Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Fragmentos e Memórias
da História da Dublagem no Brasil.
1ª Edição
Por último, vale dizer que o conteúdo deste livro não passou
por nenhuma revisão gramatical, e oferece o pensamento bruto
do autor, tal qual se deu no momento da sua produção literária.
Todo o conteúdo deste PDF é de inteira responsabilidade de
seu autor Marcio Seixas.
Página 2 de 500
O BICHO
VI ONTEM UM BICHO
NA IMUNDÍCIE DO PÁTIO
CATANDO COMIDA ENTRE OS DETRITOS.
QUANDO ACHAVA ALGUMA COISA,
NÃO EXAMINAVA NEM CHEIRAVA:
ENGOLIA COM VORACIDADE.
MANUEL BANDEIRA
Página 3 de 500
C ONTEÚDO
INTRODUÇÃO ● 2
1. Primeiro Rascunho de “Eu Conheço Essa Voz!”● 5
4. Apêndice ● 178
PRIMEIRO RASCUNHO DE
“EU CONHEÇO ESSA VOZ!”
Página 5 de 500
À noite, no platô de Gizeh, felizmente uma noite muito escura e
quente que tornava ainda mais impressionante os efeitos das cores
vivas fazendo as pirâmides e a esfinge desaparecerem, me extasiava
assistindo o SHOW DAS PIRÂMIDES, um evento de luz e som que
fascina o mundo até hoje. A voz magnífica da esfinge cravou na
minha emoção a frase “THE WORLD FEAR TIME, TIME FEAR
PYRAMIDS!”
Página 6 de 500
Nada de mal poderia me acontecer. Estava pronto pra iniciar a mais
perigosa, excitante, genuína, inesquecível travessura de toda minha
vida. A 4 meses de completar 20 anos, eu tinha ido longe demais.
Da rua Junquilhos, uma rua muito pobre, sem calçamento, poeirenta,
no bairro da Nova Suissa, para o topo de 4 mil e quinhentos anos de
mistério numa jornada épica para minhas possibilidades nulas
materialmente.
Porém quando li o salmo 140, tive certeza inabalável de que ele seria
meu amuleto. Eu me sentia confortável pensando assim, confortável
e protegido. Parti sem demora no final do ano e me integrei como
agregado militar ao Segundo Regimento de Infantaria da Vila Militar
no Rio de Janeiro.
Página 8 de 500
Esse era o procedimento; descer do alto da torre de observação
junto à ADL se víssemos alguém se aproximando, apontar o fuzil
para o chão e perguntar em árabe “QUEM VEM LÁ?”
Página 9 de 500
região; BRASIL, CANADÁ, DINAMARCA, HOLANDA, INDIA, SUÉCIA,
YUGOSLÁVIA.
Página 10 de 500
do avião direto pra dentro de um veículo da ONU, um ônibus branco,
que nos levou para o batalhão brasileiro na cidade de Rafah Camp,
em RAFAH CITY, distante 40 quilômetros do aeroporto.
Página 11 de 500
A visão árida do caminho, a figura dos camelos sozinhos ou em
cáfilas pelo acostamento davam uma impressão de sermos figurantes
do filme LAWRENCE DA ARÁBIA. As moscas eram tantas que havia
zumbido no ar. Elas são um excelente alimento para os camelos.
Como fazem? Deixam a língua pender pra fora da boca. As moscas
atraídas pela mucosa cor de rosa e pegajosa caem aos milhares
naquela bola “babante” do tamanho de uma laranja Bahia, e ficam
presas na mucosa pegajosa.
Página 12 de 500
Israel essa vigilância era feita com esquadrilhas de jatos franceses
Mirage. Nossa missão, quer dizer, da infantaria em terra durante o
dia pelo menos duas vezes por semana era braçal. Munidos de pá,
saíamos cedo em carrocerias de caminhões que nos despejavam na
vala. Passavamos toda a manhã retirando toneladas de areia para
mante-la visível do ar. À noite tínhamos que patrulhar a ADL, por
horas e horas de caminhadas.Lanternas nas mãos, nos divertíamos
com os reflexos da luz nos olhinhos em fogo dos chacais que
acompanhavam nossa movimentação. Corujas às centenas, voando
silenciosamente, pousada nos cáctus, davam um frio no estômago,
pois a visão era meio fantasmagórica. Levavamos metralhadora
pendurada num dos ombros, cinturão cheio de balas, e cada um de
nós da patrulha de 4 membros trazia uma granada de iluminação
noturna.
Página 14 de 500
Esse avião bimotor russo Antonov 24 B que chamávamos de
“Caribu” ia até o Libano colher todos os envios de correspondência
dos 7 países.
Esses assuntos eram narrados por Mahmud que falava com uma
grande dor na voz de seu caminhão que lotava com os produtos
hortifrutigranjeiros que transportava para atacadistas em Israel.
Falava da casa confortável onde esperava ver os filhos numerosos
crescerem.
Ele insistiu que era possível sim, ver sua terra, sua casa. Neguei,
com profundo pesar, alegando que se o meu comandante, o tenente
PONCE visse um árabe na torre, local de observação militar, eu seria
deportado para o Brasil, sem chance de defesa. Ele pareceu recuar.
Pareceu apenas. Pois acabava voltando à carga.
Página 16 de 500
Quando meu turno acabou ao meio dia fui chamado à barraca do
tenente Ponce. Estava em sua mesa de trabalho, o olhar sério,mudo.
Me mandou sentar.
Não consegui balbuciar uma única palavra. Fiquei mudo por um bom
tempo, ele também.
Num fio de voz, eu disse que reconhecia minha falta, que fui
induzido por compaixão, só isso. “Tenente, Mahmud é um árabe
adorável que perdeu tudo quando foi expulso de Israel. Me
comoveram os constantes pedidos dele pra ver sua terra e sua casa.
Me comoveu e acabei cedendo...”
Por incrível que pareça, o meu relato tocou o tenente que me disse:
“vamos torcer pra que ninguém nos denuncie.” Me levantei,
agradecendo, e quando já ia cruzar a porta, ele me disse, “ponha o
calção pra gente disputar uma partida de vôlei!” Eu era o adversário
predileto dele. Sempre estávamos em times antagônicos.
Página 17 de 500
essa guerra que era quase diária. Eu, do time oponente era o que
mais reclamava, o que mais protestava. Ficávamos horas discutindo
“tocou sim, não tocou, tocou sim, não tocou, eu vi, não viu não, viu
sim...” Mas esse era o jogo, era o barato do jogo e ele adorava essa
confusão.
Poucas semanas depois, não me lembro bem por que, tive uma
complicação gastronômica séria, com febre, vômitos constantes.
Baixei hospital no batalhão central que ficava em Rafah Camp, na
localidade DE RAFAH CITY. Fiquei internado vários dias.
O nosso hospital ficava distante do meu pelotão que era junto a ADL.
No domingo, estava eu na enfermaria com outros internos quando
uma sentinela veio dizer que havia visita pra mim. Saiu da
enfermaria e voltou com Mahmud.
Ele sorria feliz, trazia no rosto aquele sorriso bonito, aberto, gentil,
trazendo nas mãos um volume envolto num papel pardo. Me
cumprimentou efusivamente, colocou o pacote em minhas mãos e se
sentou numa cadeira ao lado da minha cama, querendo saber o
motivo de minha internação.
Página 19 de 500
Minha amizade próxima com Mahmud e não tão próximas com
outros árabes que serviam o batalhão brasileiro me deu a certeza de
que eu jamais apontaria uma arma pra algum árabe, mesmo
sabendo que disso poderia depender minha própria vida.
Uma manhã, bem cedo, eu estava no alto de uma das várias torres
ao longo da ADL quando percebi um rebanho de carneiros se
aproximando. Desci da torre, gritei em árabe para aquelas pessoas
que eu não podia saber se eram homens, mulheres, se eram
disfarces, pois usavam roupas escuras, panos nos rosto e na
cabeça, tudo escuro. Sem tocar na minha arma que estava
atravessada nas minhas costas presa pela bandoleira, eu fazia gestos
com as mãos gritando “YALÁ, YALÁ, YALÁ” (AFASTEM-SE! ) Os 4
vultos não se intimidaram, continuaram a se aproximar
acompanhados por um rebanho de carneiro.Naturalmente
perceberem que eu não manipulava a arma, nem tocava nela, muito
menos exibia atitude intimidadora.
Página 20 de 500
Tirou um cigarro e pediu que eu acendesse. A fumaça subiu no ar.
Elas davam risinhos tão encantadores que me deu vontade de
prolongar aquele contato. Meu trabalho de vigilância era solitário,
NUNCA falávamos com ninguém que não fosse o próprio colega que
chegava pra nos substituir. Mesmo assim esses contatos eram muito
rápidos porque a torre não podia ficar sem vigilância. Portanto,
quando um militar descia, o outro subia. No alto da minha torre
havia um bule cheio de refresco de grapefruit e sanduiches de
presunto com queijo. Fiz sinal a elas que aguardassem. Subi
rapidamente os degraus e desci com as iguarias. Meu Deus, que
visão comovente, elas bebendo na minha caneca de alumínio o
refresco e devorando os dois sanduiches que eram minha cota de
alimentação durante o meu trabalho de observação.
UM VATICINIO ENCANTADOR
Aceitou narrar pra nós a história dos faraós egípcios e suas tumbas
fantásticas, mas impôs como condição que ninguém fotografasse
enquanto ele estivesse narrando. Deu ênfase a essa exigência
brandindo o dedo indicador contra as máquinas penduradas nos
pescoços de todos nós. Eu traduzi pra eles com mais ênfase ainda,
pedindo respeito à condição imposta pelo velho guia.
Retomou a narração.
Página 23 de 500
A rapaziada se comportou bem durante o trajeto acompanhando o
guia, parando de instante a instante, as máquinas operando fotos
nas pausas do velho.
Página 24 de 500
OS SOBERBOS ARMARAM-ME LAÇOS E CORDAS; ESTENDERAM A
REDE À BEIRA DO CAMINHO, ARMARAM- ME LAÇOS CORREDIÇOS.
Página 27 de 500
De carro, a caminho da casa de sua mãe no bairro da SAGRADA
FAMILIA, Marcio parava no meu depósito de pães, entrava e me
perguntava sem rodeios; “até quando você vai ficar aqui vendo a
vida passar? Seu lugar é no Rio de Janeiro, cara! Isso aqui é um
buraco. Você não tem nada a ver com isso, cotovelos no balcão,
esperando freguês chegar, pra vender um litro de , dois pães
franceses, balas, biscoitos. Saia disso, vá pro Rio de Janeiro trabalhar
com a voz! Vá fazer o que você gosta. O que você sonha! Vá pro Rio
de Janeiro e me procure. Lá eu te apresento nas rádios pra fazer
teste de locutor...”
