe que ficará confortável. Além disso ― continuou, ― eu só vou
tomar uma ducha e me vestir. Já está quase amanhecendo e preciso tratar de alguns assuntos legais
para Alexander — Adrian sorriu sem humor, correndo os dedos por meu rosto devagar. ― Você mal
irá me ver.
Meu coração deu um nó tão apertado que pensei que não conseguiria respirar.
― Adrian não é isso ― tentei explicar, ― você sabe que é complicado e... ― ele não me deixou
continuar.
― Vem? ― disse estendendo a mão para mim, já de pé.
Respirei fundo e coloquei minha mão na sua.
Tantas coisas me fizeram acompanhá-lo pelos corredores do hospital em busca da saída. Tantas
coisas. Tantos sentimentos. Ele estava certo. Era o mais coerente a fazer. Era a decisão mais sábia e
era o que uma pessoa responsável faria, mas mais que isso, era o que eu queria. Era o que eu queria
desde o momento em que o vi, mesmo sem querer, naquele restaurante.

Adrian

Harold estava parado em frente ao hospital. Encostado ao lado do carro, esperando por mim. Sua
boca se curvou em um pequeno sorriso assim que me viu ao lado de Laura. Ele não disse nada. Eu
não disse nada também. Apenas abri a porta e a ajudei a se sentar.
Laura sentou ao meu lado no banco traseiro, tão longe quando o espaço interno permitia. Respirei
fundo e pensei que tudo parecia em seu devido lugar. Fazia tempo que eu não tinha essa sensação.
Acho que desde a última vez em que a tive ao meu lado.
― As crianças estão na fazenda, mas devem chegar logo ― eu disse antes que ela pensasse que
era algum tipo de truque para que ela estivesse sozinha em minha casa. ― John pediu a Harold que
os buscasse ao amanhecer.
Laura não disse nada. Permaneceu em silêncio, tensa, quase sem se mover ao meu lado. Eu não me
importava. Na verdade, quase podia sorrir diante do seu nervosismo. Se ela estava nervosa em ficar
perto de mim, era porque eu mexia mais com ela do que ela queria admitir e isso só me deixava mais
perto do meu objetivo.
Harold estacionou em frente à minha casa com a madrugada alta. Tudo dentro da casa estava
escuro e o jardim era iluminado apenas pelas luzes que circundavam a piscina.
Laura abriu a porta antes que eu pudesse abrir para ela. Desceu com os braços cruzados sobre o
peito, em uma atitude clara de me manter longe. Eu não pretendia tentar nada com ela nessa noite.
Seria muita burrice da minha parte e eu estava fazendo um esforço imenso para não cometer nenhum
outro erro com ela.
Assim que girei a chave na porta ela passou por mim, rápida como um foguete. Acendi a luz da
sala.
― Está com fome? ― perguntei. ― Martina provavelmente deixou algo pronto para mim.
― Não, obrigado, mas aceito um copo de água ― ela me disse ainda com os braços cruzados.
Caminhei até a cozinha e ela seguiu comigo. Como eu havia imaginado, Martina havia preparado
um bolo de canela com passas e deixado sobre a bancada.
― Hum que cheiro bom ― Laura disse assim que se aproximou do bolo.
Eu sorri discretamente, de costas para ela, virando-me em seguida.
― Martina faz bolos muito bons. Você deveria experimentar um pedaço.
Ela pensou por um instante. Peguei uma faca, um prato de sobremesa e ergui o tecido fino que
cobria o bolo. Parti uma fatia e entreguei o prato a ela.
― Você realmente deveria experimentar.
Laura aspirou o ar em torno do pedaço de bolo e não resistiu. Eu sabia que não resistira.
Provavelmente havia comido comida congelada ou enlatada, já que Alexander não estava em casa há
algum tempo. Eu podia imaginar que ela estava faminta, mas que não daria o braço a torcer. Fiz uma
nota mental de agradecer a Martina por sempre se preocupar conosco e por ter me dado a chance de
ter razão, mais uma vez.
― Nossa! ― Disse depois da primeira garfada, ― que delícia!
Coloquei um pouco de chá de ervas na xícara, aproveitando que ainda estava morno e entreguei a
ela.
― Como sem pressa, amor, você precisa se alimentar bem.
Fiquei de pé, encostado no balcão, observando enquanto ela se deliciava com o bolo. Quando
terminou ela se levantou e colocou o prato na pia.
― Obrigado de novo ― ela disse.
Enchi um copo com água e dei a ela. Ela bebeu tudo de uma vez. Respirou fundo, me encarou por
um tempo, forçando todo o meu autocontrole para não segurá-la entre os meus braços e beijá-la. Eu a
queria tanto. Queria tanto sentir seu gosto, seu corpo, seu perfume.
Eu não sei se ela esperava que eu o fizesse, porque ficou ali, me olhando sem dizer nada, mas eu
não podia pôr em risco minha estratégia. Eu não podia ser afobado como um garoto apaixonado. Eu
precisava que ela me quisesse de volta. Que realmente me desejasse ao ponto de ser capaz de deixar
o passado para trás. Se tivéssemos uma noite de amor hoje, amanhã ela acordaria e pensaria que eu
não mudei. Que ainda sou o mesmo impulsivo e descontrolado de sempre. Repensaria nossa relação
e se afastaria novamente.
― Eu... ― ela começou depois de um tempo. ― Eu... ― Laura parecia não saber o que dizer. ―
Acho que preciso descansar um pouco. Já é quase de manhã.
― Sim, precisa mesmo ― concordei.
Acompanhei-a até o quarto de hóspedes, no fim do corredor. Martina era cuidadosa com minha
casa, como era com meus filhos. Ela mantinha o quarto pronto e arrumado. Limpo e arejado. Abri a
porta e acendi a luz.
― Qualquer coisa que precise para dormir, pode encontrar no armário. Se precisar de algo que
não encontre, é só me chamar.
Não esperei que ela dissesse nada. Eu segurei seu rosto entre minhas mãos e beijei sua testa,
demorando meus lábios ali. Eu não podia mais me conter em tocá-la. Ainda que fosse um toque bobo
como aquele, era o que eu precisava. Eu precisava dela, precisava senti-la de alguma maneira.
Saí do quarto o mais rápido que pude, dando passadas largas até o meu. Bati a porta de uma vez e
caminhei até a varanda.
O vento da madrugada bateu forte contra meu rosto, esfriando meus ânimos alterados. Deixei a
janela aberta, refrescando meu quarto com o vento suave e úmido, depois da tempestade. Eu podia
ver pelos galhos caídos das árvores próximas, como a chuva havia castigado a propriedade.
Entrei, tirei a camiseta e o jeans caminhando até o banheiro. Livrei-me da cueca boxer e liguei o
chuveiro. Tomei uma ducha rápida, pensando em Laura ali, no final do corredor e em como eu a
queria aqui, debaixo da água morna comigo. Respirei fundo, afastando os pensamentos.
Saí do chuveiro e vesti uma calça de elástico. Alisei os cabelos com as mãos. Não resisti e
caminhei até o quarto dela. Abri a porta o mais silencioso que pude.
O quarto estava iluminado pelas luzes da piscina, que refletiam o movimento da água pelas
paredes claras. Laura dormia. Eu podia saber que dormia por sua respiração suave, compassada.
Aproximei mais, parando ao seu lado na cama. Abaixei até flexionar os joelhos. Encarando seus
olhos fechados, as pálpebras vibrando suavemente. Sua boca relaxada, semiaberta. ― Deus, como
eu queria beijá-la.
Corri os dedos por seus cabelos compridos, espalhados sobre os cobertores, sentindo a maciez,
espalhando o perfume deles pelo quarto.
Em algum momento entre o sono e a realidade, Laura balbuciou sem se mover.
― Adrian.
Foi apenas um sussurro. Um balbuciar perdido entre a realidade e o sonho, mas era tudo que eu
precisava para aquietar meu coração. ― Ela ainda era minha.
Voltei para o meu quarto e deitei na cama, sobre as cobertas. Porta semiaberta, olhos fechados,
mas minha mente estava alerta. Eu queria ter certeza de que se ela viesse ao meu encontro, eu estaria
ali, disponível e pronto para ela.
Acordei com uma batida repetitiva e não tão gentil sobre meu peito. Abri os olhos para encontrar
os olhos acastanhados de John.
― Eu só queria entender, Sr. Galagher, como o senhor conseguiu trazer a garota para o nosso
quarto de hospedes.
Havia uma nota de divertimento em sua voz. Ele estava me provocando, mas era uma provocação
divertida.
Levantei. Cocei minha barba e caminhei até o banheiro.
― O que só prova que você ainda tem muito para aprender, pequeno Sr. Galagher. Muito.
John riu alto, jogando-se em minha cama.
― Ela já acordou? ― eu perguntei assim que voltei, depois de escovar os dentes e tomar uma
ducha.
― Não. Dormindo ainda. Eu só vi porque Martina não lembra onde guardou o carregador do meu
celular, entrei para procurar e encontrei a bela adormecida. Sério pai, você precisa me dar umas
dicas.
Sorri, lançando a toalha molhada sobre ele na cama.
― Comecei acordando cedo e indo trabalhar. Mulheres gostam de homens bem-sucedidos.
― E ricos ― John completou.
― Dinheiro é importante, John, mas não o suficiente. É o poder que atrai. Ser o melhor.
Ele me escutava atento, enquanto eu vestia meu terno. Terminei de colocar as abotoaduras e
ajeitei minha gravata. Coloquei o blazer por cima e dei uma última ajeitada nos cabelos com as
mãos.
― Seja sempre o melhor que puder John. Não importa o que irá escolher para a sua vida, seja o
melhor.
John sorriu. Um sorriso de menino debochado. Aquele era o meu filho, e ele já era o melhor nisso.
― Anotado Sr. Galagher ― John brincou.
Hanna via televisão no quarto e Collin havia dormido novamente depois de tomar o café da
manhã.
John e eu descemos para o café da manhã juntos. Assim que passei por Martina, percebi o sorriso
em seu rosto.
― Parece que alguém teve uma boa noite de sono, apesar de tudo John ― brinquei.
― Ela descobriu Laura no quarto ― John confessou.
― Ah me desculpe Sr. Galagher, mas é tão bom tê-la conosco de novo!
Respirei fundo.
― Só não se empolgue muito, Martina, ela só veio passar a noite por causa do acidente de Alissa.
Não queria preocupar Alexander e já era muito tarde.
― É só o senhor se esforçar um pouquinho ― Martina disse servindo o café em minha xícara.
Estreitei os olhos e ergui uma sobrancelha, mas eu não estava bravo e Martina sabia disso.
― Vamos Sr. Galagher, Laura merece!
Sorri, tomando um gole do meu café.
― E eu? O que eu mereço Martina? ― brinquei.
― Merece me dar uma carona até o hospital ― John interrompeu. ― Na verdade quero passar no
centro antes e comprar algo para Louise, pai. O que acha? Dá uma carona ou a chave do Porsche?
Bebi o que restava de café na xícara e enfiei um pedaço de bolo na boca, mastigando rápido.
― Dou uma carona, mas apenas porque preciso mesmo ir ao centro. Tenho que resolver umas
coisas no escritório.
Peguei a chave do carro e John veio comigo.
― Martina, quando Laura acordar, por favor, faça com que se sinta à vontade. Quero que ela
saiba que é bem-vinda, sempre. John irá voltar logo para casa. Eu posso demorar um pouco para
voltar. Talvez tenha que ir à Bruxelas.
― Sim senhor.
Entramos no carro e seguimos para rumo ao centro.
― O que vai fazer em Bruxelas, pai? ― John me perguntou quando entramos na rodovia.
― Não vou permitir que nada afaste Alexander de Louise.
Capítulo 6

Laura

Acordei com o sol entrando pela janela. O feixe de luz incidia direto em meu rosto.
Pisquei algumas vezes, incapaz de abrir os olhos e então me dei conta.
― Oh meu Deus, eu dormi na casa de Adrian! ― Falei mais alto do que gostaria.
Saltei da cama em um pulo só, escorando-me na mesinha por causa de uma tontura matinal. Vesti
meu jeans e fui até o banheiro da suíte. Havia uma escova de dentes ainda embalada sobre a bancada
da pia. Abri a embalagem e escovei os dentes com cuidado. Dei uma ajeitada nos cabelos e os prendi
de volta no elástico que estava em meu bolso. Respirei fundo, preparada para me deparar com
Adrian Van Galagher uma vez mais.
Desci a escada devagar, esperando ouvir a voz dele ou qualquer coisa que me dissesse que ele
estava lá. Não ouvi. A sala estava silenciosa exceto por uma vozinha conhecida, Hanna.
― Martina ― ela dizia, ― você sabia que a Dody já tem cinco filhotinhos? ― contava toda
animada.
Entrei o mais silenciosa que pude, encontrando minha garotinha sentada na cadeira, ainda com a
camisola rosa, cabelos despenteados, batendo as pernas de um lado para o outro, enquanto falava
com Martina.
Martina sorriu, mas não me anunciou, deixou que Hanna continuasse.
― E você sabia que Laura dormiu no quarto de hóspedes? John me disse para não fazer barulho
porque ela precisava descansar, por causa do bebê.
Martina assentia sorrindo, enquanto me encarava. Eu dava passos em direção a Hanna.
― E o que você vai fazer quando Laura acordar? ― Martina provocou.
Ela deu uma última garfada no bolo.
― Vou dar um abraço bem grande nela e dizer que estou muito feliz em ter um irmãozinho ou
irmãzinha, porque ainda não dá para saber.
Não resisti, tirando seu cabelinho claro do rosto e beijando.
― Laura! ― ela disse empoleirando-se na cadeira para alcançar o meu tamanho e me abraçar.
― Ah querida, que saudades eu senti de você!
Hanna deitou o rosto em meu ombro. As mãos presas ao redor do pescoço.
― Eu também.
Não pude mais controlar as lágrimas, beijando o topo da sua cabecinha loira e apertando-a contra
meu corpo. Depois de um tempo, Hanna me soltou devagar.
― Posso ver a sua barriga? ― ela me perguntou como se não fosse nada demais.
― Pode, mas ainda não dá para ver muita coisa ― eu disse erguendo a blusa.
Ela encarou minha barriga quase imperceptível, analisando a situação toda. Respirou fundo,
torcendo a boca em uma posição engraçada.
― Eu espero que seja uma menina ― ela disse por fim. ― Não sei para quem vou dar as minhas
bonecas.
Martina e eu caímos na gargalhada. ― Não podia ser algo diferente, vindo de Hanna.
Nós nos sentamos e tomamos o café da manhã juntas. Estávamos terminando nosso bolo quando a
campainha tocou. Martina estava mexendo uma caçarola de doce de maçã, então eu me levantei e fui
até a porta.
― Pode deixar que eu abro Martina.
Quando abri a porta, quase caí para trás de susto. Margarida estava lá, com a mala nas mãos,
esperando por alguém que provavelmente não era eu, dadas as circunstâncias.
― Laura? ― ela disse num misto de incredulidade e curiosidade.
― Hum ― comecei meio nervosa, ― oi Margarida. Como está?
― Estou bem ― Margarida me disse recuperando a pose. ― Ao que parece Amsterdã está um
caos, meu hotel cancelou a reserva e não consegui outro. Pensei que talvez eu pudesse ficar aqui por
alguns dias.
Oh meu Deus, o que eu faço? O que eu faço? O que eu faço? O que eu faço?
Eu tentava não parecer histérica, mas não acreditava que estivesse obtendo êxito. Margarida
sorriu.
― Adrian já saiu? ― ela me perguntou antes que eu conseguisse formular uma resposta.
Para minha sorte, um táxi parou no jardim e John desceu dele. Se eu já o amava, agora esse amor
cresceu ainda mais. ― O garoto sabia fazer entradas triunfantes.
― Sra. Tavares ― ele disse puxando Margarida para um abraço, ― que prazer encontrá-la por
aqui ― brincou.
Margarida o abraçou com carinho, beijando seu rosto e ajeitando a gola da jaqueta.
― Estou muito bem John Albert ― ela disse sorrindo, ― e você, como está?
― Muito bem. Acabo de vir do hospital e Louise já saiu dos aparelhos ― ele disse mais para
mim do que para Margarida. ― Não pudemos vê-la, mas a médica garantiu que até o final da tarde,
se tudo continuar assim, nossa Lou estará no berçário!
Sorri animada, porque não poderia deixar de me sentir assim.
― Acabei colocando Laura em uma saia justa, meu filho ― Margarida disse fazendo piada. ―
Imagine que cheguei à casa do seu pai em punho e ele não estava.
John passou o braço pelos ombros de Margarida, conduzindo-a para dentro.
― Tenho certeza de que o Sr. Galagher vai adorar a visita, vovó, não se preocupe.
Soltei o ar dos pulmões que eu nem sabia que estava prendendo.
Pela maneira como Margarida caminhou até a sala, antes de sentar-se no sofá, pude perceber que
seu problema havia piorado. Ela mal conseguia caminhar sem se apoiar em John. Era triste.
Margarida não fazia o tipo que gostava de ser cuidada, eu podia imaginar como era difícil para ela.
Hanna veio correndo da cozinha e lançou-se nos braços da avó.
― Oba! ― gritou animada. ― Agora está todo mundo em casa de novo!
Margarida e eu sorrimos. Mesmo que não fosse exatamente isso, Hanna merecia esse pedacinho
de felicidade.
De repente, comecei a me sentir meio intrusa, no meio de uma família que não era minha. Eu
queria ir embora o mais rápido que conseguisse porque se eu ficasse, acabaria me envolvendo mais e
mais e achar o ponto de retroceder seria cada vez pior.
― Bem, se me dão licença, eu preciso voltar para minha casa. Preciso saber como estão às coisas
com o Sr. Persen e ainda quero passar no hospital.
― Harold pode levá-la ― John disse. ― Sei que papai não precisará dele hoje.
― Não se preocupe John. Eu dou um jeito. Melhor que Harold fique a disposição de vocês.
John pareceu perceber minha falta de jeito, porque subiu comigo escada acima. Entrei no quarto
de hóspedes para pegar minha bolsa e ele entrou comigo. Sentou-se na cama, enquanto eu verificava
uma chamada perdida no telefone e o colocava de volta na bolsa.
― Sabe que não precisa ir, não sabe? ― ele me disse com aquele jeito despreocupado que só ele
tinha. ― O coroa adoraria encontrá-la quando voltasse.
― É mais complicado do que isso John ― eu disse encurtando o assunto.
― Sei que é, mas ele está tentando Laura ― ele respondeu ainda como se não fosse nada demais.
― Sei que parece estranho vindo de mim que sou o filho, mas o coroa está mesmo tentando.
Eu sabia que estava. Sabia que ele estava tentando ser outro Adrian. Sabia que estava tentando
recuperar a amizade e a confiança de Alexander. Eu também sabia que todos mereciam uma segunda
chance, mas eu não conseguia esquecer. Eu simplesmente não conseguia esquecer que no primeiro
momento em que ele precisou confiar em mim, ele havia feito o contrário.
Eu me lembrava do nosso acordo e de tudo que havíamos combinado quanto a não se deixar levar.
Eu sabia que Adrian não queria outra família. Ele já tinha sua própria família e não queria que isso
mudasse. Ele havia deixado claro desde o começo. Nada de compromisso, exceto pelo acordo.
― As coisas se ajeitam John. Logo seu pai e eu vamos conseguir conviver bem sem estarmos
juntos.
― E é isso que você quer? ― John me perguntou com os olhos fixos nos meus.
Eu queria dizer que não, que não era. Queria dizer que tudo que eu queria era apagar essa má fase
e viver o grande amor da minha vida com Adrian Van Galagher, mas eu não podia. Eu não podia
porque não tinha como simplesmente esquecer tudo que havia acontecido e não podia também porque
não era o que Adrian queria. Ele queria uma boa convivência. Talvez quisesse ter certeza de que eu
não sumiria no mundo com o filho dele na minha barriga, mas era só. Não tinha romance nem nada do
tipo.
Lembrei a noite anterior e de como eu fui boba e estúpida em esperar que ele pudesse tentar me
beijar. Eu nem sabia se permitiria. Nem sabia se iria conseguir, mas esperava que ele tentasse. Eu
queria que ele tentasse, mas não ter tentado me fez pensar ainda mais em como eu queria.
― Sei que você vai dizer que eu sou um tipo de pirralho arrogante e que não entendo nada da
vida, mas sabe Laura? Eu vi o Sr. Galagher dar com a cara no chão muitas vezes por ser orgulhoso
demais ― e completou, ― inclusive com você.
Pensei por um instante. As palavras dele batendo como socos em mim. Eu sabia que John tinha
razão e já havia perdido tempo demais pensando em tudo isso. Sorri para mascarar minha
preocupação.
― Pirralho arrogante ― brinquei batendo em seu ombro.
Deixei John no quarto de hóspedes e entrei no quarto de Collin. Ele ainda estava dormindo. Eu
não queria acordá-lo, mas não pude resistir em alisar seus cabelinhos escuros.
Collin se virou e abriu os olhinhos devagar.
― Laura! ― Ele me disse sorrindo, ― você está mesmo aqui?
― Eu estou sim ― eu disse sentando-me na beirada da cama. ― Você sentiu minha falta?
Collin assentiu com a cabeça, esfregando os olhinhos.
― Eu também senti muito a sua falta ― respondi estendendo os braços para ele.
Collin se levantou e jogou os bracinhos para mim, afundando-se em meu pescoço. Inspirei com
cuidado, sentindo seu cheirinho de bebê em minhas narinas.
― Você vai morar aqui em casa de novo? ― ele me perguntou fazendo um nó se formar em minha
garganta.
― Não vou não, querido ― respondi meio sem querer. ― Prometo que venho te visitar sempre
que der. Agora se quiser descer, sua avó está lá embaixo. Acho que ela gostaria de te ver.
― Vovó? ― Collin perguntou ainda sem entender.
― Sim! Vovó Margarida.
Desci a escada carregando Collin pela mão. Ele estava sorrindo e mal se conteve em descer
degrau por degrau. Correu até Margarida e lançou em seus braços.
― Bem ― comecei, ― vou indo. Foi um prazer revê-la Margarida.
― Igualmente Laura ― Margarida respondeu. ― Espero que ainda esteja disposta a tomarmos
aquele chá.
― Claro ― eu respondi mesmo não sendo verdade. ― É só me ligar e marcamos.
Harold insistiu em me levar até o hospital e eu acabei aceitando, porque afinal, precisaria mesmo
de carona e não queria esperar por um táxi.
Desci do carro em frente ao Saint Peter e entrei. Peguei o telefone e liguei para Alexander.
― Alex? ― perguntei assim que ele atendeu, ― estou aqui na recepção, se você puder vir me
encontrar.
― Ah Laura, eu não estou no hospital. Precisei resolver umas coisas e como Louise estava bem,
decidi que era um bom horário para isso. Eu pediria para você me esperar, mas não sei quanto tempo
demoro e prefiro que você descanse.
Suspirei.
― Tudo bem. Vou ver se consigo ver Louise e já vou para casa.
― Isso! Diga aos médicos que é minha irmã. Quem sabe eles permitam? Eu passo na sua casa
assim que terminar e vamos ver como papai está. O que acha?
― Acho uma boa ideia. Espero você então.
Eu estava me sentindo meio frustrada. Era como se não fizesse parte da vida de ninguém. Todo
mundo tinha algo, menos eu.
Passei a mão pela minha barriga e sorri. ― Não era verdade, eu tinha alguém e Alex tinha
razão, eu precisava me cuidar melhor.
Caminhei até a recepção e perguntei se poderia ver Louise.
― Sinto muito Srta. Soares, mas os médicos foram bem taxativos. Por enquanto, somente os pais
podem ver o bebê ― a moça me disse simpática. ― A senhorita não quer visitar a mãe da sua
sobrinha? A Srta. Helst está sozinha no momento e pode receber visitas.
Eu não iria explicar para a pobre garota todo o problema que girava em torno de mim e minha
futura ex-cunhada. Era coisa demais e ela não merecia ouvir. Sorri.
― Claro, onde fica?
Segui pelo corredor, depois de receber as coordenadas. Alissa merecia uma visita, afinal, a
garota havia quase morrido e dado à luz no mesmo dia. Eu não acreditava que as coisas pudessem se
acertar entre Alexander e ela, mas mesmo assim, era o correto a se fazer.
Bati na porta e chamei.
― Alissa? ― perguntei e esperei pela resposta.
― Pode entrar, a porta está aberta.
Entrei para encontrar uma Alissa muito diferente da que eu conhecia.

Adrian

Assim que deixei John no centro, parti para o escritório. Passei por Karol.
― Bom dia Karol, já soube da novidade?
Eu imaginava que não, então queria ver a reação dela quando eu contasse.
― Bom dia Sr. Galagher ― ela me disse sorrindo. ― O senhor contratou a moça? ― Karol
perguntou feliz.
― Contratei sim, mas essa não é a novidade.
Karol me encarou sem entender.
― Louise nasceu ― eu disse e não pude conter o sorriso.
― Oh meu Deus! ― Ela disse tapando a boca ―, mas não é muito cedo?
Respirei fundo.
― Sim. Muito cedo. Alissa sofreu um acidente e foi necessário fazer o parto.
― Oh meu Deus! ― Ela repetiu. ― E elas estão bem?
― Vão se recuperar ― eu disse passando por ela. ― Achei que gostaria de saber.
Entrei em meu escritório e disquei para o parlamento. Eu conhecia muita gente lá e não queria que
o projeto do novo emprego fosse uma preocupação para Alexander. Eu estava disposto a ir até
Bruxelas e acertar tudo eu mesmo, se isso pudesse deixar sua carga mais leve. Conhecia muita gente
no parlamento e algumas pessoas na ONU também, graças à Claire e minha proximidade com a
princesa. Uma das poucas coisas boas que aprendi com meu pai, foi que um homem sempre deve ter
bons contatos. Eu tinha os melhores.
Liguei para Sonderson e esperei que ele me atendesse logo.
― Hans Sonderson ― ele disse assim que atendeu.
― Olá Sonderson ― eu disse gentil, ― quem fala é Adrian Van Galagher.
― Adrian! Que bela surpresa!
Eu sabia que Sonderson gostava de mim. Ele não tinha razão nenhuma para o contrário. Eu era
importante, poderoso e o ajudava com o dinheiro que ele precisava sempre que surgia alguma nova
epidemia na África, ou mesmo quando a epidemia não era tão verdadeira assim. Sonderson era um
homem importante, influente e tê-lo ao meu lado era sempre um bom acordo.
― Em que posso ajudá-lo, Galagher? ― Sonderson perguntou.
― Sei que estão contratando meu advogado ― comecei.
― E isso é um problema para você? ― Sonderson perguntou. ― Porque podemos resolver, sem
nenhum problema.
― Não! Na verdade, eu acho que vocês não poderiam ter escolhido melhor. Persen é um grande
advogado.
― Oh! ― Sonderson disse animado. ― Então Persen resolveu aceitar a antiga proposta?
― Sim. Ao que parece ele cansou do jogo ― brinquei.
― E qual é o problema então?
― A noiva de Persen sofreu um acidente ontem. Estava grávida. Acabou sofrendo um parto de
emergência. Deve imaginar como ele está.
― Oh Deus que coisa trágica! Mande meus votos de melhoras a ele e a noiva.
― Obrigado. Eu mando sim ― agradeci. ― Mas o que me preocupa é que talvez Persen não
possa permanecer ao lado da filha por causa do trabalho. Como deve imaginar o bebê está
hospitalizado sem previsão de saída. Não poderia se mudar para Bruxelas.
Tentei parecer o mais trágico possível, sem ser melodramático demais. Eu queria que Sonderson
compreendesse a necessidade, sem pensar que estava me fazendo um favor.
― Ah não se preocupe ― Sonderson disse depois de alguns segundos, ― sei como são essas
coisas. Minha filha se acidentou esquiando. Passou quase quarenta dias hospitalizada. Você entende
também, Galagher, tem seus próprios filhos.
― Sim, eu entendo.
― Diga a Persen que não se preocupe. A vaga ainda estará aqui quando o bebê estiver bem. Não
é sempre que se consegue alguém como ele. Não acho que seja um problema. Podemos até pensar em
uma maneira de contribuição de serviços à distância.
― A questão Sonderson ― continuei com a parte difícil agora, ― é que eu não quero que Persen
saiba que foi um pedido meu. Ele não gosta de ser ajudado assim, se sentiria mal ― respirei fundo
antes de continuar, ― acha que consegue fazer isso?
Sonderson pensou por um instante.
― Claro! Não se preocupe. Eu mesmo trato do assunto.
Agradeci e desliguei o telefone. Eu sabia que este era um favor que seria cobrado com juros e
toda a correção possível, mas eu não me importava desde que tudo ficasse bem.
Stein entrou em minha sala algum tempo depois, junto com Karol que pareceu satisfeita em ver
meu novo advogado.
Nós tínhamos algumas reuniões com clientes fora do escritório e por isso acabei almoçando por
lá. Depois de um tempo com Jenny Stein, eu comecei a pensar que também estava satisfeito em tê-la
como novo advogado. Ela não era Alexander, mas chegava o mais perto que qualquer outra pessoa
poderia.
Deixei-a próxima de sua casa pouco antes das três da tarde e segui para o escritório novamente.
Eu precisava terminar alguns relatórios e então iria para casa mais cedo. Tomaria um banho e
tentaria falar com Laura.
Assim que entrei no prédio, meu telefone tocou.
― Então pai, está em Bruxelas? ― John perguntou.
― Não filho. Não foi necessário. Por quê?
― Vovó está aqui ― ele disse bem baixo, meio sem querer. ― Ela disse que o hotel teve
problemas por causa da chuva e perguntou se poderia ficar. Eu não podia dizer que não pai.
― Nem deveria filho. Sua avó é sempre bem-vinda em minha casa.
John respirou aliviado.
― Que bom pai, porque eu já a instalei no quarto de hóspedes.
― Faça o que for preciso, John, na minha ausência você é o responsável pela nossa casa.
Eu não podia vê-lo, mas tinha certeza de que ele estava orgulhoso da minha declaração. John já
era adulto o suficiente para decidir o que era melhor.
Desliguei o telefone preocupado. Eu não queria demonstrar a ele, mas ter Margarida tão perto
tornava tudo mais complicado. Eu sabia que essa visita tinha muito mais a ver com Collin e meu
rompimento com Laura, do que eu gostaria, mas eu não podia simplesmente chutar a mulher para fora
da minha casa sem nem ouvi-la, eu estaria errado, como ela estava quando roubou meus filhos de
mim.
Passei pela recepção e segui em frente. Karol não estava em sua mesa então eu entrei direto.
Quando abri a porta da minha sala, Alexander estava sentado ali, de costas para a entrada,
apreciando o movimento no porto. Assim que ouviu o movimento, virou-se para mim.
― Obrigado ― ele me disse entregando um e-mail impresso em uma folha de papel.
Peguei a folha da sua mão e li com cuidado. Era da ONU, divisão de contratações. Alguém dizia a
ele que por causa de um projeto de manutenção predial, ele teria que prestar os serviços dele a
distância pelo prazo mínimo de oito meses, terminava avisando que este prazo poderia sofrer
alterações e que ele precisaria se apresentar, caso necessário, em cinco dias.
Tentei não parecer animado, mas tinha que reconhecer que Sonderson havia sido astuto e rápido.
― Não entendo ― eu disse mesmo não sendo verdade.
― Eu estive em meu escritório há menos de uma semana e acredite, ele não precisava de reforma.
Meu escritório fica na parte mais nova do prédio. Inauguraram há menos de um ano.
― Talvez sejam problemas estruturais ou coisa assim. Esses prédios novos e modernos sempre
acabam dando algum tipo de problema ― eu disse servindo uma dose de uísque para cada um de nós.
Entreguei um dos copos a Alexander.
― Desculpe, não tenho charutos ― brinquei.
― Obrigado ― Alexander respondeu. ― Mesmo que não queira admitir, sei que tem um dedo seu
nisso ― ele pensou por um tempo longo, seus olhos desvendando os meus. ― Eu agradeço. Não
sabia mesmo como resolver.
Sorrio.
― Não se preocupe. As coisas sempre se ajeitam.
― Sabe Adrian ― ele disse tomando um gole do uísque, ― não posso dizer que esqueci tudo que
aconteceu entre nós. E quando digo que não posso esquecer me refiro a tudo mesmo. Desde os
tempos de faculdade até a sua estúpida desconfiança.
Meus olhos se desviaram dos dele porque eu não queria mais brigar. Eu queria apenas deixar o
passado para trás e seguir em frente. Eu queria estar ao lado dele com Louise e tudo que ele
precisasse enfrentar. Eu sabia que não seria fácil.
― Descobri que tenho mais coisas boas para lembrar de que ruins ― ele disse por fim e eu
acabei deixando um sorriso escapar. ― Não vou perder tudo que vivemos de bom porque você
cometeu um erro. Confesso que tive minha parcela de culpa. Eu devia ter te contado sobre Laura e eu.
Devia ter te contado que fui ao apartamento. Devia ter te contado que a vi de pijamas. Tudo era tão
claro na minha mente. Minha relação com ela era tão fraternal que eu esqueci que você não poderia
imaginar. Eu fui imaturo quando não fui claro.
― Alex ― eu disse por que esse era o momento das revelações, ― sei que eu não disse isso
ainda. Pelo menos não claramente, mas eu peço que me perdoe. Eu fui um estúpido em duvidar de
você e mais ainda em não pedir que me perdoasse na primeira oportunidade, então estou dizendo
agora. Perdoe-me.
Alex sorriu.
― Mas eu te acertei uma direita bem dada ― ele brincou porque era seu jeito de dizer que havia
me perdoado.
Alexander e eu não fazíamos o tipo que perde tempo com lamentações. Nós tivemos nossa cota de
merdas durante boa parte da vida, havíamos aprendido a levantar e sacudir a poeira. Era isso que ele
fazia agora. Sacudia a poeira.
― Você me pegou desprevenido, Persen, não conte vantagem ― eu disse fazendo o mesmo.
― E Adrian Van Galagher foi à lona ― ele disse imitando um letreiro.
― Mas me levantei em seguida.
Nós estávamos sorrindo e falando bobagens como nos velhos tempos, mas nenhum de nós era mais
como naqueles tempos. O peso que carregávamos estava sempre ali, marcado em nossos ombros.
O sorriso murchou rápido demais.
― Você a ama de verdade ― ele constatou.
― Muito mais do que eu gostaria ― confessei.
Alexander bateu a mão sobre meu braço, em um gesto amigável.
― Ela o ama também. Está magoada, mas vai passar.
Deixei meus olhos se perderem no porto.
― Você tem feito tudo certinho ― Alexander brincou, ― até eu já estou começando a me
apaixonar por você!
Sorrimos de novo como dois meninos, até o riso se foi.
― Mas não é apenas Laura que o preocupa ― Alex constatou novamente.
― Margarida está em minha casa ― confessei mais uma vez.
― Wow. Isso é complicado.
― Muito mais do que eu gostaria também.
Alexander pensou um pouco. Deu um último gole em seu uísque e se levantou. Pegou a garrafa e
serviu mais uma dose a cada um de nós. Sentou-se novamente.
― Você ainda acha que eu sou o melhor no que faço? ― me perguntou.
― Nunca duvidei.
― Então fique tranquilo ― ele disse dando mais um gole no uísque. ― Uma vez você me
prometeu que daria Louise a mim, agora eu prometo algo parecido. Não vou deixar que ninguém tire
Collin de você.
Eu sorri, dando um gole em meu uísque também. Se alguém podia me prometer algo assim, esse
alguém se chamava Alexander Persen.
Capítulo 7

Laura

Alissa estava deitada na maca, a cabeça envolta em uma atadura, o olho esquerdo
inchado, com um hematoma roxo e imenso cobrindo boa parte do rosto. O lábio partido, o corpo
marcado por escoriações. Sua perna estava engessada e amarrada em uma posição que parecia muito
desconfortável. Aproximei-me devagar.
― Sei que parece idiota perguntar ― eu disse assim que me aproximei. ― Como você se sente?
― Melhor que ontem ― Alissa respondeu sem muito humor. ― Não perdi nenhuma parte
importante. Então, imagino que logo estarei de volta.
Eu soltei um sorriso discreto. Estava penalizada por ela, mas não estava com pena dela, se é que é
possível. Era uma situação ruim, mas eu sabia que ela era forte o suficiente para lutar contra isso e se
sair bem.
― Você a viu? ― Alisa perguntou com uma expressão estranha e sem nenhum sentimento.
― Ainda não. Os médicos preferem deixá-la em isolamento — eu queria que ela se animasse,
então continuei animada. ― Mas John disse que Louise já está fora dos aparelhos. Deve ir para o
berçário em breve.
― Então todos já sabem ― ela constatou.
Senti meu coração diminuir. Era algo difícil de lidar. Ninguém estava realmente preparado para
ter um filho com Síndrome de Down. Era complicado pensar em como Louise teria desafios para
enfrentar e eu mesma estava preocupada com ela. Talvez fosse esse o problema. Talvez Alissa
estivesse preocupada com ela e não soubesse como demonstrar.
― Não se preocupe Alissa. Tenho certeza de que tudo ficará bem ― eu disse na tentativa de que
ela se sentisse melhor.
Tentei tocar minha mão sobre a sua, mas ela puxou.
― Nada ficará bem! Nada nunca mais ficará bem! O que eu vou fazer com uma criança doente
para cuidar? Agora mesmo é que a minha vida nunca mais será a mesma! Era só o que me faltava,
uma doente mental me chamando de mãe!
Segurei na poltrona porquê de repente o quarto pareceu se mover. Eu não podia crer no que ela
estava dizendo.
― No fim o acidente não serviu para nada mesmo! ― Continuou.
Eu nem queria pensar a que essa última frase se referia. Tinha até medo de imaginar que algo
como o que se passava em minha mente, pudesse passar na mente maluca e distorcida de Alissa.
― Pensei que pelo menos o acidente pudesse ajudar com esse pequeno erro do destino! ―
Concluiu.
E então eu não resisti. Não conseguia mais pensar que ela estava assustada e preocupada. Não
conseguia mais pensar que ela estava ali, toda quebrada e arrebentada. Ela era a Alissa de sempre.
Fria, egoísta, sem nada de bom para oferecer.
― Acho que você está errada sim ― comecei com os olhos fervilhando ódio, ― você perdeu uma
parte importante. Mas não foi no acidente. Deve ter deixado de lado no meio de tanta futilidade.
Você perdeu o coração Alissa! Não tem nada de vivo batendo aí dentro.
Virei às costas e saí. ― Se eu continuasse ali mais um minuto que fosse, acabaria esquecendo a
condição dela, e a minha!
Saí do hospital tão rápido que só percebi que já estava na rua, quando senti o sol bater contra os
meus olhos. Chamei um táxi e segui direto para Amsterdã.
Quando entramos na cidade, pude perceber os reais estragos da chuva da noite anterior. Havia
galhos e pedaços de árvores por toda a parte. Alguns canais estavam tão altos que as pequenas ondas
batiam contra as muretas de contenção, espalhando água pela rua.
Eu estava preocupada com o Sr. Persen porque sabia que ele morava bem perto de um dos canais
mais largos de Amsterdã, mas se Alexander estava tranquilo, eu não iria me desesperar. Ele
provavelmente havia ligado para o pai e sabia da situação real.
Passei pelo portão e agradeci por não morar tão perto de nada que tivesse água. A única coisa
fora do lugar no jardim do Begijnhof eram as folhas das árvores. O muro as havia protegido dos
ventos, mas as folhas caíram mesmo assim. Frida varria as folhas da entrada da sua casa.
― Oh graças a Deus você está bem! Fiquei preocupada com você sozinha em casa com a chuva de
ontem ― ela disse toda simpática e eu quase me senti culpada por pensar tão mal dela.
― Estou bem, Frida, muito obrigada! Minha sobrinha nasceu ontem. Acabei indo para Roterdã.
― Ah que notícia boa! Meus parabéns! Seu irmão deve estar muito feliz.
Eu estava tão desanimada e perturbada com Alissa que nem consegui esboçar um sorriso sincero.
― Tudo bem com o bebê? ― ela perguntou, porque provavelmente minha cara de louca havia me
denunciado.
Respirei fundo ― eu não queria esconder das pessoas que Louise era especial. Eu não tinha
vergonha disso.
― Ela ficará bem. Foi um parto complicado porque aconteceu antes do tempo ― comecei e só
parei para tomar fôlego, porque se parasse por tempo demais, tinha medo de não conseguir continuar,
― Louise tem Síndrome de Down.
Frida sorriu. Um sorriso genuinamente sincero e gentil. Era de tocar o coração.
― Que bom que a pequena veio em um lar tão abençoado. Eu vi como você e seu irmão se tratam.
Tenho certeza de que cuidarão muito bem dela.
Sorrio.
― Sim, nós cuidaremos.
Continuei caminhando até minha porta e quando coloquei a chave lá não resisti. Virei de volta
para Frida que ainda varria o jardim.
― Frida? ― chamei. ― O que acha de um chá com bolo? ― perguntei.
Frida encarou o relógio antes de me responder, o que me fez conferir o meu. Era quase uma da
tarde.
― Acho um pouco tarde ― ela disse sorrindo, ― agora se você aceitar um pedaço do meu assado
prometo que tomo o chá com você mais tarde!
― Acho uma boa troca.
Andei de volta até a casa de Frida. Entramos e eu pude perceber que ela era muito cuidadosa com
tudo. Era a casa de uma velha senhora europeia cheia de flores na parede e quadros de cenas
provençais, mas era muito limpa e arrumada.
Frita puxou uma cadeira para mim e eu me sentei. Conferiu o assado no forno e então começou a
nos servir. Ela havia feito legumes salteados na manteiga, o que fez minha boca salivar, um assado de
cordeiro muito suculento e bem preparado. Comi tudo tão rápido que pensei que a pobre mulher
acabaria por achar que eu não tinha comida em casa.
― E o seu bebê, para quando é? ― Frida perguntou depois de um tempo.
Parei de mastigar no mesmo instante, espantada com a perspicácia da mulher.
Como ela sabia que eu estava grávida? Tudo bem que eu já tinha um pouquinho de barriga, mas
podia facilmente se confundir com alguém acima do peso. Eu não me sentia muito grávida ainda.
― Achou que eu não soubesse? ― ela me perguntou e eu senti minhas bochechas corarem.
― Sinto muito ― eu disse sinceramente. ― Não queria esconder, só achei que chegaria o
momento certo de dizer ― tentei consertar.
Frida colocou a mão sobre a minha gentilmente.
― Não se preocupe querida, não estou aqui para vigiar a sua vida ou coisa assim! Eu apenas
fiquei preocupada com você sozinha em casa, e com um bebê a caminho. Quero que saiba que estou à
disposição.
Sorri, segurando sua mão na minha.
― Obrigada!
― Se precisar de alguém para cuidar do gatinho ― ela disse dando a última garfada em uma
batata, ― é só dizer. Eu amo gatos. Tive um comigo por quase quinze anos, mas ele se foi.
Eu estava começando a achar que Frida poderia realmente se tornar minha mais nova melhor
amiga, quando meu telefone tocou.
― Boa tarde, Laura ― Jens disse assim que atendi ao telefone. ― Tentei encontrá-la no
escritório hoje, mas não consegui. Está com problemas? Algo que eu possa fazer por você?
Merda! ― Pensei. ― Tanta coisa aconteceu que eu nem lembrei que tinha um
emprego.
― Ah me desculpe Jens. Eu realmente me esqueci de avisar a Hans. Acabei indo para Roterdã
ontem à noite. Minha sobrinha nasceu.
― Ah é uma boa notícia então ― Jens disse com a voz sorrindo, ― fico mais tranquilo. E não se
preocupe, eu só queria mesmo saber de você. Podemos tratar dos negócios amanhã. O que acha?
― Perfeito para mim Jens. Encontro você no escritório?
― Se for mais fácil para você ― ele disse gentil, ― ou se preferir eu posso buscá-la onde mora.
Quero levá-la para conhecer as empresas que me ajudará a comprar.
Pensei e pensei por uma fração de segundos ― até que eu soubesse exatamente quem era Jens Van
Hart, era melhor mantê-lo bem longe da minha vida pessoal.
― No escritório está perfeito para mim — respondi e nos despedimos. Desliguei o telefone e o
coloquei sobre a mesa. ― Era um cliente ― eu disse continuando a conversa com Frida, ― não sei
se eu já lhe disse, mas sou advogada.
― Ah é uma carreira muito bonita ― ela respondeu sorrindo, ― tenho certeza de que seus pais
sentem muito orgulho.
Meus olhos se perderam no prato. Pais não era um assunto muito fácil para mim. Frida parecer
entender.
― Não se preocupe querida, teremos muito tempo para conversar. Não precisa me contar tudo
hoje! Vá descansar um pouco e cuidar desse bebezinho.
― Te ajudo com a louça, depois vou — insisti, mas Frida não aceitou a minha ajuda e poucos
minutos depois entrei em casa. Deitei no sofá com Mia sobre minha barriga. Liguei a televisão.
― Aproveite enquanto consegue parar aí em cima ― brinquei coçando suas orelhas alaranjadas,
― logo não vai mais conseguir.
Adormeci em algum ponto entre o jornal e o desenho que começou em seguida. Nem sei por
quanto tempo eu dormi, mas quando acordei, Alexander batia na porta e o dia já tinha virado noite.

Adrian

Alexander voltou para Amsterdã um pouco antes do almoço. Eu sabia que precisava ir
para casa, por mais que eu quisesse postergar o encontro com Margarida, eu precisaria enfrentar.
Estacionei no gramado em frente de casa e Collin veio correndo ao meu encontro. Eu podia sentir
meu coração se apertar mais e mais a cada passinho que ele dava em minha direção ― eu não podia
perder meu garotinho. Não havia nenhuma possibilidade de que eu abrisse mão dele.
― Papai! Papai! Papai! ― Ele dizia enquanto corria em minha direção.
Abaixei no gramado e abri os braços para ele.
― Oi garotão ― eu disse apertando seu corpinho contra o meu. ― Parece que você cresceu desde
ontem! Desse jeito logo, logo você ficará do tamanho do John!
― Eu vou ficar maior que o John papai! Vou ficar do seu tamanho! ― Collin disse pendurando-se
em mim, enquanto eu me levantava.
Margarida apareceu na porta, antes que eu pudesse passar por ela. Desci Collin no chão e estendi
a mão para ela.
― Margarida, como vai? ― eu disse escondendo minha inquietação o máximo que pude. ― É um
prazer recebê-la em minha casa.
Margarida apertou minha mão com o mesmo sorriso polido que sempre usava.
― Obrigada Adrian.
Eu conhecia Margarida há muitos anos. Ela era uma mulher forte, acostumada a ser servida. Ela
tinha uma altivez no olhar e nos gestos que eu não via agora. Havia algo de errado com Margarida e
eu começava a pensar que o problema não era com Collin.
― Vamos entrar ― disse com a mão sobre seu ombro. ― Vamos tomar um café em meu
escritório.
Se existia alguma razão para que Margarida quisesse vir à Holanda além de Collin, ela
provavelmente esperava que pudéssemos conversar em particular.
― Se não se importa ― ela começou, ― prefiro dar uma volta pelo jardim. Você pode subir e se
trocar, se quiser. Vou ajudar Hanna a terminar de se vestir e o espero aqui em baixo.
Assenti e subi a escada. John não estava no quarto e imaginei que não estivesse em casa. Entrei
em meu quarto e tirei o terno. Tomei uma ducha rápida, vesti um jeans e uma camiseta. Quando desci
a escada, Margarida me esperava na sala.
― O que acha de tomarmos um chá no jardim? ― ofereci.
― Prefiro caminhar perto do lago, se não for um problema para você ― Margarida me respondeu.
Eu não conseguia entender qual era a razão para que ela quisesse manter tanta distância da minha
casa. O lago ficava a quase uma milha de distância e eu podia ver pela dificuldade com que
Margarida se locomovia sem a bengala, que era uma distância longa para ela.
Sorrio assentindo.
― Claro ― concordei. ― Se você quer caminhar, vamos caminhar então.
Margarida estendeu a mão e eu ofereci meu braço. Ela se apoiou e seguimos pela grama até perto
de onde começava o lago que seguia até o fim da minha propriedade. Quando estávamos próximos ao
deck, Margarida parou, ajeitando-se em um velho banco que Patrícia havia mandado fazer com uma
árvore que caíra com a chuva.
Ela sentou-se em silêncio, mirando as águas claras do lago. Eu esperei que ela tivesse seu tempo.
Sabia como era difícil para Margarida se abrir, porque era tão difícil para ela quanto era para mim.
― Patrícia amava esse lugar ― ela disse depois de um tempo.
― Sim ― respondi sem conseguir encará-la.
― Nos últimos meses dela, quando nos falávamos, ela me dizia que se sentava aqui para pensar
em tudo que havia feito de errado. Ela me dizia que era onde ela se encontrava com Deus.
Senti meu coração se apertar. Ela não havia feito nada de tão terrível assim. Nada de que pudesse
se arrepender. Eu sabia que os erros dela eram reflexos dos meus.
― Patrícia era uma mulher muito forte ― eu disse depois de alguns minutos de silêncio.
― Sinto falta dela ― Margarida confessou. ― Não há um só dia em que eu não pense em minha
filha.
Reprimi a primeira lágrima que se formou, no fundo da minha garganta. Eu não queria chorar e
parecer mais frágil do que Margarida precisava que eu fosse. Eu sentia falta de Patrícia também.
Havia tanta coisa que eu queria dividir com ela. Tanto sobre nossos filhos a contar.
― Mas ela cometeu os erros dela ― Margarida continuou, ― e sei que sofreu muito por não
poder corrigi-los há tempo.
― Margarida ― comecei, ― você não devia se atormentar com essas coisas do passado. Patrícia
era uma boa mulher. Uma boa mãe ― Margarida me interrompeu.
― Não quero cometer os mesmos erros que minha filha cometeu.
Parei a frase pela metade, sem conseguir terminá-la. Eu estava sem palavras.
― Não quero morrer com nenhum arrependimento ― ela continuou, ― eu quero ter certeza de que
fiz tudo que podia. De que cumpri com o meu dever.
Margarida não era mais uma menina, mas estava longe de ter que se preocupar com a morte. Ela
era uma mulher forte, apesar da doença que agora sabíamos que tinha. Ela tinha pouco mais de
sessenta anos. Tinha muito tempo pela frente.
― Tenho certeza de que você conseguirá Margarida. Não se preocupe ― eu disse com a mão
sobre seu ombro, na tentativa de consolá-la.
― Eu estou morrendo Adrian ― ela me disse com os olhos mirando o chão.
Engoli em seco mais uma vez, sem conseguir responder.
― A doença ― ela continuou, ― poderia evoluir de qualquer maneira ― Margarida fez uma
pausa antes de continuar. Soltou o ar dos pulmões com cuidado e depois seus olhos miraram os meus
― só não esperávamos que evoluísse tão rápido.
Respirei fundo, soltando o ar dos pulmões de uma vez só.
Eu me lembrava de tudo que havia passado com Patrícia desde a primeira visita ao médico,
quando descobrimos que o tumor era inoperável. Foram meses de incertezas e ansiedade, antes da
certeza final de que ela teria poucos meses de vida. Eu me lembro de não ter certeza se queria ou não
uma resposta. Lembro-me de esperar e esperar em salas de exames, vendo o sofrimento dela maior a
cada nova tentativa.
Fechei os olhos, inspirando o ar para dentro dos meus pulmões e soltando tudo de uma vez.
― Quanto tempo? ― eu perguntei por fim.
Eu estava revivendo uma situação parecida. Estava com Margarida ao meu lado, sem ter certeza
se queria ouvir o veredicto final.
― Três meses ― ela disse por fim. ― Seis se eu tiver muita sorte.
Engoli o bolo de bílis que se formou em meu estômago.
― Não estou preparada para morrer, Adrian ― ela me confessou com a mão sobre a minha. ―
Sei que fiz muitas coisas erradas. Sei que você não mereceu a maioria delas e que você não tem
obrigação alguma comigo, mas ― eu a interrompi.
― Se houver algo que eu possa fazer Margarida, qualquer coisa ― eu disse segurando sua mão
entre as minhas, ― é só me dizer o que precisa.
Margarida me abraçou, puxando-me mais para perto e descansando o rosto sobre meu peito. Ela
não era uma mulher de sentimentalismos. Eu nem lembrava se alguma outra vez na vida Margarida
havia me abraçado. Passei os braços em volta dela e deixei que ela me abraçasse.
― Eu disse que não queria ser como minha filha e esse é o primeiro passo ― Margarida
começou, ― por mais que você pense o contrário Adrian, você não mereceu o que Patrícia fez.
― Margarida ― respondi, ― acredite. Tudo o que você pensava sobre mim ― eu nem sabia
como continuar, ― Margarida eu cometi muitos erros com Patrícia. Eu realmente cometi.
Margarida sorriu sem humor.
― Espero que me perdoe ― Margarida disse por fim.
Eu sorri, mas não era um sorriso animado. Era mais um sorriso de entendimento. Eu sabia o
quanto era bom ser perdoado. Havia sentido essa sensação boa quando pedi perdão a Alexander
mais cedo. Eu havia sentido quando pedi perdão a Patrícia também.
― Não se preocupe ― eu disse sorrindo, ― não sou o cara mais fácil do mundo para se amar.
Margarida sorriu e eu sorri também. Era a maneira mais leve de terminar nosso pequeno acerto de
contas do passado.
Ficamos encarando o lago por mais um tempo, sem dizer nada, apenas observando o movimento
das águas sopradas pelo vento. Depois de um tempo, Margarida se levantou.
― Vamos? ― ela me disse como se tudo que havia me contado antes não fosse nada. ― Acho que
precisamos de um chá.
― Eu tenho certeza de que precisamos ― respondi me levantando também.
Caminhamos de volta para casa e antes que chegássemos perto da piscina, Hanna e Collin
correram até nós. Eles seguram cada um em uma das mãos de Margarida e a levaram para dentro. Eu
os deixei na cozinha e fui para o meu escritório. Sentei em minha poltrona e acendi um cigarro.
Eu tinha certeza de que aquele era o melhor lugar do mundo para que Margarida tivesse o tempo
que fosse. Eu não me importava se seriam três meses ou trinta anos. Eu tinha meu quinhão de
arrependimentos também e não queria que Margarida fosse um deles. Se tudo que ela queria era um
tempo com os netos, tudo que eu queria era que eles tivessem o tempo que pudessem com ela
também. Margarida era uma boa mulher. Havia sido uma boa esposa, e uma boa mãe. Eu queria que
tivesse a chance de ser uma boa avó também.
Quando a porta se abriu, eu estava mergulhado em pensamentos.
― Sr. Galagher? ― John perguntou da porta. ― Posso entrar?
― Claro John. Entre.
Ele se sentou e cruzou as mãos atrás da cabeça. Apaguei meu cigarro e esperei que ele começasse.
― Então ― ele começou, ― vai me contar o que há de errado com a Sra. Tavares? ― brincou.
Pensei por um segundo, sem saber como começar o assunto difícil que eu teria que tratar com ele.
Eu não gostava de esconder coisas de John e sabia que não era justo. Ele merecia saber o que quer
que fosse porque afetava a vida dele também.
― Sua avó está doente, filho ― eu disse.
― Quanto tempo pai? ― ele perguntou de uma vez, fazendo meu coração se apertar mais.
Eu sabia como John havia sofrido com a morte da mãe e saber que ele reviveria isso com a avó
era doloroso. Eu havia prometido que não permitiria que ele sofresse daquele jeito novamente, mas
eu estava de mãos atadas.
― Seis meses, no melhor dos casos ― respondi com sinceridade.
John não respondeu de imediato. Seus olhos não ficaram tristes ou pesarosos. Ele parecia
absorver tudo cuidadosamente. Depois um tempo, ele sorriu e girou a cadeira de um lado para o
outro, descontraído e tranquilo como sempre era.
― Então acho que temos que cuidar dela, não é pai? Como fizemos com a mamãe ele me disse.
Respirei fundo, afastando as lágrimas do fundo dos meus olhos. Toquei sua mão com a minha.
― Temos sim, filho. Temos sim.
Capítulo 8

Laura

Levantei de uma vez, meio atordoada pelo sono e acabei derrubando Mia no chão que protestou
com um miado revoltado.
Abri a porta e alisei os cabelos para trás com as mãos. Eu provavelmente não tinha minha melhor
cara, mas não achava que Alexander se importaria com isso.
― Hey! Que bom te ver! ― Eu disse me pendurando em seu pescoço e beijando seu rosto.
Alexander sorriu, em um daqueles sorrisos fofos que ele sempre me dava.
― Bom te ver também! ― Ele respondeu retribuindo o beijo e fechando a porta atrás de si.
Alexander parecia tranquilo e relaxado e eu achei que não era hora de contar a ele sobre meu
pequeno encontro com Alissa. Eu não queria ser a portadora das más notícias. Afinal, ele acabaria
sabendo de tudo de qualquer jeito.
― Pensei que a encontraria pronta para sair ― Alexander disse cortando um pedaço de bolo e
comendo. ― Acho que ando destreinado com as mulheres ― brincou.
― Me dê quinze minutos e eu estarei pronta.
― Ahan ― Alex brincou novamente, ― claro que fica!
Subi a escada e tomei uma ducha rápida. Como iríamos à casa do Sr. Persen, decidi que poderia
deixar a maquiagem de lado. Vesti uma das poucas calças jeans que ainda me serviam e coloquei
uma blusa de alças. Peguei um casaco e calcei sapatilhas de couro. Alisei os cabelos com a escova e
os deixei soltos para que secassem melhor.
Quando desci a escada, Alex estava esparramado em meu sofá, com Mia encostada nele,
lambendo as patas dianteiras, completamente à vontade.
― Ela acha que você também é um dos humanos dela ― brinquei.
― Ah ela é uma boa garota! ― ele respondeu acariciando sua cabeça laranja. ― Deixe que ela
aproveite enquanto não tem duas crianças por aqui, puxando seus pelos e arrastando-a de lá para cá.
Pouco mais de quinze minutos depois, estávamos em frente à casa do Sr. Persen. Alexander abriu
a porta e nós entramos.
Sr. Persen veio até nós secando as mãos em um pano de prato. Alex beijou o topo da sua cabeça e
ele abriu os braços para mim.
― Laura minha querida, que bom que você veio! ― Ele disse me abraçando.
Eu achava bom ter vindo também. Não podia dizer que não queria vê-lo. Eu sentia falta do Sr.
Persen. Tinha esperanças que em algum momento conseguíssemos recuperar o tempo que minha havia
nos roubado. Era triste, mas era algo que eu não poderia forçar. Eu precisava me apaixonar pelo Sr.
Persen como pai. Precisava deixar que as pequenas mágoas que existiam ali, presas no meu íntimo
fossem deixadas para trás.
― Estou feliz em estar aqui, Sr. Persen. Fiquei preocupada com senhor com aquela chuva
horrorosa que caiu ― eu disse caminhando ainda abraçada a ele, seguindo de volta para a cozinha.
― As coisas ficaram bem feias por aqui ― ele me disse puxando uma cadeira para que eu me
sentasse. ― Pensei que água invadiria a casa, mas por sorte, ela parou ali ― ele disse indicando a
porta da cozinha semiaberta.
Encarei o pequeno quintal do Sr. Persen, analisando os estragos. Havia ainda um pouco de lama e
as ondas do canal vinham e voltavam como se o quintal fosse uma espécie de praia. Não oferecia
perigo se não tivéssemos outra chuva como aquela.
― Só fiquei tranquilo com você por que sei que o Begijnhof é bem alto. Se aqui a água não
entrou, lá você estaria tranquila e protegida.
Sorri. Não era sempre as pessoas se preocupavam comigo assim e isso ainda me fazia sentir
estranha. Era como se algo se aquecesse dentro de mim.
― Obrigada por se preocupar ― eu disse ainda sorrindo.
Comemos nosso jantar falando sobre Louise e o quanto queríamos que ela pudesse logo sair do
hospital.
Eu me sentia um pouco culpada por ter deixado a conversa com Alissa de fora mais uma vez, mas
cada vez mais eu tinha certeza de que não era uma boa coisa entrar nesse assunto. Eu nem sabia como
dizer a Alexander que Alissa havia chamado Louise de “Erro do Destino”. Eu sentia os pelos dos
meus braços arrepiados apenas de pensar nessa frase.
O jantar terminou com uma fatia de torta de maçã com sorvete de creme por cima. Havia tempos
que eu não comia uma comida tão boa! Meu pai era mesmo um excelente cozinho e eu me peguei
rindo dos meus próprios pensamentos.
Sentamos no sofá da sala, Alexander e eu e o Sr. Persen sentou-se em sua poltrona. Ele gostava de
assistir um programa de auditório de um canal inglês e eu havia aprendido a gostar do tal programa
também.
Quando comecei a cochilar no sofá, Alexander me acordou.
― Hey, acho que você deveria ir para a cama irmãzinha ― ele disse alisando meu cabelo com os
dedos. ― Já está mesmo tarde, amanhã te levo para sua casa.
Respirei fundo e cocei os olhos com as costas das mãos.
― Não posso Alex ― eu disse bocejando, ― amanhã tenho uma reunião com um figurão e não
posso me atrasar. Se dormir aqui, acabarei chegando tarde ao escritório.
― Figurão? ― ele disse rindo. ― O nome dele por acaso não é Galagher não, certo?
Eu sorri, mesmo sem querer porque Adrian ainda era uma lembrança dolorosa na maior parte dos
dias.
― Hart, na verdade ― eu disse me levantando.
O rosto de Alexander mudou em uma fração de segundos. Seus olhos assumindo um ar preocupado
e ao mesmo tempo curioso. Eu sabia que existia algo entre Jens e Adrian, sabia também que o que
quer que fosse Alexander provavelmente estava a par de tudo, mas vê-lo preocupado aguçou minha
curiosidade.
― Sim ― respondi de imediato. ― Jens Van Hart. Ele contratou os serviços do escritório.
Alexander curvou a boca em um formato estranho e coçou a barba. Era quase um tique nervoso,
me dizendo que a coisa era mais séria do que eu pensava.
― Não acho uma boa você e Hart próximos, Laura ― ele disse apenas.
― E por que não? ― insisti.
Alexander fungou um pouco. Respirou fundo. Alisou os cabelos com as mãos.
― Porque Jens não é exatamente o que ele demonstra ser. Ele não é um homem confiável, Laura.
Eu não queria insistir demais em um assunto complicado com o Sr. Persen ali. Decidi que por
hora, era melhor deixar as coisas como estavam. Alex provavelmente me contaria o que eu precisaria
saber para me proteger do tal Jens Van Hart. Engoli minha curiosidade e me despedi do Sr. Persen.
― Até a próxima, Sr. Persen ― eu disse abraçando-o. ― Prometo que da próxima vez farei algo
para o senhor em minha casa! Não é justo que todas às vezes o senhor cozinhe para nós!
Sr. Persen sorriu, capturando minhas mãos entre as dele.
― Nada me dá mais prazer do que cuidar dos meus filhos, querida. Não se preocupe.
Não resisti e o abracei novamente, demorando-me mais dessa vez. Eram sentimentos confusos,
mas estar com ele sempre me fazia sentir mais protegida e amada. Ele funcionava como um porto
seguro, algo parecido com o que vovó era para mim.
Entramos no carro, Alex e eu, ainda em silêncio. Eu sabia que ele iria tentar fugir do assunto o
máximo que pudesse e estava tão cansada que acabei cochilando mais um pouco até chegar ao
Begijnhof.
Alexander parou o carro próximo ao portão que dava acesso ao jardim. Desligou a chave do
motor e não disse nada. Suspirou.
― Vai me dizer que problema tão terrível é esse que existe com Jens Van Hart? ― perguntei
inquisitória, ― ou vamos apenas fingir que eu não tenho uma reunião com ele em algumas horas?
Porque eu preciso mesmo ir Alex. Eu não posso simplesmente abandonar o trabalho sem ter uma boa
razão para isso.
Eu não podia simplesmente acreditar no que Alexander nem havia me contado. Por mais que ele
fosse um cara incrível e fosse meu irmão, eu precisava das minhas próprias razões para decidir se
alguém merecia ou não uma segunda chance. Além disso, fosse o que fosse eu não podia deixar de
pensar que a visão de Alexander era tendenciosa. Sendo amigo de Adrian, ele certamente tomaria
partido a favor dele, de qualquer maneira.
― É uma longa história ― Alexander me disse devagar. ― Não é que eu não queira contar, eu só
acho que é uma coisa que não cabe a mim. Acho que você deveria conversar com Adrian sobre isso.
Eu não me sinto bem em trazer à tona coisas que só dizem respeito a ele.
Wow era mesmo sério!
Se Alex nem queria me contar, era algo realmente sério, porque ele sempre me contava as coisas.
Ele havia inclusive me contado que Collin não era filho biológico de Adrian.
Ah meu Deus! ― Minha mente fez a ligação meio sem querer.
― De minha parte posso te dizer que Jens é um homem ardiloso e arrogante que, em geral,
consegue tudo e todos que quer.
― Para mim você está descrevendo Adrian Van Galagher ― brinquei, ― não vejo diferença.
Alexander sorriu. Seus dedos correram pelo meu rosto devagar. Não era um sorriso de humor, era
um sorriso preocupado.
― Só me prometa que terá cuidado ― ele pediu, ― e eu prometo que vou conversar com você
sobre esse assunto o mais rápido possível. Precisamos de mais do que alguns minutos dentro de um
carro para colocar tudo em seu devido lugar e você está cansada. Precisa dormir e eu preciso
também.
Seus olhos claros assumiram um tom mais doce, mais animado.
― Quero estar com a minha gatinha amanhã, quando ela for para o berçário.
Não pude deixar de sorrir. Eu amava o modo como ele se referia a Louise. Amava a doçura que
havia em sua voz todas as vezes que falava dela.
― Tenha uma linda noite, Srta. Soares ― ele desejou beijando minha testa, ― e cuide-se.
Beijei seu rosto e sorri.
― O mesmo para o senhor, Sr. Persen. Cuide de Louise por mim que assim que minha reunião
terminar eu passo por lá para finalmente conhecê-la.
Ouvi o carro arrancar, assim que fechei o portão do Begijnhof. Caminhei pelo jardim até o acesso
à minha casa com a mente fervilhando.
Eu não sabia quem era o pai de Collin. Nunca havia me interessado por essa história porque para
mim, o pai de Collin era Adrian e pronto.
Será que eu estava viajando demais em uma história improvável? Será que tinha razão? Se eu
tinha razão, porque Adrian não havia dito nada quando Jens apareceu em nossa festa de noivado?
E por que diabos ele iria convidar o homem que o traiu para o noivado?
Era tantas perguntas que eu sentia minha cabeça pesar.
Entrei, subindo a escada quase me arrastando. Tirei o jeans, a blusinha e escorreguei para dentro
da minha camisola. Deitei na cama ao lado de Mia.
Meus olhos estavam pesados e cansados e meu corpo reclamava pelo dia agitado, mas eu não
conseguia desligar minha mente. Tudo que eu conseguia pensar era que se todas as minhas suposições
eram verdadeiras, Patrícia tinha mesmo bom gosto para homens.
Adrian

