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GARANTIAS FUNDAMENTAIS
1 INTRODUÇÃO
1 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.
2 O termo constituição jurídica será melhor explorado nos capítulos seguintes.
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das idéias de constitucionalismo e de democracia produziu uma
nova forma de organização política, que atende por nomes diversos:
Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito,
Estado constitucional democrático. Seria mau investimento de
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tempo e energia especular sobre sutilezas semânticas na matéria.
Vale ressaltar, entretanto, que como a maioria das mudanças, esta ainda se
opera no país; a substituição de uma exegese cega por análises interpretativas com
foco na Constituição Federal e seus ditames, inclusive ditames “programáticos”,
ocorre paulatinamente e a luta pela concreção da Constituição como diploma
supremo na defesa dos direitos fundamentais é gradual e quotidiana.
O processo através do qual as Constituições passaram a ser o centro
normativo e irradiador de todo a potência normativa foi de extrema importância
para toda a ciência jurídica, principalmente o Direito Constitucional. A partir de
então, passa a ocorrer o fenômeno nominado por Barroso como filtragem
constitucional, ou seja, as Constituições passam a agir como verdadeiros filtros
através do qual as leis e demais atos normativos devem passar (ou repassar) para
que sejam válidos, sob pena de declaração de inconstitucionalidade ou até mesmo
de incompatibilidade. Ocorre, então, uma verticalização hierárquica e as
Constituições passam a ocupar o topo dessa pirâmide hierárquico-normativa.
Esse processo de supremacia constitucional, que segundo vários teóricos
teve início com o clássico julgado Marbury vs. Madison4 da Suprema Corte
Americana, foi essencial a todo o desenvolvimento das modernas teorias de
controle de constitucionalidade. A própria supremacia constitucional é imanente aos
sistemas democráticos que utilizam a Constituição rígida como centro irradiador do
Direito. Barroso assim dispõe:
3 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5.. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.01.
4 Em 1803, no julgamento do caso supra, o Presidente da Suprema Corte Americana, John Marshall, defendeu a hipótese da
supremacia constitucional e de que as normas que com ela contrastassem eram nulas. “ Assim, a particular fraseologia da
Constituição dos Estados Unidos confirma e fortalece o princípio, que se supõe essencial a todas as Constituições escritas, de
que toda lei que contraste com a Constituição é nula”.
5 BARROSO, op.cit., p.167.
3
entrada dos tratados internacionais sobre direitos humanos com força de emenda
constitucional (e a constitucionalidade, então, da prisão civil do depositário infiel
face ao Pacto de San José, por exemplo), tornaram-se mais presentes nas
preocupações jurídico-institucionais desta Corte.
Segundo Hesse, a visão predominante antes de 1945 era de uma
Constituição tão somente como fatores reais de poder. A lógica da não-
normatividade, nas palavras de Hesse , seria:
Se as normas constitucionais nada mais expressam que relações
fáticas altamente mutáveis, não há como deixar de reconhecer que
a ciência da Constituição constitui uma ciência jurídica na ausência
do direito, não lhe restando outra função senão a de constatar e
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comentar os fatos criados pela Realpolitik.
2 A TESE DA NORMATIVIDADE
6 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. p.11.
7 As posições divergentes de Lassale e Hesse, como se perceberá adiante, também tem uma origem histórica, que, de certo modo,
explica a visão de ambos. Lassale estava sob os moldes de uma visão de Estado típica do século XIX, ao contrário de Hesse que
estava sobre a égide do século XX, o que implica e justifica essas visões.
8 As citações de Lassale não referenciadas expressamente são parte do texto “ A Essência da Constituição”.
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A questão envolvendo a normatividade do texto constitucional não esvazia a
importância que tem a realidade. Aliás, essa é parte integrante inclusive da
normatividade, uma vez que é essencial para a própria existência e vigência de
uma Constituição. Como bem dispõe Bachof, a permanência de uma Constituição
depende primordialmente da sua adequação diante da “missão integradora que lhe
cabe face à comunidade que ela mesma constitui.”(BACHOF,1994: I 1)
A vigência da norma constitucional vive conjuntamente com os fatores
históricos, sociais, econômicos e políticos que a integram, ocorre uma relação de
autonomia interdependente entre ambas. Segundo Hesse, ainda deve ser levado
em conta o substrato espiritual presente no respectivo povo, ou seja, uma série de
fatores subjetivos: “[...] as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico
que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das
proposições normativas”. ( HESSE, trad.1991 : 15)
Há, portanto, uma integração coordenada entre realidade e Constituição,
entre ser e dever ser.
A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um
ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que
simples reflexo das condições fáticas de sua vigência,
particularmente as forças sociais e políticas[...]. Determinada pela
realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a
ela, não se pode definir como fundamental nem a pura
normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-políticas
e econômicas. A força condicionante da realidade e a normatividade
da Constituição podem ser diferenciadas; elas não podem, todavia,
ser definitivamente separadas ou confundidas[...]. A “Constituição
real” e a “Constituição Jurídica” se condicionam mutuamente, mas
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não dependem, pura e simplesmente, uma da outra.
