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C U R R Í C U LO
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INICIATIVA Colaboração
Fundação Itaú Social Anna Josephina Ferreira Dorsa, Antônio
Aparecido Primo, Conceição Apareci-
Vice-Presidente da Cabrini, Flávio Augusto Desgranges,
Antonio Jacinto Matias Humberto Luiz de Jesus, Isabel de Azevedo
Marques, Lenir Morgado da Silva , Luiza
Superintendente Esmeralda Faustinoni , Margarete Artacho
Valéria Veiga Riccomini de Ayra Mendes , Maria Terezinha Teles
Guerra e Silas Martins Junqueira
Coordenadoras do Programa
Isabel Cristina Santana Apoio Administrativo
Maria Carolina Nogueira Dias Solange Jesus da Silva
Gerente de Projetos
Anna Helena Altenfelder
Organizadores da publicação
Adriano Vieira
Maria José Reginato
Meyri Venci Chieffi
Leitura Crítica
Anna Helena Altenfelder
A P R E S E N TA Ç Ã O
Para nós, participação é um valor. Assim, da mesma forma que afirmamos a importân-
cia do envolvimento dos profissionais do ensino na elaboração dos currículos, procuramos
trazer também, nesta sistematização, os vários olhares e as diferentes leituras dos segmentos
envolvidos na experiência. Apresentamos, ainda, algumas reflexões de especialistas em currí-
culo que fundamentam a escolha pela participação.
Desta forma, pensamos oferecer ao leitor elementos para uma análise dessa experiência,
que não seja parcial e fragmentada, mas ampla e plural, de modo que traga à tona os acertos
e as contradições próprias de todo processo participativo.
Pretendemos, com esta publicação contribuir para o debate sobre construção participati-
va de currículo, no âmbito das Secretarias de Educação e das escolas, dado que vivemos um
momento importante no país, em que se redefinem as diretrizes curriculares para o Ensino
Fundamental de nove anos e caminha-se na direção de uma escolaridade obrigatória dos 4
aos 17 anos, mobilizando Estados e Municípios a repensarem o atendimento à demanda e o
currículo. Além disso, acreditamos que a participação é fator de sustentabilidade de políticas
públicas, garantindo a continuidade das ações, para além das mudanças governamentais. É
ingrediente fundamental na constituição das políticas de Estado.
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AGRADECEMOS
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Débora Cunha Freire,Deusite Pereira dos Santos,Elizabeth Batista Ribeiro, Elza Maria
Monteiro,Eusa Reynaldo da Silva, Inácio de Araújo Machado, janete Romano Fontanezi,
juliane Rodrigues Ferreira, Kássia Miguel, lilian Rodrigues Rios,lucilélia lemes de Castro
Silva Nascimento,Marceli Maria da Silva Carmo,Márcia Aparecida Vieira Andrade,Marco
Antônio de Paula Teixeira, Margaret Maria de Melo,Maria Antônia j. de Morais, Maria
Aparecida Ferreira Gonzaga, Maria de lourdes Sousa Morais, Marilda Costa Valente de
Brito, Marilda de Oliveira Rodovalho, Mariluzi Santos de lima,Marlene Aparecida da
Silva Faria,Marlene Carlos Pereira, Maxwell Gonçalves Araújo, Mônica Martins Pires,
Niransi Mary da Silva Rangel Carraro, Orley Olavo Filemon, Pricila Ferreira de Souza,
Ranib Aparecida dos Santos lopes, Regina Alves Costa Fernandes, Rodrigo da Silva,Rosely
Aparecida Wanderley Araújo, Sélvia Carneiro de lima, Silma Pereira do Nascimento
Vieira,Wagner Alceu Dias, Wálisson Francisco de lima.
Aos eduadores do Ciranda da Arte: Aline Folly Faria, Ana Rita da Silva, Altair de Souza
junior, Ana Rita Oliari Emrich, Angélica Aparecida de Oliveira, Bianca Almeida e Silva,
Carina da Silva Bertunes, Eliton Pereira, Eliza Rebeca Simões Neto, Fernanda Moraes de
Assis,Fernando Alves Rocha,Fernando Peres da Cunha, Franco luciano Pereira Pimen-
tel, Haydée Barbosa Sampaio de Araújo, Henrique lima,Karla Araújo, Karla Araújo,Kelly
Pereira de Moraes Brasil,lana Costa Faria,leonardo Mamede de lima,lívia Patrícia
Fernandes, luz Marina de Alcântara, Mara Veloso de Oliveira Barros, Maria josé Garcia
Glória, Noeli Batista dos Santos, Pablo Angelino da Silva,Raquel de Oliveira, Rosirene
Campelo dos Santos, Santiago lemos, Sylmara Cintra Pereira, Warla Giany de Paiva.
Por fim, mas não por último, registramos nosso agradecimento e reconhecimento ao tra-
balho e colaboração de todos os integrantes das equipes técnicas das Subsecretarias Region-
ais de Educação do Estado de Goiás, dos diretores, secretários, coordenadores pedagógicos,
professores, funcionários, alunos pais e comunidades de todas as escolas da rede estadual de
Goiás, atores fundamentais na busca e garantia da qualidade social da educação.
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SUMÁRIO
INTRODUçãO 10
bloCo II • a exPeRIÊnCIa
Um exemplo: Goiás
• Diagnóstico inicial 55
O rganização da publicação
A publicação está organizada em nove seções, que abordam a questão curricular por vários
ângulos e com diferentes gêneros, tendo como objetivo propiciar uma leitura mais fluente e leve,
sem contudo superficializar a discussão. As seções estão agrupadas em três blocos: I. Contextua-
lização e Fundamentação; II. A experiência, III. Análise da experiência e Indicações
I. Contextualização e Fundamentação
A seção “O currículo e a conjuntura nacional: com a palavra, o MEC”, abre a publica-
ção, situando o leitor no contexto atual da discussão curricular no país. Reproduz entrevista
com a professora Edna Borges, da Coordenadoria Geral do Ensino Fundamental da Secreta-
ria de Educação Básica do MEC, na qual ela explicita o posicionamento atual do Ministério
frente à elaboração de propostas curriculares no país e discute a relação entre participação e
qualidade da educação, currículo e avaliação externa.
Para fundamentar a opção pela participação, apresentamos o produto de uma mesa re-
donda: “Participação no currículo: caminho democrático para a construção da qualidade
social da educação” . Nesta seção veiculamos idéias, preocupações, posições e proposições de
alguns profissionais da educação, que defendem a participação. Observamos que os mesmos
falam de lugares distintos: do lugar de pesquisadores das questões do currículo e do lugar de
gestores de sistemas de ensino, tendo-os ocupado, em diferentes momentos, ou simultanea-
mente, os dois lugares em sua vida profissional. A intenção é discutir os ganhos e os limites
da participação.
Fechando a parte I, o artigo “Gestão, qualidade e formação: implicações para o financia-
mento da educação” discute os vários sentidos atribuídos à qualidade da educação, por meio
de uma retomada de diferentes momentos históricos do país. O autor defende a importância
da formação continuada para se imprimir qualidade social à educação e salienta que seu custo
é muito baixo, comparado a outros investimentos.
II. A EXPERIÊNCIA
Começamos por apresentar um panorama dos principais paradigmas que nortearam a
elaboração de propostas curriculares no estado de Goiás, com a identificação dos respectivos
momentos históricos por meio do artigo “Currículo em Debate: Secretaria de Estado da
Educação de Goiás”, de autoria do professor José Luiz Domingues, especialista em currículo
e Superintendente do Ensino Básico do Estado.
A seguir, “Um exemplo, Goiás” conta a história da experiência no Estado, com foco na
metodologia participativa. Apresenta os diferentes momentos do percurso, desde o contexto
em que foram feitas as demandas iniciais ao Cenpec, pela Secretaria de Educação, até a elabo-
ração coletiva das diretrizes curriculares e sequências didáticas, envolvendo a rede, num pro-
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cesso que transpôs duas administrações de governo e iniciou, manteve e ampliou a parceria
com as universidades locais.
Explicita reflexões e opiniões dos vários segmentos envolvidos, por meio de depoimentos
colhidos durante o processo, bem como de entrevistas e de estudo mais aprofundado pela
equipe do Cenpec na Subsecretaria de Aparecida de Goiânia.
O texto está organizado em três partes, que correspondem aos três grandes movimentos
realizados:
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C O N T E XT UA L IZA Ç Ã O
E FU N DA ME N TA ÇÃO
BLO CO I
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“CURRÍCULOS NÃO SÃO DEFINITIVOS”
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• Nessa pesquisa e nos trabalhos feitos pelo Ministério, ainda se percebe uma disparidade
muito grande em termos de ações e propostas?
E.M.B. – Observamos que hoje existe uma grande confusão no significado de “capacida-
des”, “habilidades”, “objetivos”, “expectativas de aprendizagem”. Esses termos são trabalha-
dos, às vezes, como sinônimos, ou seja, existe uma grande confusão conceitual.
De qualquer forma, percebemos a presença forte, ainda, dos grandes temas que foram
demarcados na construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais, principalmente em re-
lação aos eixos das áreas de Matemática e Língua Portuguesa apontados nos PCNs.
Por outro lado, em campos como Arte e Educação Física ainda não temos um consenso.
Por exemplo, na área de Educação Física já existe uma discussão muito interessante sobre o
corpo em movimento, mas não há um entendimento de como trabalhá-lo.
Outro ponto que nos chama a atenção é a falta de maior clareza entre área e disciplina.
Primeiro porque temos uma proposta de currículo para o Ensino Médio que é organizado
por áreas do conhecimento, que também começa a aparecer no Ensino Fundamental, mas
a produção de livro didático e da própria formação docente é disciplinar.
Observamos em algumas propostas a existência de grandes eixos, em outras, grandes
blocos, mas na verdade os conteúdos acabam sendo os mesmos. Então essa forma – em
eixos ou em blocos – nós percebemos como formas diferentes de organização do conteúdo.
Às vezes aparece uma área que aglutina, por exemplo, História, Ciências e Geografia, mas
quando você vai olhar as propostas dos conteúdos são propostas para as disciplinas.
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entender. Existem materiais muito detalhados e, mesmo assim, professores nos dizem: “mas
isso é muita coisa; a gente não sabe como selecionar naquele ‘mundaréu’ de expectativas de
aprendizagem, qual é a atividade que é prioritária, que vai dar tempo de fazer”. É a crítica dos
professores. Já não é uma crítica de que “eu não tenho o que fazer”. Agora é “eu tenho demais
para fazer”. Então, estamos com o desafio, que tem sido colocado pelo Conselho Nacional de
Educação, que é de pensar o que é esse “chão”. Porque a LDB de 1996 e as Diretrizes Curricu-
lares colocam que existe uma base nacional, comum para o currículo. E isso é o mínimo que
deve ser trabalhado por todas as escolas do país. Tem por objetivo dar uma unidade nacional.
Mas, ao mesmo tempo , ninguém fala o que vem a ser a base nacional comum. O que é? São
os conteúdos? São as habilidades, competências? Essa interrogação está posta para nós.
• Neste contexto onde fica a autonomia dos Estados e municípios? Como está essa discussão?
E.M.B. – Nas Diretrizes Curriculares nós estamos trabalhando com uma definição de cur-
rículo mais ampla. Para nós, o currículo do Ensino Fundamental é entendido como “consti-
tuído pelas experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas
pelas relações sociais e buscando articular vivências e saberes dos alunos com conhecimentos
historicamente acumulados, contribuindo para construir a identidade dos estudantes”.
Eu tenho pensado muito nisso, mas ainda não cheguei à resposta. Eu penso que nenhum currí-
culo de uma escola vai ser igual ao de outra escola, nem que uma esteja ao lado da outra. E por quê?
Porque se nós entendermos o currículo também como esses conhecimentos que são construídos
no cotidiano da escola, nas relações que os alunos estabelecem com seus colegas de classe, com os
colegas da escola, com professores, com a vivência dessa criança, isso vai trazer diferenças.
Agora, nós vivemos num país com mais de 5500 municípios. Existem municípios que,
tranquilamente, têm assessoria, têm um grupo de técnicos bons, têm apoio da universidade,
têm interlocução, então eles conseguem fazer uma caminhada em relação à proposta curri-
cular. Mas também temos municípios que não dão conta. E aí fica a pergunta: qual é o papel
do Ministério da Educação? Qual é o papel do Conselho Nacional da Educação? É deixar que
cada município construa a sua base curricular? Ou esse núcleo comum tem que ser dado por
um Conselho Nacional de Educação e por um Ministério da Educação, ouvindo os sistemas
municipais e estaduais de ensino?
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• Qual o papel da formação dos professores na implementação do currículo?
E.M.B. – Além da participação na elaboração do currículo, há a necessidade de se envol-
ver professores e gestores das escolas, e de outras instâncias do sistema, em programas de
formação. É preciso qualificar a ação desses educadores, responsáveis pela concretização das
inovações propostas, por meio do estudo, de discussões e da elaboração de planos de traba-
lho integrados para cada campo de atuação. A formação não pode parar nunca, até porque
os currículos não são e não devem ser considerados como definitivos. Devem ser continua-
mente avaliados e transformados, de acordo com o retorno de sua implementação.
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PARTICIPAÇÃO NO CURRÍCULO:
CAMINHO DEMOCRÁTICO PARA
A CONSTRUÇÃO DA QUALIDADE
SOCIAL DA EDUCAÇÃO
1 Sociólogo, Membro
da Câmara de Educação
CESAR CALLEGARI1 Básica do Conselho
Nacional de Educação,
Ex-secretário Municipal
A questão da qualidade na Educação de Educação de Taboão
da Serra (2005-2008)
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escola. Já não basta colocar o filho na escola. Ela também tem que ser boa. Não basta uma
escola bonitinha, não basta a merenda escolar e o uniforme, ou certa beleza e boa organiza-
ção dos materiais e livros. É algo que parece ir além disso.
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Crise do Ensino Médio: os exames nacionais
viraram geradores de currículo
Ainda nesse campo de reconhecimento, as preocupações a respeito da crise do Ensino
Médio vão ascendendo de uma maneira cada vez mais crítica. O mais comum é ouvirmos
que a crise do Ensino Médio não está no Ensino Médio, mas naquilo que o Ensino Médio
recebe: a qualidade e as condições que os alunos egressos do Ensino Fundamental carregam,
deteriorando as condições de um Ensino Médio de melhor qualidade. Outro ponto a ser
lembrado é que todas essas pressões têm gerado a oferta na nossa realidade ou, vamos dizer,
a oferta de determinadas marcações no mercado da Educação. Quero falar de duas delas.
Uma é que, na falta de uma estrutura melhor, na maior parte das redes e sistemas de escolas
brasileiras de Ensino Fundamental, os exames nacionais têm sido geradores de currículo. O
que é uma inversão absurda. Essas provas, como é o caso da Prova Brasil e de tantas outras,
acabam sendo formuladoras de currículo. Ou seja, o Inep virou, hoje, o grande formulador
de currículo no Brasil. E isso nem seria intenção do Inep.
Os sistemas apostilados
Um outro problema – e não posso dizer que é só um problema, mas uma resposta a
esse quadro - é a proliferação dos auto-denominados sistemas estruturados ou sistemas
apostilados e tudo o mais que decorre disso. Eles ganharam muita adesão, há uma demanda
por isso. Não é apenas sobre os sistemas comerciais que há demandas. Também há uma
demanda real até em relação a certas produções que são feitas hoje pelos esforços de Secre-
tarias de Educação. Mas os setores de mercado que trabalham nessa direção perceberam um
nicho extraordinário. Primeiro porque há dinheiro para isso, inclusive uma parte grande
do próprio Fundeb. Não apenas dinheiro do Fundeb, mas há dinheiro marcado. Dinheiro
que você pode olhar à frente e dizer que durante vinte anos haverá recursos disponíveis
para você ter um programa de fornecimento de materiais educacionais, incluindo forma-
ção continuada de professores, apostilas e publicações muito atraentes para os alunos. E é
um material bonito. Essas empresas, cada vez mais capitalizadas, são capazes de comprar
cérebros e experiências da melhor qualidade e estão fazendo o que o capital é capaz de fa-
zer: comprar os insumos necessários para a produção de coisas, porque há vinte anos nós
poderíamos dizer que, sem nenhum risco, tudo era um lixo, e você, hoje, quando folheia,
vê que tem coisas muito boas. Mas o problema, mais uma vez, é que isso vem sem levar em
consideração aquilo que é a base do próprio exercício do magistério, individual e coletiva-
mente, que é saber o que está fazendo, e não apenas copiar. Tem o processo da arte do exer-
cício do magistério e ele tem a ver com a possibilidade de criar sempre, a cada momento, a
cada etapa, a cada encontro, coisas que esses materiais mais estruturados, de uma maneira
maior, ou quase total em alguns casos, não deixam praticamente nenhuma margem para o
processo de criação crítica do processo educacional.
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O Conselho Nacional de Educação
e a atualização das diretrizes curriculares
Esses elementos todos vêm nos preocupando no Conselho Nacional de Educação quan-
do, há dois anos, tomamos a decisão de realizar um esforço de atualização das diretrizes
curriculares nacionais da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio
também. Além de algumas diretrizes mais operacionais relacionadas à EJA, à educação es-
pecial, à educação nas prisões, enfim, às mais diferentes modalidades do Ensino Funda-
mental e do Ensino Médio. Procuramos fazer do nosso esforço, dentro das nossas peque-
nas possibilidades no Conselho Nacional de Educação, também um processo participativo.
Conseguimos implementar, no limite das nossas possibilidades, um processo que permitiu
a participação de muitos segmentos da educação brasileira. Primeiro com o esforço de rea-
lizar audiências públicas nacionais.
Todas essas diretrizes curriculares foram pautadas e, de alguma maneira, se enrique-
ceram com as manifestações, críticas e contribuições provenientes dessas audiências, que
cuidamos de fazê-las descentralizadas, inclusive por região do Brasil. Claro que não é por
causa de uma audiência pública que tudo pode ser debatido em profundidade e que todas
as contribuições vêm. Mas é muito interessante quando se faz esse processo envolvendo a
Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e suas modalidades. É interessante
como esses elementos citados anteriormente brotam em todas as partes do Brasil, em todos
os lugares. Mesmo onde as condições, por exemplo, de se implementar programas educa-
cionais ainda são muito precárias. Então, preocupações como as que pontuei estão na visão
clara de educadores do interior do Maranhão, do interior do Piauí, do Rio Grande do Sul,
do Paraná, de São Paulo. Há algo de comum nesse sentimento, o que é ótimo. Percebe-se
um horizonte, uma onda com potencial criativo que não pode se perder. E não se trata de
uma onda passageira, mas algo estruturante. Essas diretrizes trouxeram uma coisa que para
nós sempre foi e é um dilema: o que deve conter uma diretriz curricular nacional? A ponto
de, em primeiro lugar, ser um instrumento de auxílio a todos aqueles que têm a tarefa de
organizar, construir e implementar currículo no país. Porque a diretriz curricular nacional
não é para dizer o que tem que ser feito. É mais ou menos um guia geral de orientação sobre
o trabalho que será realizado em cada parte.
Fui o autor, recentemente, do parecer sobre o projeto de resolução das diretrizes curri-
culares do Ensino Fundamental. Na realidade é uma revisão das diretrizes que já têm onze
anos de duração. Elas são de 1998, atualizando algumas coisas e dando algumas respostas,
inclusive organizacionais, que nós consideramos importantes face ao advento do Ensino
Fundamental de nove anos a partir do atendimento de crianças de seis anos de idade. Esse
foi o nosso grande desafio original, porque repetimos, desde a primeira linha, que o Ensino
Fundamental com nove anos de duração, a partir do atendimento de crianças com seis anos
de idade, não significaria apenas uma adaptação precária do currículo do Ensino Funda-
mental, mas implicaria um novo currículo e um novo projeto curricular. Foi uma contri-
buição que conseguimos dar relacionada a isso. Um desafio e um chamamento para que
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educadores brasileiros, em diferentes níveis pudessem, de alguma maneira relativamente
estruturada, pensar, rever e estruturar a sua própria concepção de currículo e de “PPP” nas
escolas de Ensino Fundamental. Algo que também fizemos em relação à Educação Infantil.
Nessas inúmeras reuniões públicas que fizemos no Brasil, há uma pressão muito grande
para que o MEC – e isso é interessante - apresente expectativas de aprendizagem claras para
que a educação possa se orientar. E para isso, além dos argumentos que utilizo aqui, tem um,
ainda mais sério, que são as deficiências das nossas escolas de formação de professores. Mui-
tos professores, inclusive representantes dessas escolas de formação, dizem que eles mesmos
não têm muito o que fazer. Agora, se há uma expectativa, um objetivo de uma educação de
melhor qualidade, ou nós criamos uma experiência de linha educativa sobre o que fazer, ou
não há bons ventos para quem não sabe que direção seguir. Ou vamos nos escravizar diante
do material didático estruturado, ou vamos continuar nos escravizando em relação às provas
nacionais e regionais, que acabam ditando o nosso currículo; ou nós temos pelo menos al-
gumas linhas de orientação relacionadas à expectativa de aprendizagem por fases especificas,
no caso do Ensino Fundamental. Do contrário, não vamos sair do lugar.
Essa questão foi trazida em todas as partes. Eu, pessoalmente, na medida da minha
possibilidade, provoquei. Queria saber o que as pessoas pensam em relação a isso. E, para
minha relativa surpresa, esse pensamento vem de todos os lados. É uma espécie de reque-
rimento, quase que um pedido de ajuda para que haja - e aí é claro que se referiam à área
de educação central, pois estávamos ali representando o Conselho Nacional de Educação
- uma atividade da União. Mas, frequentemente, depoimentos relacionados a sistemas mais
estruturados, ou de êxitos de algumas experiências brasileiras, foram capazes, desde um
nível municipal, de estruturar expectativas de aprendizagem e, portanto a partir delas, de
definir um currículo articulado com sistema de formação continuada de professores, com
sistema de produção ou mesmo de encomenda de material didático seguindo as necessi-
dades especificadas. Mas sobre as diretrizes curriculares - conforme nós as escrevemos e
elas serão publicadas em breve -, entretanto, nem tínhamos condição de fazer isso. Nem de
parâmetros curriculares e nem de expectativas de aprendizagem. Mas elas contêm, parti-
cularmente no caso do Ensino Fundamental, uma orientação para que o MEC possa, num
prazo que eu não sei qual será, apresentar para o Conselho Nacional de Educação alguma
resposta em relação a isso. Priorizando os anos iniciais, que nós estamos chamando de
“ciclo de aprendizagem”. Mas também de alguma coisa mais definida em relação ao Ensino
Fundamental, com prioridade a esse três primeiros anos. Nós estamos, de fato, exortando
redes, sistemas e escolas a tratarem isso como um bloco integrado, fazendo uma recomen-
dação forte para que, particularmente nesses três primeiros anos, os sistemas de ensino
garantam todas as condições para que as crianças não sejam reprovadas. No ano passado
quase oitenta mil crianças foram reprovadas com seis anos de idade, no primeiro ano do
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Ensino Fundamental. Isso denota que alguma orientação de melhor qualidade esteja sendo
necessária e é o que pretendemos na continuidade desse processo de diálogo com o MEC.
E, pessoalmente, em todas as experiências que temos vivenciado, tanto no Conselho
como na condição de gestor - não apenas de uma área municipal, mas de experiências
anteriores, como quando fui presidente da Fundação de Desenvolvimento da Educação e,
antes disso, na Secretaria de Estado de Educação, e acompanhando também o trabalho da
Undime, - eu acredito que o trabalho precisa ser feito. Mas ele deve ser feito de uma manei-
ra participativa. Por isso cumprimento os realizadores desse encontro, que mostrou a nós
como é possível - de uma maneira criativa e participativa - produzir resultados. Resultados
que são legitimados: se muitos participam do processo de elaboração, muitos tendem a se
comprometer com o produto do trabalho. E não apenas com o produto, mas com a necessi-
dade permanente de reelaboração e de juízo critico. E a educação tende a ser melhor.
SELMA ROCHA2
A questão da participação
Seja por razões nacionais ou por razões contemporâneas, acredito ser muito insuficien-
te reduzir o debate sobre o currículo à lógica do próprio currículo ou à lógica da própria
avaliação ou à dos materiais. O dilema relatado anteriormente por Cesar Calegari é, na
2 Graduada e mestre verdade, o dilema de cada educador o tempo todo, se a escola e o sistema educacional não
em História pela USP.
Ex-Secretária permitirem que se construam mecanismos de investigação dos alunos reais. Sem isso não
Municipal de Educação há mudança. Falo sobre isso para partir daí, e dizer tudo em relação à questão da participa-
de Santo André
(1997-2000). ção. Por que coloco isso? É que estamos falando, aqui, de diferentes abordagens do mesmo
problema. E concordo em absolutamente tudo com o que foi dito por Cesar Calegari. No
lugar dele, eu teria caminhado na mesma direção. Mas isso não basta, por conta de algumas
questões muito importantes.
Primeiro: a escola sabe de tudo, hoje. Ela não sabe sobre os alunos. Ela sabe sobre teoria
do desenvolvimento - que é outra coisa - e sabe sobre a condição sócio-econômica dos
alunos. Em geral, o que se assiste é à construção de um discurso lacunar sobre o aluno,
sobre o que lhe falta. Falta a mãe, o pai, uma boa casa, o cachorro, a condição material,
o saneamento, o esgoto, o livro, a internet. Esse discurso gera sempre a abstração de algo
que é o que pode nos alimentar com referência aos próximos anos: a investigação cogniti-
va. O que a escola faz para entender aquilo que acontece na cabeça dos seus alunos? Uma
escola é um mundo. É como aquelas caixinhas do computador que você abre. Um mundo
de experiências sociais, culturais, cognitivas. E desse ponto de vista, também é um mundo
para os professores que têm um dado conhecimento histórico e social das coisas. Coloco
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esses elementos inicias para dizer que tão importante quanto a seleção dos conteúdos, das
metodologias e dos valores que se vai fazer, é a construção do espaço para que a escola ela-
bore aquilo que acontece com seus alunos. Por isso que a questão da jornada do professor
é central. Não é porque os professores precisam ganhar mais, apenas. Isso é indiscutível. A
questão da jornada é que o professor precisa ficar na escola pensando com seus pares o que
fazer. Não é um problema de definição a priori. Eu tenho sugestões a fazer sobre a questão
curricular, mas não sei se são as melhores. Mas eu tenho absoluta certeza de que é preciso
que a escola se debruce sobre essas sugestões para fazer nexos e mediações com aquilo que
os alunos trazem como experiência cultural. E não falo de condição social.
