No primeiro esquema de desenvolvimento da história esboçado por Marx e
Engels em A ideologia alemã (1845-1846), a ideia básica era a de uma sucessão de épocas históricas, cada qual fundada em um MODO DE PRODUÇÃO, e a revolução, em seu sentido mais pleno, significava um salto cataclísmico de um modo de produção para o seguinte. Este salto seria provocado por uma convergência de conflitos: entre as velhas instituições e as novas forças produtivas que lutam pela liberdade, e, menos impessoalmente, entre as classes dominante e dominada dentro da velha ordem, e entre a primeira e uma nova classe nascida para desafiá-la, até que, ao nível da revolução socialista, a velha classe explorada e a nova classe dominante fossem a mesma coisa. Posteriormente, Marx e Engels só tiveram tempo de pensar mais refletidamente sobre a revolução passada, presente e futura na Europa moderna. Marx havia iniciado, em 1843, um estudo das revoluções inglesa, francesa, norte- americana (conforme está indicado em seus cadernos de anotações). Todas haviam sido “revoluções burguesas” (embora a norte-americana também fosse nacional), isto é, lideradas por ambiciosos setores da burguesia e motivadas, no fundo, pela necessidade de expansão das novas forças capitalistas. De todas essas tentativas de marcar o fim de uma época e o começo de outra, Marx e Engels passaram, sem demora, a considerar a Reforma luterana e a Guerra Camponesa de 1524-1525 na Alemanha – que acompanhou a primeira e mais ousada etapa da Reforma e sobre a qual Engels escreveu um “livro” – como a mais antiga, embora de êxito apenas parcial, das tentativas de burgueses e camponeses para derrubar o poder feudal. Muito mais amadurecida e bem-sucedida foi a revolução da década de 1640 na Inglaterra, que não teria ido tão longe, porém – segundo Marx e Engels –, se não houvesse os pequenos proprietários rurais (Yeomen) e os plebeus urbanos para lutar pela ascensão da burguesia emergente e dos proprietários de terras aburguesados ao poder. Isso sugeriu o que Marx e Engels passaram a considerar como regra geral, ou seja, que todos esses movimentos de revolta tinham de ser levados muito além do ponto exigido pelos interesses burgueses propriamente ditos, para que o inevitável refluxo da maré não ultrapassasse o ponto representado por uma solução como a de 1688, como disse Engels em sua “Introdução” à edição inglesa de Do socialismo utópico ao socialismo científico. Uma outra característica geral era a de que a nova classe proprietária emergente, mostrando-se capaz de granjear apoio das massas, podia passar como representante de todo o povo contra a velha ordem e, naquele momento, até mesmo considerar-se como tal. Nos anos 1848-1849, participando da ala esquerda do movimento radical na Alemanha, Marx e Engels tiveram a oportunidade de ver, de dentro, uma revolução burguesa, e indignaram-se com aquele espetáculo de hesitação e fraqueza que terminou com a derrota. Mais tarde, refletiram e escreveram bastante sobre o fato. O estudo da história econômica recente da Europa convenceu Marx de que os levantes europeus de 1848 haviam sido provocados pela depressão econômica de 1847 e pelo descontentamento de massa que esta causara, e de que nenhuma nova rebelião poderia ter qualquer possibilidade de êxito até que uma nova crise voltasse a agitar as massas. Na realidade, as burguesias da Europa Central e Oriental, ainda mais receosas dos trabalhadores que tinham por trás de si do que dos governos que tinham à sua frente, jamais correram o risco de repetir a experiência, exceto de maneira pouco entusiasta, na Rússia, em 1905. Elas puderam assegurar-se, se não o poder político, pelo menos uma posição dentro da velha estrutura que lhes permitia dar continuidade, sem obstáculos, ao crescimento industrial, e isso era tudo o que lhes importava. Engels tentou, em O papel da violência na história (l887-1888), enquadrar essa opção burguesa no esquema marxista, pelo menos no que dizia respeito à Alemanha, interpretando a unificação de Bismarck como “revolucionária”, o que é um bom exemplo da maneira flexível segundo a qual ele e Marx usaram a expressão. Outro exemplo disso é a assertiva de Marx sobre a desestruturação das aldeias indianas pela pressão britânica, considerando-a como a primeira “revolução social” na história da Ásia, em “O domínio britânico na Índia” (artigo escrito em 10 de junho de 1853). Numerosos problemas, contudo, surgiram em relação ao conceito