Página 28 de 500
andar deste edifício, situado à Rua Rio de Janeiro, entre praça 7 e
rua Tupinambás, centro da cidade.
- Sou
Página 30 de 500
Silêncio meu. O sangue gelado nas veias.
Página 33 de 500
Solto quando o general foi embora, Aldair, estranhamente, tão
corajoso, tão destemido, tão desassombrado, a partir desta prisão
não disse mais uma única palavra em seu programa sobre o coronel.
O que se passou entre os que o prenderam e ele, só os envolvidos
sabem. Esses acontecimentos permanecem ocultos até hoje.
Consolidava-se na nossa consciência o poder dos militares sobre
nossos destinos.
Outro fato grave ocorreu, desta vez com o locutor PAULO LOPES.
Seu programa PATRULHA DA CIDADE era sucesso absoluto na rádio
TIRADENTES. Desnecessário dizer que o que consagra esse tipo de
programa é a irreverência, que suavisa as cores da tragédia,
enveredando para o caminho do humor. A fórmula tem gosto
discutível, mas pelo menos desarma os espíritos, sem dúvida. Tanto
é verdade que funciona até hoje, principalmente nas grandes
capitais. Paulo fazia as chamadas dos principais assuntos da crônica
policial com manchetes sempre resvalando na comédia. Até que
uma delas transformou sua própria vida num drama e num inferno:
“OFICIAL DA AERONÁUTICA BÊBADO, BATE EM POSTE E SOBE MAIS
CEDO.” Mas nos jornais ESTADO DE MINAS, DIÁRIO DE MINAS, E
DIÁRIO DA TARDE, a morte do oficial que bateu num poste na
avenida Antonio Carlos que dá acesso ao aeroporto da Pampulha, foi
repercutida sériamente como convém aos órgãos de comunicação
sérios.
Página 34 de 500
Trabalhei na rádio MINAS exatos 14 dias quando ouvi em caráter
experimental o sinal da RÁDIO ATALAIA, que viria a ser um
fenômeno de audiência, ainda em fase de experiência. O ano era
1.968. As emissoras de rádio AM em BH não passavam de 8 ou 10,
sendo que apenas as rádios ITATIAIA, INCONFIDÊNCIA, GUARANI,
MINEIRA eram de grande importância.
Página 36 de 500
Ele queria que datilografássemos esse noticiário e não recortar o
jornal e colar numa folha em branco. Coube a mim fazer isso.
Acreditem; eu chegava pra abrir a rádio às 5 da manhã, com o
ESTADO DE MINAS debaixo do braço, dizia as horas, começava a
rodar a música que durava não mais do dois minutos e meio cada
uma. Ao final desse tempo eu tinha que anunciar: “Wanderley
Cardoso, Amor da minha vida. Atalaia, cinco horas 3 minutos...”
Página 37 de 500
embora no meu cérebro estivesse de maneira viva a voz dele
fazendo o anúncio.
Eu não queria ser demitido. Não podia. Era a minha chance. Era um
sonho realizado quase aos trombolhões. Os acontecimentos eram
mais vertiginosos do que a construção do meu sonho. Pela primeira
vez desde aqueles meus 30 e poucos dias de carreira como locutor,
no máximo 35 dias, me senti perdido, sem saber o que fazer pra
adquirir “postura” “classe” “presença” “personalidade” “impostação”.
Fascinado pelo tom que ele usou pra servir de modelo pra mim, tive
a certeza de que havia colocado o nó górdio em meu pescoço.
Sim, o padrão era ele. Conversa com um com outro, pede opinião
aqui e a ali, não encontrei nada, nenhum curso, nenhuma sugestão
que eu pudesse colocar em prática pra garantir a chance maravilhosa
de ter sido contratado pela primeira rádio de Belo Horizonte.
Página 38 de 500
O máximo que ouvi foi “vai repetindo O RRRRATO RRROEU A
RRRROUPA DO RRRRREI DE RRRROMA, EXAGERANDO NO R” que
anos, muitos anos mais tarde eu vim a saber que é “R VIBRANTE”. O
do meio da palavra “carta” é o “R GUTURAL”! Eu era meu próprio
carrasco à beira do alçapão com a ameaça do Mourão martelando
meu cérebro: “se não melhorar essa locução, vou ter que te mandar
embora e colocar alguém com experiência no seu horário que é o
mais importante da rádio. Já te dei uma chance, o resto é com
você...”
Me sentindo ridículo falando sem parar o rato roeu, acabei por deixar
o rato de lado. Quanta bobagem.Não queria acreditar porque não
era crível, só isso. Teria que haver um modo de eu me preparar.
Logo após eu dizer “Nelson Ned, O que será será” – Atalaia, 6 horas
9 minutos, ouvindo a seguir a introdução dessas músicas
americanas, eu me permitia uma pausa na busca angustiante por
uma personalidade no microfone. Uma busca cega.Relaxava mesmo,
a ponto de sonhar. A beleza dessas músicas era um balsamo no meu
espírito. Eu implorava ao programador pra colocar no meu horário,
mais de uma vez, se possível, YELLOW BIRD. Musicas que marcam e
a gente não sabe por que.
Era uma casa baixa, suja, com piso de cimento vermelho, cercada de
bananeiras no fim de uma rua poeirenta, sem calçamento. Quando
um veículo passava em frente, levantava uma cortina de poeira
vermelha que chegava até aos ossos. Havia junto a essa casa baixa
muitos cães vira-latas, cavalos andando soltos , cabritos, bodes,
patos, galinhas, um esgoto a céu aberto. E moscas, centenas de
moscas que eu matava até que a última fosse esmagada a
“jornaladas”.
Dos três locutores da rádio, eu era o único que ficava com a porta do
estúdio, caindo aos pedaços, fechada, justamente pra evitar que as
moscas invadissem o pequeno estúdio. Luziário Pinto e Geraldo
Ferreira, meus outros cois colegas, trabalhavam com a porta aberta.
Por isso, quando eu chegava às 6 da manhã pra abrir a rádio,
passava pelo menos meia hora matando moscas pra ter sossego. Me
derretia de calor, mas pelo menos ficava livre daquela praga que um
dia entrou na minha boca quando eu anunciava as musicas.
Era espantoso que uma rádio AM, com péssimo som – não tinha nem
UM kilowatt – pudesse ter tanto prestigio. Eu disse PRESTÍGIO, e
não AUDIÊNCIA que durante anos seria totalmente da rádio
ATALAIA.
Página 41 de 500
Orgulhoso de pertencer à rádio CULTURA, “A CAÇULINHA DA FORÇA
NOVA DE COMUNICAÇÃO” ouvia a rádio nas seis horas em que
ficava no microfone e em casa à noite, principalmente no domingo
pra ouvir de 22 horas a meia noite as músicas clássicas. Então fui
descobrindo que música clássica não era só VALSA DO IMPERADOR,
DANÚBIO AZUL, CANÇÃO DA ÍNDIA, peças curtas assim, que
constituiam meu repertório clássico. Não conhecia poucas coisas
mais. No acervo dos lps que ficavam na prateleira da rárdio procurei
artistas italianos que encantaram meu pai; TITO SCHIPPA,
BENIAMINO GIGLI, MARIO LANZA, CARUSO, BIDU
SAYÃO,DOMENICO MODUGNO, MARIA CALLAS. Eu só conhecia
esses nomes de ouvir meu pai falar.
E então, um dia, Geraldo não veio trabalhar, não me lembro por que.
Eu, um novato, sem conhecer música erudita, seus intérpretes,
compositores, regentes, teria que apresentar o programa que durava
duas horas. Eram várias peças, várias, o que aumentava o número
de incorreções que eu certamente cometeria – e cometi - no
momento de anunciar antes e ao final da execução. Entrei em
desespero.Geraldo ouviu de casa minha pronúncia errada de
HERBERT VON KARAJAN,com o “JAN” igual ao som de “CARAJÁS.”
Página 44 de 500
A rádio Cultura pertencia ao grupo FORÇA NOVA DE COMUNICAÇÃO
do jornalista JANUÁRIO CARNEIRO.
Desse grupo faziam parte RADIO ITATIAIA até hoje uma das líderes
de audiência em Minas Gerais, RADIO CULTURA, DIÁRIO DE MINAS
e TV VILA RICA. Recebi o convite de EMANUEL CARNEIRO, irmão de
JANUÁRIO, para cobrir as férias do locutor titular das chamadas da
tv.
Página 45 de 500
comunicação; garoto propaganda. Gravei de terno e gravata o
lançamento do emagrecedor ZUPAVITIN, que prometia emagrecer os
obesos em uma semana.
Página 46 de 500
A questão era: eu não conhecia, nem as músicas nem a
nomenclatura. Com a vontade a fervilhar meu cérebro, mas sem
saber aonde buscar orientação, quis Deus, ou o destino, acho que foi
o salmo de DAVI que colocou um anjo da guarda me ouvindo falar
deste desejo e dúvidas com um técnico de som do estúdio BEMOL no
bairro CAIÇARAS. Era neste estúdio que eu gravava os comerciais
para agencias de publicidade que descobriram potencial na minha
voz para gravar comerciais.
Página 47 de 500
No dia seguinte, ROBERTO DE CASTRO estava na minha sala, no
décimo quinto andar do edifício CODÓ na avenida Amazonas bem
perto da estação ferroviária, com uma sacola cheia de discos
clássicos. Colocou sobre minha mesa umas folhas de papel. Era o
roteiro com a relação das músicas e os comentários dele PRA EU
LER NO MICROFONE. A trilha musical que servia de back ground
pras minhas narrações era o delicioso CONCERTO DE
BRANDENBURGO NUMERO 3 DE BACH. Roberto não quis em
nenhum momento aparecer ou falar ao meu lado durante a
apresentação. Humildemente redigia todos os dias o programa pra
mim. Com toda paciência de um pai amoroso explicava e dizia como
eu deveria pronunciar nomes complicados.
Página 48 de 500
músicas com duração variada, pra em seguida tirar da memória fatos
ligados à composição ou ao compositor.