Por isso, se eu pudesse fazer uma sugestão curricular hoje, começaria pela ideia de que
a escola tem que fazer a investigação cognitiva no âmbito do seu PPP (projeto político-pe-
dagógico) ou do PDE (plano de desenvolvimento da escola). E isso tem que ser a pauta das
reuniões pedagógicas para acompanhar o desenvolvimento curricular. Isso envolve partici-
pação em todos os níveis. E não basta só ouvir os alunos. É preciso observar os alunos, o que
é uma coisa muito diferente. É preciso registrar a observação e não observar apenas para
dizer o que lhes falta. Isso é fácil. Eu crio um modelo e depois vejo o que tem e o que não
tem. Mas, pelo contrario, é preciso observar para ver o que lhes compõe, ou seja, conhecer
a identidade cognitiva das crianças e dos jovens.
As reuniões pedagógicas são um lugar de rigor. Não precisam ser chatas, mas também
não podem ser como na maioria das escolas: em uma semana discute-se Madalena Freire;
noutra a festa Junina; depois a festa do dia das mães; na quarta, o calendário do semestre;
e no quinto encontro ninguém mais se lembra do primeiro e nem sabe mais do que falava
Madalena Freire. Essa falta de rigor, de registro e de memória da escola - que é assustadora,
pois como uma escola pode mudar algo se ela não tem memória de si mesma? -e faz com
que se perca o debate e a investigação. A proposta curricular de uma escola, construída a
cada ano, supõe a mediação entre os conteúdos, métodos e valores escolhidos e aquilo que
as crianças têm na cabeça. E isso não é fácil. Vi muitos professores, em minha vida, dizer:
“eu não sei observar”; “não sei o que é observação cognitiva”; “não sei do que você está fa-
lando”; “não sei como faz isso”; “observar o quê? para quê? registrar o quê?”. E vi pilhas de
planilhas serem montadas para fazer observação. Todas inúteis. Porque a melhor planilha
é aquela que o professor faz. Ela é objeto da discussão pedagógica. O registro do professor
está cheio de verdade, queiramos ou não. E não é uma boa planilha de que precisamos, mas
do registro real para poder analisar. É para essa discussão que serve a equipe pedagógica.
Nesse contexto é muito importante que tanto o Conselho da escola participe do debate
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original, quanto participe do acompanhamento da própria discussão. Mas isso deve ocor-
rer em lugares diferentes, porque o lugar do Conselho não é o lugar dos educadores. São
espaços distintos. E não precisa ser autoritário. Normalmente, numa reunião de Conselho
em que o texto é lido, ninguém entende nada e a diretora convence todo mundo da falta
de várias coisas que as pessoas têm. E os membros vão embora sabendo que a verdade está
nas mãos da direção pedagógica da escola. Isso é tão fácil – e desculpem pela expressão
que vou usar - quanto covarde. Porque fazer isso com uma plateia de pessoas que não têm
tanto domínio das coisas é muito fácil. O contrário é que é difícil, ou seja, fazer as pessoas
se apropriarem desse espaço de elaboração e produzirem. Portanto, o processo de conhe-
cimento das identidades cognitivas no âmbito da escola é algo que faz parte da avaliação.
E esta avaliação tem que ser incentivada como algo processual, que envolve os ciclos, mas
também envolve o registro e a análise, desde o primeiro ano. Envolve a discussão do que
essa avaliação revela. Sem isso, um processo dentro da escola fica muito difícil.
Quero abordar mais três questões. A relação disso com os problemas contemporâneos, a
noção de tempo, a interatividade e a velocidade. Houve uma fase em que a escola concorreu
com a televisão. Isso já faz tempo. A escola negava a televisão e opunha a ela outros valores
culturais. Atualmente, a ideia é opor a escola à velocidade e à presentificação de muita coisa.
Isso não é só um problema das novas tecnologias, é uma herança da recente época neoli-
beral. As pessoas trabalharam muito fortemente com a ideia do presente, da velocidade.
Tempo, na nossa época, foi igualado à velocidade. Crianças e idosos devem permanecer em
casa. O que importa é a população economicamente ativa. Essa lógica permeou o capital e
permeia a vida das pessoas. Agora, o problema dessa lógica é que ela também é desprezada
pela escola. E o que acontece? Esses problemas de tempo, da velocidade e de uma certa ten-
são difusa são ignorados nas estratégias pedagógicas. E não adianta pôr o computador na
frente do sujeito, computador produz informação. Conhecimento quem produz é a escola.
Informação e conhecimento não são a mesma coisa. Para que o aluno possa ter inte-
ração com o computador, com a informática, com a tecnologia, fazendo perguntas a ela e
não a aceitando como instrumento da verdade, o sujeito vai precisar do conhecimento. E,
nessa medida, como tema curricular, essa questão é chave. Porque o jeito como eu abordo
determinados conteúdos e como eu exploro a tecnologia cria no grupo de alunos uma ex-
pectativa “x” ou “y”. É claro que a tecnologia muda muitas coisas na relação cognitiva. Mas
é possível e necessário a escola trabalhar o tempo da elaboração. A escola não pode repro-
duzir o tempo da velocidade. É possível que a escola ensine à criança que antes de dormir
ela precisa desligar o computador e pegar um livro, para interiorizar um outro tempo, um
tempo consigo mesma. Muitos jovens, hoje, não conseguem ficar com eles mesmos. Ficam
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com o computador, com o videogame e uma série de coisas que ele precisa mobilizar inter-
namente para não entrar em contato consigo mesmo. Esta realidade pode ser trabalhada na
escola, não negada. Quem brigou com a Xuxa, perdeu. E irá perder sempre. A questão não
é brigar, mas constituir um espaço de reflexão sobre. Outro ponto é sobre a prioridade do
português e da matemática nas primeiras series, na avaliação. Esse debate tem pelo menos
catorze anos no país. Eu li, há alguns anos, todas as provas do Saeb. Queria tentar entender
essa discussão de que primeiro uma pessoa aprende português e matemática para depois
aprender o resto. Eu fico imaginando como as provas do Saeb dialogam com o Jornal Na-
cional que entra na casa das pessoas todos os dias e fala de conceitos de História, de Geogra-
fia, de Meio Ambiente, de Matemática, de Ciências Naturais, do que se quiser, basta olhar.
A mesma coisa acontece com a internet. Nós temos que, primeiro, ensinar as pessoas a ler
e a escrever. Sobre o que? Sobre quais conceitos do mundo nós vamos ensinar as pessoas a
ler e a escrever. Se esta separação continuar a ser feita, o que nós vamos formar no Brasil - e
eu falo isso olhando para os países da America Latina – é um celeiro de gente que vai ser
peneirada para o ensino técnico, para Universidade, para formar as grandes cabeças, mas
nós não vamos falar em direito à educação, não no século XXI.
Talvez eu esteja lançando mais confusão do que pistas. Mas é preciso todo cuidado com
a reunião pedagógica, com a investigação, com o registro e com a relação entre a Secretaria e
as equipes das escolas. Porque o discurso da autonomia acabou com a responsabilidade das
Secretarias de acompanhar, de dialogar, de contratar assessores e de responder aos proble-
mas reais que as escolas trazem. Não é verdade que a escola possa resolver seus problemas
sozinha. Ninguém pode resolver sozinho. Esse foi o maior blefe na discussão da autonomia.
É impossível, em sã consciência, o professor trabalhar com trinta ou quarenta, ou com
vinte alunos numa sala de aula e não ter dúvida. Não há premiação, não há competição que
mate o indiscutível fato de que um professor responsável tem dúvidas e comete erros. E ele
necessita de um lugar onde possa trabalhar isso e não ficar competindo desesperadamente
para mostrar não se sabe o quê, nem para quem. Porque no terreno dos direitos, quando
digo que sou melhor e alguém é pior, estou anulando a possibilidade dessa pessoa lidar
com suas possibilidades reais. Esse discurso anula e não faz ninguém progredir. Porque eu
não dou ao outro instrumentos para superar suas dificuldades, que muitas vezes as pessoas
nem sabem quais são. É um discurso, portanto, que além de não ajudar, é moralista no
pior sentido. Porque ele cria inúmeras regras que as pessoas não sabem como cumprir. Por
isso a única forma de construir qualidade não é pondo as pessoas para competir, dizendo
que uma é melhor que a outra. De que vale uma escola ganhar um prêmio e outra não? Na
Constituição está escrito que a Educação é um direito de todos. A escola que não ganhou
prêmio faz o que? Qual é a orientação dada pela Secretaria para superar os problemas e as
possibilidades que existem? É preciso fugir do discurso fácil, porque ele não resolve os pro-
blemas no país e nem na America Latina. Nós avançamos muito no Brasil por tudo o que o
27
professor Cesar Calegari colocou aqui e também pelo fato de nós termos um instrumento
como o Ideb. Agora que ele existe, que é um instrumento de avaliação, ele precisa ser alar-
gado conceitualmente, para que as escolas se sintam desafiadas a pensar em coisas que elas
não são e para tirar todo mundo das caixinhas.
Vou apresentar alguns dados do meu último trabalho junto ao MEC, coordenando uma
equipe de pesquisadores, na análise de currículos dos Estados brasileiros. Um dos pontos
que temos observado nesse estudo diz respeito ao processo de sua construção, constatando
que a elaboração e implementação dessas reformas curriculares costumam aparecer sob
duas lógicas. Uma, que é a mais frequente, é a lógica do centro para as margens. Isso quer
dizer, temos especialistas que investigam, apresentam projetos, experimentam muitas vezes
em algumas escolas e localidades, depois trazem a proposta para a aplicação em massa.
Neste modelo, a lógica é da aplicação e as pessoas são executoras. E isso não quer dizer que
se trata de um modelo superado ou tolo. No estudo que estamos fazendo das propostas
curriculares dos Estados, vemos que os modelos de aplicação são modelos bem elaborados
3 Doutora em e sofisticados. O que se pondera é que a lógica do caminho do decisor ao executor, a lógica
Educação, professora
e pesquisadora, da aplicação, do professor que deve apenas executar o que foi pensado por outros não tem
consultora para conseguido produzir respostas em relação aos problemas que originaram as intervenções.
assuntos educacionais,
com atuação junto ao Os resultados das avaliações que apontam nessa direção, continuam complicados.
MEC na análise de
propostas curriculares.
Reformas e inovações que partem das margens para o centro
Na outra direção, a da lógica da criação, que vai da periferia para o centro, ou das escolas
para os órgãos decisores, o caminho é muito mais complexo e muito mais desafiante. Pe-
gando o exemplo desse processo que ocorre em Goiás, observa-se que há uma questão bem
séria envolvida nesta outra maneira de acreditar na inovação. A crença do modelo anterior
é uma crença no progresso, na eficácia da racionalidade técnica, no poder de quem declara:
“eu tenho respostas e eu modifico as coisas”. Neste outro modelo a crença é na elaboração
das pessoas, na possibilidade de mudança e de que a escola aprenda. E temos exemplos,
podemos afirmar que a escola pode mudar, mas ela não muda sozinha. Do que ela precisa?
Desses materiais prontos, bonitos, interessantes, do tempo cronometrado, dessas receitas
técnicas todas? Ou ela precisa de condições para que possa inventar o seu caminho? Parece,
pelos exemplos que estudamos e por exemplos de outras propostas de inovação espalhadas
por municípios do país, que amparar a escola e, portanto, amparar pessoas concretas, é um
caminho fecundo. Contanto que os envolvidos com as mudanças saibam sempre qual é o
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problema a resolver. Porque também percebemos em alguns casos, que quando se perde de
vista qual é o problema, pode-se fazer uma maravilha de mudança na escola e o problema
deixa de existir porque nem foi solucionado, mas continua latente. E não estou falando só
das propostas daqui do Brasil, mas de outras questões pesquisadas por outros pesquisado-
res, em outros âmbitos, como Canário, em Portugal, por exemplo.
Ou seja, se temos um problema curricular muito sério de memorização e de automa-
ção de modos de trabalho, que não levam a aprendizagens verdadeiras, teríamos que criar
condições para que os professores se tornassem investigadores e aprendessem a interrogar
o espaço, a organização de tempo do trabalho pedagógico e aquelas invariantes estruturais
da forma escolar. Afinal, esta instituição de tantos séculos se estruturou na fragmentação
dos tempos, dos espaços, dos saberes, do trabalho. Essas invariantes teriam que ser inves-
tigadas e questionadas, o que só se pode fazer com a mobilização dos professores para que
percebam e enfrentem os seus problemas. Portanto, a lógica da criação, que vem da periferia
para o centro, é mais exigente.
Em todas as unidades da federação, nos vinte e seis Estados e no Distrito Federal, mais
nos municípios que enviaram suas propostas curriculares ao Ministério, percebemos uma
declaração inicial rumo à participação. Todas as Secretarias querem e realizam um mo-
vimento participativo. E se essa participação for compreendida pela lógica da aplicação,
o que normalmente é feito? São chamados especialistas para dizerem o que é melhor e é
feita uma competente arrumação técnica para que todas as escolas cumpram as propostas
oficiais. Mas é, também, em situações como esta que as secretarias compreendem que têm
outra função e que precisam dialogar com as questões que vêm da ponta desse processo, ao
mesmo tempo em que levam outras questões para essa mesma ponta. Porque mesmo que se
tenha que avaliar resultados, ver o que está faltando e o que aconteceu com as crianças - o
que elas sabem e o que não sabem – que atitude tomar? Que parceiros chamar? E esses par-
ceiros vão fazer o quê com os atores centrais e com a unidade estratégica da implementação,
que é a escola, com os educadores, com as famílias, com as questões locais, com os saberes
dos alunos? O que deve ser feito?
Percebemos, então, que é muito mais fecundo o trabalho de Secretarias e de órgãos deci-
sores quando se estabelece esse ir e vir das duas pontas do processo, cheio de cambalhotas e
desencontros, mas que caminha para a construção de algo novo. Há nisso uma coisa muito
interessante: já afirmamos que todos dizem querer um processo participativo, e eu adianto
que há, também, muitos pontos semelhantes nas proposições das Secretarias, pois nós es-
tamos falando de currículo oficial, em torno de orientações comuns. Há, portanto, muitos
pontos semelhantes além dessa questão do processo participativo nessas propostas. Todos
afirmam querer um aluno sujeito, capaz de aprender a aprender, formar o cidadão e com
competências para resolver os desafios deste mundo e deste tempo. Um aluno idealizado
29
numa proposição que assusta, tamanha a perfeição desse indivíduo. Ele não existe. Há tam-
bém a afirmação de que todo o professor é sempre um formador, é aquele que acompanha
os alunos e que desafia o seu processo de aprender .
No discurso, tudo isso está acontecendo. Só que o discurso dessas propostas é um dis-
curso para a escola, e não da escola. E quando esse discurso vai em direção do “cumpra-se”,
ele produz muitas tensões e confusões, porque enquanto acontece o seu processo de rees-
truturação e reelaboração, ele pode apenas virar tábua de lei. É como a história da avaliação,
enquanto eu não me aproprio da relação disso com o meu trabalho, isso vira prescrição e eu
saio correndo para cumprir, ou, se eu não cumpro, eu me sinto indigno. A conversa curri-
cular perfeita também cria essa lógica ambígua do amoldamento e da obediência. Como no
tempo do “abaixo as cartilhas” em que uma professora do Ceará me contou secretamente na
hora do almoço: “quando os assessores vão lá, eu falo que sou construtivista e blá, blá, blá.
Aí eles saem e eu tiro o meu materialzinho da gaveta”.
Nessa questão dos pontos comuns das propostas curriculares, encontramos uma dire-
ção muito interessante. A avaliação, nacionalmente declarada, é lindíssima. É diagnóstica,
processual, formativa, contínua e serve para organizar o ensino. Quer dizer, há clareza de
posições. Mas o que os donos do discurso oficial fazem para que essas coisas aconteçam?
E a aflição das pessoas em pedirem esclarecimento sobre o que se deve ensinar? Eu estive
presente numa das conversas com o MEC e pude perceber como é insistente esse pedido:
“digam o que eu devo ensinar”. E eu só me lembrava o seguinte: “mas está tudo dito”. Está
em todos os documentos que o Ministério e o Conselho Nacional de Educação já produzi-
ram e encaminharam.
O que não se fez ainda, de forma ampla e profunda, foi esse movimento com os profis-
sionais, para se sentirem dignos para perguntar sobre a sua prática e para terem o tempo de
transformar os elementos invariantes - essas questões de tempo, espaço e recorte de saberes
- e ir descobrindo caminhos e soluções. Então, há pontos que é preciso olhar com muito
cuidado na nova ou na já sedimentada visão curricular deste país.
Na história da escola há uma questão instalada desde muito tempo, que é querer saber
onde está o centro de seu trabalho: se nas necessidades dos alunos ou nos conteúdos con-
siderados importantes para aprender. E existem variadas respostas sobre isso na história.
A saída da nossa atual doutrina de currículo é uma saída - não sei se perigosa, mas, para
mim, preocupante – uma saída técnica, pelo critério instrumental. Onde está o centro? Em
torno de necessidades apontadas, para que os alunos participem do mundo, organizam-se
as aprendizagens – numa nova síntese retomam-se as questões e a resposta incide sobre o
conhecimento e sobre a organização do currículo. Não se quer mais saber do conhecimento
para conhecer, mas do conhecimento para formar competências e habilidades. E essa ques-
tão – das competências e habilidades - não é uma questão para se negar ou para brigar.
30
Devemos pensar o seguinte: nessa perspectiva participativa, emancipatória e democrática,
acreditamos que o conhecimento e a educação não são coisas que passam por nós para nos
preparar a responder às situações ou nos preparar para o trabalho e depois vão-se embora,
sem nos marcar na constituição da nossa subjetividade. Conhecimento não é informação,
não só informa, mas também nos forma e nos torna competentes para muitas coisas. Isso faz
sentido na perspectiva de entender a educação centrada nas pessoas e a escola com função
social de fazer a reflexão, portanto, de fazer circular o conhecimento. E aí não dá para pensar o
conhecimento apenas como instrumento. Se observarmos os roteiros das propostas dos Esta-
dos, veremos que a questão é assim: elencam-se competências/habilidades; dessa lista derivam
os conteúdos. Ou ainda, de outra forma, toma-se a linguagem de competências e habilidades
e elas são arrumadas como expectativas de aprendizagem. E essas listas todas são muito inte-
ressantes, porque isso tudo não foi feito sem competência técnica. É possível ver que há um
quadro belíssimo de competências cognitivas, de possibilidades de conhecimento, mas ao
mesmo tempo com uma preocupação instrumental. A preocupação é que o conhecimento
“sirva”. Se não “servir”, não é incluído. É a possibilidade de reduzir toda questão curricular a
uma receita técnica. Reduzindo o processo educativo a isso, perde-se a riqueza do processo,
fica-se na apreciação dos detalhes anunciados. Deixa-se de observar o imprevisto, o cresci-
mento, a emancipação, os conflitos, os problemas e as novas soluções.
São alguns pontos que preocupam. Que currículo está aí? É um currículo sedimentado
historicamente, em torno das disciplinas. Infelizmente, ainda não se deu um necessário
passo à frente, que seria descobrir a riqueza da escola para ter um projeto educativo, de uma
comunidade de educadores. Um projeto para crianças e jovens que teça em seu interior a
proposta inteira do currículo, numa linguagem comum do projeto de todos. Em todas as
regiões do país se deseja, se anuncia, se conta com esse passo à frente. Mas quem manda no
currículo é o modelo disciplinar. A grande relação com as universidades é a relação com
quem? Com professores de disciplinas, não com cabeças que pensam a educação de forma
mais ampla. E esta relação com a universidade é ruim? Não, é ótima, porque durante todo o
período que tivemos de silenciamento no país, o movimento das disciplinas cresceu dentro
da academia. E pôde trazer visões novas e muito mais fundamentadas e abrangentes da geo-
grafia, da história, da matemática, da língua portuguesa e dos demais componentes. Foi óti-
mo, só que esta contribuição preciosa é ainda parcelar. E o currículo disciplinar dificilmente
se integra a alguma coisa. Por isso, a dificuldade de se entender o currículo como proposta
educativa, de reflexão, de conhecimento e de conceitos estruturantes não sai, se a reflexão
for meramente disciplinar. As disciplinas podem continuar tendo lugar de honra porque é a
tradição do nosso currículo. Só que a costura precisa ser feita numa outra direção, que pode
acontecer se também invertermos a mão na implementação das inovações e das reformas,
indo das margens para o centro.
31
EGUIMAR CHAVEIRO4
Uma outra palavra que andou com os nossos pés no imenso Goiás foi o desejo de, sim-
bolicamente, quebrar os muros da escola. Intensificar o conceito no lugar, retirar do lugar
os conteúdos para se pensar o universal, imbricar o local no global, ver as trajetórias dos
educandos, exige que a escola saia de seus muros. Isso deve ocorrer não apenas no sentido
de popularizar os seus hábitos, mas de criar lastros com outras instituições, fortalecer o seu
sentimento de pertencimento e de critíca ao lugar.
32
De maneira coletiva resolvemos criar princípios estruturantes que iriam nortear o nos-
so discurso e a nossa prática no processo de reorientação. A formação de um elo entre as
pontas numa espécie de abraço dialogal entre os sujeitos que geram a prática escolar, do
aluno ao diretor, do professor aos gestos, do intelectual à zeladora, teria como missão in-
ternalizar esses princípios.
Um princípio norteador propagado, discutido e dialogado é a suposição de que não há
nenhuma mudança efetiva no conteúdo da escola em suas múltiplas variáveis sem levar em
consideração a leitura e a escrita. Além de “quebrar os muros da escola” consideramos que
a escola necessita de um olhar sobre o mundo cultural dos alunos. É esse mundo que funda
a sua aproximação com a leitura e com a escrita.
Para isso não basta conhecer a classe social dos alunos, mas os seus gostos, o seu lazer, as
suas trajetórias, os seus símbolos, os seus medos, os seus corpos, etc. Essa ideia se ligou a ou-
tra: a escola tinha que compreender mais o seu bairro para saber o que acontece na cabeça do
aluno. E teria que compreender mais a cabeça do aluno para saber o que de fato o mundo é.
Envolver o sujeito e seus mundos, suas demandas e potências, certamente nos tiraria das
ladainhas reclamantes ou de uma visão pessimista dos alunos. Para fazer isso organizamos
um temário que possibilitou a leitura de sujeito, escola e mundo. Discutimos a juventude
contemporânea, os novos desenhos da família, os novos contornos do mundo do trabalho,
a subjetividade reinante etc. E montamos palestras muito bonitas que colocavam no centro
das cenas o sujeito do mundo no mundo da escola.
Queríamos também saber como os alunos viam a si mesmos. Nós operacionalizamos os
princípios, lançamos nas arenas das reuniões e desenvolvemos diálogos que pudessem nos
despertar para o modo como eles eram absorvidos. O sentido de participação parece-nos
que funcionou muito bem, especialmente pelo mecanismo de devoluta.
A reorientação curricular se plasmou na elaboração de cadernos bonitos com temas
articulados para criar e mobilizar os princípios estruturantes e fazer - e apresentar - uma
leitura da escola. Por meio desse expediente desenvolvemos a concepção de que a reorien-
tação curricular é capaz de mobilizar o mundo na escola e de colocar a escola para se ver
de maneira diferente.
A nossa avaliação é de conquista. Hoje temos notícias muito boas nas avaliações. Nas for-
mações ouvimos relatos de vários lugares de Goiás, um Estado grande. Em silêncio tentamos
implantar a ideia da escola participativa. Vimos que participação é difícil nos lugares em que
os grupos são objetos de desconfiança, de competição, de pequenas rusgas sem causa.
Em muitos casos os grupos de professores e as realidades das escolas se tornam pe-
quenas máquinas de guerra, como diria o filósofo Gilles Deleuze. As pequenas máquinas
de guerra têm o lugar do prejulgamento, do pequeno poder estratégico, das pequenas
intrigas narcísicas . Essa é uma dificuldade para criar participação, princípio de discussão,
de diálogo e de entrelaçamento. A contaminação dos grupos pelos ethos individualistas e
competitivos dissolvem o desejo de participação, esmaece a vontade de estar junto, fragi-
liza a potência coletiva. E pior: cria coletivamente um ambiente doente. E quem está do-
ente adoece o próximo. Por isso o pessoal do Cenpec, que coordenava, tinha que ter uma
habilidade muito grande.
33
Daí o desafio é: como construir uma escola participativa e trabalhar uma reorientação
curricular crítica e criativa numa situação em que os grupos estão doentes? E que se lem-
bre: a doença é institucional, vem das máquinas que comandam o mundo. Se temos esse e
outros desafios só a força coletiva e a postura de aprendizagem podem nos fortalecer para
a bela empresa da mudança.
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das mesmas. Essa é, também, uma forma de participação superficial e que, muitas vezes tem
um viés manipulador, quase sempre, não percebido pelas famílias.
A participação no currículo, em níveis mais profundos, significa ter voz e decisão no
currículo. Para isso é necessário que a escola se disponha a ouvir o que pensam os diferentes
atores do currículo a respeito da escola, como a problematizam, quais são os seus anseios,
as suas críticas. É fundamental que a escola saiba o que pensam os alunos, como vivem, as
dificuldades que têm; conheça as características das diferentes culturas de educandos que
a escola abriga, é preciso entrar na intimidade de questões atuais como a convivência dos
alunos que carregam diferentes mídias no bolso, desde os celulares, como os educandos
convivem e reagem à violência, tanto com a chamada estética da violência, apresentada nos
meios de comunicação, como aquela que está ao lado de suas casas e, ou, dentro das pró-
prias escolas. Abrir os olhos para isso, ouvir alunos, professores e comunidade da escola
para saber, diante da leitura da realidade, decidir, coletivamente, o que é significativo no
currículo, é a mais profunda condição de participação. Evidentemente, é necessário que
essa participação se faça de modo planejado e organizado, em diferentes espaços e tempos
da escola e do ano letivo, de modo que possa ser significativa e eficiente. Trabalhar dessa
forma, na reorientação curricular, faz a grande diferença no esforço de construção de um
novo paradigma no qual a participação é eixo fundamental.
35
na reorientação curricular. Reafirmo, portanto, que falar de currículo é falar de gente, de
histórias, de teoria, de conhecimento, de compromisso e de formação de educadores. Pen-
sar currículo, fazer currículo, viver currículo, não é só falar de conhecimento, conteúdos,
grades e organização de materiais. Se admitimos isso, a nossa ação vai necessariamente de-
rivar dessas compreensões. Disso decorre que, ao pensarmos em reorientar currículo temos
que, necessariamente, pensar em formação de professores. Isso porque, em primeiro lugar,
é verdade que a formação que nós todos tivemos não foi uma formação para participação.