Como se nota, para o autor supra, não há como abandonar o fator realidade
do âmbito da Constituição, entretanto o caráter da realidade não pode ser usado
como argumento, como faz Lassale, para tornar a Constituição uma mera folha de
papel. Lassale, então, vê a questão da normatividade do texto constitucional muito
mais na chave do poder do que na do Direito, enquanto Hesse mescla ambos os
institutos, estabelecendo que a aquisição da força normativa caminha justamente
na medida em que a pretensão de eficácia que a Constituição adquire no mundo da
realidade se realiza. Segundo Iacyr de Aguilar Vieira, analisando a obra de Lassale:
As constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não
ser que exprimam fielmente os valores que imperam na realidade
social. Uma constituição escrita pode ser boa e duradoura quando
corresponder à Constituição real e tiver suas raízes nos fatores do
poder que regem o país. Caso contrário, irrompe inevitavelmente
um conflito impossível de ser evitado e no qual a Constituição
escrita, a folha de papel, sucumbirá, necessariamente, perante a
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Constituição real, a das verdadeiras forças vitais do País.
De modo contrário, como já foi dito, Hesse consegue mesclar o fator “ser” e
o fator “dever ser” no âmbito da normatividade. Assim:
Verifica-se, assim, a importância desse “germe material”, uma vez que é este
que garantirá a existência e eficácia da normatividade do próprio texto constitucional.
Logo, não há como uma Constituição ignorar a cultura, os princípios políticos e sócio-
econômicos que regem a sociedade na qual esta imperará.
Isto não quer dizer que a Constituição não possa fazer esforços no sentido
de iniciar um processo que levará a modificação de culturas dominantes.
Exemplificando: nada impede que a Constituição indiana pregue a igualdade de
pessoas e, conseqüentemente, o fim das castas, e se estas continuam faticamente
existindo, isto não se configura um sinal de que a Carta Magna seja letra morta,
mas sim de que já existe um reconhecimento no plano do dever ser dessa
igualdade e tal reconhecimento é um grande impulso na busca de que tal igualdade
se materialize, o reconhecimento de direitos é uma injeção de ânimo gigantesca
pela luta no âmbito fático-social.
Aliás, é essencial para a força normativa da Constituição que ela incorpore,
de maneira meticulosamente ponderada, a estrutura contrária, eis que esta possui
sim poder de modificação da realidade, principalmente através da imposição de
tarefas e através das próprias normas programáticas, que hodiernamente são
vistas como “enunciados” dotados de normatividade. Como já foi dito, Hesse
defende que a Constituição abarque não somente os enunciados sócio-políticos e
econômicos dominantes, mas também o estado espiritual do momento histórico em
que esta é elaborada, só assim garantirá “o apoio e a defesa da consciência geral”.
Outro importante fator citado por Hesse é o fato de que a incorporação no
texto constitucional de interesses particulares e momentâneos é atividade danosa à
normatividade deste, uma vez que isto leva a necessidade de constante revisão
constitucional e tais mudanças interferem no grau de eficácia do texto
constitucional: “A freqüência das reformas constitucionais abala a confiança na sua
inquebrantalidade, debilitando sua força normativa. A estabilidade constitui
condição fundamental da eficácia da Constituição”. (HESSE,trad. 1991: 22).
Trataremos mais pormenorizado da questão das emendas constitucionais em
trechos seguintes.
Em suma, vê-se que de modo mais meticuloso do que Lassale, Hesse faz
uma coordenação entre o fator social, o ser, e o fator jurídico, dever ser. Logo, a
Constituição jurídica não é mera folha de papel, como dispunha Lassale, mas sim
uma interação coordenada entre a Constituição social e Constituição jurídica, que
se encontram justamente na correlação acima dita.
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HESSE, op. cit., p. 17.
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normativa da Constituição, o caráter de proteção que estas oferecem na concreção
e defesa daqueles direitos de que dada sociedade, dentro de suas condicionalidades
históricas, sociais, políticas e econômicas definiu como fundamentais. Assim, mais
importante neste momento do que o debate sobre a existência ou não de direitos
naturais e, conseqüentemente, fundamentais, é ter a noção de quais direitos uma
certa sociedade eregiu como fundamentais dentro de seu momento histórico, afinal,
são estes que ganharão a proteção das respectivas Cartas Magnas, bem como do
direito supralegal (não limitando tal conceito necessariamente ao conceito de direito
natural).
Não se pretende aqui discorrer à respeito dos métodos hermenêuticos
utilizados na interpretação da Constituição, mas sim de situar a importância que
estes ganham no processo consolidatório da normatividade constitucional.