Certo dia ele chegou muito excitado à emissora dizendo que soube
de fonte segura que em Petrópolis estaria vivendo em idade muito
avançada uma senhora que quando menina, servia de companhia
para CLARA SCHUMANN que a levava em caminhadas sob o sol.
(DUARTE, TEMOS QUE CONFIRMAR EM QUE CIDADE CLARA
SCHUMANNA MORREU, E COM QUAL IDADE.)
Página 49 de 500
Martius, arrogante, poderoso, ameaçou me mandar embora,
dizendo-se irritado porque “ música de casamento não era pra ser
transmitida no rádio, principalmente na hora do almoço”.
Amedrontado, não querendo perder o emprego, mesmo assim
sustentei a discussão no telefone, dizendo que não tiraria a música
do ar. Ela rodaria até o fim. Martius despediu-se dizendo: “pois não,
a cabeça é sua...”
Minha antipatia pelo imbecil saltava dos meus olhos fixos nele.
Página 50 de 500
E então o ogro proferiu do alto de sua importância: “não gosto de
música clássica, acho um saco, nunca ouvi o programa, mas sei que
o governador gosta de ouvir. Antes de falar sobre patrocínio quero
avisar que vou fazer uma lista de itens que quero implantar e
modificar no programa....”
Página 51 de 500
Durante todo o almoço, o filho do Roberto ouvia nossa conversa
animada e não dizia um “ái!” Já achei estranho um menino entrando
na adolescência ser tão comportado. Servido o cafezinho, o menino
não quis mais ficar na mesa, pedindo licença pra sair. Quando ele
estava indo pro quintal, Roberto gritou com ele, com uma voz que eu
não conhecia, impregnada de autoridade, de irritabilidade, desferindo
uma ordem: JÁ PRO SEU QUARTO, ESTUDAR VIOLINO!!!”
Página 52 de 500
meio mais eficiente e barato era o OUT DOOR, esses cartazes de
propaganda que infestam nossas ruas, muros e topos dos edifícios.
Página 53 de 500
sinalizava que eu deveria sair de Belo Horizonte se quisesse viver da
profissão e principalmente se quisesse ser respeitado. O aviso veio
no meu patético encontro com o repórter da tv ITACOLOMI, então
líder de audiência, RONAN RAMOS.
Página 56 de 500
O quadrúpede, digo, sargento estava sentado em sua mesa de
trabalho quando me aproximei, e pedi a ele que liberasse meu
pagamento. “Vou pensar nisso com algum carinho. Hoje é sexta
feira, foi um milagre você me achar aqui. Mas vamos fazer o
seguinte; eu vou estar aqui neste lugar na segunda feira, ou melhor;
não sei se venho. Pra te falar a verdade, não estou com a menor
vontade de estar aqui na segunda feira, na terça, na quarta...”
Não sei explicar, como tantas outras coisas e sensações, por que
aquele encontro com um sujeito até meio carrancudo me deu uma
sensação de esperança e mudança em minha vida. O que se seguiu
depois, desmentiria o que acabei de escrever.
Página 61 de 500
Ele me fitou por longos minutos, os mais terríveis que já enfrentei
durante uma sessão de gravação, e pra minha surpresa, pra minha
emoção, gratidão e sei lá mais o que, Agnelo,percebendo que eu era
totalmente inexperiente, fez uma longa dissertação sobre o que era o
sorriso na voz.
Comentando feliz da vida com meu pai o ocorrido, ouvi uma história
fantástica, surpreendente; meu pai aos 24 anos, me levou a um
programa de auditório na rádio Guarani que ficava na rua São Paulo,
bem próximo da Avenida Afonso Pena. Eu tinha dois anos. Distraido
na plateia,prestando atenção às atrações apresentadas pelo
animador, não percebeu que eu me soltei do colo dele e fui
caminhando pelo corredor central da rádio. Chegando ao palco, vi as
escadas laterais de acesso, e subi.
Página 63 de 500
melhorar. Eu me ouvia em casa, e sentia que faltava alguma coisa,
mas não conseguia explicar. Não desistia de tentar achar um curso
sobre impostação de voz. Não havia. Havia os maravilhosos atores
do GRANDE TEATRO LOURDES que enenado toda quinta pela TV
ITACOLOMI que eram ótimos profissionais, mas certamente não
teriam tempo, ou interesse em ministrar aulas pra mim. Aulas que
seriam específicas. Sonhei com a possibilidade de ter um curso
individual com aqueles atores que me fascinavam: THALES PENA,
ROGÉRIO FALABELA, ANTONIO NADDEO, cuja articulação das
palavras era um verdadeiro encanto, RICARDO LUIZ, famoso durante
anos pela gargalhada fantástica que produzia com sua cara
maquiada de diabo numa garrafa no pavoroso seriado A GARRAFA
DO DIABO, WANDA MARLENE, ARY FONTENELLE, e tantos outros
que já não me recordo os nomes.
Eu queria falar como eles, eu queria ter aquela sonoridade. Como foi
que eles desenvolveram isso? Eu me perguntava. Um dia, me enchi
de coragem, consegui anotar um telefone dito por alguma razão por
um desses locutores e falei com o operador de áudio ELMO ROCHA.
Fui muito bem atendido e perguntei se ele abriria as portas pra eu
fazer um teste na rádio. Simpático, Elmo me incentivou a vir.
Página 65 de 500
Minha situação na Del Rey ficava dia a dia mais delicada. Se pelo
menos alguma das principais emissoras mineiras tivesse um mínimo
de interesse em mim, seria uma ótima chance de poder ter acesso a
um salário mais digno.
Página 67 de 500
Eu tinha uma semana pra me desfazer da casa alugada e partir com
ela e o meu filho de 6 ou 7 meses pro Rio de Janeiro. Não sentimos
medo, apreensão, nada, só queríamos sair de Belo Horizonte.
Página 68 de 500
local onde o regente fica, um halo de luz fixa o tempo todo no chão
vazio. O lugar que era do ROBERTO DE CASTRO.
Página 69 de 500
iluminadores. Voltei no dia seguinte. A mesma coisa. E no outro, e
no outro. Sempre com o mesmo terno, a mesa camisa que eu lavava
durante o dia, trocava a cueca e as meias, porém o sapato, o terno e
a gravata eram os mesmos. Com o passar dos dias fui encaminhado
ao jornalisa LUIZ LOBO.
“Luiz Edgar de Andrade teve que viajar pro Japão fazer uma matéria,
estou sozinho, não vou poder te atender hoje...”
“Senta aí, vai lendo esses textos, mas não vou poder te treinar
porque tenho que acabar de redigir o texto do programa de fulano,
já que o redator dele, teve que cobrir fulano não sei onde...” Meu
silêncio e resignação.
“Ih, hoje não vai dar mesmo, porque com a tragédia do JOELMA, a
prioridade do jornalismo é toda por incêndio, mas não deixe de vir,
fique sentado aí lendo os textos, pelo menos vai lendo os textos...”
Página 70 de 500
coração disparado, cabeça latejando, lá estava eu sentado na
mesma cadeira, em silêncio.
Página 71 de 500
A essa pergunta, fixei meus olhos no rosto dela e não soube
responder. “Sou Clarisse Abujamra, ex-mulher do ANTONIO
FAGUNDES, meu querido, não sou qualquer uma não. Mesmo assim,
não consigo ser recebida na sala de (GUTA) fulana de tal...” O
colóquio de 15 ou 20 minutos com essa atriz longe de me levantar,
acabou por eliminar minhas esperanças. Nem voltei à sala desse
jornalista, fui pra rua Jardim Botânico, paletó no braço esperar pelo
ônibus 174, que me levaria até a praça Tiradentes onde eu pegaria
o 284, TIRADENTES =- PRAÇA SECA.
Página 73 de 500
meu cérebro aventava a hipótese de eu voltar pra Belo Horizonte, eu
sofria mais ainda.
Casa não tínhamos mais. Teria que ficar na casa da minha mãe. A
ideia me torturava, me afastar do meu filho quase às vésperas de
fazer um ano queimava minha garganta. Mas eu não ia recuar. Eu
me sentiria mais seguro com a certeza de que meu filho e a mãe
dele estavam em segurança na casa dos meus pais em Belo
Horizonte.
Página 74 de 500
Em várias ocasiões senti que ia fraquejar, que compraria também
uma passagem pra mim e voltaria pra BH e recomeçar tudo. O
domingo chegou. Eu estava muito sombrio, pela solidão que já se
avizinhava. Eu deixaria Marta na rodoviária e já não voltaria pra casa
da mãe dela.
Sempre tive paixão por dublagem. Esta seria minha chance de tentar
entrar pra esse mercado. Confiando na minha pouca experiência na
tímidas e única rádio novelas que a rádio Atalaia produziu onde eu
fui o narrador e o papel principal num texto de RAIMUNDO DE
OLIVEIRA, e apertando contra o meu coração o quadradinho de
papel já amarelado, percebi pra meu júbilo que minhas esperanças
renasciam. Pensei nesse teste cada segundo desde que tomei
conhecimento do anúncio.
Página 75 de 500
ME SEPARANDO DO MEU BÊBÊ E MINHA MULHER QUE VOLTAM A
BH.
Página 76 de 500
Várias casinhas lado a lado com ums louça encardida no chão e um
buraco no meio. Não havia vaso sanitário. No ar o cheiro de suor, de
desodorante barato, e excrementos humanos, urina.
Página 77 de 500
Até quando eu teria que viver naquela promiscuidade social? Mesmo
pensando que a realidade é muitas vezes pior do que esta que eu
estava vivendo, não era fácil me situar. E me acostumar com a ideia.
Uma das casinhas se abriu, entrei, saí rápido, tomei a chuveirada,
tendo outros indivíduos ao meu lado fazendo a mesma coisa, saí
mais rápidamente ainda. Eu precisava de ar puro.O cansaço da noite
anterior deve ter me apagado de maneira bem pesada, porque a
julgar pelo barulho que aquelas pessoas faziam dentro do banheiro,
dos gritos, das cantorias, dos assovios, a noite nesta sucursal do
inferno devia ser desesperadora. Ledo engano.
Minha mala era uma bolsa de tecido com duas calças, algumas
cuecas que eu trocava em rodízio, pois lavava a usada debaixo da
água do chuveiro depois de bastante esfregada de sabonete, meias e
três camisas de malha. Terno, gravata, paletó e camisa social haviam
ido pra Belo Horizonte na mala da minha mulher.