Essas questões que estamos discutindo aqui, hoje, não foram e não são, ainda, discutidas
na Universidade. Inclusive, uma pesquisa muito recente e valorizada, pelas análises que
comporta, realizada pela professora Bernadete Gatti, mostrou que os conteúdos dos cur-
sos de Educação, hoje, no Brasil, salvo exceções, estão absolutamente distantes da prática
das escolas. Os professores saem com formação em filosofia, biologia, sociologia e demais
matérias obrigatórias do curso de Educação, porém recebem essa formação segmentada,
compartimentalizada, com ênfase na teoria e distante da prática. Observo, ainda, que o
estágio, na maioria das vezes, é apenas um apêndice do que acontece nas salas de aula dos
cursos de Educação. E mais, lamentavelmente, ainda se verificam burlas nos estágios, onde
predomina a prática do: “assina aqui para mim”, sem que a exigência tenha sido cumprida.
Em decorrência disso tudo, frequentemente, quando chega na escola, o professor não sabe,
mesmo, como fazer. Logo, em uma nova proposta quando se quer romper o velho paradig-
ma, é preciso apoiar os professores e se empenhar na formação continuada dos professores.
Eu prefiro, para nomear essa ação, a expressão usada por Paulo Freire que é “a formação
permanente dos professores”. É preciso fazer isso apostando que os professores são sujeitos
e que é a partir das suas práticas que podemos fazer a análise das mesmas e reconstruir uma
nova prática. E assim como se defende, numa proposta de currículo emancipatório, para
os alunos, a necessidade de se partir do conhecimento do alunos, do que eles sabem, não
ficar neles, mas para superá-los, entende-se que esse quefazer também é verdadeiro em um
programa de formação permanente para os professores..
É preciso estar atento e estar disposto a superar os riscos considerando que os ganhos,
tanto no processo quanto no resultado, são expressivos e valiosos. Algumas vezes mais de-
morados. Então é preciso também ter paciência quando se faz isso. Não se pode ter uma
paciência de pura espera, ou seja, não se trata de ficar esperando para ver o que acontece,
porque, até pode acontecer o que não se quer. Mas, como dizia Paulo Freire, é necessária uma
“paciência/impaciente”. Você precisa lidar com o tempo, que muitas vezes não é o tempo da
urgência rápida. Você precisa ter paciência impaciente no sentido de que você precisa reali-
zar ações e não ficar de braços cruzados, esperando. E você precisa fazer avaliação não só de
resultados, mas também uma avaliação que enfatize os ganhos e as dificuldades do processo.
Como disse o professor Eguimar, nessa mesa: “nós ganhamos uma mobilização grande, de-
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safiamos professores que às vezes estavam ali, desanimados, inexpressivos, desencantados”. E
eu termino dizendo aos educadores de Goiás : vocês conseguiram reencantar muita gente. E
isso é um valor na reconstrução curricular. E, com essa opção, adentra-se uma arena de con-
flitos em relação ao currículo. Concluo ressaltando que, no tocante ao currículo, estamos vi-
vendo sob a égide de um Estado avaliador, no qual tudo se orienta por essa lógica. O desafio,
em Goiás, é apostar e viver uma nova lógica , a de reorientar o currículo numa perspectiva
emancipatória, na qual a participação e a autonomia têm lugar de destaque.
Fazer e reorientar currículo são ações que sempre se farão necessárias. Costumo dizer
aos meus alunos que sempre vão se defrontar com questões de reorientação de currículo.
Por mais que as gestões públicas gostem de encerrar os seus mandatos com textos, inaugu-
rando, distribuindo, filmando a distribuição dos materiais etc. Mas o currículo não acaba
aí. A necessidade de reorientação se coloca porque sempre é preciso re-olhar essas decisões
e produções. A reorientação curricular não termina com as gestões públicas. Eu quero fazer
um destaque sobre a produção dos documentos. Os registros de reorientação curricular
precisam funcionar como hipóteses para que vejamos como funcionam, que identidade e
legitimidade têm, o que é preciso rever em relação a estes necessários momentos de síntese.
A construção do currículo e a reorientação é uma hipótese e ela precisa ser acompanhada,
observada, registrada, olhada em termos dos seus resultados ali, na escola, na avaliação do
processo ensino-aprendizagem.
É aí que está uma possível pista de parceria entre a Universidade e a escola pública.
Não se trata apenas de participar da construção, no momento da reorientação curricular,
apoiando os professores na hora de debate, mas, também, no momento de testar essas hipó-
teses que foram construídas. É aí que a Universidade pode desempenhar o seu grande papel
social junto à escola pública, levando para o interior dos cursos essa problemática do cur-
rículo e da testagem das hipóteses curriculares , ao mesmo tempo em que pode apontar a
revisão de rumos, quanto ao currículo, em articulação com a equipe gestora das Secretarias
e com a escola. Este é um excelente material para ser trabalhado nos cursos da Universidade,
na sala de aula de professores; é um ótimo tema para dissertações, teses, pesquisa, enfim.
Tantas vezes a gente vê na Universidade que os professores ficam ‘à caça’ de um problema:
“como eu vou achar um problema para fazer um projeto de pesquisa?”. Na relação com a
escola pública, no tocante à reorientação curricular, encontra-se uma agenda de relevantes
problemas de investigação.
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GESTÃO, QUALIDADE E FORMAÇÃO:
IMPLICAÇÕES PARA O
FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO
Este texto tem como objetivo chamar a atenção de gestores de sistemas públicos de
ensino para uma das dimensões relativas à melhoria da qualidade de ensino a ser realizada
em redes públicas que é a formação de educadores, buscando discutir uma de suas carac-
terísticas que é o seu custo.
Uma primeira condição para o entendimento do conceito de qualidade de ensino da
escola pública é que ele está estreitamente relacionado aos interesses das forças políticas em
disputa no âmbito educacional, econômico, social e político do cenário nacional. Por isso,
nem sempre o conceito de qualidade tem o mesmo significado, pois depende do ponto de
vista dos agentes desses interesses.
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com rebatimentos explícitos no Ensino Fundamental e Ensino Médio atualmente vigentes.
A flexibilização e a busca de atendimento a determinadas particularidades regionais
levaram, durante as décadas de 60, 70 e 80, os diversos sistemas educacionais de estados e
municípios ao desenvolvimento de propostas, guias curriculares e inúmeros materiais a se-
rem aplicados em seus respectivos sistemas. Muitos inclusive impressos em Diários Oficiais,
com o que davam a impressão de serem obrigatórios, quando, na verdade, não passavam
de interpretações ou sugestões de trabalho (como a própria denominação de “propostas” e
“guias” sugere, pois faculta ao educador a aceitação ou o uso de tais subsídios) elaboradas
por setores administrativos dos sistemas educacionais. Em São Paulo tais setores eram, no
âmbito estadual, a CENP – Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas – e, no âmbito
municipal, o DEPLAN – Departamento de Planejamento Educacional.
Não se pode deixar de registrar, nessa mesma época, a imensa avalanche de livros di-
dáticos lançados no mercado editorial cativo (quando o Estado passa a não mais controlar
esses materiais, eles perdem em rigor acadêmico e didático, na qualidade de impressão e
acabamento, tornando-se até “descartáveis”, mas ganham em termos de “preços supervalo-
rizados” e de uma enorme “quantidade de venda”, afinal o Estado é um grande comprador)
que se apresentam como “de acordo com o programa oficial do estado”. Entretanto, é impor-
tante ressaltar que mesmo apresentado dessa maneira, o livro didático não deixa de ser a
interpretação de um autor (ou grupo de autores) acerca de determinada linha de trabalho
estabelecida por um sistema de ensino.
Ao professor de escola pública, reprimido em termos políticos e em suas condições sa-
lariais; sem a oportunidade de uma formação mais constante ou permanente, que lhe per-
mitisse ampliar seu potencial de conhecimentos específicos e didáticos; com a ausência de
materiais de trabalho (livros que chegam tarde, falta de laboratórios e até de luz e giz) para
o ensino; com a entrada de um maior contingente de alunos, especialmente das camadas
populares e para os quais não havia sido preparado para atuar, restava a utilização do que
“estava às mãos”, ou seja, a utilização de tais propostas “de gabinete” ou dos livros que che-
gavam à escola (nem sempre escolhidos por ele, mas “de acordo com o programa oficial”).
Nos tempos atuais, há na mesma direção uma “avalanche” de “sistemas apostilados” ditos
de qualidade, que ao serem adquiridos por administrações públicas são entendidos como
a única forma de trabalho docente (tal qual um “programa oficial”), sequer se levando em
conta princípio constitucional. Por isso, vão sendo prejudicadas tanto a sua compreensão
de que tais propostas se encontram na condição de interpretações de pessoas ou grupos,
quanto a sua capacidade crítica e criativa para a elaboração de uma programação mais ade-
quada ao alunado com que trabalha.
Raras foram as exceções à regra da programação de “gabinete”, ou seja, que procuraram
formas alternativas de construção de programações curriculares. Elas se encontraram no
âmbito dos trabalhos com educação popular (é sempre importante lembrar, sob esse aspec-
to, as propostas de alfabetização de Paulo Freire no início da década de 60) e de algumas
incursões feitas por pequenas escolas alternativas particulares (que começaram a trabalhar
com pressupostos construtivistas de Emília Ferreiro e outros, a partir da década de 80,
39
ao invés de trabalhar exclusivamente com cartilhas já estabelecidas no mercado editorial).
Uma exceção poderia ser computada ao projeto de alfabetização iniciado nos anos 1983 e
1984 na rede estadual paulista com a implantação de propostas alternativas para o Ciclo
Básico (1ª. e 2ª. séries do então 1º. Grau, que trabalhavam de forma articulada e a não se
provocar a retenção dos alunos logo na 1ª série).
O fato de os sistemas contratarem bons “técnicos” para a elaboração de propostas peda-
gógicas, assim como o mercado editorial contratar bons “escritores de livros didáticos”, não
deve ser entendido como “necessariamente ruim”. Contudo, deve ser tomado como algo
vinculado a uma visão cada vez mais tecnicista e mercadológica do processo educacional,
que torna o “produto” (o livro, a apostila ou a aplicação de determinados procedimentos
em sala de aula) mais importante que a verdadeira relação que pode ser estabelecida no
interior do universo escolar, em toda sua riqueza cultural, política, de construção de socia-
bilização, de saber e de conhecimento. A outra crítica que se pode levantar a esse respeito é a
extrema fragmentação provocada entre quem “elabora” a proposta pedagógica, seja ela feita
por técnicos dos gabinetes ou das editoras, e quem a “aplica”, provocando assim um “taylo-
rismo pedagógico” que dissocia produção “intelectual” e aplicação “direta” (a sua aplicação
em sala de aula). Além disso, raríssimas vezes se veem produções didáticas que tenham
por objetivo trabalhar organizadamente as diversas relações existentes entre as diferentes
áreas de conhecimento. O que impera, na maioria das produções e propostas, é uma alta
fragmentação tanto intradisciplinar (no sentido de que até em uma mesma disciplina os
diversos assuntos não têm quase nada em comum) quanto interdisciplinar (onde não se
busca relacionar as diferentes perspectivas e áreas de conhecimento). Consequentemente,
garante-se a eterna predisposição propedêutica e essencialmente memorística das escolas
de Ensino Fundamental e Ensino Médio (o que não representa um “privilégio” só das es-
colas públicas, uma vez que também se faz muito presente nas escolas particulares, mesmo
naquelas tidas como exemplos de “boas escolas”).
Entender o aluno como sujeito ativo, capaz de participar da vida política, social, econômica
e cultural de um povo, implica a concepção de que a elaboração de seu próprio conhecimento
deve levar em conta a percepção da multiplicidade de saberes, presente nas diversas esferas da
vida humana, ou seja, entender que o conhecimento é uma produção histórica, social e cultural
da humanidade; implica também a necessidade de se conhecer e ter como ponto de partida do
processo de ensino e de aprendizagem o conhecimento já apropriado pelo aluno em sua vivên-
cia intra e extra-escolar de forma a se associar aos diferentes conteúdos prévia e especialmente
selecionados, realmente significativos. Trata-se ainda de buscar minimizar a extrema fragmen-
tação a que está submetido o processo de ensino e ter como horizonte a totalidade, com sínteses
constantes das informações trabalhadas na escola, contrapondo-se à visão propedêutica e “ban-
cária” que tem caracterizado os processos de ensino e de aprendizagem.
40
Entretanto, é necessário cuidado ao se envolver nessa perspectiva, pois talvez os elabora-
dores mais tecnicistas desenvolvam ainda métodos de pontuação de “postura democrática”,
de “aferição da estética” ou “avaliação do gosto”, dado o quanto já enalteceram (e ainda
enaltecem) o processo de avaliação classificatória (e opressora) como são aplicados os tes-
tes, os exames e as “provas objetivas” que praticamente extinguiram o prazer da conquista
do saber, assim como aumentaram o medo e estabeleceram a subordinação à nota ou men-
ção da “avaliação externa escolar” por parte de educandos e educadores.
Deve-se entender a educação para além de um investimento social, ou seja, uma ação
humana que pode garantir melhores condições para o exercício pleno da cidadania, possi-
bilitando um maior acesso às condições dignas de vida e estabelecendo um patamar político
de soberania de uma nação moderna, mas também como um bem comum, portanto acima
das apropriações particulares, que está articulado com todo o processo civilizatório e com a
perspectiva de humanização1 do homem na construção e conquista “do reino da liberdade”,
pois acredita-se ser um direito humano o acesso tanto ao legado histórico do conhecimento
desenvolvido pela humanidade, quanto à possibilidade de construção de valores sociais,
éticos, ecológicos e tecnológicos ensejados pela convivência escolar.
É importante transcender a lógica meramente mercadológica da educação para assegurá-la
no âmbito do custo social com a perspectiva da crescente conquista humana da ética, da políti-
ca, na busca da convivência pacífica, do desenvolvimento ecológico sustentado, do desenvolvi-
mento econômico justo e não caótico. A qualidade do ensino, portanto, deveria ter como para-
digma constitutivo a maior capacidade e possibilidade de tornar realidade tais perspectivas de
forma eficaz e eficiente, utilizando, para tanto, toda ordem de recursos disponíveis. 1. Estamos tomando
como humanização
Evidentemente é importante não se perder de vista os critérios e os indicadores da qua- o dizer de Antônio
lidade de ensino propugnados pelos setores identificados com um “enfoque sistêmico” ou Cândido no Projeto de
Educação em Direitos
da “gestão da qualidade”, uma vez que não se pretende tornar somente patrimônio destes Humanos: “...o processo
a utilização de conceitos como produtividade, eficácia e eficiência. Para a análise da quali- que confirma no
homem aqueles traços
dade de ensino do sistema público são consideradas como “entradas” deste sistema, quanto que reputamos essen-
ao aluno: a população estudantil; a matrícula inicial e final; a taxa de escolarização bruta ciais, como o exercício
da reflexão, a aquisição
e líquida; a taxa de progressão, evasão, retenção e conclusão; a renda per capita; a região do saber, a boa disposi-
territorial (urbana ou rural); a taxa de analfabetismo (para a população de 15 anos ou mais) ção para com o
próximo, o afinamento
entre outras; quanto ao professor: a sua formação; o número de locais de trabalho; a per- das emoções, a
centagem de postos ocupados por professores leigos por região; a remuneração média men- capacidade de penetrar
nos problemas da vida,
sal por região entre outros; quanto à infra-estrutura física: a condição de oferta dos prédios o senso da beleza, a
e equipamentos escolares no sentido de seus aspectos construtivos, distribuição espacial e percepção da comple-
xidade do mundo e
manutenção. A alimentação escolar também é um aspecto levado em conta quanto à sua dos seres, o cultivo do
distribuição, seu consumo e desperdício, cruzando com dados de renda e aproveitamento humor”, sd, p.3.
41
em excesso devido à evasão; o custo unitário aluno/ano entre outros. Recentemente o ren-
dimento escolar constituiu-se também como indicador e é verificado por meio da aplicação
de provas padronizadas externas elaboradas por diferentes sistemas educativos.
Constata-se, baseado somente nestes dados e sob esta ótica, que a questão da qualidade
de ensino aparentemente busca apresentar-se como uma questão meramente técnica, onde
a eficiência, o rendimento e a produtividade do sistema estão previamente determinados,
assim como a busca de alternativas já pode ter certos parâmetros estabelecidos.
De outro lado, nos discursos acadêmico-científico e sindical também estão presentes ou-
tros elementos a serem considerados como fatores determinantes da qualidade de ensino: um
maior custo-aluno/ano; uma melhor remuneração média mensal; um menor número médio
de alunos/classe; uma relação mais adequada de professor/aluno e de funcionário/aluno;
um plano de carreira com jornada e um piso salarial dignos; uma melhor formação inicial
e continuada; melhores condições de oferta para o ensino, isto é, condições mais adequadas
e com um maior número de recursos didáticos que não só “lousa, giz e saliva” entre outros
condicionantes materiais e institucionais. Há, no entanto, certo “tabu” no ambiente sindical
para com a discussão acerca dos processos de ensino e de aprendizagem e seus resultados
mais frequentes – a alta reprovação e evasão escolar – determinando baixas taxas de conclu-
são no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Sem discordar das razões apresentadas nas
denúncias feitas por estes setores das políticas de desresponsabilização do Estado para com a
educação e consequente degradação de sua qualidade, considera-se que seja importante que
se tenha tanto uma dimensão financeira quanto uma dimensão político-pedagógica na aná-
lise da questão da qualidade de ensino. Sem o professor da escola pública compreender mais
claramente a sua posição em relação ao pessoal do Estado (o que implica a compreensão da
dimensão dos custos e das formas de arrecadação e distribuição tributária que mantêm em
funcionamento a escola pública), assim como sem ele compreender e se comprometer com
um projeto político-pedagógico de acordo com os interesses populares (o que implica a dis-
cussão com seus pares e com os usuários para a busca de parâmetros, conteúdos e métodos
nesta perspectiva, assim como um contínuo processo de reflexão – de modo coletivo – sobre
a sua ação, para que esta se torne mais adequada e eficiente) não é possível vislumbrar reais
alternativas para a melhoria da qualidade da escola pública.
Ressalta-se novamente que os indicadores mencionados acima não devem ser despre-
zados por aqueles que defendem uma escola pública de qualidade para a maioria da popu-
lação, pois o domínio e a utilização pública e sistemática por um número cada vez maior
de educadores e de pessoas interessadas na discussão e exposição destes dados e de sua
análise poderiam transformar a qualidade educacional brasileira numa questão política e
educacional mais ampla do que aquela restrita e tecnicamente realizada pelos economistas
da educação ou outros (poucos) especialistas da área educacional.
42
Para Finalizar...
Para finalizar este texto, aos gestores públicos educacionais, além dos aspectos ressalta-
dos anteriormente que relacionam a busca da melhor qualidade de ensino público com a
importância da formação permanente de seus educadores, é sempre bom lembrar que estão
previstos na LDB diferentes formas de garantir a possibilidade desta condição ser, de fato,
realizada. De modo mais explícito, isto transparece tanto em seu Art. 63. III, quando deter-
mina que as instituições formadoras deverão estabelecer “programas de educação continu-
ada para os profissionais de educação dos diversos níveis”, quanto no que está estabelecido
no Art. 67, indicando que “os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissio-
nais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de
carreira do magistério público: [...] II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive
com licenciamento periódico remunerado para esse fim; [...] V - período reservado a es-
tudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; (grifos nossos)”. Além da
LDB, a recente legislação do FUNDEB estabeleceu em vários artigos a forma de gestão e de
utilização de recursos financeiros para se buscar um melhor padrão de qualidade articulado
à formação dos profissionais da educação. Em especial, no Art. 7o quando define que
43
Humanos. Embora não seja adequado lançar tais despesas em outras rubricas, é possível
que em Formação de Recursos Humanos das Secretarias ou Diretorias de Educação não se
encontrem todas as discriminações orçamentárias que contemplam a realização de progra-
mas, projetos, atividades, eventos etc. que visam proporcionar formação aos educadores2.
Contudo, o que se destaca sobre esta dimensão é que o seu valor é muito baixo frente aos
demais gastos realizados pelas Secretarias ou Diretorias de Educação, muitas vezes, sequer
atingindo 1% dos montantes totais destinados à Educação.
A título de exemplo, em estudos realizados junto aos orçamentos das Secretarias de Educação
do Estado e do Município de São Paulo, no período de 2005 a 2009, destaca-se que os montantes
das despesas realizadas em ambas com Formação de Recursos Humanos são irrisórios em relação
ao montante destinado à Educação. Em orçamentos estaduais da ordem de R$ 15 a 23 bilhões
na função Educação, não se gasta mais que 100 milhões no período na subfunção Formação de
Recursos Humanos, correspondendo a 0,75% do montante. Em orçamentos municipais, fixados
entre R$ 3,3 e 5,5 bilhões, os gastos na mesma subfunção acrescida de outros programas oscilaram
entre R$ 3,2 e 40 milhões, o que significa algo em torno de 0,01% e 0,73%.
Com tais exemplos, acreditando-se que ele se reproduza em todo o país, fica demonstrado
que o investimento realizado em Formação de Educadores é muito baixo e que uma educação
pública de qualidade requereria muito maior esforço dos gestores públicos para tal intento.
Porém, é bom que os gestores da educação pública não se esqueçam também de que os pro-
cessos formativos realizados fora (na forma de cursos, minicursos, oficinas, grupos de forma-
ção, conferências, palestras, orientações gerais de secretarias, projetos etc.) ou dentro da escola
2 É possível também (por meio de horários de trabalho pedagógico coletivo, grupos de estudo, projetos próprios ou
se considerar que o
cômputo da jornada de
projetos de orientação centralizada etc.) geram posteriormente, quase sempre, novas necessi-
trabalho de docentes dades para as redes e escolas públicas. Seja na forma de horas de pagamento excedentes, “pró-
contenha parte de
tempo a ser considerada
labores” e diárias para os envolvidos nestes múltiplos processos, seja na demanda de novos
como de formação do materiais e equipamentos didático-pedagógicos para a escola viabilizar a sua plena realização.
educador, em especial
quando este participa
Afinal, a realização de uma educação pública de qualidade realmente implica a amplia-
de horários de trabalho ção dos recursos para a educação e certamente, aplicados nesta direção, se tais gastos não
pedagógico coletivo
(HTPC) nas unidades
se apresentam com a mesma “visibilidade” de obras físicas realizadas no curso de uma
escolares ou de modo administração, estarão realizando uma construção muito mais sólida e sempre lembrada
centralizado, mas tal
cálculo será realizado
por educadores e usuários da escola pública: uma educação digna, significativa, inclusiva,
em estudo posterior. emancipadora das massas trabalhadoras de nosso país e, nesta condição, disposta à adesão
a um projeto político mais amplo, onde nem a exploração, nem a desumanização estariam
presentes. Com isso se constata, como já era sabido, não ser possível uma transformação de-
sejada apenas “por decreto”, ou simplesmente associando-a com “boas e honestas intenções
e realizações”, mas com uma firme determinação política, principalmente na condição de
responsável pela administração pública, que proporcione as condições (materiais, institu-
cionais e ideológicas) para sua realização.
A tarefa da construção dessa perspectiva, estando ou não no aparelho de Estado, quei-
ram ou não determinadas visões, é cotidiana e ininterrupta, tal qual um moto-contínuo,
que retira sua energia – sempre recomposta – dos melhores sonhos da humanidade...
44
A E X PE R I Ê NC I A
BLO CO II
45
46
CURRÍCULO EM DEBATE: SECRETARIA
DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE GOIÁS.
O existir humano é uma história que continua, promessascujas possibilidades são infinitas.
O homem é um ser que seinterroga, toma sua vida nas próprias mãos, imprime-lhe umrumo
de acordo com os valores que vai desvelando no mundo que o rodeia ... Há, portanto, rupturas
importantes que se produzem na historicidade do ser. (Joel Martins)
47
A Comissão Estadual de Currículo estava ligada diretamente à Coordenação de Planeja-
mento Educacional e Cultural e tinha, entre seus objetivos:
1. Explicitar os objetivos educacionais propostos pela Lei 5692/71;
2. Definir os conteúdos curriculares para o Ensino de 1º Grau;
3. Elaborar critérios e instrumentos de avaliação da aprendizagem;
4. Montar um sistema de controle do desenvolvimento de currículo;
5. Corrigir os desvios das faixas etárias.
O esquema apresentado a seguir, que esteve presente até os primeiros anos da década de
80, sumariza as ações desenvolvidas pela Comissão de Currículo no período em pauta.
48
Durante este período constituíram-se como fundamentos para o desenvolvimento de
currículo: os objetivos comportamentais, as taxonomias dos objetivos educacionais, a hie-
rarquização de aprendizagem, os pacotes instrucionais, os testes baseados em critérios e
a análise de sistemas. Era o que mais tarde foi chamado de paradigma técnico-linear de
currículo. O interesse era técnico, de controle, de melhoria da eficácia dos currículos de
1º Grau. Apesar de o processo de elaboração, implantação e avaliação de currículo estar
centrado no modelo cibernético do processo de tomada de decisões (Vide Figura I), e de se
trabalhar com Input, Operation, Test e Feedback, as questões que orientavam de fato o fazer
curricular eram as quatro questões clássicas de Tyler (1949, p.11):
TEORIAS PLANO
INFORMAÇÕES
OBJETIVOS
“FEEDBACK”
49
De acordo com Kliebard (1975, p.84), esta concepção de currículo pode ser explicada
pela seguinte metáfora:
...numa parte do sistema de produção, sendo o aluno a matéria bruta, que deve ser trans-
formada num finíssimo e útil produto, sob o controle de um técnico altamente qualificado.
O resultado desse processo de produção deve ser cuidadosamente pré-delineado de acordo
com rigorosas especificações e, quando certos produtos provam ser inúteis, são descarta-
dos em favor de outros mais eficientes. Toma-se cuidado com aquelas matérias brutas de
particular qualidade ou composição, canalizando-as para o próprio sistema de produção
(tradução nossa).
A Comissão de Currículo, na elaboração dos documentos básicos, trabalhou em estreita
parceria com a Universidade Federal de Goiás. Os Guias Curriculares (hoje Matrizes Cur-
riculares) foram elaborados por equipes da Universidade – professores da Faculdade de
Educação e do Colégio de Aplicação – com raro envolvimento de professores da rede. Os
planos de ensino, elaborados como modelos de operacionalização dos Guias foram confec-
cionados, prioritariamente, pelos professores da disciplina Didática Especial e do Colégio
de Aplicação.
Visando à qualificação dos professores da Secretaria Estadual de Educação, para a im-
plantação do novo currículo foi criado, no mesmo período, o Centro de Treinamento e
Formação de Pessoal (CENTREFOR). A centralidade da atuação do CENTREFOR era qua-
lificar supervisores, orientadores educacionais, diretores de estabelecimentos de ensino e
professores.
O modelo adotado por Goiás partia do pressuposto de que uma equipe de especialistas
deveria elaborar o currículo a ser implantado nas escolas. Os professores, por convenci-
mento, viriam a aderir ao projeto implantando-o em suas salas de aula. Em outras palavras,
os professores não seriam sujeitos do projeto curricular, mas o recurso humano para sua
implantação.