Depois da conversa com John, apesar de tudo, eu me sentia mais leve. Estava sentado na cama,
pernas estendidas, usando apenas minhas calças de ginástica, apreciando um livro que John havia me
indicado, quando meu telefone tocou.
Encarei a tela reconhecendo o número.
― Alex ― eu disse em um misto de preocupação e satisfação por receber uma chamada dele
novamente.
― Tudo bem? ― ele me disse. ― Tem planos para a noite?
Alexander queria que fosse um convite despretensioso, mas eu conhecia bem demais sua voz para
saber que existia uma nota de preocupação escondida ali, em meio às palavras simples e gentis.
― Algum problema? ― perguntei por que não pude resistir.
Pude ouvi-lo respirar fundo, soltando o ar dos pulmões de uma vez. O que era um péssimo sinal.
― Não ― ele disse devagar. ― Acho que precisamos de uma dose de uísque. Duplo. No Jack’s.
― Te vejo em alguns minutos ― respondi encerrando a ligação e já pulando da cama.
Vesti jeans, uma camisa de botões e estava calçando os sapatos quando John entrou em meu
quarto.
― Vai sair Sr. Galagher? ― ele perguntou entrando no banheiro e espalhando um pouco do meu
gel em seus cabelos.
― Alex ligou ― respondi, ― disse que precisamos de uma dose de uísque no Jack’s.
― Hum ― John respondeu. ― Problemas à vista.
― Ainda não sei bem do que se trata, mas o fato de ter dito “precisamos” e não “preciso” me
preocupa um pouco ― confessei ajeitando meus cabelos com as mãos.
John pegou um vidro de perfume e borrifou em sua camisa. Foi nesse momento que eu percebi que
estava arrumado demais para quem iria ficar em casa.
― Não acha que deveria usar o seu próprio perfume? ― brinquei. ― Tenho certeza de que você
tem mais vidros do que eu.
John sorriu, mostrando aquele par de covinhas que me fazia sentir velho demais para começar
tudo de novo com um bebê.
― Estou querendo impressionar uma garota pai ― ele disse conferindo o visual no meu espelho.
― Tem dado certo para você, vai acabar dando certo para mim.
Sorri meio sem querer. ― Eu nunca conseguia bancar o pai sério com ele.
― Só não volte tarde filho ― pedi. ― Roterdã anda mais violenta a cada dia. Não gosto de saber
que você estará na rua até tarde. Além disso, pelo que me consta, suas aulas começam bem cedo
amanhã.
Ele bateu continência de um jeito todo desajeitado e caminhou até a porta.
― Sim senhor, senhor!
― John! ― reprimi.
― Ok pai, anotado ― ele disse escorado contra o batente da porta. ― Não se preocupe, não vou
sair do condomínio. A velha Sra. Drasden está recebendo a neta que mora na França e você sabe pai,
nada como as francesas.
Comecei a rir porque não pude deixar de fazer.
― Eu nem sei o que te falar John. Sério! Juro que não sei o que te falar.
Ele voltou e beijou meu rosto, quebrando qualquer reserva que eu pudesse ter.
― Só diga que me deseja boa sorte. E não se preocupe que volto cedo, antes do final do seu
uísque com o tio Alex.
― Ok, combinado ― respondi pegando minha jaqueta e a chave do carro.
― E pai? ― ele chamou já fora do quarto.
― Sim? ― respondi.
― Isso aí! Você está fazendo a coisa certa.
Sorri e ele se foi, pulando os degraus da escada de dois em dois.
Entrei no carro e acelerei em direção ao Jack’s. Minha mente girava ao redor de tudo que poderia
significar a preocupação de Alexander e eu não via hora de encontrá-lo.
Em pouco mais de quinze minutos depois, eu estava parado em frente à porta, esperando que o
garçom me levasse até nossa mesa habitual.
Alexander chegou poucos minutos depois.
― Olá! ― ele disse estendendo a mão para mim. ― Desculpe ter ligado assim, eu não queria
atrapalhar, mas ― eu o interrompi.
― Alex, para! Você sabe que não interrompe. Se eu tivesse algo que não pudesse deixar de fazer,
teria dito.
Alexander sorriu. Eu gostava de como as coisas estavam se encaminhando. Gostava de ver nossa
amizade mais perto do que era antes.
O garçom se aproximou com nossa garrafa de uísque e dois copos vazios. Os deixou na mesa e
saiu.
― Agora vamos! ― Eu disse servindo a bebida nos copos e empurrando um para Alexander ―
desembucha Persen.
Alexander respirou profundamente e depois soltou o ar devagar. Demorou a responder, dando
goles esparsos na sua bebida.
― Jens procurou Laura ― ele disse por fim.
Senti como se tudo ao meu redor perdesse o foco. Pisquei algumas vezes, tentando firmar a visão
em algum ponto. ―Eu simplesmente não podia crer que ele havia procurado por Laura! Que
diabos aquele bastardo de merda pensava quando resolveu se colocar em meu caminho mais uma
vez?
Ele havia feito isso uma vez. Havia se colocado em meu caminho uma vez. Ele havia trabalhado
muito bem para tomar o que era meu uma vez. Uma vez. Eu não permitiria que ele fizesse isso
novamente.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Alexander continuou.
― Ele contratou o escritório em que Laura trabalha. Foi espero. Não se colocou em evidência em
relação a você.
― Ela sabe quem ele é? ― perguntei. ― Você contou algo a ela?
Alexander deu mais um gole na bebida e serviu nossos copos novamente.
― Não disse nada. Disse apenas o que eu penso sobre Jens ― explicou. ― Disse a ela que ela
deveria conversar com você sobre isso. E Adrian? ― ele perguntou fazendo-me encará-lo ― acho
que você deveria mesmo conversar com ela sobre isso. Sei que você não toca nesse assunto. Sei o
quanto deve ser difícil para você, mas acho mesmo que ela precisa ouvir de você.
Foi minha vez de respirar fundo. Ele tinha razão, era o que eu precisava fazer. Eu precisava
mesmo conversar com ela. Havia tanta coisa para conversarmos. Havia tanto a dizer. O que eu não
queria era que nossa primeira conversa de fato fosse sobre Jens Van Hart.
Meus olhos estavam perdidos no líquido âmbar dentro do copo, mas minha mente estava perdida
em lembranças que eu não queria mais ter. Coisas que eu queria ter apagado da minha mente muito
tempo atrás. Lembranças de um tempo que eu queria esquecer.
― Vou propor a ela uma conversa ― eu disse depois de pensar por algo que pareceu tempo
demais, ― só não sei se ela vai aceitar.
― Ela vai ― Alexander me disse seguro. ― Ela quer saber os segredos que envolvem Jens. Nós
dois sabemos o quanto ele pode ser persuasivo. Imagino que ele já tenha iniciado esse processo na
mente dela.
Cerrei minhas mãos em punho, sentindo meu sangue ferver. ― Eu não iria permitir que
homem algum se aproximasse dela. E se eu não iria permitir isso, com Jens era questão de honra. Eu
o manteria o mais afastado que pudesse dela. Não importa o que tivesse que fazer, eu faria.
― Acho que você deve procurá-la logo ― Alexander continuou, ― ela tem uma reunião Hart
amanhã pela manhã.
― E você não a impediu? ― questionei mais autoritário do que gostaria.
Respirei fundo, controlando minha raiva. Corri as mãos pelos cabelos curtos e então continuei um
pouco mais controlado.
― Você não a impediu? Não disse a ela que não deveria?
Alexander não pareceu se magoar com meu tom. Ele pareceu ignorar como sempre fazia. Bebeu
mais um gole de uísque e acendeu um cigarro. Deu uma tragada profunda e segurou a fumaça na boca
por alguns instantes, soltando tudo de uma vez.
― O que queria que eu fizesse? Amarrasse Laura ao pé da mesa ou coisa assim? Até parece que
você não à conhece! ― Ele disse parecendo se divertir com a menção ao nome dela.
― Eu teria feito isso! ― Respondi acendendo um dos cigarros do maço dele e tragando devagar.
― Por isso a garota ainda fala comigo e não com você! ― Alexander brincou. ― Acho que você
deveria aprender mais comigo ― ele continuou brincando. ― Eu sempre termino levando suas
garotas para jantar enquanto você fica em casa sozinho.
Sorri, soltando a fumaça em uma nuvem estranha em volta de mim. Era mesmo verdade. Havia
uma empatia única entre Alexander e Patrícia. Ele sempre conseguia que ela se abrisse mais com ele
do que comigo. Ela era o cara que estava por perto quando eu era burro e impulsivo demais. E com
Laura não era diferente. Eu sabia que os dois eram irmãos, mas podia apostar que a afinidade
existiria mesmo que não fossem.
― Acho que vou emprestar um pouco do seu perfume ― brinquei lembrando as palavras de John.
Alexander sorriu.
Continuamos nossa bebida por um tempo, antes que eu conseguisse entrar no assunto Margarida
ele. Alexander me ajudou, perguntando por ela por vontade própria.
― E Margarida? ― ele perguntou depois de alguns goles. ― Problemas à vista?
― Margarida tem três meses de vida ― eu disse de uma vez porque não existiam jogos entre
Alexander e eu.
― Wow ― ele respondeu espantado. ― Acho que essa era a última das hipóteses.
― Pois é, ando lidando com as últimas hipóteses ultimamente. Eu não me espantaria se
encontrasse um unicórnio ou coisa do tipo me esperando no portão de casa.
― É meu amigo ― Alexander disse se espreguiçando na cadeira, ― lá vamos nós novamente.
Sorri. E sorri por muitos motivos. Embora eu tivesse muitas razões para estar triste, também tinha
muitas razões para estar pelo menos esperançoso. Ouvir Alexander me chamar de amigo era
confortador. Ouvi-lo dizer “lá vamos nós novamente”, insinuava de um jeito discreto que ele estaria
ao meu lado em mais essa batalha.
Nós nos despedimos quando secamos a garrafa e eu dirigi direto para casa. Havia tantas coisas
que eu precisaria fazer no dia seguinte.
Subi a escada o mais silencioso que pude. Passei pelo quarto de Collin e o beijei, ajeitando os
cobertores sobre seu pijama roxo do Barney. Desliguei o abajur de Hanna, fechei o grande e pesado
livro das princesas que estava sobre seu peito. Alisei seus cabelinhos com os dedos e a cobri com
cuidado.
Caminhei até o quarto de John, esperando não encontrá-lo lá, meu filho não era muito europeu
quando se tratava de horários, mas acabei encontrando-o na cama. Deitado de bruços, sem camisa,
sobre os cobertores. A janela estava aberta e eu podia ver sua pele arrepiada de frio. Fechei a janela
e puxei as cortinas. Observei seu rosto relaxado. Olhos fechados, cílios longos e escuros como os de
Patrícia tocando a pele clara do rosto. Ele parecia tão jovem dormindo. Parecia tão menino.
Abri o armário e peguei uma manta de lã. Joguei sobre suas costas descobertas e senti quando ele
relaxou mais.
Saí do quarto com cuidado, eu não queria acordá-lo porque não queria falar sobre Jens com ele e
se ele visse minha preocupação, provavelmente perguntaria e eu acabaria contando.
Entrei em meu quarto, tirei a roupa e me deitei de cueca boxer na cama. Puxei os cobertores, mas
não consegui dormir de imediato. Eu tinha tanto a fazer e o início não era algo fácil de lidar. Eu teria
que conversar com Laura. Teria que insistir para que ela me ouvisse, mas essa não era a parte difícil.
A parte realmente difícil seria confessar á ela meu maior pesadelo.
Respirei fundo. Eu precisava matar logo esse fantasma. Não poderia deixar que ele levasse minha
vida mais uma vez pelo mesmo caminho.
Capítulo 9

Laura

Acordei com a cabeça ainda latejando pelas poucas ― e péssimas ― horas de sono, graças à
conversa com Alexander.
Eu não podia simplesmente não ir à reunião com Jens Van Hart, então, levantei, tomei uma ducha e
me vesti.
Agradeci pelo dia ter amanhecido suficientemente frio para que eu cobrisse meu vestido com um
casado comprido e grosso, o que disfarçaria qualquer forma arredondada que Jens pudesse perceber
em mim. Calcei meus sapatos de saltos altos e desci.
Preparei uma tigela de cereais e derramei leite por cima, aproveitando para preencher o potinho
de Mia também. Rápido segui para o portão. Assim que parei próxima à calçada, vi um táxi se
aproximar e o chamei.
Cheguei ao escritório com pouco mais de dez minutos antes do horário que havia combinado com
Jens, mesmo assim, havia um carro elegante parado em frente a nossa fachada, coisa que não era
muito comum na Andersen Advogados Associados.
Antes que eu pudesse entrar, um homem de terno me abordou.
― Srta. Soares? ― ele perguntou.
― Sim? ― respondi sem entender.
― O Sr. Hart já a aguarda no carro ― ele continuou indicando o carro escuro no meio fio. ― Sou
Ivan.
― Ok! ― respondi, ― é um prazer Ivan.
Ivan abriu a porta para mim e eu encontrei Jens lá dentro. Terno escuro. Camisa em um tom de
azul que fazia com que seus olhos pálidos parecerem ainda mais azuis, cabelo bem penteado e barba
feita. Ele usava um daqueles perfumes suaves que demonstram toda a elegância da pessoa sem
ficarem impregnados na roupa da gente como fumaça de cigarro.
― Bom dia Laura ― ele me disse com um sorriso torto pairando nos lábios. ― Pensei em
tomarmos um café da manhã decente. O que me diz?
Eu poderia dizer que não. Poderia dizer que nossos assuntos eram estritamente profissionais e que
eu não comia em serviço, mas seria altamente deselegante com alguém que só havia sido gentil
comigo. Além disso, eu não sabia o que avia acontecido entre Jens e Adrian, mas podia apostar que
fosse o que fosse Adrian não era completamente inocente.
― Claro! ― eu disse depois de pensar por um curto espaço de tempo.
Paramos no Waldorf e eu quase sorri. ― Aquele era o lugar em que eu havia conhecido
Alexander!
― Gosta daqui? ― Jens me perguntou enquanto Ivan descia do carro.
― Sim! ― respondi. ― É um ótimo restaurante.
― Que bom, quero que tenha um dia agradável ao meu lado.
― Jens ― comecei sem saber como continuar, mas ele me interrompeu curvando os lábios em um
sorriso de canto arrebatador.
― Para quando é o bebê? ― Jens me perguntou oferecendo a mão para que eu descesse.
Engoli em seco sem saber o que falar. Eu poderia jurar que ele não havia percebido.
Idiota! Idiota! Idiota! ― É claro que ele iria perceber! Ele havia me conhecido antes, sabia como
eu era. Não era uma tarefa fácil esconder uma barriga de quase quatro meses.
― Jens eu ― tentei começar novamente, mas estava atrapalhada com minhas próprias palavras,
completamente presa por Jens Van Hart.
Jens continuou a sorrir enquanto caminhávamos para dentro do restaurante.
― Eu não quis esconder isso de você, acredite ― eu disse praticamente sem tomar fôlego. ― Eu
só não sabia como entrar nesse assunto.
― Não se preocupe Laura, você não deve nenhum tipo de explicações a mim. Eu apenas quis
deixar claro a você que não estou tentando te cantar ou algo assim. Eu sei que está esperando um
bebê. Imagino que a última coisa que você quer agora é um cliente tarado ou coisa assim.
Acabei sorrindo porque não podia deixar de fazê-lo. ― Apesar de tudo, Jens tinha razão. Eu não
queria mesmo lidar com cantadas dele ou de qualquer outro homem. Eu nem tinha cabeça para pensar
em coisas assim, era tudo recente demais, complicado demais.
― Só quero tornar nossa convivência o mais agradável possível, Laura, acredite. Eu tenho meus
próprios problemas emocionais e não estou procurando por mais.
― Desculpe mais uma vez ― eu disse quando já estávamos sentados. ― Eu sou mesmo uma
garota boba e deslumbrada. Nem parei para pensar em seu ponto de vista. Desculpe Jens. Eu não
costumo achar que o mundo gira em torno de mim.
Jens cobriu minha mão com a sua em um gesto que eu não esperava. Não era desconfortável ou
invasivo, mas era um pouco surpreendente.
― Não pense que eu não gastaria todas as minhas fichas em você Laura ― ele disse com aquele
olhar profundamente sexy que fazia meu coração dar um salto sem que eu quisesse. ― Eu só não
quero que as coisas sigam por esse caminho. Eu vejo nos seus olhos o quanto Adrian é uma presença
forte na sua vida.
Eu não podia negar. O homem era mesmo bom em ler pessoas. Eu também não podia
simplesmente impor uma barreira ali, porque Jens não estava avançando em um caminho perigoso.
Ele dava passos calculados para mais e mais perto de mim e eu só podia vê-lo caminhar.
Ele abriu o cardápio e antes que eu pudesse escolher algo tomou a frente.
― A senhorita e eu desejamos o desjejum completo. Traga frutas da estação também ― ele
afirmou com a mão ainda sobre a minha. ― Laura precisa se alimentar bem.
O garçom se foi e Jens e eu ficamos ali. Eu não sabia mais o que dizer porque sentia que se
abrisse a boca, toda a minha vida acabaria despejada sobre os sapatos lustrados dele.
― Agora vamos falar de negócios ― ele disse ajeitando-se na cadeira, ― se não se importa, é
claro.
Eu não me importava. Eu agradecia na verdade. Falar de negócios pouparia muitos assuntos
inconvenientes em uma só manhã.
― Acho ótimo Jens.
O café chegou um pouco depois que iniciamos os assuntos profissionais. Jens fez uma pausa e
esperou que eu me servisse. Depois, encheu uma xícara com café, pegou um pãozinho folhado e o
recheou com uma fatia de queijo branco e geléia de damasco.
Ele era elegante até para morder o maldito pão com queijo e geleia e eu me sentia como um bebê
girafa recém-nascido. Poucas pessoas haviam nascido com a classe de Jens Van Hart e eu
definitivamente, não era uma dessas pessoas.
― Quero que experimente essa torta de mirtilos ― ele disse cortando uma fatia da torta e
oferecendo a mim em um pratinho. ― É a melhor que já comi. E acredite, eu já comi uma variedade
boa de tortas.
Eu podia apostar que sim. Não ficaria nem um pouco espantada se ele me dissesse que costumava
tomar café da manhã no palácio da rainha.
― Eu cresci cercado de luxo, Laura ― ele começou e eu esperei que me desse à chance de entrar
no assunto que realmente importava. ― Acredite, não é uma vida fácil, mas eu não posso reclamar
das oportunidades que tive.
― Tenho certeza de que as dificuldades o transformaram mais no homem que você é, do que o
luxo ― confessei. ― Aprendemos muito com as dificuldades.
Jens sorriu, mostrando uma fileira de dentes perfeitamente brancos.
― É um sábio pensamento, vindo de uma garota tão jovem ― ele respondeu dando um gole em
seu café.
Jens tinha um sorriso adorável, mas ele nunca chegava até os seus olhos. Seus olhos estavam
sempre entristecidos, como se algo ali não pudesse ser restabelecido.
― Diga-me Laura, você já teve muitas dificuldades para superar?
Engoli meu chá e meu pedaço de torta de mirtilos sem querer realmente responder. Respirei
fundo.
― Acho que tive o suficiente.
― Você é uma garota muito inteligente, Laura. Admiro isso. Eu encontrei uma garota assim uma
vez, mas ela escapou por entre os meus dedos ― ele disse isso com os olhos perdidos em algum
ponto na parede que não existia para mim.
― Sinto muito ― confessei.
Jens deixou os lábios se curvarem em um sorriso discreto.
― Tudo bem. Já faz um tempo. Na verdade, faz muito tempo. Ela nunca foi realmente minha.
Oh Deus do céu! Eu estava bem perto de onde queria chegar, então porque não me sentia feliz
com as revelações? Por que eu queria consolá-lo?
― Nem tudo na vida acaba como esperamos ― eu disse mais para mim mesma do que para ele.
― Às vezes tudo que nos resta é aceitar.
― Mais um conselho sábio! ― Jens disse alargando o sorriso. ― Se continuarmos assim acabarei
contratando você como minha psicóloga.
― Desculpe me intrometer na sua vida Jens. Às vezes tenho problemas em saber quando parar.
― Então não pare ― ele me disse com os olhos cravados nos meus.
Engoli o último pedaço da torta sentindo minha garganta arder. Tudo parecia ser interpretado de
duas maneiras. Jens era um homem ardiloso, do tipo que pensamos não oferecer perigo e, portanto,
não nos protegemos. Eu tinha a sensação de que ele era do tipo que faz um estrago sem nem mesmo
ser notado.
Saímos do restaurante e seguimos direto para o porto. Caminhamos entre as velhas estruturas de
fábricas que havia em uma parte especifica. Era um lugar excelente, se não tivesse parado na década
passada. Era quase como voltar no tempo, com galpões cheios de carcaças de velhos barcos e
instrumentos de pesca.
― Vê por que quero comprar isso tudo? ― ele disse depois de vistoriarmos mais de cinco
galpões. ― Eu sou um velho homem do mar, Laura. Não admito ver uma parte da cultura do meu país
esquecida como sucata. Quero fazer algo por isso tudo aqui. Modernizar, remodelar. Ainda não sei o
que pretendo fazer, já que as pesqueiras estão em estado de falência.
Ele não me parecia em nada com o “Leão de Roterdã” que Adrian era. Adrian era com um rolo
compressor passando por cima do que quer que fosse que precisasse ser transposto. Jens me parecia
o tipo que ganha na conversa, no jeito, na educação. Eu gostava da ideia de ver aquela parte tão
bonita do porto ser revitalizada. Não entendia muito de negócios, mas podia apostar que o Sr. Hart
tinha um pequeno esquadrão ao seu dispor.
― Tenho certeza de que não teremos problemas em comprar as empresas Jens. Não me parecem
ter mesmo outra opção. Além disso, o estado do lugar não sugere muito apego por parte dos
proprietários.
― Ótimo! Vou mandar a você todo o tipo de documentação que consegui a respeito dessas
pesqueiras, para que possa me ajudar a formular uma proposta interessante e justa.
Eu não fazia ideia de como agir nesse caso. Nunca havia feito proposta alguma a ninguém. Eu nem
sabia como calculava o valor de venda de uma empresa, quanto mais de sete!
Merda! ― Xinguei em pensamento. ― Se pelo menos Alexander não estivesse tão revoltado, eu
poderia pedir sua ajuda.
Jens parou o carro em frente ao escritório pouco depois da onze da manhã. Ivan estava separado
de nós dois por um daqueles vidros escuros que protegem os passageiros das limusines.
― Foi um prazer Jens ― eu disse me despedindo. ― Obrigada pelo café. Estava mesmo uma
delícia.
― Laura ― ele começou com um tom suave, profundo, íntimo, ― sei que você ouvirá muito a
meu respeito — assenti suavemente, dando-lhe minha atenção. ― Acredite, eu não sou um grande
colecionador de admiradores ― brincou. ― Só não se esqueça do princípio da presunção de
inocência ― ele concluiu.
― Pensei que não fosse advogado Jens ― cutuquei.
― Não significa que eu não goste do assunto ― ele respondeu sorrindo. ― Lembre-se todos são
inocentes, até que se prove o contrário ― fez uma pausa e então continuou com aqueles mesmos
olhos que pareciam ter algo de terrivelmente tristes no fundo deles, ― toda história tem dois lados,
Laura. Toda história tem dois lados.
Desci do carro e segui em direção ao escritório. Minha cabeça ainda fervilhava por tudo que eu
queria descobrir.
Eu não podia deixar de pensar que Jens tinha razão. Era mesmo isso! ― Toda história tinha dois
lados, tudo que eu precisava era saber em que lado confiar.
Antes que eu pisasse dentro da minha sala, meu telefone vibrou no bolso do casaco, arrancando-
me dos meus pensamentos. Encarei a tela nervosa, sem conseguir sorrir. O outro lado da história
estava ali, me chamando.

Adrian

Já era quase hora do almoço, quando consegui tomar coragem e ligar para Laura. Eu havia
passado a manhã toda pensando em como começar essa maldita conversa sobre Jens Van Hart, mas
no final de tudo, só o que eu podia fazer era ser sincero e esperar que ela me desse uma chance de
explicar.
― Adrian ― ela disse assim que atendeu.
― Bom dia Laura ― respondi tentando controlar o nervosismo em minha voz. Eu precisava
parecer calmo e centrado. Era o que eu faria.
― Bom dia ― ela respondeu de volta.
Sua voz despertava tantos sentimentos em mim. Eu podia me lembrar de cada bom-dia que havia
recebido próximo ao ouvido, com ela deitada ao meu lado. Seu corpo pequeno espalhado em minha
cama, ao meu alcance.
― Gostaria de saber se você aceita jantar comigo ― eu disse sem rodeios e esperei.
― Adrian ― ela começou e eu já podia saber onde pretendia terminar, ― não acho que isso seria
algo bom.
― Laura ― insisti, ― sei que não quer falar comigo sobre nós ou sobre nosso bebê. Prometo que
deixaremos qualquer assunto que não esteja preparada para tratar para outro momento. Eu tenho
coisas importantes que preciso conversar com você.
Eu queria que ela entendesse que era importante. Que era realmente importante e que
precisávamos mesmo ter uma conversa. Eu ainda tinha esperanças de que pessoalmente, ela mudasse
de ideia e acabasse me permitindo falar sobre nós e nosso bebê, mas não a assustaria logo de início.
Ela precisava de tempo e eu não tinha pressa.
― Alex falou com você ― ela disse simplesmente porque nós dois sabíamos a que assunto isso
se referia.
― Falou sim. E ele tem razão. Eu preciso mesmo conversar com você sobre algumas coisas do
passado.
― Hum ― ela disse grunhiu nervosa e eu tive certeza de que mordia o lábio. ― Acho que tudo
bem. Eu encontro você onde?
― Eu a pego em sua casa as oito ― eu disse taxativo sem deixar aberto para discussões.
Eu podia ouvir a respiração de Laura contra o telefone. Podia sentir sua hesitação e podia
imaginar como sua cabeça fervia, mas no fim, eu sabia que pelo menos pela curiosidade, eu acabaria
vencendo.
― Tudo bem ― ela disse depois de um tempo que pareceu longo demais.
Desliguei o telefone ansioso. Eu me sentia como um garoto se preparando para o primeiro
encontro.
Havia tantas coisas que eu esperava dessa conversa, tantas reações. E ao mesmo tempo eu tinha
medo. Tinha medo de que Laura não compreendesse. Quando soubesse a verdade sobre Jens, Patrícia
e eu, ela poderia pender para o lado dele. Ou de Patrícia. Eu nunca havia dito a ela que era um santo,
ou que não tive minha parcela de culpa, mas eu nunca tinha realmente dito como as coisas
aconteceram.
Stein entrou em minha sala alguns segundos depois.
― Bom dia Sr. Galagher ― ela me disse gentil.
Virei minha cadeira devagar, deixando o porto e voltando meu olhar para a mulher a minha frente.
Joanne Stein era tudo que eu não era. Ela era calma e constante. Era segura e doce. Ela
provavelmente saberia como abrir o coração a Laura sem parecer um carrasco.
― Tudo bem? ― ela me disse meio sem jeito e só então eu percebi que não havia respondido o
cumprimento.
Sorri de canto. Um sorriso rápido, um pedido de desculpas involuntário.
― Desculpe. Eu estava um pouco perdido em pensamentos ― confessei. ― Bom dia. — Stein
sorriu de volta um pouco mais relaxada ― e estou bem Stein. Obrigado.
Ela chegou mais perto, e colocou uma pasta de documentos sobre a minha mesa. Permaneceu me
encarando por alguns segundos, até que pedi que sentasse. Ainda era estranho para eu trabalhar com
uma mulher. Fomos sempre Alex e eu. Era fácil e sabia muito bem como lidar com ele. Com ela as
coisas eram mais complicadas, mais formais.
Joanne falava e falava explicando tudo que havia feito para me deixar mais perto de uma grande
oferta por uma companhia norueguesa de pesca, mas meus pensamentos ainda estavam longe. Eles
estavam em tudo que eu teria que dizer a Laura. Em todas as feridas que abririam com isso, em tudo
que eu precisaria me lembrar.
― Adrian? ― ela chamou de repente.
Eu havia dito a ela que poderia me chamar assim quando estivéssemos apenas nós dois. Eu não
me importava. Stein era respeitosa comigo e com ela mesma, eu não me importava que me visse
como amigo.
Ergui os olhos e encarei os olhos azuis pálidos dela. Havia algo em Stein que me fazia lembrar
Patrícia.
― Sei que trabalhamos juntos ― ela começou, ― sei que sou sua funcionária, mas quero que
saiba que se precisar de algo...
Eu escutei em silêncio. Levantei e caminhei até o bar. Servi duas doses de uísque, uma em cada
copo e caminhei de volta até Stein. Coloquei os copos sobre a mesa e empurrei um em sua direção.
― Se quer mesmo ocupar o lugar de Alexander — eu disse sem sorrir, precisa aprender toda a
função.
Era uma brincadeira, mas eu continuei sério, esperando para ver qual seria sua reação. Joanne
sorriu, mas era um sorriso desafiador.
Ela pegou o copo e o ergueu.
― Estamos brindando a algo em especial? ― ela me perguntou.
― Às complicações do amor ― eu disse batendo meu copo no dela.
― E a tudo que deixamos de dizer às pessoas que amamos! ― Ela disse de volta.
Eu sabia que Joanne era viúva e que isso havia acontecido meio de surpresa, então imaginava o
que ela queria dizer com essa frase. Eu havia tido tempo suficiente para me despedir de Patrícia e
ainda assim, não tinha dito tudo que queria. Imaginava como Joanne se sentia.
Ela não disse mais nada, nem eu disse também, mas uma única frase dela havia me feito pensar
ainda mais em resolver de vez as coisas com Laura. Talvez tudo que ela precisava era que eu abrisse
meu coração. Talvez se eu a deixasse entrar realmente nos contornos mais escuros e profundos do
meu peito, ela entendesse o quanto eu queria mudar.
Quando o relógio marcou três da tarde, desisti de tentar trabalhar mais. Vesti meu paletó e fechei
a porta do escritório.
― Vou para casa um pouco mais cedo Karol ― eu disse. ― Se Joanne ou alguém ainda precisar
de mim, diga que estou no celular.
― Claro Sr. Galagher, não se preocupe ― ela respondeu com o mesmo sorriso acolhedor de
sempre.
Desci a escada até o estacionamento. Eu precisava de tempo com meus pensamentos. Precisava do
meu corpo em movimento. Precisava pensar.
Subi na moto e acelerei em direção a minha casa. Eu queria tomar um banho com calma, me vestir
e preparar para estar com ela. Era minha oportunidade, a única e a última que ela me daria. Eu não
podia falhar.
Enquanto seguia um passo mais perto me encontrar com Laura, cenas antigas passavam em minha
mente. Laura, Patrícia, mamãe, Lucian, um a um, todos que eu perdi ao longo do caminho. Joanne
tinha razão, sempre ficariam coisas a serem ditas, mas cabia a nós deixar o mínimo possível para
trás.
Pensei em John. Em como nossa relação havia mudado desde sua volta do Brasil. Meu amigo.
Meu grande amigo. Ele havia deixado de ser apenas meu filho e agora era meu confidente, isso foi
acontecendo aos poucos. Pensei em Hanna. Minha bonequinha estava crescendo. Será que Laura e
eu teríamos outra garotinha? Será que Hanna teria enfim com quem dividir as bonecas e os
sonhos? Provavelmente Laura descobriria isso nas próximas semanas. Será que ela me deixaria
estar com ela?
Eu estive presente em cada uma das ultrassonografias dos meus filhos. De todos eles. Eu havia
amado e acompanhado cada momento da vida deles, desde a barriga da mãe. Eu havia feito isso com
John, com Hanna e com Collin. Meu Collin. Não importava o que as pessoas pensassem ou
dissessem, Collin era meu.
Eu podia lembrar exatamente da primeira vez que vi Collin em um monitor preto e branco de
ultrassonografia. Ele não tinha o meu sangue, mas naquele momento, enquanto eu olhava o pequeno
contorno esbranquiçado no monitor, eu tive certeza de que Collin seria meu como John e Hanna eram.
Respirei fundo, pensando em como seria difícil revirar tudo mais uma vez. Em como seria difícil
admitir mais uma vez.
Quando trouxemos Collin para casa, Patrícia já não estava bem. Ela sabia, e eu sabia também que
não seria fácil, mas ele parecia compreender tudo tão bem. Ele nunca nos deu trabalho. Nunca chorou
sem razão. Ele apenas aproveitou o pouco que pode da mãe. Eu lembro que depois que Patrícia se
foi, eu pegava Collin e o ajeitava sobre meu peito nu, deixando seu corpinho sentir o meu calor, meu
amor, meu cuidado. Ele ficava ali, quietinho, paradinho, olhinhos abertos encarando os meus.
Aqueles lindos e profundos olhos verdes que não eram meus, mas que eu aprendi a amar como se
fossem.
Eu não sabia o que Jens pretendia, mas eu não estava disposto a perder mais ninguém.
Em um ponto do caminho, uma garoa fina começou a cair. Chovia muito na primavera, não era
uma novidade para mim.
A estrada estava escorregadia, mas eu sabia o que estava fazendo. Eu pilotava desde os dezesseis
anos. Eu amava aquilo. Sentir o vento em meu rosto, a velocidade me acalmava, me fazia sentir no
controle.
Eu deveria ter reduzido na primeira vez que derrapei. Deveria ter me cuidado. Eu deveria ter
lembrado que Adrian Van Galagher não tinha superpoderes, mas eu não fiz. Eu apenas segui meu
caminho, deixando os pensamentos me guiarem até Laura. Minha Laura, meu objetivo. Minha garota.
O caminhão que seguia a minha frente estava rápido demais para o seu tamanho. Era um grande
caminhão que transportava toras de madeira para algum lugar. Ele era pesado demais para frear com
rapidez, caso fosse necessário. Acelerei um pouco mais e tentei ultrapassá-lo. Era o mais sensato a
se fazer.
O que veio a seguir passou como um borrão. Eu não tive tempo de reação. Eu apenas observei o
carro vermelho passar por mim, fechando o caminho a frente do caminhão. Eu sabia que isso não era
uma coisa boa. Sabia que precisa sair dali. Eu sabia, mas não pude fazer nada. Tudo que fiz foi
fechar os olhos e pensar que tudo havia terminado.
Capítulo 10

Laura

Quando desliguei o telefone, meus pensamentos não se desligaram com ele. Sair com Adrian mais
uma vez, ainda que fosse para falar de Jens ou de qualquer coisa, ainda era sair com Adrian e cada
dia que passava era mais difícil fingir que isso não me afetava.
Parei um pouco antes de chegar ao escritório. Sentei em uma das mesas do lado de fora de uma
lanchonete, pedi um sanduíche de queijo e salame e um copo de suco de laranja. O celular vibrou em
cima da mesa antes da metade do meu almoço.
― Olá Laura, como vai? ― Margarida me disse do outro lado da linha.
― Estou bem Margarida ― respondi sorrindo. ― E você, como está?
― Estou bem, querida, mas gostaria de tomar aquele chá com você ― ela disse devagar, ― se
não estiver muito ocupada, é claro. Não quero ocupar seu dia com bobagens de uma velha.
Sorri mais contra o telefone. Margarida não era uma velha chata e inconveniente. Ela era astuta e
inteligente e se queria falar comigo, eu deveria ouvir.
― Estou livre hoje à tarde Margarida, o que acha?
― Acho perfeito ― ela respondeu. ― Seria muito abuso se eu lhe pedisse que viesse até a casa
de Adrian? Desculpe querida, mas não me sinto bem. Se não for muito abuso ― ela disse sem jeito.
Encarei o relógio em meu pulso ― era pouco mais de uma da tarde, eu tinha tempo até Adrian
voltar. Com sorte não nos encontraríamos antes do necessário.
― Tudo bem. Vou terminar meu sanduíche e nos vemos logo ― eu disse dando mais um gole em
meu suco de laranja.
Pouco mais de uma hora depois, eu estava descendo do táxi em frente à casa de Adrian. Assim
que cheguei ao portão, ele foi destrancado.
Caminhei para dentro me sentindo meio estranha. Era a primeira vez que eu chegava lá sem ter
sido realmente convidada. Eu me sentia meio intrusa, mas não podia negar o quanto me sentia bem
em estar ali também. Eu sentia falta das crianças, sentia falta de Adrian. Eu sentia falta do que um dia
cheguei a acreditar que pudesse ser minha família.
Logo que avistei a entrada, vi que Hanna brincava em um canto, perto da piscina, de costas para
mim.
Eu me aproximei o máximo que pude em silêncio, tomando cuidado para que ela não me visse.
Hanna parecia entretida demais organizando várias bonecas e bichos de pelúcia em volta de uma
mesa.
― Agora é à hora do chá, Ludwich ― ela dizia para o urso com chapéu de cowboy. ― Você
precisa se comportar, ou a princesa não vai querer se casar com você ― e emendou ― você nem tem
um terno de príncipe!
― Ah, mas eu acho que Ludwich está muito bonito com seu chapéu ― eu disse como se não fosse
nada demais. ― Acho que só lhe faltam as botas para combinar.
Hanna virou-se para mim com os olhinhos acesos de admiração, fazendo meu coração doer de
tanta saudade.
― Laura! ― Ela gritou derrubando o pobre urso no chão e se atirando sobre mim. ― Você veio!
Eu me abaixei e a apertei entre meus braços. Seu corpinho pequeno moldando-se ao meu. Beijei o
topo da sua cabecinha.
― É claro, meu amor! Eu não a deixaria.
― Ah Laura, eu senti tanto a sua falta ― ela confessou afastando-se um pouco para me encarar.
― E eu a sua querida, mas prometo que de agora em diante não vamos mais ficar sem nos ver!
Combinado? Vou conversar com o seu pai.
― Você vai voltar a morar com a gente? ― ela me perguntou com os olhinhos brilhando.
Respirei fundo porque não sabia o que dizer. Era complicado demais explicar tudo que havia
acontecido para uma garotinha tão pequena.
― Ah querida, isso é um pouco mais complicado quando somos adultos ― eu disse esquivando-
me o máximo que pude. — Prometo que vou tentar vir mais vezes para ver você! E você pode ir me
visitar em Amsterdã! O que acha?
Hanna sorriu e eu sabia que estava tudo bem para ela, que toda essa complicação dos adultos não
afetava minha pequena princesa. Ela era boa e pura e só queria ter certeza de que teria a minha
proximidade.
― Acho que sua avó está à minha espera ― eu disse depois de alguns minutos. ― Tudo bem se
eu for falar com ela e depois voltar para saber o resultado do encontro de Ludwich e a princesa?
― Pode deixar que eu lhe conto tudo! ― Hanna disse animada, ― e vou ver se consigo botas de
cowboy para ele!
Beijei sua testa e me levantei, caminhando em direção a casa. A porta estava aberta, como sempre
costumava ficar. Margarida não estava na sala. Caminhei até a cozinha.
― Martina? ― chamei, ― sabe onde posso encontrar Margarida?
Martina saiu da cozinha limpando as mãos no avental.
― Laura querida, que bom vê-la novamente ― ela disse sorridente. ― Margarida está sentada no
jardim dos fundos, perto do lago.
Havia certa tristeza nos olhos de Martina. Não uma tristeza ruim, mas um compadecimento triste.
Margarida era uma mulher forte e segura, não era justo que estivesse sofrendo como estava sem que
ninguém pudesse fazer nada para ajudá-la.
― Ela vai até lá quando está pensando na filha ― Martina emendou, ― era o lugar preferido de
Patrícia.
Respirei fundo e passei pelas portas de vidro que separavam a sala de jantar do jardim.
Margarida estava ao fundo, perto do lago, sentada em um banco feito de uma velha árvore. Caminhei
até ela.
― Margarida? ― chamei assim que estava bem próxima. ― Como está?
Margarida demorou um pouco para se virar, mas quando me aproximei mais ela estendeu a mão e
capturou a minha entre as suas.
― Eu estou bem, querida. E você? Como está esse bebezinho aí dentro? ― perguntou apontando
para minha barriga.
Sorri.
― Estamos bem, nós dois.
― Ou duas ― Margarida brincou. ― Se for uma garotinha Hanna ficará feliz. Você ainda não
sabe o sexo?
― Acho que no próximo exame poderemos saber ― respondi sentando ao lado dela no banco.
Margarida continuou fitando as águas à nossa frente. Permaneceu em silêncio por alguns minutos.
― Sabe Laura ― ela começou, ― eu quase não acompanhei Patrícia em suas gestações. Estava
preocupada demais em cuidar dos meus negócios, da minha vida. Eu poderia ter deixado tudo de
lado por algum tempo. Eu poderia ter deixado tudo de lado e sido uma mãe melhor.
Ela falava e alisava um caderno com capa de couro em seu colo.
― Eu deveria ter feito mais do que fiz. Eu não ensinei os valores corretos à minha menina. Não
posso nem ao menos culpá-la.
Eu não sabia o que ela queria dizer. Não entendia porque havia começado o assunto assim. Todos
nós temos arrependimentos, faz parte da vida, e Margarida não fazia o tipo que se lamentava muito.
― Sei que fez o melhor que pode no momento, Margarida ― eu disse encorajando-a. ― Às vezes
descobrimos tarde demais que poderíamos ter tomado outro rumo melhor.
Não era mais para Margarida que eu falava. Era para mim mesma. Eu mesma começava a
questionar meu posicionamento. Não sabia mais se era mesmo dona da verdade e se cabia a mim
aplicar toda essa punição.
Adrian, Alex, Sr. Persen e mamãe. Todos erraram em alguma coisa, eu provavelmente havia
errado em muitas também. Não queria mais me lamentar por tudo que havia acontecido de ruim, eu
queria seguir em frente sem carregar tanto peso em minhas costas.
Margarida sorriu.
― Obrigada por ter vindo.
― Sem problemas, eu estava mesmo querendo tomar um chá com bolo ― brinquei, ― na verdade
foi tudo uma desculpa para roubar mais um pedaço de bolo de Martina.
Margarida continuou a sorrir, até que o sorriso murchou em seus lábios.
― Sabe Laura ― ela continuou ― as pessoas não têm medo da morte. Na verdade, elas têm medo
do que não vão conseguir confessar ou resolver. Elas têm medo dos pecados que vão carregar para a
outra vida.
Limitei-me a ouvi-la. Eu concordava com ela. Morrer não era o problema, o problema eram as
culpas que carregávamos.
― Como eu disse a você, eu sinto que negligenciei minha filha. Eu deveria ter ficado ao lado
dela. Instruído quando necessário. Castigado quando necessário, mas não fiz. Então as culpas de
Patrícia são um pouco minhas também ― ela confessou. ― Quero me redimir. Não quero carregar
esse peso por mim, nem por ela.
Meus olhos corriam do rosto de Margarida para o pequeno caderno de couro em seu colo. Eu não
entendia nada, mas algo me dizia que aquele caderno tinha tudo a ver com nosso assunto.
Antes que Margarida pudesse continuar, meu celular vibrou no bolso do casaco. Eu tentei ignorar,
mas Margarida não deixou.
― Atenda querida, pode ser importante. Eu não tenho mais pressa de coisa alguma.
Aceitei a chamada mesmo sem saber a quem pertencia o número que aparecia na tela.
― Srta. Soares? ― uma voz gentil perguntou do outro lado.
― Sim, sou eu ― respondi ainda sem reconhecer.
― Sou o Capitão Edwards, do corpo de bombeiros de Roterdã. Gostaríamos de comunicar que o
Sr. Galagher sofreu acidente ― ele disse e eu senti meu coração murchar.
Não sabia mais se queria continuar ouvindo e agradeci porque estava sentada.
― Onde ele está? ― eu perguntei arrancando forças do fundo do peito.
― Indo para o Saint Peters ― o bombeiro disse do outro lado. ― Nós precisamos de alguém da
família ― ele continuou ― para os tramites hospitalares.
― Ok. Obrigada por avisar ― foi tudo que minha mente conseguiu processar de coerente.
Desliguei o telefone e já não parecia mais comandar meu corpo. De repente, cenas e mais cenas
de Adrian e eu juntos, feliz, apaixonados, vivendo algo que eu não achava possível viver, começaram
a habitar minha mente. Eu não era mais dona das minhas memórias, nem dos meus pensamentos. Tudo
que eu queria era ter certeza de que ele estaria bem e eu não poderia ter.
Eu piscava, e piscava, enquanto encarava as águas do lago, como se pudesse me forçar a acordar
de um sonho ruim. Eu não estava realmente vendo. Meus olhos estavam perdidos em algum ponto
entre a consciência e a inconsciência.
― Laura? ― Margarida chamou, sua voz parecia tão longe ― Laura? ― insistiu.
Pisquei mais algumas vezes sem conseguir responder.
― Laura, pelo amor de Deus ― ela continuou com a voz aflita, ― aconteceu algo?
Eu não conseguia responder. Meu maxilar parecia duro e pesado. Meus olhos se enchendo mais e
mais de algo que eu não conseguia controlar.
― Laura você está tremendo ― Margarida constatou. ― Diga-me o que aconteceu ― insistiu.
Respirei fundo, deixando as primeiras lágrimas caírem.
― Adrian sofreu acidente ― eu disse já me levantando. ― Preciso ir ao Saint Peter. Eu preciso...
― eu não conseguia controlar minha mente. ― Eu preciso... ― os pensamentos não se ordenavam.
― Venha! ― Margarida disse levando-me pela mão, ― vamos pedir a Harold que a leve. Ele
está em casa hoje.
Caminhamos até a garagem e eu percebi que o Porsche permanecia ali, mas a moto não. A moto,
justamente a moto. Meu coração parecia mais e mais dolorido. Acidentes de moto são sempre os
piores.
Entrei no banco de trás do Mercedes, acariciando o couro macio com a minha mão, pensando em
quantas vezes me sentei ali ao lado de Adrian. Meu Adrian. ― Eu não sabia mais se aquela cena se
repetiria.
Tudo que consegui fazer foi abrir o telefone e discar o número de Alexander, meu anjo da
guarda. Ele atendeu no terceiro toque.
― Oi Laura! Como está? ― ele disse com a mesma voz gentil e sorridente de sempre.
― Alex ― eu disse e parei, respirando fundo antes de continuar, ― Adrian sofreu um acidente.
Estou indo para o Saint Peter.
O telefone escorregou das minhas mãos sem que eu nem mesmo conseguisse conferir se havia
encerrado a ligação.
Enquanto seguíamos por Roterdã, minha mente viajava, voando pelo caminho, perdida em
pensamentos que eu não queria ter.
Eu me lembrava das conversas com Hans e Alexander e de como a gente sempre acha que tem
tempo. Quando somos jovens, sempre pensamos que o tempo é algo inesgotável, nos esquecemos do
quanto ele é efêmero. Nós nos perdemos na nossa própria arrogância de eternidade e esquecemos
que sempre faltará algo. Sempre deixaremos algo para trás.
Eu havia perdido tanto tempo pensando em como estava com a razão. Em como havia sido
injustiçada e em quanto Adrian deveria pagar, que havia me esquecido que talvez, só talvez, devesse
ter deixado tudo de lado e aproveitado o tempo que tinha.
Minha mente vagava em tudo que eu deveria ter feito. Em tudo que deveria ter dito. Eu me
lembrava da última vez em que o vi e do pequeno beijo que ele havia me dado. Eu queria tanto ter
correspondido. Queria tanto ter sentido mais de Adrian em mim.
Corri as mãos pela barriga, acariciando meu bebê, enquanto pensava no quanto gostaria de ver
Adrian segurando-o nos braços. Em como queria vê-lo dormir sobre seu peito forte e protetor.
Pouco mais de meia hora depois, eu estava mais uma vez entrando no estacionamento do Saint
Peter, mas dessa vez, eu sabia que sairia de lá deixando um pedaço do meu coração para trás.
O hospital parecia mais tumultuado e confuso do que eu me lembrava, mas não fazia diferença.
Desci rápido do Mercedes e comecei a caminhar em direção a entrada. Eu não conseguia me focar
em nada a minha volta. Tudo parecia longe e desfocado até que senti as mãos de Alexander sobre
meus ombros.
― Não se preocupe com nada ― Alexander me disse. ― Eu falo com eles. Não quero que você
se desgaste.
Eles? ― Eu não fazia ideia de a que “eles” Alexander se referia, até chegarmos às portas duplas
do hospital.
“Eles” eram os jornalistas. Vários. Com vários microfones coloridos sendo lançados em nossa
direção.
― Sr. Persen! Sr. Persen! ― um dos repórteres chamou. ― Como está o Sr. Galagher? Quando
alguém vai se pronunciar?
Antes que Alexander pudesse responder, outra voz começou a falar.
― Acha que o Sr. Galagher ainda quer o senhor como seu porta-voz depois de todo o escândalo
da traição?
Senti meu sangue aquecer nas veias, minha visão ficando mais escura.
Será que era tão difícil assim respeitar um momento como o que nós vivíamos? Era pedir muito
um pouco de bom senso e respeito com Adrian?
Engoli em seco as palavras que me vinham à cabeça. Alexander tentava parecer o mais calmo
possível, embora eu pudesse perceber pequenos sinais de raiva iminente.
Ele respirou fundo e se preparou para começar a falar, quando uma moça entrou em meu campo de
visão.
Ela era alta e esguia. Vestida em um conjunto de saia lápis e blazer comprido que a deixavam
ainda mais elegante. Cabelos escuros bem penteados e presos em um coque solto. Lindos olhos azuis
que nem mesmo os óculos de armação dourada conseguiam esconder.
― Não temos nada a dizer sobre o estado de saúde do Sr. Galagher no momento ― ela disse
segura, tomando a palavra para si. ― Como podem perceber, a família acaba de chegar para o
boletim médico e caso desejem tornar a notícia pública, eu mesma tratarei de informá-los. Agora se
nos dão licença a Sra. Galagher e seu irmão precisam de um pouco de respeito e tranquilidade.
Eu quase pude sorrir. Gostava de como ela havia entrado em cena e tomado toda a
responsabilidade. Certeira como um felino sobre o bando de corvos. Quase, porque aí me lembrei de
onde a conhecia ― ela estava com Adrian no restaurante. Era a moça que o estava acompanhando. A
tal advogada.
Alexander entrou comigo no hospital e seguimos direto para o balcão de atendimento.
― Desculpe por tudo isso ― Alex começou. ― Eu deveria ter conversado com Adrian sobre
algum tipo de pronunciamento em relação ao nosso parentesco. Não acredito que as pessoas ainda
pensam que tivemos um caso.
Forcei um sorriso para ele.
― Não se preocupe Alex. Não é sua culpa. A Holanda provavelmente anda sem notícias novas ―
brinquei e Alexander sorriu. ― Não tem problema. Nós sabemos a verdade e Adrian também.
Uma enfermeira passou por nós e parou.
― São da família do Sr. Galagher? ― ela perguntou e nós assentimos. ― O médico já virá
atendê-los.
Nós nos sentamos naquelas poltronas brancas que já estavam familiares demais para mim. Eu
havia sentado ali muitas vezes desde o acidente de Alissa.
― Soube algo de Alissa? ― perguntei enquanto esperávamos.
― Vou até o quarto dela assim que falarmos com o médico.
Ficamos em silêncio sem saber o que dizer. Nenhum de nós dois queria conversar. A tal advogada
chegou à sala alguns minutos depois.
― Desculpe por me meter na sua frente, Alexander ― ela disse sorrindo, mas era um sorriso
profissional, ― eu fiquei possessa quando aquele imbecil desenterrou esse assunto absurdo.
Alexander sorriu e estendeu a mão para cumprimentá-la.
― Obrigado Joanne, por me salvar daqueles abutres. Eu não estou raciocinando tão rápido como
costumava fazer antes.
A moça sorriu.
― Laura, eu não sei se eu mencionei, mas o marido de Joanne e eu éramos grandes amigos ―
Alexander disse voltando-se para mim.
― Sim! Tiveram aulas com o Prof. Barton juntos ― Joanne disse sorrindo. ― Mitchel sempre
contava essas histórias.
Meus olhos corriam da tal Joanne para Alexander e voltavam ― definitivamente, eu estava
excluída da conversa, embora tivesse sido mencionada.
― Srta. Soares ― a tal Joanne virou-se finalmente para mim, ― desculpe não ter me apresentado
da maneira correta. Eu deveria ter marcado uma reunião com a senhorita, mas tudo aconteceu tão
rápido.
Eu não disse nada, fiquei encarando a mulher bonita a minha frente, sem saber exatamente quem
ela era.
― Eu sou Joanne Stein. Fui contratada pelo Sr. Galagher para substituir Alexander.
Encarei Joanne Stein por alguns minutos sem ter certeza se eu aprovava a escolha. ― Custava ter
contratado um velho barrigudo e grisalho ao invés de uma supermodelo de lingerie?
― Eu sou Laura Soares ― eu disse colocando minha mão na de Joanne ―, mas você já sabe
disso.
Eu não queria ser legal. Não queria ser agradável nem queria ser amiga da tal mulher. Eu estava
nervosa e ansiosa e me sentia com um milhão de quilos a mais que ela dentro do meu vestido verde
que mais parecia à capa de uma velha máquina de lavar roupas.
O médico surgiu em nossa frente, livrando-me de qualquer outra interação com a modelo de
terninho do meu ex-noivo.
― São da família do Sr. Galagher? ― perguntou e eu assenti. ― Sou o intensivista responsável
pelo Sr. Galagher. Se puderem me acompanhar.
― Eu espero aqui por notícias ― Stein disse e eu pensei que talvez ela não fosse tão ruim assim.
Caminhamos pelo corredor com o médico a nossa frente. Ele abriu a porta de uma sala e nós
entramos.
― Sentem-se, por favor ― disse indicando duas cadeiras, enquanto se sentava a nossa frente, do
outro lado da mesa.
Nós nos sentamos em silêncio. Deixei minha mão sobre a perna, nervosa, sem saber se iria gostar
das notícias que teria.
Alex descansou a mão sobre a minha
― Como sabem o Sr. Galagher sofreu um acidente de motocicleta. O trauma foi grande. Ele tem
um edema no pulmão esquerdo, além de fraturas múltiplas na perna direita. O capacete o poupou de
problemas maiores, mas seu estado requer atenção. Ele tem um pequeno inchaço na parte posterior
do crânio. Provavelmente onde colidiu com o asfalto. Tentamos mantê-lo acordado, mas depois
chegamos à conclusão de que o melhor seria mantê-lo sedado ― ele disse com um ar sério,
preocupado. ― Nosso corpo se recupera melhor durante a sedação. Além disso, o paciente estava
agitado demais.
Eu concordava com a cabeça, mas minha mente estava longe, perdida em Adrian lá, deitado
sozinho em alguma maca fria.
― Dentro de alguns dias eu creio que o quadro será melhor. Por enquanto, posso dizer que ele
está estável.
Apertei a mãos de Alexander na minha.
― Posso vê-lo doutor? ― perguntei ansiosa.
― Por alguns minutos creio que não seja problema. Venha.
Segui alguns passos atrás do homem com o jaleco branco. Eu sentia todo o meu corpo pesado,
cansado. Paramos em frente a uma porta de metal com um pequeno vidro na parte superior, sobre ela,
lia-se: “Unidade de Terapia Intensiva”.
Respirei fundo e caminhei para dentro da sala. Tudo estava a meia luz.
Conforme eu me aproximava, Adrian se tornava mais real. Sua presença ali fazendo meu coração
diminuir a cada passo.
Eu parei ao lado da maca. Ele estava sozinho no quarto. Haviam tantos aparelhos ligados a ele
que eu não podia crer que era o mesmo Adrian que eu havia deixado no jardim da mansão, há pouco
mais de vinte quatro horas.
Seu peito nu estava coberto por um lençol fino, deixando os braços tatuados à mostra. As mãos
inertes ao lado do corpo. Palmas para baixo, em uma posição que nem de longe parecia natural.
Eu queria sacudi-lo e gritar para que ele acordasse. Queria que me olhasse com aqueles olhos
arrogantes que eu tanto amava. Queria suas mãos em volta de mim, apertando-me contra seu corpo.
Eu queria pelo menos um sinal de que ele ainda estava ali, mas eu não tive.
Levei minha mão até seu rosto e o acariciei com carinho. Havia tanto sentimentos em meu
coração. Tantos pensamentos em minha mente.
Senti seu cabelo macio contra meus dedos, sentindo a primeira lágrima escorrer e formar uma
pequena mancha transparente sobre o lençol verde claro.
Continuei as carícias, descendo por seu rosto devagar.
Respirei fundo, sentindo sua respiração quente e fraca contra a pele da minha mão.
― Amor ― eu comecei, ― há tantas coisas que eu queria te dizer. Tantas coisas que queria
confessar.
A cada palavra que eu dizia, as lágrimas rolavam mais rápidas pela pele fina do meu rosto,
chegando até Adrian.
― Eu sinto tanto a sua falta ― eu disse bem baixinho, próximo ao seu ouvido. ― Sinto falta de
tudo que vivemos e sinto falta do que não tivemos tempo ― respirei fundo mais uma vez, sentindo
minha garganta queimar. ― Queria não ter sido tão boba.
Meus olhos pararam no hematoma próximo ao seu osso esterno. Havia uma marca bem grande e
arroxeada, com alguns cortes que pareciam profundos em volta. Continuei percorrendo os
ferimentos com meus olhos, meus dedos tocando sua pele devagar.
Eu não podia ver todo o seu corpo, mas havia uma cânula pesa a ele, próximo a suas costelas.
Uma máquina bombeava um líquido que parecia sangue diluído dali. Uma de suas pernas estava
engessada e elevada sobre um apoio. Os cortes e arranhões nos braços e mãos se perdiam entre as
tatuagens.
― Eu prometo meu amor, que vou cuidar de você ― eu disse beijando sua testa. ― Eu prometo
que vou fazer o melhor que puder.
O médico bateu no vidro da pequena abertura que havia na porta, lembrando-me que meus minutos
estavam no fim.
Cobri seus lábios com os meus, sentindo sua respiração fazer cócegas em meu nariz.
― Eu preciso ir ― sussurrei contra sua pele ―, mas prometo que volto assim que puder. Sabe ―
eu disse acariciando sua mão, ― preciso confessar que não sei fazer isso sem você ― eu disse
fungando um pouco para afastar as lágrimas. ― Preciso de você amor. Não consigo sozinha. Você é
tão bom em ser pai. Eu preciso que esteja lá mais uma vez. Nosso bebê precisa de você ― eu disse
meio engasgando ― e eu preciso também.
Acabei sorrindo sem estar feliz.
― Vou cuidar de tudo até você voltar para nós. Não se preocupe com nada.
Beijei sua testa mais uma vez, recusando-me a deixá-lo ali, sozinho, tão frágil e desprotegido.
Não era bom vê-lo daquele jeito. O grande Sr. Galagher, o poderoso Leão de Roterdã, agora estava
ali, vulnerável e sozinho, precisando de mim.
― Eu te amo, Adrian Van Galagher ― sussurrei contra sua boca.
Saí do pequeno quarto secando meus olhos com as costas das mãos. Eu nem sabia o que pensar.
Nem sabia ao certo o que havia acontecido e qual era a extensão dos danos.
Quando ergui meu olhar, encontrei Alexander ali. Postura tensa, mas aquele mesmo olhar
carinhoso que ele sempre tinha. Alex abriu os braços e me puxou para dentro deles. Eu o abracei
como se minha vida dependesse disso. Eu me sentia sozinha, desamparada, frágil. Queria ser forte.
Queria que tudo que eu havia prometido dentro da sala fosse verdade, mas não era ― eu estava com
medo.
Capítulo 11