À noite, na pensão barata, tirei do saco de papel uma maçã que comi
substituindo o jantar. Enquanto eu não descobrisse um meio de
repor o pouco dinheiro que eu gastava com ônibus e pedaços de
pizza com caldo de cana pra almoçar, comeria menos ainda à noite.
Sempre uma fruta, pra forrar o estômago. Sentado no colchão
macio em cima do estrado, me dei conta de que apesar do horário, o
silêncio na pensão era total. Surpreendente para o padrão dos
frequentadores grosseiros, mal educados, barulhentos.
Página 81 de 500
de Cora Coralina, entrei numa lanchonete pra tomar uma xícara de
café com leite e um pão francês com manteiga.
Era tão bom estar nesse templo sagrado que não me empenhei
muito em travar contato com quem quer que fosse. Até que percebi
uma pessoa que havia passado por mim algumas vezes me olhando
com certa curiosidade. Era um senhor de aparência bastante
amigável, que me perguntou o que eu fazia ali há tanto tempo. Sem
rodeios eu disse que estava à procura de uma chance de fazer um
teste para locutor. Era CAUHÊ FILHO, o famoso moleque Saci da
rádio novela JERÔNIMO O HERÓI DO SERTÃO.
Eu não podia ficar na casa dela. Tenho certeza de que por ela eu
ficaria o quanto quisesse. Mas o companheiro dela não escondia a
Página 84 de 500
irritação de ter um casal com criança na casa que era dele. E não era
pra menos.
Página 85 de 500
Capítulo 2
PRIMEIRO RASCUNHO DE
“EU CONHEÇO ESSA VOZ!”
Por razões que não vou jamais entender, mesmo sendo inicio de
ano, à noite eu me cobria com a manta fina e vagabunda que ficava
sobre a minha cama. Eu não tinha com quem conversar, mas essa
constatação não me incomodava. Acostumado aos plantões noturnos
no quartel em Belo Horizonte, e aos turnos de 6 horas no alto de
uma torre no deserto da Palestina sem conversar com ninguém, meu
Página 86 de 500
isolamento não era incômodo, de modo algum. Eu ficava bem
comigo mesmo, não sentia necessidade de companhia.
Era uma sensação insuportável de boa. Logo eu, que até poucas
semanas antes em Belo Horizonte ouvia no inicio dos filmes na TV
Página 87 de 500
essa locução mágica do locutor MARIANO “VERSÃO BRASILEIRA,
HERBÉRT RICHERS!” com a segunda letra “E” acentuada de forma
errada. A pronuncia correta do nome era HÉRBERT RICHERS.
Mariano dizia “HERBÉRT.”
Página 90 de 500
Ao sair do estúdio A por exemplo, eu ficava na porta do estúdio B
ouvindo os fantásticos dubladores Gualter de França, ou Magalhães
Graça. Era um deleite ouvir e vê-los dublando. Eles não dublavam,
mas “conversavam” o texto, o que é muito diferente das inflexões de
um ator no teatro.
Página 92 de 500
Ele odiava quem fizesse isso enquanto dublava. O ruído que o
microfone teimava em captar obrigando a regravação da cena era o
maldito, incontrolável peristaltismo estomacal. A dublagem começava
às 8 e 45 da manhã. Em tese todo mundo chegava nesse horário pra
começar a gravar tendo feito um lanche ou um café completo em
casa. Por volta das 11 horas em diante, feita e digestão, o estomago
vazio reclamava sua participação nas gravações. Eram roncos longos,
intermitentes, que irritavam o elenco, mas expunham o dublador a
vexame.
E teríamos que voltar ao inicio pois não havia ainda a mídia precisa
dos fabulosos equipamentos digitais pra fazer o CUE, ou seja,
aproveitar o que ficou bom e só regravar a fala com defeito. Todos
ganharíamos tempo, e eu menos caras irritadas em minha direção.
Página 93 de 500
Horrível a sensação de ter que repetir tudo porque eu não possuía
habilidade suficiente pra receber o fone das mãos do colega, colar no
ouvido, me aproximar mais da bancada e do texto e finalmente
gravar minha fala. O nervosismo tomava conta dos movimentos o
que acabava por fazer o fone esbarrar em outro fone, ou mesmo
fazer o fone se chocar contra os meus próprios óculos, ou o maldito
caia na bancada prejudicando a gravação.
Página 94 de 500
cafezinho e do lanche porque o vizinho da casa ao lado chega do
trabalho.
Que orgulho, meu Deus, colocar minha voz junto à outras vozes tão
marcantes de dubladores que eu via como entidades; ANDRÉ
FILHO, NAIR AMORIM, MIRIAM TEREZA, CLEONIR DOS SANTOS,
ANTONIO PATIÑO, LUIZ MOTA, a imortal voz de KOJAK, MILTON
LUIZ, perfeito, impressionante como o macaco chefe de O PLANETA
DOS MACACOS, e em Barnaby Jones, WALDIR SANTANA, BRUNO
NETO, ANTONIO MORENO, ORLANDO DRUMOND, ANGELA
BONATTI, NELY AMARAL, DARCY PEDROSA, ALVARO REZENDE,
FRANCISCO MILANI, CLAUDIO CLAVALCANTI, MILTON GONÇALVES,
ARY COSLOV, LUIZ MANOEL, PAULO GONÇALVES, ENIO SANTOS,
ROBERTO MAYA, ARTHUR COSTA FILHO, GUALTER DE FRANÇA,
OTÁVIO AUGUSTO, FELIPE WAGNER, IDA GOMES, RUTH SCHELZKY,
SELMA LOPES, NEIDA RODRIGUES, MIRIAM TEREZA, RODNEY
GOMES, NELY AMARAL, MAGALHÃES GRAÇA, JURACIARA
DIÁCOVO,JORGE RAMOS, NILTON VALÉRIO, CARLOS LEÃO, SONIA
FERREIRA, ANGELA BONATTI, PAULO PINHEIRO, SONIA DE
MORAIS, ALBERTO PEREZ. Deus do céu, que timaço!
Página 99 de 500
principal homem mau da película aguardando a diligência pra
assaltarem - “”olhe, Stu, quem vem lá!”
Neiva não reagiu. O movimento que fez, foi baixar a cabeça, esperar
que Paulo levasse o fone ao ouvido se posicionando pra voltar a se
ocupar do ator que estava dublando, levou também o dele ao
ouvido, e continuou a a dublar o padre. Terminado o trabalho, Neiva
se despediu de nós mansamente, educadamente. E não voltou mais.
O fim de semana pra mim era interminável, pois não tinha o que
fazer, aonde ir. Comprava os jornais, o único gasto que me permitia.
Impossível pensar em lazer, com tantas preocupações, medos,
incertezas a me atormentar. Apaixonado por aviões, eu caminhava a
pé da praça Mauá e ia pro aeroporto Santos Dumont. Me debruçava
Achei curiosa a postura daquele beijo sem abraço mas tinha tudo a
ver com os garotos que puxavam ele pelas duas mangas do paletó,
balançavam, perguntavam. Ele mantinha os braços escondidos atrás
do corpo.
Quando essa frase caiu pra mim num filme do Jorge Ramos na
direção, tive que ouvir: “não mude o texto, fale o que está escrito!”
Eu tinha substituído o MUITO BEM RAPAZ, para “Então é isso,
rapaz!” Não pude. Não contra-argumentei. Gravei de novo, falando o
chatíssimo MUITO BEM RAPAZ. A imposição da autoridade do diretor
não me desanimou, não me desestimulou. Entretanto o momento
não era propício. Não dominava a atividade. O cerco de
agressividade e hostilidade estava se fechando porque as
desistências nos tornavam cada vez mais expostos, mais visíveis.
O que fazer nesses dois dias sem trabalho? Bater nas portas das
rádios. Na NACIONAL eu não voltaria. Resolvi tentar a rádio TUPI, e
se ia até lá, tentaria um teste para as duas emissoras; TUPI e
TAMOIO. Parti com coragem e determinação. Fui barrado pelo
porteiro da TUPI. Insisti que queria falar com o diretor artístico.
Quem sabe ele me daria uma chance, ou anotaria meu nome, ou
gravaria minha voz pra ficar no arquivo pra quando precisasse, tentei
argumentar com o babaca. De nada valeram os meus argumentos.
Agradeci e saí. Não, não era fácil. Eu sabia que não era. Não me iludi
nem um minuto quando resolvi buscar a chance. Me lembrei da JB,
da minha ousadia saindo de Belo Horizonte numa quinta feira à
noite, viajando por 10 horas, indo direto da rodoviária pra avenida
Rio Branco – felizmente era perto – onde ficava a rádio pra fazer o
teste. Consegui o teste.
Por que essas rádios que são tão menores em prestigio do que a JB
me barram na pessoa de um porteiro?
Não a conhecia, nem sei o que fez em cinema tv, ou rádio. Ela tinha
sempre uma palavra doce, um cumprimento, um gesto de carinho.
Cheguei a me surpreender encantado além da conta por ela. Graças
a Deus, não passou de um clarão, um flash.
“Seu Marcio Greick tá dormindo, volte mais tarde,porque ele vai ter
que acordar pra almoçar e sair pra atender compromisso!” avisou a
empregada pelo interfone. Meio dia e meia, e Marcio está dormindo,
puxa vida, deve ter trabalhado muito, feito show na noite anterior.
Saí caminhando pela Hilário, sem rumo.
A mão poderosa que impediu meu ato, atirou no meu rosto uma
lição estupenda; “você pode mais do que isso. Pode resistir. Pode ir
mais longe. Se não foi hoje, será daqui a um tempo...” Senti alívio
pensando nas possíveis respostas daquele grupo:. “Não tem
vergonha de fazer esse pedido,malandro?” Essa pra mim seria a mais
cotada, a mais votada, o modelo perfeito de acordo com as leis da
Sem jeito, meio encabulado, dei tchau pra todo mundo, Marcio
acenou um adeuzinho dizendo “volta aí amanhã, vamos ver se a
gente combina alguma coisa...” Claro, respondi e sai porta afora.
Tenho que ter paciência. Não adianta querer mover as pedras do
tabuleiro conforme meu desejo. Sou um dependente, sou um fardo,
Página 123 de 500
tenho que ter isso em mente pra não botar tudo a perder. Não tenho
direito algum de cobrar nada. Que eu espere então. Entro na
Herbert. Meu sangue gela. Estou fazendo outro papel pequeno num
filme com ANTONIO PATIÑO. De novo, as bufadas, os tacões das
botas, digo, sapatos batendo no chão do estúdio, o fone jogado de
maneira irritada sobre a bancada, comentários desagradáveis em voz
baixa.