Portanto, negava-se aos professores a intervenção crítica. Como os professores pode-
riam se comprometer com os objetivos da reforma curricular de cuja definição não partici-
param, reforma esta que foi pensada para eles, mas sem eles?
O primeiro coordenador do CENTREFOR foi o Professor José Carlos Libâneo que,
assim como o autor deste texto, foi formado, no final da década de 60, na PUC-SP. Atuaram
no Núcleo Experimental da Lapa, com a Professora Terezinha Frann, e tiveram a sua forma-
ção inicial na área de currículo com o Professor Doutor Joel Martins, à época um dos raros
estudiosos de currículo neste país.
Além do Professor Joel Martins, dedicavam-se ao estudo de currículo a Professora Da-
lilla C. Sperb, do Rio Grande do Sul, ex-aluna da Professora Ilda Taba, e a Professora Ma-
rina Couto, de Minas Gerais, docente do Programa de Assistência Brasileiro/Americano
ao Ensino Elementar (PABAEE) programa este o antecessor do acordo MEC/USAID. As
referidas professoras foram, respectivamente, autoras das seguintes obras sobre currículo:
50
Problemas Gerais de Currículo e Como elaborar um Currículo, ambas editadas em 1966. Esta
era a bibliografia sobre currículo em língua portuguesa existente em 1972.
Diferente da Didática, que tem suas origens na Europa continental, o Currículo tem
suas origens no pragmatismo americano. É lá que ele nasce, floresce e se espalha pelo resto
do mundo. Isso é facilmente explicável pela presença de currículos nacionais na Europa e
pela inexistência do mesmo nos Estados Unidos que, por força de sua estrutura federativa,
as decisões de educação são de total responsabilidade do Estado.
Verificou-se neste momento, com a implantação da Lei 5692/71, o reflexo na educação
de um distanciamento do Brasil com a cultura clássica européia, tanto assim que elimina-
mos no Ensino de 1º Grau o Latim, o Francês e o Canto Orfeônico e minimizamos o estudo
da História Antiga, e da História e Geografia Européia. Por outro lado, aproximamo-nos
dos Estados Unidos, tornando o Inglês obrigatório de 5ª a 8ª série e introduzindo as áreas
de Estudos Sociais, de 1ª a 4ª série, e de Educação Artística. Merece destaque a implantação
das áreas pré-profissionalizantes, de 5ª a 8ª série, no modelo da Junior High School: Artes
Industriais, Técnicas Comerciais, Técnicas Agrícolas e Educação para o Lar.
As ideias de Tyler sobre currículo entraram tardiamente em Goiás e vieram permeadas
pelas críticas que já se fazia ao modelo proposto, tais como as de Eisner, nos Estados Unidos,
com seus objetivos expressivos; as ideias sobre avaliação, a partir do modelo antropológico
de Sara Dellamont; as ideias da função reprodutiva da escola, de Bourdieu e Passeron; e,
principalmente, os estudos sobre cognição, elaborados por Piaget, e os de relações interpes-
soais, desenvolvidos por Rogers.
Portanto, apesar da aparente coerência e consistência do modelo proposto, este gérmen REFERÊNCIAS
KLIEBERT,
de contestação levou às mudanças que dão origem a um novo momento curricular, que é
Herbert M.
acoplado a um novo momento histórico do Brasil, de abertura política. Metaphorical Roots
of Curriculum Design.
Não podemos esquecer que o homem é um ser que se manifesta no mundo, com os
In: PINNAR, William F.
outros. Homem e mundo sempre emergentes, com passado e futuro delineando os hori- Curriculum Theorizing:
The Reconceptualists.
zontes do presente. Essa dialética circular homem-mundo é que cria a cultura, cultura que
Berkeley:McCutchan
é dinâmica, histórica, pessoal e universal. Publishing, 1975.
TYLER, Ralph W. Basic
Neste existir, em 2010, como Superintendente da Educação Básica da Secretaria de
Principles of Curriculum
Educação do Estado de Goiás questiono: no contraponto entre a década de 70 e os dias and Instruction.
Chicago: The University
atuais, houve uma continuidade paradigmática? Ocorreu uma absorção por superação?
of Chicago, 1949.
Ou efetivou-se uma ruptura paradigmática?
Por fim, tais questões são provocativas no momento atual em que as teorias críticas e as
pós-críticas tornaram-se hegemônicas no pensamento curricular brasileiro. São elementos
fundantes destas teorias a tríade democracia, participação e justiça curricular, conceitos esses
que se apresentam, ainda de forma ambígua, no contexto educacional. Estes conceitos se não
forem definidos de forma clara e precisa provocarão algumas debilidades na análise e avalia-
ção da atual política curricular do Estado de Goiás que se pretende produzir nesta coletânea.
51
UM EXEMPLO, GOIÁS
Adriano Vieira, Maria José Reginato e Meyri Venci Chieffi - Cenpec
1 Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária é uma organização da socie-
dade civil, sem fins lucrativos, criada em 1987. Tem como objetivo o desenvolvimento de ações voltadas à melhoria
da qualidade da educação pública e à participação no aprimoramento da política social. As ações do Cenpec têm
como foco a escola pública, os espaços educativos de caráter público e as políticas e iniciativas destinadas ao en-
frentamento das desigualdades.
2 FIS – Fundação Itaú Social tem como atividades centrais a formulação, implantação e disseminação de metodo-
logias voltadas à melhoria de políticas públicas na área educacional e à avaliação de projetos sociais. Constituída
em 2000, a Fundação atua em todo o Brasil em parceria com as três esferas de governo (federal, estadual e muni-
cipal), com o setor privado e com organizações da sociedade civil. Esse estabelecimento de alianças estratégicas
agrega expectativas e olhares diversos, o que contribui para a elaboração conjunta de soluções para as demandas
do povo brasileiro.
3 SRE – Secretaria Regional de Educação, órgão institucional da Secretaria de Estado da Educação, tem a função
de apoiar, monitorar e avaliar as unidades escolares do sistema estadual de ensino.
52
Dessa maneira não é um relatório, mas se vale dele; não é um resumo, mas o utiliza, não
é uma listagem de depoimentos, mas também se vale disso, porque trabalha com a narra-
ção. Não é uma avaliação, mas traz sua essência: o juízo de valor que aquilata o mérito do
que se fez e que tem uma intenção, dependendo de quem avalia.
Para produzir este documento selecionamos os aspectos mais significativos do processo
e trouxemos as diferentes vozes envolvidas, com o objetivo de ampliar o diálogo. Para isso,
recorremos aos registros das ações desenvolvidas no período, às entrevistas e aos registros
dos grupos de discussão realizados com dirigentes e técnicos das duas administrações en-
volvidas neste trabalho.
Para ampliar os dados, a equipe do Cenpec também “mergulhou” na Subsecretaria de
Aparecida de Goiânia, município de grande porte, vizinho à capital, que esteve muito en-
volvido na reorientação curricular, desde o seu início, em 2004, com praticamente a mesma
equipe, formada pelo Subsecretário Regional de Educação, por pedagogos e professores de
todas as áreas do conhecimento (equipe multidisciplinar). Nessa experiência, acompanha-
mos uma ação de formação de professores realizada pela equipe da Subsecretaria, visitamos
uma escola da periferia e realizamos entrevistas com professores, gestores e alunos.
Ao organizar esta sistematização destacamos três movimentos vividos no processo, cor-
respondentes a diferentes etapas de atuação que guardam, cada qual, uma identidade cons-
tituída no processo vivido. São eles:
Movimento 1
Diagnóstico inicial e primeiras decisões políticas 4 O projeto Acelera-
ção da Aprendizagem,
Movimento 2 desenvolvido pela
Reflexões e definição de pactos: fundamentos, prioridades, eixos integradores do cur- SEE-GO, em parceria
com o Cenpec, tinha
rículo e concepções das áreas do conhecimento como objetivo garantir
Movimento 3 o direito dos alunos das
séries finais do Ensino
Elaboração de referências curriculares e de material de apoio docente: pactos coletivos Fundamental, com
sobre o que ensinar e como ensinar defasagem idade-série,
de concluírem esse nível
de escolaridade.
Reafirmamos a intenção de contribuir para o debate sobre construção participativa de
currículo, no âmbito das Secretarias de Educação e das escolas, dado que vivemos um mo-
mento importante no país, em que se redefinem as diretrizes curriculares para o Ensino
Fundamental de nove anos e caminha-se na direção de uma escolaridade obrigatória dos
4 aos 17, mobilizando Estados e Municípios a repensarem o atendimento à demanda e o
currículo. Acreditamos que a participação é fator de sustentabilidade de políticas públicas,
garantindo a continuidade das ações, para além das mudanças governamentais e é ingre-
diente fundamental na constituição das políticas de estado.
53
MOVIMENTO 1
D iagn ó stico I nicial
e Primeiras D ecisões P olíticas
A reorientação curricular em Goiás foi desencadeada a partir de amplo diagnóstico da
rede, elaborado com base nos indicadores educacionais do Estado e nas diferentes ações da
política educacional desenvolvidas até então.
Dentre essas ações, podemos citar a discussão sobre os Parâmetros Curriculares Nacio-
nais e, particularmente, sobre o programa Aceleração de Aprendizagem4 que, por ser uma
ação sistematizada, desenvolvida com educadores e gestores desse nível de escolaridade (6º
ao 9º ano), discutia questões tanto relativas à prática da sala de aula quanto à política edu-
cacional, impulsionando novas tomadas de decisão.
54
plicaria tempo, paciência, crença nas pessoas, crença na democracia. Implicaria também
consideração das tensões constantes inerentes ao processo, pois, as contradições existentes
no sistema, num processo participativo, se explicitariam. Como afirma Rosely Vanderley,
subgerente da reorientação curricular, 2003 a 2006:
(...) a equipe de SEDUC, responsável por reorientar o currículo em Goiás, escolheu um ca-
minho bem mais longo, e por isso mais árduo, que exigiria um grande fôlego dos envolvidos e
muita vontade política da secretaria. O caminho escolhido foi o da participação.
Para compor o diagnóstico inicial, como se disse, gestores da Secretaria, equipes técnico –
pedagógicas das Subsecretarias e assessores analisaram os indicadores educacionais do Estado
para resgatar a história curricular da rede e as ações já realizadas, e buscaram identificar as
concepções subjacentes às práticas pedagógicas das escolas. A partir disso foi possível tomar
as primeiras decisões políticas que orientaram o planejamento do projeto de reorientação.
Nesse movimento, constatou-se que havia uma concepção fortemente arraigada na rede
pública de Goiás de que a educação era uma questão de mérito e não de direito. A culpabi-
lização dos alunos e pais pelo fracasso escolar era frequentemente verbalizada pelos educa-
dores, nos encontros de formação, como afirma a Profª Regina Estima, integrante da equipe
de acompanhamento do programa de Aceleração da Aprendizagem. 5 Florestan Fernandes
A educação como direito foi eleita, assim, o grande fundamento da reorientação cur-
ricular, passando a ser objeto de reflexão com toda a rede pública. Era preciso propor uma
reorientação curricular que constituísse uma ação política pela inclusão. Vale dizer que esse
desafio não se colocava apenas para o estado de Goiás, mas para toda a educação pública no
Brasil, pois, como alerta Florestan Fernandes:
55
(...) Nunca é tarde lembrar que a intervenção do Estado na Educação teve por fim o que
os sociólogos definem como financiamento do status (ou de posição social) das próprias elites
e, eventualmente, procurou atender a ‘gente pobre’, como os trabalhadores urbanos. Aí está,
provavelmente, a explicação para a qualidade no ensino, com seus professores, prédios e equipa-
mentos, que mais tarde iriam ser degradados, na medida em que a ‘instrução comum’ e o ensino
médio se tornaram acessíveis a maior número, vulgarizando-se 5.
Outro ponto que as experiências vividas indicavam, com muita clareza, era a necessi-
dade de trazer para o centro da reflexão o aluno e suas formas de aprender. No caso dos
alunos de 6º ao 9º, significava trazer para o centro, os adolescentes. Estes, de um modo
geral, eram vistos como problema e constantemente percebidos pelos educadores como
desinteressados e indisciplinados.
O desafio, então, era construir, na rede pública, uma concepção de adolescência para além
de sua mera caracterização como etapa de transição para o mundo adulto, uma concepção
que considerasse essa fase como específica de um momento da vida, caracterizada por mu-
danças e transformações múltiplas e fundamentais no processo de desenvolvimento.
Em outras palavras, era preciso construir na rede pública uma concepção de adolescen-
te e de jovem como sujeitos de direitos. Sujeitos que atravessam uma fase peculiar numa
sociedade que vai se tornando cada vez mais complexa e exigente.
Como afirmam Chaveiro e Bueno (2010), docentes da Universidade Federal de Goiás e
parceiros no projeto de reorientação curricular,
E concluem:
“Não há como efetivar ‘uma grande virada na escola’ pensando a atual juventude a partir
da nossa juventude. É preciso dar voz à juventude, respeitar sua cultura e, a partir daí,
trabalhar os conceitos e valores que permeiam o seu mundo”.
Assim, para se trabalhar a educação no campo do direito, trazer o aluno para o centro
das discussões sobre o processo de ensino e aprendizagem e dar vida, de fato, ao currículo,
fazia-se necessário olhar com todo o cuidado para o aluno e sua cultura.
Havia também uma preocupação de que era preciso que a escola como espaço público
e democrático no atendimento de crianças e adolescentes, necessitava conhecer melhor a
56
cultura do território, o que implica conhecer melhor seu público, tanto alunos como fa-
miliares, conhecer melhor o modo de vida de sua região, as entidades e organizações da
sociedade civil que atuam com crianças e adolescentes no seu entorno; as histórias que se
contam, as manifestações culturais mais expressivas, os problemas mais evidentes, enfim,
conhecer melhor a realidade local e se voltar para o território.
Era claro, ainda, o desejo dos educadores de diferentes níveis e funções de incorporar
aspectos da cultura goiana no currículo. Professores e gestores não viam a realidade de seu
Estado contemplada nos livros didáticos mais utilizados na rede. Sentiam que os principais
aspectos da cultura goiana não se traduziam em currículo e, portanto, acabavam sendo
desconhecidos dos estudantes. Havia consenso de que a arte, a história, as riquezas naturais
e humanas de Goiás deveriam ser trazidas para dentro da sala de aula para ressignificar e
dar vida ao currículo.
Aqui vale lembrar Sacristan que diz:
“Os conteúdos culturais só gerarão frutos na educação geral se incorporados às nossas for-
mas cotidianas de perceber, de sentir, de nos emocionarmos, de entender, de pensar, de nos
expressarmos e até de nos comportarmos”. (SACRISTAN, 2001, p. 114).
Outra questão a ser enfrentada dizia respeito ao letramento. Dados quantitativos e qua-
litativos apontavam que um dos principais problemas relacionados à aprendizagem dos
alunos goianos era a dificuldade na leitura e na escrita. Sendo estas habilidades necessárias à
compreensão de noções e conceitos de todas as áreas do conhecimento, o desafio era provo-
car os docentes especialistas e não apenas os professores de Língua Portuguesa a assumirem
para si a responsabilidade de desenvolvê-las em seu próprio campo de trabalho.
Como afirma Zoraide Faustinoni da Silva, pesquisadora do Cenpec, “cada área do con-
hecimento tem sua parte na formação do leitor e autor de textos orais e escritos. Assim, é
o trabalho conjunto dos educadores que irá garantir a ampliação do acesso das crianças e
jovens ao mundo letrado” (ZAKIA, xxxx, p.29).
Mesmo porque, não é exagero afirmar que o exercício da cidadania requer cada vez mais
o pleno desenvolvimento da capacidade de ler e produzir textos apropriados ao contexto.
Como os contextos são inúmeros, dada a complexidade da sociedade, em tempos de ur-
banização e desenvolvimento tecnológico e informacional, dominar a língua escrita e suas
mais amplas possibilidades de expressão, bem como outras linguagens, é condição para o
exercício da autonomia e para a construção de uma sociedade democrática.
A cultura local, o letramento e a cultura juvenil tornaram-se, assim, no decorrer do proces-
so, eixos integradores do currículo, mobilizando os professores para o estudo e a pesquisa.
Em relação aos processos de formação, as experiências anteriores acontecidas na rede
de Goiás mostravam que os professores de 6º ao 9º ano, quando reunidos com seus colegas
de área de conhecimento, envolviam-se bastante em discussões sobre conteúdos curricu-
lares, processos de ensino e aprendizagem e avaliação. Sentiam-se menos isolados e mais
encorajados para mudar sua prática de sala de aula. E, quando desafiados a sentar com os
57
professores de outras áreas de conhecimento, conseguiam elaborar propostas para diminuir
a fragmentação, tão marcante nesta etapa do ensino fundamental.
Assim, apontou-se para a reorientação curricular um caminho de formação que pudes-
se se desdobrar no cotidiano de cada escola, numa ação coletiva de refletir e fazer junto.
Como nos lembra Luiza Suely Bernardi, integrante da equipe de formadores do Cenpec:
58
Secretaria a tomar algumas decisões políticas para nortear a reorientação curricular. Estas
decisões que não foram tomadas de forma linear, nem de uma só vez e que foram revistas e
ampliadas durante todo o processo podem ser sintetizadas nos seguintes compromissos:
• Pautar todas as ações a partir da crença, de que a educação é direito de todos
e não privilégio de alguns;
• Manter o foco na aprendizagem dos alunos e na cultura juvenil;
• Desenvolver um olhar mais apurado para a cultura local;
• Priorizar a leitura e produção de textos;
• Promover a formação continuada dos professores e dos gestores;
• Fazer o acompanhamento das escolas pelos órgãos centrais e intermediários;
• Fortalecer as equipes da secretaria e criar equipes multidisciplinares
nas subsecretarias;
• Investir em condições de trabalho na rede.
MOVIMENTO 2
Reflexões e definição de pactos:
fundamentos , prioridades , eixos
integradores do currículo e con -
cepções das áreas do conhecimento 8 A Secretaria de
Educação de Goiás
é organizada em
Após o diagnóstico inicial e a tomada das primeiras decisões o passo seguinte foi cons- 38 subsecretarias,
que são órgãos
truir um caminho, no sentido de envolver toda a rede num amplo debate sobre a qualidade regionais, e atuam
e a democratização do ensino, construindo assim os alicerces para a reorientação curricular. entre a Secretaria
e as escolas de
Não foi por acaso que o grande tema que desencadeou o movimento no estado foi “o direi- diferentes municípios
to à educação e o desafio da qualidade do ensino” e a grande estratégia, a participação. A da região geográfica
na qual se situam.
partir de uma ampla reflexão sobre esses temas, pretendia-se avançar com mais consistência
e clareza na tomada de novas decisões sobre o currículo, tais como seleção de conteúdos, a
opção por metodologias, processos de avaliação de cada área do conhecimento e possibili-
dades de integração dessas áreas.
Neste contexto buscou-se organizar e articular diferentes atores e setores de modo a
ampliar o movimento participativo.
I. Ampliação da participação
59
SUBSECRETARIAS REGIONAIS DE EDUCAÇÃO
DO ESTADO DE GOIÁS
2
1 3 4
8 7
9
6
12 15
10 14
11
25 13
16
18 17
24 19
22
26 21 20
23
36
28
30 37
31
33 35
38
29 34
60
No Subsecretaria
1 São Miguel do Araguaia
2 Porangatu
3 Minaçu
4 Campos Belos
5 Posso
6 Formosa
7 Uruaçu
8 Rubiataba
9 Itapaci
10 Cidade de Goiás
11 Itapuranga
12 Ceres
13 Itaberaí
14 Goianésia
15 Planaltina de Goiás
16 Anápolis
17 Inhumas
18 Trindade
19 Luziânia
20 Silvânia
21 Aparecida de Goiânia
22 Goiânia - Metropolitana
23 Palmeiras de Goiás
24 São Luiz de Montes Belos
25 Jussara
26 Iporá
27 Piranhas
28 Mineiros
29 Jataí
30 Rio Verde
31 Santa Helena de Goiás
32 Quirinópolis
33 Goiatuba
34 Itumbiara
35 Morrinhos
36 Piracanjuba
37 Pires do Rio
38 Catalão
61
se nas regiões e a discussão curricular chegasse, de fato ao chão da escola. Essas equipes já
manifestavam o desejo e necessidade de fazer intervenções pedagógicas de 6º ao 9º ano,
uma vez que haviam iniciado um trabalhado mais sistematizado com as séries iniciais.
Portanto, o segundo movimento envolveu educadores de todo o Estado, responsáveis
pela concepção e disseminação da proposta de reorientação curricular nas regiões, num
processo crescente de participação, que chegou a contar com mais de 400 educadores, en-
volvendo os coordenadores pedagógicos e as equipes multidisciplinares das 38 Subsecreta-
rias do estado, além de técnicos do órgão central.
Essas equipes, recém-formadas, tiveram o papel de atender às demandas pedagógicas ge-
rais das unidades escolares e às demandas específicas de cada componente curricular, levando
em consideração a formação inicial dos docentes. Cabe ressaltar que no início do trabalho
havia um número significativo de professores sem habilitação específica em algumas áreas,
particularmente em Arte, o que aumentava a responsabilidade dessa equipe de formadores.
A maior parte dos educadores que compunham as equipes multidisciplinares dos órgãos
regionais acumulava também a função docente, em escolas das regiões, o que propiciava
uma visão realista da pertinência das propostas e dos encaminhamentos feitos nesse fórum
de estudos e discussões. Com isso, pretendia-se criar novas condições de apoio constante
às escolas, ampliando as possibilidades de formação continuada e de acompanhamento e,
sobretudo, de respeito à identidade dos professores e gestores que atuam do 6º ao 9º ano.
Universidade
Foi consensual entre os parceiros o entendimento de que aproximar as universidades
locais da reorientação curricular daria mais consistência ao processo, qualificando as dis-
cussões da rede. Assim, foram chamados docentes que, de alguma forma, já tinham vínculo
com outras ações da secretaria e expressavam interesse e compromisso em compartilhar com
a rede pública de ensino, na busca de sua democratização e na promoção de sua qualidade.
A parceria com a Universidade trouxe sem dúvida ganhos para o processo de reorien-
tação, ao contribuir para a ampliação e consistência da reflexão teórica. Por outro lado,
os docentes que participaram do processo puderam possibilitar aos seus alunos, futuros
professores, uma aproximação e articulação dos conteúdos acadêmicos com a realidade das
escolas públicas e das próprias salas de aula- contexto concreto de atuação deste profissio-
nal em formação.
62
• estar em sintonia com as necessidades e dificuldades dos professores e das escolas;
• ser realizada por formadores com vasta experiência e, sobretudo, com conhecimento
dos contextos escolares e dos professores da rede pública que iriam formar;
• promover ações de acompanhamento e apoio sistemático para as práticas
pedagógicas nas escolas;
• partir da prática dos professores.
63
Por fim, em um quarto momento, as equipes das Subsecretarias voltavam a se reunir
para planejar os momentos de formação, em suas localidades.
O momento centralizado significou a formação de quadros pedagógicos regionais para
enfrentar o grande desafio de envolver as escolas nas discussões pela democratização da
educação para o centro do debate a realidade das salas de aula tornando o processo de re-
orientação mais próximo das necessidades e expectativas de seus educadores criarem a sua
nova identidade: serem parceiras das escolas na construção da qualidade da educação.
Para nós, a reorientação curricular trouxe uma metodologia que ajudou nossa equipe
a se organizar, se formar e ir às escolas para fazer intervenções pedagógicas. Tínhamos
clareza de que era necessário promover a irradiação do projeto para toda a rede. Isso acon-
teceu efetivamente. (Profº Marcelo Ferreira da Costa, subsecretário de Goiânia.)
2) A formação descentralizada
A formação descentralizada desdobrava-se, regionalmente, atingindo todas as escolas,
por meio de encontros das equipes das Subsecretarias com os professores, coordenadores
pedagógicos e diretores do Ensino Fundamental. Esses encontros descentralizados assu-
miam feições locais, mas guardavam unidade com a formação centralizada nos objetivos,
na temática e nas “tarefas” comuns. Muitas vezes, agrupavam-se professores de duas ou três
Subsecretarias próximas (polos) para otimizar, de forma solidária, os recursos humanos e
materiais com que se contava.
As “tarefas” a serem desenvolvidas, especialmente nas “escolas pesquisa” versavam sobre
as possibilidades de integração do currículo e as concepções de educação e das áreas do
conhecimento, foco desse segundo movimento da reorientação.
Esta dinâmica consolidou a perspectiva de formação como parte integrante da ativida-
de docente ao possibilitar que as reflexões não se restringissem apenas aos conhecimentos
científicos ou a uma prescrição de atividades e estratégias a serem realizadas na sala de aula,
mas permitindo que o professor pudesse trazer suas dúvidas, anseios, necessidades e reali-
zações, problematizando e teorizando sobre a própria prática.
3) O acompanhamento
O acompanhamento das escolas, nas regiões, era realizado por duplas pedagógicas das
Subsecretarias e tinha como objetivo ajudar os professores e gestores a implementar o mo-
vimento de reorientação curricular, nas salas de aula e nos horários de trabalho coletivo na
escola, trazendo para a formação centralizada os avanços e dificuldades percebidos.
No decorrer do processo, à medida em que as equipes se fortaleciam e criavam vínculos
com gestores e professores de suas regiões, sentiam-se mais seguras e ampliavam as visitas de
acompanhamento às escolas, inclusive adentrando, em algumas ocasiões, as salas de aula.
64
O acompanhamento às escolas, em nossa subsecretaria continua sistemático.
As duplas pedagógicas vão às escolas e a equipe multidisciplinar também, além
de acompanharem os grupos de estudos que acontecem nas unidades escolares
e de promoverem formação nas áreas do conhecimento. A integração da equipe
pedagógica da subsecretaria é fundamental para que isso ocorra. (Profª Ailza
Cristina Oliveira Araújo Subcoordenadora de 6º ao 9º ano.)
65
2) As prioridades da reorientação curricular
As discussões sobre o direito à educação e sobre concepção de currículo foram funda-
mentais para estabelecer as três prioridades da reorientação curricular.
... percebemos que não é preciso inventar um projeto mirabolante para que
a escola consiga reverter seus índices de evasão e retenção. Muitas experiências
mostraram que um plano escolar feito no coletivo e com o qual todos se com-
prometem é muito eficaz. (Beatriz Colella, coordenadora do grupo de gestores
das Subsecretarias – Cenpec)
2.2) Ampliação dos espaços de discussão coletiva nas escolas e nas Subsecretarias
Ficou acordada a necessidade de se organizarem espaços de formação continuada em
serviço para qualificar a discussão na rede. A ênfase seria promover reflexão teórica sobre
as práticas de sala de aula e sobre a responsabilidade de cada um e de todos da escola no
aprendizado dos alunos. Isso implicaria a utilização do horário de trabalho coletivo previs-
to no calendário escolar e uma sistemática de acompanhamento das escolas pelas equipes
pedagógicas das subsecretarias.