Laura

Enquanto saíamos do hospital, eu sabia que não poderia voltar para minha casa sem estar com as
crianças quando soubessem do acidente. Eu não podia e não queria ficar longe. Eu precisava estar ali
para eles. Não era justo. Eu não podia simplesmente voltar para minha casa.
― Alex ― eu disse assim que sentei no banco do Audi. ― Quero ir até a mansão ― suspirei
antes de continuar, ― preciso estar lá.
Alexander sorriu sem me encarar. Tocou meu joelho com a mão delicadamente.
― Eu não imaginava você em nenhum outro lugar agora.
Assim que o carro parou no jardim da mansão, eu vi John parado na porta, postura rígida. Nada
do menino displicente de sempre. Nenhuma leveza em seus gestos. Olhar perdido no vazio.
Desci e caminhei até ele. Eu o abracei o mais apertado que pude.
― Ele vai ficar bem? ― ele me perguntou com um olhar tão perdido que me fez pensar que,
apesar de tudo, ainda era só um menino.
― Eu espero que sim, John ― confessei ainda abraçada a ele.
― Você o viu? ― ele me perguntou e eu assenti. ― É muito ruim?
Respirei fundo antes de continuar.
― Tudo vai dar certo, querido. Tem que dar! ― Eu disse beijando seu rosto. ― Nós só
precisamos acreditar.
John curvou os lábios em um pequeno sorriso sem humor.
― Obrigado por vir ― ele disse. ― Os pirralhos vão gostar de vê-la.
― Eu prometi ao seu pai que cuidaria de tudo. Além disso, não sei se quero ficar sozinha ―
confessei. ― Acho que preciso de vocês.
John passou o braço por cima dos meus ombros e me acompanhou para dentro. Alexander seguiu
logo atrás.
Assim que passamos pela porta, eu vi Margarida sentada na poltrona. Seu olhar era preocupado e
triste. Hanna e Collin não estavam na sala.
― Oh querida, eu sinto muito ― Margarida disse levantando-se para me abraçar. ― Sinto tanto.
Queria poder fazer algo por ele.
― Você pode rezar Margarida ― eu disse abraçando-a de volta, ― e pode me ajudar com as
crianças. Eu vou precisar de ajuda, com toda certeza.
Margarida se afastou um pouco, ainda segurando minhas mãos.
― Laura, eu sei que pode parecer estranho, mas quero que saiba que eu estou aqui para ajudar
você e Adrian no que precisarem. Eu realmente quero que você conte comigo para o que precisar.
Sorrio para ela.
― Obrigada. É muito importante para mim.
Hanna desceu a escada pulando os degraus de dois em dois.
― Laura ― ela chamou. ― Onde está o papai? John disse que ele está dodói.
Senti meu coração se apertar, enquanto a pequena garotinha estendia os braços para mim.
Abaixei-me até o seu nível e a puxei para os meus braços. Eu podia perceber que havia chorado.
― Hanna ― comecei, ― o papai está dodói no momento, mas ele vai ficar bom. Ele caiu da moto
e se machucou um pouco, mas logo, logo ele voltará para casa.
Ela fungou um pouco, limpando os olhinhos com as costas das mãos.
― Você promete? ― me perguntou. ― Não quero ficar sem o papai.
Engoli em seco porque teria que prometer algo a ela que eu mesma não tinha certeza.
― Prometo querida ― eu disse beijando sua testa e alisando seus cabelos para trás. ― Vamos
cuidar do papai
Hanna era uma garotinha doce e gentil e vê-la com o coração tão triste me deixou ainda pior. Eu
queria estar com ela. Queria estar com eles. Queria apoiá-los e queria que eles me apoiassem. Eu
nem sabia como sentia falta de uma família até conhecê-los.
Aquilo que eu tinha ali, cercada por aquelas pessoas, e mesmo que em um momento tão ruim como
aquele, era realmente o que uma família deveria ser. Eu não me importava de não ser mãe deles ou
que não estivesse realmente casada com Adrian. Eles eram parte de mim. Eram a minha família. Uma
que eu havia escolhido.
― Onde está Collin? ― eu perguntei para ninguém especificamente.
― Está com Martina ― Margarida me respondeu. ― No jardim dos fundos.
Segui pela cozinha e passei pelas grandes portas de correr. Havia um pequeno espaço gramado
ali, próximo de onde ficava o estúdio de Adrian. Martina estava sentada em um banco de ferro
fundido e Collin brincava com algumas peças de encaixar no chão em frente a ela. Aproximei-me
dele.
― Olá querido! ― Eu disse abaixando até o seu nível e me sentando no chão ao seu lado. ― O
que você está fazendo?
― É um caminhão de bombeiro ― ele me disse sem me olhar.
― Ah é um caminhão muito bonito ― eu respondi pegando uma peça que estava longe do seu
alcance e entregando a ele.
― Cadê o papai, Laura? ― ele me perguntou. ― Ele vai voltar logo?
Respirei fundo, ajeitando seu cabelinho castanho com as mãos.
Collin encarou-me com seus lindos olhos verdes. Ele era o único que tinha os olhos da mãe.
― Ele vai voltar assim que puder Collin. Eu prometo.
Collin continuou montando o brinquedo por alguns segundos. Ele era um garotinho de poucas
palavras.
― E você vai ficar aqui comigo até o papai voltar? ― ele me perguntou. ― Porque sem ele aqui
nós ficamos sem nenhum pai e nenhuma mãe.
Senti meu coração diminuir com as palavras dele. Eu sabia o quanto custava não ter um pai e uma
mãe. Por mais que vovó tivesse feito o melhor que podia, havia coisas que ela não podia suprir.
Sentimentos que ela não podia me fazer deixar de sentir.
Sorri sem humor, mas com todo o carinho que eu sentia por ele.
― Você quer que eu fique com você? ― perguntei.
Collin assentiu com a cabecinha.
― Então eu vou ficar. Acho que posso ocupar o cargo por um tempo ― brinquei.
Martina sorriu para mim e eu sorri de volta. Ela amava aquelas crianças tanto quanto eu e sabia
como era difícil cuidar delas sem Patrícia.
― Laura? ― Collin chamou. ― O seu bebê vai te chamar de mamãe?
― Vai sim, querido ― eu respondi passando uma peça vermelha para suas mãozinhas.
― Eu nunca chamei ninguém de mamãe ― ele constatou fazendo meu coração se despedaçar.
Estendi os braços e o puxei para mim, ajeitando-o em meu colo e beijando seu rostinho. Eu sabia
que talvez não fosse certo e sabia de toda a confusão em que eu estava me metendo, mas eu não podia
recusar. Não havia outra maneira de aquietar meu coração porque, por mais que fosse confuso, ele
sabia exatamente o que queria.
― Ah querido, você pode me chamar de mamãe se você quiser.
Collin encarou meus olhos por um instante e depois sorriu, correndo as mãozinhas pelo meu rosto.
― Obrigado mamãe.
Apertei-o forte contra o meu peito, sentindo seu corpinho contra o meu. Não havia nada que eu
quisesse mais do que ser a mãe dele. Não havia outro nome para o que eu sentia por ele. Era como se
tudo agora estivesse em seu devido lugar.
Fiquei ali, brincando com o meu garotinho por um longo tempo, montando e desmontando aquelas
pequenas peças e deixando minha mente se aliviar. Collin era bom em me acalmar. Quando entramos,
a noite começava a cair.
Martina preparou uma sopa para o jantar e por mais que eu estive triste, estar com eles ali,
tornava o fardo um pouco mais leve.
Depois do jantar, coloquei-os na cama de Adrian e li uma história. Eu queria que a noite deles
fosse o melhor que eu poderia lhes dar. Quando pegaram no sono, desci a escada devagar. John ainda
estava na sala. Sentei-me ao lado dele.
― Acha que pode ficar com seus irmãos por um tempinho? ― perguntei. ― Preciso pegar
algumas coisas em casa. Já que vou ficar por aqui até seu pai voltar.
John sorriu com os olhos tristes.
― Obrigado ― ele disse abraçando-me, ― por não desistir de nós.
― Ah eu sou uma garota persistente ― brinquei. ― Uma garota persistente que não pode deixar a
gata sozinha sem comida por mais tempo.
John beijou minha bochecha.
― Estarei aqui mesmo quando voltar.
Deixei-o na sala de estar e segui até a garagem. As chaves dos carros ficavam em uma placa de
metal na parede. Peguei a chave do Porsche. Era estranho usar o carro dele sem ele estar ao meu
lado. Eu me sentia um pouco intrusa, tomando um espaço que talvez ele não quisesse me dar, mas era
necessário. Pelo menos por agora, era necessário.
Cheguei ao Begijnhof pouco depois das nove da noite. Todas as luzes já estavam apagadas, menos
as da casa de Frida. Decidi que precisava pelo menos avisar a ela que eu ficaria fora por alguns
dias.
Caminhei pela calçada dela e toquei a campainha. Alguns minutos mais tarde, Frida apareceu na
porta, vestindo um robe de flanela.
― Desculpe vir tão tarde ― comecei ―, mas eu queria me despedir de você.
― Olá querida! ― Frida me disse animada. ― Despedir-se? Vai se mudar?
Respirei fundo pensando em como seria difícil de explicar tudo sem acabar caindo no choro ali,
na porta da pobre mulher.
― Vou ficar fora por um tempo Frida. Não se preocupe, não pretendo liberar a casa ― expliquei.
― Na verdade vou deixar minhas coisas todas ali. Ou pelo menos a metade delas.
― Ah querida, aconteceu algo? ― Frida perguntou preocupada. ― Algo que eu possa fazer por
você?
Sorri mesmo que não estivesse feliz.
― O pai do meu bebê ― comecei pensando nas palavras, ― ele sofreu um acidente hoje.
― Oh Deus que coisa horrível! ― Frida disse tapando a boca. ― Ele está bem? Vamos entre!
Vamos tomar um chá enquanto você me explica. Está frio aqui fora!
Entrei. Sentei-me em uma das banquetas da cozinha e esperei que Frida me servisse uma xícara de
chá.
― Ele ficará bem ― eu disse tentando soar convincente. ― Pelo menos é o que eu espero.
― E você quer ficar ao lado dele ― Frida constatou tomando um gole do seu chá.
Respirei fundo mais uma vez.
― Também ― continuei ―, mas é mais complicado que isso Frida. Adrian tem dois filhos
pequenos. Preciso ficar com eles. Eles já não têm a mãe e agora ― não consegui terminar a frase.
Frida cobriu minha mão com a sua.
― Você o ama ― ela constatou.
― Muito.
― Então faça o que puder. Fique ao lado dele ― ela disse sorrindo, ― e não se preocupe com
nada por aqui. Eu cuido de tudo. E cuido de Mia para que você não precise se preocupar com nada.
― Obrigada ― eu disse acariciando sua mão, ― por ser uma amiga tão boa para mim.
Frida sorriu, mas não disse mais nada. Não perguntou nada. Eu gostava de como ela apenas ouvia.
Gostava de como não bisbilhotava e respeitava meu espaço. Estava feliz por tê-la por perto e
especialmente por ter alguém para cuidar de Mia. Minha gata não fazia o tipo que amava ser apertada
e dividida por duas crianças que adoravam demonstrar carinho.
Despedi-me de Frida com um abraço apertado e uma promessa de voltar assim que possível para
contar a ela sobre o estado de Adrian.
Deixei uma cópia da chave da minha casa para que ela pudesse ficar de olho em Mia para mim.
Entrei em casa e acendi a luz. Mia ronronou em protesto no canto do sofá, em sua mais nova
almofada preferida.
― Hey mal-humorada! ― brinquei, ― não se preocupe, você vai ficar sozinha por um tempo.
Sentei-me ao lado dela no sofá e acariciei suas orelhas alaranjadas.
― Não se preocupe. Nunca vou deixar você ― prometi ―, mas sei que você ficará muito melhor
aqui, no seu canto. Além disso, as coisas estão meio ruins por lá ― continuei, ― eu não vou ter
muito tempo livre.
Mia continuou ronronando como se todo o mundo fosse dela e nada mais importasse. Eu gostava
de como ela encarava as coisas, me fazia crer que todos os problemas eram menores do que eu
pensava que eram.
Subi a escada, tirei a roupa e tomei uma ducha. Vesti um agasalho de moletom e comecei a
arrumar minha mala. Coloquei só o que era indispensável. ― Eu tinha lembranças ruins demais
sobre mudanças para cair nessa mais uma vez.
“Um tempo Laura!” ― eu repetia para mim mesma. ― “Apenas um tempo!”
Por mais que eu quisesse me convencer de que era apenas um tempo. De que eu iria apenas cuidar
das crianças, eu não podia negar que no fundo do meu coração eu queria mais.
Sentei na cama, observando a garoa fina cair lá fora, alisando o couro da mala com a mão e
pensando em como eu tinha esperanças.
Eu queria uma vida diferente para mim. Eu queria uma vida diferente para o meu bebê. Todo esse
papo de ser independente e não precisar de ninguém era mentira. Eu podia realmente não precisar de
ninguém, eu sabia me virar sozinha, mas eu queria alguém. Eu queria um lar. Queria uma família. Eu
queria ter a quem esperar no fim do dia. Queria ter com quem dividir uma cama.
Respirei fundo sentindo uma lágrima correr pela minha pele recém lavada ― eu queria me casar.
Eu queria mesmo me casar. Eu queria Adrian comigo não por um tempo. Não era uma aventura. Eu o
queria de verdade. O queria como nunca havia pensado em querer alguém e agora, ele estava lá,
deitado sozinho naquela cama de hospital, ligado aquele monte de fios que o mantinham vivo.
Eu havia demorado tanto tempo para ter certeza do que queria que talvez não tivesse tempo de
viver o sonho.
Abri o telefone e liguei para Hans.
― Laura, que bom ouvir sua voz querida ― Hans disse no terceiro toque. ― Como você está?
Algo em sua voz me dizia que ele sabia muito mais do que estava falando.
― Você soube? ― perguntei.
Hans suspirou profundamente.
― Soube sim, Laura. Sinto muito. Como ele está?
― Lutando Hans ― foi tudo que consegui dizer. ― Eu espero que tudo fique bem ― eu disse por
fim.
Hans fez silêncio por um pequeno espaço de tempo, analisando a situação.
― Tire o tempo que precisar Laura ― ele me disse depois de algum tempo. ― Não quero que se
preocupe com o trabalho. Eu mesmo cuido de Hart. Não se preocupe com nada. Você já tem coisas
demais para se preocupar.
― Obrigada Hans. Por ser o melhor chefe do mundo e o melhor amigo que alguém poderia ter.
Hans sorriu.
― Também amo você querida. Não se preocupe com nada.
Eu sabia que não precisava mesmo me preocupar. Hans sempre cuidava de mim. Sempre fazia o
que podia para que nada faltasse. Eu era competente e sabia que não eram favores, mas saber que
podia sempre contar com a compreensão dele, tornava tudo mais fácil.
Conferi minha conta bancária e constatei que minhas economias aguentariam pelo menos três
meses. Eu esperava que nesse tempo Adrian já estivesse de volta e eu pudesse seguir com o que quer
que fosse que a minha vida se tornasse depois de toda essa tempestade.
Desci a escada arrastando minha mala. Era estranho fazer isso mais uma vez. Era a quinta vez em
que eu me mudava sozinha.
Na primeira, tudo que eu tinha era uma mochila velha e muita esperança. Nada aconteceu como eu
planejava, mas conheci Hans e Mia e comecei minha vida de verdade.
Na segunda, eu tinha sonhos e planos e nenhuma inteligência na cabeça. Acabei machucada física
e psicologicamente porque permiti que um imbecil qualquer me tratasse como lixo. Pensei que não
me recuperaria nunca mais.
Depois de algum tempo de solidão e sofrimento, eu descobri que ninguém morre de amor, nem de
falta dele. A gente aprende, fica mais forte e segue em frente.
Na terceira, eu estava feliz. Juntei tudo em duas caixas de papelão e me mudei para minha antiga
casa, uma que eu amava e que me fazia sentir que eu havia vencido, apesar de tudo.
Na quarta, eu estava tão apaixonada que deixei o medo de lado, mergulhei na piscina vazia sem
nem me dar conta de que bateria com a cabeça no concreto do fundo. Mais uma vez, quase não me
recuperei, mas eu tinha um motivo muito bom para continuar.
Acariciei minha barriga com cuidado, pensando em como tudo havia mudado desde o apartamento
pequeno e escuro no sótão, perto da estação central, até minha pequena casa no Begijnhof ― eu
precisava parar de me mudar ou acabaria me tornando uma cigana honorária.
“É temporário, Laura!” ― repeti mais uma vez mentalmente. ― “Dessa vez não conta”
Talvez fosse temporário, talvez fosse definitivo, mas o fato é que lá estava eu, com a mala nas
mãos mais uma vez, juntando pequenos pedaços de mim e colocando dentro de uma caixa.
Despedi-me de Mia com os olhos vermelhos de tanto chorar. Ela se limpava e limpava minha mão
com a língua.
― Hey, você só está me fazendo carinho para que eu me sinta mais culpada ― brinquei. ― Isso
não é justo! Frida vai cuidar direitinho de você.
Ela me encarou com seus olhos preguiçosos como se eu a entediasse. Sorri.
― Vou indo nessa, garota ― eu disse a ela me levantando, ― nos vemos em breve e cuide-se!
Você já é uma mocinha.
Saí pela porta com o coração espremido no peito. Eu precisava ser forte, embora tudo parecesse
desmoronar a minha volta. Precisava cuidar de mim, do meu bebê, de Adrian, de Hanna, de Collin e
tudo mais que aparecesse.
Eu queria mostrar a Adrian que era mais do que um cabide para vestidos e joias caras. Queria que
quando ele acordasse soubesse que podia contar comigo.
Passei pelo portão empurrando minha mala de rodinhas.
Acomodei a mala ao meu lado e dei a partida, deixando Amsterdã para trás, vendo minha vida
mudar. ― Nunca havia realmente dependido de mim. Eu havia sido sempre a coadjuvante em tudo
em minha vida.
Esta era a oportunidade de mudar. De realmente tomar as rédeas e decidir. De lutar pelo que eu
acreditava. Pelo que eu queria. Eu sabia que Adrian tinha suas culpas e sabia que eu tinha as minhas,
mas dessa vez, eu não pensaria no culpado, eu realmente lutaria para que pudéssemos superar tudo.
Ali, sentada no banco do carro, eu começaria um novo capítulo da minha vida. Eu deixaria a
Laura boba e insegura para trás e seria uma mulher de verdade. Não mais uma menina assustada. Eu
devia isso ao meu bebê e devia isso a todos que acreditavam em mim, mas principalmente, eu devia
isso a mim mesma.
Estacionei no jardim da frente da mansão. Abri a porta e desci do carro. Tudo estava silencioso,
as luzes apagadas. Mesmo lá de fora, qualquer um podia perceber que faltava algo ali. A casa
parecia sem alma.
Capítulo 12

Laura

Quando abri meus olhos parecia que havia se passado uma vida inteira. Encarei o relógio na
mesinha de cabeceira e percebi que eram apenas poucas horas. Era noite ainda e eu não conseguia
dormir. Não conseguia relaxar. Minha mente estava em Adrian. Eu o queria ali, ao meu lado na cama.
Eu queria acordar no meio da noite e vê-lo deitado ali, sua respiração tranquila, as pálpebras
relaxadas. Eu queria sentir seu calor, seu perfume, sua respiração quente contra minha nuca. Fechei
os olhos por um instante e tentei relaxar, mas não pude.
Vesti um agasalho e desci a escada, ficar no quarto sem ele e não conseguir dormir me dava tempo
demais para me arrepender e pensar. Sentei-me na poltrona da sala, de lado, pé sobre o apoio de
braço, olhos mirando o lago lá fora, mãos acariciando meu bebê. Não sei quanto temo permaneci
assim, até que ouvi os passos se aproximando.
― Sem sono? ― a voz de Margarida perguntou.
Respirei fundo antes de responder.
― Acho que fui meio idiota e rancorosa ― confessei mais para mim mesma do que para ela.
Margarida sorriu sua voz se aproximando mais.
― Não se preocupe querida, esse é um erro que você pode consertar ― ela disse tocando meu
ombro devagar, ― e eu estou feliz em poder ajudá-la.
Ela colocou o pequeno caderno com capa de couro sobre minha barriga, beijou minha testa e
caminhou de volta pela sala. Eu fiquei sem entender, mas não queria conversar. Não era um bom
momento para mim e Margarida sabia disso.
Deixei o caderno ali por mais um tempo, sem ter certeza se queria ler seu conteúdo. Quando a
curiosidade falou mais alto peguei-o em minhas mãos e o abri.
A caligrafia era bonita e cuidadosa. Na capa, lia-se Patrícia Tavares Galagher. Meu coração
pareceu apertar-se mais contra meu peito ― não era um caderno, era uma capa de couro, com várias
cartas dentro dela.
Peguei a primeira e abri. Era antiga, datada de Janeiro de 1997. Ela não tinha a mesma caligrafia
da inscrição dentro da capa de couro.
“As noites de inverno têm sido ainda mais frias, desde que você decidiu ficar longe de mim.
Juro que tenho tentado compreender, entender ou mesmo aceitar, mas não consigo. Não sei o
que você espera de mim, mas seja o que for eu estou disposto a fazer, lief, não importa o que seja.
Não posso mais vê-la ao lado dele. Juro que não posso”.
A assinatura no final da carta tinha apenas duas iniciais JH e nada mais. Não havia um nome,
nenhum indício de quem havia mandado.
A segunda carta tinha uma caligrafia conhecida. Era a letra dele, Adrian. Meu Adrian. Fechei os
olhos e soltei o ar dos pulmões profundamente.
“Patrícia,
Sei que parece difícil anjo, mas vamos dar um jeito em tudo. Quero que saiba que estou muito
feliz em saber que vamos ter um bebê. Eu nem sequer posso acreditar em como isso aconteceu, ou
melhor, posso! Mas isso não é importante. Quero que fique tranquila que eu vou cuidar de você.
Você que é minha garota e sabe que eu jamais a abandonaria.
Adrian.”
A carta não tinha data, mas imaginei pelo conteúdo que se tratava de algo da época em que John
foi concebido. Provavelmente ela havia contado a ele que estava grávida.
Meu coração doía. Eu não podia negar que sentia ciúmes do que eles viveram. Eu não havia
vivido nada disso com ele e em parte era por minha culpa.
O próximo pedaço de papel era uma imagem de ultrassonografia. Embaixo do borrão conhecido,
havia o nome John, marcado com a letra de Patrícia. Depois, havia uma foto dela com Adrian. Eu
podia ver sua barriga de início de gestação começando a apontar. Toquei minha barriga
involuntariamente.
A garota na foto era mais radiante do que eu me sentia. Seu sorriso era largo e sincero. Ela tinha o
homem que eu amava ao seu lado e ele sorria como ela. Era um sorriso que ele não tinha mais.
Aquele sorriso bonito no rosto dele havia morrido junto com a moça dos olhos verdes. Ela tinha uma
aliança dourada e reluzente na mão, mas meus dedos estavam vazios. Ele não era meu marido. Havia
deixado claro que não seria. Ou pelo menos, não como eu gostaria que ele fosse.
Fechei os olhos e o caderno. Eu não tinha mais certeza se queria continuar. Eram lembranças
dolorosas demais, ainda mais com Adrian no hospital. Eu queria fazer o tempo parar. Queria voltar
atrás e fazer tudo diferente. Eu queria pelo menos mais alguns meses para tentar me redimir. Eu
queria e queria e provavelmente não teria.
Quando os primeiros raios de sol entraram pela janela aberta, eu acordei. Acabei adormecendo na
posição que eu estava e isso me rendeu uma bela e merecida dor nas costas.
Levantei com cuidado e subi a escada. Tomei um banho rápido e me vesti. Depois de tanto pensar,
eu queria vê-lo ainda mais. Eu não sabia se poderia resgatar o sorriso dele, mas eu queria tentar.
Desci a escada preparada para sair, mas acabei encontrando Alexander na sala.
― Bom dia ― eu disse com todo o bom humor que podia resgatar de dentro de mim. ― Veio me
ver cedo ― brinquei.
― Vim levá-la ao hospital ― ele respondeu beijando meu rosto, ― porque eu sabia que se não
viesse à senhorita iria sozinha.
Sorri.
― Que bom que você veio Alex. Eu não queria mesmo fazer isso sozinha ― confessei.
Alexander passou as mãos pelos meus ombros e me acompanhou até o Saint Peter. Entramos pelos
fundos, evitando tanto quando pudemos os jornalistas de plantão.
Subimos direto para a unidade de terapia intensiva.
― Bom dia ― Alexander cumprimentou a enfermeira. ― Somos da família do Sr. Galagher.
― Oh sim, claro ― ela disse sorridente. ― O doutor já irá atendê-los.
Poucos minutos depois, outro homem de jaleco branco apareceu.
― Bom dia ― ele disse cumprimentando. ― Sou o intensivista de hoje. Vou passar o boletim a
vocês.
Antes que ele pudesse continuar, Joanne Stein se aproximou.
― O Sr. Galagher permanece estável, com pequenos sinais de melhora ― ele continuou depois de
cumprimentá-la com um aceno de cabeça, ― diminuiremos a sedação e veremos como o corpo dele
reage.
― Isso é uma coisa boa, não é doutor? ― eu perguntei sem me preocupar se soava bobo ou não.
O médico sorriu.
― Sim, isso é uma coisa boa. Os edemas estão controlados e diminuindo e isso significa que seu
corpo está tentando reagir. Por isso vamos deixar que o faça. Podem vê-lo por alguns minutos se
quiserem, mas não podem demorar. Ele fica agitado depois das visitas e nós não queremos isso.
― Pode ir Laura ― Alex me disse. ― Depois você me conta como ele está. Estaremos esperando
por você.
Abri a porta devagar, sentindo meu coração martelar nas têmporas. Aproximei-me da cama. Ele
ainda estava na mesma posição, mas seus braços e mãos pareciam um pouco mais relaxados. Corri
meus dedos pelos seus braços, sentindo sua pele mais quente, mais viva. Abaixei até perto da sua
orelha.
― Bom dia meu amor ― eu disse suavemente. ― Fiquei feliz em saber que você está voltando
para nós.
Não resisti e acabei escorregando meus lábios em sua pele, sentindo seu rosto contra minha boca.
― Não se preocupe com nada. Estou cuidando das crianças.
Adrian parecia dormir um sono tranquilo. Parecia calmo e sereno. Não parecia mais que lutava
para viver, parecia que esperava. Esperava pelo momento certo de voltar, recuperando-se de
maneira sensata, como ele sempre agia.
Senti a primeira lágrima escorrer pelo meu rosto e pingar sobre o peito descoberto dele, quente,
salgada. Limpei com as costas da minha mão, enquanto aproveitava para analisar mais uma vez seus
ferimentos.
O machucado próximo a clavícula parecia melhor. Os cortes pareciam linhas finas com contornos
amarelados. Não havia mais sangue em lugar algum do seu corpo.
Puxei um pouco o lençol, em busca da cânula que sugava algo das suas costelas, mas não a
encontrei. Havia um curativo grosso no local.
A perna ainda estava sobre o apoio, engessada e presa, mas a cor da sua pele parecia mais
próxima do que eu costumava me lembrar.
― O médico disse que não posso demorar aqui ― brinquei com ele, ― disse que eu lhe deixo
agitado e isso não é uma coisa boa. O senhor precisa ter paciência, Sr. Galagher.
Acabei sorrindo diante das minhas próprias esperanças.
― Espero que esteja conosco em casa em breve ― eu disse correndo a mão por sua palma. ―
Nós sentimos muito sua falta.
Aproximei-me de sua boca e toquei-a com a minha, suavemente, carinhosamente.
― Eu volto assim que eles me deixarem ― sussurrei.
Quando tentei tirar minha mão da dele, Adrian apertou um pouco os dedos em volta dos meus. Ele
não abriu os olhos, não se moveu, apenas senti seu toque contra minha pele, como se ele quisesse me
segurar ali.
Uma a uma, mais lágrimas começaram a cair. Dessa vez eu não as sequei, deixei que caíssem. Não
eram mais lágrimas de tristeza.
― Você não quer que eu vá? ― perguntei acariciando sua mão. ― Não se preocupe seu bobo! Eu
prometo que volto bem rápido.
Beijei seus lábios mais uma vez, demorando-me mais um pouco.
― Prometo que nunca mais vou me afastar, amor ― eu disse ainda próxima a sua boca. ―
Prometo que desta vez não vou fugir.
Ele não se levantou, nem me puxou para ele e disse que me amava, mas eu sabia, no fundo do meu
coração que Adrian estava ali, comigo, de volta. Eu podia sentir seu coração batendo forte, trazendo
sua vida de volta, trazendo-o para mim.
― Eu te amo Sr. Galagher ― sussurrei por fim. ― Para sempre.
Deixei o quarto em que Adrian estava sentindo meu coração tão leve, que eu nem podia crer que
estava saindo de uma sala de cuidados intensivos. Eu sabia que era uma questão de tempo, que ele
daria um jeito de voltar para mim, para os filhos.
Caminhei até onde Alexander e Stein estavam, mas ela estava sozinha.
― Onde Alex foi? ― eu perguntei antes que ela tivesse tempo de dizer qualquer coisa.
― Ele recebeu uma ligação sobre a noiva, acho ― ela disse. ― Pediu que eu a levasse para casa.
Respirei fundo tentando controlar minha raiva iminente de Alexander por achar que eu iria querer
ir embora de carona com a amiguinha dele.
― Tudo bem ― eu disse simpática ― eu posso pedir a Harold para me buscar ― e completei, ―
não precisa se preocupar. Tenho certeza de que tem trabalho a fazer.
Joanne sorriu e era um sorriso tão sincero e gentil que eu não sabia se tinha raiva dela ou de mim
por ter raiva dela.
― Tenho sim. Adrian é um homem bastante exigente ― ela disse e eu quis socá-la mentalmente.
― Não se preocupe Laura. Será um prazer levá-la para casa ― e completou, ― precisamos
conversar. Acho que não começamos da melhor maneira possível.
Soltei o ar dos pulmões com cuidado, tentando não soprar toda a minha frustração para fora.
― Ok ― eu disse simplesmente.
Caminhei com a tal Joanne Stein para fora do hospital, pelas portas dos fundos, evitando o
pequeno círculo de repórteres que nos aguardavam na entrada.
Ela apertou o botão do controle de um carro popular. Um carro simples, de quem realmente
precisa trabalhar para pagar as contas.
Stein abriu a porta e o banco estava forrado de revistinhas de colorir e lápis de cor que pareciam
ter caído de uma mochila do Homem Aranha, aberta, no chão do carro.
― Ah me desculpe ― ela disse sem jeito, ― Trevor deve ter deixado aberta e eu acabei
derrubando e nem percebi.
Hum! Então ela tem um filho ― pensei.
― Não se preocupe ― eu disse simpática, ― sei como são quando são pequenos.
Stein recolheu tudo que pode e enfiou de qualquer jeito dentro da mochila vermelha. Jogou-a no
banco de trás.
― Entre, por favor ― ela disse batendo as mãos no banco para terminar de limpar.
Entrei. Sentei. Ajeitei minha bolsa em meu colo. ― Eu não queria ser a chata sem razão. Se a
mulher queria conversar comigo sobre algo, eu deveria pelo menos escutar.
― Importa-se se tomarmos um café? ― ela me perguntou já saindo do estacionamento do hospital.
― Eu estou faminta, não tive tempo de comer nada antes de sair. Noite complicada.
Sorri meio sem querer porque eu entendia bem de noites complicadas. Elas haviam se tornado
rotina ultimamente.
― Um café seria ótimo ― eu disse baixando a guarda.
Stein dirigiu até um bairro afastado do centro. Era um pequeno bairro residencial, quase nos
limites da cidade. Um lugar tranquilo, com pequenos canais e patinhos nadando.
Estacionou em um dos recuos e caminhamos pela rua quase deserta até um pequeno café, com um
moinho enfeitando o telhado.
― Clichê, eu sei ― ela disse em uma tentativa de fazer piada e deixar o clima mais leve.
Sorri porque tinha pensado o mesmo.
― Sim. Muito clichê ― concordei. — Sabe, até que eu gosto.
Stein sorriu enquanto se sentava.
― Gosto daqui ― ela continuou, ― Mitchel e eu costumávamos vir aqui para fugir da agitação de
Roterdã.
Eu podia sentir a saudade por trás das palavras dela. Podia sentir o peso, a angústia, a tristeza. Eu
sabia exatamente como era sentir-se assim, mas ela não teria a chance de desfazer tudo, como eu
tinha.
― Sinto muito ― eu disse sinceramente. ― Sinto que isso tudo tenha acontecido e sinto por ter
sido mimada e boba. Desculpe.
Stein levantou os olhos azuis até mim. Seu rosto ainda era triste, mas eu podia ver pequenas
fagulhas de esperança em seu olhar. Ela tocou minha mão com a sua.
― Não se preocupe Srta. Soares. Eu realmente compreendo que deve ter sido difícil de entender
quando nos encontramos no restaurante. Na verdade, foi uma sucessão de erros naquele dia, mas eu
não posso reclamar, afinal, consegui um emprego.
― Laura ― eu disse, ― pode me chamar de Laura.
― E você pode me chamar de Joanne. Espero sinceramente que as coisas sejam diferentes daqui
para frente.
A garçonete se aproximou e pedimos dois cappuccinos e dois pedaços de torta para acompanhar.
― Mitchel se foi a pouco mais de um ano ― Joanne me disse assim que ficamos sozinhas
novamente. ― Foi muito difícil.
― Imagino que sim ― concordei sentindo o peso em meu próprio coração.
― Ele sofreu um acidente de carro. Chegou ao hospital sem vida.
Joanne respirou profundamente e alisou uma pequena mecha escura de cabelo para trás das
orelhas. Eu podia perceber um brilho molhado a mais em seus olhos, por mais que ela quisesse
disfarçar.
― Eu estava em casa na hora do acidente. Dando o jantar de Trevor. Mitchel não queria que eu
trabalhasse fora, enquanto Trevor era tão pequeno. Nós havíamos decidido que eu me dedicaria a ele
até que pudesse colocá-lo em uma pré-escola. Isso não aconteceu.
Fiquei em silêncio porque tudo que eu conseguia pensar era na sorte que tinha por ver Adrian se
recuperar. Eu nem podia imaginar o que faria se tivesse recebido uma notícia como a dela.
― Nada aconteceu como nós havíamos planejado. Minha vida toda se desfez em um minuto. A
campainha soou e quando eu abri a porta, um policial me deu a notícia.
Joanne não falava mais comigo. Ela falava consigo mesma. Relembrava um momento difícil,
tentava fingir que era passado, mas eu via em seus olhos que o passado estava ali, bem enraizado em
seu coração.
― Tantos planos. Tantos sonhos. Um vestido de noiva, uma festa de casamento planejada por
meses e meses. Uma gravidez desejada, amada, esperada. E ele não pode nem mesmo ensinar o filho
a andar.
Eu não sabia o que dizer, mas podia sentir minhas próprias lágrimas começarem a forçar a
passagem para fora dos meus olhos. Funguei um pouco, para afastá-las o máximo que podia.
― Por isso quando soube do acidente de Adrian fiquei tão preocupada com você. Eu teria vindo
antes, mas estava resolvendo um entrave em Haia ― ela explicou.
― Obrigada por se preocupar ― eu disse sinceramente.
― Sei que não somos amigas, Laura. Imagino o quanto deve ter sido difícil tudo que aconteceu
com você.
Joanne fez uma pausa sem dizer ao que “tudo” se referia. Ela era uma mulher inteligente. Lia
jornais. Eu sabia que ela tinha todas as informações sobre Alexander, Adrian e eu.
Respirei fundo sem dizer nada também.
― Ele ama tanto você que não consegue disfarçar ― ela disse sorrindo ― e quanto tenta, falha
ainda mais.
Acabei sorrindo e antes que Joanne pudesse dizer algo, nosso café chegou.
A garçonete nos serviu e se afastou mais uma vez. Joanne deu um gole no café e levou uma garfada
de torta à boca.
― Adoro esse lugar ― ela reafirmou.
Dei uma garfada na minha torta.
― Estou começando a amar também ― brinquei.
― Quanto aos negócios da empresa, Laura ― Joanne continuou, tomando uma postura mais
profissional, ― quero me colocar à disposição sua ou de Alexander. Tenho certeza de que Adrian
gostaria que um de vocês estivesse por trás das empresas dele.
Pensei por um segundo, sem saber o que responder. Eu nunca havia me imaginado tomando conta
de nada e menos ainda de uma grande corporação como Adrian tinha. Eu nem sabia falar holandês
direito.
― Não se preocupe ― Joanne continuou como se percebesse minha inquietação, ― eu estarei
sempre a sua disposição, caso decida que é você quem deve fazer isso.
Pensei mais. Eu não queria encher ainda mais a cabeça de Alex com os meus problemas. Ele já
tinha os próprios e eles eram bem grandes.
― Acho que posso fazer uma tentativa ― eu disse ainda um pouco insegura.
― Tenho certeza de que tirará de letra. Você é uma garota muito forte, Laura. Vejo isso em seus
olhos. Vi isso naquele dia no restaurante. Foi quando eu soube a razão de Adrian ter tanta admiração
por você.
Sorri, enquanto enfiava mais um pedaço de torta em minha boca. Enfim tinha sido algo bom dar
uma chance a tal advogada. Ela não era nem de longe a caça dotes que eu imaginava que poderia ser.
No fim das contas, Joanne Stein estava mais preocupada em manter o próprio emprego do que em
qualquer outra coisa. Eu entendia isso também. Sabia como era complicado contar moedas no fim do
mês.
Se tudo que ela queria era uma chance, eu estava disposta a abrir meu coração e dar isso a ela,
afinal, no fim das contas, quem iria decidir se ela ficava ou não era mesmo eu.
Joanne e eu terminamos nossa torta e seguimos de volta para casa. Ela parou em frente ao jardim,
mas não estacionou.
― Gostaria de almoçar conosco? ― eu perguntei por que já era quase hora do almoço.
― Ah seria um prazer Laura ― ela me disse sorrindo ―, mas hoje prometi a Trevor que
comeríamos um lanche que ele está pedindo há algum tempo.
― Fica feito o convite então ― afirmei, ― e eu a vejo na empresa amanhã, assim que voltar do
hospital.
― Combinado ― ela concordou. ― Não se preocupe que vou fazer uma nota sobre o estado de
Adrian e divulgar na imprensa. Assim aqueles abutres a deixarão em paz. Caso tenha algum problema
mesmo assim, me avise e partimos para um processo.
Sorri. ― Era bom ter uma garota no time finalmente.
Entrei pouco depois que Joanne passou pelos portões.
― Hum! ― Eu disse entrando na cozinha. ― O cheiro está ótimo, Martina!
Martina sorriu.
― Sabia que iria gostar Srta. Soares. Quis fazer algo caprichado para a senhorita ― ela sorriu
enquanto encarava minha barriga. ― Precisamos alimentar bem esse bebezinho.
Sorri e me sentei em uma das banquetas do balcão.
― John já chegou? ― perguntei.
― Ainda não ― Martina respondeu ―, mas deve chegar logo. Ele saiu ansioso por voltar. Acho
que está com saudades do pai ― e acrescentou, ― você sabe como John é, ele nunca diria isso em
voz alta.
Sorri. ― Sim, eu sabia como John era e sabia por que ele era exatamente igualzinho ao pai.
― E Collin, onde está? ― perguntei depois de uma pequena verificada no ambiente calmo da
casa.
― Brincando com Dona Margarida perto do lago. Ele queria mostrar a ela o avião que ganhou do
pai no último aniversário. O espaço aqui dentro é pequeno para a engenhoca voar.
― Acho que vou até eles ― eu disse levantando-me da banqueta, ― assim não te atrapalho com o
almoço. Se John chegar avise que eu o estou esperando.
― Claro querida. Aviso sim.
Caminhei pelo gramado, passando pela piscina, e segui em direção ao lago. Era uma parte que eu
não conhecia muito bem. Para ser sincera, nos dias em que estive com Adrian na mansão, eu não
tinha muito tempo livre para me aventurar pelo quintal da propriedade.
Margarida estava sentada em um velho banco de madeira e Collin no chão, com as perninhas
esticadas sobre a grama. Tinha um controle remoto nas mãos.
Assim que me aproximei mais, o zumbido de algo passou acima da minha cabeça e depois de
alguns segundos, eu avistei o grande avião vermelho aterrissar, de maneira nada suave, contra o
gramado.
― Laura! ― Collin gritou assim que me viu.
― Hey meu amorzinho, como você passou a manhã? ― eu disse apressando meu passo para
chegar mais perto.
Agachei ao seu lado.
― Eu estou bem. Vovó veio brincar comigo.
― Como está Laura? ― Margarida me cumprimentou. ― Espero não ter roubado muito da sua
noite de sono.
Eu não sabia o que dizer. Não sabia se queria compartilhar com ela minhas impressões sobre o
conteúdo da capa de couro. Eu ainda nem sabia bem o que sentia.
― Acho que acabei dormindo mais cedo do que esperava ― eu disse sem jeito.
Margarida sorriu.
― Se precisar de algo, sabe que basta me chamar ― ela disse e se calou por alguns segundos.
Eu não disse nada também, era um assunto delicado. Margarida não insistiu.
― Como ele está? ― ela me perguntou depois de algum tempo.
― Está melhorando. Ele não está mais em coma induzido. Está apenas com uma sedação leve
porque ao que parece não consegue ficar quieto se estiver acordado.
― O bom e velho Adrian de sempre ― Margarida pontuou e acabamos sorrindo juntas.
― Você viu o papai? ― Collin me perguntou empurrando o avião pelo gramado com as
mãozinhas.
― Vi sim querido ― respondi alisando seus cabelinhos.
― E você disse a ele que eu estou com saudades?
Senti meus olhos marejarem e Margarida tocou a mão em meu ombro devagar, como se quisesse
dizer que sabia o que eu estava sentindo.
― Claro querido. Eu disse sim. E ele prometeu que estará de volta assim que estiver recuperado.
― Você falou mesmo com ele? ― Collin perguntou desconfiado. ― Posso ligar no telefone dele?
― Ainda não Collin. O papai está se recuperando e por isso ele precisa dormir muito tempo ―
expliquei do jeito mais doce que pude. ― Assim que ele puder falar com você, nós vamos dar um
jeito para que aconteça.
Collin sorriu satisfeito.
Eu gostava do modo como as crianças encaravam tudo de ruim que acontecia. Elas sempre tinham
uma esperança, um pouco de fé no futuro. Eu queria ser como elas.
Capítulo 13

Laura

John chegou um pouco depois que levei Collin para dentro.


― Então, acha que consigo ver o coroa hoje? ― ele disse depois de beijar meu rosto.
― Se você comer tudo direitinho ― brinquei passando um prato vazio para ele, ― e fizer a lição
de casa, acho que consegue.
John sorriu.
― Sim mamãe! ― brincou de volta.
Eu o deixei almoçando e subi para o quarto. Queria ligar para Alexander e saber como as coisas
estavam, já que não tínhamos nos visto na saída do hospital.
― Olá Laura ― ele me disse com a voz estranha, fingindo uma animação que não existia. ―
Então, como vai o Leão de Roterdã? Voltou a rugir?
― O Leão vai bem. Provavelmente voltará a rugir nos próximos dias ― eu disse brincando, ― e
nossa princesinha, como está?
― Bem. Muito bem. Estou com ela nos braços agora ― ele respondeu e eu sabia que o problema
não era Louise.
― Ah Alex que notícia boa! Alguma previsão de saída? ― perguntei sorridente.
― Imagino que se tudo continuar assim, nos próximos dias devo levá-la para casa.
Eu estava feliz. Radiante. Sentindo que, devagar, as coisas voltavam aos eixos e eu poderia voltar
a sentir a felicidade de antes. O único problema, é ainda havia uma coisa entre Alex e Louise e sua
felicidade... ― Alissa.
Respirei fundo e fiz a pergunta que não queria, a que provavelmente era a causa da preocupação
de Alexander.
― E Alissa, como está?
― Ela ― ele começou com cuidado, ― ela... ― repetiu, ― sumiu Laura ― disse por fim. — Ela
pediu alta médica e assinou a responsabilidade pelo próprio caso. Saiu sem dizer para onde ia.
Tentei falar com os pais dela, mas não consegui notícia alguma. Eles estão desesperados.
― Você já chegou a conversar algo sobre a guarda com ela? ― perguntei.
Deus do céu a garota não tinha mesmo um pingo de bom senso!
― Não sei como será. Louise ainda precisa dela. Precisa mamar ― Alex respirou forte contra o
telefone. ― Nunca pensei que passaria por tudo isso. Desculpe não conseguir dar a você todo o
apoio que você precisa.
Mulherzinha baixa e sem caráter! ― Pensei, mas não disse nada. Limitei-me a bufar contra o
telefone.
― Você tem sido ótimo Alex ― eu disse, por que era verdade. ― Não penso em nenhuma
maneira de você ser melhor do que é. Eu é que preciso aprender a me virar sozinha. Não quero
preocupar você. Quero ajudá-lo com Louise! — Alexander não respondeu por um tempo. Eu sabia
que estava frágil e sensível e que queria se controlar. ― Hey! Eu vou passar no hospital daqui a
alguns minutos. John quer ver o pai ― expliquei. ― Acha que eu consigo ver Louise?
Eu queria animá-lo. Queria que soubesse que eu também estava ali para ele.
― Acho que sim ― ele respondeu animado. ― Quando chegar até aqui me ligue e eu vejo o que
consigo.
― Ótimo! Combinado ― respondi animada.
― E diga ao Leão que sinto falta dos seus rugidos ― Alex brincou, mas eu sabia que era sincero.
Ele amava Adrian tanto quanto eu o amava.
― O recado será dado. Agora vou descer e ver se o leãozinho acabou o almoço.
Desci a escada e encontrei John sentado no sofá, digitando algo no celular.
― Pronto? ― perguntei.
― Nunca estive tão pronto ― ele respondeu já se levantando.
― Acho que vamos ter que usar o Porsche do seu pai ― eu disse analisando a situação. ― Quero
que Harold fique à disposição das crianças e não sei se vamos demorar.
― Diga ao coroa que além de estar dormindo na cama dele, você ainda está dirigindo o carro
dele, garanto que ele levanta daquela cama e volta para casa correndo ― John disse fazendo piada.
― Podemos tentar. O que acha? ― respondi pegando a chave do Porsche.
Chegamos ao hospital pouco mais de vinte minutos depois. Eu estava um pouco eufórica porque
não costumava sair por aí dirigindo um carro de luxo. Eu provavelmente demoraria um pouco para
me acostumar. Além disso, eu queria ver se conseguia pelo menos dar uma espiadinha em Adrian
antes de voltar.
Entramos e subimos até a unidade de tratamento intensivo. O médico ainda era o mesmo que havia
conversado comigo pela manhã.
― Boa tarde doutor ― eu disse usando tudo que restava do meu charme que a barriga de grávida
não havia levado consigo. ― Esse é o filho mais velho de Adrian. Ele gostaria muito de ver o pai.
Ele não o vê desde o acidente. Acha que seria possível?
John, obviamente, me ajudou com sua carinha de pobre órfão indefeso, embora de pobre e
indefeso ele não tivesse nada.
O médico pensou. Pensou, mas não pode resistir.
― Acho que tudo bem, desde que seja rápido e o paciente não se altere.
― Ah não se preocupe ― John disse com seu holandês polido que deixava claro o quanto havia
sido bem-educado. ― Eu prometo me comportar da melhor maneira possível. Só quero mesmo ver
como meu pai está. Nós somos muito próximos.
Eu quase sorri da sua imitação perfeita de “mini gentleman”, mas permaneci em silêncio fazendo
minha parte de madrasta e esposa exemplar.
O médico acompanhou John e eu até o quarto em que Adrian estava.
― Vou ver como Alex está se saindo com Louise ― eu disse. ― Tenha seu tempo com seu pai e
eu volto bem rápido para tentar vê-lo também.
John sorriu e beijou meu rosto.
― Diga ao tio Alex que mandei um abraço e beije Louise por mim.
― Pode deixar!
Peguei meu celular e disquei para Alexander, enquanto deixava John ter um momento de pai para
filho com Adrian. Eu sabia que ele sentia falta do pai, e que perto de mim ele provavelmente não
diria tudo que gostaria. John era como o pai, não gostava de mostrar o que sentia.
― Oi Alex ― eu disse assim que ele atendeu. ― Acha que consigo ver você e Louise? ―
perguntei rezando para que a resposta fosse positiva.
― Claro Laura! Pode vir até aqui sim, conversei com o pediatra e ele disse que tudo bem.
Caminhei pelo hospital, e parei em frente ao vidro do berçário, encantada com a cena ―
Alexander estava lá, sentado em uma das poltronas, vestido com um avental branco, segurando o
pequeno bebê nos braços, ninando, acariciando seu rostinho como se Louise fosse à coisa mais
preciosa do mundo. E de fato era.
Bati na porta e uma enfermeira veio abrir.
― Você deve ser a Srta. Soares ― ela me disse. ― Venha o Sr. Persen avisou que a senhorita
viria.
Entrei em uma antessala e tirei meu casaco. Vesti um dos aventais esterilizados e passei pela
segunda porta, a que de fato dava acesso ao interior do berçário.
Caminhei até Alexander, parei ao seu lado e sorri.
― Ela é linda, não é? ― ele me perguntou com os olhos brilhando.
― É sim. Linda e muito sortuda por ter você ― eu respondi beijando seu rosto. ― Não consigo
pensar em ninguém com mais amor disponível para ela no mundo inteiro.
― Louise é minha vida, Laura ― ele disse sem me olhar. Seus olhos eram apenas de Louise. ―
Não sei o que faria se alguém tentasse me afastar dela.
― Não acho que ninguém tenha peito suficiente para isso, Sr. Persen ― brinquei. ― O senhor é
melhor dos melhores.
Alex sorriu.
― Quer segurá-la? ― me perguntou.
― Posso? ― eu disse oscilando meu olhar entre Alexander e a enfermeira que nos observava.
A enfermeira sorriu.
― Pode sim, senhorita. Louise não corre mais riscos. Um pouco de amor e carinho só fará bem a
ela.
Sentei-me em uma das poltronas vazias e a enfermeira entregou-me o pequeno pacotinho,
embrulhado em uma manta cor de rosa. Quando senti seu corpinho em meus braços, o mundo todo
pareceu melhor. Mais puro. Mais esperançoso.
― Hey querida ― eu disse correndo meus dedos por seu rostinho, ― eu sou sua tia, sabia? É na
minha casa que você vai poder comer chocolate e pirulito fora de hora. E quando esse cara bonitão
aí do lado ― eu brinquei encarando Alexander, ― fizer algo de que você não goste, pode fugir e se
esconder na minha cama, ok?
A primeira lágrima rolou meio sem querer, enquanto eu falava com ela e pensava que a vida era
mesmo cheia de surpresas. Eu nunca havia sequer sonhado em ter realmente uma família. Tudo que eu
busquei foi saber quem era meu pai. Eu nem podia medir o tamanho da felicidade que sentia, tendo
Louise ali, nos meus braços.
Alexander se aproximou mais e beijou o topo da minha cabeça, agachando-se ao meu lado para
ficar na altura de Louise.
― Eu finalmente tenho uma família ― ele me disse. ― Nós finalmente seremos uma família de
verdade.
― Nós já somos Alex ― eu respondi secando os olhos. ― Nós já somos.
Ficamos ali, brincando e acariciando nosso pequeno bebê, até que enfermeira nos avisou que era
hora de ir. Louise estava fora de perigo, mas ainda precisava de alguns cuidados especiais, e nós
queríamos mais que qualquer um que ela tivesse o melhor tratamento que pudesse.
― Quer ver como o leão está? ― brinquei. ― Deixei John com ele.
― Claro ― Alex respondeu seguindo pelo corredor que dava acesso aos elevadores.
Chegamos ao andar da Unidade de Terapia Intensiva alguns minutos depois. Caminhamos até a
sala.
John ainda estava lá, sentando em uma banqueta ao lado do pai. Ele conversava como se Adrian
pudesse ouvi-lo, com seu jeito despreocupado de sempre, como se contasse algo para um amigo.
Aproveitei que não encontrei médico algum por ali e entrei. Alexander ficou esperando que John
saísse para lhe fazer companhia.
― Então, como vão meus garotos preferidos? ― eu disse assim que entrei.
― Eu estou em plena forma ― John brincou. ― Agora o coroa, é como eu sempre digo, você
deveria trocá-lo por um modelo mais novo.
Sorri.
― John! Que coisa horrível de se dizer.
― Eu sou sincero Laura, sempre. Você já devia saber disso.
― Seu pai tem razão sabia? Você é um garoto insolente ― brinquei.
― Bem vou te deixar a sós com o velho Sr. Galagher ― John disse levantando-se.
Antes de sair de perto de Adrian, ele se abaixou ao lado do pai e beijou seu rosto. Eu não queria
chorar, mas não pude segurar por muito tempo.
― Hey coroa ― ele disse com o rosto bem perto do rosto do pai, ― você precisa voltar logo. As
coisas não são as mesmas sem você.
Limpei meus olhos com as costas da mão.
― E não esquece pai, a garota vale mesmo à pena, viu? Faz um esforço para voltar para casa e
talvez ela ainda esteja na sua cama ― brincou, ― e tem mais uma coisa — John respirou fundo,
fazendo uma pausa. Eu podia jurar que ele estava segurando o choro. ― Eu te amo, pai. Sinto sua
falta.
John beijou Adrian mais uma vez e saiu, sem me encarar, meio fungando, meio sorrindo para
disfarçar o quanto estava abalado.
Eu fiquei com Adrian por mais alguns minutos. Queria ter mais um tempinho com ele. Eu sabia
que Alex estaria lá fora, amparando John no que ele precisasse e John sabia disso também.
― Senti saudades amor ― eu disse abaixando-me para beijá-lo.
Já era uma rotina. Uma rotina boa. Conversar com ele sem que ele me respondesse. Eu estava me
acostumando a deixar meus sentimentos falarem mais alto, a esquecer da razão. Era bom fazer isso
quando ele não podia responder.
Toquei minha mão sobre a sua e cheguei minha boca perto da dele. Quando meus lábios o
tocaram, eu senti tudo ao meu redor balançar com um único toque. Era um pequeno e discreto aperto
em meus dedos, mas era ele. Meu Adrian, de volta.
Afastei-me devagar e encarei seus dedos apertando-se contra os meus. Abobalhada, sem saber
como reagir.
Quando voltei a encarar seu rosto, seus belos olhos cor de mel estavam fixos em mim. Adrian não
disse nada. Não se moveu. Provavelmente porque não podia controlar o corpo tão bem como de
costume.
Seus dedos tocaram os meus devagar, acariciando minha pele. Fechei os olhos e deixei que meu
corpo sentisse o toque que eu tanto ansiava. Eu podia sentir meu coração bater tão forte que parecia
querer abrir caminho para fora do meu peito na marra.
― Senti tanto a sua falta ― confessei acariciando seus dedos também. ― Eu fiquei com tanto
medo amor.
Adrian me encarava com os olhos calmos, serenos. Era como se tudo estivesse em perfeita ordem
para ele.
― Espero que você não sinta mais nenhuma dor ― continuei conversando como se ele pudesse
me responder. ― Não posso suportar a ideia de que você esteja machucado.
Os dedos de Adrian ainda estavam nos meus, exercendo uma pequena pressão, mostrando que ele
estava ouvindo.
― Quero te contar uma coisa ― eu disse pegando a mão dele e colocando sobre minha barriga,
― já sinto nosso bebê se mexer ― confessei sentindo as primeiras lágrimas rolarem dos meus olhos.
― É a melhor sensação do mundo. Saber que um pedacinho de você está crescendo aqui dentro.
Adrian apertou mais a mão contra minha barriga, sentindo o tecido fino do meu vestido,
escorregando os dedos pela minha pele. Uma pequena lágrima brilhou no canto dos seus olhos e
escorregou devagar, descendo pela lateral do rosto até se perder no lençol.
― Não chora amor ― eu pedi, ― se você chorar vou desistir de segurar essa comporta que estou
mantendo aqui ― brinquei. ― Você precisa melhorar. Nós sentimos sua falta.
Fiz uma pausa e respirei fundo, deixando meus medos de lado e abraçando o que poderia ser
minha chance de desfazer o passado, seguir em frente, ser feliz.
― Eu sinto tanto a sua falta, Adrian. Preciso tanto de você.
Acariciei seu rosto com a minha mão livre, alisando seus cabelos despenteados para trás, como eu
sabia que ele gostava.
― Eu te amo ― sussurrei beijando sua boca suavemente. ― Agora eu preciso ir para você se
recuperar. Promete que vai se esforçar para melhorar logo? ― pedi. ― Eu vou continuar cuidando
de tudo para você. Não se preocupe Sr. Galagher ― brinquei e beijei-o de novo.
Afastei-me sem querer ir. Eu queria ficar ali, encarando seus olhos claros, tentando decifrar o que
diziam sem palavras. Eu ficaria a noite toda em pé, se o hospital me permitisse, mas sabia que isso
não seria bom para nenhum de nós. Ele precisava de tranquilidade, e eu precisava disso também.
Precisava cuidar do nosso bebezinho e precisava cuidar dos dois pequenos que também eram meus e
esperavam por mim em casa.
Quando entrei no carro de volta para a mansão de Adrian, meu coração estava em paz. As coisas
estavam se ajeitando mais rápido do que eu podia imaginar. Alexander estava feliz. Louise estava
bem, Alissa longe, apesar de tudo. Adrian se recuperando e eu estava tomando o controle do que
queria para mim.

Adrian

Eu podia sentir, lentamente, meu corpo voltar a responder. A ter controle. Minha mente estava
desperta. Eu queria me levantar e queria dizer ao meu filho que eu estava ali. Que eu nunca o
deixaria só. Queria dizer que o amava tanto, e que ele não havia saído de nenhum dos meus
pensamentos desde que voltei a ter controle sobre a minha mente.
“Pai, eu sinto tanto sua falta. Não consigo sem você” ― ele me disse e eu senti meu coração
doer.
Eu forçava minhas pálpebras a se abrirem, mas elas se recusavam. Eu queria que ele me visse
com meus olhos abertos, olhando para ele, ouvindo o que ele tinha a me dizer.
“Pensei que seria difícil quando perdemos mamãe” ― ele continuou, ― “mas eu sabia que
você estava lá. Agora pai, eu não sei o que fazer sem você. Eu não sou crescido o suficiente para
ficar sozinho. Preciso que você volte”.
Eu tentava apertar meus dedos. Mover algo em meu corpo, esboçar alguma reação. Queria que ele
soubesse que eu estava bem, que estava ali e que voltaria o mais rápido que pudesse, mas meu corpo
estúpido não se movia.
Malditos medicamentos! ― Pensei.
Eu sabia como era. Eu me lembrava de ver Patrícia assim, inerte, mesmo que a cabeça ainda
funcionasse, lutando contra a dor. Eu sabia também que se não fossem os medicamentos eu
provavelmente estaria sentindo dor. Eu tinha certeza de que parecia muito pior do que realmente me
sentia.
E então ela entrou. Seu perfume se espalhou no ar e eu senti meu coração se acalmar ― ela estava
ali.
Eu me lembrava de ter ouvido a voz dela em outros dias, mas não sabia se era a minha mente
perturbada pelo coma, me induzindo a pensar no que me fazia bem. Eu tinha tanto medo de que ela
não viesse.
― Então, como vão meus garotos preferidos? ― ela disse e se aproximou.
Inspirei com cuidado, puxando o máximo que podia dela para dentro de mim. Eu sentia tanto a
falta dela. Sentia falta do seu cheiro, do seu gosto.
Sentia falta de olhar nos seus olhos e ter certeza de que qualquer coisa que eu tivesse que fazer
por ela, valia à pena.
― Eu estou em plena forma ― John brincou. ― Já o coroa, é como eu sempre digo, você deveria
trocá-lo por um modelo mais novo.
Eu quis sorrir junto porque o garoto não perdoava uma. Ele tinha um jeito sarcástico de tentar
tornar as coisas mais tranquilas, mesmo que seu interior estivesse em tempestade.
― John! Que coisa horrível de se dizer ― Laura o repreendeu.
Ela era tão doce. Tão meiga e carinhosa comigo. Mesmo que soubesse que era brincadeira dele,
ela não permitia que me destratasse e eu amava isso nela. Laura me defendia mesmo que eu não
merecesse. Estava ao meu lado, mesmo que isso fosse difícil para ela mesma aceitar.
Eu imaginava o quanto devia custar a ela estar ali, depois de eu ter bancado o imbecil infantil e
duvidado dela. Ela estava lá e isso significava que iria me dar uma nova chance.
― Eu sou sincero Laura. Sempre. Você já devia saber disso ― John continuou, mas sua voz já era
cheia de carinho também.
No fundo ele gostava de saber que ela me defendia. Eu os amava tanto.
― Seu pai tem razão sabia? Você é um garoto insolente ― ela disse quase sorrindo.
― Bem vou te deixar à sós com o velho Sr. Galagher ― John disse se afastando.
John se levantou, eu pude perceber pelo calor da sua aproximação. Chegou bem perto de mim e
sussurrou.
― Hey coroa. Você precisa voltar logo. As coisas não são as mesmas sem você.
E então meu coração se quebrou. Eu precisava me esforçar mais. Precisava voltar mais
rápido. Eu não podia deixá-los na mão, sem apoio, sem cuidado.
― E não esquece pai, a garota vale mesmo à pena, viu? ― ele continuou. ― Faz um esforço para
voltar para casa e talvez ela ainda esteja na sua cama ― brincou, ― e tem mais uma coisa — esperei
para ouvir qual seria a outra coisa que ele tinha a me dizer. Eu o conhecia tão bem que podia sentir
que ele segurava as lágrimas, escondendo atrás do sorriso de menino. ― Eu te amo, pai. Sinto sua
falta.
Eu ainda estava ali, inerte, sem poder esboçar o que sentia. Queria puxá-lo para mim e apertá-lo
contra os meus braços.
Queria dizer a ele que não havia nada no mundo que me deixasse mais feliz do que ter os meus
filhos comigo. Que eu sentia tanto orgulho dele que nem sabia como cabia tudo em meu peito, mas eu
não pude.
Eu ainda estava ali, inerte, sentindo meu filho se afastar. Sozinho, com medo,
desamparado. Parei. Respirei fundo. Concentrei-me. Eu precisava mostrar que estava bem. Que isso
tudo era passageiro e que em breve eu estaria de volta.
Senti quando ela se aproximou, mas mantive o máximo de concentração que podia. Eu queria
acordar. Queria voltar a ter controle sobre o meu corpo.
Quando seus lábios tocaram os meus eu tive força para o impossível. Consegui vencer a
medicação, minhas limitações físicas. Eu queria senti-la.
Apertei o máximo que pude meus dedos em torno dos dela.
Ela se afastou do meu rosto e parou. Eu precisava saber o que fazia, então forcei meus olhos a se
abrirem o máximo que pude. Eu faria qualquer coisa, qualquer esforço.
Quando pude focar seu rosto eu quase fiquei sem ar. Ela estava ainda mais bonita do que eu me
lembrava. Radiante, iluminada, linda. Minha Laura.
Meus dedos acariciaram os seus o máximo que eu conseguia. Eu sabia que era um pequeno toque,
mas sabia também que ela perceberia que era o máximo que eu podia fazer. Que eu estava me
esforçando por ela, por nós.
― Senti tanto a sua falta ― ela confessou acariciando-me de volta. ― Tive tanto medo amor.
De todas as vezes que fizemos amor, de todas as vezes que eu a tive comigo, nenhum dos nossos
contatos foi mais íntimo que esse. Nenhum foi mais intenso, mais apaixonado.
Nós estávamos nos amando com a ponta dos dedos, porque nosso coração já pertencia um ao
outro.
Os olhos dela estavam nos meus, cúmplices, tão meus. Eu queria me levantar e puxá-la para mim.
Queria dizer que a amava mais do que havia sequer sonhado amar alguém, mas eu não consegui.
Então eu permaneci encarando seus olhos bonitos, esperando que ela compreendesse.
― Espero que você não sinta mais nenhuma dor ― ela disse com os olhos cheios de carinho para
mim. ― Não posso suportar a ideia de que você esteja machucado.
Continuei acariciando-a o mais forte que podia. Eu não queria que ela se preocupasse comigo.
Que tivesse medo por mim. Eu queria que ela soubesse que eu estava ali, e que cuidaria dela para
sempre.
― Quero te contar uma coisa ― ela disse colocando minha mão sobre sua barriga, ― já sinto
nosso bebê mexer. É a melhor sensação do mundo ter um pedacinho de você crescendo aqui dentro.
Eu podia ver os seus lindos olhos castanhos marejados. Podia sentir toda a emoção que ela sentia.
Um filho. Mais um filho. Um pedaço meu e de Laura, algo que nos faria unidos para sempre.
Meu bebê. Estava ali, ao alcance da minha mão. Descansando e crescendo no ventre da mulher
que eu amava.
Não pude resistir. Nem pude ser forte. As lágrimas rolaram dos meus olhos sem que eu tivesse
controle sobre elas, perdendo-se em minha pele. Eu seria pai mais uma vez. Eu iria realmente viver
isso mais uma vez. Eu os teria comigo. Laura e o nosso filho.
― Não chora amor ― ela me pediu segurando as próprias lágrimas, ― se você chorar vou
desistir de segurar essa comporta que estou mantendo aqui ― ela disse sorrindo. ― Você precisa
melhorar. Nós sentimos sua falta.
Eu queria dizer a ela que não chorasse também. Que eu estaria ao lado dela para o resto da nossa
vida. Queria dizer que minhas lágrimas eram de felicidade.
― Eu sinto tanto a sua falta, Adrian. Preciso tanto de você.
Laura acariciava meu rosto, mas tocava tão fundo em meu coração que era quase doloroso. Eu
nunca havia me sentido assim. Não era como nada que eu havia sentido na vida.
― Eu te amo ― ela sussurrou beijando-me suavemente. ― Agora preciso ir para você se
recuperar. Promete que vai se esforçar para melhorar logo? ― pediu com os olhos ainda marejados.
― Eu vou continuar cuidando de tudo para você. Não se preocupe Sr. Galagher.
Ela me beijou de novo e se foi. Deixei que meu coração fosse com ela. Eu não queria mais ter
controle sobre nada. Se ela iria cuidar de mim, então eu deixaria que o fizesse porque nada me faria
mais feliz.
Capítulo 14

Laura

John e eu chegamos em casa pouco antes do entardecer. Era uma bela tarde de primavera e tudo
parecia sorrir comigo pela melhora de Adrian.
― Se continuar cantarolando assim, irei inscrevê-la em um daqueles programas de calouros ―
John brincou. ― Juro que vou.
― Ah John, pode parar! ― Eu disse estacionando o carro próximo ao jardim. ― Vai me dizer que
não está feliz por seu pai estar de volta?
Ele não respondeu por alguns instantes, perdidos nos próprios pensamentos, encarando o sol se
pondo ao longe, onde os telhados íngremes das casas pareciam uma moldura serrilhada. Depois de
um tempo, respirou fundo e então continuou.
― Nem sei explicar como estou aliviado ― ele disse e se calou novamente.
Não resisti, apertando John pelo pescoço, sentindo seu perfume limpo, suave.
― Eu também John! ― confessei. ― Não sei o que faria se algo ― parei a frase no meu, se algo.
Eu não conseguia continuar simplesmente porque pensar no que podia ter acontecido era doloroso
demais.
Depois da minha conversa com Stein e de tudo que ela havia me contado sobre sua vida e como
tudo havia terminado, eu pensava que Adrian e eu havíamos ganhado uma chance de ouro do destino
e que no que dependesse de mim, eu jamais deixaria que essa chance escapasse por entre os meus
dedos.
― Laura! ― Hanna veio correndo pelo jardim, ― você está mesmo aqui conosco!
― Estou sim querida! ― respondi descendo do carro para abraçá-la, ― e estou muito feliz com
isso.
Eu me abaixei no gramado, apoiada contra o carro e apertei Hanna entre os meus braços. Ela me
apertou por um tempo, depois afrouxou um pouco o aperto e deixou a cabecinha pender contra o meu
peito, alisando os fios de cabelo que caiam pelo meu pescoço.
― Nem acredito que vou ter uma mamãe de novo ― ela disse eu senti meu coração diminuir.
Assim como Hanna, eu sabia muito bem como era não ter uma mãe. Mesmo que a minha não
tivesse morrido, eu sabia o quanto uma mãe de verdade fazia falta.
― O que acha de dormirmos todos juntos hoje na cama do papai de novo? ― sugeri enquanto seus
olhinhos se acendiam.
― Jura? ― ela me perguntou.
― Claro querida! Acho que seria ótimo! Aquele quarto fica grande demais quando o papai não
está. Não acha?
― Eu acho! ― Hanna concordou.
― E acho que tudo bem se nós comermos uma pizza no jantar de hoje! ― continuei segurando em
suas mãozinhas e a levando para dentro. ― Eu tenho mesmo uma boa notícia e acho que precisamos
comemorar.
― Oba! ― Hanna gritou saltitando ao meu lado.
Encarei John que sorria em silêncio. Sorri junto, mas nenhum de nós dois disse mais nada.
Não era preciso que ele dissesse que aprovava minhas decisões porque eu podia ver isso em seus
olhos. Ele era o único dos filhos de Adrian que havia aproveitado um pouco do que era ter realmente
uma mãe por perto. Eu imaginava que ele sabia o quanto isso fazia falta para os irmãos.
― Martina, Martina ― Hanna entrou gritando pela casa, ― Laura disse que nós podemos pedir
pizza para o jantar de hoje!
Martina veio ao nosso encontro secando as mãos no avental.
― Isso significa que você terá uma folga da cozinha por hoje ― eu disse dando um beijo em seu
rosto, ― significa também que nós a estamos convidando para comer pizza conosco. Vamos fazer
uma grande festa porque eu tenho boas novas!
Martina sorriu.
― Graças a Deus senhorita! ― ela me disse animada.
― Onde está Margarida? ― perguntei.
― Descansando um pouco ― Martina disse mudando a expressão para preocupação. ― Ela não
se sentiu bem hoje.
― E Collin? ― perguntei por que não o tinha visto pela casa.
― Com ela ― Martina respondeu. ― Desde que ela se deitou, ele se recusou a sair do lado dela.
Sorri. Collin era um garotinho corajoso. Ele podia ser muito jovem, mas seu espírito era
muito mais maduro do que o corpinho demonstrava. Ele era um pequeno grande homem, como havia
aprendido a ser com o pai.
― Vou vê-los e depois vou tomar um banho e vestir algo mais confortável ― eu disse beijando
Hanna e deixando-a com Martina.
― Não se preocupe, eu cuido de Hanna. Ela estará pronta para o jantar quando a senhorita descer
― Martina disse dando a mão à Hanna.
Subi a escada degrau por degrau. Estava cansada, mas também preocupada. Eu podia não ser a
melhor amiga do mundo de Margarida. Nós tínhamos todas as razões possíveis para não sermos nem
mesmo colegas, mas eu não a odiava. Para ser sincera, eu nem sabia explicar o sentimento confuso
que existia entre Margarida e eu, mas era algo bom.
Abri meu telefone e disquei o número de Alexander.
― O que acha de uma noite de pizza? ― perguntei. ― Acho que precisamos comemorar muitas
coisas.
― Acho que você tem toda razão ― Alex respondeu, ― e não se preocupe, eu levo o jantar.
Caminhei pelo corredor e ouvi um barulho vindo da sala de TV que havia no andar superior. Bati
na porta antes de entrar.
― Entre ― ouvi Margarida dizer.
Quando abri a porta, acabei sorrindo. Margarida estava sentada no chão acarpetado, pernas
esticadas sobre algumas almofadas, enquanto Collin contava algo a ela sobre o desenho que passava
na TV. Ele estava relaxado, aproveitando enquanto a avó fazia cafuné em seus cabelinhos.
― Laura! ― Ele gritou assim que me viu.
― Olá querido! ― Respondi entrando na sala. ― Como passou o dia?
― Fiz companhia para vovó. Ela estava dodói ― ele me explicou, ― ela me disse que já estava
melhorando.
Voltei os olhos para Margarida que sorria e acabei sorrindo também.
― Sente-se melhor, Margarida? ― perguntei preocupada.
― Sim querida, sinto-me muito bem depois de passar à tarde com meu melhor enfermeiro.
Margarida beijou o rostinho de Collin e ele a beijou de volta.
― Acho que agora você deveria deixar a vovó descansar um pouco Collin ― eu disse estendendo
a mão para ele. ― Vamos tomar um banho bem gostoso e colocar o seu pijama. O jantar de hoje será
pizza!
― Oba! ― Collin gritou animado.
― Come pizza conosco, Margarida? Quero contar como foi hoje no hospital.
― Boas notícias penso eu ― ela me disse analisando meu rosto.
― As melhores.
― Que bom Laura! ― Margarida disse levantando-se. ― Eu os encontro em alguns minutos.
Collin escolheu um pijama do Barney, roxo com uma cauda feita de tecido que imitava a cauda do
dinossauro. Penteei seu cabelo e o levei até o quarto de John.
― John? ― bati na porta e o chamei.
― Entra mamãe ― John brincou.
― Pode cuidar do seu irmão para que eu possa tomar banho?
― Claro! Manda o pirralho aqui, mas não se acostume ok? ― ele disse abrindo os braços e
soltando o controle do vídeo game. ― Eu ainda sou um adolescente e minha função é encher o seu
saco.
― Prometo que não vou me esquecer disso, pequeno Sr. Galagher ― brinquei de volta.
Caminhei até o quarto de Adrian e fechei a porta. Tirei a roupa e entrei debaixo do chuveiro.
A água estava morna e abundante. Muito, muito agradável. Eu ficaria por um longo tempo, se não
tivesse três crianças esperando por mim, lá embaixo.
Saí do chuveiro, me sequei e vesti um agasalho de moletom. Ainda estava um pouco frio e tudo
que eu queria era algo confortável e quentinho.
Quando estava no meio da escada, ouvi a porta se abrir e Alexander entrar debaixo dos gritos de
Hanna e Collin.
― Parece que cheguei na hora certa ― eu disse assim que os vi na sala.
Havia quatro caixas de pizza abertas sobre o aparador do bar e vários pratos sobre a mesinha de
centro.
― Espero que não se importe de John ter arrumado o jantar na sala de estar Laura ― Martina
perguntou preocupada.
― Não se preocupe Martina, hoje é um dia especial. Eles podem comer onde quiser ― eu
respondi acalmando Martina, ― e como eu não podia deixar de dizer a vocês. O papai acordou! ―
Gritei o mais alto que consegui.
Os olhinhos dos meus pequenos se acenderam no mesmo instante. Eles eram bons demais para
reclamar, mas eu sabia o quanto sentiam a falta do pai. Adrian era um pai maravilhoso e tê-lo por
perto era um presente. Um presente que meu bebê teria também.
Margarida caminhou até mim com sua bengala. Sorriu com um sorriso gentil e carinhoso. Colocou
a mão sobre a minha.
― Eu tinha certeza de que ele sairia dessa, querida. Tinha certeza. Vocês dois mereciam isso.
Encarei seus olhos por um tempo e então sorri de volta. Era bom saber que ela torcia tanto pelo
meu final feliz. Mesmo que esse final feliz fosse ao lado do genro dela.
― Obrigada ― eu disse e então a ajudei a se sentar.
Comemos nossa pizza entre sorrisos e brincadeira, mas a cada nova piada, eu sentia ainda mais a
falta de Adrian. Ele podia ser arrogante e rabugento, mas tenho certeza de que adoraria estar
conosco.
Era como se um pedaço de mim estivesse ali, naquele hospital o tempo todo com ele. Não tinha
graça sem ele ali. Nada tinha. Nada tinha o mesmo sabor, a mesma cor.
Depois de me despedir de Alexander, subi levando Hanna pela mão. John carregou Collin no
colo. Assim que entraram no quarto, eles pularam na cama e começaram a se ajeitar.
― Laura ― Hanna me chamou, ― você vai ler uma história para nós?
― Ainda dá tempo de dispensar os pestinhas e ter uma noite decente de sono ― John brincou. ―
Quer ajuda?
― Tudo bem ― eu disse beijando seu rosto. ― Eu dou conta desses dois. Agora descanse John.
Você também teve um dia cheio.
Beijei o rosto de John e ele se foi pelo corredor. Puxei o edredom e me deitei entre Hanna e
Collin.
― Vou contar a vocês uma história que minha avó contava para mim quando eu era criança, ok?
Eles assentiram.
― É uma lenda do meu país. Sobre uma sereia que encantava os marinheiros com o seu canto.
Os olhinhos de Hanna se acenderam. Ela amava histórias de encantamentos e sonhos. Collin
bocejou e se aconchegou mais em mim.
Não cheguei nem na metade da lenda da Iara, quando os dois adormeceram. Fechei os olhos.
Eu estava feliz. Muito feliz. Tinha muita esperança de que, em breve, poderia ouvir a voz dele.
Sorri, correndo as mãos pela minha barriga e fiz uma pequena prece de agradecimento. Eu tinha
muitos pedidos, mas tinha tantos agradecimentos que eles se sobrepunham. Eu não podia reclamar de
nada. Tinha três filhos lindos que havia ganhado de presente. Meu bebezinho crescia tranquilo dentro
de mim. Eu tinha o irmão mais companheiro que alguém poderia querer. Tinha um pai preocupado e
um chefe que me compreendia e amparava. E o mais importante, eu tinha um homem que eu amava
muito e tinha ganhado uma segunda chance de Deus para lutar por nós dois.
Respirei fundo e só agradeci.