Esperei o dia seguinte pra telefonar. Era mais político, mais educado.
Liguei e fui atendido pelo próprio Eliakim, que se dispôs a gravar
meu teste, bastava eu ir ao prédio na avenida BRASIL numero 500.
Dava pra acreditar? Eu me arranquei de Belo Horizonte pra fazer um
teste, que não aconteceu, e agora, numa velocidade estonteante,
estou num ônibus me dirigindo à rádio que era meu sonho
inatingível? Os corredores frios da rádio no sétimo andar, aquelas
paredes forradas de papel creme, as madeiras de lei dos vários
estúdios eram uma festa para os meus olhos. Excitado, com um nó
na garganta, fui encaminhado ao ELIAKIM. Nossa empatia foi
imediata. Me deu uma pasta com vários textos, perguntou se eu
sabia alguma coisa de música clássica,respondi que sim,q eu
produzia um programa do tipo em BH. Entrei no estúdio, Elmo Rocha
gravou e me mandou sair. Dei a volta pelos estúdios e cheguei ao
corredor. Eliakim comentou entusiasmado. “Garoto, a vaga que vai
surgir, deve acontecer por esses dias. Se eu precisar de você já,
posso contar com sua disponibilidade? Pra mim você já começaria
hoje!” Ah, meu Deus, meu Deus!! Será possível?? Consegui? Meu
adorável salmo 140, meu adorável velhinho egípcio!! Ah, meu
velhinho, se eu pudesse correr pra te abraçar, minha figura linda,
afetuosa!!! Eu precisava sair daquele corredor e ir pra rua, pra chorar
de felicidade. Não ficaria nada bem isso acontecer na frente daquele
pessoal ali na técnica. Embaraçado, já com os olhos marejados, me
despedi e peguei o elevador. Na rua dei vazão ao alívio, à emoção.
Chorei muito. Chorei de soluçar. De gratidão, de felicidade, de
alívio.
Use esse seu tamanho, essa sua força e manda todos eles tomarem
no cú!” Caramba!! Eu estava me sentindo um HULK. É claro que eu
não chegaria a fazer isso, mas adquiri uma independência tão
extraordinária que entrei no estúdio dono da situação. Estava louco
pra responder no mesmo tom ao primeiro filho da puta que
demonstrasse impaciência com meus erros. E então aconteceu um
milagre; a confiança que RIBEIRO SANTOS infundiu em mim deletou
meu medo, o constrangimento, a culpa de errar junto aos figurões.
Em todos os filmes em que era escalado, raramente repetia a
gravação, acertava todas.
A insegurança veio toda ao meu espírito. Como fazer isso, pra voz
parecer arfante, cansada, e toda metralhada? “É simples, ensaie
pulando também!” Morrendo de constrangimento tentei ensaiar
pulando. Quem pulou mesmo foi o técnico lá atrás dizendo “Fióri, o
microfone está captando as pancadas do sapato do Marcio!!” Tive
que tirar os sapatos. Ensaiei. Não conseguia ver as frases direito, já
que eu pulava mesmo bem perto do texto à minha frente. O técnico
do áudio continuou reclamando que os meu pulos estavam sendo
registrados pelo microfone. “Pule na ponta dos pés!” sugeriu Fióri.
Assim fiz. Demorou um bocado, mas consegui fazer. Superei mais
uma dificuldade. Não demorou e passei a atormentar os diretores a
Era hábito geral de que um diretor que orçava um filme por 3 mil e
quinhentos Reais, era considerado um diretor lucrativo pois se o
Herbert destinava 3 mil e 500 pra pagar todos os dubladores daquele
filme e no final custasse só 3 mil, isso era sinal de competência, de
enxugamento de custos. Neste ponto vale a pena me deter um
pouco mais para que o leitor possa acompanhar a causa que produz
um efeito desastroso na dublagem. Aos olhos e ouvidos do público, o
trabalho mal feito denigre nossa profissão. O telespectador detesta e
não se permite questionar o POR QUE. Ele não tem essa boa
vontade de separar o joio do trigo. Não tem o tirocínio de eleger os
bons trabalhos e condenar a porcaria. O volume de filmes pra tv é
imenso e grande parte dele é feito de maneira a tentar enganar o
telespectador mas principamente todo o contingente de profissionais
que dá sustento às produtoras. Espero conseguir colocar luz nesse
raciocínio pra que o maior numero de consumidores de filmes
dublados possa ter uma idéia bem próxima do que acontece. Vou
começar do B a BA.
Embora hoje eu seja persona non grata aos estúdios Disney por
causa de minha ousadia em desejar uma parte do imenso lucro pela
venda do desenho OS INCRÍVEIS, com guarida obtida em todas as
instancias jurídicas brasileiras, digo com orgulho; o leitor não vai
encontrar esse recuro podre, pobre nas produções dela. Um
dublador deixou de ser convocado, portanto deixou de trabalhar, o
diretor que orçou o filme em 3 mil e quinentos Reais, vai entregar o
filme todo dublado por menos do que foi calculado incialmente.
Portanto, é candidato ideal, porque traz lucro pra empresa. Às custas
da violação da nossa convenção coletiva que rege as normas de
produção e dublagem.
“Positivo”!
AGUIA 3, NA ESCUTA?”
“positivo, senhor!”
Meu amado Dom Duarte, agora vou partir para o terceiro tomo.
TERCEIRO RASCUNHO DE
“EU CONHEÇO ESSA VOZ!”
- Marcellus Leitão preso num bar por oficiais do exército por ter
comentado sobre a possível autoria do atentado no Rio Centro ter
sido cometido pelo capitão Wilson e o sargento.
- “PISSÊUDÔNIMO”
- ARCEBISPÊMÉRITO
- PRESSÃO PISSICOLÓGICA
EXCERTOS PARA
“EU CONHEÇO ESSA VOZ”
RELATOS DE VIAGENS
DOMINGO – 27 DE JULHO
Fez pose, abriu os braços, sorriu até. Pois não é que o faro
consumista dela farejou que naquela cadeia de prédios históricos,
lindos, classudos havia um dos maiores shopings do mundo?
Percorremos as imensas galerias e corredores até sentir fome.
Entramos no restaurante BOSCO pra comer o tão propalado
strogonoff, prato que dizem imperdível na Russia. Comemos. O meu
é muito melhor!!!! Sem presunção! O meu tem champignon. O russo
não tem. Tânia, impossível em seu inglês turístico que foi
especializado por Miri sua amada professora particular, consultou o
cardápio e se interessou em saborear o “ICE CREAM HOME MADE”.
Com sua simpatia cativante, sorriso de orelha a orelha, com seu
inglês de Oxford pediu de chocolate. Veio um bolo de baunilha com
uma bola de creme. Cansados, felizes, resolvemos voltar ao hotel de
metrô. Claro, quebramos a cara!
Rodamos feito cachorro sem rumo, desistimos e voltamos à
superfície pra pegar um táxi. Descobrimos que não sabíamos onde
estávamos. Perdemos a referência. Andamos em todas as direções
na esperança de pegar um táxi que ainda não sabemos como é.
Tirei o dinheiro do bolso, 4 mil e 200 rublos, 100 euros pra nós dois.
A velha me deu o troco e fez sinal pra eu corrermos atrás dela.
Claro, recomeçamos a correr. Tatiana gritou lá atrás “TE ESPERO NA
SAÍDA!!!!!” A velha angustiada, coitada, foi até muito gentil,
descendo em silêncio a imensa plateia e chegou perto de duas
moças que ocupavam nossos privilegiados lugares, bem perto do
palco. As moças se levantaram na mesma hora. Devem ter
imaginado que ninguém havia comprado. E fez-se o silêncio, a
Ah, não, mais buracos, escadas, metrô não!!! Se fosse esse o intento
eu não iria. Puta merda, estávamos exaustos. Ela foi falando,
falando, falando, falando, falando, falando até um carro que nos
esperava. Mais 800 rublos. Era um carro preto, novo, com ar
condicionado. Dentro do carro Tatiana falava, falava, falava, falava
sem parar. Estava muito feliz pela oportunidade de mandar um
cartãozinho de visita pra sua cliente Maria Clara, ex-dona do Hotel
Glória, que foi ciceroneada por ela, Tatiana, há alguns anos, quando
a milionária vivia com um playboy. Tatiana serviu aos dois e ficou
encantada de conviver com Maria Clara. Nos fez de portadores do
cartão dela e de um broche lindo da Virgem Maria. Agora, aliviado
pela certeza de que não voltaria ao metrô, pedi a ela que nos
indicasse uma guia como ela em São Petersburgo para onde vamos
amanhã. Ela indicou sua sócia Maria, pelo visto uma mulher jovem
por causa de um bebê mencionado por Tatiana. Na porta do
magnífico SWISS HOTEL de Moscou na rua KOSMODAMIANSKAYA
nos despedimos com abraços, beijinhos, carinhos....e alívio. Meus
Parecia que tinha ódio ou muita cocaína nos olhos. Enfurecido nem
esperei ele falar o que queria, pois eu disse NÃO, NÃO QUERO em
português mesmo, de forma bem agressiva. O filho da puta se
afastou dizendo “BRASIL, SEVEN TO ONE!!!!” Caramba, que ódio!
Dentro do palácio, me emocionei vendo os objetos das filhas e do
filho de Nicolau Romanov. O czar Nicolau II. Foi dilacerante ver de
tão perto os objetos do menino, das meninas, tão barbaramente
assassinados. Nicolau sonhava com o filho herdando o trono embora
odiasse a tarefa de governar a Russia. Uma caixa de madeira nobre
continha um rifle pequeno, feito sob encomenda pro menino treinar
tiro. Ele adorava cavalgar ao lado do pai nas inspeções da tropa.
Comovente também as roupas das meninas, confeccionadas com
tecidos finíssimos, roupas que foram concebidas e executadas por
costureiras muito hábeis. A brutalidade com a que a família foi
chacinada numa casa na localidade de YECATERIMBURGO muito
distante de São Petersburgo choca a humanidade até hoje. O
Ainda mais numa cidade de jovens como essa. Eles andam com seus
skates e bicicletas com se estivessem na ciclovia. O risco de acidente
grave é constante. O barulho enervante, ensurdecedor das s motos é
padrão. Parece que TODAS tiveram os miolos dos canos de descarga
retirados. De modo que ao parar no sinal, eles ficam acelerando,
numa ânsia desgraçada de arrancar assim que o sinal de pedestre
começa a piscar. Arrancam esticando a marcha atingindo velocidades
espantosas. Não vejo ninguém se incomodar com isso. Não há
guarda de trânsito, não há viaturas policiais. Aqui também em São
Petersburgo, os russos não jogam lixo nas ruas. É tudo muito limpo.