de “revolução burguesa”, embora ele tenha sido intensamente trabalhado e desenvolvido pelos pensadores marxistas na segunda metade do século XX. No caso inglês, ainda não foi possível demonstrar de maneira irrefutável uma colisão entre classes e entre sistemas econômicos por elas representados. Mesmo o caso francês de 1789, em relação ao qual a interpretação marxista ou abordagens que lhe são próximas têm aceitação mais ampla, continua sendo objeto de controvérsia. Reconhece-se, não obstante, que a hipótese de Marx contribuiu mais do que qualquer outra para estimular a investigação sobre o assunto. Outro tipo de revolução, a comunista, já vinha sendo objeto de atenção por parte de alguns há muito tempo, mas – e Marx sempre insistiu nisso – não podia ter significado prático antes que existissem as condições materiais para a sua concretização. Isto é, o comunismo devia necessariamente ser posterior ao capitalismo, que dera origem a uma nova classe operária, destinada, pela primeira vez, a acabar com todas as divisões de classe, já que representava não uma forma alternativa de propriedade, mas a alienação com relação a toda e qualquer propriedade. A ascensão do proletariado ao poder haveria de constituir uma transformação tanto moral quanto social, uma vez que eliminaria todos os vestígios do passado, limparia as estrebarias de Augias da humanidade e permitiria começar tudo de novo, como nos dizem Marx e Engels em A ideologia alemã (vol.I, I 2C). Outra de suas convicções iniciais que Marx e Engels nunca abandonaram foi a de que a grande transformação não poderia ter lugar isoladamente aqui e ali, num ou noutro lugar afastados uns dos outros, mas teria de ser obra de um número decisivo de nações industriais agindo simultaneamente (ibid., vol.I, I, IA). Da derrota dos trabalhadores parisienses na insurreição de junho de 1848, Marx tirou a conclusão de que aquilo era apenas o começo de uma luta tão prolongada quanto a perambulação dos israelitas pelo deserto, como se pode ler na terceira parte de As lutas de classes na França de 1848 a 1852. (Essa imagem, mais tarde, seria uma das favoritas de Stalin). Em anos posteriores, Marx e Engels tiveram de confessar que, em 1848, haviam sido levados pela impetuosidade da juventude e que esperar a derrubada do capitalismo quando este estava apenas na primeira fase de sua marcha pelo continente era prematuro. O poder não podia ser tomado por um simples ataque de surpresa de alguns entusiastas, de uma vanguarda militante que não fosse secundada pela energia de toda uma classe (Engels, “Introdução” à edição de 1895 de As lutas de classes na França de 1848 a 1852, de Marx). Engels chegou a considerar que uma possível exceção desse axioma poderia se registrar na Rússia. Em 1875, ele pensava que a revolução ali, apressada talvez pela guerra, era iminente, e o escreveu em “Soziales aus Russland” (“As condições sociais na Rússia”) artigo publicado em Der Volksstaat. Em 1885, ele escreveu à publicista revolucionária russa Vera Zassulitch que, se havia um lugar em que a fantasia blanquista de uma sociedade derrubada por um grupo de conspiradores poderia ter alguma substância, esse lugar era a Rússia, porque toda a estrutura do czarismo era tão instável que um golpe decidido e vigoroso poderia derrubá-la (carta a Vera Zassulitch, 23 de abril de 1885). Em outros lugares as coisas iriam mais devagar, embora, na maior parte dos casos, o clímax provavelmente fosse uma prova de força física. Marx estava disposto a admitir que uns poucos países, principalmente a Inglaterra com sua longa tradição política, pudessem escapar ao ordálio final. Mas os acontecimentos na Inglaterra eram decepcionantes, tendo a classe operária, depois do fracasso do cartismo, recuado para o sindicalismo apolítico, sem qualquer vislumbre de uma “missão” socialista. Na França o espírito político estava mais vivo, mas, logo depois de 1848, Marx compreendeu que, em um país fundamentalmente agrícola, a limitada classe operária não poderia ascender ao poder sem a ajuda do campesinato, cuja pobreza crescente poderia servir de estímulo à luta (O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, parte VII). Na Rússia essa ajuda seria ainda mais claramente indispensável. Depois de 1870, a rápida industrialização da Alemanha levava a crer que, ali, os trabalhadores poderiam assumir a liderança. Um forte movimento socialista estruturou-se logo, com uma representação crescente no