Adrian

O dia demorava tanto a passar. Não havia nada que eu pudesse fazer para apressar o processo de
cura do meu corpo. Eu tinha tempo livre demais e isso acabaria por deixar minha mente doente, ainda
que meu corpo terminasse são.
Encarei o botão vermelho próximo a minha cama, juntando forças para que eu conseguisse apertá-
lo.
Maldito corpo estúpido! ― pensei.
Fiquei ali, sem conseguir me mover o suficiente, encarando as cortinas fechadas do meu quarto
silencioso, agradecendo mentalmente por pelo menos ter um relógio de parede.
Quando os ponteiros marcaram cinco da tarde, a maçaneta girou e uma moça entrou carregando
toalhas e um pequeno recipiente com algum líquido.
― Oh meu Deus! ― Ela disse assim que viu meus olhos abertos, encarando os dela. ― O senhor
acordou! ― Exclamou como se eu tivesse acabado de subir o Everest correndo.
Eu queria responder algo, mas falar ainda não era possível.
― Vou chamar o doutor ― ela disse como se fizesse diferença para mim quem entraria ou não no
quarto.
Fiquei sozinho por mais um longo tempo e fiz uma nota mental de reclamar do atendimento do
maldito hospital ― eu simplesmente odiava esperar.
Depois do que me pareceu bem próximo de uma década, a porta se abriu novamente.
Um rapaz jovem, pouco mais de trinta anos passou por ela com uma prancheta nas mãos.
― Sr. Galagher ― ele começou, ― vejo que se recuperou. Imagino que não precise mais dos
medicamentos.
Ergui uma sobrancelha para ele porque eu não sabia se ele realmente esperava que eu pudesse
responder, ou se falava mesmo sozinho.
― Oh desculpe ― ele continuou, ― o efeito passará em mais algumas horas e o senhor
recuperará todos os movimentos, inclusive a fala.
Suspirei animado.
― Vou examiná-lo e vamos combinar como nos comunicaremos.
Ele falava e falava e eu continuava encarando seus olhos azuis, rezando para que ele não fosse
apenas um imbecil de jaleco.
― O senhor sofreu um acidente grave ― ele disse e eu lutei contra a vontade de revirar os olhos.
― Sofreu muitos ferimentos diferentes. De alguns, já estão praticamente curado, outros demorarão
um pouco mais.
Continuei ouvindo.
― Quebrou algumas costelas e por isso deverá mover-se com cuidado, ainda que tenha pleno
controle sobre seus movimentos.
Assenti, mexendo o pescoço suavemente para frente e fechando e abrindo os olhos.
― Ótimo, já estamos conseguindo nos comunicar ― o médico continuou, ― uma dessas costelas
quebradas perfurou seu pulmão, mas a lesão está se curando adequadamente. Felizmente nenhum
outro órgão interno foi danificado na queda.
Assenti mais uma vez. Então essa era a razão de eu sentir tanta dor ao respirar.
― O senhor teve algumas fraturas na Tíbia e uma na Fíbula. Os ossos foram colocados no lugar
assim que senhor deu entrada no hospital. Uma intervenção cirúrgica foi necessária, e agora o senhor
possui algumas placas e parafusos fixando as fraturas umas às outras. Esse método garante uma
melhor calcificação para o osso, que se trata de um processo lento, em alguns casos. Devido a isso, a
equipe da ortopedia está monitorando seu caso. Mas de qualquer maneira o ortopedista virá
conversar com o senhor pela manhã, e poderá esclarecer todas as dúvidas que lhe restarem.
Encarei minha perna. Eu sentia como se ela formigasse um pouco e doesse muito, mas estava feliz
porque sentia minhas duas pernas e dada à gravidade do acidente, isso já era motivo de
comemoração.
Assenti concordando.
― O que mais me preocupava Sr. Galagher ― o médico continuou, ― era um inchaço sem causa
aparente além do trauma em seu cérebro. Nós tínhamos algumas inseguranças quanto à causa e por
isso queríamos mantê-lo sedado o máximo de tempo possível, mas vejo que não era tão sério quanto
pensávamos.
Sorri com o canto da boca e lancei um olhar sarcástico ― ele realmente não conhecia Adrian Van
Galagher. Manter-me sedado? Bem difícil.
― Vou examiná-lo e quero que seja muito sincero. Precisamos ter noção da extensão dos danos.
Assenti com um movimento longo de cabeça, seguido de mais uma piscada.
― Caso sinta dor quero que me avise piscando duas vezes. Acha que consegue.
Assenti.
O médico começou com uma daquelas luzinhas azuis irritantes bem nos meus olhos. Eles estavam
sensíveis e eu sentia dor de cabeça. Eu precisava dos meus óculos, no mínimo.
Não reclamei, mas também não consegui permanecer com os olhos abertos e focados no tal
aparelho. Ele não insistiu.
Examinou minha boca, minha garganta. Minha capacidade de engolir. Meus ouvidos e então voltou
aos meus olhos.
― Percebo uma sensibilidade em sua visão, Sr. Galagher ― ele me disse. ― O senhor usa lentes
corretivas?
Assenti mais uma vez.
― Estava com elas no momento do acidente? ― ele perguntou.
Assenti.
― Então esse deve ter sido o problema. A equipe de socorro deve ter retirado suas lentes e não
nos avisou. Quando alguém sofre um trauma na cabeça usando lentes de contato, pode ser que isso
cause um pequeno dano na íris. Vamos tratar disso. Não vejo nenhum outro problema grave.
Soltei o ar dos pulmões de uma única vez. Eu nem sabia que estava segurando o ar por tanto
tempo.
― Vamos repetir os exames em seu cérebro, Sr. Galagher, mas não quero que se preocupe.
Assenti.
― Agora vamos examinar seu corpo.
Ele retirou o lençol de cima de mim e eu percebi que estava de fralda. Revirei os olhos e agradeci
mentalmente por Laura, nem John ou ninguém ter me visto naquele estado ridículo e deplorável.
O médico apalpou e apalpou cada pedaço do meu corpo e eu fiquei ali, sentindo-me como um
imbecil imprestável, enquanto ele fazia sua pequena verificação. Quando chegou à minha costela eu
reclamei de dor sem querer.
― Esse inchaço e essa dor demorarão mais alguns dias para sumirem ― ele concluiu depois de
me apertar mais um pouco.
Assenti.
― Vou pedir que descanse um pouco, Sr. Galagher. Se conseguir dormir, provavelmente irá
acordar bem melhor e mais seguro das suas capacidades. Quando isso acontecer, pedirei a um
enfermeiro que venha auxiliá-lo no banho e poderá vestir-se e ter uma refeição de verdade. Imagino
que já esteja enjoado desta aqui ― ele brincou mexendo em meu soro.
Eu teria sorrido se fosse engraçado, mas não era.
Eu estava cansado, com dor, querendo minha casa, minha mulher e minhas roupas ― eu não queria
rir de uma piada boba. Assenti com o mais próximo de um sorriso que eu podia chegar e rezei para
que ele pensasse que eu não tinha capacidade de fazer mais do que estava fazendo.
Capítulo 15

Laura

Despertei bem antes de o sol nascer. Eu havia sonhado com Alissa. Um sonho ruim. Ela tentava
pegar Louise dos meus braços, eu a empurrava até que ela caia de uma ponte e eu começava a gritar
para que alguém a ajudasse.
Sentei-me na cama com cuidado para não acordar as crianças e abri a gaveta da mesinha de
cabeceira. A capa de couro com as cartas estava ali. Segui minha leitura. Era a caligrafia que eu não
conhecia.
“Sei que está se sentindo sozinha, Lief. Sei que sente falta de ser amada, cuidada. Sei também
que foi por isso que me procurou, mas eu não me importo. Esses anos sem você foram como mil
anos de solidão. Não houve um momento sequer em que eu a tenha esquecido. Sentir seu perfume
de novo em meus lençóis me faz querer dormir para poder sonhar”.
As mesmas iniciais estavam no rodapé do pequeno pedaço de papel. Não havia data alguma, mas
eu sabia que não era um bilhete de Adrian. E se não era de Adrian, provavelmente era do tal amante.
Eu sabia pouco demais sobre tudo isso, mas o homem que escrevia as cartas não me parecia um
oportunista que abandona a amada por estar doente e grávida. Eu era esperta o suficiente para saber
que toda história tinha pelo menos duas versões e começava a acreditar que a que Adrian conhecia
não era uma verdade absoluta.
Depois desta, muitas e muitas declarações de amor. Recados apaixonados e profundos, escritos
por alguém que realmente amava Patrícia. “Lief” era uma palavra que eu não conhecia.
Provavelmente escrita em algum dialeto holandês ou coisa assim. Soava carinhoso e delicado,
mesmo que eu não soubesse o que significava.
Não encontrei nenhuma carta de Adrian entre as outras. Apenas recordações de Patrícia que eu
não conseguia interpretar. Fechei o caderno e deixei minha mente vagar. Talvez não tivesse sido uma
aventura. Talvez ela tivesse mesmo se envolvido com o tal homem. Às vezes o amor nos descontrola,
nos faz tomar decisões erradas e mesmo assim pensar que são certas.
Acabei dormindo muito mais do que deveria. Quando abri os olhos novamente, Hanna e Collin
não estavam mais no quarto. Levantei assustada e segui pelo corredor. Quando passei pelo quarto de
John, a porta se abriu.
― Ai meu Deus John, quer me matar de susto! ― Eu disse com a mão sobre o peito.
― E olha que eu nem estou pelado! ― John brincou e me beijou na bochecha.
Sorri e exclamei.
― Garoto bobo!
Descemos a escada conversando sobre como faríamos para que ele pudesse ver o pai o mais
rápido possível. Margarida já estava à mesa com as crianças.
― Bom dia Margarida ― eu disse me sentando.
John caminhou até ela e lhe beijou o rosto.
― Bom dia Sra. Tavares. Como a senhora passou a noite? ― perguntou sentando-se também.
― Muito bem, meu querido. Obrigada! ― Ela disse esticando-se para retribuir o beijo, ― e bom
dia para você também Laura. Fico feliz em ver a mesa assim, tão animada. Tenho certeza de que
Adrian também ficaria.
― Logo, logo ele estará de volta Margarida. Estou muito esperançosa ― eu disse dando um gole
em meu café.
Margarida sorriu, mas não disse mais nada.
Depois de tomar o café, acompanhei as crianças até o carro e deixei que Harold os levasse até a
escola. Subi para o quarto e me preparei para sair.
Eu queria parecer profissional e digna da responsabilidade de tomar conta dos negócios de
Adrian, mas não era muito fácil fazer isso com minha nova silhueta de grávida. Engraçado como toda
roupa parece ficar fofa e delicada em alguém com barrigão de bebê.
― Acho que preciso fazer compras ― eu disse para mim mesma enquanto confirmava que os
botões das minhas calças estavam longe de se fechar. ― Não vejo à hora de te ver novamente ―
disse acariciando o arredondado em minha barriga. ― Você está crescendo tão rápido. Acho que
logo vamos saber quem é você. Quero começar a chamá-lo pelo nome.
Decidi que depois da visita ao hospital, eu sairia para comprar algumas peças de roupa para
gestantes porque se não fizesse isso logo, eu acabaria pelada.
Vesti a única calça que ainda me servia ― uma pantalona de seda preta com elástico na cintura ―
e uma regata rendada. Calcei meus sapatos plataforma e desci a escada.
― Está muito bonita Laura ― Margarida disse assim que me viu. ― Espero que tenha um bom
dia.
Eu ainda me incomodava um pouco por pensar no que Margarida realmente achava em me ver
tomando conta de um dinheiro que na verdade era dos netos dela. Eu não era uma pessoa gananciosa,
não me importava muito com isso. Desde que nada faltasse, eu estava tranquila.
― Obrigada! ― eu respondi sorrindo e caminhei até ela no sofá.
Margarida fechou a revista que lia, porque sabia que eu pretendia dizer algo. Ela era uma mulher
inteligente.
― Margarida ― comecei meio sem jeito, ― quero que se sinta à vontade para me dizer o que
realmente pensa. Imagino que deve ser um pouco difícil para você me ver tomando uma posição que
um dia pertenceu à sua filha. Eu não quero isso.
Margarida respirou fundo. Soltou o ar com cuidado. Pensou por alguns segundos e eu quase tive
um colapso nervoso.
― Eu amava Patrícia mais que a mim mesma Laura. Teria feito qualquer coisa para que ela
estivesse aqui ao meu lado agora ― ela dizia e eu podia sentir o sentimento em sua voz, no peso de
suas palavras. ― Mas quero que saiba também que estou feliz em vê-la fazer o que minha filha nunca
fez — engoli em seco, meio sem entender. ― Patrícia nunca quis realmente essa posição. Ela queria
as festas, o dinheiro. Queria Adrian. Ela realmente o amava. Foi uma boa mãe para John, mas ela se
perdeu no caminho da própria ambição.
As mensagens cheias de amor do homem desconhecido passavam pela minha mente sem que eu
pudesse controlar. Eu começava a encontrar pequenos furos na história da pobre esposa deixada
de lado até se envolver em um caso amoroso.
― Adrian é um bom homem, apesar de tudo ― Margarida continuou. ― Ele errou muito com
Patrícia, mas hoje vejo que a culpa foi dela também. Ele não teria cometido os mesmos erros se fosse
alguém como você ao lado dele.
Engoli mais uma vez, sentindo todo o peso do mundo em minha garganta.
― Não foi fácil para um garoto de menos de vinte anos assumir uma família como ele fez. Ele fez
o melhor que pode. Derrapou em alguns momentos, mas ele tentou.
Sorri.
― Obrigada! ― Eu disse sinceramente. ― Eu nem sei o que dizer. Só consigo pensar que Deus
realmente está me dando todos os presentes da vida de uma só vez ― brinquei.
Margarida beijou meu rosto com carinho, enquanto sua mão deslizava pela minha barriga recém-
adquirida.
― Então seja grata ― ela me disse, ― e aproveite.
Saí da mansão sentindo-me mais confiante e livre para ser eu mesma. Eu não costumava ser a
garota que fazia tudo certo. Eu me virava, mas em geral, acabava sempre tomando o caminho mais
complicado. Ouvir de Margarida que ela pensava o contrário me enchia de orgulho de mim mesma.
Entrei no Porsche e segui para a empresa. Eu havia combinado com o médico que cuidava de
Adrian que passaria lá um pouco mais tarde, já que Stein tinha uma audiência e não poderia estar
comigo em outro horário. Estacionei na vaga de Adrian e desci. Enquanto caminhava para dentro do
prédio pensei em minha avó. Ela ficaria tão orgulhosa se me visse agora. Decidi que quando
chegasse em casa eu ligaria para ela e mataria um pouco da saudade.
― Bom dia! ― Eu disse para a recepcionista, ― gostaria de saber se Joanne Stein já chegou.
Eu não queria chegar tomando conta de tudo. Não queria simplesmente chegar e subir para a sala
de Adrian, embora pensasse que ninguém me impediria. Eu queria o respeito das pessoas, não queria
que me vissem como a noiva abusada que toma o lugar do chefão enquanto ele está no hospital.
― Bom dia Srta. Soares! ― A recepcionista me disse sorridente. ― A Sra. Stein aguarda pela
senhorita na sala do Sr. Galagher. Pediu que eu a avisasse assim que chegasse.
― Obrigada! — Agradeci e subi até a sala de Adrian. Karol estava em seu lugar habitual. ― Olá
Karol! ― Eu disse assim que a vi. ― Bom dia!
― Ah Srta. Soares! Que prazer vê-la! Bom dia!
Eu gostava de Karol e sabia que ela cuidava de Adrian o máximo que podia. Ele era um cara
difícil para se tomar conta e se Karol estava com ele há tanto tempo, ela era uma sobrevivente. Abri
as portas duplas e encontrei Stein em minha antiga mesa, próxima a mesa de Adrian.
― Bom dia Joanne ― eu disse cumprimentando-a
― Bom dia Laura! Separei tudo para nossa reunião.
Fiquei encarando a cadeira de Adrian vazia por um tempo ― eu realmente sentaria ali? Eu
assumiria mesmo essa posição?
Stein sorriu.
― Quer um tempo para se adaptar? ― ela disse fazendo uma piada discreta com minha indecisão.
Respirei fundo.
― Não. Tudo bem. Vamos começar.
Joanne Stein passou as próximas duas horas me mostrando o cenário em que as empresas da
corporação Galagher estavam. Era um bom cenário. Adrian era um homem cuidadoso e um grande
executivo.
Eu ouvi atentamente tudo que ela disse, absorvendo o máximo de informações possíveis.
― Não se preocupe, não espero que você consiga entender tudo isso em apenas algumas horas ―
Stein disse depois de um tempo, ― nem eu consegui e eu estou aqui o dia todo.
Sorri. Era um alívio ter o apoio de alguém como ela. Ela era o tipo de profissional que eu
pretendia me tornar algum dia.
― Obrigada Joanne ― respondi sinceramente. ― É bom saber que Adrian encontrou alguém
como você. Se Alexander ainda estivesse aqui eu nem sei como seria, agora que Louise nasceu e ―
parei a frase na metade, sem saber como continuar.
― Eu conheço Alissa há muito tempo Laura ― Joanne me disse, ― nunca entendi o que
Alexander viu nela, mas o amor tem dessas bobagens. Não se preocupe.
Acabei rindo mais do que gostaria ― mais um ponto para Joanne Stein.
― Acho que acabamos por hoje ― ela me disse conferindo o relógio. ― Ao que me consta,
existe um holandês que não sabe esperar, esperando pela senhorita.
Conferi o relógio também.
― Sim, existe.
― Então nos vemos amanhã? ― ela me perguntou. ― Vou me preparar para a minha audiência.
― Claro ― confirmei. ― Nos vemos amanhã quando eu voltar do hospital e mais uma vez,
obrigada por tudo.
Fiquei sozinha na sala de Adrian, joguei meu peso para trás na cadeira e encarei o porto lá
embaixo, movendo-se como o organismo vivo que era. Sorri ― eu definitivamente poderia
me acostumar fácil em ser a poderosa chefona!
Depois de deixar tudo em ordem lá dentro, eu saí da empresa e peguei o carro. Dirigi com
cuidado até o hospital. Subi direto para o andar de tratamento intensivo e caminhei o mais rápido que
pude até o vidro do quarto de Adrian ― ele não estava lá.
Senti todo o sangue do meu rosto fugir em um segundo e me apoiei na parede para não cair.
Oh meu Deus não permita que nada de ruim tenha acontecido com ele! ― Implorei
mentalmente.
Respirei fundo, soltando o ar pela boca, controlando meu nervosismo para que eu pudesse largar a
parede e caminhar até o balcão de enfermagem.
― Srta. Soares? ― uma das enfermeiras me perguntou, ― sente-se bem? Precisa de algo?
Ela caminhou até mim e me apoiou, ajudando-me a sentar em uma das poltronas. Deixou-me por
um instante e voltou com um copo de água nas mãos.
― Beba ― ela me disse entregando o copo. ― Vai ajudar.
Dei dois goles pequenos até recuperar um pouco da minha calma e fazer a pergunta para a qual eu
nem sabia se queria resposta.
― Adrian ― comecei, ― ele está bem? Quer dizer, onde ele está?
A enfermeira sorriu gentilmente.
― Oh desculpe. A senhorita não foi informada? Então foi isso. Um susto e tanto ― ela disse ainda
sorrindo.
Algo em seu sorriso me dizia que eu não tinha com o que me preocupar, mesmo assim eu
precisava ouvir.
― O Sr. Galagher foi transferido para um dos quartos de internação do hospital. O Dr. Benson
não viu razão para mantê-lo sob cuidados intensivos.
Soltei todo o ar de uma única vez. Todo o ar que eu nem sabia que estava segurando.
― Graças a Deus ― soltei meio sem querer, meio por querer.
― Venha, vou levá-la até ele. O doutor está no quarto agora mesmo.

Adrian

Eu estava grato por terem retirado a maldita fralda, o que trazia um pouco da minha dignidade de
volta. Um pouco, porque eu ainda sentia toda a minha retaguarda desprotegida naquela camisola de
bolinhas azuis. Era ridículo e constrangedor, mas era muito melhor que a fralda.
― Como passou a noite, Sr. Galagher? ― um médico diferente me perguntou.
Encarei o homem por um segundo antes de responder. Eu estava em um novo quarto. Não haviam
mais aparelhos ligados a mim. Era bom, mas era doloroso.
― Bem, obrigado! ― eu respondi cordialmente.
O homem se aproximou da cama e estendeu a mão para mim.
― Sou o Dr. Willian Benson, e estou responsável pelo seu caso.
― Muito prazer. Eu sou Adrian Van Galagher.
Dr. Benson parecia mais velho, mais experiente e isso me animava um pouco. Também não me
parecia o tipo que faria perguntas idiotas ou coisa do tipo, o que era ótimo.
― Vejo que os movimentos retornaram como imaginávamos Adrian ― ele constatou depois do
meu aperto de mão.
― Quase todos, doutor ― eu disse indicando minha perna boa, já que a outra eu sabia que não
voltaria tão rápido ao normal.
― Isso é esperado. Você sofreu um trauma forte desse lado do corpo, Adrian. Além disso, ficou
sem mover as pernas por algum tempo ― ele recomendou, ― vou pedir algumas sessões de
fisioterapia para agilizar sua recuperação. Você precisa se mover o quanto antes ou acabará com os
músculos bons em estado de atrofia. Não tenha pressa. Sua recuperação tem sido muito rápida.
Eu, obviamente, tinha pressa. Eu tinha uma empresa para cuidar, três filhos que dependiam de mim
e um quarto a caminho. Tinha Laura para reconquistar e queria fazer isso o mais rápido que pudesse.
Sim, eu tinha pressa. Muita pressa.
― Quando posso voltar a usar minhas roupas, doutor? ― eu perguntei alisando meus cabelos
despenteados para trás. ― Preciso fazer a barba também ― constatei correndo as mãos pelo rosto.
― Tão logo queira ― ele respondeu. ― Vamos avisar sua família de que está no quarto e precisa
de roupas, vou avisar o enfermeiro que o senhor deseja se barbear — Dr. Benson sorriu animado. ―
É muito bom vê-lo tão bem recuperado, Sr. Galagher. Não sou muito adepto do tipo coitadinho ―
brincou e eu acabei sorrindo.
Antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, uma batida suave na porta tirou a atenção do Dr.
Benson. Uma enfermeira entrou e atrás dela, Laura. Minha Laura.
― Oh meu Deus! ― ela disse tapando a boca.
Eu podia imaginar a razão do seu susto. Eu estava sentado na cama, sem nenhuma máquina ligada
a mim. Não estava em um dos meus ternos, mas a camisola ainda era a melhor vestimenta que eu
havia usado nos últimos dias.
― Como está amor? ― eu perguntei tentando parecer o mais calmo possível.
A verdade é que meu coração batia tão forte no peito que eu agradeci por não ter máquina alguma
ligada a ele, ou Laura saberia do meu desespero iminente.
Era ela. Minha Laura, ali, em minha frente. Linda como sempre.
― Eu ― ela piscava e me olhava sem parar, ― eu ― piscava mais. ― Eu nem sei o que dizer ―
desistiu.
Acabei sorrindo.
― Diga que está bem e eu ficarei mais tranquilo ― brinquei, ― e nosso bebê, como está?
Laura sorriu, levando a mão a barriga.
― Estamos bem, Adrian ― ela me disse, ― e você, como você se sente?
― Um pouco acidentado amor ― brinquei. ― Mas logo estarei novinho em folha, não é doutor?
Dr. Benson cumprimentou Laura com um aperto firme de mão.
― Isso mesmo. Otimismo é a chave, Adrian ― ele concordou, ― e a senhora deve ser a esposa
― ele constatou.
Laura não sabia o que dizer e eu acabei achando graça de tudo aquilo. Decidi ajudá-la.
― Na verdade ainda não doutor. Nós ainda não oficializamos, embora seja apenas uma questão
legal ― consertei. ― Não é amor?
― Mais ou menos isso ― Laura respondeu ainda com as bochechas coradas. ― Mas isso não é
importante agora. Como ele está doutor?
― Como eu estava dizendo a ele, senhorita, a recuperação de Adrian está muito rápida e
satisfatória. Ele é um homem forte. Não se abate fácil. Imagino que dentro de alguns dias o que restou
do coágulo na cabeça e o edema no pulmão terá desaparecido, e então ele poderá ir para casa.
Os olhos de Laura faiscavam e eu tinha que focar para não sorrir como um imbecil apaixonado.
― Com relação à perna, tudo que poderíamos fazer já foi feito. Agora temos que aguardar a
recuperação. Ainda realizaremos alguns exames, mas no geral tudo segue bem. Preciso que você faça
mais algumas sessões de fisioterapia, só para garantir que seu tônus muscular permaneça firme, e
então você finalmente poderá voltar para casa.
― Isso é ótimo doutor! ― Laura disse animada. ― Acha que posso trazer os filhos para vê-lo? ―
ela pediu e eu a agradeci mentalmente.
― O filho mais velho não vejo problemas, as visitas estão liberadas ― Dr. Benson explicou. ―
Os mais jovens prefiro que os traga pela manhã e por um período curto. Para a segurança deles.
― Ótimo! ― Laura agradeceu. ― Faremos isso então. Obrigada doutor, eles sentem muito a falta
do pai.
Dr. Benson sorriu para ela cordialmente e se levantou.
― Vou deixá-los a sós para que possam conversar ― ele disse despedindo-se. ― O
fisioterapeuta deve chegar em duas horas, Adrian. Não se canse muito até lá, porque irá se cansar
com ele ― brincou.
O médico saiu e Laura e eu ficamos sozinhos no quarto. Ela parecia sem jeito perto de mim.
Talvez tivesse medo de que eu dissesse algo sobre nosso último encontro, quando eu não podia falar.
― Vem até aqui amor ― eu chamei com a mão estendida. ― Quero tocar em você.
Laura se aproximou devagar, ficando ao lado da cama em que eu estava. Passei a mão
por sua cintura e aproximei meu rosto da sua barriga. Beijei com cuidado a forma arredondada, ali,
onde meu filho estava.
― Oi amorzinho ― eu disse para a barriga de Laura, ― eu sou o seu pai. E quero que saiba que
estou ansioso para vê-lo. Espero que os seus olhos sejam como os da sua mãe.
Quando voltei os olhos para Laura, percebi que tentava inutilmente secar as lágrimas que
escorriam uma após a outra.
― Não chora amor ― eu disse acariciando seu rosto. ― Não gosto de vê-la chorar.
― Não estou triste ― ela me disse. ― É que ― parou a frase no meio, ― é que ― mais uma vez,
― eu tive tanto medo Adrian ― confessou.
Corri os dedos pelos seus cabelos soltos, acariciando mecha por mecha.
― Também tive Laura. Muito medo. Medo de não poder vê-la mais. Medo de deixá-la sozinha.
Medo de não conseguir mais ser eu mesmo, mas o maior deles era de não tê-la comigo quando eu
acordasse. Tive medo de que não conseguisse me perdoar — confessei.
Ela não me encarou, deixando os olhos fugirem dos meus.
Segurei seu rosto entre minhas mãos.
― Me perdoa amor? ― pedi. ― Deixe-me ser o homem certo para você? Deixe-me ser o que eu
nunca consegui ser?
Laura fungou um pouco, afastando o que pôde das lágrimas. Eu não sabia o que fazer. Queria que
ela dissesse sim. Queria desesperadamente que chegasse mais perto, que me permitisse cuidar dela,
do nosso bebê, mas eu não podia apressá-la.
Esperei pelo que pareceu uma eternidade até que Laura finalmente voltou os olhos para os meus.
Sorriu como se visse algo maravilhoso em sua frente.
Esperei mais, até que seu rosto se aproximou do meu. Laura tocou os lábios sobre os meus
suavemente, mas eu não resisti, puxando-a para mim, afogando-me em sua boca. Sentindo seu
perfume se espalhar em minhas narinas.
― Ah amor, senti tanto a sua falta ― confessei enquanto minha língua abria espaço em sua boca.
Laura não ofereceu resistência, entregando-se ao meu beijo, beijando-me de volta. Deixando que
eu matasse minha fome e provavelmente matando a sua também. Eu podia sentir pelo nosso beijo que
ela ainda me amava tanto quanto eu a amava.
Mordi seu lábio inferior, sugando-o para dentro da minha boca, arrancando um suspiro dela.
― Isso significa um sim, Srta. Soares? ― brinquei deixando que se afastasse.
Laura sorriu, ajeitando os cabelos para trás.
― Isso significa um “vou analisar sua petição” Sr. Galagher ― ela brincou de volta.
Capítulo 16

Laura

Deixei Adrian no hospital sentindo meu espírito leve. Eu sabia que se as coisas continuassem
assim, em breve ele estaria em casa.
Abri a porta do carro, entrei e dirigi até o centro. Eu queria comprar algumas coisas para mim e
queria comprar algo para o bebê. Eu já estava quase no meio da gestação e ainda não tinha comprado
praticamente nada.
Eu nunca fui uma garota fútil. Dessas que gastam fortunas no shopping. Até porque, eu nunca fui
uma garota que tivesse grandes fortunas, mas eu queria me sentir mais perto dessa nova realidade de
ser mãe. Queria que ela fosse mais real e palpável.
Estacionei em um estacionamento público e desci. Caminhei por entre as lojas no grande calçadão
de Roterdã, olhando as vitrines e pensando na vida. Havia uma moça jovem e bonita, empurrando um
carrinho de bebê, com um cachorro pequeno enfiado no compartimento de bolsa, embaixo do
carrinho. Sorri pensando em Mia ― ela definitivamente não faria isso.
Eu sentia falta de Mia. Minha Mia. Minha primeira amiga na Holanda. Minha grande companheira.
Decidi que quando terminasse minhas compras, passaria em casa para vê-la e quem sabe esticaria um
pouco a viagem até a casa do Sr. Persen.
Entrei em uma loja de gestantes.
― Olá senhora ― a vendedora cumprimentou. ― Em que eu posso ajudá-la?
Dei uma olhada pela loja, analisando as roupas nas araras e nos manequins e descobri que
realmente havia opções demais.
― Acho que em tudo ― brinquei. ― Ainda não fiz muitas compras.
Depois de escolher algumas calças com elástico e blusas mais soltas no corpo, encarei lingeries
maiores nada sexy e um par de sapatilhas sem salto. Comprei também um casaco comprido e alguns
vestidos que acomodariam minha barriga até o final da gestação.
Saí de lá munida de muitas sacolas, me sentindo como Julia Roberts, em Uma Linda Mulher.
Parei em um McDonald’s e decidi que pelo menos naquele dia, eu poderia deixar toda essa coisa
de comer bem e saudável de lado e ser feliz. Pedi meu lanche preferido e uma porção de batatas
grande, junto com um refrigerante bem gelado em um super copo.
Era pouco mais de três da tarde, quando estacionei o Porsche próximo ao Begijnhof. Desci do
carro e entrei. Frida estava sentada em frente à casa dela, olhos fechados, curtindo o sol na pele,
enquanto acariciava Mia.
― Boa tarde meninas! ― Eu disse me aproximando.
― Laura querida! ― Frida disse assim que me viu. ― Como sua barriga cresceu! Nem parece
que não a vejo há apenas alguns dias.
― Pois é ― confirmei. ― Acho que esse bebê vai puxar o pai ― brinquei.
― E como ele está?
― Melhor Frida. Se recuperando. Acordou do coma já ― expliquei.
― Ah que notícia maravilhosa querida! Isso é ótimo. Venha, vou preparar um refresco para nós
duas.
Entrei com Mia nos braços. Eu podia jurar que ela estava mais pesada que da última vez em que a
peguei e provavelmente isso era culpa da comida boa de Frida.
― Mia tem se comportado muito bem ― Frida explicou enquanto preparava nosso suco, ― é uma
lady.
Olhei torto para Mia que ronronou e virou de bruços para que eu coçasse suas orelhas e barriga.
― Fico feliz em saber, Frida. Não quero dar trabalho. Se achar que ela está atrapalhando, basta
me dizer.
Frida sorriu e me entregou um copo de suco de laranja. Deu um gole em seu copo e acariciou a
cabeça laranja de Mia.
― Não se preocupe. Ela me faz companhia.
Nós ainda conversamos mais um pouco, então deixei Frida preparando o jantar e saí. Fazia tempo
que eu não via o Sr. Persen. Sentia falta dele e do seu jeito delicado de me tratar. Eu ainda não
conseguia chamá-lo de pai, mas não queria que o pouco que havíamos conseguido resgatar dos
nossos laços se perdesse pelo caminho mais uma vez.
Havia uma padaria que eu amava próxima ao escritório de Hans. Eles faziam o melhor pão de
frutas que eu havia comido na Holanda. Era fofo e molhadinho e eu queria levar um para tomar café
com o Sr. Persen.
Desci do carro e comprei o pão. Estacionei no meio fio da minha antiga rua alguns minutos
depois.
Toquei a campainha.
― Laura querida! ― O Sr. Persen disse assim que abriu a porta. ― Como está querida? ― disse
sorrindo e abrindo os braços para mim.
― Bem ― respondi abraçando-o. ― Muito bem. Obrigada — entrei e me sentei em uma das
cadeiras da cozinha. Sr. Persen preparava o café. ― E o senhor, Sr. Persen, como está? ― perguntei
Eu tinha medo de saber que ele estava sozinho ali em Amsterdã sem nem eu, nem Alexander por
perto, já que com Louise internada, Alex precisava permanecer por perto dela.
― Eu estou bem, querida ― ele respondeu porque sabia que nós nos preocupávamos com ele. ―
Fui ao médico ontem. Ele mudou alguns dos meus remédios. Disse que posso controlar melhor minha
doença se tomá-los direitinho.
― Isso é ótimo! ― Respondi animada.
― Alexander até me deu uma caixinha sonora para guardá-los. Assim ela apita e eu não me
esqueço.
― Acho que ando precisando de uma dessas para as minhas vitaminas ― brinquei. ― Ando com
tantas coisas na cabeça que se não coloco um lembrete no celular, eu me esqueço.
― Ah querida ― Sr. Persen disse triste, ― queria tanto que você não estivesse passando por tudo
isso agora. Não é justo com você. Deveria pensar apenas em você e nesse bebezinho.
Respirei fundo ― seria muito bom que tudo estivesse bem o suficiente para que eu pudesse ter
muitos dias como hoje.
― Logo as coisas se ajeitam Sr. Persen ― eu disse animada. ― Adrian acordou do coma. Logo,
logo estará de volta em casa.
― Oh que coisa boa! Eu rezei muito por ele. Não seria justo um garoto tão bom como ele não sair
dessa. Graças a Deus tudo tem se ajeitado.
― Sim.
Sr. Persen e eu ficamos ali, jogando conversa fora enquanto tomávamos nosso café. Era bom ficar
com ele. Eu sentia um carinho inexplicável por ele. Algo que não fazia sentido algum, mas que estava
ali, cada vez mais forte e preciso.
Quando deixei a casa do Sr. Persen já era bem tarde. O sol estava se pondo por trás das fachadas
pequenas de Amsterdã. Entrei no carro e dirigi até a antiga lanchonete em que eu costumava comer.
Eles faziam aquele lanche de filé com queijo que eu tanto amava e eu sabia que John amaria que eu
levasse para ele.
Entrei. Pedi alguns lanches e saí feliz, com minha sacolinha engordurada.
― Laura? ― alguém me chamou.
Demorei alguns instantes para reconhecer a voz. Não era alguém que eu conhecia tão bem, mas
tinha uma voz impossível de esquecer. Virei para encontrar Jens.
Ele estava ali, parado, próximo de onde eu estava. Terno bem cortado cinza e camisa azul
marinho que deixava seus olhos ainda mais bonitos. Cabelos bem penteados e sorriso matador
pairando nos lábios.
― Olá ― eu disse me aproximando um pouco dele. ― Não sabia que frequentava o Jordaan.
― Eu não frequento muito Amsterdã desde que me mudei ― ele confirmou. ― Mas gosto muito
de comer aqui. Sei que parece bobagem, mas lembro da minha juventude.
Sorri ― como se ele fosse algum tipo de matusalém ou coisa assim.
― Entendo completamente ― brinquei. ― Eles fazem o melhor lanche que já comi na vida ―
confirmei.
Jens sorriu e puxou uma das cadeiras da mesinha na calçada para mim.
― Me acompanha? Não gosto de comer sozinho e isso tem sido rotina ultimamente.
Respirei fundo ― ele era gentil e educado, mas eu sabia que existia algo por trás de tudo aquilo
que eu ainda não sabia. Por outro lado, ser deselegante com o homem a troco de nada era infantil e
bobo.
― Jens eu estou levando lanches para as crianças em Roterdã ― comecei, ― não posso demorar.
― Para as crianças de Adrian? ― ele perguntou.
― Sim.
― Você é uma garota incrível, Laura ― Jens disse com os olhos focados nos meus. ― Eu havia
perdido as esperanças com as mulheres, mas você me mostra que estou errado a cada dia
Corei. Meio sem querer e sem saber o que dizer.
― Tome um suco comigo ― ele propôs. ― Os lanches chegarão frios a Roterdã de qualquer
maneira.
Era um ponto a se considerar. A viagem de cerca de uma hora não permitiria que eu levasse os
lanches fumegantes para casa.
― Um suco apenas ― Jens insistiu sinalizando a cadeira.
Sentei-me e pedi um suco de amoras. Jens pediu um lanche duplo e uma garrafa de cerveja.
Eu quase podia rir dele ali, todo arrumadinho e elegante, mordendo o lanche como um fugitivo da
guerra do Iraque.
― O que foi? ― ele me perguntou sorrindo e limpando a boca em um guardanapo. ― Eu não
conheço outra maneira de comer um lanche como esses.
Jens deu um gole na cerveja para arrematar a comida.
― Ah eu concordo. Não tem como comer isso e não parecer um sem teto ― brinquei e Jens sorriu
mais.
― Como está Adrian? ― ele me perguntou depois de alguns segundos.
― Melhorando ― respondi sem querer dar muitos detalhes.
― Ótimo ― Jens respondeu, ― e as crianças?
― Bem também. Sentem falta do pai.
― Como está o mais novo? ― ele perguntou de repente. ― Collin, certo?
― Sim ― respondi sem entender o repentino interesse de Jens por Collin. ― Ele está bem.
Triste, mas bem. Sofreu um pequeno acidente essa manhã, ganhou um curativo na testa.
― Acidente? ― Jens perguntou preocupado. ― Que tipo de acidente? Ele se machucou muito?
Pensei por alguns minutos, encarando os olhos claros de Jens e tentando entender o que se passava
ali.
― Nada sério Jens. Collin caiu. Apenas isso ― encurtei o assunto.
― Caiu? Caiu de onde? ― ele insistiu. ― Ele está mesmo bem? Quero dizer, tudo está bem com
ele?
Jens parecia saber mais do que me dizia, mas ao mesmo tempo parecia não saber o suficiente. Eu
sentia que ele não fazia as perguntas que realmente queria respostas. Era como se jogássemos um
jogo para ver quem se condenava primeiro.
― Collin está bem, não se preocupe ― eu disse sem entender o motivo da preocupação exagerada
dele. ― É só um garotinho. Garotinhos caem.
― Desculpe ― Jens disse polido, recuperando a postura elegante de sempre.
Seu olhar não era o mesmo de quando nos sentamos na lanchonete. Havia algo triste e escurecido
ali atrás da capa de seriedade que ele queria mostrar. Eu queria ver mais. Queria entender, mas Jens
não me permitia. Ele se fechava mais e mais, a cada olhar que eu lhe lançava.
― Não vou tomar mais o seu tempo, Laura ― ele me disse sorrindo, mas não era mais o mesmo
tipo de sorriso que ele tinha há alguns minutos. ― Vou deixá-la voltar para casa.
Nós nos levantamos para sair e eu estendi a mão para Jens. Ao invés de apertar minha mão, ele
me puxou para ele e me abraçou. Não era um abraço íntimo ou coisa assim, era gentil, delicado.
Beijou meu rosto com cuidado.
― Cuide bem do garotinho ― ele pediu com os olhos profundos, tristes, encarando os meus.
― Pode deixar.
― Laura? ― ouvi atrás de mim.
― Alex ― eu disse soltando-me de Jens e abraçando Alexander.
Ele me abraçou com cautela. Não era o mesmo abraço que me dava quando nos encontrávamos.
― Alexander ― Jens cumprimentou. ― Como está?
― Bem, obrigado ― Alexander respondeu seco, meio sem querer.
Meus olhos correram de Alex para Jens e de volta para Alex sem entender o que havia ali.
― Bem ― Jens disse meio sem jeito, ― eu já estava de saída. Com licença. Tenham uma boa
noite.

Adrian

Alguns minutos depois que Laura saiu, um jovem usando um jaleco branco entrou no quarto. Eu
estava quase me preparando para dizer que queria o Dr. Benson, quando ele se apresentou.
― Sr. Galagher ― ele começou, ― sou Mills, seu fisioterapeuta. Preparado para começar? ―
ele perguntou sorridente.
― Sim ― respondi, ― e ansioso por voltar a caminhar.
― Ótimo.
A sessão de fisioterapia foi à coisa mais dolorosa fisicamente de que eu me lembro. Ela fazia o
soco de Alexander e todos os tombos que eu havia tomado caindo de Chuvisco parecerem carícias.
Tudo doía. Meus dedos, minhas costelas, meus braços. Eu sentia dor em músculos que eu nem sabia
que tinha.
― Muito bem! ― Mills me disse animado. ― Nunca vi um paciente tão preocupado em melhorar
logo.
Pensei em dizer que ele provavelmente não tinha nenhum paciente com quatro filhos para criar e
uma garota muitos anos mais jovem para reconquistar. Além de uma grande corporação que
provavelmente acabaria ruindo se eu continuasse ali por mais tempo, mas decidi que o pobre garoto
não merecia meu desabafo.
Tenha calma Adrian ― eu disse para mim mesmo, ― o garoto só está sendo gentil.
― Obrigado ― respondi. ― Não sou muito bom em depender das pessoas ― confessei, ― então
preciso voltar à ativa logo.
Mills sorriu.
― Acho que seremos uma boa dupla, então ― brincou.
Antes que Mills me deixasse, alguém bateu na porta do meu quarto. Eu sabia que não seria Laura,
mas ainda tinha esperanças.
― Entre ― Mills disse levantando-se.
― Bom dia ― meu pai disse aparecendo na porta. ― Posso entrar meu filho? ― perguntou um
pouco sem jeito.
Respirei fundo antes de responder, esperando que Mills pudesse me compreender e dizer que
estávamos no meio de uma sessão que não poderia ser interrompida.
Isso não aconteceu, o que me provava que nós não seriamos uma dupla tão boa assim.
― Entre ― eu disse sem vontade.
― Bem, eu estava mesmo de saída ― Mills disse para o meu desespero, ― tenha um bom dia
Adrian. E nos vemos amanhã.
Eu vi Mills levar toda a minha esperança de ter um dia agradável com ele, mas fiquei ali, firme e
forte com minha camisola de hospital, sentindo-me como um adolescente imbecil.
Meu pai se aproximou da cama. Ele vestia um dos seus ternos bem cortados. Gravata de seda de
grife, lenço perfeitamente arrumado no bolso do paletó. O que restava do cabelo, bem penteado e sua
colônia de sempre.
Puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da minha cama. Ele não me tocou, mas seus olhos eram
profundos e faziam com que eu me sentisse estranhamente vulnerável.
― Como você está Adrian? ― ele me perguntou. ― Eu estava viajando. Tentei conseguir um voo
assim que soube da notícia. Cheguei o mais rápido que pude.
Ele se explicava e se explicava e eu não entendia porquê. Ele havia deixado de se preocupar
comigo muitos anos atrás, quando eu decidi não ser a cópia perfeita dele, e ainda matei o que podia
ser sua última oportunidade de deixar um sucessor.
― Estou bem, pai ― eu disse firme, embora não estivesse na minha melhor forma. ― Logo
estarei em casa, só uma questão de tempo.
Meu pai não disse mais nada. Ficou em silêncio, me encarando com seus olhos amendoados que
eram assustadoramente parecidos com os meus.
Eu não gostava desses momentos.
― Precisa de alguma coisa, meu filho? ― perguntou gentil.
Filho. Meu filho. Eu nem me lembrava de quando foi à última vez em que ele me chamou assim e
não era gritando ou praguejando algo.
Meu filho ― as palavras pareciam estranhas quando dirigidas a mim.
Pensei por algum tempo, sem conseguir responder. Eu não queria ser o cara mau. Eu não queria
ser como ele, porque não queria um dia passar por isso com John. Eu encarava meu pai e eu e me via
com John. Eu amava tanto nossa relação, queria ter tido a chance de ter isso com meu pai.
― Preciso de um cigarro ― brinquei, ― mas eles não me deixam fumar aqui. Não entendo a
razão.
Era uma piada, mas eu não esperava que meu pai sorrisse. Meu pai não ria mais desde que mamãe
e Lucian nos deixaram. Eles haviam levado sua vontade de sorrir para tão longe, que eu não
imaginava uma maneira de que ele pudesse resgatar.
― Acho que talvez tenha a ver com o fato de você ter arrebentado seu pulmão com a costela ―
meu pai devolveu a piada e eu não aguentei, reprimindo um sorriso respondi:
― O senhor pode ter razão ― eu disse tentando não soar tão grosseiro.
― Eu sempre tenho ― meu pai me disse e caminhou até a janela.
Era isso. O bom e velho Juiz Reign de volta. Não havia mesmo nenhuma maneira de que eu e ele
pudéssemos ser como John e eu. Eu não era como ele. Eu finalmente não era mais como ele.
Deixei o ar escapar dos meus pulmões, derrotado. Era isso, a última esperança de algo que
morreu há muitos anos.
Meu pai virou-se para mim com os olhos vermelhos. Havia um caminho molhado em seu rosto
marcado pelo tempo. Eu não sabia como reagir. Ele se aproximou de mim e colocou a mão sobre a
minha.
― Não é verdade ― ele me disse com a voz embargada. ― Eu quase nunca tenho razão ―
confessou. ― Espero que algum dia você possa me perdoar.
Fiquei petrificado, sem conseguir esboçar nenhuma reação. Eu não sabia o que dizer. Para ser
sincero, nem sabia o que pensar.
― Adrian ― meu pai continuou, ― eu sei que errei muito com você. Eu não sou bom em lidar
com perdas, filho. Quando seu irmão e sua mãe se foram eu acabei agindo da maneira errada,
afastando você porque tinha medo de que você se fosse também. O que eu não percebi foi que
afastando você, como eu fiz você iria mesmo embora e seria por minha causa.
― Pai ― tentei argumentar, mas ele me interrompeu.
― Não filho. Eu preciso falar. Eu preciso finalmente falar.
Deixei porque sabia como era essa sensação. Quando o que carregamos sufoca tanto que
precisamos apenas por para fora.
― Quando eu recebi a ligação de Alexander, dizendo que você havia sofrido o acidente, eu quase
surtei. Eu queria vir correndo com meus próprios pés de Estocolmo até aqui apenas para estar ao seu
lado.
Ele ia falando e as lágrimas iam rolando. Primeiro dos olhos dele e em seguida dos meus também.
― Eu só pensava que não podia perdê-lo sem antes dizer tudo isso que estou dizendo agora. Eu
não poderia continuar sabendo que você não imagina o quanto me faria falta. Eu sinto tanto orgulho
de você, meu filho. Você fez exatamente o contrário do que eu fiz.
Meu pai tirou o lenço do bolso e secou os olhos. Funguei um pouco e limpei os meus no lençol.
― Sinto tanto orgulho de você Adrian. Do que fez com a sua vida sem Patrícia. Você é o pai que
eu queria ter sido. O pai que você merecia ter tido. Se algum dia você puder me perdoar ― ele disse
e eu o interrompi.
― Ainda estou aqui, pai ― eu disse com os olhos focados nos dele. ― Ainda pode ser diferente.
Meu pai me abraçou, ignorando seu terno de grife e todo o resto, como quando eu era menino e
corria para ele quando voltava do tribunal.
Meus dedos correram em suas costas, sentindo seu abraço apertado, seu perfume, seu toque ― eu
nem sabia que sentia tanta falta assim do meu pai.
― Ainda bem, meu filho ― ele me disse beijando minha testa. ― Ainda bem que ainda temos
tempo.
Capítulo 17

Laura

Depois que Jens virou a esquina, Alexander praticamente me arrastou até onde eu havia
estacionado o carro. Não era uma atitude normal dele. Alex era o cara bom, o paciente, o que
raramente perdia a calma.
― Tudo bem Alex? ― eu perguntei por que o silêncio entre nós estava me incomodando.
― Saindo com ele? ― Alex perguntou com uma raiva que não combinava com ele ― Sério?
Respirei fundo para não me irritar com o meu irmão ― eu não tinha mais idade para esse tipo de
sermão.
― Eu vim ver o Sr. Persen ― expliquei. ― Acabei encontrando Jens por acaso.
― Não existem acasos para Jens Van Hart ― Alexander respondeu ainda irritado.
― Olha Alex ― eu disse batendo a porta e desistindo de entrar no carro, ― se existe algum
problema em eu encontrar por acaso com uma pessoa que nunca me deu razões para pensar nada de
ruim, você deveria ser mais claro ― reclamei. ― Porque eu não tenho bola de cristal nem tenho
obrigação de ler nas entrelinhas!
Alex correu as mãos pelos cabelos com cuidado. Respirou fundo. Soltou o ar pela boca. Mirou o
chão. Depois de alguns minutos, seus olhos se voltaram para os meus e eram os mesmos olhos
esverdeados que eu costumava ver.
― Você tem razão ― ele me disse triste. ― Tem toda razão. Desculpe.
Abri os braços e o abracei. Alex me aconchegou em seu peito.
― Estou preocupado com Louise, Laura. Aí vi você com Jens e deixei de raciocinar. Desculpe.
― O que há de errado com Louise? ― perguntei preocupada.
― Nada. Louise está ótima. Deve sair do hospital em uma semana.
Encarei Alexander sem entender.
― Não entendo Alex.
― Estou preocupado com Alissa. Não a quero perto da minha filha.
― Ela tem ido ver Louise? ― perguntei.
― Não tinha ido nem uma única vez, mas apareceu lá hoje, quando eu não estava, acompanhada
de um homem, mas ninguém soube dizer quem era.
― Hum ― eu disse sem saber o que dizer.
― Não vou permitir Laura! Eu não vou deixar minha filha com ela!
Apertei meus braços em volta da sua cintura.
― Tudo vai dar certo Alex. Não fique assim. Eu sei que vamos encontrar uma maneira. Adrian
pode ajudar.
Alexander sorriu.
― Estive com ele hoje. Ele estava bem animado para quem acabou de sofrer um acidente. Acho
que tem algo a ver com você ― Alex brincou.
― Ele me pediu perdão e nós nos beijamos ― confessei.
― Wow! ― Alexander gritou. ― Vamos! Quero saber de tudo.
― Acho que você deveria entrar no seu carro e seguir até a mansão do seu melhor amigo ―
brinquei, ― aí, depois de um belo jantar, eu te preparo um uísque e conto as novidades. O que acha?
― Perfeito para mim! ― Alexander respondeu beijando meu rosto.
Entrei no Porsche e Alexander me seguiu com seu próprio carro. Pouco mais de uma hora depois,
nós dois estávamos estacionando em frente à casa.
Entramos para encontrar uma casa silenciosa.
― Acho que deitaram cedo ― Alexander comentou.
― Melhor assim. Eu quero levá-los para ver Adrian amanhã. Tenho certeza de que ele estará
melhor e mais animado depois que encontrar os filhos.
― Tenho certeza de que será muito bom para as crianças vê-lo também. Hanna ainda pode ter
algumas lembranças ruins da mãe no hospital e ver o pai bem pode contribuir para que ela
desassocie.
― Quer vir comigo e ver como as crianças estão? ― perguntei.
― Claro ― Alex respondeu subindo os degraus comigo.
O andar de cima também estava silencioso. Caminhei até o quarto de Hanna e a encontrei
dormindo. Puxei as cobertas sobre ela e fechei o livro que descansava sobre seu peito.
Collin não estava no quarto, então continuamos pelo corredor.
Passamos pelo quarto de John, o único com a luz acesa.
― John? ― chamei, mas ele não respondeu.
Alex abriu a porta com cuidado e encontramos John deitado na cama só de calça, olhos fechados,
ouvidos cobertos por um fone imenso e vermelho.
Parei em frente à cama e sorri, enquanto Alexander puxava o fone dos ouvidos dele. John abriu os
olhos.
― Ninguém te contou que se continuar ouvindo músicas nessa altura ficará surdo antes dos
quarenta anos? ― Alex brincou.
― Acredite, essa é uma daquelas músicas pelas quais vale à pena ficar surdo ― John rebateu e
Alex sorriu.
― Sabe onde está o seu irmão? ― perguntei.
― Com vovó ― John disse ajeitando o cabelo e sentando-se na cama.
― Vou vê-los ― eu disse. ― Alex faz companhia a você.
Caminhei até o quarto de Margarida e bati na porta.
― Entre ― ela respondeu baixinho.
Abri a porta com cuidado e encontrei Margarida acariciando os cabelinhos de Collin,
aconchegado em seu peito.
― Tive pena de tirá-lo daqui ― ela confessou. ― Ele ainda parece um bebê quando está assim.
― Sim, ele ainda parece um bebê.
Margarida respirou fundo, soltando o ar com cuidado.
― Sinto tanto não poder vê-lo crescer ― Margarida confessou.
Sentei-me na beirada da cama e coloquei a mão sobre a dela, mas não disse nada. Não havia nada
para se dizer. Eu sabia e Margarida também. Tudo era uma questão de tempo. Pouco tempo.
Os olhos claros de Margarida ficaram avermelhados e uma pequena lágrima escorreu, caindo na
fronha em que Collin descansava.
― Estou feliz que ele tenha você. Estou realmente feliz.
Sorri, aumentando a carícia sobre sua mão.
― Laura ― ela disse com cuidado, ― se tiver um tempinho amanhã, acha que podemos ter uma
pequena conversa a sós? Sobre o livro que te entreguei.
Pensei por uma fração de segundos, eu não gostava muito de ter esse tipo de conversa com
Margarida porque no fundo, ela sempre tinha alguma revelação a fazer, mas eu tinha minhas
curiosidades sobre o conteúdo do que eu havia lido.
― Claro ― respondi mesmo sem querer ― vou deixá-la descansar, tenha uma boa noite
Margarida.
Deixei-a com Collin e voltei ao quarto de John. Eles riam de algum vídeo que John mostrava no
notebook.
― Enquanto vocês se divertem, vou tomar um banho ― anunciei, ― e você deveria tentar dormir
John. Amanhã você precisa me ajudar a levar seus irmãos ao hospital. Quero que eles vejam seu pai.
― Sim senhora, madrasta! ― John brincou.
Entrei no quarto de Adrian e fechei a porta. Abri o chuveiro e me livrei das minhas roupas.
Enquanto me banhava, deixei minha mente vagar, pensando em tudo que havia acontecido em um
único dia.
Eu podia sentir ainda a sensação da boca de Adrian na minha. Seu toque, seu gosto. Eu queria
tanto que as coisas voltassem a ser como antes. Desejava tanto que voltássemos a ser como éramos
quando nos conhecemos.
Pensei em Jens e no que quer que fosse que deixava Adrian e Alexander tão alertas. Ele me
parecia tão bom, tão justo. Eu gostava de Jens. Meu senso de caráter estava completamente verde
para ele. Era estranho como não parecia ter nexo à raiva que todos sentiam dele.
Por fim, deixei meus pensamentos se perderem em Margarida e em tudo que ela poderia querer
com essa conversa. Eu tinha medo de saber do que se tratava, mas minha ansiedade estava a toda.
Eram coisas demais para pensar, analisar, sentir.
Opa! ― pensei quando senti uma sensação estranha na barriga.
Desliguei o chuveiro e me sequei, dando mais atenção a voz do meu próprio corpo. Sentei na
tampa do vaso e encarei minha barriga por alguns minutos.
Hey! ― gritei assim que vi minha pele estremecer bem perto do umbigo
― Oh meu Deus, é você! ― Eu disse para minha barriga. ― Você está mexendo!
Comecei a acariciar minha barriga redonda, enquanto as lágrimas desciam mais e mais rápidas
pelo meu rosto.
Meu bebê! Meu bebê estava ali, vivo, movendo-se dentro de mim! ― Eu mal podia crer que era
real.
Sequei os olhos e vesti um agasalho, eu estava ansiosa para dividir a notícia com Alexander e
John. Quando passei pelo quarto, a luz estava a pagada.
Desci a escada com cuidado. Alexander estava sentado na poltrona de Adrian, olhos mirando a
noite lá fora, com um copo de uísque nas mãos.
― Alex! ― Chamei. ― O bebê mexeu! ― Contei empolgada sem conseguir resistir.
O olhar triste de Alexander, de repente, se transformou em algo doce e quente. Tão terno e
carinhoso como ele costumava ser.
Caminhei até ele com passos largos e parei em sua frente.
― Juro que mexeu! ― Confessei. ― Duas vezes! Eu até consegui ver.
Alexander sorriu e correu as mãos pela minha barriga. Aproximou o rosto e sussurrou.
― Hey bebezinho levado, um pouco cedo para começar a aprontar, não acha? ― brincou. ―
Acho que você queria deixar bem claro para a sua mãe que está tudo bem aí dentro, não é?
Enquanto ele conversava com meu bebê, minhas lágrimas continuaram a cair, uma a uma, sobre a
camisa branca de Alexander.
― Viu só? ― ele continuou, ― ela é uma boba e chorona! Você precisa vir logo para cá e tomar
conta dela! ― Brincou ― Mas precisa crescer um pouco primeiro, ok? O tio Alex está ansioso para
te pegar no colo — ele beijou a minha barriga e então continuou. ― E não conte a ela, mas vou
deixar você comer todos os doces que quiser! Essa é minha função de tio!
Sentei-me na beirada da janela, em frente a Alexander, secando meus olhos com as costas das
mãos.
― Nem consigo acreditar que é real ― confessei. ― Que ele está mesmo aqui e que em breve
estará nos meus braços.
Alexander sorriu.
― Então comece ― disse me ajudando a secar os olhos, ― já passou da hora de você ser feliz.

Adrian

Acordei meio zonzo e encarei o relógio na parede ― seis e meia da manhã.