A idéia da interação entre sociedade e Direito, entre Realpolitik e força
normativa ganha aqui também proporções importantes. Como se sabe, no processo
hermenêutico constitucional, os métodos clássicos de Savigny recebem novas
faces, mas não são completamente ignorados. Apesar da existência de métodos
propriamente constitucionais, esses métodos clássicos ainda se revelam de grande
importância para o processo interpretativo da Constituição. Aliás, no que se refere
à hermenêutica vale a lição de Carlos Maximiliano12, na qual este bem preceitua que
se deve evitar os extremos, ou seja, “o excessivo apreço ou o completo repúdio”.
Como já foi dito, o advento das Constituições normativas, ou como alguns
chamam de Constituições com força normativa autônoma, trouxe mudanças
importantes no modo de como se “executa” a força normativa da Constituição
perante os demais diplomas legais de caráter infraconstitucional. Desenvolveu-se
uma série de princípios que a partir de então tem orientado a criação
jurisprudencial do processo interpretativo constitucional, entre os quais citamos os
da supremacia constitucional, da proporcionalidade, da interpretação conforme a
Constituição, da unidade, razoabilidade, efetividade, entre outros.
No Brasil, conforme acima exposto, o processo de interpretação
constitucional, tomando como base a força normativa da Constituição, ainda é
recente, afinal, desde 1988 para cá, pouco tempo, usando proporções históricas,
passou-se. A mudança de mentalidade hermenêutica do Supremo Tribunal Federal
também aos poucos foi adaptando-se ao ápice da Constituição na pirâmide da
estrutura normativa, não que tal não se desse, mas a grande ampliação dos
direitos fundamentais fez com que se repensasse o “interpretar da Constituição”.
Ainda hoje vão se configurando paulatinamente novas visões jurisprudenciais que
têm levado a mudanças importantes na defesa da normatividade da Constituição,
bem como na concreção dos direitos e garantias fundamentais. Exemplo se faz à
questão relativa ao mandado de injunção, que vem ganhando a feição concretista
que se esperava de tal instituto.
Alguns métodos ainda merecem atenção especial. Adentrando em uma
questão de cunho cultural, Peter Häberle ganha destaque na seara de interpretação
constitucional ao dispor sobre o método de interpretação aberta. Há, assim, para
Häberle, a existência de um certo arquétipo que condiciona a teoria da Constituição
por parte do Ocidente e é composto por uma série de fatores que criariam um
standard daquilo que a sociedade ocidental toma como mínimo para a Constituição,
como por exemplo o princípio da soberania popular. A Constituição é vista sob um
prisma cultural, no qual a ela sedimentaria uma série de proposições que ao longo
da experiência cultural (e se fez necessário atentar que esse “cultural” não limita a
Constituição somente à experiências políticas, no sentido estrito dessa palavra) do
12
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
7
Ocidente foram desenvolvidas. A respeito do método da Constituição Aberta dispõe
Bonavides:
Um dos métodos de interpretação das Constituições que a tópica
mais de perto influenciou nos dias atuais foi o método concretista
da ‘Constituição Aberta’, teorizado por Peter Häberle [...]. De certo
modo, Häberle levou a tópica às últimas conseqüências, mediante
uma série de ‘fundamentações’ e ‘legitimações’ [...]. Todas
resultantes da democratização do processo interpretativo, que já
não se cinge ao corpo clássico de intérpretes do quadro da
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hermenêutica tradicional mas se estende a todos os cidadãos.
Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que
vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo, diretamente, um
intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante
ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do
processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes
jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o
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monopólio da interpretação da Constituição.
13 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 509.
14 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a
interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. p.15. Porto Alegre, Sérgio Fabris, Editor, 1997.
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do Estado social, o que constrói o futuro da sociedade
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democrática.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A Constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma
dada realiade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e
conforma a realidade política e social. As possibilidades, mas
também os limites da força normativa da Constituição resultam da
correlação entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) [...] Em caso de
eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada
necessariamente a parte mais fraca. Ao contrário, existem
pressupostos realizáveis que, mesmo em caso de confronto,
permitem assegurar a força normativa da Constituição. Somente
quando esses pressupostos não puderem ser satisfeitos, dar-se-á a
conversão dos problemas constitucionais, enquanto questões
jurídicas, em questões de poder. Essa constatação não justifique
que se negue o significado da Constituição jurídica: O Direito
Constitucional não se encontra em contradição com a natureza da
Constituição.[...] A íntima conexão, na Constituição, entre
normatividade e a vinculação do direito com a realidade obriga que,
se não quiser faltar com seu objeto, o Direito Constitucional desse
condicionamento da normatividade. [...] A concretização plena da
força normativa constitui meta a ser almejada pelo Direito
Constitucional. Ela cumpre seu mister de forma adequada não
quando procura demonstrar que as questões constitucionais são
questões de poder, mas quando envida esforços para evitar que
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elas se convertam em questões de poder.(grifo nosso)
6 BIBLIOGRAFIA
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1991.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003.
______. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito
Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547> Acesso em: 20 set. 2007.
BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Coimbra: Livraria Almedina,
1994.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria
Almedina, 1993.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da
Constituição. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1997.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
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