Não vimos um único mendigo.
Tânia está perdidamente apaixonada pela ZARA, pela INTIMISSIMI e
outras lojas de departamentos. Bem perto do nosso hotel, há uma
Caminhamos felizes pro nosso magnífico hotel que tem uma suíte
especial dedicada a Tchaikowsky. Ele se hospedava aqui. Enquanto
caminhava sob a claridade embora não houvesse sol, senti uma
perturbação momentânea, olhando o relógio que marcava 23 e 45. O
meu relógio, que não estava estragado, eu tinha certeza, estava
indicando que faltavam 15 minutos para meia noite, mas não havia
escuridão, muito menos lua cheia. Era a claridade de um sol que
ainda não havia se escondido completamente no horizonte. Havia
tanta claridade que era possível ler um jornal sentado num banco de
praça. É uma sensação indescritível.
Ai, meu Deus, não quero nem pensar nisso! Corri à recepção. Fui
atendido por Philipe, jovem, simpático, prestativo. Disse deconhecer
qualquer entrega dos correios endereçada a mim ou ao hotel. Ele
deve ter percebido minha palidez e meu desânimo com essa
informação. Mostrei a ele o recibo do despacho feito no Porto
momentos antes de embarcar pra Frankfurt a caminho de Moscou.
Na minha frente ele fez algumas chamadas. E não encontrou indícios
da entrega. A única informação que me dava alguma esperança é
que houve na data indicada no recibo uma entrega no hotel TIVOLI
MAYA muito distante desse em que nos encontrávamos. Pra acabar
comigo Philipe disse que não tinha idéia do que era TIVOLI MAYA.
Vendo minha profunda prostração, Philipe me incentivou a não me
deixar abater, pois continuaria tentando durante o dia rastrear a
encomenda. Desanimado, agradeci e fui pra rua com Tânia. Fomos
pro Rossio, onde adoramos ficar andando sem ter nada pra fazer.
Pegamos um táxi pra nos levar ao SOLAR DOS PRESUNTOS.
Surpresa! Fechado pra férias coletivas durante o mês de agosto
inteiro. Almoçamos num restaurante de frutos do mar e continuamos
a bater perna. Tânia quer ir ao bairro do CHIADO. Nunca ouvi falar
desse lugar. Ela que tem crises horrorosas de mau humor quando vê
uma escada nem se abalou quando um português nos indicou uma
escada enorme que dava acesso ao bairro. 70 DEGRAUS!!!
Ela já havia comentado isso antes de irmos pra Moscou, mas não
teve saco pra voltar à loja. Disse que tentaria o ressarcimento, ou
reconhecimento da ilegalidade no Corte de Lisboa. No Corte Inglês
foi atendida pela gerente da seção dessa grife, que foi incansável
tentando resolver a questão. Depois de muito tempo, a gerente
admitiu que houve erro na loja de Porto. Tânia venceu, obteve o
crédito. Quis o dinheiro de volta? Nem morta! Comprou outra bolsa.
Uma é dela, a outra da Cláudia Sininho e a outra é da minha
espevitada filha, Cunquinha. Felizinha da vida por ter resolvido com
toda simpatia essa pendência, voltamos ao hotel. Pegamos um táxi
pra ir ao restaurante GAMBRINUS. Deus do céu, que bacalhau foi
aquele??? E que filé mignon foi aquele que Tãnia saboreou, meu
Deus?? Pedi um branco. O maitre sugeriu o Filipa Pato. Que bebi
gemendo de prazer. Não encontrei no Corte Inglês. Tomara que haja
no free shopping. Depois do almoço, satisfeitos, felizes, meio
tocadinhos pelo vinho branco o ideal era voltarmos ao hotel pra tirar
uma soneca. Pra que??? Tânia Maria disposta, alegre, animda, botou
20 no viado e fomos a pé pra onde? Pro
CHIAAAAAAAAAAAAAAADOOOOO!!!!! Ela entrou de novo EM
TOOOOOOOOOOOOOOOOOODAS as lojas que ela adorou ontem.
29 DE MAIO DE 1.984
MIAMI – 30 DE MAIO
MIAMI – 31 E MAIO
ORLANDO - 02 DE JUNHO
Nosso primeiro café desde o dia 29. Café brasileiro, forte, cheiroso,
gostoso. Vamos pra rua, às compras, e adquirir o bilhete aéreo para
Paris. Na saída da agência de viagens, paramos numa farmácia para
compras. Quando eu passava pela porta, indo embora, o alarme
contra roubo soou forte, insistente.
Desastrado, estabanado que sou, fiz o sistema de alarme disparar
por acidente, pensei comigo. Mas para minha surpresa, o guarda da
farmácia avançou para uma senhora com ar distante que saía junto
comigo e tirou das mãos dela sua sacola de compras. Estava lá o
produto do roubo.
PARIS - 06 JUNHO
Pousamos em Orly. Tânia tem fome, muita fome. Vou ao bar e peço
um sanduíche. Por sorte sou atendido por um jovem português. Ele
me serve sanduíches, croissants, cerveja e coca cola.
Tânia come os croissants em contrição dizendo que nunca havia
provado nada mais gostoso.
No serviço de atendimento ao turista, depois de alguma demora,
deixamos um sinal da reserva do hotel , embarcamos num táxi
dirigido por uma senhora muito simpática de nome IRENA.
Ela me corrige quando a chamo pela pronúncia a que estamos
acostumados no Brasil. Ela exige IRENÁ com acentuação forte no
“A”.
O percurso até o hotel foi uma farra. Ela se divertiu muito conosco.
PARIS - 07 DE JUNHO.
Dentro do trem, agora numa viagem mais curta até Londres. Nos
instalamos bem à brasileira numa cabine de primeira classe sem ter
direito a isso. Agimos como brasileiros, de posse do eurailpass que
neste trecho não dava direito à primeira classe. Mas como somos
espertos, somos brasileiros, nos instalamos na primeira classe, na
certeza de que enganaríamos o fiscal da composição.
Quando o trem iniciou sua marcha, veio o fiscal com voz de taquara
rachada, pedindo desculpas por nos avisar que teríamos que pagar a
diferença da segunda para a primeira classe. Foram 22 dólares para
nós quatro. O fiscal sorria constrangido o tempo todo repetindo que
lamentava muito ter que nos cobrar a diferença. Acabei morto de
vergonha pela falta de educação que estávamos cometendo. Hão
havia dúvida; eu estava nos domínios da Inglaterra dos lordes.
09 DE JUNHO
SABADO 10 DE JUNHO.
Me irrito com ele. Afinal, sou brasileiro e desorganizado, não deu pra
incorporar o espírito europeu.
Desço com duas grandes bolsas com rodinhas e alças se embolando
nas minhas pernas, com Tânia suplicante atrás de mim apanhando
da bolsa dela.
A visão é patética; Tânia e a bolsa tem a mesma estatura.
Outro funcionário, esse da estação, me avisa que o trem para
AMSTEDÃ vai sair às 13,29 e já são 13,26.
Brinco com Tânia mostrando o relógio que marca 13,29 e digo: “o
trem vai sair agora, quer ver?”
Acabei de falar, o trem saiu voando sobre trilhos. Tânia colou o rosto
na vidraça da janela admirando as cidadezinhas do interior da
DOMINGO – 11 DE JUNHO
MUNICH – 12 DE JUNHO
VIENA – 14 DE JUNHO.
VIENA – 16 DE JUNHO
ZURICH – 16 DE JUNHO
Nessa viagem até agora não encontrei ninguém mais divertido. Ele
nos deixou no Coliseu e voltou ao seu posto de trabalho no Vaticano,
e nós nos metemos pelas ruínas do Coliseu para mais um êxtase.
O dia terminou ótimo com um passeio pela VIA ÁPPIA.
ROMA – 19 DE JUNHO
MARSELHA – 21 DE JUNHO
MADRID – 22 DE JUNHO
SABADO – 23 DE JUNHO
DOMINGO – 24 DE JUNHO
03 DE JUNHO DE 1.986.
PARIS – 04 DE JUNHO DE 86
PARIS – 06 DE JUNHO
PARIS – 07 DE JUNHO
Finalmente ele chegou. Aquilo que estava debaixo dos meus olhos
era inacreditável; mais parecia sopa que Brizola dá aos mendigos da
Lapa nos fins de semana.
O macarrão era o tubinho, meio duro, que tentei comer mas foi
impossível.
Tânia só conseguiu balbuciar que “entramos por um cano
monumental!”
Eu devia estar fazendo uma figura tão derrotada e decepcionada que
o garçon veio até a mesa perguntar se estava tudo certo, se esse era
o prato que eu havia pedido.
Respondi meio sem jeito que eu havia imaginado o quatro queijos da
maneira que conhecia e não aquele que estava diante de mim.
Percebi o mal estar criado mas me apressei a dizer que o problema
da desinformação era meu, que ele por favor não se preocupasse e
pedi outro prato.
Menos de 10 minutos depois ele chegou à mesa um delicioso
talharim à carbonara que comi até limpar o molho com miolo de pão.
Se fossem dois pratos, eu teria devorado os dois.
PARIS – 09 DE JUNHO
GRÉCIA – 10 DE JUNHO
O café do ECONOMY não podia ser pior. Fomos para a rua. Olhamos
o comércio, compramos algumas bobagens, fomos ao Partenon e
voltamos caindo aos pedaços de cansaço.
Comprei uma cabeça de cavalo árabe feita de alabastro branco por
78 dólares. Amanhã vamos fazer o tour das ilhas AEGYNA, HYDRA E
POROS, com almoço incluído a bordo do navio. Nome do navio.
MYSTRAL.
GRÉCIA – 11 DE JUNHO
GRÉCIA – 12 DE JUNHO
Plaka está em festa com muito turista, muita gente bonita, seus
bares com cadeiras na calçada. O ambiente é agradável.
Um sujeito de de foz forte pula em cima de nós tentando nos atrair
para o seu restaurante e consegue.
Queremos comer polvo. Ele sugere polvo ao vinagrete. Fazemos cara
de repulsa. De repente ele me puxa pelo braço e me leva dentro da
cozinha.