Foi difícil dormir depois da visita do meu pai e todo o resto do dia se arrastou como se os
minutos passassem ao contrário. Eu sentia tantas coisas diferentes que nem conseguia dizer se eram
boas ou ruins.
Fechei os olhos e tentei me recordar da última conversa de pai e filho que tivemos. Eu devia ter
uns dezesseis anos, pouco antes de Lucian morrer.
Eu lembro que papai finalmente havia se decidido que poderia me ensinar a dirigir, embora ainda
faltassem dois anos para que eu pudesse, de fato, ter carteira. Papai era o grande Juiz Reign e isso
nos deixava quase acima da lei.
Mamãe não gostava que ele fizesse coisas assim. Queria nos ensinar a seguir as regras, a ser
responsáveis, papai não se preocupava muito, queria que fôssemos seus sucessores.
Nós éramos amigos, confidentes, companheiros. Até que houve o acidente e Lucian se foi. Mamãe
passou os primeiros meses inteiros sentada na cadeira de balanço da varanda, embalando alguém nos
braços que já não estava ali.
Eu a olhava pela janela e não via mais a mulher forte que havia nos criado.
Papai foi ficando mais ausente. Chegava em casa depois que mamãe e eu havíamos jantado. Subia
sem falar com nenhum de nós dois.
― Cada um tem um jeito de encarar a morte, Adrian ― ela me dizia. ― Eu prefiro pensar que ele
seguiu em frente no seu caminho, mas seu pai não consegue enxergar assim. Ele pensa que Lucian
apenas nos deixou.
Na época, nada daquilo fazia sentido para mim. Tudo que eu sabia era que havia perdido meu
companheiro de aventuras. Que não tinha mais com quem dividir o quarto, nem a vida.
Quando mamãe nos deixou, eu me revoltei. Pensei que não era justo. Que não merecia nada
daquilo. Eu me afastei e papai nunca me trouxe de volta. Nós dois estávamos tão afundados em nossa
própria dor que não paramos para sequer tentar entender a dor do outro.
Quando perdi Patrícia, as palavras de mamãe começaram a fazer sentido.
“Ela seguiu em frente no seu caminho” ― eu pensei quando a deixei naquele cemitério. ―
“Cumpriu sua missão”.
Patrícia lutou bravamente. Enfrentou seu destino sem nunca reclamar. Ela me dizia que merecia.
Que a doença era sua redenção. Eu nunca concordei, mas aceitei. Aprendi a viver com o que tinha.
Mudar o que era possível, a conviver com o que era impossível de ser mudado.
Hoje, quando meu pai entrou no quarto e me pediu perdão, entendi que ele também havia
compreendido o que mamãe queria nos dizer. Ele finalmente havia deixado Lucian ir. Finalmente
havia compreendido que ele apenas seguiu em frente, e que o tempo dele aqui era diferente do nosso.
Essa era uma parte importante da minha vida que havia sido resolvida. Era um passo importante
rumo ao novo Adrian que eu queria ser. Perdoar o meu pai era um dos grandes degraus que eu
precisava subir.
Sentei na cama e enchi um copo com água da jarra. Bebi devagar, como quem degusta um vinho
caro. Quando terminei deixei o copo de lado e me deitei novamente. Fechei os olhos e esperei que
amanhecesse.
― Shhhhhhh ― eu ouvi bem ao fundo, como se fosse em outra dimensão. ― O papai ainda está
dormindo. Não vamos acordá-lo.
Continuei com os olhos fechados, enquanto despertava devagar.
― O papai está bem? ― Collin perguntou e eu lutei contra o desejo de abrir os olhos.
― Ele está bem sim, querido, está apenas dormindo ― Laura explicou.
― Como a Bela Adormecida? ― Hanna perguntou.
― Quase isso! ― Laura brincou. ― Acho que você deveria tentar dar um beijinho nele. O que
acha?
Esperei e esperei, até sentir o perfume da minha filha se aproximar. Seus cabelos compridos
varrendo a pele do meu rosto. E então, sua boquinha tocou minha bochecha devagar.
Abri os olhos e sorri.
― Ele acordou! ― Ela disse animada.
― É claro que acordei ― respondi me sentando na cama. ― Você é a minha princesa, lembra?
Hanna abriu um sorriso que fez meu coração doer de saudades.
Abri os braços para ela que se empoleirou em minha cama, saindo dos braços de John.
― Ah papai, eu estava com tanta saudade ― confessou com os olhos chorosos. ― Pensei que
você não fosse mais voltar.
― Ah meu amor ― eu disse apertando-a contra meu peito, ― eu nunca deixaria você.
Hanna sentou-se ao meu lado e eu abri os braços para Collin.
― E o meu garotão, como está? ― perguntei pegando-o do colo de John também. ― Você ganhou
um curativo?
― Eu caí do degrau da cozinha ― ele confessou, ― e Laura cuidou do meu dodói. Você sabia
que ela está morando na nossa casa? ― Collin disse com sua inocência infantil.
Sorri e encarei os olhos sem jeito de Laura.
― Isso é uma coisa muito boa, meu filho. Eu vou ficar muito feliz se quando eu voltar para casa
Laura ainda estiver lá.
Eu queria que ela soubesse que era bem-vinda em minha casa. Que eu queria que aquela fosse a
nossa casa. Nosso lar. Onde cuidaríamos da nossa família.
― E aí, pai ― John brincou. ― Acha que já está bem o bastante para eu pedir um aumento de
mesada?
― Acho que estou bem o suficiente para saber que você precisa de um emprego ― eu disse
abrindo os braços para ele também. ― Mas quem sabe, se você for um bom garoto, nós possamos
conversar.
John caminhou até o meu lado na cama e me abraçou. Beijei sua testa e ele sorriu.
― Senti sua falta filho ― confessei.
― Também pai ― ele confessou também.
Laura estava lá, em pé no canto do quarto, como se não soubesse como participar do nosso
pequeno momento familiar. Eu achava graça da sua falta de jeito, porque parar mim, ela nunca havia
deixado de fazer parte da nossa família.
John se afastou e sentou em uma das poltronas, levando Collin com ele. Hanna desceu e começou
a analisar o quarto.
― Será que eu mereço um beijo da minha outra princesa também? ― brinquei. ― Eu posso voltar
a dormir se for esse o caso.
Laura sorriu, meio sem jeito, mas não se aproximou.
― Vem amor? ― pedi.
Ela se aproximou devagar, um passo seguido do outro, aumentando minha ansiedade. Parou ao
meu lado na cama. Eu a puxei mais perto pela mão, tocando sua pele com carinho, até que ela
estivesse ao nível do meu rosto.
― Senti sua falta também, amor. Não vejo à hora de voltar para casa.
Toquei seu rosto com minha mão, escorregando os dedos pelo seu cabelo, sentindo seu perfume.
Aproximei seu rosto do meu, levando-a até minha boca pela nuca.
Beijei-a com carinho, embora quisesse um pouco mais de paixão do que isso. Eu queria que ela
soubesse que eu a amava. Que não era atração ou qualquer coisa assim.
― Como você está? ― ela perguntou depois que eu me afastei.
― Melhorando rápido ― eu disse, ― e você?
Laura respirou fundo.
― Um pouco preocupada, mas bem.
― Algo errado com o nosso bebê? ― perguntei preocupado.
― Não. O bebê está bem. Estou preocupada com outras coisas. Encontrei Jens ontem por acaso
― confessou, entre outras coisas.
Encarei seus olhos preocupados.
― John? ― chamei. ― Acha que pode levar seus irmãos para casa com Harold? Eu queria um
tempo a sós com Laura.
― Claro pai ― John concordou.
Beijei meus filhos e os abracei. Despedi-me com a promessa de que logo eu estaria de volta em
casa e que deixaria que dormissem em meu quarto.
Eu prometeria qualquer coisa que os fizesse feliz. Faria qualquer coisa por eles.
Quando John saiu e a porta se fechou, Laura puxou a poltrona e sentou próxima a mim.
― Quero conversar com você sobre Jens Van Hart ― comecei, ― mas preciso que entenda que é
uma história complicada para mim, amor.
Laura assentiu e eu suspirei profundamente, sem querer começar, mas sabendo que era necessário.
― Jens e eu nos conhecemos muitos anos atrás. Ele é filho de um homem influente, como você já
sabe ― comecei. ― Frequentávamos os mesmos lugares, como também já te contei — Laura assentia
em silêncio. Não era uma curiosidade extrema, era mais necessidade de entendimento. ― O que eu
não te contei amor, é que Jens é o homem com quem Patrícia teve um caso.
As palavras saiam como fel da minha boca, amargas e incômodas, deslizando para fora com um
turbilhão de sentimentos.
― Oh meu Deus! ― Laura disse tapando a boca. ― Então Collin... ― ela não continuou.
Respirei fundo antes de continuar por ela.
― Collin é filho de Jens.
― Oh meu Deus! ― Ela repetiu inconformada. ― Então foi por isso que ele ficou tão preocupado
quando eu mencionei o acidente de Collin.
Parei. Petrificado, sem saber o que dizer. Todo o meu castelo de cartas ruindo a minha frente.
Meu coração palpitando rápido demais, levando um pouco do meu senso de orientação com ele. ―
Jens não sabia que era pai de Collin. Essa era minha proteção. Ele não sabia.
Capítulo 18

Laura

Pouco depois de receber a notícia sobre Jens e Collin, Dr. Benson entrou no quarto. Eu ainda
estava lá, com cara de quem não estava entendendo nada do que acontecia. Eu piscava e piscava e
parecia não conseguir entender.
Jens não se parecia em nada com o homem que eu julgava ser o pai de Collin. Eu pensava no pai
de Collin meio como meu padrasto era, frio, insensível, cruel. Uma pessoa que não é capaz de amar
ninguém além dela mesma. Jens estava longe de ser qualquer uma dessas coisas.
― Como está Adrian? ― Dr. Benson perguntou ignorando nosso clima estranho.
― Bem ― Adrian respondeu ainda sem conseguir desviar o foco do problema com Jens.
Dr. Benson nos analisou por um instante. Seus olhos correram de Adrian para mim e voltaram
para Adrian novamente.
― Bem mesmo? ― confirmou. ― Algo que você queira conversar comigo?
Eu fiquei em silêncio porque não fazia ideia do que dizer. Adrian não gostava de dividir os
problemas pessoais dele com ninguém e em especial os que se tratavam de Collin.
― Tudo ótimo doutor, exceto que estou com fome e ainda não me serviram o café― Adrian disse
suavizando um pouco a voz, embora reclamasse, voltando o foco e o olhar para o médico. ― Sabe se
existe algum problema com a minha dieta? ― perguntou.
Dr. Benson o encarou mais um pouco.
― Bem ― Dr. Benson começou, ― era sobre isso que eu queria conversar com você. Conversei
com o fisioterapeuta. Chegamos à conclusão de que podemos liberá-lo assim que fizermos mais uma
bateria de exames. Mills está muito satisfeito com sua força de vontade e eu recomendaria que você
tivesse sessões diárias com ele, em sua casa mesmo, caso prefira não se locomover até o hospital
diariamente.
― Oh meu Deus, doutor! ― Eu disse tapando a boca com as mãos, ― essa é realmente uma
notícia maravilhosa!
A simples ideia de pensar em ter Adrian de volta conosco me enchia de felicidade e dava aquela
sensação boa de que poderíamos finalmente recomeçar.
Dr. Benson sorriu.
― Não fique empolgada demais Sra. Galagher. Adrian ainda vai demorar um pouco para
recuperar a velha forma ― ele sorriu de canto de boca para Adrian e depois para mim. ― Além
disso, ainda preciso de alguns exames, principalmente da cabeça dele para ter certeza de que tudo
está bem.
Adrian esboçou um sorriso e voltou os olhos para mim. Eu sabia que ele estava satisfeito em me
ver preocupada com ele. Sabia que isso deixava claro que minha mágoa era menor que meu amor. Eu
queria que ele ficasse tranquilo, que voltasse toda sua energia para se curar.
Eu me sentia mais sensível e por mais que não quisesse admitir, era uma fase em que eu precisava
ser cuidada, me sentir amparada. Eu o queria comigo. Bem e saudável, mas sabia que para isso, iria
ter que abrir mão do meu orgulho e simplesmente amá-lo como ele merecia.
Sorri com carinho para Adrian.
― Tudo bem doutor. Eu não tenho pressa. Posso esperar por ele pelo tempo que for preciso.
Era o que eu precisava fazer. O que queria fazer, mostrar o meu apoio ao homem que eu amava.
Dizer a ele que eu estaria ao seu lado sempre. Eu sabia que toda essa história com Jens o estava
preocupando e não queria que isso acontecesse. Ele merecia ser cuidado, protegido, amparado. E era
o que eu faria.
Caminhei até mais perto da cama e alisei seu cabelo para trás. Beijei seu rosto.
― Eu estarei aqui quando você voltar ― prometi.
Adrian sorriu e beijou minha mão.
― Prometo que volto o mais rápido que puder.
― Bem, então vou pedir à enfermeira que o ajude a se preparar ― Dr. Benson disse, ― assim
deixo alguns minutos para que vocês dois se despeçam.
Assim que o Dr. Benson passou pela porta, Adrian me puxou para os seus braços. Deixei. Eu
queria um abraço. Queria sentir seu corpo, saber que ainda era meu.
― Amor, não quero que se preocupe com nada ― ele sussurrou. ― Não sei o que Jens pretende,
mas vou resolver tudo. Prometa que não vai se preocupar com isso. Não quero essas coisas enchendo
sua cabeça. Promete?
Sorri. Eu amava esse jeito superprotetor dele de cuidar de tudo e de todos que amava.
― Prometo ― menti.
A verdade é que eu não podia ignorar o fato de que Jens era o homem das cartas “JH” Jens Van
Hart. Era Jens Van Hart. Ele era o homem apaixonado e infeliz das cartas que eu havia lido. ― A
história toda parecia ainda mais confusa agora!
― Então eu só preciso de um beijo ― Adrian disse aconchegando-se mais e me fazendo parar
minha pequena guerra mental, ― e da promessa de que você estará ao meu lado, quando tudo isso
acabar.
Segurei seu rosto entre minhas mãos, apertando minha boca contra a dele. Mordendo seu lábio
inferior, sentindo seu gosto se espalhar em minha boca.
Alguns segundos depois, a enfermeira entrou e eu deixei Adrian no quarto. Era uma pequena
separação, necessária, mas era dolorosa. Eu não podia negar que ainda me preocupava com ele. O
acidente havia sido grave e por mais que ele estivesse bem, sempre vinha o medo de que algo dentro
dele não estivesse tão bem assim. Esses exames seriam bons para acalmar meu coração também.
Eram necessários.
Era estranho vê-lo com aquela vulnerabilidade no olhar. Era estranho que ele não fosse sempre o
Leão de Roterdã. Eu estava tão acostumada a vê-lo ser forte, poderoso, decidido, que vê-lo naquela
situação era um pouco desesperador. Eu queria correr até lá e apertá-lo forte contra mim. Queria
protegê-lo de qualquer coisa que ele tivesse que enfrentar, mas eu não podia ― ele não permitiria.
Ele ainda era Adrian Van Galagher.
Abri minha boca e balbuciei sem som “Eu te amo”.
Adrian sorriu e me mandou um beijo.
Respirei fundo, vendo-o sumir pela porta, segurando minhas lágrimas. Eu não queria ir. Queria
ficar ali, parada na frente da porta, esperando que ele saísse de lá, mas eu sabia que não era sensato.
Adrian passaria por uma bateria de exames. Demandaria tempo. E eu precisava cuidar das crianças,
da empresa, de mim.
Harold havia deixado o carro de Adrian estacionado para mim e levado as crianças de volta para
casa no Mercedes. Entrei no carro e dirigi pela cidade. Minha mente ainda tentava enquadrar Jens
Van Hart no papel do vilão que Adrian acreditava que ele era, mas as cartas de Patrícia mostravam
um homem diferente ― eu queria chegar logo em casa e encontrar Margarida.
Encarei o relógio pouco antes de chegar ao meu destino e constatei que estávamos próximos do
almoço. Parei em uma vaga próxima a um complexo de restaurantes e desci. Lá havia uma loja
famosa de sorvetes e eu pensei que minhas crianças mereciam um agrado por serem tão bons e gentis.
Eles eram as melhores crianças que eu havia conhecido na vida.
Entrei na loja e pedi dois potes de sorvete. Um de pistache, que era o meu preferido e que eu
sabia que John gostava também, e um de baunilha com um monte de confeitos coloridos, o que
provavelmente agradaria a Hanna e Collin.
Saí da loja com as mãos ocupadas pelas sacolas. Atravessei a rua e apertei o alarme do carro.
Quando tentava me ajeitar para abrir a porta, alguém pegou as sacolas da minha mão.
― Deixa que eu te ajudo, Laura ― a voz disse antes que eu me virasse.
Senti meu sangue todo gelar. Eu não queria vê-lo agora. Não sabia como reagir e não queria que
ele soubesse que algo havia mudado. Fiquei estática, parada como uma das estátuas das praças de
Amsterdã.
― Laura? ― Jens chamou com a mão no meu ombro.
Virei devagar, ainda sem conseguir encará-lo.
― Olá Jens ― eu disse por que não queria estender mais o nosso pequeno contato.
― Tudo bem? ― ele me perguntou. ― Sei que parece estranho e juro que não estou perseguindo
você. Eu estava por perto e vi quando saiu da loja. Eu tenho negócios naquele prédio ― Jens disse
apontando o prédio em frente.
Eu sabia que não estava em uma reação normal minha. Eu não costumava agir assim. As palavras
pareciam fugir da minha boca e da minha mente. Eu me sentia meio imbecil.
Jens estava absolutamente como sempre. Gentil, polido, elegante.
Era constrangedor.
― Tudo bem Jens ― menti, ― só estou com um pouco de pressa.
Jens me analisou por um tempo longo demais. Seus olhos azuis passeando pelos meus.
― Alexander te contou, não foi? ― ele perguntou.
Limpei a garganta um pouco antes de responder. Eu não queria ter essa conversa com ele.
― Alex não me contou nada Jens ― comecei, ― mas eu conversei com Adrian.
Jens respirou fundo, soltando o ar dos pulmões devagar.
― E, obviamente, o que Adrian Van Galagher diz, é lei ― Jens disse com muita mágoa na voz.
― Jens isso realmente não é da minha conta. Eu não tenho nada com isso. Nem conheci Patrícia.
Não quero me meter ― expliquei tentando fugir do assunto.
― Posso pedir uma coisa a você Laura? ― Jens disse com o rosto pesaroso — não respondi.
Então ele continuou. ― Deixe-me contar minha versão do que aconteceu. Eu sei que você
provavelmente não se importa e que isso não vai mudar nada, mas eu queria que pelo uma pessoa
pudesse me ouvir. Que pelo menos alguém envolvido nessa merda toda, me desse à chance de
explicar o que houve com as minhas próprias palavras.
Era um pedido justo. Não era o tipo de pedido que eu gostaria de ouvir porque meu senso de
justiça acabava sempre fazendo com que eu me arrependesse dele, mas não era algo fácil de ignorar.
O que o homem poderia fazer de mal a mim? Contar uma versão diferente de Adrian Van
Galagher?
Eu já conhecia o lado negro dele. Eu estava aqui, de volta, apesar disso. Eu sabia que ele merecia
uma chance de mudar, mas também sabia que ele não era a pessoa mais correta do mundo. Talvez
ouvir Jens me ajudasse no contrário. Talvez ele me mostrasse um Adrian mais real, mais humano. De
qualquer maneira, nada mudaria o fato de que eu amava Adrian, fosse ele quem fosse.
― Jens eu não posso me atrasar muito ― comecei, ― as crianças estão me esperando para o
almoço. Não quero desapontá-los.
Jens conferiu o horário no relógio.
― Uma hora, Laura. É tudo que eu peço.
Respirei fundo antes de responder.
― Ok.
Guardei as sacolas no carro, desistindo da minha surpresa e segui com Jens pela pequena orla
próxima ao porto. Havia uma fileira de bancos voltados para o mar. Jens indicou que eu me sentasse.
― Vamos ficar aqui. Eu prefiro. Não quero que ninguém tenha ideias erradas a respeito de você.
Concordei com a cabeça ― era mesmo uma boa ideia.
― Eu conheci Patrícia quando entramos na faculdade. Nós estudávamos no mesmo campus, mas
eu fazia outro curso ― Jens começou, ― eu me apaixonei por ela instantaneamente, Laura. Nunca
havia amado outra mulher como amei Patrícia — engoli em seco, observando seus gestos corporais.
Jens estava sereno, encarando mais o mar do que a mim. ― Adrian eu já conhecia, como você deve
saber. Nós moramos na mesma cidade por um longo período de tempo. Sei que isso não é importante,
mas quero falar um pouco de mim para você. Contar quem é Jens Van Hart, porque acredite poucas
pessoas no mundo tem essa resposta — eu me sentia mal por ele. Eu sabia como era ser julgada sem
ser nem mesmo questionada sobre a verdade. ― Eu não sou a pessoa mais fácil do mundo para se
lidar. Sou introvertido demais. Sozinho demais, mas eu não fui sempre assim. Tive uma vida bem
normal e tranquila até pouco mais de doze anos — Jens fez uma pausa e sorriu sem humor. ― Sei que
parece clichê e eu nem gosto de contar isso às pessoas, mas tudo mudou em uma fração de segundos
― ele fez uma pausa e atirou uma pequena pedra nas águas calmas do mar de Roterdã. ― Meus pais
faleceram em um acidente de automóvel. Caíram no mar junto com minha irmãzinha mais nova. Não
foi possível resgatar nenhum deles com vida.
As palavras iam saindo da boca de Jens e meu coração ia ficando menor e menor a cada segundo.
Eu não havia perdido meus pais dessa maneira, para ser sincera, eu nem havia realmente perdido os
dois, mas sabia como era crescer sozinha e isso não era nada fácil.
― Não estou te contando uma história triste e cheia de clichês porque espero que você sinta pena
de mim, Laura ― Jens continuou, ― para ser sincero uma das razões de manter as pessoas a
distância é não querer lidar com a pena delas. Eu odeio que sintam pena de mim. Eu tive uma vida
cheia de luxo e sempre vivi rodeado de bajuladores. Meu pai era um homem rico, influente, mas
depois que ele faleceu, sua fortuna pareceu importar mais do que eu ao meu tutor — Jens fez mais
uma pausa antes de continuar, eu imaginava o quanto tudo isso custava a ele. Não era algo bom
dividir o passado. Eu sabia melhor que ninguém disso. ― O irmão mais novo do meu pai ficou com a
minha guarda. Teoricamente, ele deveria ser a pessoa mais preocupada em me dar uma vida boa, e
de certa forma ele até foi ― Jens suspirou. ― Dois meses depois da morte da minha família, eu
estava em um avião, a caminho de um internato em Marselha, onde vivi todo o resto da minha
adolescência e só voltei quando finalmente atingi a maioridade.
― Sinto muito Jens ― foi tudo que eu disse e era sincero.
Eu realmente sentia muito. Não sabia o que isso tinha haver com a traição ou com ser pai de
Collin, mas era algo profundo que ele estava dividindo comigo.
― Agora vamos a pior parte. Aquela da qual eu realmente não me orgulho ― ele disse com um
sorriso sem humor pairando nos lábios. ― Assim que voltei da França, eu não tinha mais vínculos
aqui. Não tinha mais amigos, nem reconhecia o que havia sobrado da minha família. A fortuna do
meu pai havia sido cuidadosamente passada para o nome do meu tio, de pouco em pouco, ele se
apoderou do que pode, mas ainda sobrou muito, muito dinheiro mesmo — eu ouvia e ouvia e pensava
onde estava o monstro que Adrian e Alexander pareciam ver. Eu não o encontrava em nenhum lugar
dentro de Jens. ― Conheci Patrícia na segunda semana de aulas. Como eu disse no início da nossa
conversa, eu me apaixonei por ela instantaneamente, mas ela, por outro lado, parecia querer outra
pessoa. Essa é uma daquelas clássicas histórias em que o mocinho gosta da mocinha, mas a mocinha
gosta de outro mocinho. É lamentável e triste, mas é a história da minha vida.
Então a tal Patrícia havia abocanhado de uma única vez dois dos melhores partidos de Amsterdã.
― Safada!
― Eu lutei por ela. Fiz tudo que imaginava ser o certo. Tentei. Tornei-me amigo, confidente, mas
no final, eu a vi entrar no carro de Adrian Van Galagher e nunca mais me olhar. Adrian e eu nunca
tivemos um relacionamento amistoso. Ele me acusava de ser ganancioso e prepotente, mas nunca
parou para entender que eu havia me tornado isso porque ele tinha o que eu mais desejava no mundo.
Algo que meu dinheiro nunca pode comprar — Jens respirou fundo. Ajeitou o paletó, respirou fundo
novamente. Eu permaneci sentada, encarando seus olhos o mais que pude. Queria encontrar onde
estava o homem capaz de abandonar o filho e a mulher que dizia amar doente e desamparada. ―
Alguns anos depois do nascimento da Hanna, Patrícia me procurou em meu escritório ― Jens
continuou. ― Fazia tanto tempo que eu não a via. Eu nunca pensei que esse simples encontro pudesse
mexer tanto comigo. Eu pensava que já havia superado, mas não era verdade. Assim que meus olhos
encontraram os dela, meu coração se derreteu como neve no sol de primavera — engoli em seco sem
saber o que responder. ― Ela sentou-se em uma das cadeiras do meu escritório e chorou. Chorou e
se lamentou por quase duas horas. Disse que estava arrependida e que não queria mais viver com
Adrian. Que ele a maltratava. Que a negligenciava. Que não a amava mais. Eu nunca havia traído
mulher alguma em minha vida, eu não sou esse homem. Eu sempre vivi da máxima de que não
devemos fazer aos outros o que não queremos a nós mesmos, mas ver a garota que eu amava ali,
vulnerável e infeliz em minha frente, me fez perder todo o senso de honestidade que eu tinha — ele
respirou fundo mais uma vez, como se quisesse afastar as lágrimas. ― Eu a beijei.
Os olhos de Jens miraram o chão. Ele permaneceu em silêncio, encarando as pedras do chão,
analisando uma a uma sem voltar os olhos para os meus.
Eu permaneci em silêncio também. Não sabia o que dizer. Eu sabia que não era certo, mas não
podia culpá-lo por amar.
― Depois daquele beijo em meu escritório, as coisas evoluíram rápido demais. Eu queria casar
com ela. Queria que ela saísse de casa e viesse viver comigo. Eu me propus a aceitar os filhos dela.
Eu os amaria como se fossem meus. Eu faria qualquer coisa por ela.
Ele fez mais um silêncio e eu não resisti.
― E o que deu errado então? ― perguntei por que já não aguentava mais não saber.
― Tudo não passou de um truque ― Jens confessou. ― Eu fui apenas um peão em seu jogo. Ela
só queria causar ciúmes em Adrian. Achava que se ele soubesse que ela tinha alguém, acabaria por
perceber que não queria perdê-la. As coisas não saíram exatamente como ela imaginou e Patrícia
descobriu a doença. Eu quase enlouqueci quando ela me deixou, porque eu queria cuidar dela. Eu não
podia aceitar que ela ficasse com um homem como Adrian na situação que estava, mas ela não me
deu alternativas — uma lágrima rolou dos olhos de Jens e ele secou tão rápido que eu quase pensei
que era fruto da minha imaginação. ― Ela se foi e alguns meses depois eu descobri que esperava um
bebê ― Jens continuou, ― eu cheguei a confrontá-la. Queria saber se o bebê era meu. Patrícia disse
que não. Que era de Adrian. Pediu que eu me afastasse e que a deixasse viver o que restava de vida
em paz, ao lado do homem que ela amava e eu respeitei. Peguei minha mala e voltei para Marselha.
Oh meu Deus, que bruxa safada! ― Era tudo que eu conseguia pensar.
― Eu nunca soube da existência desse filho, Laura ― ele explicou. ― Eu jamais concordaria em
viver longe dele. Eu não posso contestar o amor de Adrian pelos filhos, mas eu tinha o direito de ter
feito o mesmo pelo meu garoto. Eu não o vi crescer. Eu não o ensinei a falar. Não o ouvi me chamar
de pai. Eu nem sabia que rosto ele tinha até um mês atrás.
Minha mente oscilava entre acreditar em Jens e acreditar em Adrian. Eu sabia que toda história
tinha duas versões e sabia que nenhuma delas era completamente real, mas havia alguns pontos soltos
em tudo isso e eu precisava amarrá-los.
― Como você soube? ― perguntei.
― Alissa ― Jens disse meio sem querer. ― Ela me procurou pouco mais de um mês atrás, com
uma fotografia de Collin nas mãos. Disse que me ajudaria a provar se eu me casasse com ela.
― E você aceitou ― conclui meio sem querer.
Eu aceitaria se fosse ele. Eu faria qualquer coisa para ter o meu bebê comigo. Não podia culpá-lo.
Ele estava sendo manipulado por uma mulher sem escrúpulos, pela segunda vez.
― É um casamento de conveniência. Alissa não me ama e eu menos ainda. Não sei se posso amar
outra mulher. Nem sei se quero — Jens fez uma pausa e então encarou meus olhos sem dizer nada por
alguns minutos. ― Eu faço qualquer coisa para ter o meu filho comigo. Sei que você tem todas as
razões do mundo para não concordar, mas quero que pense na situação ao contrário. Pense no seu
bebê ― ele disse encarando minha barriga. ― Sei que faria qualquer coisa por ele. Eu só quero
recuperar o tempo perdido ― Jens confessou.
Eu não sabia o que dizer. Não sabia como dizer. Não discordava dele, mas meu senso ético dizia
que também não podia simplesmente ficar a favor dele, porque isso significava ficar contra Adrian.
― Eu vou lutar por ele, Laura. Sei que isso vai afastá-la de mim, mas eu vou ― Jens disse
taxativo. ― Eu tenho o direito de ser pai.
― Então foi por isso que você se aproximou de mim? ― perguntei.
― A princípio sim ― Jens confessou. ― Alissa me disse que você e Adrian haviam rompido.
Disse que você estava grávida e que era um bom momento para eu me aproximar. Sei que isso é uma
coisa horrível, mas não quero mentir para você. Eu pretendia te seduzir. Pretendia tê-la ao meu lado,
contra Adrian Van Galagher, mas depois eu a conheci e não pude mais fazer isso. Não seria justo.
Você é uma mulher incrível, Laura, eu não seria capaz de feri-la para alcançar meu objetivo. Por isso
estou tentando falar com você, mas não é um assunto fácil.
Respirei fundo e alisei meus cabelos para trás ― era realmente um assunto difícil de ser
abordado.
― Não vou pedir nada a você. Sei que seria injusto e que a colocaria em uma posição difícil com
Adrian. Eu quero que seja feliz — Jens sorriu sem humor e ajeitou os cabelos que o vento havia
espalhado. ― Parece que Adrian mais uma vez tem tudo que eu desejo ― brincou e eu senti meu
coração apertar. ― Só me prometa que vai tentar ver a situação pelo meu ponto de vista ― pediu.
― Eu vou tentar Jens. Prometo que vou ― eu disse me levantando, ― mas quero que saiba que
qualquer tipo de relacionamento que podíamos vir a ter, acaba aqui ― eu disse taxativa. ― Não sou
Patrícia.
Jens correu os dedos pelo meu rosto devagar, antes que eu pudesse me afastar.
― Sei que não é ― ele disse sem insistir no toque, ― e é por isso que vou me afastar. Só queria
que você soubesse.
Seus olhos azuis eram límpidos, encarando os meus como quem vê algo extraordinariamente
bonito pela última vez. Ele parecia querer um abraço de despedida e eu queria abraçá-lo, mas não o
fiz. Não era certo e isso só me deixaria mais confusa sobre tudo. Eu precisava ouvir mais de Adrian,
de Alex e de quem quer que fosse que soubesse algo sobre o passado.
― Tenha um bom dia, Laura ― Jens disse, ― e saiba que se precisar de algo, basta me procurar.
Você não é Patrícia e eu nunca permitiria que viesse a ser.
Jens se afastou a passos largos e eu fiquei ali, vendo-o atravessar a rua e entrar em seu carro,
pensando que eu definitivamente estava longe de compreender todo o passado de Adrian Van
Galagher. Eu conhecia dois homens apaixonados e injustiçados que haviam comprado uma briga
imensa e dolorosa por causa de uma mulher que na realidade nunca amou nenhum dos dois.

Adrian

Assim que Laura se foi eu senti o peso do que aconteceria. Fossem quais fossem os exames que se
seguiriam, eles seriam decisivos. Eu sentia uma dor de cabeça insistente e ainda tinha dificuldades
para enxergar bem. Queria crer que era o fato de ter sofrido o acidente com as lentes de contato, mas
tinha medo de que na verdade fosse algum problema maior. Algum tipo de pressão intracraniana ou
coisa assim. Eu não queria morrer.
A enfermeira me ajudou a passar da maca para a cadeira de rodas e eu me ajeitei nela tanto quanto
podia. Enquanto ela me empurrava pelos corredores do hospital fechei os olhos e deixei minha mente
vagar. Eu pensava em Lucian, mamãe e Patrícia, meus anjos que estavam no céu. Eles haviam me
deixado tão cedo. Eu não queria ir.
Havia tantas coisas que eu precisava resolver. Eu não queria ir e não era apenas por capricho ou
porque eu achava que tinha mais direito do que os outros. Eu queria ter certeza de que meus filhos
ficariam bem. Eu queria ver o rosto do meu bebê. Eu queria que Laura realmente me perdoasse. Eu
queria ajudar Alexander com Louise. Eu queria manter Jens afastado de Collin. Eu queria tantas
coisas. Tantas coisas que meu dinheiro não podia comprar.
Paramos em frente a uma porta onde havia um letreiro ― Tomografia Computadorizada.
Respirei fundo e me ajeitei. Dr. Benson abriu a porta no mesmo instante.
― Bem, vamos começar Sr. Galagher.
Assenti meio sem querer ― fugir não era do meu feitio.
Dr. Benson e a enfermeira me ajudaram a deitar na maca de exames e me colocaram na posição
correta. Eu nunca havia feito uma tomografia, pelo menos não consciente, mas já havia
acompanhando Patrícia em inúmeras, então não era uma surpresa o que se seguiu.
Fechei os olhos e tentei me manter o mais imóvel possível, enquanto a máquina me analisava. Eu
só queria que tudo acabasse logo. Quando Dr. Benson me chamou, abri meus olhos satisfeito.
― Agora vamos fazer mais alguns testes e levá-lo de volta para o quarto. No período da tarde
passo em seu quarto e conversaremos ― ele me disse cortês.
Respirei fundo e voltei para a maca. O que se seguiu foi uma bateria completa de exames de todas
as partes possíveis do meu corpo. Eu fiz imagens de Raio X, coletei sangue, urina, fiz exames de
mobilidade, reflexos, oftalmológicos. Voltei ao quarto perto da uma da tarde. Eu estava faminto.
― Agora o senhor precisa descansar Sr. Galagher ― a enfermeira me disse. ― Vou buscar seu
almoço.
Eu estava revirando as ervilhas gosmentas em meu prato, quando Alexander passou pela porta,
carregando uma sacola nas mãos.
― Hum ― brincou aspirando o ar perto do meu prato, ― isso parece com aqueles pratos que
serviam na universidade.
― Parece ― confirmei, ― mas o gosto é ainda pior.
Alexander sorriu e eu acabei sorrindo com ele. Houve um tempo em que nossa comida gourmet
era roubar um pãozinho a mais no almoço do refeitório e um potinho de manteiga para o jantar.
― Achei que gostaria de variar o modelito e te trouxe isso aqui ― ele disse abrindo a bolsa e
tirando minhas roupas de dentro dela.
― Graças a Deus! ― brinquei de volta. ― Bendito seja Alexander Persen.
Alex se ajeitou na poltrona e cruzou as pernas.
― Então meu amigo, quais são as novidades? ― ele perguntou ainda em tom de brincadeira.
― Fiz uma bateria de exames agora mesmo ― confessei. ― Eles devem definir como serão meus
próximos dias.
― Isso é ótimo companheiro! Conheço algumas pessoas que sentem sua falta. Sabe como seu
charme é sempre irresistível para as mulheres.
Sorri, mas era um sorriso preocupado. Eu podia perceber no rosto de Alexander que as coisas não
estavam em sua melhor condição para ele também. Eu sabia que não era fácil ter um filho no hospital
e isso somado ao fato de ter que lidar com Alissa complicava ainda mais a situação dele.
― E você, quais são as suas novidades? ― brinquei. ― Não me diga que está de mudança para
as Maldivas.
Alexander respirou fundo e sorriu, mas o sorriso morreu rápido demais. Seus olhos verdes
encararam os meus.
― Não consegui vir hoje cedo, desculpe. Não gosto de deixar Laura sozinha, mas Louise está
rejeitando a alimentação que o hospital tenta lhe dar. Perdeu peso nos últimos dias ― confessou
coçando a cabeça.
― Onde está Alissa? Por que não a está amamentando? ― perguntei sem entender.
― Alissa sumiu Adrian. Pediu alta e ninguém soube mais nada dela. Tudo o que temos é uma
ligação telefônica dela para a mãe avisando que está bem e que não quer voltar.
Não disse nada. Não sabia o que dizer. Nada parecia suficientemente bom.
Revirei minhas ervilhas um pouco mais e então levei uma garfada à boca. Depois de mastigar,
continuei.
― Sabe que pode contar comigo, não sabe? ― perguntei. ― Nós cuidamos de Collin, vamos
cuidar de Louise também.
Alexander sorriu ainda em silêncio.
― Somos uma boa equipe ― confessou. ― Eu diria que somos a melhor equipe que conheço.
― Eu diria que você tem razão meu amigo ― brinquei usando o tom que meu pai costumava usar.
Dr. Benson passou pela porta no momento seguinte.
― Ótimo! Vejo que está se alimentando bem ― ele disse meio sarcástico para mim.
― Nham nham ― brinquei correndo os olhos de Alexander para ele.
― Quer que eu espere até que você termine a refeição? Ou prefere conversar agora?
― Agora é um ótimo momento ― respondi afastando meu prato de ervilhas gosmentas, ― e seja o
que for doutor, pode falar com Alexander aqui. Eu não confio em ninguém mais do que confio nele.
Alex sorriu mais.
― Bem Adrian, era o que eu imaginava. Com tempo e dedicação, você recupera a forma de antes.
Seus exames de sangue e urina estão bons, reflexos retornando em velocidade boa. Nada que uma
cadeira de rodas ou um par de muletas não possa resolver.
― E a tomografia Dr. Benson? ― perguntei meio sem querer uma resposta.
Eu tinha medo de que ele tivesse achado algo em minha cabeça. Eu tinha vontade de saber, assim
como sentia medo, em iguais proporções.
Dr. Benson respirou fundo antes de continuar.
― Sua cabeça está ótima, Adrian ― ele disse abrindo um sorriso. ― Provavelmente é mais dura
do que todos imaginavam. Sólida como uma rocha ― brincou.
Alexander riu alto e eu acabei sorrindo junto, mas ainda não era tudo.
― E meus olhos doutor?
― Seus olhos sofreram um pequeno edema. Com a queda e o inchaço isso provavelmente
aconteceria. Vamos tratar disso com calma, não é algo irreversível. Eu indicaria, embora não seja
minha especialidade, que você usasse óculos de sol o máximo que puder. Isso vai ajudá-lo na
exposição à luz e reduzir a sensibilidade. Use óculos de grau para ler e assistir televisão e vamos
marcar uma consulta com o oftalmologista para daqui a alguns dias, assim ele irá avaliar o dano
melhor.
― Marcar consulta? ― perguntei sem entender porque até onde eu sabia, existiam médicos de
plantão no hospital.
― Sim! A menos que o senhor não queira ir para casa, Sr. Galagher ― Dr. Benson brincou. ―
Vou deixar sua alta médica assinada para às quatorze horas de hoje, quando acabam suas medicações
intravenosas. Uma boa noite de sono em sua própria cama e o senhor se sentirá bem melhor amanhã.
Dr. Benson assinou alguns papeis e escreveu em alguns outros. Entregou todos a Alexander.
― Cuide para que este cabeça dura mantenha o tratamento e as sessões de fisioterapia.
― Sim, senhor, não precisa se preocupar. Eu consigo, o trago nocauteado se for preciso.
Dr. Benson saiu e Alexander sorriu animado.
― Laura vai adorar a notícia ― afirmou abrindo o telefone.
― Não! ― Impedi. ― Ela provavelmente só virá até aqui depois do entardecer. Quero fazer uma
surpresa a ela!
Capítulo 19

Laura

Permaneci sentada ali, encarando o movimento das águas do mar, pensando um pouco em minha
vida e em tudo que havia acontecido. Eu nunca tomaria uma atitude como à de Patrícia. Eu não a
condenava porque não cabia a mim condenar quem quer que fosse, eu tinha meus erros e eles não
eram pequenos, mas eu não conseguia entender como ela pôde brincar e manipular tanto. Eu nunca
conseguiria trair alguém e se traísse, não seria sem amor.
No tempo em que Adrian e eu estivemos separados, por mais magoada que eu estivesse e por mais
que Jens fosse um homem elegante e gentil, não havia passado nem uma só vez pela minha mente ter
algo além da amizade que tínhamos. Eu o via como alguém que me despertava curiosidade. Ele me
parecia um homem cheio de mistérios, mas ele não despertava nenhum sentimento romântico em mim
porque meu coração sempre pertenceu a Adrian. Era isso. Eu sempre havia sido uma mulher de um
homem só.
Acho que de tanto ouvir vovó dizer que eu não deveria ser como minha mãe, isso havia se
instaurado em algum lugar bem fundo dentro de mim ― eu não era como minha mãe.
― Será que você vai se parecer comigo ou com o seu pai pequeno? ― perguntei para minha
barriga, enquanto acariciava a forma arredondada ali. ― Se você for um menino espero que não seja
um pequeno pirata arrogante! ― Brinquei. ― Você poderia ter o gênio do seu tio! Ele é um cara
incrível.
Sorri, pensando que me pouco mais de quatro meses eu teria o meu pequeno ou pequena nos
braços. Pensando que minha vida mudaria para sempre e que eu nunca mais estaria sozinha. Não
importava como as coisas ficariam dali para frente, eu nunca mais seria apenas eu.
― Prometo que vou tentar fazer as coisas certas por você ― continuei, ― prometo que vou tentar
vencer o muro gigante que o seu pai arma diante de todos que querem lhe dar amor. Prometo que vou
tentar perdoar o meu pai também ― eu disse sentindo meus olhos começarem a pesar. ― Sabe
pequeno, os pais não acertam sempre. Eles deveriam, mas não acertam sempre.
Minha mão sentiu uma pequena tremida.
― Hum, fico feliz que você concorde comigo ― eu disse sorrindo. ― Vou confessar que essa
coisa de ser mãe às vezes me apavora.
O celular no bolso do casaco vibrou, fazendo-me voltar à realidade. Peguei o aparelho para
encontrar uma mensagem de John.
“Tudo certo por aí? Devemos esperar você para o almoço ou você resolveu ter um acesso de
realidade e fugir de nós?”
Sorri enquanto digitava a resposta.
“Chego em alguns minutos e com dois potes de sorvete”
Guardei o telefone de volta no bolso e acariciei minha barriga mais uma vez.
― Seus irmãos estão esperando a mamãe. Sei que você não vai se importar de dividir um
pouquinho da atenção. Eles são muito legais, você vai amar ter irmãos, tenho certeza.
Levantei e caminhei em direção aonde havia estacionado o carro.
Dirigi direto para a casa de Adrian. Parei o carro na garagem e desci. Quando passei pela
cozinha, encontrei Hanna e Collin ali, comendo com Martina.
― Laura! ― Hanna gritou. ― John disse que você trouxe sorvete!
― Trouxe sim ― eu disse colocando os potes no freezer e seguindo até a mesa, ― mas vocês só
podem tomar o sorvete depois de comer tudinho ― brinquei.
― Eu já comi tudo ― ela disse animada me mostrando o prato vazio à sua frente, ― mas Martina
disse que eu deveria ficar aqui sentada enquanto Collin termina o almoço dele.
Sorri e dei um beijo no topo da cabeça dela.
― Martina está certíssima, é educado esperar que as pessoas terminem de almoçar antes de
levantar da mesa. Vou aproveitar e subir para me trocar e volto ― olhei para Martina. ― Onde estão
John e Margarida.
― John está esperando por você e Sra. Tavares está no quarto ― Martina disse com os olhos
preocupados. ― Ela não saiu de lá hoje, Laura. Temo que não se sinta bem.
― Depois do almoço eu falo com ela, Martina. Não se preocupe.
― Notícias do Sr. Galagher? ― ela me perguntou. ― Alexander esteve aqui e pegou algumas
roupas dele.
― Ele está fazendo alguns exames. Alex ficou de levar roupas a ele e objetos de higiene pessoal.
Ele não faz o tipo que fica quieto na cama, Martina, você sabe ― brinquei.
Martina sorriu e eu subi para me trocar. Eu precisava falar com Margarida. Precisava dedicar um
tempo a ela de verdade. Ouvir o que ela queria me dizer, contar que havia lido o caderno. Eu
precisava me expor mais, deixar que Margarida entrasse. Havia alguma razão para que ela tivesse
me entregado o tal caderno e eu queria entender qual era.
Vesti um short de elástico e uma camiseta e calcei um par de chinelos. Estávamos na primavera e
eu adorava sentir o sol em minha pele novamente, não era sempre que eu sentia isso desde que havia
chegado à Holanda.
― Posso entrar? ― perguntei batendo na porta de John. ― Sei que estou atrasada e quero me
desculpar.
John abriu a porta usando uma bermuda e uma camiseta do AC/DC. Sorri ao ver a estampa.
― Ah para! Você não tem idade para curtir AC/DC ― brinquei.
― Nem você! ― Ele devolveu, ― e mesmo assim eu amo você. Olha só como eu sou bonzinho ―
ele disse beijando meu rosto e deixando o braço sobre meus ombros. ― Agora vamos comer pelo
amor de Deus, antes que eu morra de inanição. Eu estou em fase de crescimento, sabia?
Levantei a sobrancelha enquanto analisava o garoto ao meu lado ― alto, forte, começando a ficar
musculoso, gentil, educado, divertido e sensato. ― É ele não estava mais em fase de crescimento!
Depois de almoçar, saímos para tomar sorvete no jardim. Margarida não desceu, nem para comer,
nem para ficar com os netos. Eu estava começando a me preocupar. Deixei John com os irmãos e
Martina e subi até o andar superior. Bati na porta com o cuidado de não acordá-la, caso estivesse
dormindo.
Margarida respondeu em seguida.
― Pode entrar querida, não estou dormindo.
Abri a porta e a fechei novamente, assim que passei por ela. Eu não queria ser interrompida por
ninguém. Margarida estava deitada na cama, recostada sobre travesseiros, com um livro aberto no
colo, mas seus olhos estavam perdidos na janela.
O quarto que ela ocupava tinha grandes janelas que iam quase do chão ao teto. Eram janelas
duplas que mostravam uma parte do lago e o jardim. Era uma linda vista, não fossem pelas molduras
dos vidros, o lugar pareceria uma pintura antiga.
― Vê como as Frésias estão bonitas? ― ela me perguntou sem desviar os olhos da janela.
Encarei o grande cobertor de flores rosadas lá embaixo. Elas circundavam uma parte do jardim e
tinham diversos tons desde o rosa até o lilás. Eram de tirar o fôlego. Sorri.
― Sim, são mesmo lindas ― confirmei aproximando-me da janela.
― Patrícia as plantou. Ela tinha muitos defeitos, mas amava lidar com a terra. Era o momento em
que ficava mais serena. Mais calma ― ela falava, mas não me olhava, estava perdida em seus
próprios pensamentos.
Eu não sabia o que dizer. Não podia entrar no assunto da traição com ela naquele estado. Patrícia
podia não prestar e ser leviana, mas era filha dela. A única filha que ela teve e que perdeu tão cedo.
Sentei-me na beirada da cama e coloquei minha mão sobre a dela.
― Você leu o caderno? ― ela me perguntou depois de um tempo.
― Li sim ― respondi e me calei novamente.
― Sabe Laura ― ela continuou, ― eu quis tanto acreditar que a culpa não era dela que passei
tempo demais odiando o pobre homem ― Margarida suspirou, ― eu o culpei e o difamei por ter
acabado com a felicidade da minha filha, mas depois de ler o que havia naquele caderno, eu me senti
injusta demais. Sinto pena dele. Sinto remorso. Nem sei quem ele é direito. Vi uma foto no jornal e
nada mais.
― Ele é um bom homem Margarida. Tenho certeza de que compreende suas razões ― eu disse
para acalmá-la.
― Você o conheceu? ― ela me perguntou.
― Sim.
― Se o encontrar novamente, você pode dizer a ele que eu sinto muito? ― ela me pediu com os
olhos marejados.
Acariciei sua mão com cuidado.
― Não se preocupe com isso. Tenho certeza de que Jens compreende. Eu não acho que vou
encontrá-lo novamente, mas sei que ele entende ― expliquei.
― Como Adrian está? ― ela me perguntou em seguida.
― Bem melhor ― eu disse animada. ― Está fazendo uma bateria de exames e dependo do
resultado poderá ser liberado logo. Vou passar para vê-lo mais tarde.
― Isso é ótimo! Adrian merece vir para casa e vocês dois merecem viver o que não viveram
ainda — Margarida correu a mão pela minha barriga. ― Você está bem, querida? Imagino que não
está sendo fácil para você. Toda essa pressão em um momento tão especial. Desculpe, mas achei que
você merecia saber a verdade.
― Eu estou bem sim e estou feliz que tenha compartilhado comigo algo tão íntimo. Sinto-me
lisonjeada de ser digna da sua confiança.
Margarida sorriu.
― Quero que me ajude a consertar os erros de Patrícia. Eu não quero partir sem deixar as coisas
em seus devidos lugares, Laura ― ela disse segurando minhas mãos entre as dela. ― Quero que me
ajude a mostrar a verdadeira Patrícia para Adrian. Eu não sei se terei tempo de fazer tudo isso
sozinha.
Respirei fundo e assenti. Eu ainda não sabia como fazer isso, nem sabia se queria me intrometer
em um relacionamento que nem existia mais. Eu também não me sentia no direito de estragar a
memória de alguém que nem podia mais se defender, mas eu concordava com Margarida em muitos
aspectos. Não era justo que simplesmente aceitássemos que Jens era o vilão porque ele não era. Eu
não podia simplesmente fingir que não sabia da verdade, mas eu precisaria de muito tempo para
mostrar ao cabeça dura do Sr. Galagher que ele havia sido enganado pela mulher que amava.
― Papai! Papai! Papai! ― os gritos vindos do jardim voltaram nossa atenção para fora.
Levantei com cuidado e caminhei até a janela.
― Oh meu Deus! ― Gritei tapando a boca com a mão. ― Adrian está lá embaixo!
Margarida sorriu.
― E o que você está esperando para ir até ele? Corra!

Adrian

Assim que Alexander parou o carro em frente ao jardim, meu coração se iluminou novamente.
Meus filhos estavam lá. Meus três amores, juntos, aproveitando um pouco do dia de sol.
― Hey campeão, vamos com calma ― eu disse assim que Collin se chocou contra mim. ― Você
está ficando forte demais, assim vai derrubar o papai — Collin sorriu e encarou minhas muletas,
correndo os dedinhos pelo metal frio. ― Tudo bem anjo, o papai está bem ― eu disse para
tranquilizá-lo. ― Só preciso descansar um pouco — Hanna chegou de mansinho, ajeitou uma mecha
do cabelo comprido e em seguida coçou o nariz, um pouco nervosa. ― Será que eu não vou ganhar
um abraço da minha princesa? ― perguntei apoiando-me contra o carro e abrindo os braços para ela.
Ela sorriu tímida e caminhou até mim. Alexander a pegou e colocou em meu colo. Hanna passou
os bracinhos em volta do meu pescoço sem dizer nada. Quieta, alisando os cabelos na parte de trás
da minha cabeça. Senti vontade de chorar. Eu preferia que corresse e se lançasse sobre mim. Que
gritasse e fizesse bagunça, mas ela não o fez. Estava triste e preocupada demais para ser meu raio de
sol.
― Eu estou bem, querida ― eu falei em seu ouvido. ― Vou ficar novo em folha em um estalar de
dedos ― conclui antes de beijar seu rosto. ― Você sentiu falta do papai? — Hanna assentiu ainda
sem dizer nada. ― Então pronto! Eu estou aqui, de volta para você!
Quando ela desencostou o rosto do meu, seus olhinhos estavam marejados e os meus acabaram
ficando também. Eu havia passado perto de nunca mais encarar aquele rostinho e isso era assustador.
― Então Sr. Galagher ― John começou encostando-se no carro ao meu lado, ― acha que agora
podemos falar daquele aumento de mesada? ― brincou.
Coloquei Hanna no chão e o puxei para o meu abraço. John havia crescido nos últimos dias,
atingido minha altura e se tornado mais homem do que eu gostaria naquele momento. Queria meu
garoto comigo por mais tempo, não estava preparado para deixá-lo ir.
― Senti sua falta filho! ― eu disse beijando seu rosto.
Para minha surpresa, John me beijou também.
― Também senti a sua, pai.
Enquanto abraçava John, meus olhos se perderam na janela no andar superior, Laura estava lá,
parada em frente ao vidro, encarando-me de lá de cima. Minha Laura, em minha casa, como nunca
deveria deixar de ser.
Sorri para ela com o canto da boca, vendo seu rosto de espanto se acalmar. Alguns minutos mais
tarde, Laura apareceu na porta. Caminhou tranquila até mim.
Eu fiquei ali, parado, vendo a mulher da minha vida caminhar cheia de graça até mim. Ela usava
um short curto de elástico que deixava suas pernas bonitas à mostra e uma camiseta que acentuava
bem a barriga. Minha Laura, meu bebê, todos que eu amava estava ali, comigo.
― Você não me avisou que ele estava de alta! ― Ela reclamou batendo a mão de leve contra o
ombro de Alexander.
― Ele disse que queria te surpreender ― Alex disse sorrindo, ― e pelo jeito conseguiu.
Estendi a mão e esperei que ela a segurasse. Assim que seus dedos tocaram os meus eu a puxei em
um braço forte, apertado, sentindo sua barriga se apertar contra a minha.
― Estou feliz que esteja aqui, amor ― eu disse tocando minha boca na sua.
Laura sorriu.
― Também estou feliz.
Laura não se esforçou para se soltar do meu abraço e eu não queria que ela fosse, então ficamos
assim por um longo tempo. Seu corpo pequeno encaixado no meu, até que acariciei sua barriga com
cuidado.
― Agora o papai está aqui ― eu disse bem baixinho, perto da sua barriga. ― Pode ficar tranquilo
que vamos cuidar bem de você. Não vejo a hora de conhecer.
― Ah Deus, porque eu não trouxe uma caixa de lenços? ― Alexander brincou.
― Se quiser pego uma toalha tio Alex ― John emendou. ― Acho que os lenços não dariam conta.
Empunhei a bengala e bati nas costas de John de leve, fazendo-o se abaixar um pouco.
― Não esqueça que o macho Alpha está de volta em casa, garoto ― brinquei enquanto seguia
para dentro ainda com Laura ao meu lado.
Assim que passei pela porta e encarei a escada analisei o tamanho da dor que eu sentiria para
subi-la. Respirei fundo antes de dar mais um passo.
Quando cheguei ao pé da escada, Alexander me apoiou pelo lado da cirurgia e eu firmei a perna
boa no primeiro degrau. Cada um dos outros dezesseis degraus, fizeram com que eu perdesse um
pouco da vontade de continuar. Eu respirava fundo e pensava que faltava menos um e que logo eu
estaria em minha cama. Eu sentia como se tudo dentro da minha perna arrebentasse de novo com cada
movimento.
― Isso aí Sr. Galagher ― Alex disse sorrindo assim que atingimos o piso superior. ―
Persistência é a alma do negócio.
― Eu nunca desisto Sr. Persen ― brinquei de volta enquanto ele me conduzia até o quarto.
Alexander me acomodou na cama.
― Precisa de algo? ― perguntou assim que eu terminei de me ajeitar. ― Comida de verdade,
talvez?
― Eu ia dizer morfina, mas acho que comida ajuda ― brinquei.
― Vou pedir a Martina para preparar um lanche para você Adrian. Quer que eu fique mais tempo?
Precisa que eu faça algo por você?
Eu estava acomodado em minha própria cama. Com todas as pessoas que amava ao meu lado. Eu
estava com roupas confortáveis e de banho tomado. Tudo que eu queria era que Alexander
descansasse.
― Vá para casa Alex. Você precisa se cuidar para cuidar de Louise. Ao que me consta ela só
pode mesmo contar com você.
Alex sorriu sem humor.
― Eu vou. Preciso mesmo passar no hospital. Quero ver como ela está ― ele disse coçando a
barba. ― Sabe de uma coisa? Ainda bem que ela só pode contar comigo. Finalmente me livrei da
desmiolada da mãe dela!
Acabamos rindo alto, os dois.
― Obrigada companheiro ― eu disse quando o sorriso começou a morrer, ― por ter cuidado de
tudo na minha ausência. Por proteger Laura das minhas loucuras e principalmente por estar sempre
aqui quando eu precisei. Sabe que pode contar comigo sempre, não sabe?
Alexander sorriu de canto.
― Não me faça precisar daquela toalha que John mencionou ― brincou e saiu do quarto.
Pouco tempo depois, John entrou com uma bandeja de comida nas mãos. Sentou-se ao meu lado e
ajeitou a bandeja em meu colo.
― Obrigado filho ― eu disse assim que o aroma do chá entrou em minhas narinas.
― Sabe que nada de cachorro quente do Fat Loui, não sabe? ― ele brincou.
― Sei sim. Estou contente com esse bolo de baunilha e esse sanduíche de queijo branco.
John se recostou contra as almofadas, ajeitando-se mais confortavelmente. Cruzou as mãos atrás
do pescoço.
― Dói? ― ele perguntou encarando minha perna esticada.
― Como o inferno ― respondi com a boca cheia de pão. ― Principalmente quando eu me mexo.
Ficamos em silêncio depois disso. Um agradável e familiar silêncio que John e eu
compartilhávamos quando as coisas estavam tranquilas. Desde bebê, eu o colocava sobre meu peito
e ele se aquietava, tranquilo, sentindo o calor da minha pele. Depois de um tempo, quebrei nosso
silêncio.
― Onde está Laura? ― eu perguntei porque ela ainda não tinha vindo me ver.
― Cuidando dos pirralhos. Eles queriam vir até aqui, mas ela achou melhor deixar você
descansar — John fez uma pausa e sorriu, dando um pequeno soco em meu ombro e fazendo-me
derramar um pouco do chá na bandeja. ― Não se preocupe Sr. Galagher, a garota não parece querer
fugir — sorri com ele. ― Agora tome todos os seus comprimidos ― ele disse passando um copinho
com algumas drágeas nele, ― queremos o Leão de Roterdã de volta o mais rápido possível.
John me ajudou com a bandeja e depois saiu. Fiquei ali, recostado contra as almofadas, olhos
fechados, sentindo os aromas do meu lar.
Não demorou muito para que eu adormecesse. Eu não dormia muito bem no hospital e estava
cansado e preocupado com tudo. Em casa era tudo diferente. Assim que meus olhos se fecharam, o
sono veio com força total.
Não sei por quanto tempo dormi, mas quando abri meus olhos, havia som de chuveiro vindo do
banheiro. A porta estava fechada. Fechei os olhos e esperei que a porta se abrisse.
Laura saiu de dentro do banheiro alguns minutos depois, usando um pijama de algodão e com os
cabelos envoltos em uma toalha.
― Oi ― ela disse meio sem graça. ― Pensei que estava dormindo. Eu fiz barulho? Desculpe-me!
Não queria te incomodar.
Ela falava e falava, tentando parecer menos nervosa, mas só me demonstrava o contrário. Eu
queria sorrir. Não dela, mas da situação em que ela havia se colocado.
― Vem até aqui amor ― eu disse estendendo a mão — ela pensou por um tempo, sem conseguir
me encarar de fato. ― Vem? ― repeti.
Laura se aproximou com cuidado. Parou em frente à cama.
― Você está com fome? Eu posso ver se Martina prepara um prato de sopa ou algo assim. Quer
que eu vá?
― Quero que venha até aqui e deite na cama comigo. Quero minha mulher comigo ― eu disse
encarando seus olhos.
Laura pigarreou um pouco. Respirou fundo, mas veio. Sentou-se no lado vazio da minha cama. Um
lado que já era dela, mesmo que ela não acreditasse nisso.
Corri as mãos em seu rosto. Soltei a toalha com cuidado, segurei um punhado de cabelo entre
meus dedos. Levei até perto do nariz.
― Senti falta do seu cheiro ― eu disse quase em um sussurro. Laura respirou fundo quando eu me
aproximei mais, seu corpo ainda um pouco tenso. ― Senti falta do seu gosto ― eu disse correndo os
lábios na pele do seu rosto, descendo até o pescoço, subindo até seu ouvido. ― E você amor, sentiu
minha falta? ― perguntei.
― Muito ― ela disse e então ficou em silêncio.
Era minha deixa. Minha oportunidade de tê-la comigo novamente. Era tudo que eu precisava,
minha Laura, em minha cama mais uma vez.
Ajudei-a a se deitar e girei meu corpo de lado, ficando de frente com ela. Minhas mãos
contornando seu corpo, correndo por ele desde os ombros até a curva delicada do quadril.
Minha boca tocou a dela com cuidado, sentindo seu toque contra meus lábios. Tateei com a língua
antes que ela se abrisse para mim e quando isso aconteceu, eu me afoguei em seu beijo. Sentindo sua
língua enroscar-se na minha, meu corpo respondendo rapidamente, ansiando por ela.
Puxei-a mais para perto, para que ela pudesse me sentir também. Laura gemeu contra minha boca.
― Adrian ― ela disse quase sussurrando.
― Sim amor, sou eu. Sempre serei eu e ninguém mais — Laura e eu nos beijamos até não ser mais
suficiente, até o ar parecer rarefeito no quarto. Então eu me afastei o suficiente para poder falar. ―
Amor eu quero fazer amor com você mais que qualquer coisa no mundo, mas antes eu quero ter
certeza de que você também quer. E quero ter certeza de que está tudo bem com o nosso bebê.
Laura sorriu um pouco tímida.
― Está tudo bem com o nosso bebê sim ― ela me respondeu ignorando o começo da frase.
Beijei-a novamente e então sorri contra seus lábios.
― Então devo supor que você quer fazer amor amigo, Srta. Soares? ― brinquei puxando sua
calça com uma das mãos.
Laura não respondeu, seu gemido me fez crer que eu tinha razão.
Tirei sua calça e sua blusa e deixei que ela me ajudasse a retirar minha camiseta. Ela correu as
mãos pelo meu peito, parando em cima do curativo na minha costela.
― Tem certeza que tudo bem mesmo? Quer dizer você pode fazer isso?
Cobri sua mão com a minha e a guiei até o elástico da cueca, fazendo-a me tocar e sentir como eu
a queria.
― Ok! ― Ela me disse sorrindo. ― Já entendi.
Segui beijando sua boca enquanto me livrava do que ainda tínhamos de roupas. Laura puxou uma
manta fina sobre nossos corpos e eu a baixei até perto da sua cintura.
― Você está linda grávida, amor. Ainda mais do que dá última vez em que eu a vi assim, sem
roupa nenhuma. Não quero que se cubra. Quero vê-la.
Laura tateou com a ponta dos dedos cada uma das minhas tatuagens.
― Pensei que nunca mais o veria assim ― ela disse chegando mais perto de mim. ― Que nunca
mais teria você assim ― continuou colocando uma das pernas sobre minha coxa.
Assim que ela se ajeitou, ajudando-me a não fazer esforço demais, eu me guiei para dentro dela,
bem devagar, sentindo cada uma das sensações que o seu corpo produzia no meu. Eu queria tudo que
pudesse ter dela em mim.
― Eu nunca deixei de ser seu, amor, nunca ― confessei. ― Só fui idiota demais para me dar
conta de que nenhuma mulher no mundo poderia ocupar o seu lugar.
Capítulo 20

Laura

Quando o dia amanheceu eu me sentia leve. Feliz e leve. O corpo de Adrian ainda estava meio
enroscado ao meu e eu me perguntava se não acabaria prejudicando sua recuperação, mas eu não
podia negar que era a melhor sensação do mundo.
Suspirei profundamente, antes de me aconchegar em seu peito forte novamente.
― Bom dia amor! ― Ele disse sonolento. ― Você dormiu bem?
Sorri e me ajeitei um pouco mais.
― Muito bem, e você?
― Acho que nem me lembro de quando foi à última vez que dormi assim ― ele confessou.
Eu sabia exatamente como ele se sentia porque eu sentia o mesmo. Estar novamente nos braços
dele era como estar novamente no caminho certo e isso era tudo que importava.
Adrian passou o braço em volta da minha cintura e beijou meu ombro com cuidado, demorando-se
ali. De repente, nosso bebezinho deu um pulo em minha barriga.
― Opa! ― Eu disse colocando minha mão sobre a dele. ― Parece que mais alguém está feliz com
o seu retorno.
Adrian deslizou a mão para cima e para baixo, fazendo carinho ali.
― Hey amor, acho que alguém aqui está com ciúmes de você ― brincou. ― Deve ser um garoto!
Você não sabe o sexo ainda, sabe?
― Na verdade não ― confessei. ― No último exame seu filho fechou as perninhas e não deixou
ninguém ver. Só podia mesmo ser um Galagher.
― Ou uma Galagher ― Adrian completou, ― e já sabe desde cedo que não deve se expor.
Acabamos sorrindo como dois bobos apaixonados.
― Sr. Galagher? ― Martina chamou na porta. ― Desculpe interromper, mas é hora dos seus
remédios.
― Sem problemas Martina, pode entrar ― ele disse ajeitando-se na cama.
Eu podia perceber que seus movimentos ainda eram mais lentos e menos elegantes do que de
costume. Podia perceber que ele sentia dor ao se mover, mas ele era Adrian Van Galagher e se
alguém perguntasse, diria que era coisa da minha cabeça. Então eu apenas o ajudava, sem que ele
percebesse, para que as coisas fossem melhores.
Minha avó costumava dizer que essa era a função da mulher, ser o apoio, ainda que discretamente,
da família. Eu me lembro de achar essa conversa toda de “esposa ideal” machista e preconceituosa,
mas agora, vendo Adrian ali, precisando de mim, eu havia mudado meus conceitos e havia entendido
que era apenas uma questão de amor. Ele faria o mesmo por mim, se um dia eu precisasse.
Aproveitei a entrada de Martina e me levantei. Eu precisava de um banho e precisava comer.
Depois de tanta atividade noturna eu me sentia faminta. Feliz e faminta.
― Bom dia Martina ― eu disse passando por ela em direção ao banheiro. ― Veja se esse
teimoso não cospe os comprimidos, hein? ― brinquei e Martina sorriu.
― Ah senhorita, fico tão feliz de ver todos bem e de volta a essa casa ― ela disse toda animada.
― Tudo estava triste demais por aqui.
Eu estava no chuveiro, quando a porta do boxe se abriu.
― Sabe que precisa cuidar dessa perna, não sabe, Sr. Galagher? ― brinquei.
Adrian encaixou o corpo no meu e eu me segurei na parede para dar a ele o acesso que ele
buscava. Ele escorou as mãos nos azulejos para que não precisasse jogar o peso do corpo na perna
machucada.
― Amor você nem faz ideia de como é bom acordar assim e ter você aqui.
― Ótimo porque eu não pretendo ir ― eu disse bem baixinho.
― Ótimo porque eu não permitiria ― ele respondeu junto ao meu ouvido.
Quando descemos para o café da manhã, todos já estavam sentados à mesa.
― Bom dia! ― Adrian disse e eu repeti.
― Bom dia queridos ― Margarida respondeu.
― Bom dia papai! ― Hanna e Collin responderam de seus lugares, ainda de pijamas.
John limitou-se a balançar a cabeça em cumprimento e soltar um sorrisinho sarcástico encarando
minha mão entrelaçada a de Adrian.
― Espero que não se importe Adrian, mas eu disse a eles que poderiam ficar em casa hoje ―
Margarida disse enquanto eu ajudava Adrian a se sentar.
― Não se preocupe Margarida, eu agradeço por isso. É bom ver minha família toda reunida à
mesa ― ele disse descansando as muletas ao lado da cadeira.
― Então, Laura ― Margarida continuou, mudando a conversa para mim, ― quando você vai ao
médico? Estou ansiosa para começar a preparar umas coisinhas para o seu enxoval.
Sorri dando um gole em meu suco de laranjas.
― Na verdade, tenho consulta amanhã pela manhã ― eu disse, ― se você não me ajudasse a
lembrar, eu acabaria perdendo. Aconteceram tantas coisas.
― Ótimo amor. Então amanhã vamos ao médico juntos ― Adrian disse beijando minha mão. ―
Eu quero mesmo tirar algumas dúvidas com seu obstetra.
Terminamos o café conversando sobre as especulações do sexo do bebê e como seriam os
próximos passos na recuperação de Adrian. Ele retornaria ao médico uma semana mais tarde e se
tudo estivesse bem, teríamos mais um mês antes do retorno seguinte.
Eu estava quase completando seis meses de gestação e o tempo parecia correr. Não havia mais
perigo em perder meu bebê, mas havia muita coisa a ser preparada. Eu precisava mesmo começar a
pensar em enxoval.
Fiquei com Margarida e Martina na cozinha, ouvindo conselhos sobre filhos e gravidez, enquanto
John ajudava Adrian há passar um tempo com as crianças perto do jardim. Quando Margarida subiu
para descansar, eu saí para o jardim também.
Parei de frente as portas duplas e fiquei admirando a cena, pensando em como eu tinha muito que
agradecer.
Adrian estava lá, sentando em uma das espreguiçadeiras, com a perna ruim esticada e a outra,
meio encolhida, servindo de rampa para os carrinhos de Collin. Sorri sem nem perceber.
― As mulheres sempre se derretem pelo pirralho ― John disse parando atrás de mim. ― Agora
você é a campeã, juro, acho que nem a mãe dele se derreteria tanto.
― Ai, John como você é insensível! ― Brinquei. ― É impossível não se derreter com esse par
de olhos verdes!
John beijou meu rosto e se jogou na piscina. O fato é que ele tinha razão ― eu amava mesmo
aquele pirralhinho como se fosse meu. Amava todos eles como se fossem meus.
O que restou do dia, passamos aproveitando a companhia um do outro e quando terminamos o
jantar, Adrian e eu colocamos as crianças em nossa cama e deixamos que dormissem ali. Não foi
uma noite cheia de romance, mas foi uma noite cheia de amor.
Fechei meus olhos sentindo o cheirinho de shampoo de bebê nos cabelinhos ondulados de Collin.
Eu não podia negar que vez ou outra a imagem de Jens surgia em minha mente. Era triste saber que
ele não tinha o que nós tínhamos ali. Eu queria encontrar uma maneira de falar com Adrian sobre
isso, mas tinha medo de que nosso pequeno mundo feliz desabasse mais uma vez. Eu não sabia se
poderia lidar com tudo aquilo novamente. Apertei Collin contra mim e deixei que seu perfume
afastasse os maus pensamentos.
Quando abri meus olhos o quarto já estava mais claro, recebendo um pequeno feixe de luz que
vinha da fresta nas cortinas. A cama estava vazia. Espreguicei-me um pouco e rolei de lado. Antes
que pudesse voltar a dormir, Adrian saiu do banheiro, escorando-se um pouco até o quarto. Cabelo
bem penteado, barba aparada, jeans claros e uma camiseta preta. ― Deus como ele era bonito!
― Pronta, amor? ― ele disse colocando os óculos no rosto.
Pensei por um segundo, tentando me focar em algo que não fosse o abdome desenhado dele,
aparente através do tecido da camiseta.
― Para quê?
― O médico Laura ― ele disse sorrindo.
― Ah sim, o médico! Tem razão! ― Respondi levantando da cama em um pulo e deixando Adrian
satisfeito com minha pequena cobiça.
Pouco tempo depois estávamos em frente ao Porsche, em uma pequena guerra.
― Adrian é muito machismo da sua parte não me deixar dirigir! ― Reclamei. ― Você sabe muito
bem que o médico proibiu você de sair sozinho com o carro!
― Não é machismo amor, é cuidado. Olha o tamanho da sua barriga! Não quero meu filho com a
cara colada no volante ― brincou. ― Além disso, ― disse beijando meu rosto ― não vou sair
sozinho, vou sair com você e o carro é automático. Vê? ― brincou de novo indicando o câmbio do
Porsche, ― eu só preciso de uma das pernas, e uma delas está perfeita!
― Saiba que eu dirigi enquanto você esteve no hospital ― confessei, ― e muito bem, por sinal!
Pode perguntar ao John!
― Amor isso não é uma discussão ― ele disse calmo, beijando minha testa e abrindo a porta do
carona. ― Agora eu estou aqui e vou proteger você.
Eu sabia que não era. Teimoso e voluntarioso como ele era, eu podia dizer que o próprio Jesus
Cristo o proibiu de dirigir, e ele daria um jeito de me convencer que eu estava errada.
Não insisti porque não adiantaria. Além disso, ele tinha certa razão, o carro era mesmo
automático, então sentei ao lado dele e joguei o corpo contra o banco de couro, cruzando os braços
sobre a barriga.
― Você fica ainda mais linda quando está nervosa ― Adrian brincou.
― Não me provoque Sr. Galagher ― brinquei de volta.
Paramos em frente ao consultório do Dr. Perkins pouco antes do almoço.
― Bom dia Srta. Soares ― a secretária me disse. ― Dr. Perkins está a sua espera.
Assim que entramos no consultório, Dr. Perkins soltou um sorrisinho parecido com os que John
soltava, ao me ver de mãos dadas com Adrian.
― Fico satisfeito que esteja aqui, Sr. Galagher ― ele disse apertando a mão de Adrian. ― Laura
precisa de bastante apoio agora que está no segundo trimestre. Daqui para frente, o seu apoio será
fundamental.
― É claro, doutor ― ele respondeu puxando a cadeira para que eu me sentasse. ― Não se
preocupe com ela, de agora em diante Laura está sobre meus cuidados e isso não está em discussão.
Bufei um pouco, já que os dois falavam de mim como se eu não estivesse ali, mas no fundo eu
estava satisfeita em ter o pai do meu filho comigo. Era um doce momento e eu queria dividir com ele.
― E a recuperação, como anda? ― Dr. Perkins continuou.
― Bem, dentro do possível ― Adrian disse ajeitando-se em uma das cadeiras. ― Acho que vou
precisar dessas belezinhas aqui por um tempo, mas nada que eu possa lidar — ele disse apontando
suas muletas.
― Isso é ótimo ― ele respondeu para Adrian e então se voltou para mim. ― Então como
estamos? ― Dr. Perkins perguntou.
― Muito bem! Acho que ganhei uns quilinhos ― eu disse sorrindo.
― Ótimo! Isso precisa mesmo acontecer, querida ― Dr. Perkins constatou. ― Agora suba na
maca e vamos ver como anda esse bebezinho.
Enquanto o médico espalhava o gel em minha barriga, Adrian permanecia ao meu lado, segurando
minha mão.
― Me diga Sr. Galagher, qual sua preferência de sexo?
― Não tenho doutor. Eu já tenho uma garotinha e dois garotinhos. Quero que nosso bebê seja
saudável e feliz.
― E você, Laura?
― Também não tenho Dr. Perkins. Como Adrian disse, só queremos muita saúde para o nosso
bebê.
Dr. Perkins começou o exame e eu fiquei em silêncio olhando para a tela sem entender muito do
que via. Adrian olhava curioso, com um sorrisinho de canto de boca.
― Então doutor? ― perguntei por que já estava ficando nervosa. ― Tudo bem com ele?
― Sim, querida, tudo bem! Tudo ótimo na verdade, fique tranquila. Sua menininha está crescendo
muito bem!
Emudeci, sem conseguir expressar nenhuma reação. As lágrimas descendo uma a uma pelas
laterais do meu rosto ― uma menina! Então eu teria uma menina! Meu pequeno bebê seria uma
princesinha!
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Adrian entrelaçou os dedos nos meus. Seus olhos
estavam tão marejados quanto os meus.
― Obrigado amor ― ele me disse com o sorriso mais bonito que eu poderia querer nos lábios
dele. ― Obrigado por me dar a chance de viver esse presente uma vez mais. Eu te amo, Laura.