O que a gente sempre quis – trabalho coletivo – aconteceu. Desde o início, o processo
foi coletivo e isto permitiu o coletivo na escola. Experimentamos juntos, avançamos jun-
tos, recuamos juntos. Isso foi uma grande conquista. (Profª Eliana França, secretária de
educação do estado de Goiás no período de 2003 a 2006.)
2.3) Construção de uma proposta curricular com novos recortes e abordagens de conteú-
dos e práticas docentes
O aluno como agente principal do processo de ensino e aprendizagem; inovar as aulas,
tornando-as mais dinâmicas e significativas; fazer com que os profissionais da educação,
em especial os gestores e professores, se envolvessem no desenvolvimento dos projetos
coletivos das unidades escolares foram demandas que vieram da sondagem realizada nas
“escolas – pesquisa”.
66
lidade de avanço considerado nesse momento foi a de se buscar elementos integradores, no
próprio processo de reorientação desenvolvido.
Assim, envolver gestores e professores de todos os componentes curriculares num di-
álogo que combinasse estudo, discussão sobre a prática pedagógica e tomada de decisão
em torno das necessidades identificadas de 6º ao 9º representou um passo importante no
sentido de romper com a fragmentação de conhecimentos e práticas tão arraigadas a essa
etapa do Ensino Fundamental.
A partir disto foram estabelecidos três eixos integradores do currículo:
67
De acordo com Yara Sayão: “Obrigam a pensar que devemos considerar tanto as dife-
rentes formas de trabalhar conteúdos de cada uma das disciplinas regulares como incluir
essas preocupações/ solicitações da comunidade, em atividades/espaços outros da escola
que não só os da sala de aula.” (p. 56/56 Caderno Currículo em Debate – 3).
E acrescenta: “Pensar os jovens nas cidades hoje implica tornar relevantes seus es-
paços, suas idéias e suas práticas. Implica, sobretudo, considerá-los como atores, como
agentes sociais que formulam questões significativas, propõem ações relevantes e con-
tribuem para a discussão e o enfrentamento dos problemas sociais.” (p. 55 Caderno
Currículo em Debate – 3).
Em síntese, a partir do segundo movimento foi possível criar pactos que reafirma-
ram a crença de que a educação é direito de todos; possibilitaram um consenso sobre
concepção de currículo; permitiram a definição de prioridades como a diminuição das
taxas de evasão e repetência, ampliação dos espaços de discussão e reflexão, e a constru-
ção de uma nova proposta curricular.
Estes pactos foram importantes não só para nortear o processo de reorientação, mas para
garantir a sua legitimidade e a responsabilidade de todos os envolvidos por sua construção.
68
Cadernos Currículo em Debate - os registros do segundo movimento
69
tegradores. Por sinal, pensar como cada área pode ampliar o nível de letramento dos alunos
e contribuir para explicar elementos presentes na cultura local e juvenil desviam o olhar de
suas questões particulares e causam um deslocamento para questões gerais, mais amplas,
de interesse comum a todas elas.
Todas as áreas contaram com a participação de docentes universitários na elaboração da
concepção de área, na formação e no registro dos cadernos. A participação dos docentes foi
valiosa, na medida em que qualificou a discussão, trazendo as pesquisas produzidas na aca-
demia. Pode-se dizer que foi nessa oportunidade que teve início a consolidação da parceria
entre Secretaria, rede, Universidade e Cenpec.
Nesse processo, os representantes das Universidades do Estado constituíram um grupo
que, apesar da mudança de alguns de seus integrantes, permaneceu no terceiro movimento
da reorientação, no qual sua contribuição seria indispensável para a sustentação das novas
decisões curriculares.
A Secretaria da Educação encontrava-se, ao final desse momento, mais coesa e prepa-
rada para defender a reorientação curricular e dar-lhe continuidade, devido a um processo
de integração das equipes que antes desenvolviam separadamente trabalhos de formação e
acompanhamento na rede pública, nas séries finais do Ensino Fundamental.
Não se pode negar que a equipe técnica da Secretaria lutou muito para a
continuidade da reorientação curricular. (Profª Isa Lourdes de Araújo Pialuga,
superintendente do Ensino Fundamental, administração 2003-2006.)
A formação tem que ser democrática. O professor deve ser visto como par-
ceiro. A Secretaria de Educação tem que dar o suporte, mas saber descentralizar,
favorecendo o fortalecimento das equipes multidisciplinares das subsecretarias.
(Prof. Marcelo Ferreira Costa, subsecretária de Aparecida de Goiânia).
É bem verdade que o nível de atuação das Subsecretarias junto às escolas da região
era heterogêneo, dependendo bastante do envolvimento dos subsecretários nas questões
pedagógicas e do perfil da equipe multidisciplinar. Não eram raros os momentos em que a
equipe da Secretaria de Educação se deslocava para fazer parceria com as equipes regionais,
a fim de fortalecê-la.
Um número significativo de escolas envolvia-se nos processos de formação e acompa-
nhamento desenvolvido pelas Subsecretarias, embora uma parcela dos professores ainda
não tivessem sido envolvidos nos encontros. Sabia-se também que a grande rotatividade de
docentes poderia ampliar esta parcela.
70
Mesmo assim, as discussões ganhavam vida nas escolas e o processo dialógico de reflexão
era reconhecido e valorizado. Professores de 6º ao 9º ano apontavam a necessidade de mais
encontros para dar continuidade às reflexões e encaminhamentos iniciados com o processo.
A cultura da participação ganhou corpo e alma. Os professores e gestores das equipes
regionais de todas as regiões do Estado se conheciam e se percebiam como elementos per-
tencentes à mesma rede, com um projeto comum, de estado.
O abraço da proposta em 2006 foi muito forte. Era um trabalho muito inspirador, que
formava as equipes de trabalho da Secretaria, das Subsecretarias e das escolas, ampliando
os espaços coletivos de discussão, valorizando o papel do professor. (Profª Isa Lourdes de
Araújo Pialuga, superintendente do Ensino Fundamental, administração 2003-2006.)
A criação de uma comissão para registrar todo o processo e elaborar publicações desses
registros para toda a rede, sem dúvida, foi outro ganho, pois assim se garantia a memória
do processo e sua socialização para ampliar a reflexão e o debate na rede.
DIÁRIO D
A NIRA
Nem sei p
or que com
sei: diário ecei esses
porque é registros.
que Nira so um nome E nem sei
u, nascida mais fácil, por que ch
passou há Dejanira L mais conh amei de D
tempos, m eopoldina ecido, ma iário da N
a B arr is rápido p ira. Ou
conversar s o apelido e to Pereira ara lembra
e gostar d ficou. Gost . A síndro r. N ira, por-
trabalhan as pessoa o dele tan me do nom
do no mag s e fazê-la to quanto e complica
professora istério, me s ta mbém gost de m im, desse do já
da equipe lhor ainda arem de m meu talen
das pesso multi. Aliá . É g ente pra to im . Isso é o b to de
as!) é inte s esse nom do lado. D om da vid
Multi isso re ss ante e foi e (v o cê já reparou ia d e ss es conheci a . E
, multi aq muito bem como gost uma nova
tenha – da uilo, mult d a d o pelos asse o do nome das
va outro n i aquilo o ssores: a coisas e
ome para utro. No m gente é m
nha, dona isso: pau eu tempo ulti pra tu
de tantas p ra to d e g aro ta do.
e prolonga h istórias emo d a obra. Be , meu pai –
da, defend cionantes, m... chego que Deus
ciais do ho e n d o no curríc d e v iradas inte u lá n a equipe mu o
mem. Qua ulo o ensi ressantes lti, a Elzi-
qualquer lquer dia co no religioso na vida, d
contador d nto uma d como uma e prosa m
velho de g e histórias, as história das dimen ansa
uerra, inco desses qu s dela, da sõ es mais esp
rporar no e há muit virgem e d e-
seu rol de os perdido a lanterna
Comecei a co n ta s na imen , coisa pra
escrever n çã o de causos. sidão do no
é mais go uma das fo sso Goiás
stoso rabis lhas impre
avulsa é a car sobre ss a s d a p
vida emp o e sforço do a u ta da reuniã
que vamo restada a nosso trab o de ontem
s desenha nós, assim alho. São . Parece q
nome (no n do nesse co m o avulsos papéis av ue
me, outra nosso trab são os fra ulsos, ass
v e a lh o g m e im como
gostosura z! ) pomposo q ue tem tu n tos do con
nisso. E cá intelectua do para d hecimento
quem sab entre nós, lmente fa ar certo, a
e, reorien que ningu lando: “re começar p
previsível tando o cu ém saiba o ri entação cu elo
que essas rrículo, eu disso que rricular”.
ao seu en apostilas a p re nda “reori v o u confessar B o ta
sino. Ah! comprada entar” a m aqui, ago
onde esta C h e g a de azed s p e lo s município in h a vida, que ra :
mos em re ar coisas s para da anda mais
todo o me união com já delinea r ca ra de gente
u tempo, os profess das. Vamo grande
a minha a ores de cin s voltar pa
tenção e o co escolas. ra a sala ca
meu praze Os olhos cu lorenta
Guarde p r da conviv riosos dele
ara mim e ência. Dep s tomam
Até... qua ssas anota ois mais n
lquer hora ções nas d otícias.
Nira, maio . obras do
de 2005 tempo.
71
No decorrer do segundo movimento houve momentos menos intensos de mobilização,
motivados por entraves administrativos e financeiros que geraram descontinuidade do pro-
cesso. Um deles foi solucionado com a participação de um novo parceiro, que se manteve
até o final do terceiro movimento da reorientação curricular, a Fundação Itaú Social.
72
Para mim, esse movimento deixou de significativo a possibilidade de fazer teoria na
prática: como lidar com os dados que mostravam insucesso, sem pôr o dedo na ferida,
mas propondo pensar juntos. Foi um grande momento de reflexão.
Nunca se determinou o que o professor deveria fazer, mas se problematizava: por que
essa evasão tão grande? Por que não aprendem a ler e escrever? Foi muito respeitoso esse
modo de fazer, de dizer os porquês, de construir e achar o como, de oportunizar que todos
crescessem como profissionais em todas as instâncias, sentir-se parte ativa e participante.
Rever a teoria, rever a prática, refletir sobre a teoria, refletir sobre a prática. O eixo leitura
e escrita como responsabilidade de todas as áreas foi apropriado com muita força. (Maria
Bernardete Barbosa Brito, gerente técnico-pedagógica de 5 a 8 série, 2003 a 2006.)
Tudo vale a
pena se a al
ma não é p
equena. Val
Numa roda e?
de convers
que fizemos a fiada sobre
para uma re nossas and
sem dormir gião de dif anças, uma
há dois dia ícil acesso. das meninas
de outros ve s e fez a viag O motorista lembrou da
ículos, de va em pela estr do caminhão viagem
soras e a ca ca no camin ad a de terra a mai qu e nos levou
rga de quin ho, sacoleja s d e ce estava
Quando ch quilharias q ndo a carga m por hora,
egamos ao u e abasteceria h u m ana compos des viando
mento de h hotel em qu o único pon ta de três p
otel – fomos e tínhamos to de vendas rofes-
pois haviam surpreendid quartos rese da pequena
sido oferecid as pela info rvados - dif cidade.
as a uma ro rm aç ão íc il ch amar o esta
O gerente maria de boi d e que n ossas vagas beleci-
da espelun adeiros que não existiam
capital, além ca não sab
do movimen ia co m quem es p as sa va por ali. F mais,
outro movim to de reorie tava lidand oi um escân
ento, conhec n tação curricu o. N a b agagem da dalo.
onde foram ido como “l lar, havia u mulherada
surgindo, n uta pelos d ma força m da
nossas mal em o que fo ireitos”. As uito grande
as no quarto i transform vagas reap de um
loja e comp improvisad ado em vaga. ar eceram, nem
rar vários b o, cada uma Mas surgiram sei de
é pequena” atons... Alg teve uma re . Depois qu
. Eu prefiro uém já disse ação. A min e jogamos
dizer e escr ou escreveu ha foi sair, p
de outras al ever: “nenh que “tudo va rocurar um
mas...” uma alma é le a pena se a
tão pequen a alma não
Nira, agosto a que não m
de 2007 ereça respei
to
73
MOVIMENTO 3
A ELAB ORAÇÃ O C O L E T I VA
D E MATRIzES C U R R I C U LA R E S
“No nosso entendimento, a educação deve ser conduzida como política de Estado e não, apenas, como
política de um governo. A continuidade dos projetos é fundamental para o desenvolvimento da educação
brasileira...”- Profª. milca Severina Pereira, secretária da educação.
!
Nihil humani a me alienum puto tradução do latim
Achei bonito e copiei “Nih il humani a me alienum puto”. A
morta, mas continua
língua morta? Até pode estar
(quem disse que o latim é uma hum ano me é estranho”.
gente!) é “nada do que é
mandando recados vivíssimos pra épo ca de eleiç ão, novos candi-
com meus berloques:
Gostei, copiei e fiquei pensando .. será que não pode-
mudanças de novo novamente.
datos, novos governantes, novas no nosso trabalho, da
ersar com os candidatos? Falar
ríamos tirar uma comissão e conv ano s... e arrancar deles
a história desses últimos seis
reorientação curricular, contar ar seriame nte a continuidade da
eleitos, vão consider
uma promessa (sic) de que, se ano me é estranho”,
r mesmo que “nada que é hum
nossa proposta! Apesar de acha ticos de jogar no lixo
essa atitude da maioria dos polí
sinto uma certa indignação por . Aind a não perdi essa
anterior fez e começar do zero
quase tudo que a administração ano s me caus ar estr anheza.
sar de nada dos hum
capacidade de me indignar, ape
Beijo
74
Outra mudança foi a inversão da lógica da interação dos órgãos centrais da SEEGO com
as Subsecretarias. Nesta gestão, os técnicos da Secretaria que atuavam na SUEBAS passaram
a ir diretamente às regiões para realizar encontros de formação com as equipes das Subse-
cretarias, com professores e gestores das escolas.
Esta estratégia trouxe a vantagem do contato direto da equipe central com a ponta, com
escolas e professores de todo o estado, propiciando interação e conhecimento das realidades
locais. Por outro lado, não dava conta de cobrir todo o estado com as mesmas ações, em tem-
po compatível, o que dificultou por vezes o andamento que se desejava para a reorientação.
75
car vírgulas num texto
Sobre a dificuldade de se colo
erec a com o parte da vida
coletivo e pensar a per
Parque das Emas, com
co. Voltei encantada com o
Chegamos de Mineiros há pou za escolheu aquela região
Araguaia... Acho que a nature
as nascentes majestosas do amento com a natureza faz
idade morarem. Esse encant
para fazer a beleza e a tranquil ver a vida apenas pela ótica
do e tira da gente o peso de
um bem danado pra todo mun ou o desejo estranho de sair por
de se colo car vírgulas entre as palavras
da dificuldade retos. Como disse uma das
com os objetos diretos e indi
aí assassinando gramáticas sobre o trabalho coletivo, o
o numa discussão apertada
professoras que esteve conosc sobre as divergências – às
atidão dos pontos de vista,
vai-e-vem das opiniões, a inex de um consenso a respeito do
âne as – ideológi cas e sobre a dificuldade
vez es subterr os coletivos. Mais fácil seria
nto colocar vírgulas em text
que ensinar: é tão difícil qua re qual o recorte do conhe-
s e acadêmicos a decisão sob
pôr nas mãos de especialista o sempre foi: currículo à la
poria o currículo escolar. Com
cimento acumulado que com rita da matriz curricular do ensi-
os na qua rta ou quinta versão da esc
cart e! Já está vam , a elaboração de um texto
a discussão aconteceu. De fato
no de Geografia, quando ess a vírgula. Parece o parto de
curar um lugar na frase para
coletivo é tão difícil quanto pro costura aqui, uma contra-
vivência na vida da gente: uma
uma montanha. Como a con ada mai s adiante... Viver, escrever
experiência acumul
dição ali, um conflito acolá, uma ensina é isso e muito mais:
com a participação de quem
a vida e fazer um currículo órias de gente. E por falar em
experiências, olhares e hist
lidar com saberes, dúvidas, s histórias de animais, uma
se nos matou de rir com sua
gente e histórias, a Margô qua láve l, inex plicável e indomável de
u de seu medo incontro
depois da outra. Primeiro falo ela. Ela, a Margô, é exu-
tão assanhada. A perereca, não
perereca. Tão pequenina, mas ois contou do motorista,
órias, todo lugar onde está. Dep
berante. Enche de luz, e de hist pen são só porque o bicho
bêb ado , que pôs fogo num cachorro na porta da
com cara de pariu seis filhotes ao relento
mo, a história da cadela que
não parava de latir. E por últi mundo, procurando abrigo e
que parecia anunciar o fim do
e ela, em meio a uma chuva lembrei de uma noite chuvos
a,
canina. Ato contínuo eu me
alimento para a zelosa mãe tod a a águ a do mun do, nós
o chão goiano para receber
em que a natureza escolhera Quando subimos para o
peq ueno hotel e a chuva caindo.
jantando no restaurante do transbordavam em meio
, bolsas e material de trabalho
quarto nossas malas, maletas tudo que lá estava. Histó-
, tomou conta do quarto e de
ao aguaceiro que, pelo telhado es paralelas de quem
o ess as não cab em no curr ículo, mas cabem nas anotaçõ
rias com e indeterminados...
ica cheia de sujeitos ocultos
faz o currículo. Taí uma gramát
lhacentos da Nira
Beijos virguleiros e aguamo
duas palavras, “virguleiros
rio. Já vou avisando: estas
PS. Não precisa ir ao dicioná do seu ouvido: se, a esta
tem. Mas, cá entre nós, ao pé
e aguamolhacentos” não exis poé tica para inventar palavras, ó
tiver uma licencinha
altura do trabalho, eu não
u fazendo aqui!!???
meu deus!... o que então esto
lares e pererequentos.
Outros beijos, estes curricu
Nira, agosto de 200 8
76
Quando discutíamos a concepção de área com os professores de Educação Física, por
exemplo, eles solicitavam a continuidade do trabalho na direção de dar norte e chão a
todas as escolas, no que se refere aos conteúdos programáticos. (Priscila Ferreira de Souza,
equipe de Educação Física do Núcleo de Desenvolvimento Curricular).
Durante alguns meses, foram feitas amplas discussões que envolveram coordenadores
e técnicos da SUEBAS, parceiros das universidades e do CENPEC sobre o que significava
politicamente ter uma matriz curricular para a rede; o que se poderia esperar de uma ini-
ciativa como esta; como ficaria a autonomia da escola; qual seria o papel dos professores e
dos gestores em relação a elas; como garantir uma articulação com todo o processo parti-
cipativo desenvolvido até então, sem anulá-lo; como articular as matrizes a serem criadas
pelo estado com as diretrizes curriculares e os parâmetros curriculares nacionais.
O produto da reflexão foi a definição de alguns princípios para iluminar o caminho a
ser percorrido:
1º - É fundamental o envolvimento da rede no processo e na produção do produto
final; não é possível abrir mão da participação; portanto, a produção deve ser fruto de um
trabalho realmente coletivo.
2º - As matrizes curriculares não podem engessar a rede, pasteurizar as práticas; por-
tanto, devem caracterizar-se como referência na elaboração dos planos de trabalho dos
professores e gestores.
3º - As matrizes devem incorporar as concepções de currículo, as concepções das áreas
do conhecimento e as concepções de ensino e aprendizagem já pactuadas na rede e con-
substanciadas nos cadernos “Currículo em Debate” do número 1 ao 4; portanto esses docu-
mentos são os grandes norteadores da matriz.
4º - Os três eixos integradores propostos para a reorientação curricular também devem
77
estar presentes nas matrizes de todas as áreas do conhecimento, dando-lhes unidade; por-
tanto, todas elas devem contemplar as práticas de leitura e produção de textos, as práticas
da cultura local e a cultura juvenil.
5º O foco das matrizes deve ser a aprendizagem de conteúdos, habilidades e valores,
expressas na forma de expectativas de aprendizagem.
Firmados tais princípios e procedimentos, discutiu-se o produto: que cara teria esse do-
cumento, afinal?
Havia consenso de que deveria ser um documento que desencadeasse algumas ações
políticas, tendo como finalidade melhorar a qualidade da educação. Era claro, para todos os
envolvidos, no entanto, que tal iniciativa não daria conta, sozinha, de resolver a complexa
problemática do ensino; outras medidas, de diferentes naturezas seriam também necessá-
rias, como melhorar as condições de trabalho, de carreira, de salário e possibilidades de
investimento na própria formação, dentre outras.
(...) outras variáveis também hão de ser consideradas para melhorarmos a qualidade de
ensino em nossas unidades escolares; no entanto, a esta Gerência cabe primordialmente a
função de dar diretrizes pedagógicas e orientações didáticas do 6º ao 9º ano para toda a rede
de ensino: Ensino no Campo, Ensino Indígena, Ensino Quilombola). (Proposta de Trabalho
da Gerência Técnico-Pedagógica de Ensino de 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental.)
Em relação à construção das matrizes, propriamente ditas, era preciso que ficasse claro
para os professores que esse documento, se caracterizaria como continuidade do trabalho
de reorientação curricular, respeitando o caminho percorrido pela rede. As matrizes curri-
culares deveriam ser mais um instrumento de interlocução entre eles e a reorientação curri-
cular, ajudando-os no seu trabalho cotidiano. Os professores precisariam se reconhecer nas
propostas desse novo caderno, sentindo-se protagonistas do processo.
78
Prazo de validade
nga, algo que só ela viu ou
que a Elzinha fez sobre o povo Kalu
Não tiro da cabeça um comentário eira, quando saem do povoado e,
que os jovens de lá sentem: a prim
captou, sobre a vergonha dobrada ser muito difícil para os
coisa de viver entre duas culturas deve
depois, outra vez, quando voltam. Essa nte diante da invasão bran-
o mais e outros se curvam inexoravelme
indígenas. Alguns se fecham um pouc um currí culo esco lar mesclado. Pensei
Cara jás de Arua nã. Os tapu ias se permitiram construir
ca, como os , o barqueiro esbanjando um
avoadeira entre duas aldeias kalungas
nisso enquanto navegávamos em uma ção com a maestria divina que
que permitia a ele conduzir a embarca
conhecimento extraordinário do rio dão do pé rachado que se acha
todos nós. E tanta gente nesse mun
só um mestre tem. Mais mestre do que nhas difer entes! Uma vez, a propósito,
e do que os outros só porque sabe umas duas ou três coisi
mais gent soberba não é grandeza, mas
dizia algo mais ou menos assim: “A
li um escrito de Santo Agostinho que al.
ser grande, mas não é saudável!” Geni
inchaço, e o que está inchado parece
perdendo suas raízes, prin-
solidário com os indígenas que vão
Na volta para casa, o coração apertado do quase posto... pois é, na volta
veem e tudo sentem, um fim de mun
cipalmente os mais velhos que tudo la. Que raio de mãe eu sou? Me
mais velha, com problemas na esco
para casa encontro Ciça, minha filha minh a própria estação... e o Beto tão
educacionais e perco o trem na
meto a discutir outros paradigmas atrás, jurou que seríamos
parece o cara que um dia, dezoito anos
distante desse cotidiano familiar. Nem Jussara, professora de História
mento batido o prazo de validade? A
felizes e cúmplices. Teria o nosso casa prazo de validade. Um dia o pra-
rma com certeza que “casório” tem
de uma cidade do miolo do estado, afi pred ileto, a minha música preferida,
cio é botar pra tocar o meu CD
zo vence e fim de papo. Então o negó lemas escolares.
do prejuízo para salvar a filha dos prob
“Hey Jude”, dos Beatles e correr atrás
de novo para mais uma via-
onibusaremos ou camionetaremos)
Daqui a dois dias embarcaremos (ou
curriculares para dentro dos meus dias.
gem. Lá e cá estou sempre em viagens
Quase fevereiro de 2009
Beijo viajandeiro da Nira
Este trabalho, além de ter garantido a continuidade do processo, foi o marco inicial
da segunda fase da reorientação curricular, que se propôs a refletir sobre os conteúdos e a
forma como estes são trabalhados nas diversas áreas do conhecimento do Ensino Funda-
mental da rede pública estadual. (Profª Rosely Wanderley, coordenadora da reorientação
curricular de 2004 a 2006.)
79
Qualquer documento que for construído, se não dialogar com as produções existentes,
vai chegar na escola e não vai ter nenhum efeito”. (Profª Edna Martins Borges - coordena-
dora geral de ensino fundamental da Secretaria de Educação Básica do MEC - entrevista
desta publicação.)
Para ampliar o diálogo com os professores foi encaminhada para cada escola uma ficha
de validação da proposta das matrizes, na qual os professores pudessem expressar suas re-
flexões e opiniões sobre o material, sobre aspectos gerais e sobre as áreas específicas.
As observações, indicações e sugestões encaminhadas pelas escolas, foram analisadas e
consideradas na reescrita do documento, sempre em consonância com os fundamentos da
reorientação. As devoluções à rede sobre esse trabalho aconteceram em encontros regionais
promovidos pela SUEBAS.
Uma coisa de que gostei, que muito me emocionou foi esse vaivém às escolas, leva
atividade, traz atividade, esse leva e traz foi emocionante. Era o começo da SUEBAS
itinerante. Foi contagiante.” Profª Maria Luisa B. Bretas Vasconcelos - coordenadora do
Ensino Fundamental.
Apesar das turbulências, a equipe resistiu com muito compromisso político às pressões
diversas e não abriu mão de seu projeto de levar a cabo o processo participativo de cons-
trução das matrizes.
Toda a vontade política, persistência e resistência foram os ingredientes que constituí-
ram a base para a formação do Núcleo de Desenvolvimento Curricular do Ensino Básico de
Goiás, criado no ano seguinte.
80
porque elas vinham de histórias diferentes, de assessorias diferentes, de atuações fragmen-
tadas e não estavam habituadas a trabalhar juntas.
Mais um desafio para todos, portanto: integrar equipes, integrar matrizes. Essa aproxima-
ção foi gradual, como tradicionalmente costuma ocorrer quando se reúnem professores de 1º
ao 5º ano com professores de 6º ao 9º, mas também como era de se esperar, saudável e neces-
sária, trazendo a médio e longo prazo benefícios para ambas, e principalmente, para a rede.
Afinal, integrar essas duas etapas do Ensino Fundamental é um fato pedagógico desejado e
necessário. Portanto, podemos considerá-lo ponto de chegada, não um ponto de partida.