Reichstag. Engels impressionou-se com o crescimento do socialismo alemão como força eleitoral, inclusive porque, como conhecedor das questões militares, ele tinha consciência de que as novas armas fortaleciam os governos em termos de poder físico. As lutas de rua e as barricadas eram coisas do passado, escreveu ele a Lafargue em 3 de novembro de 1892: em um combate com o exército, os socialistas certamente levariam a pior; e admitia ainda não ver uma solução clara para essa dificuldade. Isso tornava, porém, ainda mais necessária a participação das massas, a ampliação do movimento ao máximo possível, e, na Alemanha, impunha-se levá-lo à principal área de recrutamento do exército, a Prússia Oriental. Engels fez essas advertências num prefácio escrito em 1895 para a edição alemã de As lutas de classes na França de 1848 a 1852, de Marx. Indignou-se, porém, com o fato de seu texto ter sido podado pelos editores, com medo da censura, pois isso poderia fazer com quefosse malcompreendido e parecesse um “cultuador pacífico da legalidade”, conforme queixou-se em carta a Kautsky (1º de abril de 1895). Isso aconteceria realmente dentro em pouco, quando, em 1898, três anos após sua morte, Bernstein começou a apresentar as ideias que haveriam de levar à controvérsia “revisionista” (ver REVISIONISMO). Nesse complexo debate, o que Bernstein considerava como seu principal argumento era que o suposto colapso inevitável do capitalismo em um futuro próximo não passava de um desejo infundado. Mas, tal como foi geralmente entendido, o argumento girava em torno da possibilidade de a revolução, no sentido tradicional, ainda constituir uma possibilidade prática, ou se era necessário recorrer exclusivamente, agora, aos métodos constitucionais. Na Rússia não havia direitos constitucionais antes da revolução de 1905, e também não houve muitos depois. Lenin empenhava-se em criar um partido que fosse capaz de preparar e de conduzir uma revolução: levava ao extremo a ideia de uma revolução planejada antecipadamente, ao contrário de todas as anteriores. Seu partido era pequeno demais e sem experiência para influenciar o movimento predominantemente espontâneo de 1905, e este não poderia, na melhor das hipóteses, ir além dos limites democrático-burgueses, que incluíam uma ampla reforma agrária. O fracasso, porém, mostrou como era irresoluta a débil burguesia russa tal como, em 1848-1849, havia posto a nu a indecisão da burguesia alemã. Daí o paradoxo de que a revolução da burguesia teria de ser feita para ela, ou a despeito dela, pelas massas dirigidas pela classe operária e pelo partido desta. Essa reflexão levou facilmente à estratégia da “revolução permanente”, ao plano de continuar, praticamente sem pausas, da revolução burguesa (ou, mais exatamente agora, democrática) para a socialista. Havia nessa tese complexidades suficientes para um debate interminável no seio da esquerda, tal como o que o revisionismo estava provocando mais a leste. Quando em 1914 a Europa pegou obedientemente em armas à voz de mando de seus governantes, Lenin tentou responder à acusação de que a Internacional se mostrara leviana ao prever que a guerra traria revoluções. Ela jamais havia garantido isso, escreveu Lenin: nem toda situação revolucionária leva à revolução, que não pode se produzir por si mesma (Lenin, 1915, ps.213, 214). A revolução só pode ocorrer quando as massas estiverem preparadas para se levantar e quando, além disso, as classes dominantes se mostrarem incapazes de sustentar a velha ordem. Estas são condições objetivas, independentes da vontade dos partidos e das classes. Decorre dessa análise que a revolução socialista não se poderia fazer de um único e rápido golpe: constituir-se-ia forçosamente de lutas progressistas e cada vez mais intensas em todas as frentes. O ano de 1917 provocou, na Rússia, a crise geral que Lenin esperava. Nenhuma revolução, escreveu Trotski no segundo apêndice de sua história da Revolução Russa (1932-1933), pode corresponder perfeitamente às intenções de seus promotores, mas a Revolução de Outubro correspondeu mais do que qualquer outra antes dela. Apenas sob um aspecto muito importante, ela não confirmou os prognósticos: ele e Lenin esperavam que constituísse o sinal para a revolta por toda a Europa; para eles, como para Marx e Engels, era na arena internacional que o resultado se decidiria. Mas Leste e Oeste estavam demasiado distantes, e os socialistas de outros países não mostraram