Adrian

Eu não tinha como ser mais feliz. Não poderia querer nada além do que eu já tinha conquistado.
Eu tinha três filhos saudáveis e amorosos e mais uma garotinha a caminho. Tinha a mulher da minha
vida apaixonada por mim. Tinha o apoio do melhor amigo que alguém poderia querer na vida, tinha a
competência de Stein. Eu só podia crer que era mesmo um homem de sorte.
John havia saído com os amigos. Collin e Hanna viam televisão no quarto de brincar. Margarida e
Laura discutiam sobre qual tom de rosa ficaria melhor nas paredes do quarto do nosso bebê e eu
tomava uma dose de uísque sentado em minha poltrona, próxima a janela. Perna esticada sobre um
puff de couro, observando o movimento que o vento causava nas folhas das árvores. Segundo meu
médico, eu não deveria beber ou cortaria o efeito dos meus analgésicos, eu sabia disso, mas uma
bela dose de uísque valia algumas pontadas de dor.
Sorri para o meu copo antes de dar mais um gole. Era uma bela tarde de primavera na Holanda,
mas ficaria ainda melhor.
Encarei pela janela um carro desconhecido que atravessou o jardim. Era um daqueles utilitários
pequenos que as pessoas compram quando tem filhos. Antes que precisasse me levantar e perguntar a
Martina quem era o motorista, Alexander abriu a porta do carro. Desceu ajeitando os óculos escuros
e abriu a porta traseira. Alguns segundos depois ele tirou um bebê conforto de dentro do carro, todo
sorridente. Acabei sorrindo um pouco também ― ela estava em casa, finalmente.
Alexander abriu a porta ostentando o pequeno bercinho no braço direito.
― Olá família! ― Ele disse bem alto assim que passou pela porta. ― Andem, venham ver a
mulher da minha vida!
Eu me levantei bem mais devagar do que gostaria, pensando que talvez os analgésicos me faziam
falta naquele instante e caminhei até ele. Alexander ajeitou o bercinho de Louise sobre a mesa de
centro.
Segurei a ponta da manta vermelha e a abri, revelando o pequeno corpinho do bebê. Estendi as
duas mãos e a peguei em meus braços, aconchegando-a junto ao meu peito.
― Hey mocinha linda, ainda bem que você chegou para colocar ordem na vida desse cara aí do
lado! ― Brinquei. ― Ele estava começando a ficar chato!
Alexander sorriu.
― Ela é linda, não é? ― perguntou com os olhos brilhando.
Encarei o pequeno bebê em meus braços. Louise era delicada e perfeita. Tinha uma pequena boca
cor de rosa em formato de coração e lindos olhos claros como os do pai. Sua pele era clara e macia
e poucos fios de cabelo reluziam como o sol em sua cabecinha. Era uma pequena bonequinha de
porcelana. Eu não podia crer que Alissa a havia abandonado daquela maneira.
Beijei seu rostinho pequeno.
― Sim Alex ― confirmei. ― Ela é linda. Acho que é a coisa mais linda que você já fez na vida
― brinquei.
― Oh meu Deus, Louise! ― Laura gritou da cozinha.
Ela veio correndo da cozinha, meio desajeitada e engraçada com seu barrigão. Já estávamos
entrando no oitavo mês.
― Cuidado amor! ― Eu disse quando ela se sentou ao meu lado e estendeu as mãos para pegar
Louise, ― ou você acaba caindo.
― Eu sei que estou com a desenvoltura de um bebê elefante, mas pode ficar tranquilo, amor! ―
Ela disse sorrindo. ― Estou cuidando bem da nossa garotinha.
Laura segurou o bebê, apoiando sobre a barriga e Louise pareceu se encaixar a ela como se
aquele fosse o seu lugar. Ela abriu os olhinhos e então encarou Laura fixamente.
― Oh minha garotinha linda! ― Laura disse beijando Louise, ― nós estamos muito felizes em ter
você aqui conosco, ouviu? Você é o meu anjinho. E logo, logo vai ganhar uma amiguinha para
brincar.
Hanna veio correndo para dentro, deixando a boneca no chão.
― Aliás, uma não, ― Laura concertou ― duas!
― Ah como ela é bonitinha! ― Hanna disse sorrindo. ― Ela tem olhinhos bonitos, tio Alex!
Sorri e abracei minha filha. As crianças tinham uma maneira suave de encarar as diferenças e eu
gostava disso. Eu criava meus filhos para serem pessoas boas. Para valorizarem o interior das
pessoas, e agora eu estava colhendo pequenos frutos desse trabalho.
Eu nunca precisei explicar à Hanna que Louise era especial, ou que existia alguma diferença nela.
Hanna a via como a prima que ela não tinha. Uma companheira que logo iria crescer e estar com ela
nas aventuras, e era exatamente isso que eu queria que ela visse. Com o tempo, as duas aprenderiam
a lidar com as diferenças e com as igualdades. O amor transpõe barreiras que a própria razão
desconhece.
Alexander me encarou com um daqueles olhares que eu conhecia bem, e eu entendi que era hora
do papo de homens. Respirei fundo, apoiei-me no encosto do sofá e joguei o corpo para frente,
segurando a mão estendida de Alex. Ajeitei minhas muletas e segui com ele para o escritório. Eu
também queria falar com ele sobre algumas questões complicadas e não queria que Laura se
aborrecesse com nada.
Alex sentou-se em uma das poltronas e eu servi uma dose de uísque em um copo limpo. Passei a
ele.
― Notícias de Alissa? ― perguntei, porque já fazia muito tempo que não se tinha notícias dela.
Ela nunca mais havia procurado por Louise ou mesmo voltado á casa dos pais.
― Nada de concreto. Ela telefona para a mãe e manda notícias, mas não aparece e pelo que os
pais contam, sinto que esteja vivendo algum tipo de depressão ou surto psicótico. Alissa nunca foi
das mais equilibradas, mas nunca pensei que terminaríamos assim.
Respirei fundo e me ajeitei em minha poltrona.
― Você fez o que pode Alex, sabe disso.
― E Jens? Notícias dele? ― Alexander perguntou.
Respirei fundo novamente.
― Nada além dos negócios. Jens não tem aparecido muito em público. Não procurou por Collin
ou entrou com qualquer tipo de ação.
― Vai ver repensou e resolver usar o bom senso ― Alexander completou.
― Ou está tramando algo maior.
― Ou isso.
― O importante companheiro ― eu disse cruzando os braços atrás da cabeça, ― é pensar na
pequena bolinha de olhos claros lá na sala. Jens não nos oferece perigo, você sabe, somos imbatíveis
juntos.
Alexander sorriu e deu um gole na sua bebida. Depois de alguns minutos, seu riso deu lugar ao
silêncio.
― Não sei o que vou fazer com ela, Adrian ― ele confessou. ― Quer dizer, não é que eu não
queria cuidar dela, eu a amo, estava ansioso por isso, mas confesso que quando saí pelas portas do
hospital com ela nos braços, eu me senti um pouco desamparado. Não sei se dou conta de tudo isso
sozinho. Quer dizer, com o trabalho em Bruxelas e tudo mais. Ainda tenho papai para cuidar.
Alexander coçou a barba e suspirou. Eu sabia como era. Tinha passado por algo parecido. Eu
ainda tinha Martina comigo e o próprio Alexander. Ele estava mesmo sozinho.
Pensei por alguns segundos, querendo encontrar uma maneira de ajudá-lo e ainda cuidar de Laura
e meus filhos, foi então que a ideia me surgiu como um letreiro luminoso ― o estúdio!
― Acho que você deveria se mudar para o estúdio ― eu disse calmamente enquanto acendia um
cigarro e puxava meu cinzeiro de madrepérolas para perto.
― Como? ― Alexander disse meio sem entender.
― O estúdio ― reforcei oferecendo um cigarro a ele. ― Meu estúdio. Não tenho usado o lugar
para nada mesmo. Vamos dar um novo uso a ele.
― Adrian ― ele começou sem jeito, ― eu não poderia ― eu o interrompi.
― Por que não poderia? Qual o problema? Eu entendo que você queira um lugar só para você e
Louise. Então o estúdio seria ideal. Podemos reformá-lo e deixar de acordo. Você teria um lugar só
seu e ainda teria ajuda. Podemos contratar uma babá.
― Não precisamos de uma babá! ― Laura reclamou entrando na sala. ― Martina está toda
derretida com Louise e Margarida idem. Somos três mulheres nessa casa, podemos dar conta de dois
bebês!
Abri os braços e Laura encaixou-se entre minhas pernas.
― Viu só companheiro? Já adotaram sua bonequinha. Acho difícil você se livrar das garras dessa
mulherada toda, acredite!
Alexander sorriu e seu sorriso me dizia que eu tinha tomado à decisão certa. Eu o queria por perto
tanto quanto ele queria estar por perto. Nós éramos uma família muito antes de qualquer parentesco
de sangue nos unir, mas agora, com Laura e minha filha a caminho, nossos laços haviam se fortificado
ainda mais. Eu queria ver os nossos filhos correndo livres e felizes pelos jardins da minha
propriedade. Queria me sentar na varanda com Alexander ao meu lado e falar de futebol. Ele era
tudo que havia me restado de família e eu não queria perder mais ninguém.
Capítulo 21

Laura

Adrian acordou antes do dia amanhecer. Era o dia da sua última consulta com o ortopedista e se
tudo corresse bem, ele estaria de alta médica. Eu sabia o que isso significava para ele, mais de um
mês em casa e o leão estava praticamente enfiando as garras nas paredes. Ele estava preocupado com
os negócios, apesar de passar pelo escritório pelo menos uma vez por semana.
― Bom dia apressadinho ― eu disse sorrindo assim que ele saiu do banheiro, vestido e penteado
como se já fosse hora da consulta.
― Bom dia, amor ― ele respondeu beijando minha testa. ― Desculpe ter te acordado. Não
consegui dormir muito bem essa noite.
Eu apenas sorri. Sabia que ele não havia dormido bem porque ele havia fritado de um lado para o
outro como uma bisteca na frigideira, mas eu não queria deixá-lo mais preocupado.
Sentei-me na cama e quando fui me levantar, senti minha barriga ficar dura como pedra e a
primeira cólica correr das costas até próximo a minha virilha. Respirei fundo e tentei não
demonstrar. Não era a primeira vez que eu sentia uma contração e embora fosse muito cedo, Dr.
Perkins havia me avisado de que minha garotinha poderia ser mais apressada que o normal. Eu não
duvidava, ela era filha do leão.
― Tudo bem? ― Adrian perguntou preocupado.
― Tudo ― menti. ― Só não me movo mais como antigamente ― menti de novo. ― Logo tudo se
ajeita.
Ele não pareceu concordar, mas eu sabia que não queria comprar uma briga comigo por causa de
uma bobagem. Não em um dia importante como aquele.
Eu havia decidido que assim que saíssemos da consulta de Adrian, daria uma passada na
emergência do hospital apenas para confirmar que não estava na hora de me preocupar ainda.
― O que acha de darmos uma volta, amor? Só nós dois? ― Adrian me perguntou.
As últimas semanas haviam sido corridas e um pouco tumultuadas. Com a mudança de Alex e a
formatura de John se aproximando. Adrian podia ser o velho pirata arrogante de sempre, mas eu
sabia que ele não queria abrir mão do filho. Ver John se mudar para outro país para estudar o
deixava apreensivo. Somado a tudo isso, tínhamos nossa garotinha chegando e tudo que um novo
bebê traz consigo. Era complicado para ele. Fechar um ciclo e começar outro.
― Acho que seria maravilhoso ― eu respondi me levantando da cama e seguindo para o
banheiro, ― me dê alguns minutos e eu o encontro lá embaixo.
Entrei debaixo da água quente do chuveiro me sentindo bem melhor. Minhas dores não eram
ritmadas e eu tinha certeza de que não era a hora ainda.
Tomei um bom banho, vesti um vestido confortável de verão e peguei um casaco apenas para me
assegurar. Penteei os cabelos e os prendi em um rabo de cavalo alto. Eu não me sentia mais a garota
magra e bonita de algum tempo atrás, mas eu amava minhas novas curvas porque sabia que em
algumas semanas, elas me dariam o maior presente do mundo, um que eu nem ousava mais sonhar.
Desci a escada e encarei Adrian parado de costas, olhos perdidos na janela ainda escura, mão
apoiada sobre a bengala que agora era sua companheira.
― Vamos? ― ele disse virando-se e estendendo a mão. ― Quero que você veja algo comigo.
Concordei com a cabeça e seguimos para o Porsche. Eu me sentei no banco do carona e Adrian
seguiu em direção aos portões.
― Vai dizer o que quer me mostrar? ― perguntei por pura curiosidade, imaginando que ele não
diria mesmo que eu insistisse muito.
― Tenha paciência, Srta. Soares. A paciência é uma virtude ― ele brincou deslizando a mão em
minha barriga.
Parou o carro em um ponto distante, bem longe do aglomerado do centro de Roterdã. O sol
começava a mostrar pequenos raios amarelados ao fundo. Descemos do carro e caminhamos até um
pequeno mirante, de onde se podia ver o mar com porto lá no fundo. O sol era uma pequena bola de
luz que parecia sair do mar em direção ao céu. Parei, encostando-me ao gradil do mirante e deixei
que a vista me consumisse ― era de tirar o fôlego.
― É mágico, não é? ― ele me perguntou com os olhos perdidos no mar.
― Sim! ― Confirmei. ―É mágico.
― Minha mãe gostava de nos trazer aqui as quintas feiras, quando ela passava no mercado para
comprar arenque fresco ― ele contou. ― Nós acordávamos bem cedo e ela sempre parava aqui. “O
dia sempre nasce, Adrian” ― ela me dizia. ― “Não importa o quanto a noite pareça escura, o dia
sempre nasce”.
Senti uma pequena lágrima escorrer dos meus olhos, mas eu não a segurei. Eu queria que minha
filha tivesse coisas bonitas que a fizessem se lembrar de mim também. Queria que ela tivesse orgulho
de mim, como eu via nos olhos de Adrian naquele momento.
― Sim, meu amor ― eu disse entrelaçando meus dedos nos dele. ― O dia sempre nasce. Não
importa quanto tempo a noite pareça durar.
Adrian sorriu discreto, com o canto da boca e abriu os braços para que eu me aconchegasse entre
eles.
― Acho que nossa noite amanheceu amor ― ele brincou. ― Já era hora.
Fiquei na ponta dos pés e o beijei. Suave e apaixonada, sentindo seu gosto se perder em minha
boca. Sim, nossa noite havia terminado. Agora nós poderíamos seguir em frente e, finalmente, sermos
felizes.
Ficamos ali, vendo o sol nascer, abraçados e debruçados sobre o velho gradil de ferro, até que
era hora de seguir para o hospital.
Adrian estacionou em frente à entrada e seguimos para a consulta.
O horário de Adrian com o Dr. Benson era nove da manhã, mas como estávamos lá mais cedo e
ele não tinha outro paciente, decidiu nos atender mais cedo.
― Como está à perna, Adrian? ― ele perguntou assim que Adrian vestiu a camisola e sentou-se
sobre a maca.
― Melhorando ― Adrian respondeu. ― Não tão firme como antes, mas estamos chegando lá,
doutor.
Dr. Benson sorriu.
― Isso é o esperado, Adrian. Sei que é complicado para você depender dos outros, mas entenda
que foi realmente um procedimento complexo. Esses pontos aqui não me deixam mentir ― o médico
disse verificando a cicatriz da cirurgia.
Depois de verificar cada centímetro do corpo de Adrian, Dr. Benson começou a analisar a
cabeça. Adrian reclamava de dores de cabeça frequentes e isso era algo que me deixava apreensiva,
embora ele sempre desconversasse.
Depois de algumas verificações, Dr. Benson parou a mão em um ponto próximo à nuca de Adrian.
― Quando começou o inchaço? ― ele perguntou e eu senti meu sangue gelar.
― Alguns dias depois da última consulta ― Adrian disse evitando meus olhos.
Estreitei os olhos esperando que ele me encarasse ― então eu não era a única a esconder dores!
― Imagino que seja algum tipo de coágulo ― Dr. Benson continuou, ― não me parece nada sério,
mas prefiro fazer uma biopsia e investigar o conteúdo. Também gostaria que você visse um
oftalmologista. Como você sabe essa não é minha especialidade e percebo uma pequena alteração em
sua pupila.
Eu estava tão concentrada em Adrian que mal percebi quando a contração veio de uma vez, forte e
sólida, fazendo-me curvar o corpo sem querer.
― Laura? ― Adrian chamou, mas eu não conseguia me mover. ― Laura! ― Ele insistiu.
Antes que eu pudesse dizer que não havia nada de errado, Adrian estava ao meu lado, apoiando
meu corpo, enquanto Dr. Benson chamava uma enfermeira.
― Amor o que houve? ― ele me perguntou. ― Sente-se mal?
Respirei fundo porque a dor já havia passado.
― Tudo bem, Adrian ― confessei. ― Eu falei com o Dr. Perkins e ele disse que isso poderia
mesmo acontecer. São contrações. Nada ritmado que indique um trabalho de parto. Fique tranquilo.
Eu estou bem, mas você deveria ter me contado do nódulo ― reclamei.
― Está tudo bem amor ― ele disse ajeitando uma mecha de cabelo solta atrás da minha orelha.
― Não é nada demais. Você ouviu o Dr. Benson. Não quero que se preocupe com isso. Quero que
descanse e cuide do nosso bebê.
― Eu vou ― respondi sorrindo, ― mas você fica e faz seus exames.
― Eu vou com você até a emergência e depois de termos certeza de que você está bem, eu volto e
faço o que tiver que fazer.
Concordei porque não adiantaria discordar.
Descemos até o andar da maternidade. Adrian, eu e a enfermeira empurrando minha cadeira de
rodas. Era pouco mais de dez horas, quando a médica obstetra de plantão me pediu para entrar.
Depois de uma breve consulta e um exame de toque, ela constatou que eu não corria risco iminente
de parto prematuro e que provavelmente tinha apenas contrações de treinamento. Recomendou que eu
fizesse repouso pelo resto da semana e que entrasse em contato com médico para uma consulta o
mais rápido possível.
― Viu só? ― brinquei beijando o rosto de Adrian. ― Eu disse que não era nada demais!
― Eu não vejo dessa maneira, amor ― ele rebateu. ― Se não fosse nada demais ela não pediria
repouso.
― Eu estou bem Sr. Galagher. Vamos ficar bem. Eu e nossa menininha. Não se preocupe. Agora
vamos cuidar do senhor.
Dr. Benson já havia deixado tudo certo para que Adrian fizesse o procedimento. A secretária
havia informado que a previsão do término dos exames era para três da tarde e que, portanto, eu
deveria deixar Adrian e vir buscá-lo depois. Não discordei. Eu precisava mesmo descansar um
pouco e sentia-me faminta.
Apesar dos protestos, Adrian concordou que eu voltasse dirigindo o Porsche para casa, já que o
Mercedes estava na revisão. Deixei o San Peter por volta das onze da manhã e segui pelo centro de
Roterdã.
Enquanto dirigia, avistei o Fat Loui’s e pensei em parar e comer alguma coisa antes de voltar para
casa. Fazia tempo demais que eu não comia besteiras e meu estômago começava a reclamar de tanta
comida saudável.
Estacionei em uma rua adjacente e segui feliz para o interior da lanchonete. Sentei em uma das
mesas e me deliciei com a minha porção extra de gordura saturada e condimentada. Arrematei tudo
com uma Coca-Cola gelada e me levantei feliz para voltar para casa.
Roterdã parecia vazia, apesar do horário. Não havia muitas pessoas na rua, nem muitos carros
passavam naquele pequeno espaço entre a lanchonete e a viela em que eu havia estacionado. Abracei
meus ombros assim que uma brisa forte e fria passou por mim, arrepiando minha pele, apesar do
casaco de inverno com o qual eu havia saído de manhã. Não estávamos no inverno, mas o clima me
parecia escuro, demais para a primavera. Eu queria crer que era apenas preocupação com Adrian,
mas meu sexto sentido deixava espaço para alguns pensamentos não muito agradáveis.
Respirei fundo e continuei o caminho que de repente pareceu longo demais. Parei em frente ao
carro e peguei a chave no bolso e empunhei.
O que aconteceu a seguir passou como um grande borrão em minha mente. Eu não percebi a
aproximação, tudo que senti foi algo pequeno e duro apertando-se contra minhas costas. E no instante
seguinte, toda a luz se apagou. Eu apaguei sem saber o que estava acontecendo.
Não faço de ideia de por quanto tempo permaneci desacordada, nem sei como fui colocada dentro
do furgão. Se é que era mesmo um furgão.
Quando consegui abrir meus olhos minha cabeça latejava, insistentemente, como se tivesse sido
golpeada. Tentei mover minhas mãos, mas elas estavam amarradas contra minhas costas em uma
posição ruim. Havia uma mecha grudenta de cabelo caindo pelo meu rosto e cheirava a sangue.
“Meu bebê! Meu bebê! Meu bebê!” ― Minha mente gritava sem que ninguém pudesse ouvir.
Respirei fundo, tentando manter a calma e analisei meu estado geral. Eu estava deitada contra o
chão de algo que parecia um furgão ou coisa do tipo. Não sentia dor em nenhum outro lugar além da
minha cabeça. Quem quer que fosse o cara da arma, havia me golpeado para colocar dentro do carro.
Encarei as janelas ainda deitada no chão. Elas eram pintadas com alguma tinta escura, não
permitiam que eu visse o exterior. Eu não queria me mexer muito porque não tinha certeza se
realmente estava tudo certo comigo. Pensei em gritar, mas não achava muito prudente. Eu
provavelmente não seria ouvida por mais ninguém além dos ocupantes do carro e eles certamente não
iriam me ajudar.
― Você é um idiota! ― Uma voz gritou do banco da frente. ― Sabe que não deveria ter
machucado ela.
― E o que você queria que eu fizesse? ― o outro esbravejou. ― Que pegasse a garota gritando e
se debatendo? Nós estávamos no centro de Roterdã!
Eu não conhecia nenhuma das duas vozes, mas sabia que eram homens e que eram holandeses.
Eles tinham um sotaque arrastado e quase incompreensível que apenas os nativos tinham.
― Não sei como você vai explicar a garota desmaiada. Você sabe que ela só vale alguma coisa
viva. Quero ver como você vai se explicar se a garota morrer.
― Ela não vai morrer ― o segundo disse displicente, ― mas se morrer nos livramos dela em um
canal.
Engoli em seco sentindo as primeiras lágrimas caírem dos meus olhos. Continuei chorando por
mais algum tempo sem emitir som algum. Eu não tinha certeza se queria que eles soubessem que eu
havia acordado.
Tantas coisas passando em minha mente. Tantas coisas. Eu pensava em Adrian, pensava nas
crianças. Em vovó, em meu pai, em Alex. E eu pensava no meu bebê. Pensava que não importava o
que eu tivesse que fazer, eu não podia perdê-lo. Eu não podia. Eu podia sentir o mesmo vazio de
quando acordei no hospital depois da fatídica briga que levou meu primeiro bebê. Eu não podia
permitir que alguém levasse esse.
Mais uma vez, o tempo estava contra mim. Não importava se Adrian e eu havíamos resolvido ter
uma segunda chance, algo ou alguém havia decidido que não.
― Quanto tempo até chegarmos? ― o primeiro homem perguntou.
― Mais uns vinte ou trinta minutos.
Apertei meu rosto contra o chão de carpete e chorei um pouco mais. Era um sequestro. Não era
simplesmente um assalto ou coisa assim. O Porsche ainda estava estacionado no mesmo lugar e eu
estava em um carro desconhecido em direção a algum lugar desconhecido e longe. Mais meia hora de
carro significava que talvez eu nem estivesse mais na Holanda. Talvez ninguém me encontrasse.
Talvez eu realmente acabasse morrendo e sendo jogada em um canal.
“Não Laura!” ― Gritei para mim mesma. ― “Você não vai fraquejar agora!”
Tantas coisas improváveis haviam acontecido comigo desde que decidi deixar o Brasil. Eu só
precisava acreditar que mais um poderia acontecer. Era um sequestro, apenas isso. Adrian era rico e
influente e eu era sua namorada ou sei lá o que éramos agora, mas eu provavelmente valia algum
dinheiro ou pelo menos a pessoa que havia me sequestrado pensava assim.
Um sequestro. Era isso! ― Fechei meus olhos e tentei ficar calma e esperar o que aconteceria
depois que essa meia hora passasse.

Adrian

Minha bateria de exames era cansativa e cheia repetições. Mais uma ressonância, mais uma
tomografia, mais radiografias, mais, mais e mais e tudo que eu queria era menos. Menos tempo longe
da minha família. Menos tempo longe dos meus negócios, menos tempo sem Laura perto do meu
campo de visão.
Quando finalmente entrei na sala de procedimentos em que a médica faria minha biopsia comecei
a me animar. Faltava pouco. Mais uma hora e eu estaria em casa.
― O senhor já fez algum procedimento do tipo, Sr. Galagher? ― ela me perguntou.
― Não exatamente ― respondi ajeitando-me na maca, ― mas não tenho problemas com isso,
doutora.
Ela sorriu e começou a preparar uma seringa com anestesia, enquanto a enfermeira raspava meu
cabelo no local indicado.
Deitei-me de lado e esperei que o efeito da medicação me fizesse mais calmo. Não funcionou. Eu
estava tenso, preocupado, nervoso. Tudo que eu não precisava era ter algo na cabeça com Laura
prestes a ter o bebê.
― Prontinho ― a médica disse depois do que me pareceu uma eternidade. ― Não se preocupe
Sr. Galagher. Pelo que pude perceber, trata-se apenas de um reflexo do acidente. Sangue coagulado
que não conseguiu ser absorvido pelo seu corpo. Vou mandar o material para análise, mas não quero
que se preocupe.
Agradeci com um aceno de cabeça, embora não fosse possível atender ao pedido dela. Eu só
deixaria de me preocupar quando pegasse o maldito resultado.
― Agora o senhor espere aqui um momento que um enfermeiro o levará para a recuperação.
Andamos pelo hospital, o tal enfermeiro arrastando minha cadeira e eu vendo as luminárias
passarem uma a uma.
Entramos em um quarto diferente. Não era como os de internação. Não havia aparelhos nem
máquinas nele. Julguei que era a tal recuperação.
O quarto estava vazio, embora minha maca não fosse a única ali. Não havia Laura nem ninguém
que pudesse me levar de volta para casa. Eu podia perceber pela abertura da cortina que o sol estava
alto.
Ajeitei-me na maca e esperei que o enfermeiro voltasse com minhas roupas e eu pudesse me
vestir. Eu iria embora de táxi tranquilamente. O que eu não queria era continuar ali sem saber como
Laura estava.
― O senhor tem visita ― um garoto vestido de branco me disse depois de entreabrir a porta.
Eu não queria ter muitas esperanças porque no fundo esperava que Laura tivesse me ouvido e
ficasse quieta em casa, deitada na cama, recuperando-se e preparando-se para quando nossa
garotinha resolvesse chegar.
Quando a porta se abriu Laura não entrou. Em seu lugar, Alexander caminhou para dentro a passos
largos. Caminhou até a janela, mexeu nas cortinas, coçou a barba, ajeitou os óculos de leitura ― que
ele raramente usava ― alisou os cabelos para trás, mas não me encarou.
Eu o conhecia a tempo demais para não perceber esses pequenos sinais. Eu poderia reconhecer
sua inquietação mesmo que ele fosse bom em disfarçar, mas ele não era. Esperei que o garoto nos
deixasse em silêncio.
― Como você está? ― ele me perguntou mexendo um pouco no meu soro.
― Bem ― respondi apenas porque não queria arrastar essa conversa sem importância por mais
tempo do que o necessário.
― Ótimo ― ele disse esboçou um sorriso que mais parecia uma carranca.
― Vai me dizer o que houve ou espera mesmo que eu adivinhe? ― perguntei. ― Porque acredite
ou não, eu não estou em minha melhor forma ― brinquei mesmo sem humor.
― Hum ― ele gaguejou. ― Nada. Quer dizer ― enrolou, ― aqui estão suas coisas, mas você
precisa esperar o soro acabar.
Encarei Alexander sem dizer nada ― ele também me conhecia o suficiente. A frase morreu em sua
boca no mesmo instante.
― O que houve Alex? ― perguntei novamente, mais calmo dessa vez. ― Algo com Louise? ―
insisti quando ele permaneceu em silêncio.
― Não ― ele disse simplesmente.
Eu podia sentir meu coração se apertando mais e mais a cada segundo de silêncio de Alexander.
Ela não estava aqui! Ela disse que estaria e não estava! ― Era tudo que minha mente
processava.
― Onde está Laura? ― eu perguntei por fim sem ter certeza se queria uma resposta.
Alexander jogou o corpo contra a poltrona, sentando-se derrotado. Levou as mãos aos cabelos e
os alisou para traz.
― Nós não sabemos ― ele disse por fim.
― Como assim? ― perguntei por que não fazia sentido.
― Ela não voltou para casa, desde que saiu daqui.
Encarei o relógio na parede, fixado sobre a janela. Eram quase três da tarde. Quase três horas e
Laura havia me deixado bem antes do almoço.
Pisquei e pisquei mais algumas vezes. Minha cabeça latejava e doía como se tivesse sido
golpeada com uma marreta. Eu podia sentir parte do quarto girar junto com os meus olhos, mas não
sabia se era efeito da anestesia ou das palavras de Alexander.
― Nós procuramos por ela em todos os lugares que ela poderia estar ― ele continuou, ― mas
não a encontramos.
― Como não a encontraram? ― eu disse elevando um pouco a minha voz. ― Como não a
encontraram? ― continuei, ― quer dizer, ela não pode simplesmente ter sumido. Vocês procuraram
direito? Falaram com Hans? Com o Sr. Persen? Com a tal vizinha?
Alexander assentiu sem querer. O rosto preocupado tomando forma mais rápido, agora que ele
não tentava mais fingir.
― Tentei falar com ela no celular como não consegui contato nem com ela, nem com você, eu
liguei no hospital e a secretária me informou que ela havia deixado você aqui e ido para casa.
Esperei mais um pouco e como ela não voltou, eu saí para procurar. Ela deve ter ido a algum lugar
que não conhecemos Adrian, não se preocupe. Ela estava bem, não tem com o que se preocupar.
Sim, eu tinha. Ela não estava bem. Estava fingindo que estava bem e isso me deixava desesperado.
― Ela não estava Alex. Ela sentiu dores, precisou ir à emergência. Ela não estava bem — eu
repetia e repetia, enquanto arrancava a agulha fixa de soro da minha mão.
Alexander parecia consternado. O rosto preocupado, quase em desespero, mas eu podia perceber
que tentava se controlar.
― Vamos encontrá-la Adrian ― Alexander disse forçando a esperança no olhar, ― mas você
precisa se cuidar. Não pode sair ainda. Você sabe que não pode. Não seja negligente!
― Alex ― comecei colocando minha mão sobre o antebraço dele porque queria que ele
compreendesse minhas palavras. ― Eu preciso encontrá-la. Eu não posso simplesmente deixá-la por
aí, sozinha. Eu preciso.
Alexander sorriu sem muito humor e depois assentiu. Ele sabia o que Laura significava para mim
e sabia que eu jamais a deixaria novamente.
― Ok, Galagher ― ele disse com um misto de esperança e preocupação no olhar. ― Vamos
encontrar a garota.
Capítulo 22

Laura

O tempo parecia não correr. Eu tinha a sensação de que os minutos eram décadas, até que o carro
parou. A noite parecia alta lá fora e assim que o motor parou de girar eu podia ouvir o barulho de
grilos e outros insetos, o que indicava que não estávamos em uma cidade.
― Anda, vai lá atrás e tira a garota ― um dos homens disse, ― e veja se consegue não matá-la
ainda.
Ainda ― era o que minha mente processava. Ainda. Então eu tinha um prazo para viver. Era isso.
A porta de correr foi aberta e revelou a escuridão do lado de fora. Eu não conseguia enxergar
bem, mas podia ver que o homem usava uma máscara. Era uma daquelas toucas escuras com furos
nos olhos. Ele tinha olhos bonitos. Eram olhos claros e límpidos e parecia jovem.
Pisquei algumas vezes sem dizer nada. Eu não sabia ao certo como me comportar diante do
sequestro. Não queria gritar e esbravejar porque não adiantaria e eu não queria que eles acabassem
com raiva de mim porque isso não era uma coisa boa. Eu gostava de ler livros de suspense e sabia
que o pior caminho era ser a refém louca e chata.
O homem me puxou pelos ombros com todo o cuidado que a situação permitia. Ele era grande e
forte e eu era pequena e estava amarrada. Deixei que me tirasse do carro.
― Consegue andar? ― ele me perguntou com seu sotaque profundo e quase ininteligível.
Assenti.
― Você fala a minha língua? ― ele insistiu.
― Sim ― concordei em holandês. ― um pouco.
― Ótimo. Eu odeio mímica.
O grandão me escoltou para dentro de uma casa bonita. Não parecia nem de longe com um
cativeiro de sequestro, pelo menos não com o tipo de cativeiro que vemos nos jornais
sensacionalistas do Brasil.
Era um casarão antigo, feito de tijolos vermelhos. Não era uma construção tipicamente holandesa.
O vento batia frio contra meu corpo, úmido e frio. Eu podia apostar que estávamos perto de algum
tipo de lago ou rio. Entramos na casa.
Lá dentro, tudo parecia minuciosamente organizado e limpo. Não parecia abandonado nem de
longe.
― Venha ― o grandão me guiou para cima, subindo a escada dupla ao meu lado.
Eu permaneci em silêncio. Estava com medo e estava ansiosa. Tinha medo que se tentasse falar
todo o meu autocontrole iria embora e eu acabaria em lágrimas e isso não era o que eu pretendia.
― Você vai ficar nesse quarto ― ele disse abrindo uma das portas. ― Sei que parece idiota, mas
não adianta gritar. Não existem vizinhos em raio de quilômetros então seria inútil ― advertiu. ―
Também não tentaria fugir se fosse você. Além da queda ― ele continuou apontando para a janela,
― os cães serão soltos assim que eu a deixar aqui e eles não falam holandês ― brincou com pouco
humor.
O grandão soltou minhas mãos e caminhou para fora do quarto. Girei meus pulsos em movimentos
circulares porque estavam dormentes. Na verdade, boa parte dos meus braços estava dormente. Eu
estava suja de sangue e molhada de urina. Estava derrotada envergonhada porque nem havia
conseguido segurar minha vontade de usar um banheiro. Eu queria sentar e chorar, mas estava
acelerada demais para qualquer coisa que não fosse andar e andar em círculos pelo quarto.
Parei em frente à janela e encarei a noite lá fora. Estava escura e fria e parecia tão triste. Eu
pensava nas crianças e em Adrian e na preocupação que eles provavelmente estavam sentindo.
Respirei fundo e acariciei o bebê em minha barriga, logo tudo iria acabar. Logo, logo tudo iria
terminar e eu estaria em casa. Adrian iria pagar. E mesmo que ele não pagasse, ainda tinha Alex.
Alex nunca me deixaria. Eu tinha dois homens incríveis comigo. Não tinha que me preocupar. Eu
precisava ficar calma.
Enquanto eu tentava controlar minha respiração, a porta se abriu mais uma vez. Era outro homem.
O que havia xingado meu golpeador no carro.
Ele era mais baixo e mais magro, mas ainda era bem maior do que eu. Seus olhos eram de um
verde amarelado bem pálido, o que fazia com que seu rosto ficasse um pouco triste. Ele usava uma
máscara parecida com a do primeiro.
― Desculpe o mau jeito de Boke ― ele me disse. ― Ele não costuma falar com muitas mulheres
― brincou.
Eu não respondi. Não sabia em qual dos dois poderia confiar e nem se poderia confiar em alguém.
Os olhos dele correram pelo meu corpo, analisando tudo o que viam.
― Sinto muito ― ele disse por fim ― não quero que pense que tínhamos alguma intenção de te
machucar. Para ser sincero, nós recebemos ordens de tratá-la muito bem.
― Ordens? ― perguntei por que não resisti ― ordens de quem?
― De alguém que quer algo com você que não fazemos à menor ideia e que espero que continue
assim, moça. Não quero me envolver no que não entendo.
Bufei sem saber o que dizer.
― Dinheiro? É isso? ― perguntei meio irritada.
O garoto riu alto, fazendo sua risada ecoar a minha volta.
― Acha mesmo que alguém que é dono de algo assim precisa de dinheiro? ― ele me fez
constatar. ― Isso não é um sequestro moça. Ninguém vai pedir um resgate por você.
Bufei mais uma vez, irritada e derrotada ― ele tinha razão. Não era dinheiro.
― Dentro do armário tem roupas limpas e toalhas ― ele continuou indicando um armário de
madeira no lado oposto a janela. ― Você pode tomar um banho se quiser. A noite costuma ser fria
por esses lados. Você deveria se aquecer. Vou trazer algo para você comer, não se preocupe. E
posso trazer um analgésico, se sua cabeça ainda estiver doendo.
Eu não respondi. Não iria tomar nada que algum desconhecido me trouxesse. Eu não faria isso
nem que minhas tripas estivessem do lado de fora, agora um banho sim, eu realmente precisava.
Ele fechou a porta e antes que eu pudesse me mover, abriu-a novamente.
― Ah e fique à vontade. Você deve ficar aqui por um longo tempo ― ele disse levantando uma
sobrancelha.
Sentei na beirada da cama e pensei por algum tempo. Eu estava com frio, com fome, suja,
machucada, cansada e não fazia ideia de quando todo esse pesadelo acabaria. Eu queria pelo menos
ter certeza de que meu bebê ficaria bem e nem isso eu tinha. Tudo que eu podia fazer era esperar e
rezar.
Caminhei até o armário e peguei uma toalha e algumas peças de roupa, cuidadosamente
arrumadas. Eram roupas de mulher e do meu tamanho, o que indicava que eu era esperada ali. Tudo
aquilo havia sido premeditado.
Entrei no banheiro e liguei o chuveiro, deixando a água quente cair em minhas mãos doloridas.
Tirei a roupa com cuidado, depois de me certificar de que a porta estava trancada e entrei debaixo
do feixe de água quente. Lavei meus cabelos com cuidado, evitando o machucado próximo a minha
testa. Lavei meu corpo e enquanto a água ia caindo eu ia conversando com meu bebê.
― Tudo vai ficar bem ― eu comecei, ― mamãe vai cuidar de você. Não precisa ter medo ― eu
dizia enquanto sentia minhas lágrimas se misturarem a água do chuveiro. ― Eu não vou permitir que
ninguém nos machuque. Não se preocupe. Sabe, seu pai vai dar um jeito de nos encontrar. Ele é
cabeça dura demais para simplesmente aceitar.
Acabei sorrindo da minha própria observação e o pequeno ser dentro de mim pareceu perceber
minha mudança de humor, movendo-se com força para perto do meu umbigo.
― Hey isso mesmo garota! Somos mulheres fortes! ― Brinquei sorrindo mais, com a certeza de
que meu bebê estava vivo e bem. ― Sabe meu amor ― continuei, ― nada nunca foi fácil para a
mamãe mesmo, vamos tirar isso de letra!
Não era verdade, embora eu quisesse que fosse. Eu estava amedrontada e triste. Queria colo.
Queria que alguém cuidasse de mim. Queria um cavaleiro de armadura brilhante para me tirar
daquela torre, mas eu sabia que meu cavaleiro iria demorar um pouquinho.
Vesti a calça de elástico e a blusa de moletom. Calcei meias e alisei meu cabelo com os dedos.
Quando saí do chuveiro, havia um prato de sopa sobre a mesinha, no quarto. O cheiro golpeou meu
estômago no momento seguinte e eu senti minha boca salivar.
Respirei fundo, engolindo a saliva e me sentei na cama, apoiada contra a cabeceira, puxando as
cobertas para cima. Eu não iria comer algo que eu não sabia de onde havia vindo.
Fechei os olhos e tentei desligar, mas minha mente girava e girava. Depois de alguns minutos a
porta se abriu.
― Vejo que não tocou na sopa ― o garoto mais baixo constatou. ― Não está com apetite? Ou
está com medo de que eu queira envenená-la? Moça não seja burra. Se eu quisesse matá-la tinha
maneiras mais simples do que trazê-la até aqui somente para lhe servir um prato de sopa batizado.
Hum?
Era um bom argumento, mas eu não queria saber. Não confiava em ninguém ainda mais agora que
tinha certeza de que meu bebê estava bem.
― Ok, você venceu ― ele disse pegando a bandeja e levando até a cama.
O garoto sentou-se perto de mim, pegou a colher e enfiou na sopa. Despejou o conteúdo na boca
em seguida, depois se levantou.
― Viu? Ainda estou vivo! Você pode comer. Não vamos envenenar você nem o seu bebê, ok?
Pode ficar tranquila. Ao que me consta esse aí ― ele disse apontando para a minha barriga, ―
parece precioso demais para quem quer manter você aqui.
A porta se fechou e eu fiquei sozinha de novo. Não resisti, pegando o prato de sopa e devorando
como se não comesse há vários anos. Quando aplaquei a fome, minha mente começou a se concentrar
melhor em outras coisas.
“Esse aí parece precioso demais para quem quer mantê-la aqui.” ― A frase ecoava em minha
mente.
Então era isso! O filho de Adrian Van Galagher! Ele era a razão de eu estar presa naquele lugar.
Alguém queria o bebê! O meu bebê!
Fechei a janela e puxei as cortinas antes de voltar para a cama. Eu precisava pensar. Precisava
ordenar meus pensamentos e encontrar a ponta solta em tudo isso. Eu precisava estar um passo à
frente, não poderia simplesmente sentar e esperar que alguém viesse me socorrer.
“Alguém queria o meu bebê!”
E se esse alguém pensava em tirar meu bebê de mim eu precisava estar preparada porque não iria
permitir sem lutar. Eu arrancaria os olhos de quem quer que fosse com as minhas próprias mãos para
salvar meu bebê!
Quando minha mente se cansou demais para continuar alerta, a última coisa que consegui pensar
foi em quem teria coragem de fazer algo assim. Eu conhecia pessoas más, mas nenhuma digna de algo
tão cruel.

Adrian

Alexander e eu seguimos para fora do hospital. Eu estava inquieto, nervoso, mas não podia
simplesmente perder a razão. Eu precisava da minha razão e de todo o meu controle para encontrar
Laura o mais rápido possível.
― Acha que estamos lidando com algum tipo de sequestro? ― perguntei enquanto mirava a
cidade passando pela janela do carro. ― Eu sou um homem rico, poderoso, isso seria possível.
― É uma possibilidade ― Alexander confirmou sem buscar meu olhar também, ― mas
sinceramente, não sei. Pensei em procurar a polícia, mas você sabe que não adiantaria.
― Quarenta e oito horas ― eu disse e a Alexander confirmou com a cabeça,
Quarenta e oito horas era o tempo que a polícia pedia para considerar o desaparecimento de
alguém. Era uma regra, não era algo que eu poderia mudar apenas por vontade.
― Vamos percorrer a cidade ― ele disse depois de algum tempo. ― É tudo que podemos fazer
agora. John está fazendo o mesmo a pé. Ele pode alcançar alguns lugares que não podemos no carro.
Stein está em Amsterdã. Vou pedir a ela que faça o mesmo.
Pensei por um instante, analisando tudo que estava acontecendo de uma maneira mais abrangente,
esquecendo dos últimos dias. O nome surgiu em minha mente mais rápido do que eu pude controlar
― Jens. Jens Van Hart.
― Você ligou para o Hart? ― perguntei sem ter certeza se queria ouvir a resposta. ― Falou com
aquele desgraçado? — tudo ia tomando forma em minha mente. Laura. Jens. Patrícia. O passado e o
presente perdendo-se em meus pensamentos. ― Ele está com ela! Ele só pode ter inventado alguma
bobagem e está com ela! Eu vou matar ele com as minhas próprias mãos Alex! Juro que vou!
Eu estava traçando estratégias para sumir com o corpo de Jens Van Hart, quando Alexander soltou
o ar dos pulmões de uma única vez e então continuou.
― É claro que falei com Hart ― Alexander me contou. ― Foi à primeira coisa que fiz. Eu não
sou estúpido Adrian. Eu inventei uma desculpa tosca e falei com ele. Acha que não quero encontrá-
la? Acha que não estou preocupado dom ela? Com o bebê?
Fechei os olhos e me concentrei, ele tinha razão. Eu estava sendo injusto enchendo ele de
perguntas assim. É claro que ele havia tentado tudo que era possível. Alexander amava Laura tanto
quanto eu a amava.
― O que Hart disse? ― perguntei depois de alguns segundos e com a voz mais contida.
― Ele disse que não a vê há mais de um mês. Disse que a encontrou por acaso na época em que
você estava no hospital e que acabou conversando com ela sobre Patrícia ― ele fez uma pausa e
respirou fundo. ― Eu sei que ele é um filho da puta safado, mas pareceu realmente assustado quando
falou comigo.
― Você é muito crédulo ― praguejei. ― Eu vou investigá-lo assim que tiver acesso ao meu
notebook.
― E o que vai fazer? Hackear as contas dele? Colocar um detetive particular atrás do Hart? Acha
que ele é mesmo tão burro? Se ele está com ela não vai fazer nenhuma estupidez Adrian!
Era um ponto a se considerar. Se ele estava com ela, por vontade dela ou não, ele tomaria mais
cuidado do que tomou da última vez que tentou tirar algo de mim. Jens Van Hart era um homem
ardiloso e a idade o estava ajudando ainda mais nisso.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, o celular de Alexander tocou.
― Sim ― ele disse assim que atendeu. ― Onde? Claro. Entendo. Sim, estou indo até aí. O Sr.
Galagher está comigo. Não se preocupe, eu chego em alguns minutos.
― Aonde você chega em alguns minutos? ― perguntei antes que ele tivesse tempo de me contar
por vontade própria.
― Encontraram seu carro ― ele disse. ― A bolsa de Laura estava jogada no chão ao lado dele.
Senti todo o sangue sumir do meu corpo. Minha visão escurecendo mais rápido do que eu gostaria.
Ela estava em perigo. Estava mesmo em perigo.
― Quem encontrou? ― perguntei tomando fôlego.
― A polícia. Jens foi até a delegacia. Você sabe que ele tem muita influência. Um policial topou
sair com ele por Roterdã. Tiveram a sorte de encontrar o carro antes de nós. Seu carro estava
estacionado em uma rua secundária ― Alexander me contou. ― A chave e a bolsa dela estavam
caídas ao lado.
― Deus, Alex, ela está em perigo! ― Constatei deixando meu rosto cair contra minhas mãos.
― Por enquanto eles não têm mais nenhuma notícia, mas a hipótese de que ela tenha fugido por
vontade própria está praticamente descartada.
― Praticamente? ― praguejei. ― Praticamente? Como assim? É claro que ela não fugiu por
vontade própria! Aonde ela iria sem dinheiro e sem documento algum?
― Eles precisam de algumas assinaturas para liberar o carro ― Alex continuou ignorando minha
falta de educação. ― Vou passar por lá para você fazer o que tem que fazer.
Não disse mais nada pelo que restou do caminho até a delegacia. Eu precisava me acalmar.
Laura, minha Laura estava em perigo! Ela estava em perigo e eu precisava encontrar uma
maneira de ajudá-la.
― Sou Adrian Van Galagher ― eu disse no balcão de atendimento da polícia. ― Meu advogado
recebeu uma ligação do delegado. Parece que encontraram meu carro.
― Sim, Sr. Galagher ― a policial confirmou. ― Os senhores podem me acompanhar.
Seguimos até uma sala no interior da delegacia. Eu era um advogado corporativo. Um empresário.
Eu não conhecia delegacias. Não era um lugar que eu costumava frequentar.
― Sentem-se senhores. O delegado virá conversar com os senhores.
Alexander sentou-se. Eu caminhei batendo minha bengala pelo chão de ladrilhos velhos sem
conseguir me acalmar.
― Você deveria se sentar ― Alexander advertiu. ― Não seria bom para ninguém se você tivesse
algum tipo de ataque de nervos aqui.
― Ela está por aí Alex ― confessei, ― sozinha. Ela sentiu-se mal hoje mais cedo. Ela pode estar
sendo maltratada. Eu não posso me acalmar. Eu não consigo.
Alexander cobriu minha mão com a sua. Respirou fundo. Eu podia ver em seus olhos que sua
preocupação era como tão grande quanto a minha.
― Vamos encontrá-la ― ele me disse. ― Eu prometo que vamos.
Sentei-me alguns segundos antes do delegado entrar. Quando fiz menção de levantar, ele estendeu
a mão para mim ainda sentado.
― Não se levante Sr. Galagher ― ele disse encarando a bengala ao meu lado. ― Não é
necessário. Sou o Delegado Cornick.
― Muito prazer ― respondi apertando a mão do homem.
― Pelo que soube o senhor sofreu acidente sério há pouco mais de um mês ― ele começou.
― Exato. Um acidente de motocicleta ― respondi começando a me sentir desconfortável.
― Como era sua relação com a Srta. Soares, Sr. Galagher? O relacionamento ia bem? ― ele
insistiu.
Respirei fundo, sentindo os olhos de Alexander em mim.
― Sim, senhor. Estávamos muito bem. Esperamos um bebê para daqui a um mês e meio, doutor.
Estávamos mesmo muito bem.
― Entendo ― o homem respondeu.
Eu sabia como as coisas funcionavam. Laura era uma vítima e qualquer outra pessoa com quem
ela tivesse tido contato era um culpado em potencial. Ele estava fazendo o trabalho dele e isso era
algo que deveria me alegrar, mas eu queria mesmo era gritar ao velho barrigudo que o verdadeiro
vilão era Jens Van Hart e não eu.
― Com relação a qualquer coisa que o senhor tenha ouvido ou lido sobre Adrian e minha irmã,
Sr. Cornick, quero enfatizar que são acontecimentos passados. Laura e Adrian tiveram
desentendimentos que foram ampliados pelo fato de Adrian ser uma pessoa conhecida. Tenho certeza
de que o senhor compreende ― Alexander disse polidamente, usando seu melhor tom e fazendo-me
agradecer mentalmente por tê-lo o meu lado novamente.
― Claro Sr. Persen. Eu entendo. Eu entendo perfeitamente.
― Estamos ao dispor da polícia para qualquer coisa. Ninguém tem maior interesse em encontrar
Laura do que nós. Acredite ― ele continuou usando seu tom mais gentil. ― Estamos à beira da
loucura com esse desaparecimento. Minha irmã caçula está perdida por aí em algum lugar, prestes a
dar á luz.
― Entendo Sr. Persen. Eu realmente me compadeço do caso. Quero que saibam que desde que
Van Hart esteve aqui, eu tenho movido meu melhor pessoal em favor dessa causa. Vamos encontrar a
garota. Não se preocupem.
Eu permaneci em silêncio porque se continuasse falando acabaria mandando o projeto de Leôncio
do Pica Pau à merda por sequer pensar que eu seria capaz de fazer algum mal à Laura ou à minha
filha. Era bom ter alguém sensato comigo porque eu não me sentia assim.
Respirei fundo tentando manter minha opinião sobre Jens Van Hart em minha mente. Mãos
cerradas em punho, olhos focados em uma pequena rachadura na parede ao fundo.
― Eu compreendo seus esforços Sr. Cornick ― Alexander continuou polidamente. ― Agora se o
senhor puder agilizar os papeis, meu cliente precisa descansar. Ele passou por um procedimento
cirúrgico hoje. Precisa de repouso.
― Claro ― o tal delegado disse. ― Esses são os papeis que o senhor precisa assinar Sr.
Galagher.
Li o punhado de folhas à minha frente o mais rápido que consegui. Eu só queria sair daquele lugar,
chegar em minha casa e começar a tramar meu plano de desmascarar o desgraçado que estava com
minha mulher.
― Estimo as melhoras, Sr. Galagher ― o delegado abusado ainda me disse enquanto eu deixava
sua sala, ― e não se preocupe que nós o manteremos informado.
Acenei com a cabeça sem conseguir esboçar um sorriso.
― O filho da puta tem todos no bolso dele ― praguejei assim que Alexander e eu estávamos a
uma distância considerável da delegacia.
― Ou ele realmente não está com ela, Adrian ― Alexander ponderou. ― Sei que é difícil para
você entender, mas acredite Jens Van Hart não é o culpado de todas as mazelas da humanidade.
Não respondi, nem dei continuidade ao assunto. Eu queria ir para casa. Queria ver como meus
filhos estavam e precisava pensar.
Assim que estacionamos em frente ao jardim, vi o carro do meu pai um pouco mais à frente.
― Tudo que precisávamos hoje era uma visita do Juiz Reign ― Alexander disse sarcástico.
― Acredite, ele não é o meu maior problema no momento.
Eu não havia contado sobre a visita do meu pai ao hospital a Alexander. Para ser sincero, eu não
havia contado a ninguém. Eu queria dar um tempo a ele e entender se era realmente uma mudança, ou
se tratava apenas de uma crise de consciência pesada.
Assim que o vi sentado no chão com uma xícara de plástico cor de rosa na mão e Collin em seu
colo, entendi que a primeira opção fazia mais sentido.
― Mal posso crer no que vejo ― Alexander brincou baixando um pouco os óculos.
― As pessoas mudam meu caro Persen. As pessoas mudam.
Assim que nos aproximamos, meu pai levantou-se.
― Como vai, Adrian? ― ele perguntou gentil. ― Pensei em dar uma passada e ver como estavam
as coisas. Desculpe não tê-lo avisado.
Estendi minha mão e apertei a dele. Meu pai me puxou um pouco mais para perto, dando alguns
tapinhas em minhas costas.
― Não precisa avisar que vem, pai ― eu disse tentando desfazer minha carranca. ― O senhor é
bem-vindo aqui.
Alexander corria os olhos de mim até meu pai e de volta para mim sem entender muita coisa.
― Alexander ― meu pai disse estendendo a mão, ― é um prazer revê-lo.
― Igualmente Juiz.
Deixamos as crianças no jardim com Martina e seguimos para dentro da casa.
― Você parece preocupado, meu filho ― meu pai disse assim que sentou no sofá. ― Tudo bem
mesmo? Algo em que eu possa ajudar?
Eu não queria pedir a ajuda dele, mas tinha que admitir que o Juiz Reign era um homem influente.
Bem mais influente que Jens Van Hart e eu juntos, e que se alguém poderia obter informações não
oficiais sobre o paradeiro de Laura, esse alguém era o meu pai.
Respirei fundo antes de continuar ― eu odiava depender dele para o que quer que fosse.
― Laura ― comecei sem querer terminar, ― está desaparecida.
― Como assim? ― meu pai perguntou sem entender. ― Ela fugiu? Vocês brigaram? ― ele alisou
os cabelos grisalhos para trás e ajeitou os óculos, ― mas está tão perto do bebê nascer.
― Ela foi sequestrada ― Alexander respondeu em meu lugar. ― Pelo menos é a hipótese mais
forte que temos no momento.
― Oh meu Deus! ― Ele disse tapando a boca com as mãos. ― Que coisa terrível. Pobre moça!
Assenti sem dizer nada.
― Vocês procuraram a polícia? Quer dizer, me conte exatamente o que houve e u vou ver o que
consigo fazer.
― Laura me deixou no hospital essa manhã. Ela não se sentia bem, então me deixou para alguns
exames e voltou para casa. Ou pelo menos deveria ter voltado ― respirei fundo novamente. ―
Encontraram meu carro abandonado e a bolsa de Laura jogada no chão.
Meu pai escutou em silêncio. Depois levantou sem dizer nada. Caminhou até a janela. Parou.
Tirou o celular do bolso e discou.
― Sim, sou eu ― ele disse sem que pudéssemos entender de quem se tratava. ― Eu não quero
saber como você vai conseguir, mas eu preciso que encontre uma pessoa. Isso, exatamente. Não
quero saber. Não me interessa. Tudo que preciso é dessa garota de volta em casa sã e salva e você
sabe que me deve uma das grandes.
Alexander me encarava e eu o encarava de volta sem entender. Eu sabia que meu pai tinha seus
assuntos e que eles nem sempre eram os mais iluminados do mundo, mas sinceramente, no momento
tudo que eu queria era que ele realmente tivesse uma maneira de reaver Laura e minha filha, sãs e
salvas.
― O nome é Laura Soares. É uma jovem bonita, cabelos e olhos castanhos. Está grávida de sete
para oito meses ― ele fez uma pausa e respirou fundo, ― eu não vou tolerar uma resposta negativa
― afirmou com sua voz autoritária, ― e você sabe muito bem o que isso significa.
Desligou o telefone e caminhou de volta para o sofá. Alexander e eu não perguntamos nada e ele
também não disse nada. John entrou pela porta no momento seguinte.
― Não encontrei nada, tio Alex ― ele disse derrotado, jogando-se contra o sofá ao lado do avô.
Meu pai abriu os braços e puxou John para dentro do seu abraço.
― Não se preocupe, meu querido. Nós vamos encontrá-la. Não se preocupe.
Capítulo 23