Isso mesmo, dentro da cozinha, no meio dos cozinheiros, de frente
para o enorme fogão. Experimento o polvo que ele me dá no
pratinho. Não gosto. Numa grelha me encanto por um espeto de
peixe espada, um brochete. Peço dois.
Comemos tudo, sentados numa mesa de calçada, vendo o povo
passar pra lá e pra cá.
Que jantar delicioso e só custou 12 dólares os dois pratos.
GRÉCIA – 14 DE JUNHO
GRÉCIA – 15 DE JUNHO.
GRÉCIA – 16 DE JUNHO.
ROMA – 04 DE JUNHO
ROMA – 05 DE JUNHO
FLORENÇA – 06 DE JUNHO DE 97
Sacanagem! De pé às 7 da manhã!
Dá pena sair deste apartamento lindíssimo, luxuoso, duplex, enorme.
VENEZA – 07 DE JUNHO DE 97
Obriguei ela a andar por quase uma hora pra espantar a moleza e
fazer digestão.
Voltamos ao hotel para dormir um pouco já que o comércio fecha às
13 horas para reabrir às 17.
Acordamos às 18. Para onde fomos? AO CORTE
INGLÈÈÈÈÈÈÈSSSSS!!!!!
De novo, sobe, desce, sobe, desce, pergunta. “USTÊ TIENES ESSA
BOLSA NA CÔR NÊRO??”
CÓRDOBA – 12 DE JUNHO
SEVILHA – 14 DE JUNHO DE 97
31 DE AGOSTO DE 1.998
Agora, indo pra São Paulo, ouvindo de novo essa comunicação não
tive dúvidas, era o próprio.
O sistema de som deste MD-11 estava fraco.
Com o barulho das turbinas, perdia-se muito do que o comandante
falava.
Pousamos em São Paulo.
A aeronave taxiando bem devagar com rotação baixa das turbinas
permitia se entender tudo o que ele dizia.
Como num passe de mágica, Tânia abriu os 640 dentes num largo
sorriso se instalando numa confortabilíssima poltrona. Ela estava tão
encantada que até esqueceu o ódio que sentia minutos antes pela
funcionária da infraero que quase fudeu nossa viagem.
BARCELONA – 02 DE SETEMBRO DE 98
Cheguei ao topo.
Então comecei a descer, descer, descer, feito corno que acaba de
pagar promessa na escadaria da Penha. Tânia era só sorrisos, eu era
só um mulambo arfante.
Ela quis fotos, várias fotos. Teve fotos adoidado, claro. Ela adora o
Parque Güell, adora Gaudi, como é que não vai ter fotos?
Pelas chagas de Cristo e pelo doce olhar de Maria mãe de Jesus,
retomamos nossa caminhada, agora de volta ao centro de Barcelona.
Para a amada La Rambla pátria amada salve salve?
Não, ledo engano!
Descemos do ônibus e entramos no EL CORTE INGLÈS, que ela
adora, e não pode viver sem ele.
Compramos um monte de merda e voltamos para o hotel.
Pra dormir. Pra dormir não, pra desmaiar.
BARCELONA – 03 DE SETEMBRO DE 98
BARCELONA – 04 DE SETEMBRO DE 98
BARCELONA – 05 DE SETEMBRO DE 98
BARCELONA - 06 DE SETEMBRO DE 98
Depois de fazer hora com nossa cara por causa da derrota para a
seleção francesa, perguntou para onde estávamos indo. Quando
ouviu o nome do HOTEL D’EUROPE, fez expressão admirada
arregalando os olhos: “é lá que se hospeda o primeiro ministro
JACQUES CHIRAC!”
A chuva aumentou muito, o que nos fez sentar numa cafeteria para
comer um pão redondo com jamom e queijo parmesão que levado
ao forno veio crocante, muito saboroso.
Bebi duas taças da deliciosa cerveja LEFFE. Voltamos ao hotel para
descansar, tomar um bom banho e aguardar o jantar no refeitório,
que marcamos quando chegamos ao hotel.
Às 20,30 estavamos à postos, majestosos, entrando no salão.
Quando 2 ou três garçons se aproximaram, imaginei que seria ótimo
ter sido anunciado por um francês com meias branquinhas longas
até os joelhos, o saiote de babadinhos, os sapatos com enormes
fivelas prateadas no peito do pé, peruca loura caindo em cachos até
os ombros, um enorme cajado que ele bateria no chão três vezes no
assoalho para nos anunciar: “Monsieur Marciô Seixas, dublatéur, e
Madame Tâniá, publicitaire!”
Neste trem veloz, indo para NICE mas fazendo uma porrada de
escalas. Embarcamos às 11,02 devendo chegar lá às 14,40.
Fato raro; chegamos pouco depois da 15 horas.
Na estação de NICE, só pra matar a saudade, recebi um par de
coices de uma funcionária do serviço de informação ao turista
porque falei em inglês. Devolvi o par de coices com juros e correção
monetária.
Desde a última viagem, aliás; a última não; só levei coices algumas
vezes, o suficiente pra aprender a devolver as delicadezas.
Um guarda que estava bem perto, se limitou a olhar pra mim,
atraído pelos berros que dei com a filha da puta.
Não foi ele quem quase nos matou de susto, foi a realidade. Na
relação de hoteis fornecida por Berenice, nossa vizinha, os hotéis
estavam lotados. O motorista então, sem que pedíssemos, sacou do
celular ligando para vários hotéis à procura de vagas pra nós.
Depois de sucessivos “pás de chambres?” ele parou em frente ao
PLAZA CONCORDE numa praça maravilhosa pertinho da praia.
Diária salgada; 200 dólares.
BARCELONA – 11 DE SETEMBRO
MADRID – 13 DE SETEMBRO DE 98
Vamos na classe executiva. Custou uma baba. Mas vale cada centavo
gasto. As poltronas hidráulicas nos colocam na posição que
desejamos. Estou tossindo por culpa de um resfriado maldito que já
dura um mês. Cunca também tosse muito.
Trazemos remédios pra tentar conter as crises. Paliativos apenas.
Estranhamente, Tânia ainda não começou a espirrar. Nem Rachel.
Elas espirram.
E lá fomos nós pra RUE DES ÉCOLES 31, endereço do HOTEL SULLY
SAINT GERMAIN no bairro do mesmo nome.
Pra nossa surpresa descobrimos que nessa rua, a poucos metros do
nosso hotel, está a SORBONNE.
O elevador só dá pra uma pessoa com mala. Tivemos que dar três
viagens pro sexto andar. Cada hora subia um.
Rachel não teve paciência pra esperar o elevador que anda mais
lento do que uma tartaruga. Resolveu subir a pé sem a mala.
Chegou ao sexto andar sem fôlego. Espirrou fragorosamente. Devem
ser os carpetes fedidos do piso.
Tânia espirra vigorosamente dentro do elevador. Deve ser a
pequenez do espaço.
A excitação das duas é tamanha pra sair e bater perna na rua, que
não me atrevo a pedir pra dormir um pouco. Estou literalmente no ar
há quase 20 horas.
Elas amam as bichas de suas vidas, portanto não querem nem saber
de se lembrar desse motorista que se mostrou tão “desrespeitoso”
com as bichas francesas. Audácia do motorista! Velho! Rabugento!
Elas estão fulas da vida com ele, cujo único pecado foi mencionar
que estávamos indo a um lugar de “gente especial”...
Era nosso plano ontem à noite acordar cedo pra chegar cedo à torre
Eiffel. Só saímos às 10,30. Como sempre uma multidão faz fila pra
subir. A temperatura deve estar a 9 graus.
Tânia falou com Pedro, com Ivo, que quis falar com Rachel, que
mandou chamar o Pedro que não quis falar e devolveu o telefone pro
Ivo que quis falar comigo contando alguns detalhes da festa que vai
promover neste domingo em casa.
Rachel ligou pra Marta que avisou que o Vitor já estava embarcando
de volta ao Brasil porque está com problemas no ombro de novo.
Liguei pro Fred querendo falar com Gustavo mas ele estava
dormindo. Eram 18 horas no Brasil.
Acordamos cedo e fomos logo pro café e dali fomos pro metrô
estação de SAINT MICHEL para pegar um trem pra Versailles.
Parece que o mundo resolveu visitar esse palácio hoje. Filas
gigantescas. Era uma dificuldade a locomoção nas dependências
internas do palácio devido à superlotação.
Uma van Mercedes novinha pilotada por Jorge nos leva ao hotel
RADISSON na rua Téréze Kórót.
Faz calor, a temperatura está em 25 graus.
A moeda é o FLORIN. Somos avisados de que a cidade é tranqüila e
sem violência.
Recebemos as chaves dos aptos 818 para Cunca e 819 para nós..
Precisamos trocar euros por Florins.
Não é muito fácil falar inglês aqui em PEST que é plana, velha, suja,
mas seus prédios são lindos, vitorianos, cinzentos, resquícios ainda
do comunismo.
Somos observados por uma velha dos seus 70 anos, parecendo uma
militar da GESTAPO, na entrada do grande salão onde estão os
pianos de Liszt.
Ela tem o olhar e a postura de um buldog com fome.
Entendo que tenho que pagar mais 4 euros para fotografar no
interior das salas onde estão os objetos de Liszt.
Sem flash. Pago sem questionar. Mercenários!
Nosso guia Carlos dono de uma voz feia, monocórdia conta história o
tempo todo descrevendo castelos, palácios, edifícios, pontes, igrejas,
muitas igrejas.
Paramos de novo, agora em outro palácio;O BELVEDERE.
Rachel quer ver a exposição de KLIMT, que não é o meu Eastwood.
Deus seja louvado, que chatice as obras desse cara. Rachel e Tânia
parecem intimas dele, parecem até que foram à escola com ele
quando eram menininhas.
O filho da puta do guia José, com uma voz grave e pastosa de viado
cansado, cara redonda de nordestino, óculos de grau e um chapéu
ridículo na cabeça chegou sorridente às 7 e meia.
Dentre essas pessoas está minha adorada tia Naná. Pra ela eu
procuro aquele presente que me encanta, que me emociona, que me
faz vibrar de alegria e orgulho. Eu preciso bater o olho e dizer: “é
esse o presente da tia Nana!”
Mando também presentes pra tia Marlene, pra Gardênia, pro tio
Francisquinho e pra minha querida amiga ZELMA CLARK de Sabará.
Ela adora tudo o que compro pra ela.
Logo que chegamos em Paris, comprei numa papelaria perto do
nosso hotel, um porta-moedas de couro muito lindo, porém
pequeno. Comprei, na esperança de achar outro mais bonito e mais
prático.