E foi assim, entre pactos e conflitos, que se avançou na constituição de uma equipe cur-
ricular de Ensino Fundamental da Secretaria.
Nesse processo, a equipe de reorientação curricular passou a contar também com a par-
ticipação dos profissionais do “Ciranda da Arte”, instituição governamental do Estado, não
vinculada administrativamente à SUEBAS, porém, responsável pela formação continuada
dos docentes de Arte da rede, no município de Goiânia, nas suas quatro linguagens: Artes
Visuais, Dança, Música, Teatro.
A entrada da equipe do “Ciranda da Arte” no processo já avançado da elaboração das
matrizes foi importante para garantir a unidade de todos os componentes curriculares que
integram a educação fundamental do Estado.
Outra adesão, importante nesse período, foi a da equipe de Ensino Religioso, que come-
çou a fazer parte do movimento de reorientação curricular, assumindo como concepção de
área a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso - PCNER, que
aborda o fenômeno religioso como um produto cultural.
A sequência didática, com seu passo a passo, favorece a mudança de postura, a utili-
zação de recursos e até a mudança na disposição da sala de aula. (ProfªMaria do Socorro
Teixeira Silva, da equipe da Subsecretaria de Aparecida de Goiânia.)
O processo de produção e validação das matrizes e o contato mais direto com os edu-
cadores das escolas despertou na Secretaria a preocupação de produzir subsídios de apoio
pedagógico para auxiliar os professores a implementar as matrizes curriculares, em sala de
aula, por meio de produções conjuntas, sobre determinados conteúdos das diferentes áreas
do conhecimento.
81
O propósito era estimular os professores a criar boas situações de ensino e aprendiza-
gem para a sala de aula, no contexto da reorientação curricular, a partir de seu repertório e
de estudos e pesquisas sobre os conteúdos em questão.
A intenção era que esse material pudesse alimentar futuros programas de formação
continuada sobre práticas de sala de aula.
Os conteúdos que seriam explorados nesse material já haviam sido indicados pelos pro-
fessores, por ocasião da validação das matrizes curriculares e se referiam: a) àqueles que os
professores apresentavam mais dificuldades em ensinar e b) aos novos conteúdos, princi-
palmente os relacionados à cultura local e à cultura goiana.
Em relação à forma, decidiu-se que deveria ser o mais familiar possível aos professores,
optando-se, então, por organizar as propostas de desenvolvimento dos conteúdos indica-
dos, em sequências didáticas, que se configurassem como bons exemplos de planejamento
de situações de ensino e aprendizagem.
A decisão de não se elaborar sequências para todos os conteúdos indicados nas matrizes
foi baseada no entendimento de que o professor, sendo também sujeito de decisões curricu-
lares pode criar suas próprias sequências didáticas a partir de algumas propostas.
82
O trabalho inicia-se com o anúncio para os estudantes do que vai ser estudado. É o com-
partilhamento da proposta de trabalho com eles, dando-lhes uma visão geral do processo a
ser desenvolvido e explicitando os pontos de chegada.
A seguir, faz-se o levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o assunto
a ser estudado. Isso significa investigar os conhecimentos que adquiriram em suas experi-
ências anteriores, dentro e fora da escola, sobre o assunto. É importante conhecer o que já
sabem a respeito do que vai ser estudado para relacionar esses conhecimentos, intencio-
nalmente, ao que se quer ensinar. Para ativá-los, problematizam-se, de diversas formas,
os temas em questão, propondo-se desafios para que ponham em jogo o que sabem. Esse
momento pode ser desenvolvido por meio de rodas de conversa, leitura de imagens ou de
textos escritos, resolução de problemas, debates, entre outras estratégias. É importante que
professores e alunos registrem as concepções e hipóteses levantadas nesse momento para
comparar com os novos conhecimentos, ao final do trabalho.
Ao identificar o que os alunos já sabem sobre o conteúdo a ser trabalhado, o professor
pode planejar de onde partir e o caminho que seguirá para se alcançar os pontos de chegada
ou as expectativas de aprendizagem É o momento de ampliar os conhecimentos dos alunos,
torná-los mais complexos, por meio do estabelecimento de novas e várias relações, a partir de
novas informações. Esse momento requer do professor segurança em relação ao conteúdo e
às formas de desenvolvê-lo, considerando-se a heterogeneidade dos níveis de conhecimento e
a faixa etária dos adolescentes e jovens. As atividades de ampliação devem propiciar “um mer-
gulho” no tema, de formas variadas como pesquisas em livros, internet, projeção de vídeos ou
filmes, realização de entrevistas, saídas em campo, leitura e produção de textos, que trabalhem
as noções, conceitos, habilidades e valores desejados. O cuidado com o registro nesse momen-
to é fundamental pois, ele será a memória das aprendizagens realizadas nessa etapa.
Na sistematização dos conhecimentos busca-se retomar todo o percurso de aprendiza-
gem realizado, organizando-se as principais noções e conceitos trabalhados, por meio dos
registros efetuados no processo, promovendo-se a apropriação das aprendizagens desen-
volvidas pelos alunos e permitindo a professores e alunos uma visão geral do que foi feito,
com os avanços e as dificuldades encontradas. É um momento de síntese e também de
divulgação dos produtos finais.
Não há uma rigidez entre os diferentes momentos, cabendo, por exemplo, a sistemati-
zação, desde o início do levantamento dos conhecimentos prévios, quando se registram as
concepções e hipóteses dos alunos a respeito do que vai ser estudado, ao mesmo tempo em
que este momento pode servir também para ampliar os conhecimentos, na medida em que
se conversa sobre o tema ou se vê um vídeo para problematizar o assunto. O que muda é o
enfoque a ser dado a cada um deles.
Em relação ao processo de avaliação, cabe dizer que o mesmo acontece durante todo o
percurso da sequência, desde seu início, quando se investigam os conhecimentos prévios
dos estudantes , até a sistematização final. Por isso propõe-se que sejam realizados, constan-
temente, registros do professor e dos alunos sobre as aprendizagens realizadas, os avanços
conquistados, as dificuldades enfrentadas, pois a marcha da aprendizagem deve definir a
83
istério
Dicas contra o estresse do mag ta-
silencioso e absurdamente con
comermos, em meio ao escuro
Numa dessas noites, depois de s poemas de Manuel Ban deira nas mão s,
de casa, um livro dos melhore
gioso, à solidão e à saudade ersitári o esquec ida entr e
um ped aço de pap el dobrado, uma folha de caderno univ finca dos
me encontro com r, olhos verdes penetrantes
e me recordei de um professo
os poemas. Abri o papel dobrado iso cati vante e com uma breve recomen
-
o de pele dur a e queima da, me oferecendo, um sorr dep ois aco nteceu
no rost para ler depois e o
e eu fui escrevendo...” Guardei
dação “a reunião tava chata promessa de graç a alcançada...
quem paga uma
sete meses adiante. Li como
istério
Dicas contra o estresse do mag
magistério.
se fosse o seu primeiro dia de
1. Levante-se todo dia como
qualidade do seu trabalho.
a de con ta que todo mun do está pensando em você, na
2. Faç
o, resumo
r, bula de remédio, horóscop
tudo: receitas, cartas de amo
3. Leia um pouco, todo dia. De r mel hore s perg unt as. Ou. ..de onde
, edit oria is... No mín imo isso vai ajudar você a faze
de novelas untas.
boas respostas para suas perg
menos se espera podem sair
do para
ador, ofícios para o prefeito, reca
De tudo: carta para o govern
4. Escreva um pouco, todo dia. s colegas de mag istério. Eles vão ado-
bilhetes amorosos para os seu
a diretora ou diretor da escola, com outr as deliciosas amorosidades.
Além disso,
ém gos ta dele s. E reto rna rão tar.
rar sab er que algu só saberá depois de se aposen
sua mente. Isso é bom? Você
escrever todo dia disciplina a
a. Além disso, vida tem muitas
do bem . Edu caçã o e gentileza não saíram de mod
5. Trate todo mun sa vã filosofia pedagógica.
ória s e as hist ória s se cruz am mais do que pressupõe nos
hist
te-se. Faz
junto. Movimente-se. Reorien
ponda ao seu chamado. Vá
6. Acredite nas pessoas. Res outras pes soa s faze m de você uma
o, à alm a e aos olho s. Voc ê verá como estar com
bem ao corp
nidos.
pessoa com rumos mais defi
manda é só você. A gente
hist ória de que den tro das quatro paredes quem
7. Não acredite nes sa ndizes, é muito mais rica do que
qua ndo des cob re que a vida de todos, mestres e apre
fica mais leve paredes.
emente rola entre as quatro
todo o falso poder que aparent
is. Está
Ministério dos Sonhos Possíve
reiras e limites. Crie o seu
8. Sonhe. Invente. Rompa bar men or noç ão pra que serve. O seu, pelo
dos quais a gente não tem a
cheio de ministérios públicos
menos...
istre nesse caderno tudo
o de cap a dur a e lom bada firme (espiral, não!!). Reg
9. Compre um cad ern ano craque de livros maravi-
er con tigo . Gab riel Garcia Márquez, o colombi ão,
o que de bom aco ntec que cada pessoa se lembra. Ent
escr eve u que a vida que se tem para contar é a vida de
lhos os, as registradinh as.
tar só de boas lembranças. Tod
você vai ter uma vida para con
em
nome dos outros ou falando
do está repl eto de gen te falando bobagens, às vezes em açã o. Qua ndo
10. O mun democráticas de particip
nos representar em instâncias
nosso nome, escolhido para num a caix a de sapatos dentro do guarda-
roupa.
agens, guarde-as
não der para discutir essas bob
para...
11. Reuniões chatas servem
casa
ses e certamente foi bater na
tário ganhou os ares goianien
Meu riso contido no escuro soli bro o nome e não sei a esco la
nim o em seu sorriso verde, de quem não me lem “dic as” .
do professor, anô agradecimento por aquelas
co o mun icípio. Do jeito que deu, eu mandei o meu
tampou
te do meu cotidiano.
Algumas passarão a fazer par
84
marcha do ensino, tendo como referencial as expectativas de aprendizagem apontadas nas
matrizes curriculares. Pretende-se com isso que o estudante desenvolva um processo de
autoavaliação para que tome consciência do próprio processo de aprendizagem, desenvol-
vendo a sua autonomia intelectual.
O caminho metodológico seguido para a produção das sequências foi o mesmo da elaboração
das matrizes, ou seja, consistiu num movimento constante da SUEBAS em ir e vir às regiões.
Enquanto uma parte da equipe de SUEBAS viajava para realizar os encontros de va-
lidação das matrizes com os professores, nas diferentes regiões do estado, outra parte se
debruçava sobre a elaboração das sequências didáticas e assim, os profissionais da equipe
iam se revezando nos dois processos.
Nessas idas e vindas, a equipe da Secretaria, além de apresentar as versões preliminares
das sequências para vivência e apreciação dos professores, também propunha a produção
de sequências pelos próprios professores, ajudando na escolha de temas e no planejamen-
to de roteiros. Essa supervisão continuava a distância, no ir e vir das produções entre os
autores das escolas, SUEBAS e assessores (Cenpec e Universidade), até que o produto con-
templasse o que se esperava de uma sequência didática. Nesse processo, todos os envolvidos
aprenderam muito: rede, SUEBAS, Cenpec e Universidade.
Esse estar ao lado do professor foi fundamental. Não tem só o quê, mas também o
como. Não ficou só no cardápio. É muito forte. Isso, além da participação no processo lá
na cidade, lá na escola. Eles (os professores) estão mais fortalecidos com o processo. (Profª
Kássia Miguel, atual coordenadora do NDC.)
A definição das matrizes curriculares e das sequências didáticas para todo o Ensino
Fundamental de 1° ao 9° ano foram os principais pactos do terceiro movimento. Afinal,
embora sistematizadas e organizadas no âmbito da Secretaria pelo próprio processo de
construção, elas expressam as necessidades e realidade das salas de aulas e dos professores
goianos. Além disso, sua versão final foi validada por todos.
Temos agora um norte para o ensino. Não damos a direção exata, prescritiva, mas
abrimos um leque de possibilidades. Assim, se resgata o papel de pesquisador do profes-
sor. A matriz aponta o caminho, é um mapa de navegação, uma bússola. (equipe de Teatro,
Ciranda da Arte)
85
É importante destacar que o registro final das matrizes curriculares, consolidadas no
Caderno 5, entregue a todos os professores da rede, favorece a visão vertical da proposta
curricular a ser desenvolvida do 1º ao 9º ano do ensino fundamental. Também favorece
a visão horizontal dos conteúdos a serem desenvolvidos em cada ano de escolaridade, de
forma articulada. Ainda, favorece o diálogo entre as áreas, por meio dos eixos articuladores:
leitura e produção de textos, cultura juvenil e práticas culturais locais.
Particularmente nas áreas de Educação Física, Arte e Ensino Religioso, as matrizes, ao
definirem conteúdos por ano de escolaridade, forneceram uma referência importante a
muitos professores que não tinham até então uma ideia clara do que ensinar.
RESSAlVAS SOBRE
O DIáRIO DA NIRA
Diário da Nira é uma
obra de ficção. E, com
dade é frouxo, desbo o toda obra de ficção,
tado, descolorido, qu o limite com a reali-
desse diário com os rel ase inexistente. Por
atos das muitas pessoa isso, qualquer semelh
Curricular do Estado s envolvidas no Movim ança
de Goiás será apenas ento de Reorientação
si estabelecem a ficçã por conta do namoro
o e a realidade. Com pecaminoso que ent
mérito – se é que isso a cumplicidade de um re
pode ser chamado de escriba insensível, cuj
boca, no coração, na mérito – é misturar o
mente e nos olhos des histórias que rolam
ticipam do trabalho sas pessoas nominad na
de reorientação curric as ou anônimas que
ular. par-
Um agradecimento
especial para Nirans
ra..., Silma... pelo dep i....., Rosely...., Euza.
oimento pessoal res .. Margareth..., Débo
pois elas acreditaram ervado e gostoso. E -
que eu guardaria tud um pedido de descul
o apenas para mim. pas,
Em nome da beleza
da educação, a poste
São Paulo/Goiânia, ridade agradece.
entre julho e agosto
EDSON GABRIEl GA de 2010
RCIA
86
É inegável que os professores goianos se reconhecem nesse processo, porque deles parti-
ciparam, e que valorizam as matrizes como produto seu e como diretriz de sua ação docen-
te. Como diz o superintendente do ensino básico, prof. José Luís Domingues
(...) estas matrizes podem não ser as melhores matrizes do mundo, impecáveis do
ponto de vista conceitual e metodológico, mas o aspecto positivo é como elas foram cons-
truídas, não se delegando a um grupo de iluminados. Poderíamos ter um documento per-
feito, feito com as melhores cabeças do país, mas ele não representaria os educadores do
sistema. O que é importante é que quando os professores recebem o material, eles identi-
ficam uma ou outra palavrinha que é deles. A escolha do livro didático pelos professores
agora é orientada pelas matrizes. Esse material está entrando nos cursos de licenciatura.
Várias propostas de modificações curriculares têm sido feitas na universidade, com base
no material. Isso tudo é muito bonito porque expressa o diálogo entre a Secretaria, os
professores e a universidade. Além disso, a publicação do caderno 5 - Matrizes Curricula-
res, representa um avanço na democracia do Estado de Goiás, porque estamos tornando
público o que o estado espera do cidadão. É então um instrumental do cidadão para rei-
vindicar um ensino de qualidade. O caderno 5 é um instrumento legal.
Podemos ter uma noção desse movimento de produção, observando o número de se-
quências produzidas pelos professores de 6º ao 9º ano para compor os cadernos da coleção
Currículo em Debate. No total, foram contabilizadas 14 sequências para o caderno 6 (6º
e 7ano) e 13 sequências para o caderno 7 ( 8º e 9º anos), envolvendo a participação de 27
subsecretarias das 38 existentes no estado.
87
IV. Balanço do Terceiro Movimento
Esse movimento propiciou a formação das equipes das áreas porque tivemos que es-
tudar, nos debruçar sobre os conteúdos sobre os quais trabalhávamos. (Profª Flávia Osó-
rio da Silva- gerente técnico-pedagógica de 6º ao 9º ano.)
A equipe cresceu muito e a responsabilidade hoje é bem maior. Houve muitos ganhos:
a aproximação com a ponta, a participação, a parceria das Subsecretarias com a Secretaria
e as universidades. (Niransi Mary da Silva Rangel Carraro, Profª da Equipe de Geografia
do Núcleo de Desenvolvimento Curricular.
88
Como já foi relatado, no início do terceiro movimento foi constituída, no âmbito da
Secretaria, a Superintendência de Educação Básica, que instituiu um núcleo de profissio-
nais responsáveis pela ampliação da discussão de currículo, o Núcleo de Desenvolvimento
Curricular (NDC).
É importante ressaltar que a constituição do NDC se deu intrinsecamente relacionada
ao desenvolvimento do processo de reorientação curricular, no contexto da própria ação
junto às Subsecretarias para elaborar as matrizes curriculares e as sequências didáticas, nos
anos de 2007 e 2008. Ou seja, ela foi se dando processualmente, pela experiência da equipe
da Secretaria no contato direto com a rede, pelos estudos de aprofundamento teórico que
se fizeram necessários para embasar a proposta de reorientação curricular, pela relação com
a universidade. Não foi um processo simples, pois como já se disse, o processo de reorien-
tação não foi linear, mas envolveu, ao lado dos avanços, dificuldades, conflitos e mesmo
algumas interrupções ao longo do percurso. Desta forma, a equipe conquistou muitos co-
nhecimentos relativos à sua nova função, aprendeu muito e desenvolveu, gradativamente,
as competências necessárias para assumir o papel que delas se espera, consolidando sua
função que não se extingue com a construção das matrizes e das sequências, mas se am-
plia na direção de desenvolver programas de formação com a rede, nas diferentes instân-
cias e produzir subsídios e materiais de apoio para a função docente.
O NDC foi um grande ganho para a Secretaria, pois, “com a criação do NDC, a equipe
foi ampliada e adquiriu identidade: a de gestores de currículo responsáveis não somente pelos
cursos de capacitação, mas também pela elaboração do material didático a ser trabalhado nos
encontros. - Profª Rosely Wanderley, coordenadora da reorientação curricular de 2004 a 2006,
e integrante da equipe de Língua Portuguesa do Núcleo de Desenvolvimento Curricular.
Fica cada vez mais claro que o papel da equipe pedagógica da Secretaria é o de forma-
dora de formadores, ou seja, de formar, de fato, professores da rede e das equipes das sub-
secretarias, ultrapassando a idéia de multiplicação. Tem como responsabilidade caminhar
na direção do fortalecimento do professor como profissional, pesquisador e autor, num
processo de parceria com as escolas.
A elaboração coletiva das matrizes curriculares e das sequências didáticas para o ensino
fundamental propiciou a construção simultânea de uma metodologia participativa, pari-
passu ao desenvolvimento do processo de produção , o que constituiu um outro importante
resultado do terceiro movimento da reorientação curricular.
Essa metodologia não foi dada a priori; foi construída num intenso processo de idas e
vindas, com dificuldades e acertos. E, agora, possibilita parâmetros e referências para novas
experiências de construção curricular participativa.
89
CONVERSA COM OS GESTORES
Cabe ainda apresentar uma síntese dos principais aspectos de cada um dos três movi-
mentos metodológicos, a qual poderão recorrer os gestores que se sentirem desafiados a
desencadear um processo de reorientação curricular em sua escola, município ou estado.
Resumidamente, a metodologia participativa construída em Goiás caracteriza-se por:
1º) etapa diagnóstica, na qual se desenha o panorama do sistema de ensino, com base nos
indicadores e ações já desenvolvidas do sistema para a tomada de decisões políticas consi-
deradas relevantes. 2º) Elaboração de documentos norteadores e de programas de formação
e de acompanhamento. 3º) Construção de referenciais curriculares e de materiais de apoio
docente, a partir da escuta dos professores, de suas necessidades, anseios, crenças, valores e
concepções e práticas, organizando-as e sistematizando-as em documentos preliminares a
serem posteriormente validados por eles.
Movimento 1
90
• à gestão da ação pedagógica:responsabilidade de quem?
• à compreensão do estudante enquanto criança, adolescente e jovem;
• à formação inicial e continuada de educadores;
ao acompanhamento do processo pedagógico.
MOVIMENTO 2
91
é um recurso que tem se mostrado bastante importante para favorecer o diálogo com os
professores que atuam nesse nível de escolaridade.
A participação da universidade, representada por docentes ligados aos cursos de licen-
ciatura e à coordenação de estágios será inestimável pois, num caminho de mão dupla, trará
benefícios para a rede e para ela própria. De um lado a universidade trará consistência à
formação continuada dos professores e gestores, ao promover o adensamento teórico dos
conteúdos. Do outro, passará a ter melhores condições para desenvolver a formação inicial
de futuros professores, pois terá o panorama da realidade da rede.
Esse também é o momento de se ampliar a adesão à reorientação curricular, com a par-
ticipação de parceiros, tanto do poder público como de instituições não governamentais,
do estado ou município que, de alguma forma, estão envolvidos com o atendimento de
crianças e adolescentes, tais como secretarias de saúde, de cultura, de esporte, de assistência
social e conselhos relacionados à infância e juventude, dentre outros.
Por todas as razões expostas é importante envolver todos os parceiros nos pactos esta-
belecidos pela reorientação. Isso promoverá uma ação em rede, no estado ou município, a
favor de suas crianças e adolescentes, além de ser uma excelente estratégia para a continui-
dade das políticas públicas.
Para que se concretizem as ações expostas, faz-se necessário um planejamento interno
da equipe da secretaria que estabeleça metas, procedimentos, distribuição de responsabili-
dades e um calendário que contemple os encontros de discussão com os diferentes parcei-
ros, as sistematizações críticas dos produtos dos encontros e as devolutivas para os grupos.
MOVIMENTO 3
92
sintam pertencentes a uma mesma rede, na qual se reconhecem e compartilham os mesmos
problemas e desafios, percebem seus próprios limites e buscam formas coletivas de superação.
A produção coletiva será intensa, exigindo esforço e parceria. Não é fácil; demanda mui-
to estudo, um árduo processo de aprofundamento teórico e um exercício constante de com-
patibilização entre teoria e prática, conteúdo e forma, objetivos e propostas.
Isso exige da secretaria o desenvolvimento de um programa de formação de professores
e de gestores e de um programa de acompanhamento das escolas.
Essa é uma hora em que o olhar do professor se volta, sobremaneira, para o aluno real
e concreto e seu contexto.
Assim, considera o aluno, com as peculiaridades de seu momento de vida, de sua forma
de pensar e de seu universo cultural para que as situações de ensino e aprendizagem, em
sala de aula, possam ser significativas e instigantes e a escola possa oferecer educação de
qualidade para todos.
93
VIRADA DAS ÁREAS
Organizadores: Margarete Artacho de Ayra Mendes, Adriano Vieira, Conceição Aparecida
Cabrini, Lenir Morgado da Silva, Silas Martins Junqueira. Colaboradores: equipes do Nú-
cleo de Desenvolvimento Curriculare assessores das Universidades.
94
Destacamos, a seguir, os aspectos mais relevantes considerados por cada área, nesse
movimento de construção participativa.
A “virada” de Arte:
“A arte como área de conhecimento”
Apesar das dificuldades e dos muitos desafios que ainda permanecem, os avanços são
bastante significativos. Um deles diz respeito à visão da Arte como área de conhecimento.
Na proposta curricular do Estado de Goiás, as quatro linguagens da Arte: Teatro, Músi-
ca, Dança e Artes Visuais foram contempladas e valorizadas, em sintonia com a formação
oferecida pelas universidades, como áreas distintas e específicas de conhecimento. Assim,
buscou-se elaborar uma matriz contendo expectativas de ensino e aprendizagem para ori-
entar a prática dos professores que, até então, tinham referências muito generalizadas para
atuar na educação básica.
A matriz possibilitou o diálogo entre as práticas curriculares já existentes para delinear
as novas propostas de ensino dentro de uma unidade teórico/metodológica. Nessas novas
propostas, os projetos se desenvolvem a partir dos artefatos/ manifestações culturais locais,
de Goiás: neste sentido procura ampliar o olhar do professor para as possibilidades ped-
agógicas/recursos educativos de seu próprio meio. Para muitos professores, algumas das lin-
guagens específicas da Arte, cujos campos epistemológicos se encontram menos consolida-
dos para a educação básica, o avanço se estabelece na própria definição de seus conteúdos e
metodologias. Neste sentido a matriz curricular trouxe o reconhecimento e o embasamento
esperado, pois o ensino de Arte era desenvolvido na escola como recurso pedagógico para
outras disciplinas. Além disso, na ausência da formação específica do professor, esse estudo
se caracterizava, muitas vezes, num “fazer pelo fazer”. Em todas as linguagens, há uma mu-
dança de foco da arte tradicional para uma visão multiculturalista, ampliando, também, a
perspectiva de apreciação dos artefatos culturais, privilegiando a sua compreensão crítica.
Nas Artes Visuais, por exemplo, percebe-se um nítido rompimento com as propostas tradi-
cionais de ensino: além da obra de arte, a “imagem”, o que inclui a compreensão de toda e
qualquer visualidade e seus processos culturais.
A “virada” de Ciências:
“As ciências naturais pensadas de forma integrada”
Se antes as Ciências da Natureza eram entendidas como conhecimentos quase que eru-
ditos e inquestionáveis, agora elas se voltam a uma concepção mais dialética e por isso,mais
abrangente e menos fragmentada. Agora não se vê o campo das Ciências Naturais como
o detentor de saberes exclusivos e verdadeiros, mas como um campo do conhecimento
que permite o estabelecimento de “verdades provisórias” que buscam explicar e favorecer
a compreensão da Natureza. Dá-se menos ênfase ao rigor do método científico e mais à
plasticidade do pensamento capaz de observar e buscar respostas, a pensar sobre e construir
95
modelos explicativos, a se deparar com desafios e os enfrentar paulatina e coletivamente.
Esse entendimento traz em si a possibilidade do ensino de Ciências na escola substituir a
memorização pela reflexão intensiva e organizada: o pensamento organizado com um sen-
tido, com um objetivo; o pensar para chegar a alguma conclusão sobre o objeto de estudo,
seja ele um fenômeno, um fato ou uma hipótese.
Tradicionalmente, o ensino de Ciências, nos anos finais do ensino fundamental, foi en-
tendido como a justaposição de Biologia, Física e Química, fato evidenciado por currículos
que abordam a Biologia ao longo dos três primeiros anos, deixando a Física e a Química
para o último ano quando, segundo esse entendimento, o estudante já possuiria mais con-
hecimentos matemáticos e maturidade para trabalhar com maior nível de abstração. As
matrizes de Ciências revelam uma concepção distinta, na medida em que se propõe a ensi-
nar Ciências Naturais, ou seja, buscar explicações para fatos e fenômenos como um todo e
não de modo estanque.