Laura

Acordei sentindo meu coração pesado, despedaçado. Meu corpo doído e cansado. Minha cabeça
latejando.
Eu estava cansada demais e triste e os pesadelos que haviam povoado minha mente durante os
cochilos esporádicos que tive não haviam ajudado em nada.
Sentei-me na cama meio desajeitada e a dor veio quase como um soco no estômago ― estavam
ficando mais fortes e duradouras.
― Vejo que já acordou ― o homem mais baixo disse abrindo a porta do quarto. ― Espero que
tenha conseguido descansar — não respondi. ― Tudo bem ― ele continuou colocando uma bandeja
arrumada para o café da manhã a minha frente. ― Não precisa falar comigo. É como eu disse moça,
quanto menos eu souber menos culpado vou me sentir. Espero que coma algo ― o homem disse
afastando-se. ― Não queremos que fique doente ou coisa assim. Não por enquanto, pelo menos.
A porta se fechou e eu me levantei. Caminhei até o banheiro e encarei meu rosto no espelho.
Havia um ponto de inchaço, roxo amarelado na testa, onde meus cabelos começavam a nascer.
Círculos escuros embaixo dos meus olhos mostravam que eu não havia dormido o suficiente. Eu me
sentia cansada demais para escovar os dentes e sem ânimo nenhum para pentear os cabelos. Saí do
banheiro e abri um pouco as cortinas. O dia estava claro lá fora e parecia um pouco mais quente do
que o clima que tivemos durante a noite.
Encarei a bandeja de comida sentindo meu estômago protestar.
― Ok, você tem razão ― eu disse alisando minha barriga. ― Vamos comer um pouco porque não
queremos que você fique fraquinha.
Sentei na cama e dei um gole no suco de laranja. Estava bem feito e muito saboroso. Comi um dos
biscoitos e logo comi outro e outro. Eu estava faminta.
Quando me senti satisfeita, caminhei mais uma vez até a janela na esperança de que pudesse me
concentrar mais no lugar em que estava. Eu precisava saber onde era. Precisava traçar algum tipo de
fuga para o caso de ninguém me encontrar.
Era algum tipo de fazenda. Não havia nada além de um canal, bem ao fundo. Nenhuma montanha,
nenhum indicio de civilização. Nada além de grama verde e algumas árvores próximas ao canal.
Senti a primeira lágrima cair e em seguida outra e mais outra. Eu precisava encontrar uma maneira
de salvar o meu bebê e eu não fazia ideia de como. Oferecer dinheiro ao sequestrador?
Provavelmente era uma tolice. Ele tinha razão quando disse que a razão do meu sequestro não era
dinheiro. Ele provavelmente estava sendo muito bem pago para me manter ali tão bem cuidada.
Depois de desistir da janela, voltei para a cama e esperei que as horas passassem. Vez ou outra,
uma contração me assolava e eu me curvava deitada de lado e esperava passar. Não me lembro de
quantas foram porque não tinha vontade de contar. Fechei os olhos e esperei até anoitecer.
Quando a porta se abriu, perto do que eu imaginava ser a hora do jantar, ouvi saltos altos vindo
através do corredor. Mais perto, mais perto. Meus olhos estavam focados na porta, mas minha mente
gritava que não queria estar certa.
A figura se materializou no escuro. Apenas uma sombra curvilínea. Uma sombra escura e sem
amor que refletia exatamente o que ela era ― Alissa.
Ela entrou no quarto com o rosto distorcido em uma máscara de calma que chegava a irritar.
― Como está Laura? ― ela perguntou com um tom delicado e poderia ser confundido com
gentileza e preocupação, caso eu não a conhecesse — não respondi. ― Espero que Steve e Boke a
estejam tratando bem. Eu mesma recomendei que nada faltasse a você e ao nosso pequeno Adrian.
Eu estava sem reação. Mãos apertadas contra os lençóis. Eu piscava e piscava sem conseguir
focar direito a figura esguia de Alissa, parada ali, na minha frente, encostada contra a cômoda,
sentindo-se a dona do mundo.
― Você? ― foi tudo que consegui dizer por que parecia surreal demais para mim.
― Eu ― ela afirmou sorridente. ― Quem mais trataria a pobre irmãzinha com tanto cuidado.
― Eu não entendo ― eu disse mais para mim mesma do que para ela, alisando meus cabelos para
trás.
― Ah Laura, não seja tão provinciana. Vamos apenas fazer um pequeno acordo ― ela disse
ajeitando os cabelos bem escovados para o lado e sorrindo. ― É uma pena que você não vá
sobreviver ao parto, querida. Mas sabe essas coisas acontecem. Isso é perfeitamente aceitável.
Eu sentia meu estômago vazio revirar de incredulidade. Deus como essa garota podia ser tão má!
Ela conseguia deixar todas as vilãs dos contos infantis parecendo belas e doces fadas madrinhas!
― E o que você acha que vai acontecer quando Adrian descobrir o que você fez? O que acha que
vai acontecer com você quando meu irmão descobrir? ― eu falava mais calma do que realmente
estava porque meu estado de choque não me permitia nem mesmo gritar. ― Você é maluca! Você só
pode ser maluca.
Alissa revirou os olhos como se eu fosse a única pessoa no mundo que não compreendesse a
genialidade dos seus planos.
― Ok, eu vou contar a você ― ela disse animada, sentando-se na beirada da cama e fazendo-me
recuar até estar com as costas na cabeceira. ― Está vendo esse pequeno anel reluzente aqui em meu
dedo? ― disse sorridente ostentando uma bela aliança de diamantes. ― Isso aqui significa que eu
consegui o melhor partido da Holanda, Laura querida.
Jens! Jens Van Hart! Então ela havia mesmo se casado com ele! ― Prostituta safada e mau-
caráter!
― Vê essa casa linda aqui? ― ela continuou correndo os olhos pelo quarto luxuoso. ― Ele nem
se lembra, mas pertence a ele. Fiz meu trabalho de pesquisa, como pode perceber ― debochou. ―
Como deve imaginar à uma hora dessas toda a polícia dos países baixos está a sua procura. Quando a
encontrarem não será difícil jogar a culpa do seu sequestro sobre Jens. Eu sei, ele tem lindos olhos e
um corpo escultural ― ela falava mais com ela mesma do que comigo, ― mas ele tem um pequeno
defeito. Ele não é Adrian.
Oh meu Deus! Então era isso! Ela iria me matar, iria acabar com a vida de Jens apenas porque
havia colocado na cabeça que queria Adrian! Sim, porque isso nem de longe era amor. Obsessão
talvez, amor, nunca.
― Alissa ― comecei tentando mesmo que inutilmente arrancar um pouco de juízo dela. ― Você
mesma acabou de dizer. Você se casou com Jens Van Hart. Ele é um homem incrível e milionário.
Ele é muito mais influente que Adrian. Não consigo entender.
― Nem precisa ― ela disse levantando-se e andando pelo quarto. ― Veja, meu plano é perfeito.
Quando Jens levar a culpa, ficará preso por muito, muito tempo! Tempo suficiente para que eu possa
cuidar de toda essa fortuna e me casar com Adrian. Ele estará triste e desamparado e quando eu
aparecer de salvadora com o pequeno herdeiro nos braços será perfeito!
― Você só pode estar louca! ― Praguejei tão baixo que nem soube se ela havia ouvido.
― Eu sou um gênio! ― Ela disse com a voz bem alta e estridente. ― Não sou? Quer dizer, eu me
livrei da coisinha doente, nada mais justo do que ter um bebê lindo e saudável! Afinal, eu passei por
toda essa coisa de gravidez à toa! — Alissa jogou-se contra a poltrona e bufou. ― E pensar que eu
cheguei mesmo a cogitar a possibilidade de me contentar com o perdedor do seu irmão! Eu nasci
para ser a primeira dama, Laura querida, não poderia ocupar o lugar de coadjuvante.
Minha mente girava e girava sem conseguir se focar, buscando ideias e qualquer plano
mirabolante que fosse capaz de convencer a maluca de que me deixar ir poderia ser uma boa opção.
― Eu volto para o Brasil! ― eu disse depois de um insight. ― Se você me deixar livre. Eu volto.
Quer dizer, se eu morrer no parto ou de qualquer outra maneira, serei uma pobre mártir e Adrian terá
mais dificuldade em se relacionar.
Alissa focou os olhos nos meus, curiosa. Eu precisava aproveitar a única oportunidade que tinha e
tentar resgatar um pouco da possibilidade de sair livre de toda essa maluquice. Não era um plano
ruim. Eu tinha meu ponto. Ele venerava Patrícia mesmo depois de tudo e isso apenas porque ela
havia morrido tragicamente, não seria diferente comigo.
Aproveitei a atenção dela.
― Pense ― continuei, ― ele venera Patrícia até hoje apenas porque ela morreu tragicamente. E
nós duas sabemos que ela não era nenhuma santa. Eu posso fugir para o Brasil. Deixo uma carta
escrita sobre sua supervisão, dizendo que não o amo mais e que posso até dizer que o bebê não é
dele, se você preferir. Posso dizer que é de Hart. Isso o deixaria com raiva de mim e então o
caminho estaria aberto. Você poderia consolá-lo.
Eu estava triste em dizer essas coisas e em cogitar essa possibilidade, mas eu precisava proteger
minha filha de Alissa a qualquer custo. Eu não me importava mais em fazer o que quer que fosse,
ainda que isso me afastasse de Adrian mais uma vez. Eu poderia tentar mudar as coisas depois. Eu
precisava tentar.
Alissa pensava e pensava e eu quase podia ver a fumacinha saindo de sua cabeça platinada.
― Não é uma ideia ruim ― ela disse e eu senti meu coração dar um tranco, ― mas aí eu ficaria
pobre como sempre. Mendigando um pouco do dinheiro de papai e teria a possibilidade de que
Adrian ainda não me quisesse ― ela fez uma pausa e conferiu o próprio reflexo no espelho. ― Ele é
teimoso! Não entende que fomos feitos um para o outro desde que nascemos.
Eu rezava silenciosamente para Deus me ajudasse naquele momento. Não havia mais nada que eu
pudesse fazer além de contar com um pequeno surto de bom senso dela.
― Não ― ela disse levantando-se de uma vez. ― Acho que ainda prefiro herdar toda a fortuna do
meu amado maridinho. Ah e não se preocupe. Não será doloroso. Vou pensar em algo bem tranquilo.
Eu sou uma pessoa gentil Laura, não vou deixá-la sangrar até a morte ou coisa assim. Vamos nos
assegurar de que o bebezinho está bem e então será rápido e praticamente indolor.
Eu sentia o ódio se acumulando mais e mais próximo a superfície. Minhas têmporas pulsavam e
tudo que eu conseguia pensar era que quem deveria sangrar até a morte era ela!
Maluca, suja e desequilibrada ― eram adjetivos simples demais para o que ela era.
― Agora vou pedir a Steve que traga seu jantar. Sabe meu obstetra sempre dizia que o final da
gravidez é quando nossos pequenos bebezinhos mais precisam de alimento. Vamos cuidar do meu
novo filhinho!
Não consegui encara enquanto ela deixava o quarto. Meus olhos queimavam de lágrimas e ódio
contido. Eu queria esbofetear Alissa e atirá-la pela janela, para que os tais cães, que também não
eram dela, dessem um jeito naquela cara de pau que ela tinha.
A porta se fechou e eu fechei meus olhos junto, sem esperança e triste. Eu não me
importava em morrer. Eu daria a vida para proteger minha garotinha, mas eu não podia sequer cogitar
a possibilidade de vê-la crescer com alguém como Alissa por perto. Tudo que eu queria era gritar
alto, muito alto, para que meu príncipe encantado pudesse vir me resgatar.

Adrian

Acordei em sobressalto pouco antes de amanhecer. Eu havia desmaiado de cansaço depois de três
noites sem pregar os olhos. Quatro dias. Fazia quatro dias que não tínhamos notícia alguma sobre ela.
Eu precisava de algo. Precisava de qualquer coisa. Eu estava alguns quilômetros além do desespero.
Levantei da cama e andei com cuidado até a janela. Apoiei meu corpo no parapeito e encarei a
noite estrelada lá fora.
― Onde será que você está amor? ― eu disse baixinho, como se ela pudesse me ouvir. ― Eu sei
que cometi erros. Eu realmente sei que cometi muitos erros ― respirei fundo, ― sei que mereço ser
castigado — eu não falava mais com Laura. Falava com quem quer que fosse que pudesse me ouvir
na solidão do meu quarto. Deus talvez, se é que ele ainda queria me ouvir. ― Eu mereço ser punido,
mas Laura, Laura não merece. Ela sempre foi tão boa e tão pura.
Fechei meus olhos e deixei que uma pequena lágrima caísse. Quando Patrícia me deixou, por mais
que eu tivesse sofrido e por mais que eu não compreendesse, eu sabia onde ela estava. Sabia que
estava bem. Eu sabia que meus filhos estavam bem e seguros. Agora, com Laura desaparecida, eu não
sabia de nada. Eu estava de mãos e pés atados vendo a mulher da minha vida e meu bebê perdidos
em algum lugar do mundo, precisando de mim e não havia nada que eu pudesse fazer.
Quando minha perna começou a reclamar da posição, voltei para a cama, sentando-me no lado que
Laura ocupava, sentindo seu perfume nos travesseiros. Abri a gaveta da escrivaninha, desesperado
por qualquer coisa que há trouxesse um pouco mais para perto de mim. Havia um creme de mãos. Um
par de brincos e alguns livros. Romances bobos desses que se compra em bancas de jornal. Coisas
de menina que ainda acredita em príncipe encantado. Respirei fundo, eu havia deixado meu lugar de
príncipe encantado para ser o maior vilão de todos os tempos. Eu a havia trazido para esse mundo
sórdido e não a havia protegido adequadamente.
Tateei a gaveta até o fundo com a ponta dos dedos e encontrei algo que parecia ser um caderno.
Quando o puxei, vi que era um caderno de Patrícia. Um que eu conhecia bem. Eu havia dado a ela o
caderno bem antes de termos qualquer envolvimento. Ela gostava de escrever e eu havia visto o
caderno em uma loja de artigos antigos em Haia. Abri sem entender.
Eram cartas e mais cartas de Jens Van Hart. Algumas anteriores a John e outras da época em que
haviam se envolvido. No meio de todas elas, uma me chamou a atenção. Era uma carta de Adele a
Patrícia. Adele era a colega de quarto dela. Elas moraram juntas até que nós nos casamos e nos
mudamos para Roterdã.
“Você é uma maluca, mas uma maluca bem ardilosa Paty. Confesso que não conseguiria ter
pensado em nada melhor, embora eu ache que ficar com o Hart não seja exatamente perder. Você
sabe, o cara é louco por você. Ele faria qualquer coisa por você. Ele fez tudo que pode e você o
deixou sofrendo como um cão sarnento assim que o Galagher abriu a porta do carro dele par
você! E mesmo assim, o pobre coitado ainda caiu no seu joguinho de “pobre garota
incompreendida” e te quis de volta, com dois filhos de outro homem! Juro, quero ser como você
quando eu crescer.
Quanto ao bebê, acho que deveria realmente manter. Pense. Se você tirar não poderá contar
com nenhum dos dois e ter um filho do Hart pode garantir uma bela fortuna para você, amiga. Eu
acho que o destino sorriu para você mais uma vez. Então, vou sugerir uma coisinha. Porque você
não diz ao Galagher que o bebê é dele? Hum? Pode ser muito proveitoso e o pequeno serzinho
terá não um, mas dois pais milionários!”
Eu não tinha motivos para odiar Adele. Ela era uma pobre criatura sozinha e mal-amada. Sempre
havia sido. Ela havia inutilmente tentado conquistar metade da universidade, mas eu não via nela
nada com que me preocupar. Não, até essa carta. Agora eu queria pegar o pescoço de Adele e torcer
até que seus olhos azuis pálidos esbugalhassem fora das órbitas.
Fechei o caderno, mas não fui capaz de deixá-lo ali. Eu queria terminar de ler. Queria ler cada
uma das cartas. Eu queria entender o quanto havia sido um peão idiota no jogo dela.
Desci a escada e sentei-me no jardim, no banco perto do lago que havia mandado fazer
especialmente para a mulher que havia me manipulado e enganado por uma vida toda.
Eu nem havia percebido que o dia já estava claro, absorto e enojado com a leitura, quando
Margarida sentou-se ao meu lado no banco. Permaneceu em silêncio, e eu quando eu tentei fechar o
caderno, Margarida me impediu colocando a mão sobre a minha. Respirou fundo sem tirar a mão do
lugar.
― Entende agora porque eu precisei vir até aqui? ― ela me perguntou sem me encarar, mas não
esperou que eu respondesse. ― Eu não poderia morrer sem que você soubesse a verdade.
Permaneci em silêncio. Não sabia o que dizer. Eu nem mesmo sabia se deveria confiar no que
havia lido. Eu tinha medo de que fosse apenas mais uma manipulação.
― Como conseguiu esse caderno, Margarida? ― foi minha primeira pergunta.
Margarida retirou a mão do caderno com cuidado e a cruzou com a outra sobre o colo.
― Quando Patrícia faleceu você me mandou uma caixa grande, com alguns pertences pessoais
dela. Lembra-se?
Assenti, mas eu sabia que o caderno não estava junto às coisas que eu havia mandado ao Brasil.
― Havia uma almofada bordada. Foi um presente da minha mãe para Patrícia, quando ela se
mudou para a Holanda ― Margarida fez uma pausa e suspirou, ― minha mãe me disse que eu estava
errada em permitir que minha filha ficasse tão longe. Na época eu discordei. Dizia que queria a
melhor formação que o dinheiro pudesse pagar. Ela me disse que o dinheiro não podia comprar o
caráter que ela precisava adquirir — eu me lembrava da almofada. Era cor de vinho bem escura e
tinha um anjo tocando trombeta bordado na frente. Havia algo como uma oração em português. Achei
que seria importante para Margarida e mandei para o Brasil. Antes que eu tivesse tempo de concluir
qualquer coisa que fosse, Margarida continuou. ― O caderno estava dentro do forro desta almofada,
Adrian. Escondido entre o enchimento — sua mão tocou a minha mais uma vez, agora sobre a capa
de couro do caderno fechado. ― Acho que depois de ler tudo isso você deve imaginar porque esse
caderno estava escondido.
Foi minha vez de suspirar.
― Acredita mesmo em tudo que está escrito aqui? —eu perguntei mais porque precisava de um
conselho. Depois desse tempo vivendo em minha casa, eu não via mais Margarida como minha sogra
ou coisa assim. Para mim ela era o mais próximo de uma mãe que eu tinha.
― Sabe Adrian ― ela começou, ― nós mães, tendemos a não ver o defeito em nossos filhos. Não
sei como explicar, eles apenas parecem bons demais aos nossos olhos — assenti porque
compreendia. ― Patrícia sempre foi altiva e arrogante como o pai dela era. Ela gostava de deixar
claro que descendíamos de uma das famílias mais importantes de São Paulo. Ela sempre se sentiu
mais nobre que os outros. No começo, o pai e eu achávamos graça e pensávamos que ela era mesmo
uma princesinha com seus olhinhos verdes e seus cabelos cacheados, com o passar do tempo, minha
garotinha se perdeu de si mesma e dos valores que um dia eu quis passar a ela. Desculpe querido, eu
deveria ter percebido antes.
Deixei meu rosto pender contra o ombro de Margarida. Nós havíamos passado por tantas coisas.
Mesmo em lados opostos, ninguém entendia mais do passado do que nós dois. Eu estava feliz por tê-
la ali, apesar de tudo. Ela era um elo importante de ligação dos meus filhos e meu próprio com o
passado.
― Por que você não me contou? ― perguntei depois de um tempo. ― Eu encontrei o caderno nas
coisas de Laura. Porque você não o entregou a mim.
― Eu pensei por muito tempo se deveria manchar a memória da minha filha. Você a amava e
passava aos meus netos uma boa imagem dela.
― E o que a fez mudar de ideia? ― perguntei interrompendo-a.
― Minha doença ― ela me disse com a cabeça baixa, fitando a grama verde no chão. ― Eu não
queria morrer carregando isso comigo. Depois de vê-lo com Laura. Eu simplesmente não pude mais
ignorar que estava permitindo que você carregasse uma culpa que não era sua. Não me parecia justo.
Quando estamos com o ceifador à nossa espreita, começamos a pensar que todos merecem uma
chance de ser feliz. Sabe, eu queria fazer a coisa certa, pelo menos uma vez.
Eu sabia. Havia pensado muito nisso enquanto estava no hospital. Eu havia dado uma segunda
chance ao meu pai e sabia muito bem o que significava tirar esse peso das costas. Eu queria fazer
mais. Queria consertar todo o passado. Queria recomeçar. Queria merecer minha Laura de volta.
Suspirei mais uma vez.
― Alguma notícia sobre ela? ― Margarida perguntou e eu sabia que não era de Patrícia que ela
falava.
― Nada ainda ― confessei sentindo o peso das minhas palavras.
― Sei que vamos encontrá-la, Adrian ― ela me disse acariciando minhas costas. ― Você merece
isso e Laura também.
Passei o que restou do dia com ideias surgindo e sumindo da minha mente. Eu me sentia inquieto
demais para ficar parado em casa e ao mesmo tempo não queria deixar meus filhos sozinhos. Nós
havíamos mentido que Laura estava viajando. Não tinha porque explicar a eles a verdade. Eles eram
pequenos e sofridos demais para compreender mais esse golpe do destino.
Quando a tarde caiu, eu não aguentei mais e fui até o estúdio. Alexander estava lá, com sua
bermuda velha, lixando a parede embora eu tivesse deixado bem claro que pagaria alguém que
fizesse o serviço.
― Sabe que não precisa fazer isso, não sabe? ― eu disse puxando uma das banquetas e sentando-
me nela.
― Eu preciso ocupar minha cabeça ou já teria enlouquecido ― ele confessou. ― Eu não consigo
parar de pensar que ela está por aí sozinha e eu estou aqui, vivendo minha vida como um imbecil.
Eu sabia exatamente como ele se sentia.
― Alex ― comecei, ― estamos fazendo tudo que podemos ― menti porque também queria
acreditar nisso.
― Acredita mesmo nisso? ― ele perguntou virando-se para mim.
Encarei o chão porque era mentira e mentir para Alexander era como mentir para mim mesmo.
Permaneci ali, em nosso pequeno silêncio, ouvindo o som da lixa na parede, enquanto jogava uma
bolinha de tênis insistentemente no chão e a pegava de volta.
Depois do que pareceu tempo demais, Alexander parou o trabalho e voltou-se para mim.
― Vai me dizer o que veio dizer ou vai fingir que está sem nada para fazer?
Deixei a bolinha quicar até a porta de correr.
― Você me acharia muito desequilibrado se eu dissesse que tenho pensado em procurar Jens Van
Hart? ― perguntei e diante da sua cara de espanto continuei. ― Não. Não é por causa de Laura ―
respirei fundo. ― Não sei Alex, talvez eu tenha sido leviano ouvindo apenas uma versão dos fatos.
Alexander sentou-se no chão, costas apoiadas na parede suja de pó. Deixou a lixa de lado limpou
as mãos na bermuda. Pensou. Pensou. E só depois do que pareceu tempo demais ele voltou os olhos
para mim.
― Acho que você tem que fazer o que sente que tem que fazer. Qual o problema de admitir um
erro? ― havia um brilho de satisfação em seus olhos claros. ― Gosto de ver esse cara aí ― apontou
para mim, ― de volta. Senti falta dele.
Sorri de canto e me levantei.
― É bom que não se esqueça que esse cara aqui ― eu disse sério, ― ainda acha uma besteira um
advogado famoso como você lixando paredes!
Alexander tentou arremessar a lixa contra minhas costas, mas o pedaço de papel perdeu o embalo
no meio do caminho.
Subi até meu quarto e tomei um banho. Vesti um jeans e uma camiseta. E desci a escada.
― Vai sair pai? ― John perguntou da sala.
― Uma saída rápida filho. Não se preocupe, negócios a resolver. Eu volto depois do jantar.
Ajude Martina com as crianças, por favor.
John assentiu e eu saí. Entrei no Porsche e disquei para o número mais improvável do mundo ―
Jens Van Hart.
Capítulo 24

Adrian

Estacionei em frente ao Jack’s pouco mais de dez minutos depois de desligar o telefone. Não era
algo fácil para mim. Não era nem de longe. Deixei a chave nas mãos do manobrista e segui para
dentro sentindo tantas coisas diferentes que eu nem sabia mais se queria entrar.
“Não seja covarde, Adrian” ― repeti várias vezes em minha mente.
Jens Van Hart estava debruçado sobre o mirante do bar. Não havia muitas pessoas ali. Eu podia
distinguir sua silhueta perfeitamente. Jens Van Hart, meu maior fantasma. Minha maior culpa. As
palavras dele, escritas nas cartas de Patrícia voavam em volta de mim como pequenos fantasmas,
fazendo-me pensar em muito mais coisas do que eu queria.
― Jens ― eu disse assim que me aproximei o suficiente.
― Olá Adrian ― ele me disse assim que se virou. ― Vejo que está melhor ― constatou porque
eu não usava a bengala.
― Nada como um dia após o outro ― respondi sem muito humor, escondendo meu nervosismo.
A verdade é que eu ainda sentia dor. Eu ainda precisava de apoio. Ainda não estava curado, mas
eu não iria encontrá-lo usando algo que me deixasse fraco. Eu precisava me sentir forte e a bengala
não ajudava muito. Era tolo, mas era a verdade.
Jens permaneceu em silêncio, esperando que eu iniciasse a conversa, uma vez que eu o havia
chamado.
― Vamos nos sentar ― eu disse caminhando até uma das mesas.
O Jack’s era um bar de cavalheiros. Clássico e muito famoso. O ambiente ficava sempre à meia
luz e muitos dos maiores negócios de Roterdã aconteciam ali.
Jens sentou-se do outro lado da mesa baixa. Nós não demos as mãos. Não era como se
pudéssemos nos tornar amigos ou coisa assim. Era uma pequena trégua e nada mais do que isso.
Peguei o caderno dentro do bolso interno da minha jaqueta e retirei a carta de Adele. Empurrei na
mesa entre nós até que ela parou bem próxima ao corpo de Jens.
Esperei que o garçom nos deixasse uma garrafa de uísque e servi uma dose em cada copo.
Jens pegou o papel, abriu sem dizer nada e correu os olhos por ele por algum tempo. Esperei
pacientemente, sorvendo pequenos goles da minha bebida. Depois de fechar cuidadosamente o
pedaço de papel, Jens o empurrou de volta para mim.
― Eu já tinha conhecimento disso ― ele me disse com a voz serena. ― Há alguns anos.
Minha vontade era gritar para ele porque diabos não tinha me contado que a safada manipuladora
havia enganado a nos dois, mas eu não iria dar a ele essa vantagem. Eu precisava ser controlado e
frio. Mostrar que isso não havia me abalado.
― Quando descobri ― ele continuou quando percebeu que eu não diria nada, ― eu quase
enlouqueci. Teria arrancado Patrícia do tumulo a unha, se ela ainda pudesse esclarecer qual era o
sentido disso tudo ― ele fez uma pausa. Deu um gole na bebida e soltou o ar dos pulmões com
calma, ― depois de refletir um pouco, percebi que não fazia diferença. Ela me enganou porque eu
permiti.
Engoli em seco a confissão dele porque era verdade. Era verdade para ele e era verdade para
mim ― nós havíamos caído no jogo dela porque permitimos. Éramos homens inteligentes,
manipulados por uma garota qualquer. Era mais demérito nosso, do que mérito dela. Nós permitimos.
― Patrícia era uma mulher inteligente ― ele continuou, ― sempre soube o que queria e eu fui
apenas um peão em seu jogo Adrian. Não posso mudar isso.
Eu me sentia como um peão também. Ter ficado com a garota não colocava em posição melhor.
Não era amor o que a fazia sempre voltar para mim. Pelo menos não era o tipo de amor que eu queria
receber dela.
― Por isso você voltou à Marselha ― constatei. ― Por que você sabia que a verdade.
Jens assentiu.
― Voltei a Marselha porque apesar de tudo o que eu sentia por ela sempre foi verdadeiro. Ela
havia me pedido que a deixasse viver o que restava de vida ao seu lado, ao lado dos filhos. Era um
pedido justo, por mais que me fizesse sofrer, eu dei a ela o que queria ― ele fez uma pausa e
suspirou. ― Eu faria qualquer coisa por ela.
Respirei fundo e dei mais um gole em minha bebida. Eu me sentia mal apesar de tudo. Sentia-me
mal por ele não ter o que eu tinha com Laura. Jens nunca havia superado a perda de Patrícia.
― Quando você soube de Collin? ― continuei porque essa era a outra parte que precisávamos
esclarecer. A pior de todas.
― Alguns meses atrás ― ele respondeu simplesmente.
Eu sabia que Alissa havia contado a ele. Laura e eu já havíamos conversado sobre isso. O que eu
não entendia era porque ele não havia procurado por Collin desde então. O que ele queria com o meu
filho?
― Não precisa se preocupar ― ele disse como se pudesse ler meus pensamentos, ― não vou
tentar tirar o menino de você.
Engoli o bolo que se formou em minha garganta. Não era o que eu esperava. Eu esperava algum
tipo de briga, desentendimento, acusação. Eu não estava preparado para ganhar sem luta. Eu estava
preparado para gritar, bater na mesa e sair de lá me sentindo um pouco melhor, porque eu não havia
me enganado e Jens era mesmo o filho da puta safado que eu havia idealizado em minha mente há
tanto tempo.
― Não entendo seu espanto ― Jens perguntou com um brilho desafiador em seus olhos. ― Pensei
que era o que queria.
― Não tenho problemas em brigar por ele ― respondi devolvendo o desafio. ― Não abriria mão
do meu filho.
― Exato! ― Jens disse. ― Ele é seu filho. Não é meu. Por mais que eu queira mudar o passado,
não posso. Não seria justo com o menino — desviei o olhar do seu. ― Sei que é mais fácil pensar
em mim como o monstro que destruiu sua bela família, Adrian Van Galagher, mas eu sinto informar
que não me enquadro bem nesse papel. Eu lutaria por ele, se isso fosse o melhor para ele. Eu sei o
que é crescer sozinho, sem saber em quem confiar, não vou fazer isso ao meu filho. Ele tem um lar
estável. Tem amor e cuidado. Não precisa de mim.
Os olhos de Jens estavam baixos, longe dos meus. Por mais que sua voz indicasse arrogância, seus
olhos eram tristes e sofridos. Eu podia sentir as palavras dele batendo contra meu rosto como tapas.
Era ainda pior do que ter que brigar por Collin.
Permanecemos em silêncio por mais tempo do que eu gostaria, mas eu não sabia como continuar a
conversa.
― Ele é feliz? ― Jens perguntou depois de algum tempo.
― Sim ― assenti. ― Collin é um bom garoto. Tem a vivacidade da mãe.
― E os olhos dela ― Jens completou.
― E os olhos dela ― concordei.
― Se era apenas isso ― Jens disse levantando-se, ― eu preciso ir. Minha vida não está
exatamente um mar de rosas no momento ― brincou, embora sério.
Levantei-me também, sem dizer nada. Coloquei uma nota de cinquenta embaixo do copo e Jens fez
o mesmo.
― Espero que tenha uma boa noite, Adrian ― Jens disse estendendo a mão.
Demorei um tempo para assimilar. Tudo que passava em minha mente era que Laura e minha filha
estavam desaparecidas. A tristeza de Jens só havia aumentado a minha. Eu não queria dividir meus
sentimentos com ele, mas seu jeito de encarar a situação havia me trazido toda a tristeza à tona.
― Desculpe ― ele disse assim que percebeu. ― Eu não quis ser insensível. Sinto muito. Eu
realmente não quis. Eu ― ele parecia não saber como consertar o que achava ter estragado.
― Tudo bem, não se preocupe ― respondi colocando minha mão na dele.
― Nenhuma notícia sobre Laura? ― ele perguntou pouco antes de soltar minha mão.
― Por enquanto não.
― Se tiver algo que eu possa fazer. Sei que não sou nem de longe sua primeira opção, mas se
precisar.
― Obrigado ― eu disse polidamente, enquanto tomava o caminho da saída.
Jens e eu não éramos amigos e não nos tornaríamos apenas porque Patrícia não prestava. Isso era
uma daquelas coisas que não podem ser mudadas, mas eu precisava confessar a mim mesmo que me
sentia mais leve depois de tudo.
Entrei no carro e dirigi pela cidade sem saber ao certo para onde ir. Eu precisava estar desabando
de cansaço para conseguir alguns minutos de sono. Tudo que eu pensava era que ela estava lá,
sozinha, precisando de mim. Parei em frente ao mirante em que eu a havia levado alguns dias antes,
quando estávamos vivendo nosso pequeno sonho.
Não desci do carro. Não precisava. Eu podia mirar o mar de onde estava. Deixei a cabeça se
chocar contra o encosto do banco de couro. Olhos perdidos no vai e vem da maré banhada pela lua.
Eu precisava fazer alguma coisa. Precisava parar de me lamentar e encontrar Laura. Eu tinha que dar
um jeito. Meu celular vibrou no bolso da jaqueta.
Peguei o aparelho e vi a mensagem de John piscando na tela.
“Pai, não precisa se preocupar. As crianças já estão na cama e eu estou indo também. Ah e só
para não esquecer. Se cuida pai, os pirralhos precisam de você”
Meu filho. Meu garotinho estava tão crescido que cuidava mais de mim do que eu, dele ― eu
precisava voltar a ser o pai dos meus filhos. Eles precisavam de mim.
Cheguei em casa pouco tempo depois. Subi a escada devagar. Hanna dormia tranquila em seu
quarto. Beijei sua bochecha e ajeitei o ursinho ao seu lado. Caminhei até o quarto de Collin e o vi
dormindo tranquilo, enrolado em seu cobertor azul. Dormindo ele parecia ainda mais bebê. Tão doce
e indefeso. Eu estava feliz em saber que não corríamos perigo. Eu não permitiria que ninguém
levasse meu menininho. Beijei sua testa e saí.
No quarto de John a porta estava entreaberta. Abri um pouco mais e o vi dormindo desajeitado na
cama. Fones de ouvido colocados, notebook aberto sobre os pés da cama. Sorri, ele se parecia tanto
com meu irmão. Eu via Lucian em John o tempo todo. Tão gentil e preocupado com tudo. Eu não
queria que meu filho carregasse essa carga tão pesada. Ele precisava começar a ser o adolescente
rebelde que deveria ser com os poucos anos que tinha. Eu estava feliz que em breve ele seria só mais
um universitário enchendo a cara e saindo com as garotas. Ele precisava disso.
Fechei a janela e puxei as cortinas. Desliguei o computador e tirei os fones de ouvido. John não
acordou ou fingiu que não acordou. Na dúvida, sussurrei um “eu te amo filho” perto do seu ouvido e
saí.
Quando caí na cama, apaguei de cansaço até a manhã seguinte. Acordei sentindo que um bonde
desgovernado havia passado por cima de mim.
Levantei, encarei o espelho por alguns segundos, até tomar coragem de me vestir e descer a
escada. Eu tinha que voltar a vida. Por mais que estivesse preocupado com ela, eu precisava deixar
de ser um fantasma porque meus filhos precisavam de mim. Eu precisava, mesmo que não soubesse
de onde tiraria forças para isso.
Tomei um banho rápido e vesti um dos meus ternos. Eu iria até o escritório e tentaria me manter
mais a par dos negócios. Eu precisava pesquisar um bom detetive particular. Meu pai não tinha
notícias, a polícia não tinha notícias, então eu teria que encontrar uma maneira de ter minhas próprias
notícias.
Desci a escada para encontrar tudo silencioso. As crianças já estavam a caminho da escola e tudo
parecia vazio demais, exceto pelo meu pai parado perto da janela, mãos cruzadas para trás,
encarando o dia lá fora.
― Bom dia ― eu disse antes que ele pudesse perceber minha aproximação.
― Bom dia, meu filho ― ele respondeu assim que me viu. ― Precisamos conversar.
Senti todo o sangue fugir do meu rosto. Algo em seu olhar preocupado me fazia crer que ele tinha
notícias, mas que elas não eram tão boas assim.
Alexander parou no degrau em que estava sem conseguir continuar.
― Um dos meus homens ― meu pai começou, ― seguiu dois meliantes conhecidos por
realizarem serviços sujos. Eles fizeram compras suspeitas pela cidade.
― O que mais? ― perguntei nervoso. ― Algo que os ligue à Laura? Alguma pista? Onde estão
abrigados? Pelo amor de Deus pai, qualquer coisa! Eu contrato quem quer que seja. Pago quanto for
necessário! Quero minha mulher de volta!
― Eles seguiram para a mansão de Jens Van Hart ― foi tudo que ouvi.
Tudo que meu pai disse depois disso pareceu como se tivesse sido dito em outra realidade para
mim. Eu estava dentro de algum tipo de bolha, sentindo o mundo desabar ao meu redor. Ele estava
com ela! Ele estava com ela! Toda aquela conversa sobre não ser um monstro, era na verdade outra
manipulação. Ele estava com ela o tempo todo, enquanto bebia comigo e se lamentava pela sorte que
teve.
Respirei fundo buscando o pouco de lucidez que eu poderia conseguir no momento. Peguei a
chave do Porsche e arranquei em direção à porta.
― Adrian! ― Meu pai gritou. ― Você não pode ir até ele! É perigoso! Ele pode matá-la!
― Adrian ― Alexander gritou, ― seu pai tem razão. Pelo amor de Deus, homem! Não seja
maluco! Se Jens está com ela acha que vai confessar a você?
Era um ponto a se considerar. E havia uma pequena parte de mim que concordava com eles, mas
essa parte era tão pequena. Tão pequena, que estava suprimida pela grande parte que queria arrancar
os olhos de Jens Van Hart e só depois pensar.
Entrei no carro e dirigi para o único lugar que eu precisava no momento. Parei em frente ao
escritório de Jens e subi sem esperar ser anunciado. Eu não me importava que chamassem os
seguranças ou que fizessem qualquer coisa. Eu queria mesmo um escândalo. Eu queria desmascarar o
filho da puta publicamente o mais rápido que pudesse.
Abri a porta da sala dele sob os protestos da secretária e segui para cima de Jens Van Hart sem
pensar muito no que fazia. Ele parecia assustado e sem reação diante do meu rompante de fúria. Eu
não me importava, tudo que eu queria era causar dor. Muita dor a Jens Van Hart.
Segurei minha bengala de metal com as duas mãos e prensei Jens contra a parede, usando o peso
da bengala sobre seu pescoço, forçando mais e mais, vendo sua pele clara se tingir de vermelho.
― Ficou maluco! ― Ele disse baixo demais, a voz saindo entrecortada. ― O que acha que está
fazendo.
― Onde ela está? ― gritei. ― Onde?
― Quem? ― Ele tentava dizer. ― Você enlouqueceu? Eu não sei do que está falando!
― Onde? ― repeti mais furioso. ― Onde ela está? Achou que eu não descobriria? Seu verme
desgraçado! Onde você a está mantendo?
Eu podia ver pequenas veias de sangue se formarem nas órbitas claras de Jens. Ele piscava,
piscava e parecia querer recobrar a consciência, mas eu não afrouxei o aperto até os seguranças me
arrancaram de cima dele.
Meus braços estavam presos para trás, um por cada segurança, em uma posição dolorosa, mas eu
não vacilei.
― Onde ela está? Acha que vai conseguir mantê-la presa por quanto tempo? Seu calhorda! Verme
filho da puta! Você é um câncer!
Jens arrumava a gravata, apoiando uma das mãos contra o encosto da cadeira. Parecia abalado
demais.
― Eu não faço ideia do que você está falando! ― ele disse ainda recuperando a compostura ―
Patrícia está morta! Morta! Você enlouqueceu? Você mesmo a enterrou!
― Laura! ― esbravejei. ― Laura! Não Patrícia, Laura!
Jens cerrou os olhos, pensando por um momento. No instante seguinte sacudiu os braços para que
os homens me soltassem.
― Sr. Hart nós deveríamos entregá-lo a polícia! ― Um deles disse. ― Isso foi uma tentativa de
assassinato! Se não tivéssemos chegado a tempo, ele teria matado o senhor.
― O Sr. Galagher vai se comportar como o cavalheiro que é Hudolf ― Jens disse. ― Não vai,
Sr. Galagher? ― perguntou mirando meus olhos. ― Ele se descontrolou. Apenas isso. Estou certo,
Adrian?
Assenti ajeitando meu terno.
― Obrigada pela preocupação, mas vocês já podem ir ― Jens disse mexendo as mãos em direção
a porta — indicou uma das cadeiras do outro lado da sua mesa para que eu sentasse. Sinceramente,
depois do rompante de ódio, eu sentia mesmo que precisava me apoiar em algo, mesmo assim,
permaneci em pé, escorado em minha bengala. ― Ficou maluco? Por que acha que eu estou com
Laura? ― ele perguntava como se o que eu havia dito fosse um absurdo. ― É cada maluco que me
aparece! ― Praguejou. ― Devo ter algum tipo de imã para isso, não é possível.
― Não se faça de desentendido! ― Cobrei. ― Eu sei que você está com ela! Sei que seus
capangas a estão mantendo em algum lugar. Eu vou descobrir Jens e quando eu descobrir a bengala
será o menor dos seus problemas.
― Jesus, Adrian! De onde você tirou que eu seria capaz de fazer mal a uma pobre garota grávida!
Eu sei que não sou o mais santo dos homens, mas isso é ir longe demais! Pelo amor de Deus, homem,
de onde você tirou isso.
Respirei fundo. Ponderei minhas possibilidades ― eu não mesmo porque esconder mais nada
dele.
―Viram dois capangas, bandidos conhecidos no submundo, indo e vindo da sua mansão. Eles
fizeram compras suspeitas. Roupas femininas, comida, artigos de emergência, coisas para bebês.
Jens bateu a mão na mesa como se eu só dissesse bobagens.
― Eu não vou aquela maldita mansão há quase um ano! ― Disse acendendo um cigarro.
De repente, seus olhos azuis se acenderam.
― Alissa! ― Ele disse e eu fiquei sem entender.
― O que Alissa tem com isso? ― perguntei.
― Ela está na mansão.
― Na mansão da sua família? ― perguntei ainda sem entender.
― É uma longa história, mas isso não vem ao caso agora ― ele disse balançando a cabeça de um
lado para o outro. ― Aquela desgraçada maldosa! Ela está com Laura!
Ele pegou um molho de chaves na gaveta e ia deixando a sala sem me explicar nada.
― Aonde você vai? ― cobrei.― Acha que vou ficar aqui e esperar?
― Eu vou descobrir onde aquela desgraçada está mantendo Laura ― ele disse caminhando rápido
até o elevador.
― Eu vou com você ― reclamei entrando com ele no elevador.
― Não, você não vai. Se você for, ela pode se assustar e fazer alguma bobagem. Eu vou ver o
consigo descobrir e conto a você antes de tomar alguma atitude.
Eu não estava bem certo de que essa era a melhor opção.
― De maneira alguma. São minha mulher e minha filha! Eu vou com você. Além disso, eu nem sei
se confio em você ― reclamei.
Jens parou o elevador apertando um botão.
― É o seguinte, Adrian Van Galagher, ou você dá o braço a torcer e entende que não pode
resolver tudo com socos e empurrões, ou eu desisto de ser um cara legal e tentar ajudar você! Eu juro
que compro uma passagem para Marselha e deixo Alissa fazer o que quer que ela pretenda com
Laura, apenas para que você tenha que engolir seu maldito orgulho! Seu filho da puta arrogante!
Estreitei os olhos. Mãos cerradas em punho, controlando minha vontade iminente de quebrar os
dedos na cara de Hart. Fechei os olhos e pensei por alguns instantes ― eu já havia perdido Laura
uma vez por ser impulsivo.
― Eu vou com você ― comecei, ― mas fico no carro. Entenda, eu não tenho muitas razões para
confiar em você.
Jens fungou, soltando o ar dos pulmões de uma única vez. Eu torcia para que ele entendesse meu
ponto.
― Ok! Você vem comigo ― ele disse liberando o elevador para descer, ― mas eu não quero um
piu da sua parte. Uma única palavra mal colocada e deixo você e a sua maldita bengala no meio da
rua. Combinado?
― Combinado.
Capítulo 25

Laura

O dia amanheceu sem que eu conseguisse sequer pregar os olhos. Eu estava cansada, dolorida,
nervosa, mas era mais que isso. Eu estava estranha. Sentia-me mal fisicamente. Minha cabeça
latejava e eu me sentia um pouco tonta mesmo levantando bem devagar.
Steve trouxe meu café da manhã, como em todos os dias em que eu estive trancada em minha torre,
mas dessa vez, eu não quis comer. Eu sabia que precisava, mas a comida não parecia querer descer.
Eu até tentei insistir e tomar um pouco do suco, mas assim que o líquido atingiu meu estômago, voltou
com o que havia sobrado do jantar anterior.
Deitei na cama e me encolhi o máximo que pude. Eu não sabia se era cansaço, depressão ou os
dois, mas nada parecia me animar. Eu sentia como se não fizesse mais sentido lutar.
Quando abriram minha porta, não era mais Steve, o cara legal; era Boke, o que havia me golpeado
na cabeça. Ele entrou em silêncio e colocou o prato de comida sobre a penteadeira. Ficou ali,
parado, me encarando de volta por alguns segundos.
― Você não comeu nada, moça ― ele constatou e eu não respondi. ― Olha eu não entendo muito
de gravidez, mas acho que você deveria comer algo.
Ele permanecia me encarando, então me senti na obrigação de responder.
― Não estou com fome ― eu disse simplesmente e encolhi mais na cama.
― Mas você precisa ― ele insistiu, ― olha, é macarrão com queijo.
Eu não queria o macarrão. Não queria o café da manhã e não queria Boke me questionando. Eu
queria só dormir e dormir até acordar em minha casa, em minha cama, com minha filha comigo.
Boke caminhou para mais perto da cama.
― Olha, se você quiser outra coisa, eu posso ver se consigo ― ele disse meio sem jeito, meio
querendo parecer legal.
Respirei fundo, ainda sem dizer nada. Antes que eu pudesse responder a dor veio forte e profunda,
eu me agarrei aos cobertores e fechei os olhos sem conseguir fingir o que estava acontecendo.
― Moça? ― Boke chamou, mas eu não consegui responder. ― Moça? ― insistiu, ― você quer
um remédio para dor? ― perguntou colocando a mão sobre a minha.
Sacudi a cabeça porque eu não queria nada.
― Olha ― ele continuou, ― eu vou fazer um chá para você e trazer com um comprido, ok?
Ele não esperou minha resposta, saiu do quarto tão rápido que eu não tive reação.
Aproveitei que Boke havia saído e resolvi levantar e tentar tomar um banho. Talvez a água morna
me ajudasse a diminuir a dor. Levantei com cuidado e caminhei pelo tapete felpudo, mas antes de
chegar ao fim dele, algo inesperado aconteceu. Eu senti algo estranhamente se romper e então foi
como se um balde de água saísse de dentro de mim.
Encarei o tapete e meu pijama, ambos molhados com aquele líquido amarelado estranho e tive
certeza ― havia mesmo chegado à hora.
Boke abriu a porta no instante seguinte, com uma xícara nas mãos. Seus olhos correram de mim
para o tapete e de volta para mim e eu senti todo o sangue gelar em minhas veias. Se ele chamasse
Alissa. Se contasse para alguém, eu teria poucas horas de vida e não poderia nem mesmo aconchegar
o meu bebê nos braços.
Encarei Boke com todo o desespero que eu sentia, tentando fazê-lo compreender o que eu não
ousava dizer.
― Ah meu Deus, moça! ― Ele disse mais baixo do que eu esperava e correu até mim. ― Vêm!
Você precisa se sentar. Está tudo bem?
― Eu ― não conseguia completar a frase, ― eu ― tinha medo de continuar. ― Eu acho que
minha bolsa estourou ― disse por final, porque não era algo que eu pudesse mentir.
― Eu sei disso, moça. Já vi isso acontecer. Minha mãe pariu uma criança em casa ― explicou. ―
Sente-se aqui ― continuou puxando a cadeira da penteadeira e me ajudando a sentar — as lágrimas
vieram no instante seguinte. ― Não chora moça ― Boke disse pegando uma toalha do banheiro e
colocando sobre o tapete, ― vai ficar tudo bem. Olha, isso é natural, sabe? Os bebês nascem assim.
Fica calma.
Eu não conseguia ficar calma. Não tinha nada a ver com o medo de parir. Eu não tinha medo
disso! Eu tinha medo do que viria depois. Eu não queria o depois. Eu não podia nem sequer pensar
em entregar meu bebê para Alissa. Minha garotinha. Minha garotinha tão amada e tão esperada
acabaria nas garras daquela maluca e eu não estaria presente para lutar por ela.
― Ela vai me matar! ― Choraminguei. ― Vai me matar e roubar o meu bebê.
Eu não queria chorar para Boke. Não achava que adiantaria de qualquer maneira, mas não
consegui controlar. Para minha surpresa, o gigante ajoelhou-se em minha frente, secando minhas
lágrimas com as costas das mãos. Seus olhos claros eram gentis.
― Ah moça! ― Ele reclamou. ― Juro que se eu pudesse...
― Me ajuda Boke? ― implorei. ― me ajuda a fugir. Olha, eu faço o que for preciso. Eu pago. Eu
dou um jeito. Eu não vou denunciar. Eu só quero sair daqui com a minha garotinha.
Boke pensou por um tempo, ele piscava e piscava, e eu podia perceber sua luta interna. Boke era
diferente de Steve. Ele era grande e impulsivo, mas tinha algo de realmente bom dentro dele. Ele não
fingia que era bom, ele era.
― Por favor ― insisti no momento exato em que outra contração me assolou.
Boke respirou fundo.
― Olha moça, acho que não dá tempo, sabe. Nós estamos bem longe da cidade, mas vou ver o que
consigo fazer, ok? Venha cá.
Ele me puxou pela mão e seguimos para fora do quarto. Eu mal conseguia andar. Sentia como se
minhas pernas estivessem soltas, deslocadas de alguma maneira, mas eu precisava correr. Quando
estávamos no meio da escada, senti minhas pernas falsearem, agarrei em Boke para não cair.
― Não consigo ― eu disse sem emitir som.
Boke me pegou nos braços com cuidado e correu escada abaixo comigo, enquanto eu me contorcia
de dor. Eu podia assentir que ia acontecer. Ia mesmo acontecer, minha filha estava nascendo.
Quando passamos pela sala, eu pude ouvir gemidos e sussurros sexuais. Boke fez sinal para que
eu ficasse em silêncio e eu obedeci. Saímos por uma pequena porta localizada em um corredor.
― Eu vou deixar você no celeiro ― ele me disse, ― e vou buscar o carro.
― Eu vou com você ― pedi ― eu posso tentar andar.
― Moça, você não vai conseguir. Não dá para parar essas coisas ― ele disse sem jeito. ― Eu
vou voltar, prometo. Eu vou dar um jeito de tirar você daqui. Aqueles dois vão demorar lá dentro,
acredite — eu podia ver a vergonha e a frustração no rosto de Boke. ― Ele acha que eu sou idiota ―
continuou enquanto caminhava a passos largos pelo quintal da fazenda. ― Eu não sou. Eu não sou
idiota — eu não achava mesmo que ele era. Ingênuo? Talvez um pouco, mas era parte do que ele era.
― Olha, me desculpa por ter batido em você ― ele continuou com um sorrisinho sem jeito no rosto.
― Eu não sabia como fazer você ficar quieta. Eu não sou muito bom com mulheres.
Sorri meio sem querer.
― Não tem problema ― eu disse acalmando-o. ― O que você está fazendo por mim agora. Eu
nem sei como agradecer.
Boke entrou em um celeiro e me caminhou até o fundo. Havia cavalos ali, presos em baias. Boke
empurrou uma das portinholas com o pé. Havia uma égua branca com manchas marrons no lugar.
― Eu vou deixar você com a Pearl ― Boke continuou ajeitando um pano em cima do monte de
feno no canto da baia e me colocando sobre ele. ― Ela é boazinha e assim você fica escondida, ok?
Eu vou sair um pouco e já volto.
Assenti porque não havia nada que eu pudesse fazer. Boke era minha melhor opção de sair
daquele lugar.
Ele me deixou e fechou a porta da baia. Eu me ajeitei no monte de feno o mais confortável que
pude. O pano cheirava a cavalo, mas não era um cheiro ruim, era limpo e confortável. Era o cheiro
da liberdade. Quando a próxima contração veio, fechei meus olhos e segurei o grito que veio até
minha garganta. Eu não podia fazer barulho. Não podia assustar a tal Pearl. Eu não estava
familiarizada com cavalos e tinha medo que se ela se assustasse, acabasse pisoteando a mim e ao
meu bebê.
Antes que pudesse abrir os olhos, senti um roçar de leve em meus cabelos e quando os abri, Pearl
me encarava do alto. Seus olhos grandes eram gentis e amorosos para mim. Sorri, acariciando de
leve a lateral do seu focinho.
Ficamos em silêncio, Pearl e eu, esperando que Boke cumprisse sua promessa e voltasse. De
repente, bem ao fundo, sons de pneus e freadas de carro me deixaram alerta, mas o que veio a seguir
fez minha esperança se esvair como água no asfalto quente. Tiros. Um e outro e mais outro. Eu não
queria pensar no que havia acontecido. Tinha medo do que quer que fosse e sentia culpa por Boke.
― Onde ela está? ― Steve gritou ao longe ― Onde? Acha que eu não mataria você? Seu monstro
estúpido! Eu não preciso de você! Eu vou encontrá-la!
Encolhi em meu lugar sem saber o que fazer. Pearl estava em minha frente, tapando minha visão
da portinhola, como se pretendesse me proteger. Quando o próximo tiro ecoou, eu soube que meu
salvador havia me deixado. Fechei os olhos e rezei por Boke. E rezei por mim também ― era só uma
questão de tempo e eu acabaria nas garras de Alissa.

Adrian

Jens seguiu para o subúrbio de Roterdã. Eu não conhecia muito do subúrbio, mesmo nos maus
tempos, eu e Alexander havíamos morado mais perto do centro.
― Você tem negócios por aqui? ― resmunguei mesmo que tivesse prometido que ficaria em
silêncio.
― Eu tenho negócios por toda a Holanda, Galagher ― ele respondeu, ― e antes que pense que
faço algo de ilegal, eu quero dizer que, mesmo que não seja da sua conta, eu me preocupo em saber
como vivem meus empregados e muitos deles vivem por aqui.
Não disse mais nada. Cruzei os braços sobre o peito e esperei.
Jens desceu do carro e entrou no prédio de uma antiga indústria pesqueira. Eu fiquei ali, sentado
no maldito banco de couro do carro dele, embora tudo que eu quisesse era ir junto, eu não podia
arriscar perder o pouco de ajuda que eu tinha.
Meu coração estava apertado, dolorido, culpado. Eu não conseguia desligar meu pensamento uma
única vez. Tudo que eu sabia era que havia algo de errado. Ela precisava de mim e eu sabia que
precisava. Por mais estúpido que pudesse parecer, eu sabia.
Alguns minutos depois, Jens abriu a porta e saiu.
― Descobriu algo? ― perguntei.
― Olha Galagher ― Jens começou, ― eu vou contar a você, mas você precisa me prometer que
vai conseguir trabalhar comigo. Eu não quero envolver a polícia nisso agora porque eles fariam tanto
alarde que estragariam tudo. Eu não posso arriscar ― ele disse tirando uma pistola 9mm de dentro
do bolso do casaco. ― eu vou deixar essa arma com você e vou confiar que você não fazer nenhuma
estupidez.
Eu escutava e escutava e meus olhos estavam no pedaço de metal reluzente nas mãos de Jens Van
Hart. Eu não tinha problemas com armas. Eu sabia atirar. Eu tinha problemas com Jens Van Hart e
com o que ele pretendia fazer. Eu não queria expor Laura a nenhum tipo de risco.
― Alissa está com Laura ― Jens continuou. ― Nós vamos surpreendê-la e resgatar sua mulher.
Alissa tem metade da polícia em suas mãos. A chance de avisarmos a pessoa errada é grande demais.
Concordei porque ele tinha razão. Eu não podia expor Laura a nenhum outro risco. Não havia
muito mais que eu pudesse fazer além de concordar com o plano de Jens e rezar para dar certo.
Seguimos pela E-34 em direção a Gent. Eu não sabia exatamente para onde íamos.
― Minha família tem uma fazenda perto de Gent ― Jens disse como se pudesse ler meus
pensamentos. ― O lugar está quase abandonado. Eu não vou até lá desde que meus pais morreram.
Pelo que tudo indica, foi para que Alissa levou Laura.
Pensei por alguns instantes.
― E por que Alissa tem acesso a tantas propriedades suas? Pelo amor de Deus homem, você não
coloca portões em suas propriedades?
Jens respirou fundo, ignorando meu sarcasmo.
― Porque eu me casei com ela ― ele disse por fim. ― Porque foi sua condição para me dizer
que o garoto era meu filho. Ela é uma desgraçada maluca e bandida, mas eu sou um homem de
palavra. Disse que casaria e casei.
― Jesus! ― Foi tudo que eu consegui dizer.
Casar-se com Alissa Van Helst já era castigo suficiente para o pobre homem.
Escondemos o carro próximo a algumas árvores grandes. O lugar era quase descampado o que
dificultava que pudéssemos chegar mais perto com o carro. Poucas árvores grandes circundavam uma
bela casa de fazenda antiga. O lugar parecia vazio, embora dois carros estivessem estacionados no
terreno. Um era um esportivo de luxo e o outro, um furgão preto.
― Vamos ― Jens disse abrindo a porta. ― Você consegue andar? Quer esperar aqui? Porque se
eu tiver que me preocupar com você já aviso que vou deixá-lo no meio do mato.
― Eu consigo ― disse ignorando seu sarcasmo também.
― Ótimo.
Seguimos nos esgueirando pela vegetação. Eu sentia minha perna ruim fisgando em momentos
cada vez menos dispersos, mas eu precisava conseguir. Precisava conseguir por Laura e pela minha
filha.
― Maldito acidente! ― Praguejei.
Jens voltou os olhos para mim e ergueu uma sobrancelha.
― Você pode ficar por aqui se quiser ― ele me disse. ― Eu continuo sozinho.
― Eu consigo ― repeti.
Seguimos mais adiante, até perto do terreno onde os carros estavam. Eu sentia toda a minha perna
queimar. Era tão insuportável que comecei a mancar sem querer. Eu me escorava nas árvores e nos
arbustos, até que escorei em um pequeno demais e acabei desabando de joelhos no chão. Fechei os
olhos e me contorci de dor, sentindo como se algo se rompesse dentro da minha perna.
Jens parou e me ajudou a sentar.
― Tudo bem? ― ele perguntou sem sarcasmo no olhar.
Assenti tentando afastar a careta de dor.
― Adrian ― ele me disse com a voz calma, ― eu sei que você quer muito salvá-la. Acredite, eu
entendo, mas se você não conseguir e tiver que ajudá-lo, vamos ter menos condições de ajudá-la —
eu o fitava sem querer aceitar, embora meu lado racional concordasse com ele. ― Eu vou fazer o
melhor que puder ― ele disse com os olhos azuis fixos nos meus. ― Juro pelo amor que senti por
Patrícia, que vou salvar Laura. Eu não pude proteger a mulher que amei, não quero que você sinta o
que eu senti. Não seria justo. Eu não lavaria minha alma com o sangue de dois inocentes. Eu prometo
que vou cuidar dela, mas eu preciso que fique aqui ― e completou, ― você precisa confiar em mim.
Eu sabia que precisava, embora não quisesse. Respirei fundo, sentindo-me impotente e fraco.
― Fique aqui e ligue para Alexander. Avise-o sobre tudo e peça que procure pelo Stone na
delegacia. Diga a ele que não fale com ninguém além do Stone. É o único em quem eu confio. Stone
dará um jeito de vir e vamos conseguir. Posso contar com você? ― Jens perguntou.
― Eu a amo mais que a mim mesmo ― confessei. ― Sei que cometi muitos erros, mas eu não
posso viver sabendo que a deixei morrer assim.
Eu torcia para que Jens compreendesse o que eu não conseguia explicar.
― Vou trazê-la de volta para você, eu prometo ― ele me disse.
Assenti e Jens se foi. Peguei o telefone no bolso e disquei o número de Alexander.
― Alex eu sei onde Laura está ― comecei, ― preciso de ajuda.
Capítulo 26

Laura

― Onde está aquela desgraçada? ― ouvi Alissa xingar.


― Eu não sei, mas vamos encontrar! Ele não a levou muito longe, era imbecil demais para ter
conseguido ― Steve respondia em meio a latidos e uivos de cães de caça. ― Nós vamos encontrá-
la, não se preocupe.
― Eu quero meu bebê! ― Alissa gritava mais alto que os cães e os deixando ainda mais
nervosos, ― e faça esses demônios se calarem!
― Eu não sei como fazer isso! ― Steve retrucou. ― Quem se dava bem com esses imbecis era o
Boke! Mesmo nível intelectual ― debochou e Alissa riu com ele como uma hiena.
Eu podia sentir minha filha empurrando cada vez mais contra meus ossos pélvicos, mas eu me
negava a fazer força e vê-la nascer para ficar com Alissa. Reprimi mais uma contração, fechando os
olhos e apertando minhas mãos contra o monte de feno. Foi nesse exato momento que outro tiro
ecoou. E mais outro e outro.
Eu ouvi o grito de Alissa, mas não consegui entender exatamente o que estava acontecendo. Os
cães latiam mais forte como se estivessem a um passo de pular em cima de quem que fosse. Meus
olhos encontraram os olhos de Pearl e até a égua calma, parecia apreensiva demais.
Fechei os olhos e rezei. Rezei e rezei como nunca havia rezado na vida. E desta vez quando a dor
veio, não consegui segurar e acabei soltando um grito de desespero e depois tudo escureceu.
― Laura? ― alguém chamava lá no fundo da minha consciência. ― Laura?
Eu não conseguia responder. A voz parecia tão distante. Tão suave. Eu sentia um sono tão grande.
Tão gostoso que não queria lutar contra ele.
― Laura? Laura? ― a voz foi ficando mais perto.
― Hum ― grunhi porque não tinha forças de responder.
Pearl se agitou mais e mais e quando a portinhola da baia se abriu ela relinchou.
― Hey garota ― uma voz conhecida falou, ― como você cresceu! Lembra-se de mim, não
lembra?
Eu tentava focar minha visão, mas tudo que eu via era um borrão. Eu conhecia o dono da voz, me
sentia segura com ele por perto, mas minha mente não conseguia se focar em quem era.
― Ah meu Deus, Laura! ― A voz gritou bem perto e então eu consegui abrir um pouco os olhos,
piscando devagar. ― Laura! ― Ele chamava dando tapinhas em meu rosto. ― Laura! Laura! Você
precisa ficar acordada.
Jens. Jens Van Hart ― o nome veio surgindo em minha mente devagar.
― Jens ― eu chamei tão baixo que nem eu mesma sabia se havia emitido algum som.
― Sim! Sou eu. Eu estou aqui, Laura ― ele confirmou deixando minha cabeça um pouco mais
alta, recostada sobre uma cela de cavalos. ― Eu vou ajudar você, mas você precisa confiar. Eu vou
fazer o melhor que puder — assenti de leve, mais com um tremer de pálpebras do que qualquer outra
coisa. ― Você já perdeu muito sangue ― ele afirmou. ― Eu não vou poder removê-la antes de o
bebê nascer — eu já previa. Antes de apagar eu havia sentido algo mais pesado e pegajoso escorrer
pelas minhas pernas. ― Vou ter que tirar sua calça, ok? Não se preocupe com nada, vamos dar um
jeito.
Assenti mais uma vez porque eu não tinha mais forças para negar e qualquer coisa era melhor do
que Alissa.
Jens puxou minha calça com cuidado. Ajeitou minhas pernas um pouco separadas e flexionadas e
me cobriu com seu blazer.
A dor veio forte e eu sabia o que tinha que fazer. Todas nós sabemos, pelo menos em teoria, o que
precisa ser feito, mas eu não conseguia. Eu tentava empurrar, mas minhas pernas tremiam e nada
acontecia.
― Você precisa empurrar querida ― ele disse suavemente, segurando minha mão. ― Vamos
fazer isso juntos, ok? Eu vou apoiar suas pernas e você vai empurrar quando estiver pronta —
assenti, embora eu não tivesse certeza de que daria certo.
Na próxima vez em que a dor veio forte eu apoiei as mãos nos joelhos que estavam amparados
pelas mãos de Jens e empurrei tão forte que podia sentir o pouco de forças que eu ainda tinha se
esvair entre as minhas pernas.
― Isso Laura! ― Jens disse com um sorriso enorme nos lábios. ― Assim! Eu já consigo vê-la!
Ouvir isso me deu ânimo e forças para continuar. Eu não tinha certeza de que conseguiria, mas por
ela, eu iria tentar.
Quando a dor veio novamente eu repeti a ação, segurando em meus joelhos e contando com a
ajuda de Jens.
Eu estava tão concentrada que não percebi os passos mais e mais perto, mas quando foquei seu
rosto, parado em frente à portinhola da baia, todo o meu corpo se animou a continuar. Ele estava ali.
Ele estava por mim, por nós. Ele iria nos proteger. Iria cuidar de nós. Meu príncipe encantado, enfim,
havia me encontrado na torre.
― Ah meu Deus! ― Adrian gritou entrando como uma rajada de vento e se posicionando atrás de
mim.
Alexander foi o próximo rosto que eu vi.
― Wow! — Ele disse e em seguida virou o rosto. ― Sério, eu não estava preparado para isso ―
brincou, mas eu sabia que no fundo ele só queria me animar.
Adrian ajeitou-se atrás de mim, ajudando-me a escorar as costas e dando-me suas mãos como
apoio para empurrar nossa filha para a vida.
― Alexander ― Jens disse limpando as mãos sujas de sangue na camisa branca, ― entre na casa
e encontre algo para cortar o cordão. Se não achar álcool tem bebida no bar na sala, esterilize o que
encontrar e traga toalhas. Laura perdeu muito sangue.
Alexander não questionou. Não perguntou. Apenas saiu com a mesma velocidade em que havia
chegado. Meus anjos da guarda estavam todos comigo. Tudo que eu conseguia pensar era que se eu
morresse naquela hora, minha filha estaria segura.