maior inclinação para imitar os bolcheviques, que se sentiram abandonados. Deflagrou-se logo um debate, em que os principais antagonistas foram Lenin e Kautsky, sobre a autenticidade da revolução socialista. Lenin acusava seus críticos de terem trocado marxismo pelo reformismo. Kautsky acusava o bolcheviques de usarem o terrorismo para se manter no poder, alegando que Marx havia considerado a DITADURA DO PROLETARIADO como uma necessidade de qualquer transição pós- revolucionária. A visão que Marx e Engels tinham do terrorismo, enquanto algo basicamente distinto da ditadura do proletariado pode ser encontrada em um trecho de uma carta de Engels a Marx (de 4 de setembro de 1870) sobre o Terror de 1793, em que este é definido como um regime de homens eles próprios aterrorizados, que perpetram crueldades sempre inúteis com o propósito de aumentar sua confiança em si mesmos. Algumas poucas tentativas de revolução em outros pontos da Europa, nos anos que se seguiram, fracassaram. Gramsci foi um pensador marxista que refletiu, na inação do cárcere, sobre as lições da experiência. E estabeleceu uma distinção baseada nos acontecimentos da Itália do século XIX, entre levantes ativos, como o de Mazzini, e a “revolução passiva”, da qual Cavour foi o expoente e cujo método era a preparação paciente, que alterava a composição das forças sociais por meio de “mudanças moleculares” na consciência dos homens. Talvez as duas fossem necessárias à Itália, sugeriu ele, e o resto da Europa depois de 1848 parecia-lhe inclinar-se para a variante “passiva”. Gramsci falava então da revolução democrática-burguesa, ou nacional-burguesa; depois de 1918, e mais claramente depois de 1945, pode-se dizer que o socialismo europeu evidenciou uma tendência semelhante. No Ocidente, a aceitação da revolução como um objetivo passou a significar, com efeito, a crença em uma transformação ampla da sociedade, por oposição a qualquer reestruturação da velha sociedade por meio de reformas fragmentárias. Na URSS tornou-se visível uma tendência mais lenta na mesma direção: em princípios da década de 1960, a teoria soviética estava pronta a adotar o ponto de vista de que, estando o socialismo já estabelecido em grande parte do mundo, poderia chegar ao poder em outros países por etapas pacíficas. Essa tese foi adotada e passou a ser sustentada sob a pressão da doutrina mais inflamada do maoísmo (ver MAO TSE-TUNG), que disputava com Moscou a liderança do campo socialista e que reafirmava, mais uma vez, o caráter internacional da luta. Mais recentemente, porém, Pequim abandonou essa postura ultrarrevolucionária. Mas, desde a época anterior a 1914, em que Lenin considerava a perspectiva de movimentos revolucionários no mundo colonial como um reforço aos movimentos europeus, a revolta armada deslocou-se da Europa para o Terceiro Mundo, onde ela continua a ser um problema candente, porque o domínio militar da direita, com apoio estrangeiro, sobre grande parte da Ásia e da América Latina, não parece deixar alternativa. O socialismo e o sentimento nacional ou a reivindicação da terra pelos camponeses estão, com frequência, interligados, mas, em muitas regiões é o marxismo, ou alguma adaptação local dele, que tem proporcionado o fio condutor dos movimentos revolucionários. (Ver também GUERRA; NACIONALISMO). Bibliografia: Blackburn, Robin (org.), Revolution and Class Struggle: a Reader in Marxist Politics, 1978; Bonomi, G., Partito e rivoluzione in Gramsci, 1973; Bricianier, Serge, Pannekoek et les conseils ouvriers, 1969; Pannekoek and the Worker’s (1978); Claundín, Fernanda, Marx, Engels y la Revolución de 1848, 1975; Cornu, A., Karl Marx et la Révolution de 1848, 1948a; Gramsci, Antonio, Selections from the Prison Notebook, 1929-1935 (1971); Hobsbawm, Eric, Revolutionaries, 1973 [Revolucionários, 1982]; Kautski, Karl, The Social Revolution, 1902 (1916); Lenin, V.I., The Proletarian Revolution and the Renegade Kautski, 1918 (1965) [A revolução proletária e o renegado Kautski , 1979]; Löwy, Michael, La théorie de la révolution chez le jeune Marx, 1970 £ Dialectique et revolution, 1973; Marek, Franz, Philosophy of World Revolution, 1966 (1969); Trotski, L.D., History of the Russian Revolution, 1932-1933 (1967) [História da Revolução Russa, 1978]; Woddis, J., New Theories of Revolution, 1972.
(KIERNAN, V. G. Revolução, in BOTTOMORE, Tom (ed.). Dicionário do
Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Zahar, [s.d.].)