Mas, como não poderia deixar de ser, ela continuou atenta ao meu
interesse e tinha sempre na ponta da língua um comentáriozinho
debochado.
Então, hoje pela manhã, durante o café em Viena, resolvi explicar a
ela que tenho o hábito de comprar mais do que um objeto pra dar à
mesma pessoa, e que esse hábito é antigo.]
Ela se ofendeu, achou a explicação longa demais, considerando ter
levado um sermão.
E há um casal jovem, que deve estar em lua de mel que devem ser
surdos mudos, porque eles não falam em momento nenhum e não
devem mijar também, porque nas paradas na beira da estrada, os
homens corriam pro banheiro pra esvaziar a bexiga. O jovem
argentino não. Deve estar se alimentando de luz. Ela também.
O nosso guia Carlos, tentou proteger Tânia e Rachel da chuva com
seu guarda-chuva.
Na descida dessa rua íngreme Tânia se estabacou porque o o piso
está muito escorregadio.
Ela faz uma cara que não consegui decifrar, falando em tcheco. Ela
me mostra um gato igual mas com o dobro do tamanho.
Recusei, indicando que queria o que estava lá fora na vitrine.
A jovem linda, mas com expressão de burra, consultou sua chefe que
parecia uma lutadora de boxe, ou segurança de bordel.
Insuportável de antipática, mascando chicletes, murmurou qualquer
coisa em tcheco.
Olhei pra ela com cara de deboche. A Maguila resolveu então dar a
chave pra burrinha tirar o artigo que estava na vitrine.
Senti nesse momento que poderia fazer uma oferta, mas ainda
segurei o jogo dizendo que não podia gastar esse dinheiro e
acrescentei um comentário, sincero, de que eu não tinha coragem de
propor um preço à altura das minhas posses principalmente depois
de ter testemunhado o cuidado, o profissionalismo, a bela iniciativa
do governo marroquino montando uma fábrica pra ensinar jovens
artesãos.
Eu me sentiria envergonhado de propor algum preço, por essa razão
preferia abrir mão de ter a mesa e queria ir embora, Aziz, arrisquei
Nosso vôo em direção à Madrid está marcado para 13e 10. Mas
antes, Tânia quer conhecer a casa de YVES SAINT LAURENT.
Pagamos 40 DIHRAMS - 3 EUROS E MEIO - cada um pra ver uma
floresta tropical que cerca a casa fortaleza hoje transformada em
museu. Na loja de souvenir, as quatro ou cinco moças que atendem
os clientes, são as únicas pessoas antipáticas e anti-sociais que
conhecemos em todo o Marrocos.Voltamos pro carro, queremos ir
embora, partir de Marrakech. Que prazer sentimos todas as vezes
que entramos em museus, lojas, lugares, restaurantes, lugares
públicos, e voltando ao ponto combinado, encontrar Kalil sempre
com o semblante sereno nos esperando.
Ao nos aproximarmos do carro, ele pergunta se gostamos. Agradeço
por ter nos esperado. Ele satisfeito comenta qualquer coisa de ter
tido muita satisfação trabalhando pra nós, que somos muito
diferentes do japoneses. Em seguida conta pra nossa diversão, a
ponto de chorarmos de rir, do espanto dele lidando com japoneses,
do silêncio deles dentro do carro.
“Eu dirigia durante horas, parecia que tinha um cadáver no banco de
trás pois ninguém dizia uma palavra!” Tânia gargalha
compulsivamente. Ele disse que o o japonês se restringe
rigorosamente ao roteiro impresso em poder dele, o japonês, e o de
Kalil. E dá um exemplo; “ se tenho que levar à mesquita de
HASSSAN SEGUNDO, mas comento antes com o japonês que
SÁBADO – 20 DE NOVEMBRO –
Então Juan, olhou pra pequena pasta nas suas mãos com um
pouquinho mais de atenção e verificou – “arriba Zapata!” – que o
boleto de viagem com todo o roteiro estava nas mãos dele..
21/11 – DOMINGO
Às 08,35 Pepe chegou com sua van para nos levar à CUERNAVACA, e
TAXCO, cidade que produz a prata mais pura do mundo. Mais duas
turistas se juntaram a nós. Duas guatemaltecas.
Mãe e filha. Agradabilíssimas.
Em Cuernavaca entramos só para ir ao banheiro, fazer câmbio e
tomar um café.
Tive a nítida impressão de estar passeando no Méier. Não há muita
diferença.
Chegamos à TAXCO às 13 horas.
Eu mal via a hora de começar o show, sentado numa mesa com mais
8 ou 10 americanos e um casal à direita bem mulato, de meia idade,
que era de Belize.
O coroa falava das praias e das mulheres seminuas nas praias com
sacanagem e volúpia nos olhos debaixo de lentes grossas. Ela
parecia se divertir com o assanhamento dele.
O show era ao ar livre, e nossas mesas foram arrumadas no imenso
gramado que margeava um lago.
Os dois animadores com seu sotaque macarrônico abriram o show
tentando animar a platéia, a maioria americanos. A comida – self
service – era até razoável tendo em conta que o público presente
chegava a 300 pessoas.
Ao final do espetáculo eu percebi que as americanas falavam da
Tânia e olhavam com admiração. Que por sua vez, como é de seu
costume abriu aquele sorriso social encantador mas sem entender
porra nenhuma do que as velhas falavam. Estavam encantadas com
a roupa da Tânia.
Mais uma vez tive a certeza de que aquele Moço lá em cima vai com
a minha cara.
Desde que cheguei ao México quero ouvir um conjunto desses à
caráter, cantando perto de mim num restaurante típico.
Aqui neste fim de mundo, não tenho meus apoios, meus suportes,
que me ajudam a distrair o espírito, o corpo, e a cabeça.
Com essa eu não contava. Para mim, seria fácil afastar a angústia,
pelo tanto que eu teria que falar, traduzir, embarcar, desembarcar,
entrar em hotel, sair de hotel, entrar e sair de todos os shoppings e
todas as lojas carregando todas as bolsas, sacolas, compras.
Nossas malas sairão deste avião para o outro que nos levará à
Cancun. Na saída do túnel, nos indicam a sala 35 para embarque.
Pensei: “vai ser uma longa caminhada, já que saímos na sala 1 ou
2.”
Logo vi a maratona que nos esperava.
Tânia fez amizade com uma japonesa paulista de nome Helenita que
deu a ela um monte de informações, dentre elas a mais importante
pra nós nesta viagem: o nome do funcionário da Varig que poderia
resolver a angústia que estou sentindo com a viagem de vota ao
Brasil.
Na ida pro México, consegui com a recepcionista da Varig que
imobilizasse a poltrona do meio, portanto viajamos no maior
conforto.
Helenita foi um fio de esperança ao nos dar o nome e o telefone do
Sidney funcionário da Varig em Cancun.
Não eram.
O Nome ARAT, é de um cantor mexicano de sucesso que a nora de
Eduardo gosta, segundo nos explicou seu motorista, um baixinho
cara de safado, e cara de bebum que fedia por falta de banho.
Por indicação do Eduardo fomos almoçar num restaurante chamado
LA PARRILLLA. Ali perto mesmo. Seu motorista nos levou. Nos
despedimos com juras de cordialidade e recebemos a confirmação de
que na data da nossa volta ao Brasil, seríamos apanhados no hotel
às 12 horas para voar de Cancun à cidade do México e de 18,40 da
cidade do México para São Paulo/Rio.]
SÁBADO – 27/11/2004
Duas horas pra ir e duas horas pra voltar. Ainda bem que voltamos
às 2 da tarde, podíamos ir pra linda piscina do hotel.
DOMINGO – 28 DE NOVEMBRO-2004
Chegamos quase uma hora mais cedo. Uma garota linda brincava
com tartarugas gigantes, arraias, e tubarões. Botei a mão no que me
pareceu mais uma inofensiva tartaruga, claro. A moça não deixou.
Eu só podia pegar nas arraias e nos tubarões. (!)
Desembarcamos.
Nossa bagagem saiu rápido. Dei uma olhada na gordinha e perguntei
à Tânia o que estava havendo à bordo.
Me respondeu que estava horrorizada com a arrogância dos
comentários da gorda.
De posse da bagagem nos dirigimos ao saguão para encontrar um
suposto guia ou recepcionista da Soletur.
O aeroporto estava deserto.
Claro, nas mãos dos meninos parecia que o som estava sendo tirado
de debaixo de um travesseiro. Mas não deixavam a peteca cair;
tocavam essas merdas o dia inteiro.
Passeamos no elevador, fomos ao Pelourinho, fizemos paradas para
fotos. Andamos bastante e voltamos ao navio para almoçar.
Ao chegarmos ao salão de refeições, o maitre nos indicou nossa
mesa apontando para o garçon que vai nos atender durante esses 8
dias.
SABADO – 14 DE JUNHO
DOMINGO – 15 DE JUNHO
Vitor teve uma idéia brilhante; como havia espaço razoável entre as
fileiras de poltronas que ele, Fred e Idel ocupavam, e a divisória que
separa a cozinha das poltronas, ele foi pro chão deitar-se naquele
carpete limpinho. Ficou ali confortavelmente esticado, quando de
repente levantou-se pra ir ao banheiro. Fred vendo aquela caminha
feita logo abaixo do nariz dele, não se conteve e ocupou o lugar do
Vitor.
Tive vontade de obrigar Fred a sair dali,mas resolvi esperar pra ver
no que ia dar.
Quando Vitor se deparou com aquele ursão deitado, ordenou em voz
baixa que ele saísse de sua “cama.”
Fred por sua vez não mexia um único músculo do corpo pra dar a
impressão de que estava dormindo.
Frederico foi pra Europa com Ana Tolda, e em Paris foi ciceroneado
pelo padrasto da Ana que é um industrial francês rico.
Fred ligou de Paris às 21,20 (18,20 aqui) com a voz excitadíssima.
Ele queria falar 10 coisas ao mesmo tempo.
Ligou do quarto de “um hotelzinho...como se chama esse hotel ,
Ana?”
-“LA CAMPAVILLE”
- Chama a Ana...
- Oi!
- Ana, você foi naquele porto de onde Cristóvão Colombo saiu com
as três caravelas pra descobrir a América?
- É, SI EX PLAU!
- Fred, não fique gastando o seu dinheiro, você ainda tem vários dias
pra viajar, não fique viajando com peso...