Um outro grande avanço para o componente Ciências, nessa proposta curricular, foi
perceber que ensinar a ler e escrever é obrigação de todas as áreas. Esse entendimento possi-
bilitou enxergar novas estratégias de ensino. Se antes ler era ler os textos didáticos presentes
no livro adotado, agora é ler informações sobre fatos e fenômenos das Ciências Naturais,
acompanhar o progresso tecnológico anunciado nos meios de comunicação. Escrever, por
sua vez, não significa mais fazer relatórios padronizados de experimentos e observações,
mas elaborar memórias e relatos de aprendizagens e observações.
Uma outra grande virada, foi a contextualização cultural no ensinar e aprender ciências,
o que deu identidade ao estudo de Ciências no Estado de Goiás: novos conteúdos foram
inseridos, novos pensares compõem as matrizes curriculares. Um exemplo clássico e que
diz muito está na sequência didática que propõe o estudo dos solos de Goiás e as produções
típicas desse solo. Ao estudar o tema água, Goiás assume destaque por ser um reservatório
natural capaz de abastecer todo nosso país.
96
pela rede no estado, nos encontros de formação e acompanhamentos às escolas. A tradução
das intenções expressas na concepção de área e nas matrizes curriculares (caderno 5), em
sequências didáticas, também construídas de forma participativa, sem dúvida foi outro
grande avanço, pois traz possibilidades de trabalho significativos nas escolas, orientando
possibilidades de trabalho com os eixos da reorientação curricular: leitura, escrita e cultura
local e juvenil. As sequências ajudam a materializar um trabalho significativo e socialmente
relevante na área.
A grande virada foi o ensino religioso entrar na reorientação curricular. Exigiu muito
diálogo com os educadores e os gestores da rede, entrando no processo, posteriormente às
outras áreas.
Outro avanço foi a concepção de área que o Estado de Goiás assumiu: a religião como
fato antropológico e social que permeia a vida dos cidadãos de qualquer sociedade, de to-
das as culturas. O ensino religioso tem por objeto de estudo o fenômeno religioso, nas suas
múltiplas expressões e dimensões, que é estudado pelas Ciências da Religião.
As Ciências da Religião trabalham de maneira metaconfessional e independente. Não
tomam partido a favor de uma determinada religião e suas reivindicações de verdades.
Trata o fenômeno religioso de forma científica e pelo viés da diversidade cultural.
Com base nessa concepção se desencadeou um movimento intenso na rede, com muito diál-
ogo, estudo, pesquisa. Era gratificante observar e sentir o acolhimento satisfatório dos profes-
sores que trabalham com o Ensino Religioso. Foram eles que ajudaram a construir as matrizes
curriculares e as sequências didáticas que hoje dão norte para a rede pública de ensino.
Outro avanço foi o envolvimento dos professores da Universidade, dando o rigor da
academia.
Hoje a proposta do estado é reconhecida nas escolas e tem contribuído, em fóruns na-
cionais, para o debate do ensino desta área.
Temos uma proposta bastante avançada em termos de concepção e, mais, temos propos-
tas construídas com a rede, de como fazer para que as aulas de Ensino Religioso sejam de
fato significativas para os alunos, considerando as práticas culturais locais, as culturas dos
alunos, o trabalho com leitura e escrita, e, sobretudo, considerando a imensa diversidade
religiosa que marca nosso país.
A “virada” de Geografia:
“A cartografia ajudando a entender Goiás”
A grande “virada da área” está relacionada com busca da contextualização das categorias
básicas de Geografia à realidade de Goiás. Nessa concepção, os conceitos da área tornam-se
muito mais relevantes para os estudantes e os favorecem, sobremaneira, na compreensão do
97
espaço geográfico, de maneira ampla, crítica e propositiva. As atividades pedagógicas que
trabalham o conceito de “lugar”, por exemplo, contemplam nessa proposta, a ligação sócio
histórica e cultural com o território e com os “lugares” goianos. Assim, a aprendizagem do
município, estado, país e mundo é amparada pela identificação do estudante com o seu
“lugar”, em Goiás. A sequência didática “Do Local ao Global, do Global ao Local: conexões
e Inter-relações” exemplifica bem esta questão. Outra mudança que constitui o que chama-
mos de “virada da área”, diz respeito ao modo de trabalhar a Cartografia ao longo do Ensino
Fundamental. A saber, as propostas de trabalhos cartográficos nessa concepção tratam-na
como conceitos/conteúdos e as expectativas de aprendizagem, para todos os anos do ensino,
contemplam o uso da linguagem cartográfica para construção do conhecimento geográfico.
Assim, ao longo dos anos, noções básicas de cartografia são trabalhadas em níveis progressi-
vos de complexidade e de forma contextualizada aos conteúdos/temas propostos para cada
ano. Isso faz com que o ensino da Geografia se torne mais significativo para os alunos.
Outro aspecto relevante que merece destaque e tem a ver com a “virada da área” no
Estado de Goiás, diz respeito ao uso do livro didático pelo professor. No processo de con-
strução das matrizes e das sequências didáticas, reconhecemos os resquícios da Geogra-
fia Tradicional orientando o trabalho docente por meio do livro didático. Por outro lado,
tínhamos clareza de que não podíamos apresentar uma proposta que tirasse o “chão do
professor”, no caso, um chão representado pelo uso quase que exclusivo do livro didático
nas aulas. Assim, de forma dialogada, participativa e muito reflexiva, fomos construindo
um caminho, reconhecendo a influência dos livros didáticos na escolha e seleção de con-
teúdos feitas pelos professores e elaborando, conjuntamente, propostas que articulassem os
conteúdos tradicionais com temas inovadores e contextualizados com a realidade do estado
e dos estudantes de Goiás. Esse processo, ainda em seu início, tem sido reconhecido pelos
educadores, inclusive nas universidades que formam os futuros professores.
A “virada” de História:
“Tempo histórico, experiência e ensino em Goiás”
No trajeto percorrido por tantos profissionais interessa, sobretudo, o caminho. Esse nos per-
mite compreender e apreender o que chamamos de “Virada da área”. Nesse percurso, algumas
paradas são obrigatórias para aquisição das categorias de análise necessárias à compreensão das
transformações sociais (conceitos do pensamento histórico): semelhança, diferença, mudanças,
permanências, simultaneidade, dominação e resistência - inseridas na relação tempo e espaço.
O trabalho realizado permitiu o crescimento intelectual e pedagógico dos sujeitos
envolvidos, na construção de uma nova proposta de ensino de História voltada para a valo-
rização da história local. O desafio consiste em refletir sobre vivências e experiências locais,
inserindo-as em contextos mais amplos. No trabalho de reorientação curricular há uma
clara abertura para a pesquisa histórica (valorização da memória, história oral, uso de ima-
gens), bem como a opção por uma história temática que valoriza as questões que aproxi-
mam a relação da história com o presente.
98
Novos paradigmas são traçados na história do ensino de História, buscando “o como”:
‘como’ se estabelecem as relações, ‘como’ determinada corrente da historiografia chega à
determinada análise das transformações humanas, ‘como’ decodificar os textos (verbal es-
crito ou imagético) e ‘como’ decifrar os vestígios humanos enquanto documento histórico.
A reorientação indica uma direção, transformar o ensino em experiências de sujeitos que,
não satisfeitos com as repetições de conteúdos pré-estabelecidos, procuram na prática his-
toriadora a resposta para o desafio: a redefinição do ensino de história em Goiás.
LÍNGUA INGLESA
Durante muitos anos, ensinar e aprender uma língua estrangeira resumia-se à aquisição
de vocabulário e regras gramaticais, em um ambiente formal de aprendizagem. Hoje em dia,
porém, em virtude da disponibilidade da Língua Inglesa na Internet, e pelo fato de sua utiliza-
ção ser uma realidade - para muitos uma exigência - tornou-se fácil enxergar a conexão entre
as atividades realizadas em uma sala de aula e o uso do idioma fora do contexto escolar.
Assim, a Secretaria de Estado da Educação em Goiás, desde 1999, vem estabelecendo um
diálogo com os professores da rede estadual de ensino com o intuito de fortalecer o ensino
e a aprendizagem de Língua Inglesa nesse contexto. Em 2004, esse debate se amplia no
processo de Reorientação Curricular do 1º ao 9º ano, de modo expressivo, culminando na
elaboração de uma matriz curricular e de sequências didáticas para auxiliar o planejamento
dos professores atuantes no ensino público. Tal processo, na perspectiva do ensino de idi-
omas, se respalda, assim como os Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Estrangeira
(PCNs-LE), na concepção de linguagem apresentada por Bakhtin e na visão sócio-intera-
cionista de aprendizagem com base em Vygotsky. A Matriz preconiza que o ensino de lín-
guas deve focalizar a função social da linguagem, sendo o uso das mesmas dado por meio da
interação entre diversos gêneros textuais, escritos ou falados, em diferentes situações e con-
textos comunicativos; deste modo, possui como eixo norteador, a compreensão e produção
de diferentes gêneros textuais em língua-alvo.
O ensino de Língua Inglesa sob a perspectiva da reorientação curricular permite que os
professores de nosso estado contextualizem o ensino de línguas estrangeiras à realidade de
Goiás, ou seja, à cultura local e também à cultura juvenil. Desta maneira a aprendizagem
deste idioma se torna mais relevante para os estudantes.
Contudo, neste processo, são esperados muitos desafios, e embora existam obstáculos
neste caminho a ser percorrido, acreditamos, pelos resultados até agora obtidos, ser possível
alcançar um ensino, também de línguas estrangeiras, público e de qualidade.
LÍNGUA ESPANHOLA
No Estado de Goiás, a língua estrangeira oferecida pelas instituições de ensino público
foi, inicialmente, a língua inglesa. A partir de 1999, a língua espanhola também passou a
99
fazer parte do quadro de ensino público.
No ano de 2009 foi criada a equipe específica de Língua Espanhola no Núcleo de De-
senvolvimento Curricular (NDC) da Superintendência de Educação Básica (SUEBAS).
Em 2009, a equipe de língua espanhola do NDC iniciou o processo de acompanhamento
do ensino de língua estrangeira/ espanhol através de encontros com professores (as) das
subsecretarias mediante prévia solicitação. Nestes encontros, foram identificadas três im-
portantes características. Primeira, a necessidade de formação dos professores de língua
espanhola da rede pública do Estado de Goiás; a construção de momentos para a discussão
de questões presentes no cotidiano dos profissionais da educação comprometidos com os
processos de ensino e aprendizagem, tais como: a desvalorização das línguas estrangeiras,
neste caso o espanhol, em comparação com as outras disciplinas; na maioria dos colégios,
a carga horária da língua espanhola está reduzida em uma única aula semanal de 45 a 50
minutos, de acordo com a organização interna da escola; a constatação da falta de mate-
riais didáticos disponíveis nas escolas voltados para o ensino de língua espanhola; salas
de aula com grande quantidade de estudantes e a necessidade de realizar mais cursos de
graduação e atualização de professores (as) de língua espanhola. Por último, a possibilidade
de encontrar alternativas para efetivar a melhoria da qualidade dos processos de ensino e
aprendizagem de língua espanhola a partir do trabalho com os gêneros discursivos e de
sequências didáticas.
Desse modo fica evidenciado que a marca da reorientação curricular para Espanhol é
seu reconhecimento efetivo como conteúdo curricular no ensino estadual de Goiás assum-
1 REFERÊNCIAS: indo os eixos discursivos como vertebrador dos processos de ensino1.
BAKHTIN, M. Estética
da Criação Verbal.
São Paulo: Martins “Virada” de Língua Portuguesa:
Fontes, 2003.
“O ensino por gêneros textuais”
BRASIL. Parâmetros
Curriculares Nacionais:
terceiro e quarto ciclos
A opção pelo ensino da língua, na perspectiva dos gêneros textuais, na rede estadual de
do ensino fundamen-
tal: língua estrangeira/ Goiás, constitui a principal mudança no currículo de Língua Portuguesa na segunda fase
Secretaria de Educação
do Ensino Fundamental, portanto, significou a grande “virada”. Outra grande virada foi
Fundamental. - Brasília:
MEC/SEE, 1998. o processo para que essa concepção fosse apropriada pela rede, de forma participativa e
muito reflexiva.
Em 2001, já se percebiam algumas mudanças na prática dos professores que atuavam
nas turmas de correção de fluxo, em virtude dos cursos de capacitação e acompanhamento
sistemático desenvolvidos pelo Programa de Aceleração da Aprendizagem, com base no
material Ensinar e Aprender, que propõe o ensino da língua a partir do texto.
Outro fator que contribuiu para isso foi a crescente participação de professores da rede
pública no Projeto Prêmio Escrevendo o Futuro, iniciada em todo o País em 2002, atual-
mente Olimpíada de Língua Portuguesa. A disponibilização do material impresso, a cada
professor inscrito no Projeto, e o acesso dos mesmos aos cursos oferecidos pela comunidade
virtual ajudaram a difundir a proposta entre os professores de Língua Portuguesa do Estado.
Também a proposta do ensino de língua apresentada nos PCNs (1998) e as pesquisas nesta
100
área, realizadas nas últimas décadas, por Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly, pesquisadores
da Universidade de Genebra, e também por especialistas brasileiros como Marcuschi, Anna
Rachel Machado, entre outros, demandaram a ampliação da discussão entre os professores
da rede sobre a teoria dos gêneros textuais e sequências didáticas.
Assim, o processo de reorientação curricular do Estado, iniciado em 2004, com reflexões
mais abrangentes sobre o direito à educação de qualidade, continuou, em 2006, com dis-
cussões mais específicas, relacionadas às concepções das áreas do conhecimento, junto aos
professores da rede. Contudo, o grande salto de qualidade se deu na construção da concep-
ção de área, caderno 3, e na construção, de forma participativa, das matrizes curriculares,
caderno 5, e das sequências didáticas (caderno 6 e 7), quando pudemos, não só discutir o
que acreditávamos ser a nova concepção de língua portuguesa para o currículo do estado,
mas, sobretudo, apontar formas de fazer significativas para professores e alunos.
Atualmente, nos encontros de formação e nas visitas às Subsecretarias, percebe-se que
os professores estão se apropriando dessa concepção de ensino: planejam suas aulas com
base nas matrizes curriculares e nas sequências didáticas.
A “virada” de Matemática:
“Por uma matemática mais viva e contextualizada”
101
UMA TROCA DE SABERES
ENTRE A UNIVERSIDADE
E A SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
Com a verdadeira história...
muito pouco se tem ocupado a imprensa.
(Jorge de Lima. O Grande Circo Místico – 1938)
A grande imprensa, grande não pelo valor moral, mas pelo público que a procura,
oferece aos seus leitores um reforço de que a educação no Brasil vai mal, os alunos não
aprendem, os professores reclamam (sem razão, segundo os economistas) de seus salários,
a escola não forma para a vida e deixa 25% dos brasileiros sem as condições mínimas do
letramento. É, quase sempre, um olhar de fora, mesmo que tenham feito análises a partir
de filmagens e estatísticas da sala de aula brasileira. E mais de fora ainda quando é o ponto
de vista de economistas. Neste capítulo serão mostradas ações das quais a grande imprensa
não toma conhecimento.
A escola como instituição ainda não tem um século e meio em nosso país. Sua história,
após os preâmbulos de natureza religiosa, passa a ser responsabilidade do estado, tornando-
se assim um lugar de formação dos cidadãos nos conhecimentos legados pelas letras e pelas
ciências. Para reger esse processo, as universidades formaram professores em quantidade
sempre inferior à demanda das salas de aula do país. A população crescendo e as exigências
de um progresso cada vez mais capitalista não foram acompanhados por um quantitativo e
uma qualidade suficiente de professores. Não só a formação básica do professor mas, prin-
cipalmente, a pesquisa sobre nossa vida escolar tornaram-se lentas em relação às premên-
cias dos fatos.
Nos últimos quarenta anos é que as pesquisas foram dinamizadas em nossas universi-
dades, especialmente com os cursos de pós-graduação. Dessa atitude de perguntas e busca
Adriano de Melo Ferreira (UEG), Agostinho Potenciano de Souza (UFG), Anegleyce Teodoro Rodrigues (UFG)
Darcy Cordeiro (Coner-GO), Eliane Carolina de Oliveira (UFG), Eduardo Quadros (PUC-GO), Eguimar Felício
Chaveiro (UFG), Maria Bethânia S. Santos (UFG), Miriam Aparecida Bueno (UFG), Nivaldo Antônio Nogueira
David (UFG) e Noé Freire Sandes (UFG)
102
de respostas, nasceram novos modos de ver o currículo, os conteúdos, os modos de ensino
e aprendizagem. Cada disciplina do ensino básico é investigada e ganha focos diferentes
do que eram suas práticas e conteúdos. Esse trecho do caminho mostra que as instituições
universitárias têm contribuído para melhor entender e fazer educação no Brasil. Ainda é
pouco, pois é preciso diminuir esse fosso entre as instituições universitárias e a escola de
ensino básico, com ações concretas e não apenas as intelectuais.
Nesse intento, vários professores das universidades daqui de Goiás (UFG, UEG, PUC)
têm aceitado o convite feito pela Secretaria de Educação (Seduc) e vieram fazer parte do
trabalho que vem sendo desenvolvido nesses últimos cinco anos, numa assessoria que con-
siste em troca de ideias, reuniões, seminários e na produção escrita, ora fazendo leitura
crítica de textos produzidos pelas equipes da Seduc, ora produzindo textos pessoais, que
foram publicados nos sete Cadernos da Reorientação Curricular do 1º ao 9º ano.
As universidades são instituições responsáveis por ensino, pesquisa e extensão, nos di-
versos campos das ciências, das letras e das artes. Há menos de um século, cuidam da for-
mação de professores, em cursos de licenciatura. Nos últimos cinco anos, por uma política
coordenada pelo MEC, as grades curriculares acrescentaram mais horas de práticas de ensi-
no, de estágios. Há, portanto, uma tendência de aproximar mais a universidade da escola
básica. Uma necessidade, pois é preciso crescer a consciência e o domínio científico dos
professores universitários sobre a formação das competências de ensino de seus alunos
licenciados. Sem a articulação dos saberes escritos nos livros e nas revistas científicas com
as práticas e sujeitos reais das escolas, o conhecimento acadêmico corre o risco de ser um
sino que bate e não soa.
Nossa participação no trabalho da reorientação, nesses seis anos, em colaboração com a
Seduc e sob a coordenação do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária (Cenpec), tornou-se uma experiência bem diferente do modo como a Uni-
versidade era chamada a contribuir com a Secretaria de Educação. Na segunda metade da
década de 70, a Secretaria convidou professores da Universidade para elaborarem um Guia
Curricular, e isso foi feito. Algumas palestras para professores do Estado foram suplemen-
tares a esses textos. Na metade da década de 80, novamente professores da Universidade
foram convidados a fazer um Programa Curricular Mínimo para o Ensino Fundamental e
uma Proposta Curricular para o Ensino Médio. Dessa vez, havia um professor da Secretaria
envolvido na elaboração do documento, junto com os convidados da Universidade. Na oca-
sião, o texto foi datilografado e mimeografado. Quase dez anos depois, em 1995, o mesmo
documento foi impresso, com capa colorida.
Em quase todos os estados brasileiros, essas duas décadas, de 70 e 80, foram tempo de
produção desses guias, propostas e subsídios feitos por professores de universidades para
o consumo dos professores das redes estaduais de ensino básico. Com frequência, eram
acompanhados de seminários de divulgação dos conceitos e práticas sugeridos nos docu-
mentos. Certamente, todo esse movimento melhorou a formação dos professores e auxiliou
a qualificação dos estudantes brasileiros. Tanto assim, que o governo federal, no final da
década de 90, publicou e distribuiu para todas as escolas do país os Parâmetros Curriculares
103
Nacionais. Para que os parâmetros movessem as práticas, foram promovidos seminários e
cursos de atualização de professores, geralmente realizados por professores da rede e alguns
convidados das universidades.
Aqui em Goiás, na última década, organizaram-se as Oficinas Pedagógicas, conduzidas
por professores da Secretaria, por área de conhecimento, responsáveis por seminários, en-
contros de formação e acompanhamento pedagógico. Seis anos atrás, a partir dessas Ofici-
nas, inicia-se o trabalho de Reorientação Curricular. Foram produzidos, então, cadernos da
série Currículo em Debate. A diferença dessa nova maneira de ação da Secretaria é a del-
egação a seus próprios professores, escolhidos para formarem equipes de cada área, para a
tarefa de formação. A coordenação do Cenpec uniu-se a esse grupo, agente de formação das
escolas de todo o estado e solicitou a participação de professores das universidades. Desta
vez, não era para serem autores de currículos, era para uma conversa. É um novo modo de
agir: os professores do estado cuidam da formação dos colegas e os professores da Univer-
sidade contribuem com ideias, debates, leituras críticas. Há um processo de autonomia e
apropriação dos saberes das áreas, com muitas consequências benéficas, especialmente a
valorização da prata da casa.
Em uma reunião, os professores da Universidade resolveram dar um testemunho dessa
troca de saberes entre a Universidade e a Secretaria de Educação, falando da experiência, do
aprendizado e da expectativa dessa relação entre as duas instituições, cada uma a seu estilo:
História
Participar do debate acerca das matrizes curriculares em História para o ensino básico e
da produção das sequências didáticas representou para mim um desafio: retomar o contato
com a área de ensino de História, em um ambiente bem diverso do que experimentamos na
Universidade. Iniciei minha vida profissional como professor do projeto Minerva em uma
escola da FEDF, no Gama. Cursava o segundo ano do curso de licenciatura em História da
UnB e ingressei no projeto Minerva como monitor. Às 19 horas começava o programa com a
audição das aulas. Em seguida, iniciava minha missão: dirimir as dúvidas dos alunos na área
de História, Português e Geografia. Formado, passei a ministrar aulas no ensino médio e após
o mestrado ingressei no ensino superior. O caminho da especialização é natural no ambiente
universitário, mas é certo que perdi o contato com o ambiente escolar. Na universidade esse
contato mais direto está circunscrito aos que ministram a disciplina Estágio, o que na prática
indica certo afastamento dos professores universitários dos demais níveis de ensino. Retomar
o diálogo com o meu próprio processo formativo, com minha prática, eis o desafio.
Ao ingressar no grupo percebi que já havia uma proposta esboçada pelos professores
que olhavam para mim com alguma desconfiança. Possivelmente pensavam: lá vem o pro-
fessor da universidade, que pouco sabe da nossa experiência, desconstruir a nossa proposta.
Aos poucos criamos uma relação de cumplicidade. Envolvi-me com a proposta apresentada
que tem o mérito de conservar a prática de ensino dos professores da rede e propor mudan-
ças que possam representar um salto qualitativo no ensino de História, sem o abandono da
104
experiência acumulada ao longo de anos. Logo estava abarrotado de tarefas, lendo textos,
dando sugestões e participando de todas as etapas de construção do instrumento. Aprendi
que o que faz a diferença é, sobretudo, a relação de confiança estabelecida entre todos os
partícipes do processo: direção, Cenpec, universidade, professores. Não sei bem se eu rep-
resentava claramente a universidade. Como parte do grupo, eu era mais um professor. E
por isso mesmo eu acho que representava sim a universidade na mediação concreta de sua
ação pedagógica.
Encerrado o trabalho exaustivo, lá estava o produto: uma série de cadernos publicados
e carinhosamente acolhidos pelos professores. Produzimos mais que textos e cadernos, pois
na produção desse material formamos um grupo de professores comprometidos com o
ensino de História. A expectativa é que esse material possa ser percebido como processo de
partilha na construção do conhecimento. Somente assim podemos vislumbrar a continui-
dade desse projeto: partilha de conhecimento, partilha de trabalho, e, finalmente, partilha
da crença de que, apesar de tudo, vale a pena ser professor.”
Educação Física
“Não se pode mais compartilhar da ideia de que a universidade esteja distante da so-
ciedade e que entre ela e o sistema educacional existam rupturas no processo de interação
educativa, científica e social na formação de professores. O processo de parceria entre a
Universidade, a Seduc e o Cenpec, partindo de pressupostos comuns, na formação de pro-
fessores, tornou-se um modo de cuidar dos interesses e necessidades da sociedade, como
um todo. Na busca pela qualidade da educação pública, essas três instituições procuram
compreender as questões que envolvem a profissão docente, os conteúdos pedagógicos e o
processo de aprendizagem dos alunos.
A Universidade pesquisa, pensa e produz conhecimentos acerca da educação, da vida
profissional, da cultura e da sociedade. Não pode por isso estar alheia ao mundo real e
formar professores para um mundo irreal. A parceria entre as instituições veio como um
trabalho conjunto, para que o processo de formação continuada garanta que o saber pro-
duzido pelo coletivo de professores seja respeitado, considerando todo o reconhecimento
do esforço de elaboração intelectual de suas experiências pedagógicas, das responsabili-
dades dos envolvidos no processo, das atitudes quanto à importância do trabalho coletivo,
das reflexões que permeiam os diferentes níveis de decisão e de aprofundamento dos prob-
lemas a serem superados com proposições alternativas para mudar a realidade.
A área de Educação Física desenvolveu, nas sucessivas aproximações com o grupo de
professores formadores da Seduc e os professores da rede pública, uma forma de melhor
conhecer as necessidades do grupo e as possibilidades ou potencialidades de cada um em
imprimir os primeiros passos (ações sequenciais) dentro do projeto. Uma experiência rica
e ímpar que possibilitou aprofundar o debate, compreender melhor o contexto educacio-
nal, buscar consensos teóricos, com posicionamento político diante da realidade atual das
escolas públicas, das condições de trabalho dos professores, das dificuldades da formação
105
continuada e da necessidade de chegar a todos os professores da rede estadual de Goiás uma
capacitação nesses moldes.
Uma questão significativa é a proposta de mudança da prática pedagógica da educação
física nas escolas, em contraposição à tradição dos conteúdos, cujo tema predominante era
o esporte competitivo. O movimento presente passa a incorporar novas possibilidades, tra-
zendo outros elementos da cultura corporal, vistos em seu contexto histórico e cultural, em
uma perspectiva reflexiva, problematizadora, crítica e orientada para novas possibilidades
de pensar a educação do corpo.
Além das produtivas reflexões sobre a prática pedagógica nas escolas e da construção,
por diferentes mãos, dos próprios textos referenciais, percebemos um salto de qualidade, ao
praticar sistematizações coletivas, ao explicitar com mais clareza a coerência das sequências
didáticas, como novas alternativas metodológicas de ensino.