Adrian

Minha filha estava nascendo. Minha filha realmente estava nascendo e eu estava acompanhando.
Não era como nas outras vezes em que estávamos em um hospital e eu via tudo acontecer sentado em
uma cadeira confortável, enquanto uma equipe médica auxiliava Patrícia a dar a luz aos meus filhos.
Era muito mais profundo. Eu estava participando. Estava ao lado de Laura de verdade. Estava
segurando suas mãos trêmulas e rezando para que ela tivesse forças para continuar.
― Vamos amor, você consegue ― sussurrei da última vez em que ela sentiu uma contração. ―
Você está indo muito bem, amor. Muito mesmo. Falta pouco.
Eu a encorajava, mas era por amor e por esperança de que ela conseguisse, porque a quantidade
de sangue que manchava a manta da égua me deixava desesperado. Não era normal. Eu sabia disso,
eu havia participado de outros três partos. Algo não estava bem, mas eu precisava que ela
acreditasse que estava.
Um segundo depois, meus olhos encontraram os de Jens. Mãos sujas do sangue de Laura,
ajoelhado em frente a suas pernas afastadas, lutando com nem sei que coragem para ajudar minha
filha a nascer.
Ele não disse nada, mas eu podia ver que, como eu, Jens sabia que algo não estava bom.
― Vamos Laura ― Jens chamou, ― só mais uma vez e vamos conhecer sua garotinha.
Laura obedeceu. Os olhos estavam com círculos escuros em toda a volta. Mãos trêmulas e
geladas. Cabelo grudado na testa de tanto suor, mas ela obedeceu ― minha garota forte.
Quando o choro ecoou pelo estábulo, Jens e eu sorrimos, mas o sorriso de Laura era o mais
radiante de todo o mundo. Ela havia conseguido. Havia feito a filha nascer e seus olhos diziam que
todo o esforço havia valido a pena. Alexander chegou no momento seguinte. Passou uma tesoura para
Jens. Eu queria acalmar Laura, aconchegá-la.
Apertei-a junto a mim e beijei seu rosto.
― Você foi muito bem amor. Estou orgulhoso de você.
Ela não disse nada. Apenas sorriu. Um sorriso cansado e cheio de amor, enquanto Jens
embrulhava nossa filha em uma toalha limpa e a entregava a Laura.
Alexander ajudou Jens a limpá-la e a secá-la e então nós ouvimos o som da ambulância se
aproximando.
― Aqui! ― Alexander gritou indo em direção a saída. ― Ela está aqui! ― Repetiu.
― Amor ― Laura me chamou baixinho. ― Promete que cuida dela? ― pediu e eu senti meu
coração apertar.
― Nós vamos fazer isso juntos, amor. Não se preocupe. O socorro chegou.
Eu não queria que ela desistisse. Eu queria que tentasse mais, que conseguisse. Queria que ela
vencesse porque eu não estava preparado para abrir mão dela.
― Promete? ― ela insistiu com os olhos marejados.
― Prometo. Não se preocupe ― concordei beijando seus lábios devagar.
Laura entregou a mim o pequeno pacotinho e caiu de exaustão. Eu fiquei ali, segurando aquele ser
humano tão pequeno e frágil que movia as mãozinhas sem parar, enquanto uma dupla de enfermeiros
a pegavam e colocavam sobre uma maca de armar. Ela se foi para longe de mim tão rápido que eu
mal consegui acompanhar.
― Eles vão cuidar Adrian ― Alexander me disse, mas parecia tão longe que eu me sentia em uma
realidade diferente. ― Não se preocupe que tudo ficará bem.
Eu não respondi. Caminhei para junto de Laura o mais rápido que pude. Enquanto caminhava com
o bebê ainda nos braços para junto dela, avistei o corpo caído de Alissa. Ela estava de costas,
cabeça afundada sobre uma poça de lama, imóvel e com o vestido azulado tingido de sangue. Lama.
Ela estava exatamente onde deveria estar. Na lama. Jogada ao chão para não ser mais do que uma
poça inútil de sujeira.
― Nós ficamos com o bebê senhor ― um dos enfermeiros me disse estendendo as mãos.
― Posso ir com elas? ― pedi. ― Sou o pai e marido. Não quero deixá-las sozinhas.
O garoto pensou por alguns segundos e em seguida soltou o que pareceu ser um sorriso discreto.
― É claro. O senhor pode nos acompanhar sim.
Entrei na ambulância, na parte de trás. Sentei em um espaço de metal e segurei em uma alça no
teto, enquanto um dos enfermeiros colocava uma máscara de oxigênio em Laura e outra em minha
filha. Eu me sentia fraco e impotente, vendo duas pessoas que eu amava em perigo de uma única vez.
― Já deram um nome à pequena? ― o enfermeiro me perguntou enquanto colocava um tipo de
grampo no umbigo dela.
― Ainda não ― confessei. ― As coisas ficaram tão complicadas. Acabamos não escolhendo.
― Então vou chamá-la de florzinha ― o garoto brincou enquanto a embrulhava em panos limpos.
― Acho que combina perfeitamente com ela.
Sorri porque ele tinha razão.
― Bem Florzinha ― ele continuou, ― você tem pouco mais de dois quilos e quarenta
centímetros. É uma garotinha pequena, mas isso se resolve com alguns meses.
Sorri novamente, apaixonado pela minha pequena florzinha. Ela tinha os olhos escuros como os de
Laura, uma penugem rala e clara crescia em sua cabecinha. Era tão pequena e delicada que eu não
conseguia pensar em nada mais perfeito.
Chegamos ao hospital e Alexander já estava lá, esperando pela ambulância. Olhos aflitos
procurando por Laura.
― Agora precisamos seguir sem o senhor — o enfermeiro me disse empurrando Laura em direção
a emergência. ― Assim que tivermos alguma notícia, nós avisamos.
Concordei porque não havia nada que eu pudesse fazer. Laura e minha filha precisavam de
cuidados e eu precisava aprender a esperar.
Alexander abriu os braços para mim e eu não recusei. Deixei meu corpo cair contra o dele.
― Laura é forte ― ele me disse. ― Sei que vai conseguir. Não se preocupe.
― E o bebê Alex? ― perguntei baixinho. ― Ela é tão pequena. Nasceu antes da hora, naquelas
condições, sem nenhum tipo de assistência — minha mente reproduzia a cena novamente. Jens com as
mãos sujas de sangue, tentando ajudar minha filha a nascer. ― E Jens? ― perguntei.
― Ficou falando com a polícia. Ele precisava explicar os corpos e todo o resto — assenti.
Os minutos que passaram como décadas. Eu e Alexander, lado a lado em um corredor de hospital,
sentados em um banco de metal, mais uma vez.
Quando uma enfermeira caminhou até nós eu senti meu estômago revirar. Eu não tinha certeza se
queria ouvir o que ela tinha a dizer.
― Qual dos dois é o pai do bebê? ― ela perguntou.
― Sou eu.
―Venha, ela está no berçário, o senhor pode vê-la.
― Eu sou o tio ― Alexander disse levantando-se, ― será que posso ir e vê-la pelo lado de fora.
Qualquer coisa.
A enfermeira sorriu.
― Sim, o senhor pode vê-la pelo vidro.
Caminhamos com a enfermeira até o berçário. Alexander ficou na porta e eu entrei. Vesti um
daqueles aventais brancos e acompanhei a enfermeira. Ela caminhou até um bercinho pequeno,
fechado de acrílico por todos os lados. Indicou-me uma cadeira.
― O senhor pode tocá-la por essa abertura ― ela me disse. ― Ela está cansada e um pouco
fraca, mas está bem. Não se preocupe.
― Não posso pegá-la nos braços? ― pedi.
― Ainda não. Vamos deixá-la descansar por hoje e quando a mãe melhorar nós tentaremos
colocá-la para mamar.
― E Laura? Tem notícias dela? ― perguntei ansioso.
― Está passando por alguns procedimentos. Não tenho muito para dizer.
Respirei fundo e enfiei minha mão na abertura da pequena cúpula em que minha princesinha
estava. Corri os dedos pela pele fina do seu bracinho nu, sentindo a textura, o calor do corpinho dela.
― Hey pequena ― eu disse mesmo que ela não pudesse ouvir, ― eu estou aqui. Viu só? Eu disse
que nunca ia te deixar — minha princesinha agarrou em meu dedo com toda a força que conseguia
fazer. Os nós pequenos dos seus dedinhos estavam brancos pelo esforço. ― Eu sempre vou amar
você e sempre estarei aqui para te proteger ― disse sentindo uma lágrima correr pelo meu rosto. ―
Tudo ficará bem.
Quando levantei os olhos, vi Alexander e Jens parados em frente ao vidro. Meus olhos perderam-
se nos de Alexander por um segundo. Depois nos de Jens. Nós pensamos ser tão diferentes, e no
fundo, éramos iguais. Três homens marcados pelas perdas e pelo amor. Três homens tentando ter uma
nova vida.
Depois de um tempo, deixei minha filha no berçário e segui ao encontro de Laura. Ela estava
dormindo, um monitor cardíaco indicava sua pulsação fraca. Sua pele clara estava ainda mais clara e
as pálpebras ainda tinham um tom arroxeado que não combinava com ela.
― Laura teve o que caracterizamos como eclâmpsia, Sr. Galagher ― o obstetra de plantão me
informou. ― Ela perdeu muito sangue porque a pressão arterial se descontrolou. É compreensível,
dada a situação. Ela teve uma laceração por causa do parto. Sei que fizeram o melhor que puderam e
entenda que isso também é compreensível, mas ela está bem fraca. Nós a sedamos e reconstituímos,
mas ela precisa de tempo. O senhor precisa ir para casa.
Eu não queria. Queria ficar ali com ela. Queria estar ali quando ela acordasse. Eu não queria
deixá-la nunca mais.
― Não quero doutor. Eu fico aqui. Eu estou bem. Passo a noite com ela.
O médico sorriu. Era um sorriso de compreensão.
― Tudo bem ― concordou ― vá para casa. Tome um banho. Vista roupas limpas e eu deixo
autorizado que volte.
Corri os olhos por minha roupa suja de sangue e feno. Minhas botas sujas de lama ― eu
provavelmente parecia muito pior do que me sentia. Concordei.
Alexander me levou para casa em silêncio. Jens também havia ido. Ele era quem mais tinha coisas
a explicar. Era o dono do cativeiro, o marido da sequestradora. Foi o parteiro de Laura e o assassino
de duas pessoas. Eu não tinha maneira de agradecê-lo por tudo. Nada do que eu fizesse, e mesmo que
fizesse pelo resto dos meus dias, seria capaz de pagar o Jens Van Hart havia feito por minha família.
Deixei Alexander dando as explicações e segui direto para o meu quarto. Eu não queria
conversar. Não queria explicar. Eu precisava estar com as minhas garotas o mais rápido possível.
Tomei um banho e quando saí do chuveiro, John estava sentando em minha poltrona.
― Pai ― ele começou e eu não aguentei.
Sentei na beirada da cama e chorei como se ele fosse meu pai e o garoto precisando de amparo.
Eu não podia sequer cogitar a possibilidade de perder minhas garotas. Não podia perder nenhuma
delas. John me amparou.
― Tio Alex disse que elas ficarão bem, pai ― ele me consolou. ― Quero que saiba que vou
cuidar de tudo por aqui. Não se preocupe pai, cuide delas que eu cuido dos pirralhos, ok?
Acabei sorrindo em meio às lágrimas.
― Ok companheiro ― eu disse usando a mesma frase que usava com Alexander, porque era o que
John era. Meu companheiro. Ele não era mais apenas meu filho.
― Corre lá, pai. A garota precisa de você.
Em menos de uma hora, eu estava de volta ao Saint Peter, sentado ao lado da minha garota. Meus
dedos entrelaçados nos dela. Acabei adormecendo assim.
Não sei quanto tempo se passou, mas em algum ponto da noite, senti uma leve pressão e despertei.
― Adrian? ― ela chamou baixinho.
― Oi amor ― eu disse beijando os nós dos seus dedos.
― Onde ela está? ― Laura perguntou aflita ― Ela está bem? Eu quero vê-la.
― Não se preocupe Laura. Ela está bem. Está no berçário, esperando você acordar.
― Então avise que acordei. Eles podem buscá-la! Ela precisa mamar. Eu quero minha filha,
Adrian.
Ela falava meio grogue e sem parar. Podia estar em recuperação, mas era a Laura que eu conhecia
de novo. Sorri com o canto dos lábios.
― Não se preocupe amor ― eu disse me levantando, ― vou ver o que consigo fazer.
Capítulo 27

Laura

Eu achava que conhecia o amor.


A gente sempre acha. Principalmente quando se é jovem, qualquer coisa que revire o estômago é
confundida com amor.
Eu achei que amava o idiota que quase me matou. Achei que amava alguns outros depois dele, mas
amor mesmo, amor de verdade, eu senti no momento em que vi Adrian abrir a porta com um pequeno
embrulho cor de rosa nos braços. Ele se sentou na beirada da cama, olhos focados nas pequenas
mãozinhas que se moviam devagar, espreguiçando-se. O sorriso em seus lábios era o mais sincero e
bonito sorriso que eu já havia visto na vida.
― Veja amor, essa é a nossa garotinha ― ele me disse abrindo um pouco a manta hospitalar e
mostrando o rostinho pequeno da nossa filha.
Naquele momento eu percebi que nenhum sentimento que eu havia experimentado antes era amor.
Aquilo sim era. A certeza de ter feito a melhor escolha do mundo. A certeza de ser protegida, amada,
cuidada. Naquele momento tudo que eu conseguia pensar era que nada completaria mais a minha
felicidade do que tê-los em minha vida.
Estendi os braços e aconcheguei minha filha entre eles. Eu sabia que nunca mais meu coração
bateria apenas por mim. Nada nunca mais seria como antes. Eu sabia que a partir daquele momento,
eu teria para sempre um pedaço do coração batendo fora do meu corpo.
Pelo que restou da noite, eu aconcheguei meu bebê em meus braços. Ela estava faminta e a
enfermeira não teve muito trabalho para que ela quisesse mamar. Adrian e eu trocávamos pequenos
olhares apaixonados por mais vezes do que eu podia contar. Era como uma lua de mel, só que muito
mais apaixonada, embora não estivéssemos na cama.
Não sei em que momento eu adormeci, mas despertei assustada, procurando pelo meu bebê. A
sensação de que ela poderia ser tirada de mim a qualquer momento lutava em não me deixar curtir o
momento.
― Hey anjo ― Adrian disse sorrindo, ― se acalme! Você vai cair da cama assim ― brincou.
Adrian caminhou até o bercinho de acrílico ao lado da cama e pegou nossa filha. Ajeitou-a em
meu colo.
― Já pensou em como quer chamá-la? ― ele me perguntou acariciando sua cabecinha pequena.
Eu havia pensado em muitos nomes, mas naquela hora, com ela nos meus braços, eu não sabia se
eram bons o suficiente para a minha garotinha. Eu queria algo mais significativo. Não queria apenas
escolher um nome. Eu queria mais.
― Hum, não estou bem certa ― eu disse encarando os olhinhos escuros dela. ― Alguma
sugestão, Sr. Galagher?
― Nada parece bom o suficiente ― Adrian disse sorrindo, ― mas precisamos pensar nisso amor,
eu preciso registrá-la.
A porta se abriu no instante seguinte e uma enfermeira entrou.
― Srta. Soares ― ela chamou, ― a senhorita tem visita. Posso pedir para entrar?
― Claro! ― respondi.
A enfermeira abriu um pouco mais a porta e Jens passou por ela. Ele tinha um corte um pouco
abaixo dos olhos, na maçã do rosto. Uma linha fina e avermelhada em sua pele clara. Uma das mãos
estava enfaixada e na outra havia uma fita cor de rosa com três balões de coração em diferentes tons
rosados.
Sorri para ele que sorriu de volta.
― Você está machucado ― constatei.
― Ah isso? ― ele perguntou correndo o dedo sobre o machucado, ― não foi nada. Dá-me até um
certo charme ― brincou.
― O que houve com a mão? ― Adrian perguntou.
― Quebrei na cara daquele desgraçado ― disse com um sorriso meio sem jeito.
Adrian não disse mais nada, mas eu fiquei imaginando a dor que Jens havia passado todo aquele
tempo, enquanto me ajudava dar a luz. Ele havia feito tudo com a mão quebrada e um sorriso no
rosto. Era um bom sujeito.
― Eu passei porque precisava passar e ver como as garotas estavam ― ele disse ainda sorrindo.
― Espero que não seja uma hora ruim.
― Na verdade é uma hora ótima! ― Eu disse sorrindo mais. ― Adrian e eu estamos em um
impasse e acho que você poderia nos ajudar.
Olhei para Adrian que pareceu entender e concordar, então eu segui em frente.
― Está vendo essa garotinha aqui Jens? ― Jens sorriu. ― Ela ainda não tem um nome e isso é
péssimo para a autoestima de uma garota ― brinquei. ― Como acha que devemos chamá-la?
Jens Van Hart sorriu derretido para nossa pequena garotinha. Seus lindos olhos azuis eram puro
amor e encantamento.
― Sério? ― ele perguntou levantando uma sobrancelha para Adrian.
― Você é um homem de bom gosto, Hart ― Adrian brincou. ― Fará um bom trabalho.
Jens amarrou os balões na grade da cama e estendeu os braços para pegar o bebê.
― Posso? ― perguntou.
― Claro! ― respondi passando o pequeno embrulho a ele.
Ele a ajeitou em seu colo cuidadosamente, correu os dedos pelo rostinho delicado dela. Acariciou
sua cabecinha e então ela sorriu. Eu tinha certeza de que Jens Van Hart não era o monstro que Adrian
pensava, mas depois de tudo que ele me ajudou a viver, eu esperava mesmo que quisesse ficar em
nossas vidas.
― Hey pequenina ― Jens disse para o bebê, ― você é a coisa mais linda que eu já vi na vida,
sabia? Parece uma pintura. É como se o dia amanhecesse de novo e novo a cada vez que você sorri.
Meus olhos encheram de lágrimas e eu funguei um pouco para afastá-las.
― Vamos chamá-la de Aurora. O que acha?
Sorri e Adrian sorriu também, estendendo as mãos para pegar nossa pequena garotinha.
― Seja bem-vinda ao mundo, Aurora Van Galagher.
Eu podia ver a felicidade nos olhos de Jens. Eu sabia como era não ter um lar, uma família. Ele
sabia também. Eu estava feliz com a maneira como as coisas estavam se ajeitando.
― Srta. Soares, bom dia ― um homem de jaleco branco disse entrando no quarto. ― Como se
sente?
― Muito bem doutor ― respondi.
― Se os garotos puderem dar licença ― o médico brincou, ― eu gostaria de examiná-la.
― Claro! ― Responderam em uníssono e nos deixaram sozinhos no quarto.
― Vou verificar seus pontos, Laura ― ele disse levantando meus cobertores.
Não era algo confortável, mas era necessário, então tentei permanecer o mais relaxada que podia.
― Hum, está tudo muito bom para quem passou pelo que você passou querida ― o médico
constatou. ― Sente algum desconforto?
― Acho que apenas o normal por ter pontos em um lugar não tão usual ― brinquei. ― Repuxam
um pouco, mas nada demais.
― Seu leite desceu? O bebê tem mamado? ― continuou.
― Sim. Eu a amamentei algumas vezes desde a noite.
― Ótimo ― constatou mais uma vez, anotando algo em sua prancheta. ― Pelo que vejo a causa
da sua alta de pressão arterial foi um reflexo a tensão que você vivia. Segundo as anotações você não
teve mais nenhum episódio de hipertensão.
― Para ser sincera doutor, eu nunca tive hipertensão na vida ― confessei. ― Muito pelo
contrário.
― Vou diminuir sua carga de analgésicos e se tudo continuar bem, amanhã pela manhã eu a libero
para ir para casa.
Minha boca se curvou em um sorriso imenso sem que eu me desse conta, mas o sorriso murchou
rápido demais.
― E minha filha? ― porque eu não iria a lugar algum sem ela ao meu lado.
― Segundo a pediatra do plantão, está em plenas condições de saúde, apesar da prematuridade.
E o sorriso voltou.
― Então vou poder levá-la comigo? ― perguntei apenas para garantir.
― Não vejo porque não poderia.
O doutor abriu a porta para sair e eu visualizei uma figura conhecida pelo canto dos olhos.
― Desculpe ― Alexander me disse sorrindo. ― Juro que tentei manter ele em casa à sua espera,
mas foi praticamente impossível ― brincou dando espaço para que o Sr. Persen entrasse.
Ele estava bem vestido e elegante, usando um blazer cinza claro e calças sociais escuras. Seus
cabelos grisalhos cuidadosamente penteados para trás e a barba feita. Tinha o mesmo amor nos olhos
que eu havia visto desde a primeira vez.
― Ah desculpe, querida! ― Ele me disse aproximando-se, ― mas eu só iria acreditar que estava
bem se a visse com meus próprios olhos ― e completou, ― coisa de pai, sabe?
Sorri, pensando em Aurora e em como toda a preocupação dele, de repente fazia sentido. Eu não
tinha ideia do que era amar e se preocupar com alguém de verdade, até que ela realmente passou a
existir. Agora eu entendia.
― Não tem problema ― eu disse abrindo os braços para ele. ― Fico feliz em vê-lo...
A frase morreu tão rápido em minha boca que eu quase engasguei. A palavra “pai” parecia querer
pular para fora sem o meu consentimento. Eu me sentia estranha e vulnerável e incrivelmente
dependente de um abraço dele.
Sr. Persen parou ao lado da maca e me aconchegou entre seus braços. Acariciando meu cabelo
bagunçado. Afundei meu rosto em seu peito, inspirando o aroma de colônia e roupa limpa que ele
tinha. Eu não queria mais brigar, nem queria pensar no passado ou em que tinha culpa por termos nos
separado. Tudo que eu queria era recomeçar de onde podia. Colocar uma pedra e seguir em frente.
Eu havia aprendido em pouco tempo o que algumas pessoas levam a vida toda. Não há tempo para
perdermos procurando culpados. O tempo é escasso e efêmero, passa e deixa saudades. É preciso
aproveitar e ser feliz.
Fechei os olhos por um instante, tomando a coragem que precisava e quando os abri, puxei meu
pai até mais perto de mim e beijei seu rosto com todo o amor que eu havia guardado para ele por
todos esses anos.
― Senti tanto a sua falta, papai ― eu sussurrei tão baixo que tive medo de que ele não me
ouvisse.
Sr. Persen sorriu e eu senti uma pequena gota escorrer dos seus olhos e tocar a minha pele.
― E eu a sua, minha filha.
Assim que papai e Alexander se foram, enquanto Adrian não voltava, fechei os olhos e agradeci
porque não existia pessoa mais feliz que eu no mundo inteiro.

Adrian

Eram nove da manhã, quando estacionei o carro na garagem.


― Pronta para começar sua nova vida, Sra. Galagher? ― brinquei.
― Até estou pronta ― ela retrucou, ― mas para todos os efeitos, ainda sou a Srta. Soares ―
brincou.
Desci do carro sorrindo porque no fundo ela tinha razão e isso era uma coisa que eu precisava
resolver em breve.
Nossa família esperava ansiosa para conhecer Aurora e Laura parecia ansiosa por fazer as
apresentações. Nós havíamos decidido que faríamos uma festa surpresa para receber Laura e Aurora
e por isso eu decidi que seria melhor se evitasse o jardim de trás da casa. Na Holanda, quando um
bebê nasce e volta para casa é sempre recebido com festa. Para mim isso era esperado, mas eu sabia
que causaria uma grande emoção em Laura.
― Ué ― ela perguntou um pouco decepcionada, ― achei que eles nos esperariam aqui.
― Ah eles devem estar na sala amor ― eu disse tentando parecer um pouco decepcionado
também. ― Não se preocupe. Vamos entrar.
Peguei Aurora na cadeirinha e a coloquei nos braços de Laura. Coloquei as malas sobre os
ombros e segui indicando a ela o caminho que queria que ela seguisse.
Assim que passamos pela sala vazia o sorriso de Laura murchou um pouco mais. Eu tentava
controlar meu sorriso a cada desapontamento dela porque sabia que o final seria épico.
― Vem Laura ― eu disse deixando as malas sobre a mesa da cozinha e seguindo para as portas
duplas que davam para o jardim.
Assim que avistou o exterior da casa, a boca de Laura se abriu. A piscina estava coberta por
bexigas em tons de rosa e branco e todo o jardim enfeitado por flores do mesmo tom. Havia uma
mesa de doces grande e arrumada para depois do almoço. Hanna estava radiante com seu vestido de
princesa. Ela havia pensado em tudo para receber a irmãzinha.
― Oh meu Deus! ― Laura exclamou sorrindo, ― foi você, não foi? Você fez isso!
― Eu não poderia não comemorar o retorno das minhas garotas! ― Respondi abraçando-a.
Alexander abriu a porta e todos bateram palmas.
Os olhos de Laura faiscavam de felicidade enquanto as bexigas iam subindo da piscina para o céu,
dando lugar a uma faixa escrito “Seja Bem-Vinda Aurora” em neerlandês.
― Ah Alex ― ela disse abraçando Alexander com cuidado para não machucar aurora entre eles,
― eu nem sei o que dizer.
― Diga que está feliz e me prometa que vamos finalmente começar a ser uma família feliz ―
brincou, ― porque juro que meu coração não aguenta tanta emoção, irmãzinha.
― Prometo! ― disse sorridente beijando o rosto de Alexander.
Os olhos dela correram direto para o Sr. Persen. Eu estava feliz em vê-los finalmente seguir em
frente com o amor que havia sido negado a eles. Eu não me imaginava sem os meus filhos, não podia
sequer pensar na dor que o Sr. Persen havia carregado por todos esses anos.
― Que linda princesinha, minha filha! ― Ele disse aproximando-se mais de Laura e correndo as
mãos pela barriguinha de Aurora. ― Imagino que você deveria ter sido um bebê bonito como ela.
― Ah, mas eu tenho minha parcela, Sr. Persen ― brinquei. ― Veja ― eu disse apontando para
Hanna sorridente, ― eu sou bom em fazer filhos bonitos.
Sr. Persen riu e Laura sorriu com ele, feliz e realizada.
Hans foi o próximo a se aproximar. Eu sabia que Laura o amava como pai e não podia tê-lo
privado desse momento com ela.
― Ah querida que felicidade eu sinto em vê-la assim, tão radiante!
Laura o abraçou por um longo tempo. Eu sabia que Hans havia estado ao lado dela em muitos
momentos ruins, podia imaginar o que significava para ambos ter a chance de compartilhar essa
felicidade.
― Oh senhorita como ela é linda! ― Martina disse aproximando-se e Laura logo passou Aurora
para os braços dela.
― Acha que damos conta de dois bebezinhos nessa casa, Martina? ― Laura perguntou brincando.
― Acho que somos três mulheres e meia ― Margarida respondeu trazendo Hanna pela mão. ―
Damos conta de dois bebês, querida. Damos conta de mais um, se você se animar.
Ajeitei os óculos em meu rosto e pigarreei um pouco porque eu não tinha certeza de conseguiria
viver tudo àquilo de novo. Eu estava perto dos quarenta. Precisava comprar uma vara de pesca e
aproveitar minha aposentadoria ou acabaria deixando quatro filhos sem pai.
John abraçou Laura e a tirou do chão. Ela beijou tanto seu rosto que acabou deixando-o sem jeito.
Depois de colocá-la no chão novamente, ele abaixou e pegou Collin nos braços, ajudando-o a
abraçar Laura também.
Eu me sentei em uma das cadeiras e deixei que todos tivessem seu momento com a minha garota.
Eu estava feliz e satisfeito em ver que havia finalmente conseguido unir minha família toda.
Alexander sentou-se ao meu lado.
― Parece que a máxima de que “no fim tudo dá certo” funcionou aqui ― Alex brincou.
― Para nós dois ― eu disse dando um soco de leve em seu ombro.
― É uma triste realidade, companheiro. Tenho que dizer que o Hart me poupou muita dor de
cabeça com aquela maluca.
Acabamos rindo. Mesmo que fosse triste, Louise havia se livrado de uma maluca no lugar de mãe.
Vi meu pai estacionar o carro no gramado da frente e levantei. Beijei a testa de Laura e a deixei
curtindo sua festa de princesa junto aos nossos filhos. Alexander veio comigo.
― Bom dia meu filho ― ele disse abrindo os braços.
Ainda era estranho abraçar meu pai. Para ser sincero, era bem estranho pensar nele como “meu
pai” novamente, mas eu tinha que admitir que ele estava se esforçando. Abracei-o bem rápido e meio
sem jeito.
― Bom dia pai.
Alexander era bem melhor em abraçar do que eu. Ele e meu pai já haviam estabelecido uma
pequena amizade que, a meu ver, ia de vento em popa.
― Desculpe vir sem avisar ― ele me disse, ― mas eu encontrei uma coisa que pertenceu a sua
mãe. Sei que ela queria que ficasse com você e o momento é o mais oportuno.
Sentei-me no sofá ao lado do meu pai e esperei que ele me entregasse a tal coisa. Eu não fazia
ideia do que era, já que a herança de mamãe havia sido dividida pouco depois da sua morte.
Meu pai enfiou a mão no bolso interno do blazer e retirou uma caixinha de prata. Eu não conhecia
a caixinha, mas podia ver que era antiga pelo trabalho delicado em sua superfície.
― Quando sua mãe e eu firmamos compromisso, minha avó me chamou em sua casa e me deu esta
caixinha. Esse foi o anel de noivado dela ― ele me disse abrindo a pequena caixinha e deixando à
mostra um belo anel de platina. Era delicado em formato oval. Tinha pequenas flores trabalhadas no
metal e um diamante levemente âmbar no topo. Pequenos diamantes brancos adornavam o centro das
flores ao redor. Era lindo e me fazia realmente me lembrar da minha mãe. ― E eu o dei a sua mãe em
nossa festa de noivado. Quando você nasceu, ela guardou o anel e me disse que entregaria a sua
esposa, quando chegasse à hora e você encontrasse uma mulher que o amasse como ela me amava —
eu encarava o anel e minha mente voltava no tempo, lembrando de minha mãe. ― Quando você
decidiu se casar com Patrícia, meu filho, eu não quis te entregar o anel. Eu não achava que Patrícia o
merecia. Não queria entregar o que restou de mais bonito e puro da minha amada Catalijne para uma
mulher qualquer — respirei fundo porque eu compreendia. Depois de tudo, eu agora conseguia
compreender os receios de meu pai em me ver casado com Patrícia. ― Eu cometi um erro de
julgamento com Laura ― ele disse com um sorriso discreto nos lábios. ― Acredite ou não, a garota
é mesmo forte e decidida ― brincou e depois sorriu mais. ― Sua mãe teria orgulho de ver esse anel
no dedo de Laura.
Encarei meu pai, depois o anel e em seguida Alexander que sorriu de volta.
― Parece uma bela maneira de recomeçar ― Alexander disse.
― Sei que não é o anel mais caro que seu dinheiro pode comprar. Talvez esteja fora de moda ―
meu pai continuou, ― mas sei que uma garota como Laura dará a ele o devido valor e um dia, ele
estará no dedo de Aurora.
Peguei a caixinha e a encarei por mais alguns instantes, um dia ele estaria no dedo de Aurora.
Quando eu a conduzisse pela nave de uma igreja, de braços dados comigo, passo por passo, ao
encontro de um homem que a amaria tanto quanto eu a amava, mas hoje, ele iria para o dedo de outra
pessoa. Hoje, ele estaria no dedo de uma garota doce e meiga de gênio forte que nasceu do outro lado
mundo e que percorreu mares e sonhos até chegar aqui e me ensinar o que é amar.
Fechei o anel dentro da caixa e a enfiei no bolso da calça. Caminhei decidido até o jardim. Laura
estava sentada em uma das cadeiras, sorrindo de alguma bobagem que John dizia. Seus cabelos
escuros caiam em ondas dispersas por seus ombros nus. Linda, delicada e ao mesmo tempo tão forte.
Eu não poderia ter desejado mulher mais perfeita para ter ao meu lado pela vida inteira.
Quando me aproximei dela, fiz sinal para que John abrisse espaço e ele obedeceu. Ajoelhei em
sua frente e segurei suas mãos nas minhas.
― Amor, na primeira vez em que eu fiz isso, tentei fazer as coisas como deveriam ser feitas. Eu
queria impressionar você. Queria que se encantasse com o que eu podia lhe oferecer, mas eu estava
errado. Eu não quero mais impressionar você. Quero apenas que me ame com esse sorriso doce e que
me ensine a ser cada dia mais o homem perfeito para estar ao seu lado. Não a encantar com o que eu
posso lhe oferecer, quero que me deixe amar você e nossa filha cada dia mais e que me permita viver
um pouco dessa felicidade a cada dia que estiver ao meu lado e que eu puder chamá-la de minha
esposa — peguei a caixinha no bolso e a abri, expondo o anel. ― Laura Soares, você aceita se casar
comigo e ser minha esposa para o resto das nossas vidas? ― perguntei sentindo a primeira lágrima
rolar.
Laura sorriu e seu sorriso iluminou tudo ao meu redor. Eu não conseguia fazer mais nada além de
me perder em seus olhos castanhos, como da primeira vez em que eu os havia visto.
― Sim! ― Ela me disse e se atirou em meus braços.
Naquela noite. Depois de colocarmos Aurora em seu bercinho, ao lado da nossa cama,
Laura se aconchegou em meu peito e beijou a tatuagem de rosa que eu havia feito para minha mãe.
Ela não fazia ideia de como eu me sentia pleno de felicidade e de como era ela a responsável por
isso.
― Eu te amo Adrian Van Galagher ― ela disse um pouco antes de adormecer.
Beijei o topo da sua cabeça e depois acariciei seu cabelo macio, sentindo o perfume se
dissipar ao redor de mim. Eu havia esperado tanto para ser feliz que nem conseguia dormir. Fechei
os olhos e agradeci a sorte que tinha. Naquela noite, naquele pedaço de mundo, ninguém era mais
feliz do que eu.
Epílogo
Adrian

Era bem cedo quando despertei.


Eu queria um dia perfeito. Ela merecia um dia perfeito e eu queria muito que ela tivesse.
― Tem certeza disso? ― Alexander me perguntou. ― Quer dizer, não que eu não ache o correto,
mas você sabe que é um caminho sem volta.
Eu sabia. Desde o nascimento de Aurora eu pensava nisso todos os dias. Era algo que povoava
meus pensamentos. Eu sabia que era o correto, o justo, e embora meu instinto paterno de proteção
oscilasse entre o certo e o errado, eu precisava. Essa era uma das decisões que compunham aquele
cesto de coisas que o velho Adrian precisava enterrar.
― Estou sim ―confirmei enquanto amarrava os sapatos de Collin.
― Aonde nós vamos papai? ― ele me perguntou inocente.
― Nós vamos visitar uma pessoa, anjo. Alguém que quer muito conhecer você e alguém que
merece um abraço bem apertado.
Collin sorriu concordando e Alexander também.
― O tio Alex vai?
― Não. O Tio Alex tem coisas muito importantes que ele precisa ajudar o papai a resolver hoje,
antes que Laura acorde ― respondi. ― Pronto?
Collin assentiu ainda esfregando os olhinhos.
Peguei meu filho nos braços e passei as últimas instruções a Alexander do que eu precisava,
depois desci a escada.
Caminhei com ele pelo jardim até o deck, no final do canal que ficava nos fundos da minha
propriedade. Eu queria um lugar vazio. Não queria que nada os atrapalhasse. Eles mereciam isso.
Meu coração de pai estava quebrado, meio dolorido, meio sangrando, mas ele iria se recuperar.
Eu precisava acreditar que havia feito o melhor para ser digno de ser o pai de Collin. Eu precisava
acreditar em mim mesmo. Não era hora para ter medo.
Coloquei-o no chão assim que avistei a figura parada de costas, mirando as águas do canal.
― Aquele é o seu amigo, papai? ―Collin me perguntou.
― Você se lembra quando Laura entrou nas nossas vidas, anjo? ― perguntei e Collin assentiu. ―
Lembra-se que ela chegou para ser sua mãe? ― Collin assentiu. ― Mesmo que a mamãe ainda exista
aqui no seu coração ― continuei colocando minha mão espalmada em seu peito e Collin assentiu
novamente, ― então, é mais ou menos a mesma coisa. Você é um garotinho de muita sorte. Porque
agora você vai ganhar mais um amigo muito, muito especial, como Laura é para você.
Eu podia ver um pouco de confusão nos olhinhos verdes do meu filho, mas eu sabia que ele
acabaria por compreender.
― Aquele ali é Jens ― eu disse quando Jens virou-se de frente para nós, ainda sem se aproximar,
― ele também é o seu papai, mesmo que eu ainda esteja aqui. Entende? ― perguntei preocupado. ―
Ele não vai tomar o lugar do papai, ele só vai cuidar de você e ser seu amigo especial porque ele
ama muito você.
Collin sorriu para mim com toda a doçura dos seus poucos anos.
― Eu te amo papai! ― ele disse e me abraçou.
E então meu coração se acalmou porque eu soube que ninguém roubaria Collin de mim. Eu
também sabia que Jens merecia um pouco do amor que eu recebia dos meus filhos. Ele merecia sentir
o prazer de ver alguém tão pequeno e amado desabrochar e se transformar em um homem de valores,
como eu via em John. Eu não sabia se Jens Van Hart teria outros filhos, se ele se casaria e teria uma
família feliz como a minha, mas eu deixaria que ele assumisse seu papel ao meu lado na vida de
Collin.
Jens caminhou a passos lentos, um pouco sem jeito. Mãos nos bolsos do terno, olhar preocupado.
― Vai lá filho ―incentivei, ― agora é hora daquele abraço que eu te falei.
Soltei a mãozinha de Collin sentindo que um pedaço do meu coração iria com ele. Deixei que ele
se fosse porque confiava no amor que eu o havia ensinado a sentir.
Jens Van Hart ajoelhou-se na grama molhada, deixando seu terno caro manchado de relva. Abriu
os braços e segurou com força meu menininho entre eles. Meu não, nosso. O destino havia tratado de
nos fazer dividir mais um pedaço do nosso coração.
Eu fiquei ali, esperando que ele ainda me amasse depois daquele abraço e rezando para que ele
também amasse Jens como Jens merecia ser amado.

Laura

Despertei com um pequeno facho de luz entrando pelas cortinas. Eu podia sentir o sol morno em
minha pele. Espreguicei com cuidado, aproveitando cada sensação do que eu tinha certeza que seria
o melhor dia da minha vida. Aurora moveu-se no bercinho pequeno ao lado da cama ― eu ainda não
conseguia deixá-la longe de mim. Gostava de ouvi-la mover-se e respirar durante a noite. Gostava de
ter certeza de que ela estava ali de verdade, que era real, e que nada no mundo mudaria isso.
― Bom dia meu amorzinho! ― Eu disse beijando seu rostinho enquanto a pegava no colo para
mamar. ― Sabe que precisa se comportar bem hoje, não sabe? ― brinquei. ― É um dia muito, muito
importante para nós!
Aurora sorriu como se me entendesse.
― Laura? ―Margarida chamou na porta, ― está acordada querida? Posso entrar?
― Claro! Estamos acordadas sim ― respondi.
― Tenho uma visita para você ― Margarida continuou abrindo um pouco a porta.
Aguardei ansiosa até que vi a silhueta se formar. Meu sorriso se alargou no mesmo instante.
― Vovó! ― Gritei tão alto que acabei interrompendo a mamada de Aurora. ― A senhora veio!
Minha avó caminhou com cuidado até perto da cama. Eu não conseguia me controlar. Sentia meu
coração pular como um cavalo em fuga dentro do peito. Minha avó. Minha querida avó, que havia me
ensinado tudo que eu sabia. Eu não podia acreditar que ela estava ali.
Vovó se aproximou mais. Beijando o topo da cabecinha de Aurora e me abraçando com o carinho
que ela sempre teve por mim.
― Ah querida ― ela me disse beijando meu rosto, ― como eu poderia não estar aqui em um dia
como hoje.
Sorri porque ela tinha razão ―como ela poderia não estar ali, em um dia como hoje!
Quando Aurora terminou de mamar entreguei-a a Margarida que a levou para o quarto dela.
Ficamos apenas vovó e eu.
― Agora acho que você deveria tomar um bom banho para que eu possa ajudá-la a se vestir.
Sorri concordando e me levantei, seguindo para o banheiro. Tirei minha camisola e deixei que a
água morna me despertasse para a realidade, porque sonho nenhum que tivesse ousado sonhar
poderia ser mais perfeito.
Saí amarrando o cinto do robe em minha cintura no momento em que bateram na porta.
― Laura? ―Joanne perguntou da porta. ― Posso entrar.
― Claro! Entre.
― Achei que eu mesma deveria cuidar dessa parte ― ela disse sorrindo. ― Acredite, foi difícil
convencer o Sr. Galagher.
― Ah eu acredito em você! ― Brinquei. ― Acredito mesmo!
Sentei-me na poltrona e deixei que Joanne Stein me penteasse. Eu me sentia à vontade com ela.
Era como ter uma irmã mais velha por perto.
Quando terminou, Stein me virou para o espelho.
― O que acha? ― ela perguntou ajeitando meu cabelo em ondas soltas ao redor do meu rosto.
― Acho que você é algum tipo de fada madrinha ou coisa assim ― respondi mirando meu reflexo.
Eu estava bonita e radiante, mas ainda me sentia eu mesma. Eu não queria coroas ou arranjos ou
joias espalhafatosas, queria ser eu, a Laura que havia trombado em um cara em uma rua no Jordaan
algum tempo atrás. A mesma Laura que acreditava em contos de fadas quando era menina. A que
havia atravessado um oceano inteiro em busca de um sonho.
― Obrigada! ― Respondi abraçando-a.
Joanne sorriu para mim e para vovó.
― Não tem de quê. Foi um prazer fazer parte disso tudo.
Eu ainda abraçava Stein, quando alguém bateu na porta.
― Alguém em casa? ― Alexander perguntou abrindo um pouco a porta. ― Tenho uma encomenda
para a futura Sra. Galagher.
Sorri. Eu não tinha certeza, mas imaginava do que se tratava. Adrian havia cuidado de tudo. Todos
os detalhes. Ele havia decidido ― sozinho ― que eu precisava de um tempo com Aurora. Que
precisava desacelerar, colocar minha vida nos eixos e eu havia concordado que ele tinha seu ponto.
― Entre Alex ― eu disse ainda sorrindo.
Alexander entrou trazendo um embrulho grande, e sobre ele, uma capa escura dessas de guardar
vestidos de festa.
― Espero que seja o tamanho certo ― brincou. ― Acho que você engordou um pouco, depois de
Aurora.
Joguei uma almofada nele que sorriu ainda mais.
― Só estou cumprindo com o meu papel de irmão.
Sentei-me na cama e abri a capa com cuidado. Meus olhos encheram de lágrimas no momento em
que eu vi o que a capa guardava.
Era um vestido na cor creme. Seu tecido era delicado e fluido. Algum tipo de renda delicada
recobria o tecido e descia como cascata até a saia evasê. Era simples e perfeito para o que eu
realmente havia sonhado no dia em que me entregasse ao homem da minha vida para sempre.
Peguei-o de dentro da capa e o coloquei em minha frente, encarando a figura no espelho, sentindo
as lágrimas descerem mais e mais rápido.
― É perfeito, Alex ― eu disse com a voz embargada. ― É realmente perfeito. Eu... Eu... Eu não
poderia pensar em nada melhor.
Alexander veio por trás de mim e colocou o rosto na curva do meu pescoço.
― E eu não consigo pensar em ninguém mais perfeito para usá-lo hoje. Agora corra para aquele
closet e vista.
Sorri, correndo pelo quarto com o vestido nas mãos. Quando saí, eu me sentia mais perfeita que
qualquer uma das princesas dos contos infantis. Eu me sentia flutuar pelas tábuas de madeira do chão.
Vovó e Stein me encaravam sorrindo e Alexander também.
― Toda princesa precisa de um sapatinho de cristal ― Alex continuou, ― mas no seu caso, acho
que uma sandália de grife se enquadra melhor ― brincou retirando um par de sandálias de dentro do
embrulho.
Ele se abaixou e as colocou em meus pés, oferecendo a mão para que eu me levantasse.
― Estou muito feliz que tudo esteja acontecendo assim ― ele me disse. ― Toda princesa merece
um final feliz, mas você merece mais do que isso ― continuou beijando minha testa, ―você merece
um recomeço feliz. Merece uma vida feliz.
Abracei-o, descansando meu rosto em seu peito, correndo meus dedos pelo tecido fino da sua
camisa. Eu sabia que Alexander também precisava de um recomeço, uma nova vida. Eu queria que
ele tivesse tudo isso, mas havia um lado egoísta meu que não o queria longe. Eu havia passado tanto
tempo sem ele que o queria comigo para sempre.
― Estou feliz que esteja aqui ― eu disse sinceramente. ― Você vai me levar até lá? ― perguntei
meio sem jeito.
― Eu poderia ― ele me respondeu sorrindo, ― mas acredite ou não, existe alguém que ficaria
realmente desapontado se isso acontecesse.
A batida na porta foi suave, quase imperceptível.
― Entre ― eu disse animada.
Papai abriu uma pequena fresta e me encarou por alguns segundos. Era tudo que eu havia sonhado
e muito mais. Eu tinha realizado todos os meus sonhos e o único que faltava, estava prestes a se
realizar.
― Você está linda meu anjo ― ele me disse beijando minha testa.
Alexander, vovó e Stein saíram e nos deixaram os dois ali, sozinhos.
― Pai eu ― comecei sem saber como continuar.
Ainda havia tanta coisa que eu precisava dizer a ele. Tanta coisa que eu precisava ouvir dele. Nós
só estávamos começando o que seria uma bela história de amor e carinho.
― Ah meu anjo, não se preocupe ― ele me disse abrindo um pouco os braços para que eu me
aconchegasse entre eles. ― Nós temos todo o tempo do mundo para o que ainda não foi dito. Só
queria que você soubesse que eu a amo demais. Que não poderia pensar em escolher uma filha
melhor.
Sorri.
― Ah papai! ― Exclamei beijando seu rosto.
Descemos a escada de mãos dadas, papai e eu, e caminhamos até o jardim dos fundos. Ali, onde o
terreno da nossa casa terminava em um canal, Adrian havia preparado o nosso momento.
Eu me lembro que desde menina, eu queria que tudo fosse exatamente daquele jeito. Eu não
sonhava com castelos, nem com bailes de gala, eu sonhava com amor real, verdadeiro. Eu sonhava
com um homem que me amasse para sempre e que quisesse me dizer sim em nosso próprio lugar.
Nada de igreja concorrida ou grandes salões de festa, eu queria uma festa no quintal, rodeada pelas
pessoas que amava. Talvez por força dos últimos acontecimentos, talvez porque me conhecia melhor
do que eu imaginava, mas Adrian havia me dado exatamente isso.
Hanna correu até mim com seu vestido branco rodado e seus cabelos claros presos em um arranjo
de flores de ervilha. Seus olhinhos me diziam que ela precisava de um abraço. Soltei a mão de papai
e me abaixei um pouco.
― Ah Laura ― ela disse se jogando em meus braços. ― Agora você será minha mãe de verdade!
― Exclamou com os olhinhos amendoados marejados.
Sorri e limpei seus olhos com as costas das mãos.
― Sim, querida, eu serei sim. Na verdade, eu serei o que você quiser que eu seja. Sua mãe, sua
amiga, sua confidente. Eu quero que você saiba que eu amo você como eu amo Aurora e Louise, que
seremos uma grande família e seremos muito felizes.
Hanna assentiu com seu sorriso infantil, ajeitando o pequeno buquê de flores em suas mãos.
Segurei no braço de papai novamente, com Hanna a nossa frente e seguimos o caminho de pétalas
brancas no gramado. Um a um, todos os rostos que eu queria que estivessem presentes estavam ali.
Vovó com Aurora nos braços, Margarida segurando Louise. Martina, John, Joanne, Frida com mia
descansando em seu colo, Hans, Jens de mãos dadas com Collin. E um pouco mais à frente, estavam
os dois homens que eu mais amava no mundo. Alexander Persen, meu irmão. O homem que havia
cuidado de mim e me protegido desde o primeiro momento em que nos encontramos, e Adrian Van
Galagher. Meu Adrian. O homem com o qual eu havia sonhado a vida toda sem nem saber. Meu
príncipe encantado. Sorri, apertando um pouco mais a mão em torno do braço de papai.
É estranho como tudo parece surreal depois do tanto que sonhamos. É estranho como nos
acostumamos a deixar pequenos pedaços de nós pelo caminho, com cada uma das vezes em que
alguém nos machuca, mas quando a pessoa certa aparece, todos esses pedaços se juntam novamente e
nos tornam uma pessoa completa mais uma vez.
Muito tempo atrás, à beira do mar de Roterdã, um homem havia me prometido que faria qualquer
coisa para me ver sorrir. Naquela época, eu pensei que era apenas uma promessa, uma daquelas
coisas que dizemos às pessoas que amamos sem pensar muito. Hoje, caminhando com um passo de
cada vez para o lado desse mesmo homem, eu tinha certeza de que não era uma promessa vazia.
Adrian havia feito o impossível para me ver sorrir. Encarando os olhinhos escuros de minha Aurora,
eu sabia que ele havia me dado o impossível.
Papai estendeu minha mão para Adrian e o abraçou.
― É um prazer me tornar parte da sua família, Sr. Persen ― ele disse e papai sorriu.
― É um prazer entregar minha filha a você, Adrian ― papai respondeu.
Ficamos os dois ali, um ao lado do outro, ouvindo as palavras do juiz de paz e mirando as águas
do canal. Era uma linda manhã de primavera, quando eu finalmente me tornei a Sra. Galagher. Nada
no mundo inteiro poderia ser mais perfeito e eu não podia querer nada mais, além do que já tinha.
Fechei meus olhos e deixei sua mão me conduzir. Era um sonho que eu mal podia crer que se
realizava.

FIM
Bônus

Alexander

Roterdã, alguns meses mais tarde...

―Não acredito que você vai mesmo nos deixar – Laura me disse enquanto dobrava uma camisa
de algodão branca.
Ela tentava parecer tranquila, mas eu podia ver pequenos traços de nervosismo em seu rosto
delicado. Não era apenas ela que estava triste. Eu também estava. Eu havia passado tanto tempo com
eles que tinha medo de não lembrar mais de como a vida era sem ninguém.
Peguei a camisa das mãos dela e coloquei sobre o colchão, segurando suas mãos entre as minhas,
em silencio por um tempo.
- Isso é uma coisa boa, Laura – comecei – eu sei que parece uma coisa ruim, mas acredite, é uma
coisa boa.
Laura fungou e ajeitou uma mecha de cabelo solta atrás da orelha – ela era durona.
- Não é justo que você afaste Louise de nós! – reclamou e eu acabei sorrindo.
- Laura, Bruxelas fica logo ali – eu disse acariciando as palmas das suas mãos com meus dedos –
além disso, nós estaremos sempre por aqui. Não é como se estivesse me mudando para Xangai.
Ela fungou novamente, evitando que uma lagrima rolasse e eu agradeci porque se ela chorasse, eu
acabaria fazendo o mesmo. Eu não era durão como Adrian Van Galagher.
Respirei fundo, deixando meus olhos se perderem na janela, admirando as folhas das árvores,
balançadas pelo vento quente da primavera. Eu sentia meu coração mais e mais apertado, conforme a
mudança se aproximava. Eu tinha medo por mim, por papai, por Louise. Eu tinha medo por Adrian
também. Por mais que ele fosse o cara durão, eu sabia que ele precisava de mim. Nós dois
funcionávamos como partes de uma mesma engrenagem.
- Alex! – ouvi o grito de Laura perto da minha orelha e supus que não era a primeira vez que ela
me chamava. Sorri.
- Tudo vai ficar bem – eu disse mais para mim mesmo do que para ela.
- Alex – ela continuou com a voz suave, mãos sobre as minhas, acariciando minha pele com sua
delicadeza e carinho – sabe que não precisa ir. Sabe que pode ficar e assumir seu antigo cargo na
empresa. Sabe que nem mesmo Stein se importaria.
Ela havia aumentado sua voz em meio tom, denunciando seu nervosismo.
- Quer dizer – tentou consertar quando percebeu que eu havia notado – eu acho que – estava se
enrolando cada vez mais – acho que – comecei a sorrir – bem, é uma grande empresa. Sei que tem
lugar para vocês dois e – comecei rir sem querer, diante da explosão do seu nervosismo – Ah pare
de me deixar nervosa! – ela disse meio irritada, meio risonha – você está fazendo de proposito! – e
completou, levantando-se e colocando as mãos na cintura – Não ouse usar seus truques de advogado
comigo, Dr. Persen!
Levantei-me também e estendi os braços, puxando-a para o meu abraço, aconchegando sua cabeça
em meu peito. Depois sorri.
- Mas você precisa admitir que eu sou muito bom no que faço – brinquei.
- O melhor! – ela disse beijando minha bochecha – eu nunca fiz segredo do quanto admiro meu
irmãozinho – brincou fazendo-me fungar um pouco.
Eu não estava acostumado á despertar o orgulho das pessoas. Eu era Alexander Persen, o
coadjuvante. Não era uma reclamação, era uma constatação. Eu não era o personagem principal nem
em minha própria vida e era por isso que eu precisava ir.
- Eu daria um milhão pelos seus pensamentos, Sr. Persen – Laura disse trazendo-me de volta á
realidade.
- Ah eles não são tão caros assim, minha querida – brinquei – não gaste seu dinheiro comigo.
Eu estava brincando e Laura também estava, mas havia uma linha fina nos deixando do lado de cá
das nossas mazelas passadas. Ela sabia que eu tinha as minhas e eu sabia o mesmo.
- Mamãe! Mamãe – Hanna entrou correndo com seus cabelos louros ricocheteando pelo espaço –
Aurora acordou!
Laura demorou-se mais alguns instantes em meu abraço e em seguida me soltou, ajeitou o vestido
e sorriu delicada.
- Acho que estou sendo solicitada na mansão – brincou – A pequena Srta. Galagher quer almoçar.
- E você sabe que nenhum dos Galagher é bom em esperar – brinquei de volta – melhor atende-la.
Laura passou pelas portas duplas do estúdio que Adrian havia transformado em lar para mim e
Louise. Eu fiquei ali, parado, vendo-a desaparecer pelo jardim, tão plena e esvoaçante. Ela me fazia
lembrar uma daquelas fadinhas dos livros de Hanna. Estava iluminada e cheia de vida. Laura me
fazia lembrar minha mãe.
Respirei fundo, trazendo para dentro o perfume das pequenas flores brancas que cresciam debaixo
da minha janela.
“É necessário Alexander” – repeti mentalmente – “É necessário”
Minha filha dormia no pequeno berço de palha, ao lado da minha cama. Havia sido sempre assim,
desde que eu cheguei com Louise do hospital. Tantas noites em claro, acordando de hora em hora até
acostumar minha menininha que eu seria seu aconchego na madrugada, seu alento na dor, na
dificuldade. Que eu seria sua mãe e seu pai e tudo mais que ela precisasse.
Laura, Margarida, Joanne, Martina, todas elas, em várias oportunidades, tentaram me convencer
de que poderiam me ajudar com Louise. Eu não duvidava, sabia que fariam o melhor que pudessem,
mas era algo que eu queria fazer. Eu queria trocar as fraldas. Queria banhá-la e alimentá-la e ensinar
á ela que não seria uma jornada fácil, mas que eu estaria ali.
Louise soltou um suspiro e um sorrisinho fraco brilhou em sua boquinha de coração, antes que
seus olhinhos se abrissem. Ela se parecia com a mãe. Tinha o melhor dela. Eu sentia que apesar de
tudo, a vida de Alissa não havia sido em vão. Louise era o que ela havia deixado de efetivo ao
mundo e era uma garotinha incrível.
- Você vai gostar de Bruxelas – eu disse correndo os dedos por sua bochecha rosada – é um
pouco mais barulhento que isso aqui, mas você vai gostar.
Coloquei mais uma camisa sobre a primeira, esvaziando uma das minhas gavetas. No fundo dela,
esquecida pelo tempo, estava uma foto da minha mãe – Esquecida pelo tempo, não por mim – Era
uma foto antiga. Mamãe estava sentada na soleira da nossa porta no Laeken.
Nós morávamos em um pequeno apartamento. Um antigo casarão que havia sido reformado e
dividido para que abrigasse mais de uma família. Mamãe e eu dormíamos juntos em um quarto com
vista para o parque. Se fechasse meus olhos, ainda podia sentir o perfume delicado dela. Mamãe só
falava francês. Era uma linda enfermeira de cabelos escuros e olhos esverdeados. Sua pele era tão
clara e delicada que eu nunca entendi porque precisava se maquiar. Ela era linda. Nem mesmo
quando o câncer a pegou de vez, mamãe deixou de ser uma linda mulher.
Segurei a fotografia em minhas mãos, acariciando seu rosto com o meu polegar.
“Você precisa aprender a tocar piano Alexander” – ela me dizia – “E a valsar. Todo homem
deve saber dançar valsa. Isso é muito importante”.
Nós éramos pobres. Trabalhadores como tantos outros e eu não conseguia entender porque
tinha que aprender a dançar valsa ou a tocar piano. Nós nem mesmo tínhamos um piano. Quando fui
ao primeiro baile com Adrian eu entendi – mamãe estava me preparando para o futuro. Ela
acreditava que eu tinha um futuro dourado e estava me preparando para ele.
Ela tinha razão.
Eu havia vencido. Deixado o subúrbio do Laeken e ganhado o mundo. Tinha uma bela conta
bancária, um carro de luxo, roupas caras. Comia em bons restaurantes, viajava de primeira classe,
mas não tinha mais mamãe comigo.
- Tio Alex? – a voz de John chamou após uma batida no batente da porta.
- Entre John – respondi tentando limpar meus olhos marejados, mas o tom avermelhado em minhas
pálpebras me denunciou.
- Hum – John começou mordendo o lábio – má hora? – perguntou sem jeito – porque eu posso voltar
depois, não tem problema.
Sorri – John era como um filho para mim, mas estava tão crescido que eu o via mais como
um irmão mais jovem agora.
- Sente-se aqui – eu disse batendo no espaço vazio ao meu lado.
John me obedeceu. Sentou-se em silencio, encarando meus olhos vermelhos de lembranças.
- Sabe que precisa cuidar dele, não sabe? – comecei sem dizer nenhum nome porque John sabia bem
á quem eu me referia.
John assentiu.
- Ele é um cara complicado John – eu continuei colocando a mão sobre seu ombro – ele não vai pedir
ajuda – constatei – na maioria das vezes, você vai ter ajuda-lo sem que ele perceba.
John assentiu novamente.
- Promete que vai cuidar das suas irmãs e da minha? – falei correndo as mãos pelas suas costas –
Laura pensa que é forte John, mas ela é só uma garota sonhadora. Você precisa cuidar dela.
E então havíamos chegado à pior parte da nossa conversa – Jens Van Hart. John era
crescido o suficiente para entender bem tudo que havia acontecido entre Patrícia e Hart. Era difícil
esperar maturidade, mas eu precisava tentar.
- E quanto á Collin, John – continuei sentindo o peso das minhas próprias palavras – quer dizer,
quanto á Hart – melhorei a frase – você precisa – eu não sabia como continuar – precisa.
- Preciso dar uma chance ao cara – John me cortou – tudo bem Tio Alex. Eu acho que o cara merece.
Quer dizer, não seremos grandes amigos, provavelmente, mas acho que posso aturar ele de vez em
quando – John disse com o ar jovial e cheio da bondade que ele tinha – ele faz bem ao Collin, Tio
Alex. O pirralho anda mais feliz e animado. Todos andam, na verdade.
Sorri, afagando suas costas com mais vontade.
- Agora acho que devemos parar por aqui Tio Alex, quer dizer, essa coisa toda de me alisar na sua
cama e tal, sei lá Tio – brincou com seu sarcasmo habitual.
- Tenha mais respeito garoto! – brinquei de volta – não esqueça que eu ajudei a trocar algumas
fraldas suas!
John levantou uma sobrancelha para mim com o olhar sério. Permaneceu assim por alguns
segundos e então me abraçou sorrindo.
- Vou sentir sua falta Tio Alex – confessou arrancando algumas lágrimas de mim – você sempre
esteve por aqui. Não sei como faremos sem você.
Seus olhos amendoados estavam marejados também. Havia um sulco brilhante em seu rosto
e isso me fez lembrar o garotinho de cabelos ondulados que corria para mim quando ralava os
joelhos no jardim.
- Vou sentir sua falta também John – confessei – promete que vai me visitar? Eu quero saber de tudo.
Tudo mesmo. Temos um trato? – brinquei.
- Temos sim, Tio Alex.
Enquanto conversávamos, o carro de Adrian parou próximo ao jardim. Eu sabia que essa
seria a pior conversa que eu precisava ter antes da partida. Havia tanto a falar. Tanto a agradecer.
Era difícil encontrar um ponto inicial no emaranhado que nossas vidas haviam se tornado nesses mais
de vinte anos de amizade.
- Fica com Louise para mim? – pedi encarando a figura descer do carro.
- Vai lá Tio. Antes que o velho encontre uma maneira de fugir de você.
Caminhei pelo jardim. Adrian não entrou em casa, ele também sabia que havia chegado o
momento da nossa conversa.
Continuei caminhando devagar, enquanto ele se afastava de costas, até perto do lago.
Sentou-se no deck, retirou o blazer e os sapatos, dobrou a calça até as canelas e enfiou os pés na
agua fria.
- Lembra-se de como costumávamos pescar em Gante no verão? – ele me perguntou sem me olhar.
Sentei-me ao seu lado, deixando meu corpo pender contra as tabuas do deck e cruzando as
mãos sobre o rosto para proteger os olhos do sol fraco e brilhante do fim de tarde.
- Bons tempos – respondi – mas não era justo porque você tinha todo aquele negocio de “dança da
pesca” e isso sempre funcionava.
Adrian sorriu.
- Admita Alexander, eu sou melhor pescador que você! – brincou dando um soco de leve em meu
ombro.
Respirei fundo. Era tão estranho não estar mais por perto. Tão estranho não poder tomar um
uísque no Jack’s e falar bobagens como se ainda fossemos os dois adolescentes que dividiam um
alojamento na faculdade e a vida depois disso.
- Você é melhor que eu em muitas coisas, Adrian – confessei já sem humor, sentindo meu coração
estranho, apertado – vou sentir falta do meu melhor amigo.
- Então acabe logo com essa bobagem de voltar á Bruxelas! – Adrian disse autoritário – sabe que não
precisa disso. Você sabe que sempre terá um lugar ao meu lado. Sabe que tudo que tenho devo á
você.
- Adrian – chamei encarando-o de verdade.
Ele sabia que eu precisava sim ir á Bruxelas. No fundo, ele sabia. Era uma parte importante
da busca que eu precisava fazer pelo antigo Alexander. Era minha vez de me reformar, de encontrar
um novo rumo.
Adrian respirou profundamente.
- Não é verdade – ele disse e parou, deixando-me sem entender.
- Como? – perguntei levantando-me e me ajeitando ao seu lado.
Adrian atirou uma pedrinha nas aguas calmas do lago.
- Não é verdade que sou melhor em muitas coisas – concluiu – talvez eu seja melhor apenas em
encontrar os amigos certos.
Engoli em seco.
- Obrigada Alexander – ele disse ajeitando um pouco os óculos no rosto – por ter sido o melhor
amigo que eu poderia se quer pensar em ter. Obrigada por ter sido meu irmão. Por ter cuidado tanto
de mim e da minha família. Mesmo quando eu não mereci.
Funguei, afastando as lagrimas e deixando que escorregassem para dentro da minha
garganta. Demorei um tempo para responder. Eu não queria ter a voz embargada no meio da frase,
queria uma despedida feliz.
- Acho que você deveria me dar a sua moto – disse depois de um tempo e Adrian me encarou sem
entender.
Eu queria fazer uma piada, deixar as coisas mais leves. Nós precisávamos disso.
Ele nunca mais havia pilotado porque se fizesse isso, Laura arrancaria toda a sua pele, com uma faca
de serra.
- Sabe como é – continuei – levo a moto como símbolo da nossa amizade.
Adrian sorriu.
- Muito máscula sua atitude – brincou – quer trocar pulseirinhas da amizade? Acho que Hanna deve
ter algumas guardadas em sua caixa de princesas.
Soltei uma gargalhada e Adrian gargalhou comigo, mas nosso riso morreu cedo demais.
- Sabe que as portas estarão sempre abertas para você e Louise, não sabe? – ele me disse depois de
algum tempo.
- Sei sim – respondi – e acredite, nós passaremos por elas de volta, na hora certa.
Adrian assentiu e eu assenti de volta. Ficamos sentados ali no deck sem dizer nada. Era bom
ficar em silencio com ele, era um silencio confortador.
Quando a tarde caiu eu sabia que era hora de ir. Eu havia comprado um bilhete noturno no
trem rápido. Iria para Bruxelas e teria uma semana para ajeitar tudo, antes que Laura e Adrian
levassem Louise para mim.
Levantei e bati as mãos em meus jeans, espalhando algumas folhas no chão. Adrian não se
moveu. Não me disse mais nada, nem eu. Bati a mão sobre seu ombro sem conseguir me despedir.
Comecei o trajeto de volta para o estúdio, até que a voz de Adrian me fez parar.
- Alex? – ele chamou e eu me virei – Não demore – disse com sarcasmo no olhar – vou sentir falta da
minha moto.

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