As discussões acerca da nova matriz curricular tiveram importante suporte teórico nas
produções acadêmicas, na abordagem crítica da Educação Física, nas experiências realiza-
das nos estágios supervisionados e nas experimentações produzidas pelo projeto de forma-
ção de professores da UFG. Como uma instituição que procura formar professores dentro
de uma perspectiva política e pedagogicamente crítica, voltada para novos rumos da edu-
cação pública, a FEF vem se utilizando desses saberes nas diferentes disciplinas, inclusive
no campo de estágio, fortalecendo, com isso, o processo de formação de professores para
atuarem na educação escolar.”
Matemática
106
muito interessantes. Fazíamos, então, modificações na atividade e o nosso grupo voltava a
campo para a negociação. Isso se chama respeito.
Cresci como pessoa, como profissional. Aprendi muito com meus colegas, por esses mo-
mentos partilhados. Preciso destacar, também, o trabalho do Cenpec como o aglutinador
das ações em todas as disciplinas, trabalho árduo mas realizado com maestria.
Espero que esse processo continue. Que as mudanças sejam sempre negociadas e nunca
impostas. Assim mudamos nossas realidades, com a participação de todos.”
Geografia
107
deveria compor as bases da discussões do comboio gesto. De tal maneira, que a ponte con-
duzisse para uma constante re-elaboração, uma re-orientação participativa.
As oficinas previamente preparadas, as leituras de poesias, as fotografias, a avaliação do
dia, a divisão de tarefas entre os animadores, a conversa com grupos de outros campos de
saber, o sentimento de que a dignidade do trabalho estava sendo cumprida, gerava desafios
para as viagens geográficas.
O imenso Goiás profundo possui a sua voz na escola pública, de onde podemos ver e
ouvir múltiplos mundos de sujeitos, diversos espaços de existência e extraímos uma con-
clusão: as farpas da aceleração do tempo manietadas pelos intentos da sociedade global
alçam, de fato, a sua força em todos os lugares. Todos os lugares, porém, agem, possuem
uma maneira própria de (re)agir, assimilar, convergir ou conflitar com essas farpas.
A grande viagem mesmo é a do conhecimento que, sem predicação e monopólio de
área, pode criar satisfações para além de todos os caminhos.”
Ensino religioso
“A disciplina Ensino Religioso que está sendo oferecida na rede pública busca funda-
mentos para a sua orientação escolar tanto na PUC Goiás, como instituição do ensino
superior que oferece mestrado e doutorado em Ciências da Religião, como no Conselho de
Ensino Religioso do Estado de Goiás (Coner-GO), que acompanha há mais de dez anos a
trajetória do Ensino Religioso no Estado.
O Ensino Religioso tem sido oferecido de modo variado, desde a opção multiconfes-
sional, interconfessional e, após a Lei n. 9.475/2005, na forma transconfessional, ou seja,
um Ensino Religioso fundamentado nas Ciências da Religião, aberto à interdisciplinaridade
com as demais disciplinas, respeitador da diversidade cultural e religiosa do Brasil.
A relação da equipe pedagógica da disciplina Ensino Religioso, no processo de Re-
orientação, nos últimos quatro anos, tem sido muito gratificante. Os textos básicos dos
documentos, como por exemplo, “O ensino religioso na pluralidade cultural brasileira”,
do Caderno 5, Currículo em debate, foram produzidos coletivamente pelas três equipes
(PUC-Goiás, Coner-GO e equipe pedagógica). Já os textos produzidos apenas pela equipe
ou por professores da rede, como os textos das sequências didáticas – Convite à ação – Cad-
erno 6.5, depois da primeira redação, são submetidos à apreciação dos assessores da Uni-
versidade e do Conselho. Esses textos são produzidos pela Equipe de Coordenação Central
que tem visitas periódicas às 38 Sub-Secretarias Regionais, em parceria com as equipes das
demais disciplinas, para orientar especificamente os professores de Ensino Religioso. Tanto
o relatório das orientações pedagógicas como a produção dos textos são apresentadas e
discutidas periodicamente com os representantes da PUC-Goiás e do Coner-GO.
A parceria entre essas três entidades, Seduc, Cenpec e Universidade, vem contribuindo
efetivamente para a implantação e acompanhamento da disciplina na proposta curricular
do Ensino Fundamental da Rede Pública, auxiliando na definição, formulação e execução
dos conteúdos básicos do Ensino Religioso.”
108
Língua estrangeira
“De forma geral, as parcerias entre a Universidade e a educação básica ocorrem nos
momentos de realização dos estágios e quando pesquisadores da universidade procuram as
escolas para realizarem suas pesquisas. As ocasiões em que as escolas procuram a Univer-
sidade parecem ser menos frequentes e, geralmente, ocorrem nos momentos em que elas
se deparam com problemas. Nesta última demanda, a Universidade assume a posição de
detentora do saber acadêmico enquanto aos profissionais da educação básica é delegado o
papel de executores das orientações das instituições formadoras.
A experiência da parceria entre as instituições de ensino superior de Goiás e a educação
básica representada pela Seduc rompeu com tais imagens, uma vez que a parceria foi esta-
belecida em uma base colaborativa, gerando condições para o estabelecimento de objetivos
comuns e norteadores, respeitando os interesses específicos e os saberes de cada instituição
(Universidade e escolas).
Para a Universidade, esse estreitar de laços propiciou uma visão mais ampla e concreta
acerca da realidade fora do âmbito da academia e, nesse sentido, obtivemos vários subsí-
dios para melhorar a formação dos professores, especialmente pela maior aproximação
da realidade educacional e das reais exigências que encontrarão ao adentrarem o campo
profissional.
A pesquisa de uma doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Letras
da UFG sobre a elaboração de sequências didáticas por professores de língua inglesa da
rede estadual, ainda em andamento, aponta que não basta oferecer as sequências didáticas,
ampliando os conhecimentos dos professores em relação a essa nova proposta de trabalhar
com gêneros na sala de aula de língua estrangeira (LE). Torna-se necessário que seus con-
hecimentos (tanto teóricos quanto práticos) sejam sistematizados e, mais importante, lhes
seja dada a oportunidade prática de elaborarem suas próprias sequências e de compartilha-
rem os produtos com outros professores para, juntos, refletirem sobre aspectos envolvidos
nessa tarefa. De fato, não podemos assumir que os professores irão adotar imediatamente
as novas práticas e esquecer aquelas às quais estão habituados.
No momento, uma preocupação que a área de LE tem em relação à continuidade do
trabalho efetivo que tem sido feito junto aos professores diz respeito à distribuição pelo
MEC de livros didáticos de LE aos professores da primeira fase do Ensino Fundamental no
próximo ano. É possível que argumentos como o de que agora não há mais a necessidade de
elaborar seu próprio material sejam utilizados pelos professores, uma vez que terão em mãos
o livro didático. Há uma expectativa, porém, de que tenham compreendido o recurso das
sequências didáticas e se apropriem com autonomia desse material didático à disposição.”
109
Ciências
“As escolas públicas de educação básica são, por excelência, o local de atuação profis-
sional daqueles que se formam em cursos de licenciatura. Eis aí, desde já, o principal vínculo
entre a Universidade e a educação básica. Entretanto, mesmo com as reformas educacionais,
esse processo de formação se ampliou quantitativamente, mas não qualitativamente. Este é
um dos legados de que ainda não nos livramos. Daí a importância da educação continuada
dos professores que procura, de alguma forma, superar as deficiências da formação inicial.
Essa formação continuada pode ser feita de diferentes formas, seja por iniciativa do
próprio professorado ou por indução do Estado, através de mudanças nas políticas educa-
cionais. Mudam-se governos, mudam-se concepções de educação e eis que o professorado
da escola pública se vê às voltas com cursos de atualização, para se tornarem multiplicado-
res das novas ideias da gestão escolar, em nível federal, estadual ou municipal.
Geralmente os professores reclamam que tais mudanças vêm de cima pra baixo – na
maioria das vezes é isso mesmo que ocorre – sem que eles tenham voz ativa no processo.
Nesse ponto, particularmente, considero que a experiência da reorientação curricular do
Ensino Fundamental do Estado de Goiás, difere de outras experiências do passado. Desde
que comecei a participar, há dois anos, assisti de perto o esforço dos profissionais da Sec-
retaria que, às vezes com gastos próprios, visitaram o máximo de subsecretarias e promov-
eram encontros com professores da rede estadual. Em tais encontros – participei de um
deles - a proposta de reorientação foi apresentada aos professores para que eles propuses-
sem alterações e manifestassem suas concordâncias e discordâncias. Foi um trabalho árduo
e extenso, mas que permitiu aos professores da rede opinar e apresentar críticas e contra-
propostas. Uma experiência que, se não foi totalmente democrática, esforçou-se muito para
sê-lo e acho que isso deve ser elogiado.
Nesse processo, o nosso contato, enquanto professores das Universidades, com os cole-
gas da educação básica, foi feito de forma indireta através dos materiais e documentos que
ajudamos os profissionais da Seduc a elaborar, examinando as participações dos professores
da rede e buscando contribuir com o conhecimento acadêmico. A academia, porém, por
diversos motivos, sabemos estar distante dos campos de atuação dos profissionais docentes
que formamos, ou seja, das escolas. Então, esta experiência em participar da reorientação,
por um lado, permitiu que retomássemos esse contato, contribuindo mais uma vez com a
formação dos docentes. E isso foi muito gratificante, proveitoso. Por outro lado, considero
que foi também um importante momento de aprendizagem para mim, pois numa situação
deveras interessante, a articulação junto aos colegas da Secretaria e também com os mate-
riais que os professores da rede produziram, exigiram de mim o máximo de vigilância para
que minha atuação não ultrapassasse os limites e chegasse a ser uma imposição. Penso que,
com respeito, consegui respeitar também o trabalho dessas pessoas.
Findando esse processo, considero que nosso trabalho nas universidades continua,
pois os docentes que estamos formando e que futuramente atuarão nas escolas públicas de
educação básica, precisam conhecer os materiais elaborados pela equipe de reorientação,
110
conhecer os princípios que a nortearam e os interesses por trás de tudo isso. Futuramente,
poderão eles participar de outras propostas de inovação na educação goiana e, por isso
mesmo, esperamos que possam atuar de forma ética, crítica e responsável para com a edu-
cação e os estudantes do Estado de Goiás. No caso da formação de professores de Ciências,
precisamos cada vez mais de professores que sejam capazes de avaliar os currículos dessa
disciplina, intervindo de forma que seus alunos percebam, para além dos conteúdos especí-
ficos, que a ciência é também um fazer humano e, justamente por isso, pode e está impreg-
nada de diferentes interesses. E o ensino dessa disciplina curricular não pode desconsiderar
fato tão importante.”
Língua Portuguesa
111
guesa não recusa essa sua principal tarefa, a de fazer que os alunos leiam bem e escrevam
bem, mas sabe que há práticas de leitura e escrita específicas de cada área, que essas próprias
áreas devem resolver. Além disso, essas habilidades são de tal necessidade que é preciso o
esforço de todos para a sua efetiva aprendizagem.”
Expectativas
As relações entre Seduc, Cenpec e Universidades, fortaleceram essas instituições, pois propi-
ciaram melhor desempenho de suas funções, de suas finalidades sociais. A educação é um cam-
po vasto, por isso precisa unir forças de todos: as escolas (professores, alunos e pais) e as Sub-
secretarias foram convocadas a um trabalho conjunto para melhorar a formação dos alunos no
Estado. Porém, além de continuar os rumos tomados nesta Reorientação, há mais a fazer.
Até o momento, poucas universidades são representadas. Deveria haver algum movi-
mento para que as diversas unidades da UEG, espalhadas pelas principais cidades do Es-
tado, descobrissem seu papel na formação dos professores nas diversas áreas. Uma ação
conjunta com a Seduc poderia dar novas perspectivas ao trabalho regional, melhorando as
condições de ação dos professores.
As equipes formadoras da Seduc precisam ser reforçadas, reconhecidas, agilizadas para
fazerem a vida que os cadernos propõem acontecer e não ficar só no papel. Os encontros de
formação, ouvindo e praticando o fazer do professor são o oxigênio renovador e vitaliza-
dor desse processo. O trabalho coletivo tem sido fundamental para que cada um acredite
na importância da própria contribuição. Planejar junto, realizar junto, avaliar junto são as
competências necessárias a todos professores, seja como área, seja como professores de uma
turma ou de toda a escola. Direção e coordenação são chamadas a dar todas as condições
para que o trabalho coletivo seja o modo mais cotidiano das ações na escola. Levar crianças
a aprendizagens significativas não é trabalho fácil, não é milagre de um ou outro professor
dedicado e talentoso, é o resultado de uma ação coletiva.
Um constituinte privilegiado dessa formação que a escola oferece é a biblioteca. Esse lu-
gar precisa tornar-se uma oferta contínua para projetos de leitura e de pesquisa. Cada aluno
poderá ter a vivência de procurar um livro, encontrar informações sobre um tema, apro-
fundar sua reflexão lendo mais de um autor, tornar-se um iniciado nas habilidades de saber
estudar por conta e interesses próprios, numa biblioteca. O trabalho dos bibliotecários e os
projetos de usufruir da biblioteca da escola devem fazer parte da Reorientação.
Esses temas estão também nas universidades e esse diálogo com a rede estadual, a Seduc
e o Cenpec, tem contribuído para a pesquisa sobre práticas de letramento em todas as dis-
ciplinas. A perspectiva que se abre, como esperança e como desafio, é a de compreendermos
melhor qual é o direito de nossos alunos em relação aos saberes das áreas, às habilidades e
competências úteis à vida social, agora e depois, quando adultos. Estamos deixando de lado
práticas corroídas e nos empenhando em indagar qual conteúdo serve de fato para a vida
dele, qual o modo de trabalhar esse conteúdo para que o aluno fique sabendo fazer uso desse
conhecimento. Conseguir isso é a nossa realização. Um direito dele. E nosso também.
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A N Á L I S E DA
E X PE R I Ê N C I A
E I N D I C A Ç ÕE S
BLO CO III
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114
A OUSADIA DE CONSTRUIR UM NOVO
PARADIGMA CURRICULAR
Caríssimos educadores,
Foi com muito prazer que participei de vários momentos da caminhada de reorientação
curricular da rede estadual de Goiás, por meio de uma consultoria à equipe do CENPEC.
Sou grata à oportunidade que tive de poder construir conhecimento, coletivamente, em
todos os instigantes encontros de trabalho com os assessores da reorientação curricular de
Goiás.
Diante do convite que me foi feito para fazer uma análise do processo reorientação
curricular de Goiás, senti um grande desejo de escrever essa carta, dirigida aos educadores
da rede estadual desse Estado e destacar nela, não somente uma compreensão avaliativa do
que li, mas, também, do que pude discutir em reuniões de trabalho, mediadas pelo tema da
reorientação curricular.
Para as considerações que vou fazer a seguir tomarei, da matriz de pensamento de Paulo
Freire, um dos maiores expoentes da pedagogia mundial do século XX, alguns conceitos e
categorias importantes para nortear essa minha análise.
Destaco, inicialmente, a ousadia1 que vocês tiveram, na tentativa de se aproximar de um
novo paradigma de elaboração de currículo, na realidade brasileira. Desenvolver um pro- 1 Paulo Freire se refere
à ousadia, postura
cesso de reorientação curricular pautado na participação dos educadores é, sem dúvida, um necessária aos educado-
trabalho que rompe a lógica convencional no tocante à construção e reformulação de cur- res progressistas, que
diz respeito à assunção
rículos. Essa última tem se caracterizado por decidir, pelos professores e para os professores, do risco da mudança
o que deve ser feito nas escolas. Quero enfatizar o valor da opção que norteou as práticas de na direção de uma
educação crítico-
reorientação curricular em Goiás. Ao contrário da utilização da bandeira da participação libertadora, com
como uma tática para converter os professores às políticas de administração que assumem autonomia e responsa-
bilidade. Para ver mais a
formas convencionais e elitistas em relação à produção e distribuição do conhecimento aos esse respeito, consultar
estudantes, a participação anunciada e trabalhada, nesse processo de reorientação curricu- Medo e ousadia – o
cotidiano do professor
lar de Goiás, teve uma moldura democrática, com respeito aos educadores e o estímulo à (Freire, 1993).
autonomia da escola. Gosto da expressão de Gimeno Sacristán (2005) quando se manifesta
sobre o trabalho de construção curricular orientado para a participação dos educadores
como sujeitos de produção de conhecimento:
115
(...) Para gerar a criatividade pedagógica, a diversificação de estilos que dêem lugar
a que a prática institucionalizada tenha mais expressividade, dando acolhida à individu-
alidade criadora dos sujeitos, devemos visar ao resgate do pedagógico como território de
experimentação e de criação (...) e explorar os caminhos pelos quais a experiência dos
estudantes com o currículo seja diversificadora.
Esta proposta é coerente tanto com o entendimento de uma autonomia profissional
criadora dos professores, como com a idéia de que os sujeitos, cada um deles, encontrem a
possibilidade de que a cultura escolar acolha as suas possibilidades, suas inquietudes, suas
peculiaridades, as diferenças culturais e a entidade subjetiva.
Reconheço que esse trabalho não se fez sem dificuldades, pois, como tenho mencionado,
pensar e fazer currículo implica decisões sobre intencionalidades, assunção de compromissos,
análise de contextos e opção por saberes. Também envolve pessoas e suas histórias, práticas
e formação. Vocês conviveram com esses condicionantes, e não poderia ser de outra forma,
pois são eles que configuram a dimensão de realidade. Todavia, estar atento a essas condições,
num processo de reorientação de currículo no qual se pretende provocar mudanças, gera in-
evitáveis tensões. A mudança desinstala pessoas de sua zona de conforto e, por isso, nem sem-
pre se tem total adesão a ela. Mudar crenças e práticas já instaladas, resultantes de histórias de
vida, de percursos de formação e de experiências, de atores envolvidos no currículo, requer
um trabalho de discussão e reflexão que demanda tempo. Provavelmente, durante esse pro-
cesso de reorientação curricular, não faltaram pensamentos e falas que apontassem que um
trabalho no qual se busca a participação efetiva dos educadores na elaboração e validação das
matrizes curriculares, como esse que vocês fizeram, é muito demorado. E, certamente, não
faltou, nesse debate, quem anunciasse a frase ‘a educação tem pressa’.
Observo, porém, que um paradigma de reorientação curricular voltado para a autono-
mia das escolas e dos educadores conflita, sim, com uma história de currículo que há quase
um século, para tomar um passado recente, vem se estabelecendo em nossa sociedade. A
opção de desafiar o velho paradigma em favor de um outro que se insere na perspectiva
crítico-democrática, é exigente, complexa, porém extremamente valiosa quando se entende
a qualidade da educação como compromisso de humanização em favor de uma sociedade
mais justa, democrática e solidária. Isso implica uma nova forma de trabalhar com cur-
rículo, tanto na sua construção/reorientação, como em seu desenvolvimento e avaliação. É
preciso considerar os educadores como sujeitos de conhecimento, portanto, como con-
ceptores de currículo. Ao mesmo tempo, é fundamental respeitar o saber dos educandos e
trabalhar a partir desses, com rigorosidade científica, visando a superar o saber de experiên-
cia feito, considerando, todavia, saberes significativos na seleção de tópicos de conteúdos
curriculares. Esse novo paradigma vai exigir a colaboração, que funda o diálogo, e uma
participação cada vez em níveis mais aprofundados que expressem a tomada de decisões.
Lembro que Paulo Freire, quando assumiu a pasta da Educação, na cidade de São
Paulo (1989-1991) referiu-se, com veemência, à necessária paciência/impaciente que os
educadores precisam ter, quando estão empenhados em estimular e produzir mudanças
116
na educação. A mudança não se faz de ‘segunda para terça-feira’ dizia ele, coloquialmente.
Isso significa que é necessário tempo, e daí paciência, porque é preciso dialogar com os
educadores, a partir de suas convicções e de suas práticas instaladas para, a partir delas,
considerar novos argumentos que possam ser confrontados com aqueles já existentes. É
preciso construir coletivamente, criar um clima de confiança e ter necessários momentos
de reflexão. Ao mesmo tempo, Paulo Freire analisava a necessária impaciência exigida em
um processo de mudança, ou seja, ele nos dizia da necessária ação que compõe a relação
paciência/impaciente. Isso quer dizer que não se pode admitir uma paciência imobiliza-
dora, inativa, passiva. Ao contrário, trata-se de uma paciência ativa, vigente todo o tempo
e que requer, em se tratando de trabalhar numa perspectiva democrática, uma opção pela
educação dialógica. E diálogo, na acepção freireana, é o momento em que os seres humanos
se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e a refazem (FREIRE, 1987).
Em sua obra Educação na cidade, Freire (1993) insiste em mencionar a necessidade de um
diálogo aberto e corajoso com os educadores, dizendo que: (...) não se muda a ‘cara’ da
escola por portaria . Não se decreta que, de hoje em diante, a escola será competente, séria
e alegre. Não se democratiza a escola autoritariamente. Diálogo é, portanto, o fundamento
de um trabalho de reorientação curricular que se quer participativo.
Reitero, aqui, o valor de buscar uma outra lógica de construção e reorientação cur-
ricular, tomando a participação como um eixo de trabalho. Isso significa assumir outra
concepção do que é qualidade no currículo. A participação passa a ser, então, um valor a ser
conquistado. Não posso deixar de dizer, em poucas palavras, que a participação a que me
refiro, significa ter voz e decisão no currículo. Para isso é necessário que a equipe gestora
que tem a responsabilidade de conduzir a reorientação curricular, se disponha a ouvir os
diferentes atores do currículo a respeito da escola, identificando os seus anseios, os seus
saberes e dificuldades, os seus valores. É fundamental, para a decisão sobre o conteúdo
programático, que a escola saiba o que pensam os alunos, como eles vivem, as dificuldades
que têm; enfim, conheça as características das diferentes culturas de educandos que a es-
cola abriga. É preciso entrar na intimidade de questões que afetam a vida e a convivência
dos alunos em cada contexto, de modo a fazer uma leitura coletiva da realidade e decidir,
a partir daí, o que é significativo para o currículo. Esse é um caminho que se aproxima do
nível mais profundo de participação e não se confunde com formas aligeiradas de partici-
pação, identificadas apenas com informação ou com chamamentos que mascaram inten-
ções manipuladoras. Evidentemente, é necessário que essa participação se faça de modo
planejado e organizado, em diferentes espaços e tempos da escola e do ano letivo, de modo
que possa ser significativa e eficiente.
Quero ressaltar, nesse momento, que a participação é condição para o trabalho de mu-
dança do currículo, numa perspectiva democrática, porém, é necessário que ela se faça
acompanhar do trabalho contínuo de formação dos educadores, no qual precisamos estar
todo o tempo envolvidos. E aqui sublinho que não se trata de fazer formação exclusiva-
mente porque foram mudados os tópicos de conteúdo ou, ainda, porque será preciso que
os professores desenvolvam novas habilidades.
117
Não podemos imaginar, senão sob pena de cometer sérios equívocos, que estamos todos
‘prontos’ para desenvolver um novo currículo mesmo quando, como foi o caso, os profes-
sores foram chamados a participar, construindo e validando propostas.
Quero recuperar, nesse momento, o conceito de formação permanente, na concepção
de Paulo Freire. Deter-me um pouco no aprofundamento desse conceito parece-me funda-
mental, especialmente para compreender o significado, mesmo, dessa expressão.
Formação permanente, para Paulo Freire, implica a compreensão de que o ser humano
é um ser inconcluso e tem sempre a perspectiva de ser mais.
(...) A educação é permanente não porque certa linha ideológica ou certa posição
política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de
um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de finitude.
Mas ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas
saber que vivia mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a
formação permanente se fundam aí.
(...) O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, ‘desarmada’, in-
discutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a
rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito. (...) O que
se precisa é possibilitar que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática,
a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. (FREIRE, 1997).
118
dá o processo de conhecer; e) o programa de formação de educadores é condição para o
processo de reorientação curricular; f) os eixos básicos do programa de formação de edu-
cadores precisam atender à fisionomia da escola que se quer, enquanto horizonte da nova
proposta pedagógica, à necessidade de suprir elementos de formação básica aos educadores
e à apropriação, pelos educadores, dos avanços científicos do conhecimento humano que
possa contribui para a qualidade da escola que se quer. (FREIRE, 1991).
Finalmente, nessa breve carta, cumpre-me alertar para os cuidados de implementação e
avaliação dessa nova produção que foi construída na reorientação curricular de Goiás.
Quero enfatizar que toda a construção curricular não se encerra em si mesma. A reori-
entação curricular precisa ser compreendida como um processo em constante avaliação e
revisão. E, acrescento, o seu teste está na prática. Jamais poderemos, senão por equívoco,
compreender que o um trabalho de reorientação curricular está concluído, porque as ma-
trizes e os cadernos da nova proposta curricular estão prontos, distribuídos e então, todos
(gestores, consultores e professores) encerraram a sua tarefa. Ao contrário, aí prossegue o
necessário trabalho de implementação e de avaliação da proposta. Isso porque, toda a pro-
posta curricular precisa ser compreendida como uma hipótese de ensino-aprendizagem e,
portanto, requer acompanhamento, monitoramento e avaliação.
Trata-se de uma avaliação em processo na qual essas hipóteses de ensino-aprendizagem
serão verificadas. Aqui é importante prever um plano no qual, tanto a escola como as equipes da
Secretaria da Educação terão papéis a desempenhar. Incluo, também, a grande possibilidade de
contar com mais um parceiro nessa ação - a Universidade - e destaco que, coerente com a pro-
posta de construção curricular, cabe aqui o exercício de realizar uma avaliação participativa.
Para tanto é necessário fazer um planejamento no qual os procedimentos, instrumentos
e critérios de avaliação sejam construídos coletivamente e cujas análises dos resultados,
igualmente, sejam realizadas com ampla participação. Assim, a avaliação das hipóteses de
reorientação curricular ganhará, necessariamente, a rigorosidade metódica de que se ne-
cessita para um trabalho sério e que chegue a bom termo. Uma avaliação de processo, que
também inclui resultados pode, com segurança, dizer da adequação e eficácia do desenvol-
vimento curricular e indicar, se necessário, novos rumos para a ação.
Concluindo, cabe-me enfatizar que o processo de reorientação curricular não se encerra,
definitivamente. Podem ser concluídas etapas desse processo, porém, precisam ser iniciadas
outras, pois a leitura da realidade, é um constante desafio para a construção e reconstrução do
currículo. Dessa forma, a reorientação curricular funcionará, sempre, como um motor a impul-
sionar a meta de aperfeiçoamento da qualidade social da educação e da aproximação mais e
mais de um novo paradigma de reorientação curricular na perspectiva crítico-emancipadora.
Os meus cumprimentos a todos os educadores da Secretaria Estadual de Educação de
Goiás por terem buscado, juntos, aproximar-se desse novo paradigma de construção cur-
ricular que tem a participação como eixo central.
Fraternalmente,
Ana Maria Saul
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GOIÂNIA 2010
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